Anjos Demonios Luta
Anjos Demonios Luta
Anjos Demonios Luta
A natureza anglica
A LUTA CONTRA O Captulo 3
PODER DAS TREVAS Ministrios dos anjos
Captulo 4
Os Anjos da Guarda
Os anjos e os demnios no so um fruto da fanta- Captulo 5
sia do homem, nem mera expresso de suas esperanas Os Trs Gloriosos Arcanjos
e temores. Eles existem, so seres reais, dotados de uma Captulo 6
natureza puramente espiritual, muito mais perfeita do que Devoo aos Santos Anjos
a nossa, de uma inteligncia agudssima e uma vontade
possante.
Eles intervm continuamente em nossa vida; os san- II - SATANS E OS ANJOS REBELDES
tos anjos, por meio das boas inspiraes que nos sugerem; Captulo 1
os demnios, pelas tentaes a que nos submetem. O problema do mal
Quais so os poderes reais dos anjos e dos dem- Captulo 2
nios? Como devemos nos portar diante da ao anglica e A queda dos anjos maus
como reagir em face da atividade diablica? Captulo 3
Mais especificamente, como resistir s tentaes Psicologia do demnio
do demnio, sua ao extraodinria, s infestaes e Captulo 4
possesso? O poder dos demnios
O que pensar da feitiaria, dos sabs e das missas
negras? Existem ainda hoje bruxos e feiticeiras? O espiritis-
mo e a macumba tm alguma influncia diablica? Existe III - AO ORDINRIA E EXTRAORDINRIA DO
alguma relao entre Rock n Roll e satanismo? DEMNIO 85
Para responder a estas perguntas, os autores de An- Captulo 1
jos e demnios A luta contra o poder das trevas consul- A tentao
taram um sem-nmero de obras especializadas, recolhen- Captulo 2
do o ensinamento de uma centena de telogos, moralistas A infestao
e canonistas catlicos; percorreram ainda as pginas de Captulo 3
numerosos jornais e revistas, tanto nacionais como estran- A possesso
geiros. Eles apresentam aqui, numa linguagem acessvel, Captulo 4
o resultado de sua pesquisa, colocando nas mos do leitor Possesso diablica: o diagnstico
no-especializado um trabalho denso de contedo bblico e
teolgico e ao mesmo tempo de leitura amena e atraente.
IV. A LUTA CONTRA O PODER DAS TREVAS
Gustavo Antnio Solmeo - Luiz Srgio Solmeo Captulo 1
Editora - Artpress Remdios gerais, preventivos e liberativos
Captulo 2
Exorcismo: aspectos histricos
Sede sbrios e vigiai, porque o demnio, vosso ad- Captulo 3
versrio, anda como um leo que ruge, buscando a quem Exorcismo: o que ?
devorar. Resist-lhe fortes na f. Captulo 4
(Primeira Epstola de So Pedro 5, 8) Exorcismo: legislao
Captulo 5
Somos todos exorcistas
NDICE
V. SATANISMO MAGIA FEITIARIA
Captulo 1
INTRODUO Da superstio adorao ao demnio
Os anjos, os demnios e o homem. Captulo 2
Magia negra ou feitiaria: aspectos histricos
I. OS PRNCIPES DOS EXRCITOS DO SENHOR Captulo 3
Captulo Magia Espiritismo Macumba
O admirvel mundo anglico
1
Captulo 4 nossas dvidas, proteger-nos em todos os perigos, socor-
Sabs e Missas negras rer-nos em todas as dificuldades: os anjos.
Captulo 5
O Satanismo moderno OS SANTOS ANJOS
Captulo 6
O Rock Satnico Coroando a criao, acima dos seres inanimados,
do mundo vegetal e animal, do homem que o Rei dessa
obra, Deus colocou os espritos anglicos, dotados de in-
VI. CASOS DE INFESTAO E POSSESSO CE- teligncia (incomparavelmente mais perfeita que a nossa),
NAS DE EXORCISI CULTO IDOLTRICO AO DEMNIO porm no sujeitos s limitaes do corpo, como ns.
Captulo 1 Explica So Toms que Deus criou todas as coi-
A moa infestada e o menino possesso sas para tornarem manifesta a sua bondade e, de algum
Captulo 2 modo, participarem dessa bondade. Ora essa participao
Madalena: da frustrao ao pacto com o demnio e manifestao no seriam perfeitssimas seno no caso
Captulo 3 em que houvesse, alm das criaturas, meramente mate-
Anneliese: possesso oblativa riais, outras compostas de matria e esprito (os homens)
Captulo 4 e, por fim, outras puramente espirituais, que pudessem as
O Diabo no Convento similar de modo mais pleno as perfeies divinas.
Captulo 5 A verdade maravilhosa da existncia dos anjos -
Sacrifcios humanos em honra do demnio seres intermedirios entre Deus e os homens ilus-
CONCLUSO trada poticamente na Escrituras pelo sonho de Jac, Pa-
A Rainha dos Anjos, terror dos demnios triarca do Povo eleito: (Jac) teve um sonho: Uma escada
se erguia da terra e chegava at o cu e anjos de Deus
subiam e desciam por ela (Gen 28, 12).
Do pice da escala da criao, os puros espritos
INTRODUO descem at a criaturas inferiores, governando o mundo
OS ANJOS,OS DEMNIOS material, amparando protegendo o homem; e sobem at
Deus para oferecer-Lhe a glria da criao, bem como a
E O HOMEM orao e as boas obras dos justos.
Essa realidade anglica foi pressentida pelos povos
(Jac) teve um sonho: Uma escada
antigos, em meio s brumas do paganismo e das supers-
se erguia da terra e chegava
ties, sob a forma de gnios benfazejos das fontes, dos
at o cu, e anjos de Deus subiam e
bosques, dos mares, os quais garantiriam a harmonia do
desciam por ela.
Universo, e eram propcios aos homens.
(Gen 28, 12)
Mas foi a revelao divina que apresentou aos ho-
mens a verdadeira figura dos espritos anglicos, desem-
CONSIDERANDO S VEZES a beleza de um pano-
baraada de toda
rama martimo, a elegncia das ondas que vm suave-
forma de superstio. As Sagradas Escrituras e a
mente espraiar-se na areia lmpida em um turbilho de
Tradio forneceram os elementos fundamentais, que os
espuma; gaivotas e outros pssaros marinhos que planam
grandes telogos
docemente, sem esforo aparente, ao sabor das brisas;
Doutores da Igreja em especial So Toms de
o brilho da luminosidade que reverbera nas guas e pa-
Aquino sistematizaram, dando-nos uma doutrina sli-
rece confundir-se com elas na linha do horizonte; diante
da e coerente sobre o mundo anglico.
de tudo isso sentimos a tranqila majestade de Deus, sua
essa doutrina que procuramos sintetizar no pre-
imensa sabedoria, amor infinito por ns homens, dando-
sente trabalho, seguindo o Doutor Anglico bem como
nos, sem nenhum mrito nosso, tais maravilhas.
autores mais recentes que trataram do tema.
Mas, se para alm dos sentidos naturais, consi-
Estamos certos de que o conhecimento desta
derssemos o mesmo panorama tambm com os olhos
doutrina ser proveitoso para todos os fiis. Conhecen-
da F, perceberamos que a maravilha ainda maior, e a
do melhor os anjos, teremos mais intimidade com eles
sabedoria e a bondade divinas ainda mais perfeitas; sua
e seremos assim levados a recorrer mais amide sua
solicitude em relao a ns, homens, ainda mais excelen-
proteo e ao seu amparo, nesta nossa jornada terrestre
te e carinhosa.
rumo ao Paraso. Sobretudo na luta tremenda que deve-
que, ao lado de toda aquela perfeio material,
mos travar contra o Adversrio, o Caluniador, que anda ao
guardando-a e dirigindo-a, saberamos que esto criatu-
redor de ns, no um leo feroz, querendo nos devorar (1
ras espirituais, incomparavelmente mais perfeitas do que
Ped 5, 8-9): Satans!
ns e que tm como uma de suas misses ajudar-nos
a melhor conhecer e amar o Criador, aconselhar-nos em
2
SATANS E OS ANJOS REBELDES pravados. Alm da proteo especial de nosso Anjo da
Guarda e demais espritos celestes, entregou Igreja os
Da maravilhosa realidade dos santos anjos, desce- meios preventivos e liberativos para enfrentar a ao do
mos assim para tenebrosa realidade dos espritos infer- demnio: oraes, sacramentos, sacramentais (bnos,
nais, os demnios. medalhas, escapulrios). O mais efetivo desses meios so-
Mais ainda do que em relao aos anjos, os po- brenaturais, para os casos de infestao e possesso so
vos pagos da Antiguidade (como tambm os primitivos os exorcismos, pelos quais se do ordens ao demnio,
de hoje) tiveram a percepo dos demnios. A tal ponto, em virtude do nome Jesus, para abandonar o corpo da
que mentalidades racionalistas do sculo passado e deste pessoa ou o lugar que ele infesta ou possui.
quiseram ver na concepo bblica de anjos e demnios Devido sua importncia, nos deteremos um
uma mera influncia babilnica e grega. Essa apreciao pouco mais no estudo dos exorcismos, considerando os
completamente falsa pois a concepo bblica e crist seus fundamentos teolgicos, o modo de pratic-los, bem
sobre os anjos est inteiramente imune dos absurdos su- como a legislao da Igreja a respeito.
persticiosos dos pagos. Da atuao espontnea do demnio, passamos
Em relao aos demnios, os povos antigos (ba- quela que ele desenvolve a convite do homem, seja pela
bilnios, caldeus ou gregos) manifestaram uma grande invocao direta e explicita, seja pela indireta e implci-
confuso, por no terem conseguido resolver o problema ta. Com relao magia, feitiaria e outras formas de
da origem do mal. Em suas concepes, o bem e o mal superstio, deixamos de lado os aspectos histricos po-
se mesclam e se confundem de tal maneira que tanto os lmicos (que alongariam por demais o presente estudo e
deuses como os gnios perversos mostram-se ambguos, fugiriam ao objetivo dele), limitando-nos a considerar sua
representando e praticando, uns e outros, tanto o bem possibilidade teolgica, afirmada, alis pelo Magistrio da
como o mal. Igreja e pela unanimidade dos telogos e moralistas.
Entre os gregos, o vocbulo daimon designava os Dedicamos algumas pginas revivescncia do
deuses e outros seres com foras divinas, sobretudo os satanismo nos dias de hoje, salientando o papel do Rock
malficos, dos quais os homens deveriam guardar-se por nRoll, sobretudo do Heavy Metal (Rock Pesado) na sua
meio da magia, da feitiaria e do esconjuro. difuso. A ttulo de ilustrao da doutrina aqui desenvolvi-
A concepo revelada pela Sagrada Escritura e da, apresentamos alguns casos de infestao possesso
pela Tradio bem outra: os demnios no so divin- diablica, uns decorrentes de interveno espontnea do
dades, mas simples criaturas, dotadas de uma perfeio esprito das trevas, outros conseqncia de malefcios ou
natural muitssimo acima da do homem, porm infinita- no de pacto explcito com o demnio; acrescentamos por
mente abaixo da perfeio de Deus, seu criador, acima da fim o relato de uma srie de sacrifcios humanos aqui no
do homem, porm infinitamente abaixo da perfeio de Brasil em honra de entidades de macumba e candombl
Deus, seu criador. (as quais entidades no so coisa seno demnios), que
Se eles so perversos, no por terem uma natu- revelam, de modo alarmante, o quanto nosso pas est
reza essencialmente m, e sim por prevaricao; feitos envolvido por essa onda de satanismo moderno, conse-
bons por Deus, os anjos maus ou demnios se revoltaram qncia de sua apostasia da F catlica.
e no quiseram submeter-se Criador, servi-Lo e ador-Lo Esperamos que este estudo contribua para reavivar
como sua condio de criatura o exigia. a devoo santos anjos, nossos fiis amigos, conselheiros
Uma vez revoltados, os anjos rebeldes fixaram-se e protetores; e ao mesmo tempo, sirva de alerta aos ca-
no mal, e passaram a tentar o homem, procurando arras- tlicos para o perigo das das espritas ou de macumba, e
t-lo perdio eterna. Essa atividade demonaca a outras formas de superstio( como o uso de amuletos,
tentao os telogos qualificam de ordinria, por ser adivinhaes, etc.), as quais podem conduzir, muitas ve-
a mais freqente e tambm a menos espetacular de suas zes sem que se queira, comunicao pelo menos impl-
atuaes sobre o homem. Alm dessa atividade, ele pode cita com os espritos infernais.
com a permisso de Deus perturbar o homem de ***
um modo mais intenso mais sensvel, provocando-lhe vi- Digne-se a Virgem Santssima que esmaga para
ses, fazendo-o ouvir rudos e sentir dores; ou, ento, atu- sempre a cabea da serpente infernal (cf. Gen 3, 15)
ando sobre as criaturas inferiores as planta animais, proteger e abenoar este modesto esforo. Invocamos
os elementos atmosfricos para desse modo atingir o tambm o patrocnio do glorioso Patriarca So Jos e a
homem. a infestao pessoal ou local, atividade menos proteo do invencvel Arcanjo So Miguel que derro-
freqente mais visvel, chamada por isso extraordinria. tou Sat no praelium magnum in caelo (Apoc 12, 7-l0)
Em certos casos extremos, podem os demnios chegar a e dos santos anjos que atenderam ao seu brado de
possuir o corpo do homem para atorment-lo. Temos aqui guerra: Quis ut Deus? Quem como Deus?
a possesso, a mais rara manifestao extraordinria do
Maligno.
