Crítica Feminista
Crítica Feminista
Crítica Feminista
feminista.
da tese de doutorado
Desde a_qu4 olrge!q-e!c-1920, com a publicao, nos Estados lJnidos,
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de Kate Mifi.t, i"ut*"f"a, Seprd,plirs, ess-a.ly'ertn-tq da ctticahtertiatem4.srqlnido
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ao feminismo, que ps a nu as circunstncias scio-histricas entendidas
produo literria. Dt -.r-o modo que {ezpe1qb-q{,qg-e-estrrpo-bru.ufr:r-o-!,.99glt"olU$i:l:lf'
na luta pelos direitos da
difundido na literatura e no cinema, .onrtitui-re num considervel obstculo
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de rextos literrios cannicos mostram inqu911i-gn-1v-e51-o*r19spo-l,dneras
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Ambas so construia,t *ui" aliceicei di p-o-ti1i"'b-aseados ttas-telaqs de-poder' .
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L.
"-*..@ cnrrcA FMrNrsrA
Termo utilizado para designar uma espcie de organizao familiar originria dos povos
antigos, na qual toda instituiao icial concentrava-se na figura de um chefe. o patriarca,
Patriarcalismo j autoridade era preponderante e incontestvel. Esse conceito tem permeado a maioria
das discusses, trvadas no conterto do pensamento feminista, que envolvem a questo
da opresso da mulher ao longo de sua histria.
Termo que provm da obra de Jacques Derrida, utilizado pelos tericos da literatura
em uma espcie de crtica das oposies hierrquicas que estruturam o pensamento
_ocidental, tais como:
modelo x imitao; dominador x dominado; forte x fraco; presena
Desconstruo x ausncia; corpo x mente; homem x mulher. Tiata-se de se apoiar na convico de que
oposies como essas no so absolutamente naturais, nem inevitveis, mas construes
rde-qlggicas que podem ser desconstrudas, isto , submetidas a estrutur e funcionamerito
diferentes.
Fica mais claro entender o que vem a ser crtica literria feminista, e como ela funciona, quando
se tem conhecimento de algumas noes prvias acerca do feminismo entendido como o movimento
social e poltico que lhe deu origem. Emrazodisso, passemos, de incio, a uma espcie de mapeamento,
ainda que rpido, do contexto em que se desenvolveu essa faco da crtica literria, como origens,
precursores, reivindicaes etc. para, posteriormente, de posse dessas informaes, determo-nos
propriamente em sua essncia.
Alguns tericos(as), apoiados(as) na premissa de que se podem localizar na histria inmeras formas
de feminismo, entendidas como frentes de respostas para a "questo da mulher", deGndem a tese de que
sua abrangncia estende-se dos matriarcados neolticos ao feminismo radical contemporneo. Seja como
for, mesmo que se entenda que o feminismo esteja restrito aos ltimos dois ou trs sculos, trata-se de
um movimento poltico bastante.ampl_q qr, alicerado na crena de que, consciente e coletivamente, as
mulheres podem mudar a posio de inferioridade que ocupam no meig toii^I, abalc4 {!sde,r-e_Qrryas
culturais, legais e econmicas, referentes ao direito da mulher ao votol educao, licena-maternidade,
prticade esportes, igualdade de remunerao parafuno igual etc., at um4 lggri-feminista acadmica,
voltada para reformas relacionadas ao modo de ler o terto literrio.
' Algumas declaraes pblicas que descrevem "mulheres" como uma categoria social distinta, com
status social inferior, remontam ao sculo XVIIL o ."to do documento Some reflections upon marriage
[Algumas reflexes sobre o casamento], de Mary Astell, datado de 1730, que ironiza a sabedoria
masculina e despoetiza as relaes existentes na sociedade familiar. Ela questiona o fato de o poder
absoluto no ser aceito no estado poltico, por ser um mtodo imprprio para governr seres racionais
e livres, mas existir nafatnIia. Do mesmo modo que questiona o fato de todos os homens nscerem
livres e todas as mulheres nascerem escravas. At a construo social do sujeito feminino discutida
por Astell, quando ela arma que Deus distribuiu a inteligncia a ambos os sexos com imparcialidade,
mas que o conhecimento foi arrebatado pelos homens a fim de que eles se mantivessem no poder.
Na Frana, Marie Olympe Gouges, uma das ativistas da Revoluo de 1789, apresenta Assemblia
Nacional, ernlTgl,,asuacorajosaDclarationdesdrotsdelafemmeetdelacitoyenne(Declaraodosdireitos
da mulher e da cdad), em que defende a ideia de que as mulheres devem ter todos os direitos que o
homem tem ou quer para si, inclusive o de propriedade e de liberdade de expresso; em contrapartida,
devem assumir tambm toda sorte de responsabilidades que cabem aos cidados do sexo masculino,
como o pagamento de impostos, a punio por crimes cometidos e o cumprimento de todos os deveres
pblicos cabveis a um cidado comum. Alm disso, Gouges cobra das mulheres vigor nas reivindicaes
de mais liberdade democrtica para seu sexo. Em 1792, a inglesa MaryV/ollstonecraft escreve um dos
grandes clssicos da literatura feminista, AWndication of the Riglts o:f Woman (- reiuindicaes dos direitos
da mulher), retomando as reivindicaes da extenso dos ideais da Revoluo Francesa s mulheres.
Baseada no argumento do dano econmico e psicolgico sofrido pelas mulheres em decorrncia de
sua dependncia forada do homem e da excluso da esfera pblica, ela defende uma educao mais
efetiva para elas, capaz de aproveitar-lhes o potencial humano e torn-las aptas para se libertarem da
pecha da submisso e da opresso, tornando-se, de fato, cidads, como thes de direito.
No entanto, o feminismo organizado Unidos
s entrou no cenrio da poltica pblica nos Estados
e na Inglaterra por volta cla segunda metade do s&ulo"XD por meio das peties que reivindicavam
o sfrgio feminino e das campanhas pela igualdade legislativa.
