A Poética Do Deslimite
A Poética Do Deslimite
A Poética Do Deslimite
Guiados pela leitura das poesias de Manoel de Barros, fomos surpreendidos por uma
positividade muitas vezes desconcertante, inaugural, que flagra a verdez das coisas, como o
poeta mesmo diz, e as retrata em palavras que nos deixam ver o deslimite enquanto matria de
sua poesia. [...] a ideia de deslimite se expressa a partir da incluso, na essncia ou compreenso
de algo ( de seu limite) , de uma virtualidade que se lhe torna imanente ao mesmo tempo em
que o abre a processos semioperceptivos que lhe reinventam o sentido - tornando-se, o fazer
potico, um laboratrio privilegiado que nos permite vislumbrar a gnese da prpria linguagem.
( SOUZA, 2010, p.15 grifos do autor)
Escrever no certamente impor uma forma (de expresso) a uma matria vivida. A literatura
est antes do lado do informe ou do inacabamento. (...) Escrever um caso de devir, sempre
inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matria vivvel ou vivida. um
processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o vivvel e o vivido. (DELEUZE, 1997,
p.16 in SOUZA, 2010, p. 16)
A Vida um processo que atravessa nosso vivido e rompe os limites utilitrios deste; do mesmo
modo que o Sentido, quando trabalhado pelo poeta, emerge na linguagem extravasando as
significaes dominantes que prescrevem palavra um limite. O deslimite o processo que
faz do inacabamento o estado sempre renovado que no deixa com que as coisas acabem,
sendo ento reinventadas pelo processo criativo tanto na poesia como na vida. (SOUZA,
2010, p.16 grifos da pesquisadora)
Admite-se que a filosofia uma atividade que se caracteriza fundamentalmente pela sua relao
com os Conceitos. A esse respeito, afirmam Gilles Deleuze e Flix Guatarri, a filosofia, mais
rigorosamente, a disciplina que consiste em criar conceitos. A filosofia um exerccio
estritamente conceitual. Mesmo que precria, mesmo que insuficiente, a definio da filosofia
como atividade em estreita relao com os conceitos nos fornece, contudo, critrios seguros
para exatamente separ-la da no-filosofia. E mais: podemos tambm, se quisermos,
desenvolver as relaes entre a filosofia e a no-filosofia, descobrindo entre ambas
comunicaes nem sempre explicitadas ou manifestas. (SOUZA, 2010, p.18)
Assim, a principal tese que sustenta e justifica a nossa inteno de propor uma leitura filosfica
da obra de Manoel de Barros apia-se na ideia de que pode existir um plano comum filosofia
e no filosofia, filosofia e arte. Esse plano chama-se pensamento. Se a filosofia
expressa esse plano atravs dos conceitos, a arte, por sua vez, possui seus meios prprios para
express-lo meios estes que variam de arte para arte. (SOUZA, 2010, p.18 grifos do autor)
Desse modo, no menos que na filosofia, o pensamento tambm pode encontrar sua expresso
na arte. Quando isso acontece,o pensamento faz do corpo e da sensibilidade um instrumento
privilegiado para o seu exerccio diferencial e singular. (SOUZA, 2010, p.19)
Certamente, filosofia e arte no expressam o pensamento com os mesmos meios. Porm, ambas
podem participar de um mesmo plano de pensamento, expressando-o, cada uma, com os meios
que lhe so prprios, imanentes. E por esse motivo que um poema capaz de nos fazer sentir,
por sensao, um conceito. E uma filosofia, por sua vez, pode nos fornecer o conceito que uma
construo potica quis nos fazer sentir. (SOUZA, 2010, p.19)
Partimos da hiptese de que nem toda poesia se presta a que dela extraiamos um conceito
filosfico, isso simplesmente porque nada pode haver nela de filosfico. Ela no deixa de ser
poesia por isso. Do mesmo modo, h conceitos filosficos que parecem impossveis de serem
trazidos sensao, isto , a esse lugar no qual, como diz Manoel de Barros, toda apreenso de
sentido se faz por incorporao:
o entendimento do esprito.
Para a poesia, no existe corpo vivo que no seja incorporao da Vida. Esta somente pode ser
apreendida enquanto incorporada em um corpo cujo entendimento a sensibilidade
sensibilidade Vida. O conceito s incorpora quando se torna ele prprio sensvel Vida, ao
passo que a inteligncia s entende o corpo como coisa limitada, como coisa morta, como
parede, enfim. Um conceito filosfico s incorpora quando se torna expresso de um
pensamento que, em seu deslimite, une-o poesia. (SOUZA, 2010, p.19 grifos da
pesquisadora)
Gilles Deleuze criou uma expresso para nomear essas relaes entre a arte e a filosofia. Seu
nome: Pop Filosofia. Trata-se de uma concepo da filosofia pensada a partir de suas fronteiras
com as artes, principalmente a literatura e a poesia. Atravs de uma popfilosofia, a filosofia
encontra seu deslimite e, ao afirma-lo, devm tambm uma prtica inventiva, problematizadora,
questionante. (SOUZA, 2010, p.20 grifos do autor)
Uma popfilosofia se constitui apoiada na seguinte ideia: a filosofia pode ser compreendida de
maneira no conceitual ou acadmica, sem que isto signifique um prejuzo essncia
problematizadora do dizer filosfico. (SOUZA, 2010, p.20)
A compreenso exclusiva atravs dos conceitos apenas uma das formas possveis para se
compreender a filosofia, mas no a nica dado que a compreenso de qualquer coisa em
geral, e da filosofia em particular, mobiliza camadas de nosso pensamento e de nossa
sensibilidade que igualmente so mobilizadas quando ouvimos uma msica, lemos uma poesia
ou vemos um quadro. (SOUZA, 2010, p.20)
E nesse territrio, onde o Pensar e o Sentir embaralham suas fronteiras, perdem seus
respectivos limites e fazem do inacabamento o processo que os afirma, nesse territrio
que vemos surgir a possibilidade de construo, com Deleuze, de uma popfilosofia.
(SOUZA, 2010, p.20 grifos da pesquisadora)