PAREDES, Marçal (Identidade Nacional Moçambicana) PDF
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Introduo
Neste artigo abordo a complexidade da construo da nao
e da identidade nacional em Moambique, tendo especial foco o
contexto ps-independncia (25 de junho 1975). Para isso, discu-
tirei brevemente algumas matrizes polticas e historiogrficas que
se debruaram sobre a questo identitria na frica em geral, assim
*
Doutor em Histria pela Universidade de Coimbra. Professor Adjunto, PUCRS.
E-mail: marcal.paredes@pucrs.br.
133
Moambique) (ENDERS, 1997) esta grande Frente de Libertao
tinha um carter nacionalista amplo e contava com apoio internacional
dos seus vizinhos ao norte do pas (Malaui, Zmbia, Rodsia do Sul/
Zimbbue e Tanznia). Seu iderio era marcado por um forte antis-
salazarismo, sendo sua proximidade com o Bloco Sovitico ainda de
carter estratgico no mbito do anticolonialismo (VIEIRA, 2011).
Fato , contudo, que a FRELIMO, enquanto frente poltica ampla,
e sob a liderana de Eduardo Mondlane, no se teria proclamado
marxista-leninista durante a luta pela independncia de Moambique
(MALOA, 2011). Este postulado ser, contudo, modificado no
imediato contexto ps-Independncia, j vinculado a polticas de
construo nacional identitria.
135
matriz nacionalista. Trata-se de um contra-argumento poltico s
teses colonialistas que afirma a positividade e a unidade essencial da
civilizao negra. Muito forte na segunda metade do sculo XX,
este vis analtico pretende marcar positivamente o carter civiliza-
cional africano. Tratava-se de instaurar uma ruptura poltica contra
as teses da inferioridade africana to difundidas pelo colonialismo.
Inspirados, de maneira geral, pelo pan-africanismo, do americano
W. E. B. Du Bois (entre outros), pelos escritos vinculados ao grupo
da Ngritude, do senegals Lopold Sdar Senghor e do martinicano
Aim Csaire, mas tambm pelas teses de outro intelectual senegals,
Cheik Anta-Diop, esta matriz que contm significativas diferenas
internas, vale grifar deu um importante contributo ao denunciar o
preconceito racial contido nas teses ditas cientficas do sculo XIX.
Mais do que isso, sua disperso como modelo de leitura cultural do
africano esteve ligada, em maior ou menor grau, aos movimentos
de independncia e liberdade poltica no continente.
Contudo, de maneira geral, e por mais opostas que tenham
sido suas opes polticas, ambas as vises sobre a frica das
teses colonialistas eurocntricas s teses nacionalistas e afrocntricas
tocam-se num ponto nevrlgico: a mobilizao da noo racial.
Negativa e inferior para uns, positiva e afirmativa para outros, o
fato que muito do que j se escreveu sobre a frica ainda segue
preso a este movimento pendular que vai da direita esquerda e do
negativo ao positivo racializado. Diante destes binarismos, MBokolo
assevera que devemos renunciar s interpretaes maniquestas.
H, de fato, que renunciar s simplificaes e dar margem para pensar
as complexidades sociais existentes em cada contexto especfico
(com ateno ao dinamismo das fronteiras mveis e das margens
flexveis) sem deixar de constatar as violncias dos colonialismos
distintos que puseram em contato diferentes potncias europeias e
mltiplas sociedades africanas. Esse contato, segundo o autor, gerou
137
da matriz europeia. Seus argumentos podem ser resumidos com
alguma simplificao, naturalmente, do seguinte modo: aps o
forte contributo dos batalhes africanos nos dois grandes conflitos
mundiais, um lastro assimilacionista teria dado o tom do regresso
dos combatentes s suas terras. A demanda por mais liberdade e por
maior autonomia poltica afinal os africanos teriam defendido a
liberdade nos exrcitos francs e ingls, por exemplo teria sido
um elemento importante na construo por soberania nacional.