Deus no nos deixou merc dos espritos de-
3
I - OS PRNCIPES DOS rir-se s virtudes divinas e aos vcios humanos...
Contra todos esses, falam os dados da razo, a
EXRCITOS DO SENHOR crena comum dos povos e a revelao divina.
Os anjos existem
AS NOES que correm entre os fiis, mesmo den-
tre os mais fervorosos, a respeito dos santos anjos so Pela simples razo, independentemente da revela-
muito vagas e superficiais. Meras reminiscncias e ima- o, o homem pode chegar de algum modo ao conheci-
gens da infncia, na maioria dos casos, no muito diferen- mento da existncia dos anjos. Com efeito, a existncia
tes de entidades fictcias e de algum modo mitolgicas, de seres puramente espirituais no repugna razo. E
como as fadas e os duendes. um exame da criao, mera luz do intelcto pode levar-
A iconografia corrente, infelizmente, no ajuda a nos concluso de que a existncia de criaturas pura-
dar a conhecer a verdadeira fisionomia dos anjos, apre- mente espirituais convm harmonia do Universo, pois
sentando-nos seres alados, com vestes e aspecto femi- assim estariam representados os trs gneros possveis
nimo; ou, ento, anjinhos bochechudos, com cara infantil de seres: os puramente espirituais, acima do homem;
e tola, brincando despreocupadamente sobre nuvens que outros, puramente materiais, abaixo do homem; por fim,
mais parecem flocos de algodo doce... seres compostos, dotados de matria e esprito os
Esses anjos no existem, nem deles que tratamos homens.
aqui. E a crena comum dos povos, constante em todos
A partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradi- os lugares e em todas as pocas, sempre afirmou a exis-
o, dos escritos dos Santos Padres, do ensinamento do tncia desses seres de natureza superior aos homens e
Magistrio eclesistico, da lio dos Doutores e telogos, inferior divindade.
queremos apresentar a verdadeira natureza dos santos Uma coisa, porm, a mera possibilidade da exis-
anjos: seres puramente espirituais, dotados de uma inte- tncia de seres puramente espirituais, e outra a sua re-
ligncia agudssima e de uma possante vontade livre do- alidade objetiva. A existncia dos anjos (e dos demnios,
minando abaixo de Deus sobre todas as demais criaturas, anjos decados) seria para ns um problema insolvel, no
racionais e irracionais, bem como as foras da natureza, houvesse a tal respeito especial revelao divina por meio
os elementos da atmosfera e subjugando para sempre os da Escritura e da Tradio,* que nos garantem a certeza
espritos infernais. da existncia dos anjos.
Eis os santos anjos, prncipes dos exrcitos do Se- * Tradio, em sentido amplo, o conjunto de
nhor, mas tambm nossos amigos e protetores. idias, sentimentos e costumes, como tambm de fatos
que, numa sociedade, se transmitem de maneira viva de
gerao gerao.
O ADMIRVEL MUNDO ANGLICO Em sentido estrito teolgico, chama-se Tradio o
conjunto de verdades reveladas que os stolos receberam
E ouvi a voz de muitos anjos de Cristo ou do Esprito santo, e transmitiram, indepen-
em volta do trono... dentemente Sagradas Escrituras, Igreja, que as conser-
e era o nmero deles va e transmite sem alterao.
milhares de milhares. Essa revelao foi feita a nossos primeiros pais,
( Ap 5,11) e se conservou na Humanidade, por via de transmis-
so oral pelos Patriarcas. Com o tempo (e tambm por
ALM DO MUNDO VISVEL e material, criou Deus obra do demnio, sem dvida), essa revelao primitiva
tambm o mundo invisvel e espiritual, o admirvel mundo foi-se corrompendo, restando dela meros vestgios no
anglico. paganismo antigo e no atual. Nas brumas desse paga-
nismo encontramos seres incorpreos, ora malfazejos ora
A existncia dos anjos foi negada na Antiguidade, benignos, quase sempre cultuados como divindades ou
entre judeus, pela seita dos saduceus (cf. At 23, 8). Mais quase-divindades.
tarde, por certas seitas protestantes, como os anabatistas. Para preservar o povo judeu da contaminao por
Em nossos dias ela tem por adversrios os ateus, mate- essa deformao politesta pag, os Autores sagrados,
rialistas e positivistas, que no crem seno naquilo que durante largo perodo, evitaram mencionar nominalmente
seus olhos vem e seus sentidos apalpam. Os racionalis- o esprito das trevas. E, pela mesma razo, no se encon-
tas, para encontrar uma excusa aparentemente racional tram muitos pormenores no Antigo Testamento sobre a
sua incredulidade, alegam que os anjos foram inventados natureza dos anjos e dos demnios, embora sejam men-
pelos judeus no tempo do cativeiro da Babilnia, por imi- cionados a cada passo. A revelao definitiva s se veri-
tao das entidades ali cultuadas; ou, ento, consideram fica Nosso Senhor Jesus Cristo. Porm, a Bblia no traz
os anjos como simples modo potico e simblico de refe- toda a revelao sobre o mundo anglico, sendo neces-
4
srio recorrer Tradio, Esta, como se sabe, encontra-se Virtudes;
recolhida nos documentos dos Santos Padres* e escrito- Terceira hierarquia - Principados, Arcanjos e
res eclesisticos dos primeiros tempos, assim como nos Anjos.
documentos do Magistrio - Papas e Conclio - na Liturgia Os anjos dos trs primeiros coros ou primeira hie-
e nos monumentos da Antiguidade crist (catacumbas ce- rarquia - Serafins, Querubins e Tronos contemplam e glo-
mitrios, etc.). rificam continuamente a Deus: Vi o Senhor sentado sobre
*Chamam-se Santos Padres ou Padres da Igreja um alto e elevado trono... Os Serafins estavam por cima
certos escritores eclesisticos antigos, que se distingui- do trono ... E clamavam um para o outro e diziam: Santo,
ram pela doutrina ortodoxa e santidade de vida e so re- Santo, Santo, o Senhor Deus dos exrcitos (Is 6, 1-3 ).
conhecido Igreja como testemunhas da tradio divina. O Senhor reina ... est sentado sobre querubins (Sl 98,1);
A existncia dos anjos uma verdade de f,* pro- os trs coros seguintes - Dominaes, Virtudes e Potes-
vada pela Escritura e pela Tradio. A Sagrada Escritura tades - ocupam-se do governo do mundo; finalmente, os
refere-se inmeras vezes a seres racionais, inferiores a trs ltimos - Principados, Arcanjos e Anjos - executam as
Deus e superiores aos homens; logo, segundo ela, esses rdens de Deus: Bendizei ao Senhor, vs todos os seus
seres, que ns denominamos anjos, existem. anjos, fortes e poderosos, que executais as suas ordens e
* Verdade de f aquela que se encontra na Reve- obedeceis as suas palavras (Sl 102, 20).
lao e proposta pela Igreja aos fiis como verdade que Todos eles podem entretanto ser chamados gene-
se deve crer. A negao pertinaz de uma verdade de f ricamente anjos, estando disposio de Deus para exe-
constitui a heresia. cutar suas vontades. Embora o Evangelho, na Anunciao
Essa verdade foi definida solenemente como dog- a Maria, se refira ao anjo Gabriel ( Lc 1,26), isto no quer
ma pelo conclio IV de Latro (1215): Deus.., desde o dizer que ele pertena ltima das hierarquias anglicas,
princpio do tempo criou do nada duas espcies de seres pois a sublimidade dessa embaixada leva a supor que se
os espirituais e os corporais, isto , os anjos e o mun- trate de um dos primeiros espritos que assistem diante
do. De forma igual se expressa o I Conclio do Vaticano de Deus.
(1870). Os trs arcanjos - como so conhecidos comu-
mente So Miguel, So Gabriel e So Rafael - pertencem,
Os nove coros anglicos provavelmente, mais alta hierarquia anglica. Falare-
mos deles mais adiante.
Existem diferenas entre os anjos, mas no consta Embora no conheamos, o nmero exato dos an-
na Revelao qual sua origem nem seu modo preciso. jos, sabemos, pelas Escrituras e pela Tradio, que so
questo de livre discusso se os anjos so todos da mes- muitssimos,. o que lemos no livro do Apocalipse: E
ma espcie, ou se existem tantas espcies quantos so os ouvi a voz de muitos anjos em volta do trono ... e era o
coros, ou se cada indivduo constitui uma espcie por si nmero deles milhares e milhares
(opinio de So Toms). (Apoc 5, 11). E no livro de Daniel: Eram milhares
De acordo com uma tradio que remonta ao Pseu- de milhares de milhares (os anjos) que o serviam, e mil
do-Dionsio Areopagita,* os telogos costumam agrup- milhes os que assistiam diante dele (Dan 7, 10).
los em nove ordens ou coros anglicos, distribudos em Muitos telogos deduzem que o nmero dos anjos
trs hierarquias ( os nomes so tomados da Sagrada superior ao dos homens que existiram desde o princpio
Escritura):* do mundo e existiro at o fim dos tempos. A razo disso
*Renomado escritor eclesistico dos primeiros s- dada por So Toms ao dizer que, tendo Deus procurado
culos, cuja identidade no se estabeleceu ainda ao certo, principalmente a perfeio do universo ao criar os seres,
durante muito tempo confundido com o sbio convertido quanto mais estes forem perfeitos, Deus os ter criado
por So Paulo no Arepago de Atenas (cf. At 17, 34). Uma com maior prodigalidade. Ora, os anjos so mais perfeitos
de suas obras mais clebres De coelesti hierarquia que os homens, logo foram criados em maior nmero.
Sobre a hierarquia celeste, na qual estabelece a ordem
dos Anjos, deteminada pelo seu grau de assimilao a A NATUREZA ANGLICA
Deus, de unio com Deus, do dom de luz divina que rece-
bem e transmitem aos Anjos inferiores. Ento o anjo do Senhor tornou-o pelo
* Por exemplo: Serafins ( Is 6,2); Querubins ( Gen alto da cabea e, tendo-o pelos cabelos,
3,24; Ex 25, 18; 3 Reis 6,23; Sl 17, 11; Ez 10,3; Dan 3,55); levou-o com a impetuosidade do seu esprito at
Arcanjos ( 1 Tes 4,15; Jud 9); Anjos, Potestades, Virtudes Babilnia,
( 1 Ped 3,22); Principados, Dominaes ( Ef 1,20-21); Tro- sobre a cova
nos (Col 1,16). (Dan 14, 32-35)
Primeira hierarquia - Serafins, Querubins, Tro-
nos; TAL O ESPLENDOR de um anjo, que as pessoas s
Segunda hierarquia - Dominaes, Potestades, quais eles aparecem muitas vezes se prostram por terra
5
por temor e reverncia para ador-los, pensando que se gozam para sempre viso beatfica e que os maus foram
trata do prprio Deus conforme relato das Escrituras e condenados a uma pena eterna.
da vida dos santos. E assim que So Joo conta no Apoca-
lipse: Prostrei-me aos ps do anjo para o adorar; porm Conhecimento e comunicao anglica
ele disse-me: V, no faas tal; porque eu sou servo de
Deus como tu .... Adora a Deus (Apoc 22,9). questo de livre discusso tudo quanto se refere
essa natureza maravilhosa que vamos estudar ao conhecimento anglico, comunicao de uns com os
agora. outros, bem como o que se refere ao seu ato de vontade;
certo que sua capacidade de conhecer embora incom-
Seres racionais e livres paravelmente superior do homem limitada: eles
no conhecem naturalmente os mistrios divinos, nem
Os anjos so seres intelectuais ou racionais, infe- o futuro livre ou contingente;* tambm certo que tm
riores a Deus e mais perfeitos que os homens. Eles so pleno livre arbtrio.
puros espritos, no estando ligados a um corpo como *Os anjos (e tambm os dem6nios, que so anjos
ns; so dotados de uma inteligncia luminosa e de von- pervertidos), pela sua prpria natureza, no tm capaci-
tade livre e possante. dade de conhecer o futuro que depende de um ato livre
Tendo sido criados por Deus do nada, como tudo o de Deus ou do homem; porm, dada sua inteligncia agu-
mais, os pelo prprio fato de serem puramente espirituais, dssma e seu conhecimento da natureza e de suas leis,
so imortais, pois no tm nenhuma ligao com a mat- eles podem prever qual o desenrolar dos acontecimentos,
ria corruptvel, como os homens. postas cenas causas. Tambm podem, em razo de sua
Ao contrrio da natureza do homem, que com- profunda penetrao psicolgica e do conhecimento da
posta (isto , formada de dois elementos distintos, o corpo alma humana, fazer conjeturas mais ou menos provveis
e a alma) os anjos tm natureza simples, puramente espi- de como os homens reagiro diante de determinada cir-
ritual. Embora a alma humana seja igualmente espiritual, cunstncia, e assim prever o que decorrer da.
