Apontamentos Memorial 2

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Escola Secundria d

Portel
AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PORTELA E Escola EB 2,3 Gaspa
Correi
MOSCAVIDE Escola EB1 Catela Gome
Estudo de Memorial do Convento Escola EB1/JI Quinta d
Alegri
Escola EB1/JI Portel

Que histrias nos conta a obra Memorial do Convento?


1. Memorial do Convento, como o seu prprio ttulo indicia, pretende, em
primeiro lugar, reconstituir a memria da construo do Convento de Mafra,
mandado erigir pelo rei D. Joo V.
Trata-se, por isso, e numa primeira aproximao problemtica da obra, de
um romance histrico, j que a sua ao principal se reporta verdade da
Histria que se reconhece como factual. E, em certa medida, isso que
suceder.
Fruto da investigao histrica do autor, a obra repe, na realidade, o historial
da construo do convento e os seus contornos, tendo, em consequncia, um
conjunto de personagens tambm elas histricas, como D. Joo V, a Rainha, o
Padre Bartolomeu Loureno, Domenico Scarlatti, para nomearmos apenas as
que maior relevo assumem. Podemos, pois afirmar que, em primeiro lugar, a
obra nos narra a construo do convento.
Porm, no D. Joo V ou qualquer membro da corte que o autor pretende
homenagear, mas sim os verdadeiros obreiros de to prolongada, difcil e
artstica obra o povo annimo que por ela trabalhou, viveu e, muitas vezes,
se perdeu, como, de resto, o desenvolvimento da narrativa bem o sublinha.
Ora, verificamos, de acordo com os heris que a narrativa seleciona, que
Memorial do Convento consagra uma outra leitura da Histria, procurando
testemunhar e celebrar os heris que os anais da Histria esqueceram,
fazendo-lhes uma espcie de justia, numa mensagem que no pode deixar de
ser interpretada luz da ideologia humanitria defendida por Jos Saramago
que, sem hesitaes, se coloca do lado dos mais fracos, dos oprimidos, dos
que nunca tm voz, enfim, dos que no contam seno para o trabalho rduo.
Como forma de sublinhar, por um lado, a grandeza do povo e, por outro, a
mediocridade da corte, nomeadamente do Rei e da instituio Igreja, o autor
produz um discurso narrativo que toma partido pelo povo, assumindo-se no seu
posicionamento subjetivo, marcadamente parcial. Este efeito gerado atravs

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da perspetiva disfrica com que as personagens do poder, nomeadamente o
Rei e a Rainha, so construdas e, pelo contrrio, atravs da empatia
denunciadora evidente atravs da singeleza, simplicidade, perspiccia,
coragem, determinao, empenho, competncia das personagens ligadas ao
povo, sobretudo Blimunda e Baltasar.
2. Construdo o quadro antagnico de personagens negativas (Rei, Rainha,
Igreja, Corte) e de personagens positivas (Baltasar, Blimunda, Padre
Bartolomeu, Scarlatti, povo que trabalha), uma outra ao se constri e
desenha a partir do captulo (sequncia) VI: a construo da passarola, ou
seja, a concretizao do sonho de voar.
simblica a existncia de dois sonhos que compem a narrativa e
constituem os seus eixos centrais:
a) o sonho do rei, que consiste na construo do convento de Mafra e que
continuar, at ao fim, um sonho individual, no partilhado, configurando-se
mais como um capricho do que como um sonho. De salientar que, para a sua
execuo, os homens trabalharam forados, e que para dar lugar sua
existncia houve que alienar as terras de cultivo que constituam o sustento,
trabalho e herana de muitas famlias do povo, como o pai de Baltasar. Ainda
assim, embora forado, quase escravizado a partir da definio da data da
sagrao, o povo no deixa de colocar a sua arte e, muitas vezes, a sua vida
ao servio do sonho megalmano do Rei. Como lio, retiramos que a
concretizao do sonho do Rei s foi possvel graas ao empenho, dedicao e
arte dos homens que revelava desprezar.
b) o sonho de voar, materializado na construo da passarola projetada pelo
Padre Bartolomeu Loureno de Gusmo. Em oposio construo do
convento, a passarola incurso da dimenso do onrico na histria de
Memorial do Convento s existir porque para isso trabalhar uma equipa: o
Padre, Baltasar, Blimunda e, mais tarde, Scarlatti. Cada um deles ter a sua
participao definida de acordo com a sua competncia e procurando alcanar
um sonho de que todos se apropriaram. Na realidade, o sonho no mais o de
um homem s; , sim, o sonho da equipa, pelo qual todos trabalham
empenhados, conscientes de que participam num projeto ambicioso e nico,
excedendo-se nas suas limitaes, inclusive na do medo da Inquisio. O facto
de ser construdo por personagens histricas (Padre Bartolomeu e Scarlatti) e