O exemplo deletrio dos nacionalismos tnicos e xenfobos na
Europa, ou mesmo o potencial repressor do Estado na construo
das naes-cvicas do velho continente, estaria sendo requentado
como matriz para a elaborao dos discursos nacionalistas na frica.
De maneira geral, o modernismo nacionalista acaba sendo quase
sempre um eco da matriz poltica centro-europeia.
Outros autores apostaram no justo polo oposto da discusso.
E se na Europa sempre houve defensores da credibilidade tnica e
do recurso histria medieval como razes culturais importantes,
no tardou a aparecerem olhares sobre a frica com estas lentes.
Autores como Adrian Hastings, por exemplo, no hesitaram em
afirmar a credibilidade do conceito de etnia atravs de um acento
essencialista. Neste quadrante, os ecos de tribalismo podem ser
positivos: apelariam certamente para um passado remoto de reinos,
reis e rainhas africanos como recurso mtico-simblico para a cons-
truo de matrizes tnico-identitrias. Terece Ranger, por sua vez,
estabelece um forte contra-argumento aos etnicistas ao afirmar
que teria sido no mbito das polticas colonialistas britnicas que o
associativismo tnico africano teria sido induzido nas ex-colnias
inglesas. Sensos demogrficos, clubes de dana, prtica de esportes
e muitas outras esferas de associao teriam agido no sentido de
fomentar o reconhecimento tnico por parte das populaes afri-
canas, tendo objetivo de replicar, no melhor dos casos, o parmetro
139
praticamente o oposto. Tendo em vista o caso africano, a relao
inversa europeia: o nacionalismo na frica considerado como
o promotor da modernizao das sociedades (e no seu resultado,
como no caso europeu). Esta considerao da mais alta valncia,
na medida em que descortina o carter de promoo de novos par-
metros de organizao social inseridos no contexto ps-indepen-
dncia. Assim, as novas naes africanas teriam mais um apelo
ao futuro a ser construdo do que um passado a ser preservado.7
neste patamar que se comea a perceber a importncia de tratar cada
caso do nacionalismo africano em sua especificidade.
Do costume moambicanidade
141
tumes dos Bantos, a verdadeira anlise recai sobre os Tsongas,
grupo tnico ao qual o autor reputa inexistir unidade nacional
(JUNOT, 1987, p. 34). A segunda obra referida, por sua vez, aborda
a existncia do folclore j no mbito de uma moambicanidade
que merece ser recuperada e enaltecida, tratando de temas como a
mestiagem, a difuso cultural, a msica popular moambicana. So
sintomticas as consideraes do autor quando advoga pelo carter
nacional da marrabenta e sua vinculao aos mestios e negros de
convvio desruralizado (CRAVEIRINHA, 2009, p. 52). Como bom
folclorista, Craveirinha explica o processo de mistura j marcado
pelo nome da dana: rebenta, do portugus acrescido do prefixo ma
da lngua Ronga. A forma lingustica da marrabenta j simbolizaria a
mestiagem moambicana transmutada em dana e patrimnio nacional.
A anlise de uma declarao da FRELIMO de 1967, a propsito
de uma crise poltica interna, permite perceber como era compreen-
dida a questo nacional e tnica pelos membros da luta anticolonial
em Moambique. O texto oficial assinado por Eduardo Mondlane
e afirma [...] que a realidade tnica moambicana no ntida e
simples. Mesmo assim, h uma tentativa de conceituao da tribo
atravs da adoo da lngua comum, dos usos e costumes e da
organizao militar e econmica. Diante desta definio, estes
seriam os diferentes grupos tnicos ou tribais: NYANJA (ocupando
as margens do lago Niassa), MACUA (ocupando as provncias de
Moambique, parte da Zambzia, Niassa e Cabo Delgado), YAU
(ocupando a maior parte do Niassa), MACONDE (na provncia de
Cabo Delgado), SENA (na Zambzia, Manica e Sofala), NDAU-
NYAI-SHONA (Manica e Sofala), TSONGA-VATSUA-RONGA
(maior parte da provncia de Gaza, Inhambane e Loureno Marques).