Em 1840, as americanas Elizabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony e Lucy Stone passaran
liderar um slido movimento pelos direitos das mulheres. As duas primeiras criaram aNationalWoman
Sffiage Association (Associao nacional para o uoto das mulheres), que, alm de reivindicar o voto feminino,
lutava pela igualdade legislativa, enquanto Stone criava aAmercanWoman's Sufrage,Association (-Associao
americana para o uoto das mulheres), que somava s reivindicaes sufragistas outras ligadas reforma das
leis do divrcio. Essas duas organizaes foram fundidas em 1890 para formar a Nationat American
Woman's Sffiage Asociation (Nawsa) (-Associao nacional americana para o vlto das mulheres), que, contando
com o apoio de outras ativistas, conseguiu o direito de voto s mulheres americanas em 1.920.
Nalnglaterra,acondiosocialdamulhernaEraVitoriana (1.832-1.901) foitenazmentemarcadapor
diversos tipos de discriminaes, justicadas com o argumento da suposta inferioridade intelectual das
mulheres, cujo crebro pesaria2libras e 11 onas, contra as 3 libras e meia do crebro masculino. Resulta
disso que a mulher que tentasse usar seu intelecto, ao invs de explorar sua delicadeza, compreenso,
submisso, afe io ao lar, inocncia e ausncia de ambio, estaria violando a ordem natural das coisas,
bem como a tradio religiosa. Eram esses os valores apregoados pela rainha Vitria em sus cartas e
por sus sditas em guias vitorianos como The;female instructor (A professora), de autor annimo, ouThe
women of Englarud (As mulheres da Inglaterra), de Sarah Stickney Ellis, publicado em 1839. O primeiro
relembra insistentemente esposa sua condio de dependente e submissa, recomendando-lhe o uso
constnte da aliana de casamento, de modo que, quando se sentisse "perturbada", ela pudesse colocar
220-rEoRI , ITERARA
**@ cnrrcA FEMINISTA
os olhos sobre ela e lembrar-se de quem a dera para si. O segundo reitera que a condio de subjugada
da mulher deve ser tomada como sendo de vontade divina.
no mbito da lei, as mulheres eram destitudas de poder, no mbito das prticas sociais e
S-e-
familiares a realidade era outra. A maioria delas, alm de no ter interesse em se submeter a esse
tndncis moelo de organizao social, no tinham condies para tal. Pesquisas mostram que
em meados do sculo XD( grande parte das mulheres inglesas trab_alhava fora como domstias,
.ttii"r, operrias em {bricas o., - fazendas. De modo que o tdio que supostamente ntarcari a
qxislnc14 {a mulher idealizada pela ideologia vitoriana no consistia, absolutamente, no seu princifial
problema: era prerrogativa de uma minria. Nesse sentido. a oposio erigida contra tal ideologia era
impelida por. pelo menos. duas razoes: uma referente a valores ideolgicos. outra necessidade de
sobrevivncia.
Esse estado de coisas acabou por desencadear uma srie de aes que caminharam no sentido
de istituir o Feminismo como um movimento poltico organizado na Inglaterra. A partir de 1850,
comearam a ser encaminhadas s autoridades peties advogando o'stats 1egl da mulher, como o
direito o voto, obtido em 1918; demandas solicitando permisso para s mulheres casadas gerirem
seus bens, as quais culminaram na votao da Lei de propriedade da mulher casada (Married women's
propefiy acts,1870-1908); campanhas contra a Lei das doenas contagiosas (Contagious diseases acts, 1864),
que exigia exames mdicos de mulheres suspeitas de serem prostitutas; alm de obras feministas que
deram continuidade ao primeiro argumento pelos direitos da mulher, escrito no final do sculo XVIII
por V/ollstonecraft. o .rro, por exempl o, de The subjection oJwomen (1869), deJohn Stuart Mill, e de
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:
The Enfranchisement ofWomen, de Harriet Tylor, que, partindo de argumentos utilitaristas e liberais por
uma sociedade que considerasse os interesses de todos e, ao mesmo tempo, os protegesse, pem em
cheque crenas estabelecidas h muito tempo acerc do papel da mulher na sociedade, como aquelas
relacionadas a desigualdades na esfera poltica, na vida econmica, na educao etc. O direito ao voto
tomado como uma daq p{nip-als baqdeirag, j que consiste_no mecanismo por mei-fias
reformas poderiam vir a ser _conseguidas (ABRAMS, 1979).
-dr";"-gr^rr.*.entista*por sua,vez, dese-nvolveu-e- ao. !4{o- do,.s r-nov-lmgq-tos em-p;rol
da {9-f!o!9:"SXI"y*q*-_da" pr9-lau4q_dagepb,lica. A republicana e abolicionista \ri:L-_Fl_olqlg
gJAlfbALugus-{+seud+itp.o
d--D:q{sia Gonalves Pinto) .foi, tamb.m, a primeira terica do
fe-mlnismo no Brasil. Seu primeiro livro,Direitos das mulhe:res e injustias dos homens (1832),inspirado no
Wndications of the rights of woman, de'V/ollstonecraft, pe em discusso, a prtir de conceitos e doutrinas
do Iluminismo europeu, os ideais da mulher de igualdade e independncia, configurados pelo direito
educao e vida profissional, bem como o de serem consideradas como de fato so: seres inteligentes
e capazes, portanto dignos de respeito. fteJ?:!e,no entanto, de uma manifestao isolada, j que no
s9.9::o!tl?-T*193:11ro9 de 9i1!191
_t9',t9s
d; p;iC";i"-p;;, ."eturndo-se algns artigos
elpa{oj qrfr peJ!_odiqs _qgqe-denunciiqe Nfsia Floresta consistiu em uma exceo em mei s ^:a
222-rEoRI LITERARI
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pelo dio e por ressentimentos em relao aos homens, seres odiados e temidos por deterem o poder
de barrar-lhes, entre tantas outras coisas, a liberdade de escrever.