ela foi criada por Deus para viver em unio substancial Para dar uma idia da perfeio do conhecimen-
com o corpo; quando se d a morte e a alma se separa to anglico, parece oportuno transcrever a explicao do
do corpo, ela permanece em um estado de violncia, en- Cardeal Lepicier, grande especialista na matria.
quanto no se d a ressurreio dos corpos. Comparando o modo de conhecimento humano
J os anjos no tm necessidade de um corpo com o anglico, ressalta o Cardeal que Deus infundiu no
como o homem. Desse modo, um ser muito mais per- intelecto dos anjos, logo que os criou, representaes de
feito, sendo inferior, quanto natureza, apenas ao prprio todas as coisas naturais. Estas imagens so no somen-
Deus. No se pode pois, ao pensar nos anjos, conceb-los te representativas de princpios gerais que regulam cada
maneira de uma alma humana separada de seu corpo. cincia particular, mas encerram tambm, distintamente,
Esta ltima no capaz daquilo que o anjo pode fazer sua todos os pormenores virtualmente contidos nesses princ-
simples natureza. pios, de maneira que uma e a mesma imagem informa a
Tal como o homem, os anjos existem realmente en- mente anglica das particularidades de cada cincia. No
quanto pessoas; ou seja, eles so substncias individuais, poder pois haver confuso na mente anglica, quando
dotadas de inteligncia e livre arbtrio*. Em outros termos, ela passa da observao de um para a observao de
eles tm uma existncia real, distinta da de outros seres, outro...
sendo capazes de conhecer, de amar, de servir, de esco- Um anjo, com um simples olhar imagem que
lher entre uma coisa e outra. Eles no so portanto, se- representa digamos o reino animal, conhece no
res imaginrios, fictcios, concebidos pelo homem como s as vrias espcies de animais existentes, mas tambm
mero modo potico de exprimir-se, ou como personifica- cada indivduo que exista ou tenha existido dentro de cada
es das virtudes e dos vcios humanos ou das foras da espcie, assim como as suas propriedades particulares e
natureza,nem tampouco emanaes do poder de Deus. os seus meios de ao. E o mesmo sucede com o conhe-
* clssica a definio de pessoa dada por Bocio: cimento de qualquer objeto, seja ele qual for, que se en-
Rationalis naturae individua substantia Substncia contre no reino da natureza, seja orgnico ou inorgnico,
individual de natureza racional. material ou espiritual visvel ou invisvel.
Os anjos foram elevados ordem sobrenatural, Chama-se futuro livre ou contingente aquele que
isto chamados a participar da vida da graa, cujo fim depende, seja da vontade divina, seja da humana. Dis-
a viso beatfica de Deus. Esta elevao gratuita, mas tingue-se do futuro necessrio, o qual no depende do
discute-se em que momento se deu (para So Toms, foi livre arbtrio, mas decorre de causas que, uma vez postas,
no momento mesmo de sua criao); de f que os an- levam necessariamente a um determinado efeito. Assim,
jos deveram sofrer uma prova, porm no se sabe qual noite sucede o dia; a semente, lanada terra, germina-
teria sido. Depois da prova cessou para eles o tempo de r dentro de determinado tempo, se se verificarem todas
merecer; tambm de f que os anjos bons gozaram e as condies necessrias a isso, independentemente da
6
vontade divina (que j est manifestada no ato da criao nio at o alto monte para ser tentado (cf. Mt 4, 5-8).
da espcie) ou da natureza humana. Em So Mateus, sobre a Ressurreio de Nosso
Por aqui se pode ver que a cincia humana Senhor, est escrito: Um anjo do Senhor desceu do cu,
muito excedida pela cincia da mente anglica, tanto em e, aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sentado
extenso com preciso.* sobre ela (Mt 28, 2).*
* Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisvel pp. 42- *Cf. Suma Teolgica, 1,qq. 52, 107,110-112.
43. Embora a questo, como dissemos, seja algo mis-
So Toms explica do seguinte modo a comunica- teriosa, procuraremos sintetizar aqui a doutrina de So
o dos anjos entre si: como ns homens, os anjos tm Toms de Aquino a respeito.
o verbo interior ou verbo mental, com o qual falamos a Antes de tudo, convm lembrar o que ensina o san-
ns mesmos ou formulamos os conceitos interiormente. to Doutor a respeito do modo como os anjos encontram-
Mas, enquanto ns s podemos comunicar esse pensa- se em um lugar: enquanto os seres corpreos manifestam
mento a outros por meio da palavra oral, ou de outro meio sua presena num lugar circunscrevendo-o pelo contato
externo, pois entre ns e os demais existe a barreira do fsico de seu corpo com o lugar ocupado, as criaturas in-
nosso corpo, que vela o pensamento, os anjos no tm corpreas delimitam o lugar por meio de um contato ope-
essa barreira corprea; assim, basta a eles, por um ato rativo. Quer dizer: elas esto no lugar onde agem.
de vontade, se dirigirem a outros anjos, para que seu pen-
samento ou seja, esse verbo interior ou verbo mental Quanto ao modo como os anjos movem a matria,
se manifeste a eles. a seguinte explicao tomista:
Como os anjos so diferentes entre si, e uns so
mais perfeitos que outros, os mais perfeitos iluminam os O ser superior pode mover os inferiores porque tem
menos perfeitos cor comunicando-lhes aquilo que eles em si, de um modo mais eminente, as virtualidades des-
vem mais em Deus. ses seres inferiores. Assim, o corpo humano movido por
Do mesmo modo, eles podem iluminar os homens, algo superior a ele, a alma, que espiritual, a qual, atravs
comunicando-lhes bons pensamentos, embora de forma da vontade, que tambm imaterial, move os membros
diferente daquela pela qual um anjo se comunica com corpreos a seu bel-prazer; logo, no repugna razo que
outro. Como a mente humana necessita do concurso da uma substncia espiritual possa mover a matria.
fantasia para entender as coisas, os anjos comunicam as Entretanto, no caso da alma humana, ela s pode
verdades ao homem por meio de imagens sensveis mover diretamente aquele corpo com o qual est substan-
Quanto vontade humana, s Deus ou o prprio cialmente unida; as demais coisas, ela s pode mover por
homem so capazes de mov-la eficazmente; o anjo, ou meio desse corpo;* ora, como os anjos so seres espiritu-
outro homem. s podem mov-la por meio da persuaso. ais, no estando substancialmente unidos a nenhum cor-
po material, sua fora de ao sobre a matria no est
Poder dos anjos sobre a matria delimitada por nenhum corpo determinado; dai se segue
que eles podem mover livremente qualquer matria.
um tanto misterioso a ns o modo como os anjos, * Por exemplo, para mover uma caneta sobre o pa-
seres espirituais, possam mover a matria. pel no escrever, ns precisamos segur-la com a mo e
No entanto tal poder est formalmente revela- atravs desta imprimir o impulso que far a caneta des-
do, como se pode ver, por exemplo, no livro de Daniel. lizar no papel e traar as letras que desejamos; eu no
O profeta fora jogado na cova dos lees para que pere- posso mover diretamente a caneta, por um simples ato de
cesse; por ao divina, os animais no fizeram mal: O vontade: pelo ato de vontade eu agarro a caneta e movo
meu Deus enviou o seu anjo, e fechou a boca dos lees e minha mo segundo meus intentos.
estes no me fizeram mal algum (Dan 6, 21). No entanto, Esse movimento se produz pelo contato operativo
para aliment-lo, Deus quis servir-se do profeta Habacuc, do anjo a matria, impulsionando um primeiro movimen-
conduzido at a cova por um anjo. to local; por meio desse primeiro movimento local o anjo
Narra a Escritura: Estava ento o Profeta Habacuc pode produzir outros movimentos na matria utilizando-
na Judia, e tinha cozido um caldo, e esfarelado uns pes se dos prprios recursos dela, com o ferreiro se utiliza do
dentro duma vasilha, e ia lev-los ao campo aos ceifeiros fogo para dobrar o ferro.
que l estavam. E o anjo do Senhor disse a Habacuc: Leva O Cardeal Lepicier observa que, como os anjos
a Babilnia essa refeio que tens, para a dares a Daniel possuem conhecimento das leis fsicas e qumicas que
que est na cova dos lees. E Habacuc respondeu: Senhor ultrapassa tudo quanto a Cincia possa ter descoberto ou
eu nunca vi a Babilnia e no sei onde a cova. Ento venha a descobrir, e, alm do mais, tm um poder imenso
o anjo do Senhor tomou-o pelo alto da cabea e, tendo-o sobre a matria, podemos dizer que dificilmente se en-
pelos cabelos, levou-o com a impetuosidade do seu esp- contraro no Universo fenmenos que os anjos no pos-
rito at Babilnia, sobre a cova (Dan 14, 32-35). sam produzir, de um modo ou de outro. Esses fenmenos
O prprio Salvador deixou-se carregar pelo dem- so por vezes to surpreendentes, que chegam a parecer
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verdadeiros milagres. Porm, no so milagres, pois em- Assim ele pode, nos homens, favorecer ou impedir
bora ultrapassem de longe a capacidade dos homens, no a nutrio ou provocar doenas. Mas ele no pode fazer
esto acima do poder anglico. Ele exemplifica: qualquer coisa que esteja completamente acima da natu-
Um rpido exame dos fenmenos que ocorrem no reza, como por exemplo ressuscitar pessoas mortas.
mundo fsico bastar para nos dar uma idia dos maravi- O anjo tem ainda o poder de favorecer ou impedir
lhosos efeitos a que os seres anglicos podem dar causa. os movimentos da sensualidade, a delectao, a dor, a
Em primeiro lugar, assim como, devido s foras da natu- ira, a memria e afetar de vrios modos os sentidos ex-
reza, massas enormes se podem deslocar, ou, sob a ao ternos e internos, isto , os cinco sentidos, a memria e
de agentes fsicos, os elementos da matrias dissolvem a imaginao.
ou trabalham em conjunto, como quando provocam as Do mesmo, modo o anjo pode aguar a fora da in-
tempestades, furaces e procelas assim tambm um teligncia e, de um modo indireto, mover quer o intelecto
anjo, sem a cooperao de quaisquer agentes interme- excitando imagens na fantasia ou propondo questes
dirios, transfere de um lugar para outro os corpos mais quer a vontade, solicitando-a para que escolha algo.
pesados, levanta-os e conserva-os suspensos durante O anjo pode formar para si um corpo com o qual
determinado tempo, agita as mais pesadas substncias e aparece aos homens como, por exemplo, o arcanjo So
provoca colises entre elas. Pode o mesmo anjo revolver Rafael fez com Tobias. Santo Agostinho diz que os an-
cidades e vilas, provocar terremotos e encapelar as ondas jos aparecem aos homens com um corpo que eles no
do mar, originrar tempestades e furaces, parar a corrente somente podem ver, mas tambm tocar, como provado
dos rios e, se assim o entender, dividir as guas do mar. pela Escritura (Gen 18, 2ss; Lc 1, 26ss; At 12, 7ss; o livro
Alm de tudo isso, pode tambm um anjo, usan- de Tobias).
do das prprias foras, produzir os mais surpreendentes O anjo move o corpo que assume, como ns pode-
efeitos ticos, no s obrigando substncias desconhe- ramos mover um boneco, dando a impresso de que ele
cidas para ns espargir jorros de luz, mas tambm pro- est vivo, fazendo-os imitar os movimentos do homem.
jetanto sombras que se assemelham a representaes Quando So Rafael parecia comer na companhia de To-
fantasmagricas. Pode ainda, sem a ajuda de qualquer bias, ele apenas fazia o corpo do qual estava se servindo
instrumento, pr em movimento os elementos da matria, mover-se como faz um homem nessa circunstncia, mas
fazer ouvir a msica mais harmoniosa ou produzir os mais sem consumir o alimento.
estranhos rudos, tais como pancadas repetidas ou explo- Os espritos anglicos no podem fazer milagres
ses sbitas. So ainda os anjos capazes de aglomerar propriamente ditos, mas sim coisas maravilhosas, que
nuvens, provocar relmpagos e troves, arrancar rvores ultrapassam o pder humano, no porm o anglico. Por
gigantescas, arrasar edifcios, rasgar tecidos e quebrar as exemplo, graas ao seu poder e conhecimento extraor-
rochas mais duras. -lhes tambm possvel fazer com que dinrio, podem curar doenas, restituir a vista a cegos
um lpis escreva, por assim dizer automticamente, cer- (Tob 11, 15); fazer prodgios como elevar uma pessoa e
tas frases com um sentido inteligvel, assim como dar aos carreg-la pelos ares (Dan 14, 15), fazer falar serpente
objetos formas diferentes das que so peculiares sua (Gen. 3, Iss), etc.
natureza. Podem, at certo ponto, suspender as funes
da vida, parar a respirao dum corpo, acelerar a circu-
lao do sangue e fazer com sementes lanadas terra MINISTRIOS DOS ANJOS
cresam dentro de pouco tempo, at atingirem a altura
duma rvore, com folhas, botes e at com frutos.