Logo percebe-se, por um lado, casos de superposio ou convi-
vncia de diferentes tribos em uma mesma regio, e, por outro
lado, algumas divises bem ntidas entre as provncias do norte e do
143
alteraes teria sido a luta interna pelo poder no mbito dos seus
quadros, querela que teria levado expulso de Uria Simango (um
de seus fundadores). neste contexto que a FRELIMO passa a ser
liderada por Samora Machel, em 1970. As negociaes da transio
poltica para a Independncia ps-Revoluo dos Cravos em Portugal
(j sob os auspcios do MFA portugus Movimento das Foras
Armadas), os termos do acordo de Lusaka, na Zmbia, em 1974,
entre muitos outros momentos-chave na histria de Moambique,
deram-se j sob sua liderana.
No se trata, aqui, de aproveitar uma potencial abertura s
denncias de crimes de guerra cometidos de parte a parte durante
a luta anticolonial (como o Massacre de Mueda ou a Operao N
Grdio, ambos levados a cabo pelo exrcito portugus), bem como
no decorrer da guerra civil destravada aps a independncia entre
Frelimo e RENAMO (Resistncia Nacional Moambicana)10. Mesmo
havendo algum desequilbrio sobre as denncias a cada um dos polos
envolvidos, importa salientar que aparecem patentes as admisses
de exageros nas aes de represso e violncia generalizada a ponto
de John Saul, um dos apoiadores intelectuais do Estado-Frelimo
considerar que [...] the sad trajectory os the Mozambican revolution
has been devastating (SAUL, 1993, p. 139)11.
145
assim como aps a proclamao da Independncia. As palavras do
antigo Diretor do Gabinete do Presidente da Repblica entre 1975
e 1977 so bastante relevantes sobre a singularidade da construo
socialista em Moambique e da forma como eram percebidos os
recursos tnicos ou tradicionais no mbito da construo poltica
moambicana: [...] mesmo entre pases socialistas europeus havia
reticncias sobre a recusa da FRELIMO em explorar o carter
tnico da luta. As leituras da Tese sobre as Nacionalidades, de Estaline,
tendiam a aplicar-se de um modo mecnico, dogmtico e abusi-
vamente generalizado a situaes bem diferentes (2013, p. 287).
Trata-se, em parte, de um eco das crticas de Nyerere ao socialismo
dogmtico, principalmente opondo ao carter de luta e de adoo
da violncia (o que Cabral e Fanon, por exemplo, propunham e que
Nyerere recusava). Contudo, Machel e a FRELIMO iro tambm se
afastar de uma aplicao direta do iderio de Nyerere, justamente no
que tange ao processo de construo nacional. A recusa a qualquer
vnculo tnico ou tribal marca este distanciamento. Ainda segundo
Srgio Vieira, para a FRELIMO, [...] o racismo, o tribalismo ou o
regionalismo, como dizia Samora combatiam-se com as mesmas armas
que o colonialismo. Matar a tribo para fazer nascer a Nao tambm consti-
tua, e constitui, um princpio director da revoluo moambicana.
(VIEIRA, 2011, p. 285) Este desgnio poltico teria vindo de uma
tcita considerao sobre a formao tnica dos povos moambicanos
e, sobretudo, pela interpretao crtica forma como o colonialismo
portugus teria se aproveitado das diversidades culturais na estrat-
gia de dividir para dominar. Pelo menos isto o que argumenta
Srgio Vieira: [...] o passado trouxera-nos a lio da experincia
amarga da diviso, a derrota do pas dividido por um punhado de
conquistadores unidos e que sabiam explorar as fissuras entre ns,
levando-nos a combater entre os moambicanos em favor dos novos
senhores (VIEIRA, 2011, p. 285).