Paraa ensasta, essa revolta das mulheres escritoras dos sculosXVII eXVIII, espcie de "ervas
daninhas" a enredar-lhes o talento, consistiu no principal empecilho emergncia de uma literatura
de autoria feminina a que se pudesse atribuir valor. Apesar disso, tais escritoras consistiram em peas
fundamentais na tradio literria feminina que se consolidou nos sculos XD( e )C(:
Sem aquelas precursoras, Jane Austen e as Bronts e George Eliot no teriam tido maior
possiblidade de escrever do que teria Shakespeare sem Marlowe, ou Marlowe sem Chaucer,
ou Chaucer sem aqueles poetas esquecidos que prepararam o terreno e domaram a selvageria
natural da lngua. As obras-primas no so frutos isolados e solitrios; so o resultado de muitos
anos de pensar em conjunto, de um pensar atravs do corpo das pessoas, de modo que a
erperincia da massa est por trs da voz isolada (V/OOLF, 1985, p. 87).
'V/oolf
salienta, ainda, que mesmo os considerados "bons romnces" (e raros) das escritoras
oitocentistas referidas no trecho acima, Villete, Emma, O morro dos uentos uiuantes, Middlemarch,Jane Eyre
etc., foram escritos nas salas de estar comuns, por mulheres pobres que mal podiam comprar o papel
onde escrever, privadas de experincia, intercmbio e viagens. Da persistir nesses livros, por mais
esplndidos que sejam, um tom de rancor que os contrai; toda a sua estrutura est erigida por "uma
mente ligeiramente tirada do prumo e forada a alterar sua viso clara em deferncia autoridade
externa" (V/OOLF, 1985, p. 97).
As reflexes da ensasta em relao escrita feminina avnam at o momento presente da
produo do ensaio (1,929), momento em que ela constata que "talvez a mulher esteja comeando
a usar a literatura como uma arte, no como um mtodo de expresso pessoal" (-V/OOLF, 1985, p.
105). Por entender que os livros continuam uns aos outros, ela tece, agora, suas consideraes a
partir de A auenturd da uida, provavelmente o primeiro livro da j ovem e desconhecida escritora Mary
Carmichael, publicado naquele mesmo ano, como se fosse o ltimo da srie que vem examinando.
O exame detalhado do volume apont um estilo mais conciso do que os de suas predecessoras,
parecendo evitar o tom sentimental, comumente atribudo aos escritos delas; a sequncia esperada
da frase quebrada, causando certo estranhamento em relao a temas como amor, morte etc.;
a mulher representada com outros interesses, diferentes daqueles por tanto tempo enfocados,
referentes ao mundo domstico e s relaes amorosas; no i, sobretudo, representad a a parrir
do olhar do outro sexo e em relao ao outro sexo, cono tradicionalmente acontece na fico,
mas vista em relao prpria mulher; o homem no mais a "fac,o oposta"; do dio e
do medo em relao a ele ficaram apenas uma alegria pela liberdade (mais acentuada do que o
desejvel) e certo tom custico e satrico ao referir-lhe. Em resumo: a escritora desconhecida
escreve como mulher, sem a conscincia disso. Mas, apesar de tantos avanos, falta-lhe conseguir
ctii "com efmero e o pessoal o duradouro edicio que permanece de p" (V/OOLF, 1985,
p.123). Do ponto de vista da ensasta, isso implica dizer que, para escrever um grande romance,
necessrio escritora, ao se defrontar com uma "situao", mais que ror superfcies, "mergulhar
o olhar at as profundezas". Em vista disso, preciso que a mulheres saltem, ainda, uma srie de
obstculos, ignorando o olhar de reprovao que emana dos bispos e dees, dos doutores e lentes,
dos patriarcas e pedagogos: "Deem-lhe mais uns cem anos [...]".
Para concluir suas ponderaes acerca do tema "mulher e fico", ao final dessas reflexes acerca
da trajetria da literatura de autoria feminina, Woolf discute os prejuzos acarretados, sobretudo
p_ra:afico, com o fato de pensar-se em cada um dos sexos sepradamente, a seu ver, isso interfere
na unidade da mente. A partir do princpio da "androginia", frequentemente discutido pelo grupo
crtico-literrio de Bloomsbury (Londres), que reunia a quinta-essncia dos escritores britnicos
entre 1907 e 1930, ela pondera que natural os sexos cooperarem entre si. Com Coleridge (1772-
IB34), ela afirma que as grandes mentes no pensam especialmente ou separadamente no sexo; so
andrginas, como era andrgina a mente de Shakespeare (1564-1616) ou de Proust (1,871,-1922).
Casos bem diferentes daqueles observados em escritores oitocentistas da casta de um Tolstoi
Antes de nos determos, nalmente, no trabalho de estudiosas que aliam, a partir de 1970, feminismo
e literatura, dando origem crtica literria feminista, perscrutemos as ideias disseminadas por Simone
de Beauvoir, ernLe deuxime sexe (1949), acerca da situao da mulher na sociedade, publicado em
portugus como O segundo -rexo, em 1980. Isso porque o modo de Beauvoir encarar a relao ertre os
,."or, qnrl seja, a mulher sempre como escrava (o Outro) e o homem sempre como senhor, vem sendo
problematizado ao longo da trajetria dos estudos de gnero: em alguns aspectos, contribuiu com os
estudos empreendidos pela nova gerao de femtnistas; em outros, foi rejeitado, conforme veremos.
Beauvoir (19S0) discute a situao da mulher por meio de uma perspectiva existencialista, numa
espcie de resposta ao marxismo, que, segundo ela, no explicou o sexismo a contento; no o tendo
f.ito, to.rrorr-se incapaz libertao das mulheres. De sua tica,
de elaborar um programa adequado para a
no basta apontar as relaes de propriedade como responsveis pela opresso feminina; necessrio,
tambm, erplicar po, qr. rel"Oes de propriedade foram institudas contra a comunidade e entre
^,
os homens.
O feminismo existencialista da pensadora pode, de um lado, oferecer um estudo da opresso
das mulheres e, de outro, sugerir formas de emancip-las dessa opresso. No que tange ao primeiro
aspecto, ela analisa a problemtica eminina de modo a salientar que no existe absolutamente uma
essncia Gminina, responsvel peia marginalidade damulher; eriste apenas o que ela chama d situo
da mulher: o fato de a mulher dar luz tomado como a matriz das diferenas entre os sexos. Estando
impossibilitada de ir caa e de dedicar-se a trabalhos pesados em razo das limitaoes fisicas e dos
cuidados com o beb, ela foi privada de afrmar-se em relao natureza, como fizetant os homens.