A um anjo possvel fazer todas estas coisas no Anjos do Senhor, bendizei ao Senhor...
mais breve espao de tempo por causa do seu poder so- Exrcitos do Senhor, bendizei ao Senhor.
bre os elementos da matria, e sem a menor dificuldade, (Dan 3, 58-61)
imitando perfeitamente as obras da natureza e dando em
tudo a impresso de que se trata de efeitos s a causas OS MINISTRIOS dos anjos so: em relao a Deus,
naturais .* ador-lo, louv-Lo, servi-Lo, executando todos os Seus
*Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisvel. pp. 74- decretos em relao aos demais anjos, quer aos homens,
75. como tambm a toda a natureza material, animada e
inanimada; em relao aos demais anjos, os de natureza
Poder dos anjos sobre o homem superior iluminam os inferiores. dando-lhes a conhecer
aquilo que vm em Deus; em relao aos homens, eles
O anjo pode produzir efeitos corpreos maravi- so ministros de Deus para encaminh-los ptria celes-
lhosos. Ele pode, atravs do movimento que imprime te, protegendo-os, corrigindo-os, instruindo-os, animan-
matria, produzir mudanas nos corpos, mas de tal forma do-os; em relao ao mundo material, eles so agentes
que apenas se sirva da natrureza, desdobrando as poten- de Deus para o governo do Universo.
cialidades dela.
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Ministros da liturgia celeste desembainhada. Foi ter com ele e disse-lhe: Tu s dos
nossos, ou dos inimigos? E ele respondeu: No; mas sou
O principal ministrio dos anjos consiste em adorar, o prncipe do to do Senhor (Jos 5, 13-14).*
louvar e servir a Deus: Anjos do Senhor, bendizei ao Se- * No Antigo Testamento os anjos so designados
nhor ... Exrcitos do Senhor, bendizei ao Senhor; louvai-O das mais diversas formas: prncipes; filhos de Deus;
e exaltai-O por todos os sculos (Dan 3, 58-61). Bendizei santos; anjos santos; sentidos vigilantes; espri-
ao Senhor, vs todos os seus anjos, fortes e poderosos, tos; homem.
que executais as suas ordens e obedeceis as suas pala- O prprio Deus, a quem servem esses anjos guer-
vras (Si 102, 20). Os Serafins estavam por cima do trono reiros, apresentado como o Deus dos exrcitos. O profe-
... E clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo, ta Osias, descrevendo a fidelidade de Jac, registra: E o
Santo, o Senhor Deus dos exrcitos (Is 6,2-3). Senhor Deus dos exrcitos, este Senhor ficou sempre na
sua memria (Os 12, 4-5). Ams profetiza a prevaricao
Os santos anjos desempenham de Israel em nome do Senhor Deus dos exrcitos: Ouvi
assim a liturgia celeste: isto, e declarai-o casa de Jac, diz o Senhor dos exr-
citos. E adiante: Pois sabe, casa de Israel, diz o Senhor
E vi os sete anjos que estavam de p diante de Deus dos exrcitos, que eu vou suscitar contra vs uma
Deus ... E veio outro anjo, e parou diante do altar, tendo nao vos oprimir (Am 3, 13; 6, 15). Na viso do profeta
um turbulo de ouro; e foram-lhe dados muitos perfumes, Isaas: Os serafins .. clamavam um para o outro e diziam:
a fim de que oferecesse as oraes de todos os santos Santo, Santo, Santo o Senhor Deus dos exrcitos (Is 6,
sobre o altar de ouro, que est diante do trono de Deus. E 2-3). A mesma expresso utilizada nos Salmos de Davi:
o aroma dos perfumes das oraes dos santos subiu da Quem esse Rei da Glria ? O Senhor dos exrcitos; esse
mo do anjo at presena de Deus (Apoc 8,2-4). o Rei da glria . O Senhor dos exrcitos est conosco;
Esses puros espritos so, pois, ministros do altar o Deus de Jac a nossa cidadela ( Sl 23,10; 45, 8).
e ministros do trono de Deus: eles cantam os louvores O Senhor Deus dos exrcitos, aps a desobedin-
de Deus na presena do Altssimo, e apresentam-Lhe as cia de nossos primeiros pais, ps diante do paraso de
nossas preces e as nossas boas obras; ao mesmo tem- delcias Querubins brandindo uma espada de fogo, para
po, descem at ns e nos trazem as graas e bnos guardar o caminho da rvore da vida (Gen 3,24).
divinas, verdade belamente expressa na viso da escada As hostes celestes combateram no Cu uma gran-
de Jac: (Jac) teve um sonho: Uma escada se erguia de batalha (Apoc 12, 7), derrotando e expulsando Sata-
da terra e chegava at o cu, e anjos de Deus subiam ns e os anjos rebeldes.
desciam por ela (Gen 28, 12). E na noite sublime do Natal, esses guerreiros ce-
Essa verdade, em termos prticos, significa que lestes apareceram aos pastores: E subitamente apareceu
eles so intercessores poderosssimos diante de Deus. com o anjo uma multido da milcia celeste louvando a
A eficcia da intercesso anglica testemunhada, entre Deus e dizendo: Glria a Deus no mais alto dos Cus e paz
muitas outras passagens da Escritura, por esta do livro do na terra aos homens de boa vontade (Lc 2, 8-14).
Profeta Zacarias: E o anjo do senhor replicou e disse: Se- Deus confia milcia celeste a defesa daqueles que
nhor dos exrcitos, at quando diferirs tu o compadecer- O amam. Segundo os intrpretes, um anjo exterminador
te de Jerusalm e das cidades de Jud, contra as quais te matou em meio noite todos os primognitos do Egito (Ex
iraste? Este j o ano septuagsimo. ... Isto diz o Senhor 12, 29); e ao serem os judeus perseguidos pelo exrcito
dos exrcitos: Eu sinto um grande zelo por Jerusalm e do Fara, o anjo do Senhor, que ia diante deles, se interps
por Sio... Portanto isto diz o Senhor: Voltarei para Jerusa- entre os egpcios e o povo escolhido (Ex 14, 19). Quando
lm com entranhas de misericrdia (Zac 1,12-16). Senaquerib ameaava o povo eleito, Deus enviou um de
Isto nos deve mover a recorrer sempre com fervor seus terrveis guerreiros anglicos: Naquela mesma noite
e cada mais a eles. saiu o anjo de Iav e exterminou no acampamento assrio
cento e oitenta e cinco mil homens (4 Reis 19, 35).
Guerreiros dos exrcitos do Senhor s vezes os combatentes celestes se juntam aos
combatentes terrestres para dar-lhes a vitria, como se
As Sagradas Escrituras nos apresentam os anjos deu numa batalha decisiva de Judas Macabeu:
numa guerreira, como a milcia dos exrcitos do Senhor. Mas, no mais forte do combate, apareceram do
Assim, o profeta Miquias exclama: Eu vi o Senhor cu aos inimigos cinco homens em cavalos adornados
sentado sobre seu trono, e todo o exrcito do cu ao re- de freios de ouro, que serviam de guia aos judeus. Dois
dor dele, direita e esquerda (3 Reis 22, 19). E o livro deles, tendo no meio de si Macabeu, cobrindo-o com suas
de Josu, ao narrar a luta dos judeus para conquistar a armas, guardavam-no para que andasse sem risco da sua
Palestina, aps sarem do Egito, diz: Ora, estando Josu pessoa; e lanavam dardos e raios contra os inimigos,
nos arredores da cidade de Jeric, levantou os olhos e que iam caindo feridos de cegueira, e cheios de turbao.
viu diante de si um homem em p, que tinha uma espada Foram pois mortos vinte mil e quinhentos homens, e seis-
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centos cavalos (2 Mac 10, 28-32). iniqidade. E lan-los-o na fornalha de fogo. Ali haver
O Senhor Deus dos exrcitos envia igualmente seus choro e ranger de dentes ( Mt13, 41-42).
guerreiros para livrar seus amigos das mos dos mpios: Quando aparecer o Senhor Jesus (descendo) do
Deitaram (os judeus) as mos sobre os Apstolos cu com os anjos do seu poder, em uma chama de fogo,
e meteram-nos na cadeia pblica. Mas um anjo do Senhor, para tomar vingana daqueles que no conheceram a
abrindo de noite as portas do crcere, e, tirando-os para Deus e que no obedecem ao Evangelho de Nosso Se-
fora, disse: Ide, e , apresentando-vos no templo, pregai ao nhor Jesus Cristo; os quais sero punidos com a perdio
povo toda as palavras desta vida (At 5, 18-20). eterna longe da face do Senhor e da glria do seu poder
Herodes ... mandou tambm prender Pedro ... E (2 Tess 1, 7-9).
eis que sobreveio um anjo do Senhor, e resplandeceu de
luz no aposento; e, tocando no lado de Pedro, o despertou, Mensageiros celestes
dizendo: Levanta-te depressa. E caram as cadeias das
suas mos. E o anjo disse-lhe: Toma a tua cinta, e cala O prprio nome de anjos indica j sua funo: en-
as tuas sandlias. E ele fez assim. E o anjo disse-lhe: Pe viados ou mensageiros de Deus. Com efeito, o original he-
sobre ti a tua capa e segue-me. E ele, saindo, seguia-o, braico do Antigo Testamento se refere a esses puros es-
e no sabia que era realidade o que por interveno do pritos como malk yahweh, isto , emissrios de Deus.
anjo, mas julgava ter uma viso. E, depois de passarem a A verso grega utilizou a expresso angelos, a qual foi
primeira e a segunda guarda, chegaram porta de ferro por sua vez traduzida em latim por angelus, palavra que
que d para a cidade, a qual se lhes abriu por si mesma. serviu de base para as lnguas ocidentais.
E saindo, passaram uma rua e, imediatamente, o anjo O Novo Testamento nos mostra a ao desses
afastou-se dele: Ento Pedro, voltando a si, disse: Agora emissrios de Deus, comunicando aos homens as mais
sei verdadeiramente que o Senhor mandou o seu anjo, e importantes mensagens divinas.
me livrou da mo de Herodes e de tudo o que esperava o Assim, o arcanjo So Gabriel anuncia a Zacarias o
povo dos judeus (At 12, 1-11). nascimento do Precursor, So Joo Batista: Eu sou Ga-
O prprio Salvador, para deixar claro aos Apstolos briel, que assisto diante do trono de Deus e fui enviado
que Ele sofria a Paixo por espontnea vontade, disse a para falar-te e comunicar-te esta boa nova (Lc 1,19).
So Pedro, que O queria defender por meio da espada: O mesmo anjo anuncia Santssima Virgem o mis-
Julgaste por ventura que eu no posso rogar a meu Pai, e trio da Encarnao: Foi enviado o anjo Gabriel da parte
que ele no me por imediatamente aqui de doze legies de Deus a uma cidade da Galilia chamada Nazar, a uma
de anjos? (Mt 26, 53). virgem desposaca com um varo de nome Jos, da casa
de David; e o nome da Virgem era Maria (Lc 1,26-27).
Executores das vinganas de Deus Um anjo aparece a So Jos em sonhos dando-lhe
a conhecer tambm esse mistrio: Eis que um anjo do
Esses guerreiros executam igualmente as vingan- Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo: Jos, filho de
as de Deus: David, no temas receber Maria como tua esposa, por-
Diante dos pecados dos sodomitas, Deus enviou que o que nela foi concebido (obra) Esprito Santo (Mt
seus anjos: 1,20).
Quanto aos homens que estavam porta (da casa A alegria do nascimento do Salvador foi anunciada
de Lot e queriam abusar dos jovens que l estavam), eles pela aos pastores: Ora naquela mesma regio havia uns
(os anjos) os feriram com cegueira, do menor ao maior, pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu
de modo que no conseguiram achar a entrada . Os an- rebanho. E eis que apareceu junto deles um anjo do Se-
jos disseram a Lot ... ns vamos destruir este lugar pois nhor, e a claridade de Deus os cercou,, e tiveram grande
grande o clamor que se ergueu contra eles diante do temor. Porm o anjo disse-lhes: No temais; porque eis
Senhor. E o Senhor nos enviou para extermin-los (Gen que vos anuncio uma grande alegria, que ter todo o povo.