147
generalizada em numerosos pases e esmo entre dirigentes de pases
africanos (VIEIRA, 2011, p. 286). Samora Machel, no referido
discurso de tomada de posse como Presidente da Repblica Popular
de Moambique, ainda fala da necessidade de combater todas as
tendncias divisionistas, sendo que [...] na sociedade que quere-
mos construir [...], diz Machel, [...] o Estado assenta no princpio
que todas as transformaes no seio da sociedade so o resultado
da luta do homem nas frentes de combate de classe, de combate
pela produo e inovao cientfica assim como da contradio dos
fenmenos da natureza. Na concluso de seu discurso (que contm
muitos elementos importantes no tratados aqui), o presidente Machel
reafirma que [...] nossa luta nunca assumiu um carter racial porque
o nosso povo sempre soube distinguir o regime colonial-fascista do
povo portugus (MACHEL, 1975 apud MUIUANE, 2009, p. 490).
Srgio Vieira revela ainda outra pista sobre construo do
aparato intelectual e poltico de Samora Machel. Afirma que [...] o
encontro de Samora com o pensamento de Marx no resultava de
uma leitura prvia [...] e que o lder nacionalista teria conseguido
elaborar uma sntese pessoal atravs de uma [...] reflexo sobre
a prtica de vrias dcadas da sua vida pessoal, combinada com a
anlise dos grandes mestres, encontrando no que leitura terica a
sistematizao cientfica do vivido. Sobre Machel, Vieira afirma que
149
o (entre o acordo de Lusaka, em 7 de setembro de 1974, at a
Independncia, em 25 de junho de 1975), a Frelimo teria posto em
marcha o que foi chamado de Operao Limpeza. Esta poltica apre-
senta a ao de grupos militares vinculados ao governo realizando o
bloqueio de ruas e becos do centro de Loureno Marques, fechando
bares e cabars. Seu objetivo era prender marginais e agitadores
da oposio. Parte destes presos foi levada para campos de reedu-
cao popular. Conforme Thomaz, a poltica manifestava o carter
moral da revoluo em curso (2008, p. 179), representando o carter
compulsrio do enquadramento social vinculado ao projeto socialista
com o desgnio maior de superar os vcios sociais atribudos ao
passado a ser riscado (ora vinculados ao racismo e ao colonialismo,
ora aos valores burgueses e ao capitalismo, e mesmo s fidelidades
tnicas, regionais ou tradicionais). Trata-se, assim, do momento-
-chave na forja de criao do Homem Novo em Moambique.
A poltica de construo de um novo cidado moambicano
no foi peculiaridade do perodo de transio, vindo a recrudescer nos
anos seguintes. Destaca-se a forte experincia da chamada Operao
Produo. Organizada a partir de 1981, tratava-se da organizao do
projeto de reeducao popular em grandes campos de cultivo rural
as machambas localizados no interior do pas, sendo a maioria no
norte do pas, nas regies do Cabo Delgado e Nampula. Conforme
Omar Ribeiro Thomaz (2008), em 1982, havia cerca de 1.352 macham-
bas, quase todas funcionando como um verdadeiro laboratrio de
reconverso poltica para onde eram enviados quaisquer indivduos
que simbolizassem valores ou prticas polticas ou moralmente
condenveis. Na prtica, tratava-se de grandes acampamentos para
onde eram enviados marginais, suspeitos ou inimigos polticos
(como Uria Simango). Nas machambas, todos teriam que trabalhar na
lavoura durante o dia, construir suas palhoas e, ao final da jornada,
assistir a cursos de marxismo-leninismo. Conforme o referido autor,
151
O programa da Frelimo passava inegavelmente pela luta contra
as fidelidades do passado, sejam as do colonialismo, sejam as do
tradicionalismo. Assim, a experincia das aldeias comunais de reedu-
cao apontam para o uso cientfico dos acampamentos no sentido
da construo de um cidado alinhado ao Estado-Frelimo. Isto,
paradoxalmente, abre espao para que se perceba a ressignificao
de algumas prticas e tipos sociais muito caros ao perodo colonial
portugus, agora j com nova roupagem ps-colonial socialista.