Como a superioridade, explica Beauvoir (1980), dada no ao sexo que dluz, mas ao sexo que mata,
a mulher tomada como o Outro, contra quem os sujeitos masculinos se afirmam.
O privilgio maior do homem, portanto, reside no fato de a sua "vocao de ser humano"
(transcendncia) no se chocar com seu "destino de macho"; em contrapartida, a mulher vive dividida
entre ess mesma vocao e o seu "destino de mulher" (imanncia). T1 destino, no entender de
Beauvoir (1980), no est ligado apenas questo da maternidade; a sexualidade feminina tambm
^O
concorre para a.perda de suJsubjeiirrid"d.. ato sexual, por si, a obriga a cumprir_o papel de olrjcto
passivo, o qual por contaminar todos os seus trtos no sexuais com o mundo.J no que se refere
"iaba
o ho-.-, ,.t ,.. sexual congruente com sua transcendncia.
Desse modo, a situao da mulher no mundo (a de oprimida) lhe nega a expresso normal de
humanidade e frustra seu projeto humano de autoafirmao e autocriao. Enquanto os homens so
encarregados de "remodelar a face da Terra", apropriando-se dela, impondo-lhe sua marca,
mulher
a possibilidade de ao. Alm de estar a, sua opresso est tambm, e principalmente,
na crena
vedada
d" qu. o destino da mulher ser passiva, uma vez que a passividade integra, irremediavelmente, sua
natttreza. Em vista disso, e no podendo rebelar-se contra a';latl:;reza, o mundo no lhe
pertence e
sua energia canalizadapara o narcisismo, o fo!1a4,!1*sm-o -o-U 4 tqligio. O acesso a elevados
valores
humanos, como o hqroismg, 4 lnveno e a criao lhe vedado'
partindo do pressuposto de que o sujeito humano deve ser livre, Beauvoir (1980) questiona as
sartreana de
razes que levam, -.rl^h., r. ,.rb-.rer opresso. Para etplic-lai, ela invoca a noo
"
224 tEoRtA LITERARIA
;
-* *{3 Cnt t t' q FLMINI) rA
"mf", um dos pontos mis intrigntes do livro deJean-Paul Sartre sobre filosoa existencialista
O ser e 0 nada, publicado em 1943: er -se,,tes humanos so livres, mas podem enganar-se, fingindo
no s-lo. No caso da mulher, os meios so mais favorveis para que esse processo se realize: sua
fraque)a estimulada. No entanto, a m f dos outros em anular-ihe a liberdade - que inerente
sua condi1o de ser humano - no suficiente para a plena realizao dessa empreitada; a mulher
mesma aceita a opresso que lhe imputada, tornando-se cmplice da prpria escravizao.
Isso posto, a filsofa parte para a proposio de uma maneira de reverter esse estado de coisas:
cabe mulher inverter os papis. Ao recusar os desmandos que lhe so impostos pelo homem, ela se
fina o sujeito e o opressor torna-se a "coisa". f{ que se aprender a ser I'Hommc-, sobretudo atrvs
da conquista de uma p1ofisso. A armadilha do casamento e, consequentemente, dos filhos deve _ser
vitada; ao inws da -iti". ela deve assumir seu lugar no mundo em meio aos homens.
Nesse sentido, a noo de igualdade e semelhana de todos os seres humanos consiste na pedra
fundamentaldo feminismo existencialista de Beauvoir (1980). Trata-se do principal aspecto que afasta
seu Gminismo daquele defendido pela nova gerao do feminismo francs. Segundo Moi (1985), as
te_ricas ps-Beauvoir teriam abandonado o anseio liberal dela de obter igualdade com os homens para
enfatizar a diferena, isto , exaltar o direito de a mulher proteger os valors especificamente femininos
. ..3irrr a iGiida "igualdade", entendida como disfarce para forar as mulheres se tornarem-como
homens.
No entanto, a despeito dessa diverg nia, aamplido dos temas tratados em O segundosco preprou o
caminho para muitas das alegaes dos adeptos do feminismo radical, uma das correntes que integram o
movimento, ao lado da liberal e da socialista (veja Quadro 2). Nye (1995) arrola as principais delas:
o patriarcado a constante universal em todos os sistemas polticos e econmicos;
o sexismo data dos incios da histria;
o a sociedade um repertrio de manobras nas quais os sujeitos masculinos firmam o poder
sobre objetos femininos:
o violaes, pornografia, prostituio, casamento e heterossexualidade so imposies do poder
masculino sobre as mulheres;
. a aquiescncia das mulheres uma indisposio de m de enfrentar su prpria falta de
poder.
Tndncia do feminismo que prte da premissa de que todos os antagonismos sociais passam
Feminismo pela questo da hierarquia de classes, onde se locahzam todas as relaes de poder. Nesse
socialista sentido, essa faco defende a tese de que a liberao feminina est atrelada a uma sociedade
socialist.a, em que os princpios igualitrios se estendam sociedade como um todo.
A crtica feminista propriamente dita tem seu marco inicial com a publicao de Sexual politics,
de Kate Millet, em 1970. Como j antecipa o ttulo, a obra suplanta o specto puramente literrio
e, com uma agu(da conscincia poltica, traz tona discusses acerca da posio secundria
ocupada pelas heronas dos romances de autoria masculina, como tambm pelas escritoras e
crticas literrias. Millet (1977 apud SELDEN, 1988; BENNETT; ROYLE, 1999) discute-ag
causis da opresso feminina a partir do conceito de patriarcado - a lei do pai. Nos limites desse
s'istema, o. ser feminino subordinado ao masculino ou tratado como um masculino inferior;
o poder exercido na vida civil e domstica de modo a submeter a mulher, que, a despeito dos
avanos democrticos, tem continudo a ser dominada, desde muito cedo, por um sistema rgido
de papis sexuais.
Ao lado de outras feministas, Millet (1977 ap SELDEN, 19BB; BENNET ROYLE,1999) ataca
os estudiosos sociais que tomam esses papis femininos culturalmente ensinados como prprios da
naturez^feminina. Esse modo de pensar perpetuado no s por homens, mas tambm pelas prpri4s
mulheres. Concordando com Sartre (1957) e Beauvoir (1980), Millet acredita que toda manifestao
-de
poder exige o consentimento por parte do oprimido. No caso da mulher, tal consentimento
obtido atra,ri de instituies de scializao, como a famlia, ou atravs de leis que punem o aborto
ou a violncia esposa, afrmando, s avessas, o poder masculino.