19, 10-13). Nasceu-vos na cidade de David o Salvador, que Cristo
Quando os mensageiros do rei Senaquerib blasfe- Senhor. E eis o sinal: Encontrareis um menino envolto em
maram contra ti, teu anjo interveio e feriu cento e oitenta panos deitado numa manjedoura. E subitamente apareceu
e cinco mil dos seus homens. (1 Mac 7,41). com o anjo uma multido da milcia celeste louvando a
Herodes Agripa, que perseguira So Pedro e matara Deus e dizendo: Glria a Deus no mais alto dos Cus e paz
So Tiago, foi ferido pelo anjo do Senhor e comido de na terra aos homens de boa vontade (Lc 2,8-14).
vermes (At 12, 23). Um anjo aconselha Sagrada Famlia fugir para o
Egito por causa da perseguio de Herodes: Eis que um
No fim do mundo: anjo do Senhor apareceu em sonhos a Jos e lhe disse:
Levanta-te, torna o menino e sua me e foge para o Egito,
O Filho do homem enviar os seus anjos, e tiraro e fica l at que eu te avise; porque Herodes vai procurara
do seu reino todos os escndalos e os que praticam a menino para o matar (Mt 2, 13).
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Depois da morte de Herodes, o anjo torna a apare- os mnimos detalhes, seu plano de governo do mundo.
cer a So Jos: Morto Herodes, eis que o anjo do Senhor Mas ele confia a execuo desse plano, em graus va-
apareceu em sonho a Jos no Egito, dizendo: Levanta-te, riados, primeiro aos anjos, depois aos homens, segundo
toma o menino e sua me, e vai para a terra de Israel, suas funes diversas, e por fim s outras criaturas.
porque morreram os que procuravam tirar a vida ao me- Os anjos so os agentes da execuo de Deus em
nino (Mt 2, 19-20). todos domnios. Como Deus governa tudo, os anjos O aju-
dam e obedecem em tudo. Ele exerce seus desgnios no
Consoladores e confortadores Cosmos pelo ministrio dos anjos. E claro que as galxias
do cu, assim como as feras das florestas e os pssaros
Em diversos episdios, a Sagrada Escritura nos que cantam para ns, e o trigo de nossos campos, os mi-
mostra os anjos no seu ministrio de consoladores e con- nerais e os gases, os prtons e os nutrons sofrem a ao
fortadores dos homens em dificuldades. dos anjos comenta Mons. Cristiani. (Mgr L. CRISTIANI,
O profeta Elias, sendo perseguido pela mpia rainha Les Anges, ces inconus, p. 651.)
Jezabel (a qual introduzido em Israel o culto idoltrico de So Toms categrico a esse respeito: Todas as
Baal), fugiu para o deserto; ali, prostrado de desnimo e corporais so governadas pelos anjos. E este no so-
fadiga, adormeceu. E um anjo do Senhor o tocou, e lhe mente o ensinamento dos Doutores da Igreja, mas tam-
disse: Levanta-te e come. Elias abriu os olhos e viu junto bm de todos os filsofos ( Suma contra Gentiles, lib. III,
de sua cabea um po e um vaso de gua; comeu e bebeu c. 1. )
e tornou a adormecer. E voltou segunda vez o anjo do Se- E o Cardeal Danilou explica: Trata-se pois de uma
nhor, e o tocou e lhe disse: Levanta-te e come, porque te doutrina estabelecida pela tradio e pela razo. E ns, de
resta um longo caminho . O Profeta levantou-se, e bebeu nossa parte, pensamos que o governo inteligente e forte
e, revigorado, caminhou durante quarenta dias e quarenta do qual d testemunho a ordem do cosmos pode bem ter
noites at o Monte Horeb, onde Deus iria manifestar-se a por ministros os espritos celestes, em que pese o racio-
ele(3 Reis 19, 1-8). nalismo de alguns de nossos contemporneos. ( Apud
Em sua vida terrena o prprio Salvador foi servido Mgr L. CRISTIANI, art. cit., p.651.)
e confortado anjos.
Assim se deu aps o prolongado jejum no deserto e Guias e protetores dos homens
a tentao do demnio: Ento o demnio deixou-o; e eis
que os anjos se aproximam e o serviam (Mt 4, 11). Os anjos, apesar de sua excelsitude, por desgnio
Na terrvel agonia do Horto das Oliveiras, depois de de Deus, so nossos amigos e companheiros. Eles nos
Jesus exclamar: Pai, se do teu agrado, afasta de mim protegem nas necessidades, nos guiam nos perigos, nos
este clice , o Padre enviou um anjo para confort-Lo: sugerem continuamente bons propsitos, atos de amor e
Ento apareceu-lhe um anjo do cu que o confortava submisso a Deus.
(Lc 22, 42-43). Pela sua importncia, a doutrina sobre os Anjos da
Na Ressurreio um anjo do Senhor desceu do Guarda merece maior desenvolvimento. o que faremos
cu e, aproximando-se, revolveu a pedra, e estava sen- em captulo parte.
tado sobre ela; e o seu aspecto era como um relmpago Se o prprio Deus se serve continuamente dos an-
e as suas vestes brancas como a neve. E o mesmo anjo jos, no devemos ns tambm recorrer sempre aos prn-
consolou as Santas Mulheres que haviam ido ao Sepulcro: cipes dos exrcitos do Senhor, aos mensageiros de Deus,
No temais, porque sei que procurais a Jesus que foi invocando-os em todas as nossas necessidades?
crucificado; ele j no est aqui, porque ressuscitou como
tinha dito (Mt 28, 2-8).
OS ANJOS DA GUARDA
Agentes de Deus para o governo do Universo
Eis que eu enviarei o meu anjo,
por meio dos santos anjos que Deus exerce o que v adiante de ti, e te guarde
governo do Universo. pelo caminho, e te introduza
Os Padres e Doutores da Igreja reconhecem nos no lugar que preparei.
anjos um grande poder, no s sobre as plantas e animais, (Ex 23, 20-23)
mas at sobre o prprio homem. A Sagrada Escritura fala-
nos tambm do anjo que tem poder sobre o fogo (Apoc 14, DEUS, no seu amor infinito pelos homens, entregou
18), e daquele que manda nas guas (Apoc 16, 5). cada um de ns guarda e cuidado especial de um anjo,
Santo Agostinho diz que cada espcie distinta, nos que nos acompanha desde o nascimento at a morte: o
diferentes reinos da natureza, governada pelo poder Anjo da Guarda.
anglico. Essa doutrina foi sempre ensinada pela Igreja ( Cf.
Segundo So Toms, Deus mesmo estabeleceu, at Catecismo Romano, Parte IV, cap. IX, n. 4. ) e se baseia em
11
testemunhos da Sagrada Escritura e da Tradio San- do-os contra os escndalos em relao s crianas, diz:
tos Padres, Magistrio Eclesistico, Liturgia. Vdes que no desprezeis a um s destes pequeninos,
pois eu vos declaro que os seus anjos vem continuamen-
As Escrituras e os Santos Padres te a face de meu Pai que est nos cus (Mt 18, 10). Essas
palavras deixam claro que mesmo as crianas pequenas
O Antigo Testamento faz contnuas referncias a tm seus Anjos Custdios, como tambm que estes anjos
esses anjos que nos servem de protetores. Mais do que mantm a viso beatfica de Deus ao descer terra para
nos ensinar explicitamente tal verdade, parece d-la por atender e proteger a seus custodiados.
suposta em suas narraes. Tambm So Paulo se refere ao papel protetor dos
Jac ao abenoar seus netos, filhos de Jos, diz: anjos em relao aos homens: No so eles todos espri-
Que o anjo que me livrou de todo o mal, abene estes tos a servio de Deus mandados para exercer o ministrio
meninos (Gen 48, 16) a favor dos que devem obter a salvao? (Heb 1, 14).
Nas palavras seguintes de Deus a Moiss encon-
tramos os mltiplos ofcios que incumbem ao Anjo da Os Santos Padres ensinam desde
Guarda, de proteo e de conselho: Eis que eu enviarei o cedo essa doutrina.
meu anjo, que v adiante de ti, e te guarde pelo caminho,
e te introduza no lugar que preparei. Respeita-o, e ouve So Baslio (329-379), entre os gregos, afirma:
a sua voz, e v que no o desprezes; porque ele no te Que cada qual tenha um anjo para o dirigir, como peda-
perdoar se pecares, e o meu nome est nele. Se ouvirdes gogo e pastor, o ensinamento de Moiss ( Apud Card. J.
a sua voz, e fizerdes tudo o que te digo, eu serei inimigo DANIELOU, Les Anges et leur mission, p. 93. )
dos teus inimigos, e afligirei os que te afligem. E o meu E, entre os latinos, So Jernimo (342-420) assim
anjo caminhar adiante de ti (Ex 23,20-23). comenta passagem de So Mateus (18, 10), acima citada,
Por meio do profeta Baruc, Deus comunica a Israel: sobre os anjos das crianas: Isto mostra a grande digni-
Porque o meu anjo est convosco, e eu mesmo terei cui- dade das almas, pois cada uma tem, desde o nascimento,
dado das vossas almas (Bar 6,6) um anjo encarregado de sua guarda (Comm. in Evang.
O Salmo 90 exprime, com muita poesia, a solici- 5. Matth., lib. III, ad cap. XVIII, 10 Apud Card. P. GA5PARRI
tude de Deus para conosco, por meio do Anjo da Guarda: Catechisme Catholique pour Adultes, p. 346. )
O mal no vir sobre ti, e o flagelo no se aproximar da A crena na existncia e atuao dos Anjos da
tua tenda. Porque mandou (Deus) os seus anjos em teu Guarda est to firmemente estabelecida na tradio da
favor, que te guardem em todos os teus caminhos. Eles te Igreja, que desde tempos imemoriais foi instituda uma
levaro nas suas mos, para que o teu p no tropece em festa especial em louvor deles (2 de outubro).
alguma pedra (SI 90, 10-12).
E outro Salmo proclama: O anjo do Senhor assenta O ensinamento dos telogos
os seus acampamentos em volta dos que o temem, e os
liberta (SI 33, 8). A partir dos dados da Sagrada Escritura e da Tradi-
Lanado na cova dos lees, por intriga de invejo- o, telogos foram explicitando ao longo dos sculos uma
sos, Daniel foi socorrido por um anjo: O meu Deus enviou doutrina slida e coerente sobre os Anjos da Guarda.
o seu anjo, e fechou as bocas dos lees e estes no me O prncipe dos telogos, So Toms de Aquino, na
fizeram mal algum (Dan 6, 21). sua clebre Suma Teolgica, (Suma Teolgico, 1,q. 113.)
Fala-se, no Livro dos Reis, de um exrcito de carros expe largamente essa doutrina.
que cercavam o profeta Eliseu (4 Reis 6, 14-17). So To- O santo Doutor justifica a existncia dos Anjos da
ms v a uma imagem do poder dos Anjos Custdios e a Guarda pelo princpio de que Deus governa as coisas infe-
preponderncia dos anjos bons sobre os maus. riores e variveis por meio das superiores e invariveis. O
So inmeras as passagens do Antigo Testamento homem no s inferior ao anjo, mais ainda est sujeito
que fazem referncia doutrina sobre os Anjos da Guar- a instabilidades e variaes por causa fraquesa de seu
da. Em nenhuma porm, a solicitude dos anjos para com conhecimento, das paixes, etc. Assim, ele governado e
os homens fica to patente como no livro de Tobias.* E amparado pelos anjos, que servem como instrumentos da
por isso que ele muito citado sempre que se trata da providncia especial de Deus para com os homens.
matria. A funo principal do Anjo da Guarda iluminar-
*Este livro da Sagrada Escritura todo ele rico de nos em relao a verdade, boa doutrina; mas sua cust-
ensinamentos sobre esta doutrina, de maneira que no dia tem tambm muitos efeitos, tais como reprimir os de-
basta transcrever aqui uma ou outra passagem dele; as- mnios e impedir que nos sejam causados outros danos
sim, convida-mos o leitor a l-lo diretamente na Bblia. espirituais ou corporais.
Esse ensinamento se torna mais preciso no Novo Cada homem tem um anjo especialmente encarre-
Testamento, onde a existncia do Anjo da Guarda confir- gado de guard-lo, distinto do das coletividades humanas
mada pelo prprio Salvador. Aos seus discpulos, advertin- de que faam parte. Estas tm anjos especiais para cus-
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todi-las; enquanto os anjos dos indivduos pertencem ao Persas (Dan 10, 13-21).
ltimo coro anglico, o das coletividades ou instituies
podem fazer parte dos coros e hierarquias superiores. tambm o que ensina So Baslio: Entre os an-
Como h vrios ttulos pelos quais um homem ne- jos, uns so prepostos s naes; os outros so compa-
cessita ser especialmente protegido (ou seja, considerado nheiros dos fiis. ( Apud Card. J. DANIELOU, Les Anges et
enquanto particular ou como ocupando um cargo ou fun- leur Mission, p. 93. )
o na Igreja a ou na sociedade), um mesmo homem pode So Miguel Arcanjo era o protetor de Israel en-
ter vrios anjos para custodi-lo. quanto povo eleito (Dan 10, 13-21); atualmente ele o
A Virgem Santssima, Rainha dos Anjos, teve tam- protetor do novo povo de eleio, a Igreja. As aparies
bm no um, mas os Anjos da Guarda. Enquanto homem, de Nossa Senhora em Ftima. foram precedidas pela do
Jesus teve Anjos da Guarda; no evidentemente para Anjo de Portugal.
proteg-Lo, pois o inferior no guarda o superior, mas
para servi-Lo. Efeitos da custdia dos anjos
Mesmo os infiis tm Anjos da Guarda Os efeitos da custdia dos anjos so, uns corporais,
e at o Anti-Cristo o ter. outros espirituais, ordenados, uns e outros, salvao
eterna do homem.