Refletindo sobre a questo do assimilado e a forma como o
Estado Socialista Ps-Colonial teria agido com este sobrevivente
do passado, Omar Ribeiro Thomaz faz uma interessante observao
sobre os anos imediatamente posteriores Independncia. Diz o
autor que o assimilado
153
Fato , contudo, que as prticas repressoras e a ao policia-
lesca de funcionrios estatais no sentido de controlar a sociedade
moambicana durante a I Repblica ser um dos elementos contri-
buintes para resistncias e para a negatividade da memria vinculada
aos tempos de Samora. Este ponto abre outra questo pouco
abordada quando se analisa genericamente os nacionalismos afri-
canos. O trabalho de Fernando Bessa Ribeiro (2005) aponta para
o carter estratgico da recuperao da histria e da construo de
mitologias nacionalistas. Sua anlise destaca a construo poltica
do mito Ngungunhane (o ltimo soberano do Imprio de Gaza,
no final do sculo XIX), bem como sua vinculao memria
de Eduardo Chivambo Mondlane (primeiro lder da FRELIMO,
morto em 1969).
Vale dizer que, em cada etapa, naturalmente, foram ressignifi-
cados os termos nos quais a prpria construo identitria foi pensada
ou proposta, independentemente da escala referida: regional, tnica
ou nacional. O que natural, visto serem as condies contextuais e
o iderio mobilizado nelas cambiante. muito difcil, a no ser por
arroubos romnticos e/ou historicistas, estabelecer indelevelmente
um fio condutor nico ligando geraes, ideias, projetos polticos
e contextos distintos.
Trata-se de chamar ateno para a existncia tambm na frica
e porque haveria de ser diferente? da importncia de o historiador
ter conscincia sobre o carter poltico vinculado construo dos
heris nacionais to prenhes de tradies inventadas, processo
muitssimo atrelado a tentativas de politizao de memrias hist-
ricas15. Contudo, e por mais relevantes que sejam os meandros de
problema, a anlise deste complexo jogo de produo poltica da
histria vai alm dos objetivos deste artigo.
155
um constante esforo por renunciar as simplificaes e os binarismos
polticos. Significa tambm renunciar s compreenses simplistas
acerca do tempo histrico e de como ele assimilado em mem-
rias sociais. Vale deixar claro que a reflexo sobre a complexidade
destas questes anteriormente apontadas que se aglutinam no
problema terico da ruptura histrica em nada desabona a rele-
vncia poltica e as importantes conquistas do perodo posterior
Independncia de Moambique.
Parece ter ficado claro que o caso da construo da nao em
Moambique repousa sobre mltiplas camadas identitrias em que
se misturam presenas culturais de diferentes perodos com lgicas
de ruptura poltica e de construo de uma nova sociedade. A
metfora do palimpsesto, usada por Maylin Newitt quando abordava
as camadas culturais moambicanas no perodo pr-colonial, pode
tambm ser utilizada como referncia para se pensar a construo da
moambicanidade durante o Estado Ps-Colonial Socialista. Para o
historiador que se interessar pela identidade nacional no Moambique
contemporneo, sugere-se que se lembre do palimpsesto de Newitt,
articulando-o ao uso das temporalidades da histria e do carter
poltico de suas narrativas. Creio que isso pode ajudar para que no
se caia novamente nas resilientes e ideolgicas simplificaes
quando so abordadas as identidades nacionais e os nacionalismos
na frica, em geral, e em Moambique, de modo particular.
Notas
1
Utilizo aqui o termo moambicanidade para expressar a condio da nacionali-
dade em Moambique. O conceito vincula-se ao processo de partilha de signos
e valores de identidade coletiva sediados em escala nacional, por um lado, e
legitimados jurdico-politicamente pelo Estado, por outro. importante ter
presente a relevncia deste tipo de identidade social, sobretudo no contexto
posterior Segunda Guerra e fundao das ONU. Como linha-mestra de um
realinhamento geopoltico internacional, aceita-se e advoga-se a existncia de
um Estado para cada Nao, o que remete, tambm, a um importante processo
de definio interna e externa dos membros de cada Estado-Nao. No este
o lugar apropriado para desenvolver todos os contornos tericos desta questo.