Ao serem perpetuados, os papis femininos tornam-se repressivos; a necessidade de represent- -
los, que se impe no mbito da relao entre homem e mulher, caracterizada pela dominncia de
ho-en, e subordinao de mulheres, o que Millet chama de "poltica sexual".
Essa poltica de fora, segundo a terica, afeta a literatura na medida em que os valores literrios
j
tm sido moldados pelo homem. Ela pondera que, nas narrativas de autoria masculina, as convenes
do forma s aventuras e moldam as conquistas romnticas segundo um direcionamento mascqljr-io.
Alm disso, so construdas como se seus leitores fossem sempre homens, ou de modo a controlar a
ESTERETIPOS CONO-
EXEMPLO NA LITERATURA TAAO
FEMININOS
Mulher-anjo e/ou
indefesa el ou incapaz e/ ou Tresa (Amor de perdo , de Camilo Castelo Branco). Positiva
impotente
em a-mipogi4-!4-d;4,p1ttica
Ngry"_{ef pqs-terior a essa, preocupada essencialmente 4gq!-rai.afar
liteti, a, liiica feminista expandiu-se segundo outros direcionamentos: ao invs de se ocupar dos
txtos masculinos, pssou a investigar a literatur feita pOf mulh91e5, enfatrzando quatro enfoques
pii".ip"ii'blologi.o,olingustico,opsicanalticoeopoltico-cultural.
Tis enfoques emergem da nfase dada a certos aspectos, em detrimento de outros. Mas todos
so constitudos a partir da ideia bsica do pensamento feminista: desnudar os fundamentos culturais
das construes de gnero (opondo-se s perspectivas essencialistas e ontolgicas dos estudos que
a*bfd- a qqestc da mulher).e promover a derrocada das bases da dominao de um gnero sobre
outro.
A crtica que se vale de rgumentos que tratm abiologia como fundamental tem sido ttlliztda, de
um lado, por homens, que, baseados na mma "a mlhr no nada alm de um tero", desejam
manter as mulheres em seus "lugares". Tiata-se de tomar o corpo da mulher como o seu destino e,
portanto, de aceitar os papis a ela atribudos como sendo da ordem danattreza. De outro lado, algumas
feministas radicais celebram os atributos biolgicos da mulher como atributos de superioridade, ao
invs de inferioridade. A anatomia fsica entendida como sendo textualidade, e o corpo, como fonte
imaginao.
-de
Tsou,ls BoNNtct / L.1A OsaNa ZorIN (oncaNtz,Llonnsl - 227
n OLIN
Y
- r
228 E o R I A LITERARIA
*@ Cnrrc,r FEMTNIST
sobre o tema. lJma teoria da cultura admite as ideias relacionadas ao "corpo, linguagem e psique
da mulher, mas as interpreta em relao aos contex-tos sociais nos quais elas ocorrem" (1994,p.44).
Em vista disso, so consideradas as diferenas existentes entre as prprias mulheres escritoras, como
classe, raa, nacionalidade e histria, as quais so tomadas como sendo determinantes literrias to
importantes quanto a prpria noo de gnero.
A crtica inglesa, ao estabelecer a relao entre gnero e classe social como categoria de anlise,
enfatiza formas de cultura popular e d origem verso feminista da teoria literria mancista.
A escola francesa com seu interesse pelo feminino, pelo modo como definido, representado
e da a*e' reraciona a
:,:ilT:l J,ii::'.;-i?ffi ,i: cril;;, f :"u""
Em face desse panorama, crtica Gminista contempornea nos Estados Unidos ocupa-se de
^
uma gama bastante variada de questes. As mais debatidas referem-se a: 1) nooes de gnero, classe
e raa, discutidas em confronto com a noo de essencialidade da mulher; 2) noo de experincia,
que enfoca as prticas culturais da mulher relacionadas com sua produo literria, a fim de recperar
uma "identidade feminina" e rejeitar a repetio dos pressupostos da crtica literria tradicional; 3)
noes de representao literria, de autoria e de leitor/leitora; 4) noo do cnone literrio e crtico,
discutindo a legitimidade do que , ou no, considerado literrio e denunciando a ideologia patriarcal
que o permeia e determina sua constituio; 5) discute, por fim, a problematizao do projeto crtico
feminista, no que tange s possibilidades de interuenes nas relaes sociais (QUEIROZ,1995).
Em relao ao tpico que contempla os estudos cerca do modo de representao da mulher
na literatura de autoria feminina, h que se salientar a a preocupao em reconhecer-se uma
tradio que lhe seja especfica. Estudos mostram que tambm a escrita de autoria feminina
pode ser .trg.trdrrJ", no sentido de refletir a experincia da mulher. Veja-se, por exemplo. a
obra das crticas feministas Sandra Gilbert e Susan Gubar, The madwoman in the attic: the woman
writer and the nineteenth-century literary imagination, publicado em 1979. Nesse livro sobre a criao
literria, mais especificamente sobre o ato da escrita como prtica masculina por excelncia, elas
caracterizam a mulher escritora como uma gura dividida entre as imagens de "anjo" e "monstro",
construdas pelo imaginrio masculino. Em vista disso, a criao literria s seria possvel se essas
imagens fossem destrudas, ou seja, se essa identidade fabricada e polarizada fosse desestabrlizada.
Dada a fora da cultura sobre as identidades, os trabalhos literrios das escritoras do sculo XD(
apresentam um forte interesse por certas limitaes impostas s mulheres. Tl interesse expressa-
se numa "srie de imagens obsessivas de confinamento que revela a maneira com que essas artistas
sentiam-se presas e 'doentes' tanto pelas alternativas sufocantes quanto pela cultura que as criara
e impusera" (GILBERT; GUBAR, 1979, p. 64).