O Anjo da Guarda nunca abandonar o homem, Os efeitos so corporais, na medida em que impe-
mesmo aps a morte, se ele for para o Paraso, pois a dem ou livram dos perigos ou males do corpo, ou auxiliam
custdia anglica parte da providncia especial de Deus os homens nas questes materiais, conforme consta no
para com o homem, o qual jamais estar totalmente pri- livro de Tobias (cap. 5 e seguintes).
vado da providncia divina. E so espirituais, sempre que os anjos nos defen-
Embora estejam normalmente no Cu, contem- dem contra os demnios (Tob 8, 3); rezam por ns e ofe-
plando a Deus, os Anjos da Guarda conhecem tudo o que recem nossas preces a Deus, tornando-as mais eficazes
se passa na terra com seus protegidos; podem, ento, pelas sua intercesso (Apoc 8, 3; 12); nos sugerem bons
quase imediatamente, passar de um lugar ao outro para pensamentos, incitando-nos assim a fazer o bem (At 8,
proteg-los ou influenci-los beneficamente. 26; 10, 3ss),* por meio de estmulos da imaginao ou do
Santo Agostinho pergunta: Como podem os an- apetite sensitivo; do mesmo modo, quando nos infligem
jos estar longe, quando nos foram dados por Deus para penas medicinais para nos corrigir (2 Reis 24, 16); ou ain-
ajudar-nos? E responde: da, na hora da morte, fortalecem-nos contra o demnio;
Eles no se apartam de ns, embora aquele que os anjos conduzem diretamente para o Cu as almas da-
assaltado pelas tentaes pense que esto longe. (Apud queles que morrem sem precisar passar pelo Purgatrio,
A. J. MacINTYRE, Os anjos, urna realidade admirvel p. e levam para o Paraso as almas que j passaram pela
321. ) purgao necessria; eles tambm visitam as almas do
Os Anjos Custdios nunca esto em oposio ou Purgatrio para as consolar e fortalecer, esclarecendo-as
divergncia real entre si. O relato bblico da luta entre o glria do cu, etc.
anjo da Prsia e o anjo Protetor dos Judeus (cf. Dan 10,
13-21) em que o primeiro queria reter os hebreus na Ba- *H vrios exemplos disso na Sagrada Escritura:
bilnia e o segundo desejava conduzi-los de volta sua Os Atos dos Apstolos relatam a apario de um
ptria encontra a seguinte explicao: s vezes Deus no anjo ao Centurio Cornlio, homem religi oso e temente
revela aos anjos os mritos ou os demritos das diver- a Deus, para instru-lo sobre como proceder para conhe-
sas naes ou indivduos que eles custodiam. Enquanto cer a verdadeira religio: Este (Cornlio) viu claramente
no conhecem com certeza a vontade divina, os Anjos da numa viso. quase noa, que um anjo de Deus se apre-
Guarda procuram, santamente, proteger de todas as for- sentava diante dele, e lhe dizia: Cornlio ... as tuas ora
mas os que esto sob a sua proteo, mesmo contrarian- es e as tuas esmolas subiram como memorial presen-
do os desejos de outros Anjos Custdios. Mas logo que a a de Deus. E agora envia homens a Jope a cham ar um
vontade de Deus fica clara para eles, todos se submetem certo Simo que tem por sobrenome Pedro ... ele te dir
pressurosos, pois o que desejam sempre fazer a von- o que deves fazer (At 10, 1-6). E nos mesmos Atos se l
tade divina. como um anjo inspira So Filipe Dicono a desviar-se de
Do mesmo modo que os homens, tambm as insti- seu caminho, para faz-lo encontrar-se com o ministro da
tuies, os povos e os pases contam com um anjo espe- Rainha Candace, da Et ipia, e batiz-lo, depois de instru-
cialmente encarregado de velar por eles. lo na doutrina crist (At 8, 26)
Essa doutrina tem base nas palavras da Sagrada A custdia dos anjos nos livra de inmeros perigos
Escritura, onde dito que um anjo conduzia o povo ju- tanto para a alma como para o corpo. Entretanto, ela no
deu pelo deserto (Ex 23,20), e tambm na passagem j nos livra de todas as cruzes e sofrimentos desta vida, que
referida sobre a luta entre o anjo dos Judeus e o anjo dos Deus nos manda para nossa provao e purificao; nem
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daquelas tentaes que Deus permite para que mostre- que assistimos diante do Senhor.
mos nossa fidelidade. Porm eles sempre nos ajudam a (Tob 12, 15)
tudo suportar com pacincia e vencer com perseverana. A Igreja e o povo fiel veneram de modo especial
s vezes parece que os anjos no nos esto aten- os trs gloriosos Arcanjos So Miguel, So Gabriel e
dendo; preciso ento rezar com mais insistncia at que So RafaeL
esse socorro se perceba. Mas pode ocorrer de no sermos Embora eles sejam comumente chamados de Ar-
ouvidos, no porque faltem aos anjos poder ou desejo de canjos, segundo telogos e comentaristas das Escrituras,
nos ajudar, mas que aquilo que estamos pedindo no eles certamente pertencem ao primeiro dos coros angli-
o melhor para a nossa eterna salvao, que o que antes cos, o dos Serafins.
de tudo eles procuram.
So Miguel: Quem como Deus?
Nossos deveres em relao aos
Santos Anjos Custdio Em hebraico: mkl, que significa: Quem ()
como Deus? As Escrituras se referem nominalmente ao
So Bernardo resume assim nossos deveres em Arcanjo So Miguel em quatro passagens: duas delas na
relao aos nossos Anjos da Guarda: profecia de Daniel (cap. 10, 13 e 21; e ap. 12, 1); uma
na Epstola de So Judas Tadeu (cap. nico, vers. 9 ) e
a. Respeito pela sua presena. Devemos evitar tudo finalmente no Apocalipse (cap. 12, 7-12).
o que pode contristar um esprito assim puro e santo. So- No livro de Daniel o Santo Arcanjo aparece como
bretudo, evitar o pecado. prncipe e protetor de Israel, que se ope ao prncipe
Como te atreverias interpela o santo Doutor ou celestial protetor dos persas.* Segundo So Jernimo
a fazer na presena dos anjos aquilo que no farias e outros comentadores, o anjo protetor da Prsia teria
estando eu diante de ti? desejado que ficassem ali alguns judeus para mais dila-
tarem o conhecimento de Deus; porm So Miguel teria
b. Confiana na sua proteo. Sendo to poderoso desejado e pedido a Deus que todos os judeus voltassem
e estando continuamente diante de Deus, e ao mesmo logo para a Palestina, a fim de que o templo do Senhor
tempo conhecendo as nossas necessidades, como no fosse reconstrudo mais depressa. Essa luta espiritual en-
confiar na sua proteo? A melhor maneira de provar essa tre os dois anjos teria durado vinte e um dias.
confiana recorrer a ele pela orao nos momentos dif-
ceis, especialmente nas tentaes. * Nas escrituras os anjos so chamados
com freqnca prncipes.
c. Amor e reconhecimento por sua proteo. Deve-
mos am-lo como a um benfeitor, um amigo e um irmo, e So Judas, na sua Epstola, alude a uma disputa
ser agradecidos pela sua proteo diligentssima. de So Miguel com o demnio sobre o corpo de Moiss:
Sejamos, pois, devotos escreve o mesmo So o glorioso Arcanjo, por disposio de Deus, queria que o
Bernardo. Sejamos agradecidos a guardies to dignos sepulcro de Moiss permanecesse oculto; o demnio, po-
de apreo, correspondamos a seu amor, honremos-lhe rm, procurava tom-lo conhecido, com o fim de dar aos
quanto possamos e quanto devemos! ( Apud Jesus VAL- judeus ocasio de carem em idolatria, por influncia dos
BUENA O.P., Tratado del Gobierno del Mundo Introduc- povos pagos circunvizinhos.
ciones, p. 930. ) No Apocalipse, So Joo apresenta So Miguel
A orao por excelncia para invocar e honrar o capitaneando os anjos bons em uma grande batalha no
Anjo da Guarda da o Santo anjo do Senhor: cu contra os anjo rebeldes chefiados por Satans, ali
Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, j chamado drago:
que a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, E houve no cu unia grande batalha: Miguel e os
guarda, governa e ilumina. seus anjos pelejavam contra o drago, e o drago e seus
anjos pelejavam contra ele; porm, estes no prevalece-
ram, e o seu lugar no se achou mais no cu. E foi preci-
OS TRS GLORIOSOS ARCANJOS pitado aquele grande drago, aquela antiga serpente, que
se chama demnio e Satans, que seduz todo o mundo;
Eis que veio em meu socorro Miguel, e foi precipitado na terra, e foram precipitados com seus
um dos primeiros prncipes. anjos (Apoc 12, 7-12).
(Dan 10, 13) A Igreja no definiu nada de particular sobre So
Eu sou Gabriel, que assisto Miguel, mas tem permitido que as crenas nascidas da
diante (do trono) de Deus. tradio crist a respeito do glorioso Arcanjo tenham livre
(Lc 1, 19,) curso na piedade dos fiis e na elaborao dos telogos.
Eu sou o anjo Rafael, um dos sete A primeira crena a de que So Miguel era, no
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Antigo Testamento, o defensor do povo escolhido Is- suplico... . ( Cornlio A LAPIDE, Commentaria in Scriptu-
rael; e hoje o do novo povo escolhido a Igreja. Tal ram Sacram, t. 13, pp. 112-114 )
piedosa crena est em consonncia com o que dito no O mesmo dizem inmeros outros autores, entre os
livro de Daniel: Eis que veio em meu socorro Miguel, um quais So Roberto Bellarmino.
dos primeiros prncipes. ... Miguel. que o vosso prncipe Na Idade Mdia, So Miguel era padroeiro especial
isto , dos judeus (10, 13 e 21). Se levantar o grande das Ordens de Cavalaria, que defendiam a Cristandade
prncipe Miguel, que o protetor dos filhos do teu povo contra o perigo metano.
de Israel (12, 1). Essa crena muito antiga, sendo j
confirmada pelo Pastor de Hermas, clebre livro cristo do So Gabriel: Fora de Deus
sculo II, no qual se l: O grande e digno Miguel aquele
que tem poder sobre este povo (os cristos). Ademais, tal Em hebraico: gabrl, que quer dizer: Homem de
crena partilhada pelos telogos e pela prpria Igreja, Deus ou Deus se mostrou forte ou, ainda, Fora de
que a manifesta de muitas maneiras. Deus.
A segunda crena geral a de que So Miguel tem
o poder de admitir ou no as almas no Paraso. No Ofi-
cio Romano deste Santo no antigo Brevirio, So Miguel
era chamado de Praepositus paradisi Guarda do
paraso, ao qual o prprio Deus se dirige nos seguintes
termos: Constitui te Principem super omnes animais sus-
cipiendas Eu te constitu chefe sobre todas as almas
a serem admitidas. E na Missa pelos defuntos rezava-se:
Signifer Sanctus Michael representet eas in lucem sanc-
tam O Porta-estandarte So Miguel, conduzi-as
luz santa.
A terceira crena, ou melhor, opinio, a de que
So Miguel ocupa o primeiro lugar na hierarquia ang-
lica. Sobre este ponto h divergncia entre os telogos,
mas tal opinio tem a seu favor vrios Padres da Igreja
gregos e parece ser corroborada pela liturgia latina, que
se referia ao glorioso Arcanjo como Princeps militiae co-
elestis quem honorificant coelorum cives Prncipe da
milicia celeste, a quem honram os habitantes do Cu; e
pela liturgia grega que o chama Archistrtegos , isto ,
Generalssimo.
A Luta Contra o Poder das Trevas Como poderia o anjo ter pecado, uma vez que ele
no est sujeito s paixes ou ao erro no entendimento,
como ns homens?
A queda dos anjos maus Como compreender semelhante opo e rebelio
a Deus em seres de to viva inteligncia? pergunta
Joo Paulo II. O Pontfice responde: Os Padres da Igreja e
Tu, desde o principio, quebraste o meu os telogos no hesitam em falar de cegueira, produzida
jugo, rompeste os meus laos e pela supervalorizao da perfeio do prprio ser, levada
disseste: No servirei! at o ponto de ocultar a supremacia de Deus, a qual exi-
(Jor 2,20) gia, ao contrrio, um ato de dcil e obediente submisso.