Basta dizer que este postulado foi um importante elemento no processo de luta
anticolonial e de independncia na sia e na frica. Tendo como foco o caso
moambicano em particular, basta chamar ateno para que a importncia desta
definio conceitual no ficasse desassistida na proclamao da independncia de
Moambique, nem tampouco nos seus primeiros documentos oficiais. Para mais
informaes sobre este ltimo ponto, consultar Muiuane (2009).
2
Embora tenha presente o papel relevante das narrativas literrias no processo de
construo da moambicanidade lembre-se de Luis Bernardo Honwana, Jos
Craveirinha, Mia Couto, Paulina Chiziane, entre muitos outros no me aterei,
neste texto, sobre este elemento da questo identitria.
3
A distino entre FRELIMO e Frelimo busca chamar ateno para a diferena
entre uma frente ampla de movimentos polticos reunidos no combate anticolonial,
no perodo pr-Independncia, e a transformao desta em partido poltico nico
e com uma orientao ideolgica definida. No primeiro caso, trata-se de uma
sigla e por isso escrito em letras maisculas; no segundo, trata-se de um nome
de agremiao poltica. Esta distino importante e busca no confundir nem
157
tampouco alinhavar de maneira simplista e historicista os contextos anterior e
posterior Independncia.
4
Veja-se, por exemplo, Delannoi e Taguieff (1992); zkirimli (2000) e Balakrishnan
(2000).
5
Refiro-me gerao intelectual que, nas universidades europeias e americanas,
especialmente no contexto do ps-II Guerra Mundial, construiu um campo
acadmico de debate sobre as naes e os nacionalismos. Obviamente no refiro,
assim, aos textos seminais de autores como Ernest Renan, Johann G. Fichte entre
outros, embora a frica, nalguns deles, tambm tenha povoado suas pginas.
6
Veja-se, a este ttulo, o debate entre as obras de Nairn (1977), Hobsbawm (2006;
2008), Hasting (2000) e Smith (1997; 2009).
7
Sabe-se, obviamente, do postulado terico-poltico de Amilcar Cabral ou mesmo
de Julius Nyerere que, de maneiras distintas, buscavam uma recuperao ou uma
reafricanizao da prpria frica. Vale dizer que um projeto tal s possvel
a partir da sensao de perda da prpria tradio a ser recuperada. Sobre esta
questo, ver, entre outros, HOBSBAWM e RANGER (2008) e ZELEZA (2006).
8
Para uma caracterizao histrico-social de Moambique no incio do sculo
XX, consultar ZAMPARONI, 1998.
9
Craveirinha foi preso pela PIDE, a poltica-poltica portuguesa, como membro
da FRELIMO, ficando recluso entre 1965 e 1969. No perodo ps-colonial, foi
o primeiro presidente da Associao dos Escritores Moambicanos, em 1982.
10
A RENAMO, Resistncia Nacional Moambicana, foi organizada enquanto
um movimento de oposio e resistncia s polticas do governo da Frelimo no
perodo Pos-Independncia. Sobre a RENAMO, naquele contexto, h inmeras
acusaes de violncia e ataques s populaes rurais, tribalismo, apoio da frica
do Sul, de Peter Botha, etc. No este o lugar para discutir sua formao e suas
principais caractersticas. Para maiores informaes, consulte-se VIEIRA (2013).
11
De resto, apenas uma leitura ideologizada ao extremo deixaria de considerar
pontos positivos do perodo da construo moambicana (em que so relevan-
tes o aumento das infraestruturas de educao, sade pblica e promoo da
igualdade de gnero, por exemplo), assim como o lado mais negativo vinculado
a este mesmo processo de costura poltica da nao (falta de democracia,
perseguies polticas, represso do aparelho burocrtico estatal). Frente a estes
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