Um exemplo desse comportamento dos textos escritos por mulheres que sucumbiram s
armaes das representaes estereotipadas pode ser reconhecido em rsula (1859), de Maria
Firmina dos Reis. Tiata-se de um dos primeiros romances escritos por mulher brasileira, em
que a herona enlouquece em consequncia das atrocidades que sofre: raptada aps assistir ao
assassinato do noivo porta da igreja. Tmbm em D. Narcisa de Vlar, romance contemporneo
de rsula, escrito pela catarinense Ana Lusa de Azevedo Castro, a trajetria da protagonista segue
urnscript parecido: na noite em que ia se casr, por convenincia, com um rico coronel portugus,
raptada pelo homem que ama; aps uma fuga permeada de adversidades, so encontrados e
assassinados. Outra faceta dessa casta de romances pode ser reconhecida em Afalncia, deJlia
Lopes de Almeida, cuja protagonista Camila encarna o esteretipo da mulher prendada, boa me
e boa esposa que se degenera ao tornar-se amante do mdico da famlia, mas depois se redime
em busca da felicidade conjugal, equacionada em termos de honestidade, trabalho, obedincia,
sujeio e servido ao marido.
Por outro lado, a crtica feminista tem mostrado que a produo literria de mulheres aps a
dcada de 1960 tem seguido outros direcionamentos. s escritoras, partindo de suas experincias
pessoais, e no mais dos papis sexuais atribudos a elas pela ideologia patriarcal, debruam-se
progressivamente sobre a sexualidade, identidade e angstia femininas, bem como sobre outros
temas especificamente Gmininosl como nascimento, maternidade, estupro etc.
Veja-se, guisa de exemplo, textos de Clarice Lispector, como Perto do corao seluagem, em que
Joana, a herona problemtica do terto, no consegue adaptar-se estereotipia dos papis femininos
predeterminados pela famiia pequeno-burguesa. Ela se incompatibiliza com a imagem da boa filha
e da boa dona de casa, optando pela errncia por entre a memria, o presente e as projees do
desejo, a fm de trarspor as limitaes impostas pela ideologia vigente. En Uma aprendizagem ou O
luro dos prazeres, ao narrar o romance entre Lri, uma profe ssora primria, e lJlisses, um professor
universitrio, Lispector tambm pe em discusso questes ligadas ao modo de a mulher estr no
mundo. O namoro dos protagonistas estabelece-se como uma relao de ensino-aprendizagem
voltada para o relacionamento amoroso, em que Lri a aprendiz. Terminado o aprendizado, ela
se entrega ao professor, revelando-lhe, durante o ato amoroso, que sabe mais que ele. Por fim
recebe uma proposta de casamento, ms a histria termina em aberto, com a protagonista dividida
entre dois extremos: a independncia feminina, caracterrzadapela liberdade sexual, entre outras, e
a alienao de si que o vnculo matrimonial oficializado pela ideologia patriarcal implica.
Hlne Cixous e Julia Kristeva so algumas das principais representantes da teoria feminista
francesa. Diferentemente dos estudiosos da vertente anglo-americana, todavia, elas no se detm
explicitamente sobre o cmpo literrio, mas no da Lingustica, da Semitica e da Psicanlise. Tiabalham
no sentido de identicar uma possvel linguagem feminina.
A fim de reunirem argumentos capazes de desmistificar e deslegitimar a discriminao do
sexo feminino, as referidas estudiosas puseram em xeque, a partir de uma abordagem psicanaltica,
o conceito tradicional dos gneros masculino e feminino enquanto categorias absolutas, cujas
.----
(o ,,,.,
v
Y
defendem a de
i dif...nr"s so sistem atizadas a partir de rgidos aparatos conceituais. A tese que contexto
i O,r. iif.."nrs sexuais so construdas psicologicamente, dentro de um dado social'
", insurgrram contra
Nesta ordem de ideias, ao contrrio das feministas americanas dos anos 1960, que se
capaz de fornecer uma teoria sobre
o falocentrismo freudiano, as francesas tomam a Psicanlise como sendo
as origens e a formao dos gneros. Isso porque elas a entendem
como sendo um mtodo emancipador'
Seu pressuposto mais bsico
capaz deer<aminar r.onrr..ro do sujeito humano em todos os seus aspectos.
d. qu. tal sujeito.onrirt. .- u-, entidade complexa, 9u1
ablanSe desejos' impulsos, mpetos infantis
estamos apenas parcialmente
reprimidos, alm de fatores materiais, sociais, polticos e ideolgicos de que
mais espec{cos
conscientes. Na esteira de discusses desta .-plit.rd., so trazidos tona questionamentos
sobre a mulher e suas relaes com a socieclade e a linguagem (cIr\RKE, 1998).
fol colsiderar q-ue atravs da linguagem que o indivduo ex?ressa a instabilidade que lhe
inerente como ser humano, Kristeva (1,974) a toma como o ponto central de seus estudos,
detetrdo-t, sobretudo, na proble mtca que envolve e no modo pelo qual se define . la
considera a Lingustica moderna autoritria e repressiva, uma vez que suas investigaoes tm
co"mo alicerce estrururas monolticas e monogneas. Do seu ponto de vista. a linguagem deve
ser analisada como um processo heterogneo, complexo, em que o sujeito falante (dividido,
descentralizado e instvel) tomado como objeto central na investigao.
Visando melhor definir essas caractersticas que integram o ser humano, Kristeva criou
o termo "sujeito em processol', qg 3.Pen_q! lo- sgnlldo de "sujeito em curso", mas tambm
cmo pr-ss de lei, j que o indivduo est constantemente em julgamento, ou seja, seu
comportamento est sempre sendo posto prova.
Tendo em vista os trs registros essenciais que Lacan distingue, no campo da Psicanlise
(o Simblico que aproxima a estrutura do inconsciente da linguagem e mostra como o sujeito
humano se insere num ordem preestabelecida; o Imaginrio, caracterizado pela preponderncia
da relao com a imagem do semelhante, e o Real), Kristeva explica as razes do termo acima
referidopormeiodedoisconceitos:oSemiticoeoSmblro.Porqqt-n-d-*Q!eoSimblico
cgmpr.ometido com o polo masculino da cultura, ela redefine os conceitos de Imaginrio
e.st4.
e de Simblico, deslocando a fora que Lacan imprime ordem deste ltimo para a ordem :
do Imginrio. Tiata-se de localizar na fase pr-edpica, anterior entrada do Simblico, um
{fg=T93!_o-e,m- que a gyiana a me falam num discurso prprio, que pode ser considerado a
matrtz da linguagem sequestrada da mulher. A esse lugar do Imaginrio, Kristeva chama de
Semitgo,como mo_do de significao alternativo ao Simblico.