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por personagens ficcionais (Baltasar e Blimunda) simboliza a exceo deste
projeto e o modo como a fico tambm pode intervir, tal como a arte, a
alquimia/magia, o acreditar, a vontade humana, a cincia, a perseverana, na
construo do sonho.
Vejamos, pois, como se vo desenvolvendo na narrativa a construo de
ambos os sonhos:
Construo do Convento Construo da Passarola
C.I- promessa do Rei. C. VI incio do trabalho de equipa
para a construo da passarola.
C.VII renovao da promessa. C.IX mudana de Baltasar e
Blimunda para So Sebastio da
Pedreira e trabalho de ambos na
passarola.
C. VIII seleo do lugar onde ser C. XI regresso do Padre Bartolomeu
construdo o convento (Alto da Vela). da Holanda. Reincio da construo
da passarola, agora com novo
entusiasmo.
C. XI construo dos caboucos. C.XIV incio da colaborao de
Domenico Scarlatti.
C. XII bno da 1. pedra. C. XV descrio da recolha das
vontades humanas.
C.XVIII anotao dos gastos C. XVI primeiro voo da passarola
excessivos do Rei devido s desaparecimento do Padre
sucessivas alteraes ao plano inicial. Bartolomeu.
C. XIX Epopeia da Pedra. C. XXIII segundo voo da passarola
desaparecimento de Baltasar.
C. XXI estabelecimento da data de
sagrao do convento; angariao
forada de homens para a construo
do convento.
C.XXIII chegada das esttuas.
C. XXV sagrao.

3. A par da ao da construo do convento e da passarola, uma outra


dimenso se desenha na obra Memorial do Convento: a dimenso humana.
Esta dimenso encontra-se presente atravs de mltiplos aspetos,
nomeadamente na exemplaridade da relao amorosa e cmplice de Baltasar

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e Blimunda que em tudo se ope ao casamento contratual do Rei e da Rainha,
assim como dos seus filhos. De novo, o povo perspetivado de forma positiva
pela pena do narrador, que no hesita em demonstrar a sua simpatia e, em
oposio, o seu profundo e parcial desprezo pelas personagens do Rei, da
Rainha, bem como da Corte e da Igreja em geral, aspetos notrios pela prpria
caracterizao das personagens, sendo que a caricatura o paradigma de
construo destas personagens.
4. A par da Corte, evidente igualmente o desprezo de que alvo a
instituio da Igreja Catlica, nomeadamente o Santo Ofcio e as suas prticas
inconcebveis. O narrador assume sem hesitaes uma voz sarcstica quando
se detm nas descries relativas Igreja e exerce uma funo de denncia da
instituio igreja em mltiplos aspetos. No s sublinha o ridculo das
condenaes arbitrrias do Santo Ofcio e desmascara a desproporcionalidade
entre crime e condenao, como no hesita em evidenciar a depravao moral
dos membros do Clero e o despudor com que influenciavam o poder, sendo
inmeros os episdios e os comentrios do narrador a esse propsito. Muitas
destas denncias surgem atravs da personagem do Padre Bartolomeu que,
sendo membro do Clero, torna mais real as denncias efetuadas. Por outro
lado, medida que a narrativa evolui, os comentrios do narrador vo
conquistando uma dimenso de reflexo sobre os destinos do homem, de
carcter muito mais profundo do que a mera denncia irnica ou sarcstica,
contribuindo para que a intencionalidade crtica da obra se concretize num
plano mais ideolgico e mais srio e estabelecendo um verdadeiro dilogo com
o leitor em torno das injustias da Histria e do papel do Homem no mundo.

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