Tudo isto parece expresso de maneira concisa nas pala-
EU5 CRIOU OS ANJOS num alto estado de perfeio vras: No servirei (Jer 2, 20), que manifestam a radical
natural e alm disso os elevou ordem sobrenatural. de e irreversvel rejeio de tomar parte na edificao do
f que todos os espritos anglicos foram criados bons.* reino de Deus no mundo criado. Satans, o esprito re-
*Essa uma conseqncia obrigatria da verdade belde, quer seu prprio reino, no o de Deus, e se levanta
de f, de que todos os espritos anglicos foram criados como o primeiro adversrio do Criador, como opositor da
por Deus, atestada pelo smbolo niceno-constantinopo- Providncia, antagonista da sabedoria amorosa de Deus
litano ( o Credo da Missa), o qual proclama: Creio em (Apud Mons.C. BALDUCCI, El dablo, p. 20.)
Deus Pai Todo-poderoso, criador ... das coisas visveis e E o Papa explica que os anjos, por serem criaturas
invisveis; essa verdade foi ainda definida nos Conclios racionais, so livrs, isto , tm a capacidade de escolher
IV de Latro e I Vaticano. a favor ou contra aquilo que conhecem ser o bem: Tam-
A Sagrada Escritura, com efeito, chama-os filhos bm para os anjos a liberdade significa possibilidade de
de Deus (J 38, 7), santos (Dan 8, 13), anjos de luz escolha a favor ou contra o bem que eles conhecem, quer
(2 Cor 11, 14). Entretanto, os prprios Livros Sagrados se dizer, o prprio Deus. (Joo Paulo II, Mcm, ibidem.)
referem a esprito imundos (Lc 8, 29); espritos ma- Criando os anjos racionais e livres, quis Deus que
lignos (Ef 6, 12); espritos piores (Lc 11, 26); e outras eles - com o auxlio da graa fossem os agentes de
expresses anlogas. sua prpria felicidade ou de sua perda, caso cooperassem
Isto indica que certos anjos tornaram-se maus, ti- ou resistissem graa. Para que merecessem a felicidade
veram sua vontade pervertida. Em suma: pecaram. eterna, submeteu-os a uma prova.
de f que todos os espritos anglicos foram sub-
A batalha no Cu metidos a uma prova. Entretanto, no sabemos qual teria
sido essa prova. Os telogos procuram excogitar qual teria
Tu, desde o princpio, quebraste o meu jugo, rom- sido.
peste os meus laos e disseste: No servirei! (Jer 2,
20). O pecado dos anjos maus
Este versculo do Profeta Jeremias sobre a revolta
do povo eleito contra Deus tem sido aplicado revolta de Qual teria sido a prova a que foram submetidos os
Lcifer. M de rebelio de Lcifer No servirei! res- anjos? E qual teria sido o pecado dos que sucumbiram
pondeu So Miguel com o brado de fidelidade: Quem prova?
como Deus! (significado do nome Miguel em hebraico).
No apocalipse, So Joo descreve essa misteriosa Um pecado de soberba
batalha que ento se travou no cu:
E houve no cu uma grande batalha: Miguel e os Acredita-se comumente que tenha sido um pecado
seus anjos pelejavam contra o drago, e o drago com os de orgulho, de soberba, pois a Escritura diz que foi na
seus anjos pelejavam contra ele; porm estes no preva- soberba que teve incio toda a perdio (Tob 4, 14).
leceram e o seu lugar no se achou no cu. E foi precipi- Santo Atansio (sc. IV) o afirma explicitamente: O
tado aquele grande drago, aquela antiga serpente, que grande remdio para a salvao da alma a humildade.
se chama o Demnio e Satans, que seduz todo o mundo; Com efeito, Satans no caiu por fornicao, adultrio ou
e foi precipitado na terra e foram precipitados com ele os roubo, mas foi o seu orgulho que o precipitou ao fundo do
seus anjos (Apoc 12,7-9). inferno. Porque ele falou assim: Eu subirei e colocarei
O prprio Jesus d testemunho dessa queda: Eu meu trono diante de Deus e serei semelhante ao Altssi-
via Satans cair do cu como um relmpago (Lc 10, 18). mo (Is 14, 14). E por essas palavras que ele caiu e que
(O Demnio) foi homicida desde o principio, e no per- o fogo eterno se tornou sua sorte e sua herana.(Apud
maneceu na verdade (Jo 8,44). Card. P. GASPARRI, Catechisme Catholique pour Adultes.
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p. 345.) ro homem, conveniente dizer-se que a obra da Encarna-
o est ordenada por Deus como remdio contra o peca-
Em que teria consistido essa soberba? do. De tal modo que, se no existisse o pecado no teria
havido a Encarnao, embora a potncia divina no esteja
Segundo So Toms de Aquino, essa soberba con- limitada pelo pecado, podendo, pois, Deus encarnar-se,
sistiu em que os anjos maus desejaram diretamente a mesmo que no houvesse o pecado (Suma Teolgica,
bem-aventurana final, no por uma concesso de Deus, 3, q. 1, a. 3.)
por obra da graa, e sim por sua virtude prpria, como So Boaventura reconhece que a opinio tomista
mera decorrncia de sua natureza. Desse modo, quiseram mais consoante com a F, enquanto a outra favorece mais
manifestar sua independncia em relao a Deus; eles re- a razo. (In III Sent.,Dist.I,a.2,q.2.)
cusaram assim a homenagem que deviam a Deus como Embora ambas as opinies sejam sustentveis, o
seu criador e desejaram substituir-se a Ele e ter o domnio comum dos Doutores acha que a hiptese tomista mais
sobre todas as coisas: ser como deuses (cf.Gen 3,5). provvel, sendo predominante entre os Santos Padres.
So Toms faz igualmente referncia seguin- Santo Agostinho afirma: Se o homem no tivesse
te passagem de Isaas referente ao rei de Babilnia, cado no se teria feito carne (Serm. 174,2.)
mas geralmente aplicada a Satans para ilustrar o Em favor dela fala igualmente o Smbolo dos Aps-
pecado dele e dos anjos maus que o acompanharam na tolos, isto , o Credo, quando proclama: O Qual [o Verbo],
revolta: Como caste do cu, astro brilhante [em latim: por ns homens, e por nossa salvao, desceu dos cus
LciferJ, que, ao nascer do dia brilhavas? ... Que dizias . Tambm a liturgia pascal, que canta: culpa feliz, que
no teu corao: ... serei semelhante ao Altssimo (Is 14, nos mereceu um tal Redentor!
13-14). O Pe. Christiano Pesch S.J. diz que a posio to-
O pecado de Lcifer e dos anjos que se revoltaram mista de tal modo se tornou comum, que hoje h poucos
com ele teria sido, pois, um pecado de soberba, ou seja defensores da esposada por Surez, quanto Encarnao
de complacncia na prpria excelncia, com menoscabo do Verbo.
da honra e respeito devidos a Deus. Da decorreria que a hiptese de Surez com re-
Estes elementos se encontram em todo pecado lao ao pecado dos anjos ficaria tambm prejudicada.
explica o Pe. Bujanda pois quem ofende a Deus prefere (C. PESCH 53, De Angelis, III, p. 71; cf. tambm Mons. P.
a prpria vontade, em vez da vontade divina, e nela se PARENTE. Incarnazioni, col 1.751; I. SOLANO, De Verbo
compraz. incarnato, pp. 15-24).)
No est formalmente revelado no que consistiu Ns homens temos certa dificuldade psicolgica
exatamente a prova dos anjos; os telogos fazem hipte- em compreender que os demnios, por um s pecado,
ses teolgicas, como a de So Toms, exposta acima. tenham sido condenados eternamente, enquanto Ado e
Francisco Surez, telogo jesuta do sculo XVII, le- Eva puderam ser perdoados. Por isso, desde os primeiros
vanta outra hiptese: a prova dos anjos teria consistido na tempos do Cristianismo, no faltaram autores que susten-
revelao antecipada por Deus, da Encarnao do Verbo. taram a possibilidade de reconciliao dos anjos decados
Os anjos maus se teriam revoltado contra a submisso com Deus.
em que ficariam em relao natureza humana do Verbo Essa doutrina foi condenada pela Igreja e So
Encarnado, a qual, enquanto natureza, seria natureza Toms explica a razo pela qual isso no possvel: em
anglica. primeiro lugar porque a prova a que os anjos foram sub-
Uma variante dessa hiptese a que afirma que metidos, a fim de merecerem a bem-aventurana eterna,
Lcifer e os anjos revoltados no quiseram submeter-se teve para eles o mesmo efeito que tem para ns homens a
Me do Verbo Encarnado, pela sua dignidade ficaria co- morte; ou seja, encerra o perodo em que podemos adqui-
locada acima dos prprios anjos, embora inferior a eles rir mritos, e nos introduz na vida eterna, imutvel por na-
por natureza. tureza. Os anjos bons, tendo sido fiis, passaram a gozar
Essa hiptese, entretanto, est ligada a uma outra da bem-aventurana eterna; os anjos maus ou demnios
questo: se o Verbo se teria encarnado mesmo sem o pe- foram precipitados no inferno por toda a eternidade.
cado de Ado. Surez, com algumas adaptaes, segue Em segundo lugar, por causa da natureza anglica:
a opinio de Duns Escoto e de Santo Alberto Magno, a os anjos, uma vez feita uma escolha, no podem voltar
qual sustenta que sim; So Francisco de Sales tambm atrs, seja para o bem, seja para o mal. Porque eles no
participa dessa opinio. esto sujeitos mobilidade das paixes humanas, sua in-
So Toms, porm, de outro parecer. Argumenta teligncia perfeita, de modo que eles no podem fazer
ele: Seguindo a Sagrada Escritura, que por toda a parte escolhas provisrias, como o homem. Antes de fazer uma
apresenta como razo da Encarnao o pecado do primei- escolha, o anjo perfeitamente livre; feita esta, sua von-
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tade adere a ela para sempre, pois todas as razes que o de melhor cometerem seus roubos ou homicdios contra
levaram a fazer essa escolha j estavam perfeitamente os homens honestos ( Suma Teolgica, 1,Q. 109, A.1-2. )
claras para ele antes que a fizesse.
Os nomes dos demnios
Outro limite atuao demonaca vem da diversa Ensina So Toms que os anjos bons, mesmo que
condio de cada demnio. Assim como existem desi- por natureza pertenam a uma hierarquia inferior de
gualdades entre o homens, tambm entre os anjos e os algum demnio ( por exemplo em ralao a Satans),
demnios no h dois iguais. Por isso, nem todos os de- sempre tm um domnio sobre os anjos decados. Pois
mnios tm o mesmo poder. os anjos gozam de perfeio da amizade de Deus, da qual
Outro fator de limitao a posio relativa de esto privados os demnio; e esta perfeio superior
cada demnio na escala dos anjos decados, e as eventu- mera excelncia natural, a nica que permanecesse nos
ais ordens e proibies que existam entre eles. demnios ( Suma Teolgica, 1,q. 109,a.4. )
Por isso observa o Cardeal Lepicier: A sabedoria
Limites impostos por Deus de Deus torna-se ainda mais manifesta , quando consi-
deramos que ele colocou os espritos malignos debaixo
O demnio s pode agir em detrimento do homem do domnio dos anjos bons e deu a cada homem, neste
com a permisso de Deus. mundo, um anjo bom que o ilumina, guia os seus passos
Ensina o Cardeal Lepicier: preciso que nos lem- e o defende contra os seus inimigos. Por isso, os assaltos
bremos sempre de que, por muito grande que seja o po- do inimigo das almas so aniquilados pela interveno
der do demnio, tem limites que lhe foram sabiamente daqueles espritos que se conservam fiis a Deus, e o
determinados pelo Todo-Poderoso. Ele pode, sem dvida, demnio acaba por contribuir para a maior glria do Cria-
fazer-nos mal, mas no alm daquilo que lhe permitido, dor. (Cardeal A. LPICIER, op. cit., p. 241. )
e bem conhece que o seu poder no pode durar muito.
Pode ser que o conhecimento da curta durao do seu rei-
no contribua para que redobre a sua atividade nos tempos
que vo correndo; mas todos os seus esforos obedecem
aos impenetrveis desgnios da Providncia que s per-
mite que a sua influncia seja exercida at certo grau,
de forma que nos possamos colocar debaixo da proteo
de Deus e ganhar, pelos nossos mritos, a vitria final e a
coroa da imortal glria que nos espera no Cu ( Cardeal
A. LPICIER, O.S.M., O Mundo invisvel, p.242.)
No livro de J, no qual nomeado pela primeira
vez nas Escrituras, Satans aparece como agente do mal,
porm absolutamente subordinado a Deus.