O_\.y1(_tyor_p_ortan!o, retorna s fases pr-lingusticas da inncia, em que a c1aL1!albgc!a i
or ."${{gu", tentando imitar o mundo que a rodeia, sem, no ennto, pirlr or iinais
lingusticos necessrios para que haja, na linguagem, o sentido lgico e convencional. Tlata-
se de um momento anterior crise edipal j referida, eloSue no se possui identidade estvl
:
Q.fgmlnino, para Kristeva, como para Cixous, no implica a mulher real, pois, no que diz
respeito escrita, sujeitos biologicamente masculinos podem ocupr uma posio de sujeito
Tsouas BoNNrcr / Luctt OsaNr ZorIN (onc.r.Ntzroonrs) 233
feminino na ordem simblica, conforme ela observa nas obras de artistas de vanguarda como
Joyce e Mallarm, entre outros. F.la v no feminino a negao do
flico e , mais especificamente,
na escritura feminina, uma fora capaz de quebrar a ordem simblica restritiva.
(Lacan)
1 ) rgumento ps-estruturalista: imaginrio ;
lr de pensar dominante. O conflito se instaura na medida em que ela adquire uma profunda conscincia
de sua realidade corprea e de seus desejos e, ao mesmo tempo, da realidade do cristianismo, em que
a sexualidade marca do pecado original.
" um texto em que talvez o discurso feminino alcance um proeminncia muito grande. E a
histria da relao moros de uma mulher. Como ela inaugura o corpo. E como o corpo, uma
vez inaugurado amorosamente, erotizado, altera o pensamento- (PINON, 1988 apud PROENA
FILHO, 1998,p.4).
Marta, a protagonista, tem como meta tomar a palavra, falar e nomear, torrar-se uma mulher-
sujeito travs do domnio do prprio corpo, entendido no como o templo de Deus, como quer o
cristianismo, mas como a casa da pako, desvestido de qualquer ideologia de natureza espiritual.
O estado inicial da narrativa de uma aparente harmonia: de um lado, o pai como chefe incontestvel
e natural, exercendo sua funo de proteger a lha contr a cobia dos homens; de outro, Antnia,
serv e governanta, aquela que ocup o papel subalterno e hipottico de me, a ajudar, sua moda, a
filha a tornar-se mulher.
Ao atingir a idade adulta, atravs da revelao de sua sexualidade, Marta, todavia, reage contra as
imposies paternas. Thl reao se d atravs da exibio de seu desejo carnal, num gesto que a torna
autora de seu projeto de vida e, consequentemente, subversora do cdigo que rege o comportamento
feminino.
Diante desse estado de coisas, o pai traz para casaJernimo, o homem que dever ser o parceiro da
lha, numa relao ofr.cializada- "Se de macho que ela precisa, eu lhe darei" (p.44).
AssimJernimo e Marta desempenhariam os papis que a cultura ocidental convencionou como
sendo masculinos e femininos: enquanto ele, subordinado ideologia patriarcal e ao cristianismo,
marcado pelarazo, pela disciplina, pela organizao e hierarquia; ela rnarcada pelo desejo, pelo
inconsciente e pela intuio. Correspondem, respectivamente, aos pares dicotmicos: atividade e
passividade, intelecto e sentimento, esprito e corpo, cultura e atureza etc.
A narrativa, todavia, confronto entre
se resolve com o surgimento de uma descoberta a partr do
esses dois polos: trata-se de uma espcie de reinveno da relao homem-mulher, a qual vai acabar
por permitir que tais personagens relacionem-se entre si sem que uma tolha a essncia da outra.
Ambos devero despojar-se de suas antigas formas de entender a realidade para inaugurar uma outra,
numa tentativa de conciliar os dois ideais, ou seja, equilibrar as foras antagnicas do masculino e do
feminino. Marta insereJernimo no universo feminino por elavivenciado, ao mesmo tempo em que
resgata o seu lado masculino com ajuda deJernimo.
O que Nlida Piflon prope, portanto, em A casa da paix0, , em certo sentido, destruir os
contornos ntidos das diferenas serais, com vistas afirmao do direito da mulher de usufruir sua
sexualidade. Sem tais adaptaes, certamente no seria possvel a Marta alcanar a plenitude, j que ela
no se adapta ao modelo Gminino consagrado pela ideologia. O par amoroso, aqui, aproxima-se de
uma situao ideal no que se refere relao homem-mulher, por meio da masculinizao de uma e
da Gminilizao do outro: ele abre mo dos preceitos patriarcais, que relegam a mulher passividade
e lhe impem a submisso, para aproximar-se do verdadeiro modo de ser de Marta, vivenciando-o ao
lado dela; ela complementa a nova situao (que lhe favorvel) atravs da experimentao do papel
masculino, como o entende Jernimo.
Alm disso, essa polmica teoria da escrta do corpo, proposta, principalmente, por Hlne
Cixous, acaba por entrar em choque com os caminhos tericos da diffrance, os quais buscam a
desconstruo das oposies binrias que regulam o logocentrismo. A esse propsito, Castello
Branco (1994) assinala que considerar que o feminino se constri em oposio ao masculino
implica o risco de mergulhar-se num raciocnio simtrico e antinmico. E, sendo assim, ao invs
de suspenderem-se as dicotomias e os maniquesmos que envolvem as relaes de sexo, est-se
reiterando essas relaes.
E s no entrecruzar desse duplo movimento - daquele que parte com aquele que fica, daquele
que rompe com aquele que repete, daquele que o outro com aquele que o mesmo - que
se pode vislumbrar essa especificidade feminina do discurso. A o seu trao, a o seu rastro, a
t sua diferncia (CASTELLO BRANCO, 1994, p. 49).
convenincia mais expressiva desse conceito para a crtic: literfuia feminista est, portanto' no
ao quadro das
fato de ele atuar nr-.rp"o marcado pela ambiguidde e pela er:terioridade, em relao
estrutllras de represent"O.t das relaes de gnero, as quais excluem espaos sociais ou discursivos
produzidos nas margens.
Outro vis da crttca feminista desenvolve-se a partir de estruturas no-eurocntricas. Trata-
se dos estudos sobre a mulher nas sociedades peri{ricas, um reivindicao da crtica
ps-_colonial
desde meados da dcada passada. Spivak (1gg5), pensadora indiana radicada nos Estados
lJnidos,
globalizao que
caracterizaas teorias feministas do chamado Primeiro Mundo como uma espcie de
faz desaparecer a heterogeneidade do Terceiro Mundo. Ao reproduzir clichs imperialistas,
prprios
do discurso colonialista ao obliterar a compeenso das diferenas inerentes s mulheres dos pases
antes colonizados, crticafeminista, segundo Spivak (1,995), torna-se uma espcie de cmplice de
r.----
OLIN
O conceito de di;ferena, de fato, tem assumido importncia cada vez maior nas articulaes
contempornes acerca do gnero. Tiata-se de uma perspectiva que investe no desnudamento
das especificidades do sujeit, eliminando o silncio e a excluso da alteridade e promovendo o
reconecimento das similaridades na dife rena; consequentemente, promove , tambm, a desconstruo
da |gica binria. por meio desse pensamento ps-estruturalista que o sistema sexo-gnero tem sido
ultimamente equacionado.
Em Judith Butler reformula a crtica s categorias de identidade
Problemas de gnero (2003),
produzidas e nattrzlizadas pelos discursos hegemnicos, fazendo definitivamente cair por terra a
iOgl." do essencialismo que rondava a noo de mulher em avor do desnudamento do sujeito do
feminismo como uma categoria multifacetada e instvel.
Na verdade, Butler desconstri o conceito de gnero, sobre o qual est alicerada toda a teoria
feminista, questionando a diferenciao que at ento se imprimia, sem maiores percalos, ertre as
categorias d" ,rro e gnero. premissa de que o sexo natural e o gnero socialmente construdo
posta na berlinda: pra a pensadora tambm a ideia de sexo uma construo, Lttr'^vez que a mesma
no existe em um mundo pr-discursivo, "natural". Assim, se tudo construo, j que desde o
nascimento a menina e o menino so definidos a partir da ideia previamente construda acerca das
peculiaridades sicas apresentadas por cada um, no h diGrena entre sexo e gnero. Em ambos os
conceitos, a cultura o destino.
A partir dessa discusso, a terica passa a questionar o conceito de mulheres como sujeito do
feminismo. O desmonte da construo de gnero redunda no desmonte de uma equao na qual o
gnero seriaconcebido como essncia universal e, como tal, s poderia funcionar dentro do humanismor.
No ha,r.ndo unidade na categoria mulheres, ou seja, no sendo possvel isolar-lhe uma presumvel
essncia, fica estabelecida a inexistncia do sujeito que o feminismo quer representar. Tiata-se de uma
categoria des-essenciahzada,ou seja, sem identidade fixa, sempre em processo, cuja evoluo afetada
p.lo entr.cruzamento com outros ekos, alm do gnero, como r4, classe, sexualidade, etnia etc.
No existindo como categoria coerente e estvel, o sujeito do feminismo acaba por consistir em um
problema poltico que h que se gerenciar sob pena de reduzir uma realidade mltipla e disforme a
uma representao estvel, universal, porm, deturpada, que rejeita "a multiplicidade das interseces
cultur"is, sociais e polticas em que construdo o espectro concreto das 'mulheres"' (BUTLER,
2003, p.34-5).
Procuramos, neste captulo, dar um panorama da crticaliterria feminista, desde suas origens,
na dcada de 1,970, at o momento contemporneo. Conforme dissemos, quando se alude ao debate
terico feminista de forma ampla, pensa-se imediatamente em duas grandes vertentes: a francesa e
a anglo-americana. Ambas as tendncias, aps um momento inicial em que trabalhavam no sentido
de desmascarar a misoginia das prticas literrias masculinas, passam a um momento mais maduro,
voitado p^r^ a investigao da literatura de autoria feminina, atravs de diversos enfoques, como o
biolgico, o lingustico, o psicanaltico e o poltico-cultural.
O modo com que a crtica feminista l a literatura, calcado nos pressupostos tericos do
feminismo, constitui-se a partir de contradies socioculturais que fazem emergir a relao entre
sexo e gnero. Em decorrncia dessa origem, natural o fato de essa tendncia critica no encerrar
,r- -d.lo explicativo, homogneo e monoltico. Da o complexo de vises e prticas a que
nos referimos acima, articuladas ao redor de um objetivo bsico: analisar e contestar estrutura
patriarcal de nossa sociedade, por meio da anlise da constituio dos gneros e da opresso de
um
gnero sobre o outro.
Nesse cenrio, tem sido comum a reviso de conceitos, entendidos como instrumentos
de
do homem'
1 De acordo com Heidegger, o humanismo pressupe como bvia a essncia mais universal
238-rEoRl\ tlrenRtn
-**@ cRrrca FEMINIST
Se nos EstadoslJnidos e na Europa, o incio dos estudos ligados mulher e sua representao
na literatura datam dos anos 1970, no Brasil, at recentemente, o tema no era considerado objeto
legtimo de pesquisa. Segundo Boletins do GT Mulher e Literatura daAnpoll, a consolidao de trabalhos
dess nature zanasinstituies acadmicas brasileiras data de meados dos anos 1980, quando gfupos de
pesquisadores(as) passaram a se reunir para desenvolver estudos, apresentar resultados de pesquisas e
--3,--
OLIN
Embora se-ja dicil desafiar os valores institudos e arraigados no inconsciente coletivo, os nossos
alunos dos cursos de Letras, sobretudo, tm o direito de conhecer no apenas os textos literrios
cannicos, mas tambm outros tipos de texlos, provenientes de outros segmentos culturais, para que
eles possam aprender a ler de modo crtico, questionando ideologias e contribuindo para mudanas
de mentalidades.
240
- r Eo RI I, ITERARIA
-@ cnrrc FEMINISr
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