Embora tenha inveja do justo J e queira pr sua
virtude prova, por meio da infelicidade, Satans no
pode agir seno com a autorizao divina. Ele tem ne-
cessidade de uma permisso, ou at mesmo de uma
delegao do Senhor. Sua ao estritamente limitada
22
III - AO ORDINRIA E
Tentao probatria e tentao
EXTRAORDINRIA DO DEMNIO enganadora ou sedutora
Bem-aventurado o homem que sofre (com paci- Causas naturais da tentao: o mundo e a carne
ncia) a tentao.
porque depois que tiver sido provado, receber a Nem todas as tentaes que o homem padece pro-
coroa da vm do demnio; tambm o mundo e a carne tm nelas
vida, que Deus promete aos que o amam. uma grande parte: Nem todos os pecados so cometidos
(Tiag 1,12) por instigao do demnio, mas alguns so cometidos
pela livre vontade e corrupo da carne - ensina So To-
A AO MAIS COMUM e constante do demnio, em ms. ( Suma Teolgica, 1,q.114,a.3.)
relao ao homem, a tentao. Por esse seu aspecto A raiz mesma da tentao est na prpria natureza
comum e tambm por ser a mais freqente, pode-se humana, livre porm demasiado frgil, sobretudo depois
cham-la de ao ordinria do demnio. que decaiu de sua integridade, em conseqncia do pe-
cado original. Cada um tentado pela sua prpria con-
Natureza da tentao cupiscncia, que o atrai e o alicia - escreve o Apstolo
So Tiago (Tiag 1, 14), que repete a mesma idia pouco
Em seu sentido etimolgico, tentar algum significa frente: De onde vm as guerras e as contendas entre
p-lo prova para que se conheam suas disposies ou vs? No vm elas das vossas concupiscncias que com-
qualidades. batem em vossos membros? (Tiag 4, 1).
23
So Paulo descreve em termos dramticos essa
terrvel realidade: Sinto imperar em mim unia lei: queren- As demais causas da tentao o mundo e a car-
do fazer o bem, eis que o mal se apresenta a mim. Segun- ne podem atuar dependentemente umas das outras;
do o homem interior, acho satisfao na lei de Deus; mas entretanto, comum que, nas tentaes, a atrao do
em meus membros experimento outra lei que se ope mundo se una revolta da sensualidade, e a ambas se
lei do meu esprito e me encadeia lei do pecado que some a ao aliciante do demnio.
reina em meus membros (Rom 7, 21-24)* De tal modo que, embora os telogos aceitem no
*So Paulo descreve a luta que se trava no in- plano terico a possilidade de a tentao poder ter uma
terior do homem entre a carne e o e esprito. O homem causa apenas natural o mundo ou a carne sem entrar ne-
reconhece a justia e a bondade da lei, mas a concupis- cessariamente a ao do demnio, no plano prtico, em
cncia excita-o fortemente a desobedecer-lhe (Pe. MA- geral, admitem que o Maligno, sempre espreita, se apro-
TOS SOARES). A carne, aqui, significa a natureza humana veita de todas as circunstncias para cavalgar a tentao
decada em conseqncia do pecado original, que a tor- e aumentar a sua intensidade ou malcia.
nou desregrada. De si, a carne ou seja, a natureza humana De onde a advertncia de So Paulo: Se sentirdes
boa, pois criada por Deus. raiva, seja sem pecar: no se ponha o sol sobre vossa ira,
para no dardes oportunidade ao demnio (Ef 4, 26-27).
Essa a lei da carne
O homem diante da tentao
Tambm o mundo procura arrastar-nos ao peca-
do, pois est sob o jugo do maligno (1 Jo 5, 19), e a A tentao no pecado
amizade deste mundo inimiga de Deus (Tiag 4, 4). Se
rompermos com o mundo ele nos perseguir, adverte o A tentao, de si mesma, obviamente no pe-
Salvador, pois no somos do mundo ( Jo 15, 19). Por isso, cado. Pois o prprio salvador permitiu ser tentado pelo
Jesus disse expressamente que no rezava pelo mundo demnio (Mt 4, 1-11; Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13).
(Jo 17, 9). Como dissemos, o demnio no pode agir direta-
Um homem pode ser tentador de outro homem, mente sobre a inteligncia ou a vontade humanas e por
segundo o esprito do mundo. Foi o que fez So Pedro, isso procura influenci-las por meios indiretos, em seu
procurando desviar o Senhor do caminho da Cruz: A par- escopo de fazer-nos pecar. Mesmo podendo resistir ao
tir daquele momento, comeou Jesus a revelar a seus dis- tentador, o homem freqentemente se deixa seduzir.
cpulos que era necessrio que fosse a Jerusalm, pade- Para nos tentar, o demnio pode excitar a imagi-
cesse muito da parte dos ancios, dos sumos sacerdotes nao de modo a formar nela imagens e representaes
e dos escribas, e fosse condenado morte, e ao terceiro lbricas ou perturbadoras; interferir em movimentos
dia ressuscitasse. Pedro, tomando-o parte, comeou a corporais que favoream os maus atos ou maus pensa-
admoest-lo, dizendo: Deus te livre, Senhor! Isto no te mentos, intensificar as paixes, procurar enredar-nos em
pode acontecer!Ele, porm, voltando-se, disse a Pedro: sofismas, em erros, etc.
Retira-te de mim, Satans! Pois s para mim obstculo Entretanto, o homem no culpado das tentaes
(isto , tentao); os teus pensamentos no so de Deus, que sofre, a no ser quando elas so conseqncia de
mas dos homens! (Mt 16, 21-23). imprudncias, permitidas ou procuradas voluntariamente,
Somos, pois, tentados pela nossa prpria fragili- por exemplo, com olhares indevidos, freqncia a lugares
dade, pelo nosso temperamento, nossa ndole, formao, perigosos, ms companhias, etc. Do contrrio, ele s ser
ambiente, familiares, amigos, situaes e ocasies; em culpado nos casos em que der um consentimento pleno e
uma palavra: pela carne e pelo mundo. deliberado s solicitaes das tentaes.*
*Trs coisas devemos distinguir na tentao: a su-
A tentao demonaca gesto, a deleitao e o consentimento. A sugesto no
um pecado, porque no depende da nossa vontade, A
Porm, conforme ensina o Apstolo, no temos simples deleitao, quando involuntria, tambm no
que lutar somente contra a carne e o sangue, mas sim pecado. S o consentimento sempre criminoso, porque
contra os principados e as potestades, contra os domina- depende exclusivamente de ns o aceitar ou no a su-
dores deste mundo de trevas, contra os espiritos malignos gesto do pecado (Con. Duarte LEOPOLDO E SILVA, op.
espalhados pelos ares.. (Ef 6, 10-11). cit., p. 34, n. 5).
fora de dvida que muitssimas tentaes so Por mais intensa que seja uma tentao, se o ho-
obra direta do demnio, cujo oficio prprio diz So To- mem lutou contra ela o tempo todo, no cometeu a menor
ms tentar. ( Suma Teolgica, 1,q. 114,a .2. ) falta; pelo contrrio adquiriu mritos para sua santificao,
A maior parte da atividade demonaca se concreti- segundo escreve So Tiago Apstolo: Bem-aventurado o
za na tentao. Por isso o demnio, no Evangelho, cha- homem que sofre (com pacincia) a tentao, porque, de-
mado tentador (cf. Mt 4, 3). pois que tiver sido provado, receber a coroa da vida, que
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Deus prometeu aos que o amam (Tiag 1, 12). Adotamos aqui a terminologia utilizada por Mons.
Necessidade da vigilncia e da orao Corrado Balducci, por parecer-nos mais simples e direta:
infestao local, infestao pessoal e possesso diabli-
Devemos estar sempre alertas para enfrentar as ca. (Cf Mons. C. BALDIJCcI, Gli indemoniati, p. 3; El diablo,
provocaes, como nos recomendou Nosso Senhor na pp. 156-158.)
hora de sua Paixo: Vigiai e orai, para que no entreis em Trataremos em primeiro lugar das duas formas de
tentao; o esprito na verdade est pronto, mas a carne infestao a local e a pessoal; no captulo seguinte,
fraca (Mt 26, 41). O mesmo aconselha So Pedro: Sde da possesso.
sbrios e vigiai, porque o demnio, vosso adversrio, anda
ao redor como um leo que ruge, buscando a quem de- Infestao local
vorar (1 Ped 5,8).
Vigiar, porm, no basta. preciso resistir ao de- A infestao local consiste em uma atividade per-
mnio: Resisti ao demnio, e ele fugir de vs (Tiag 4, turbara que o demnio exerce diretamente sobre a na-
7) nos assegura So Tiago. Resisti-lhe [ao demnio] tureza inanimada (reino mineral, elementos atmosfricos,
fortes na f manda So Pedro (1 Ped 5,9). etc.) e animada inferior (reino vegetal e reino animal), e
E So Paulo exorta: Revesti-vos da armadura de tambm sobre lugares, procurando desse modo atingir
Deus para que possais resistir s ciladas do demnio. ... indiretamente o homem, sempre em modo malfico.
tomai a armadura de Deus, para que possais resistir no Com efeito, todas as criaturas, mesmo as irracio-
dia mau, e ficar de p depois de ter vencido tudo. Estai, nais, por maldio do pecado, ficaram sob o poder do de-
pois, firmes tendo cingido os vossos rins com a verdade, mnio (cf. Rom 8, 21ss). Assim, os lugares e as coisas, do
e vestindo a couraa da justia ... tomai o escudo da f mesmo modo que as pessoas, esto sujeitas infestao
com que possais apagar todos os dardos inflamados do demonaca. E preciso no esquecer a atuao dos dem-
maligno, tomai tambm o elmo da salvao e a espada do nios dos ares, a respeito das quais nos adverte o Apstolo:
esprito ( que a palavra de Deus) (Ef 6, 11-17). No temos que lutar somente contra a carne e o sangue,
mas sim contra os principados e as potestades, contra os
Deus no permite que sejamos tentados dominadores deste mundo de trevas, contra os espritos
alm de nossas foras malignos espalhados pelos ares... (Ef 6, 10-11).
Entram nessa categoria as casas e lugares infes-
Devemos, entretanto, ter sempre presente esta tados: objetos que voam ou se deslocam de lugar, sons
consoladora verdade: certo que Deus no permite seja- estranhos ou perturbadores (passos, pedradas nas vidra-
mos tentados alm de nossas foras. Este o ensinamen- as ou no telhado, uivos, gritos, gargalhadas); impresso
to de So Paulo: Nenhuma tentao vos sobreveio que de presenas invisveis, sensao de perigos inexistentes,
superasse as foras humanas. Deus fiel: no permitir etc.; distrbios visveis, estranhos e repentinos que se ve-
que sejais tentados acima das vossas foras: mas, com a rificam no mundo vegetal e no mundo animal (rvores ou
tentao, vos dar tambm o meio de sair dela e a fora plantaes que secam repentinamente, doenas desco-
para que suport-la (1 Cor 10,13). nhecidas nos animais, pragas, etc.).
Certos fenmenos ou calamidades de aparncia
e estruturas naturais (tempestades, terremotos e outros
A infestao cataclismos, incndios, desastres, etc.) podem ter igual-
mente o demnio como autor, seno nico direto (como na
No temos que lutar somente possesso), ao menos parcial e dirigente. Por exemplo, o
contra a carne e o sangue, mas sim raio que caiu do cu e consumiu os pastores e as ovelhas
contra os principados e as potestades, de J, do mesmo modo que o vento do deserto que fez
contra os dominadores deste mundo de cair a casa dos filhos do Patriarca, esmagando-os sob as
trevas, contra os espritos malignos runas, foram suscitados por Satans (J 2, 16-19). Nesse
espalhados pelos ares.. caso, podem ser includos essas manifestaes demon-
(Ef 6, 10-11) acas extraordinrias.
Muitas vezes, tais manifestaes ocorrem em con-
A TERMINOLOGIA a respeito da ao extraordinria comitncia com casos de infestao pessoal ou de pos-
do demnio sobre os homens, as coisas e os locais, no sesso diablica.
uniforme: alguns autores falam em obsesso, para desig-
nar essa atuao demnio, quer se trate de sua simples Infestao pessoal
presena local, quer de atuao sobre o homem, mas sem
possu-lo, quer da possesso. Outros criam termos espe- A infestao pessoal uma perturbao que o de-
ciais como circumissesso, para designar a ao demon- mnio exerce, j no mais sobre o mundo material e as
aca externa ao homem. criaturas irracionais, mas sobre uma pessoa, diretamente,
25
sem contudo impedir-lhe o uso da inteligncia e da livre As escrituras apresentam vrios casos de tais en-
vontade. Apesar de ser excepcional, talvez o mais fre- femidades de origem de diablica. Exemplo clssico, a
qente dos trs tipos de atividade malfica extraordinria lepra que cobre de chagas o justo J, da planta dos ps
- isto , infestao local, infestao pessoal, possesso. at o alto da cabea (J 2, 7-8).
Seriam igualmente vtimas de infestao diablica
Como a infestao local, a pessoal tambm com- a mulher encurvada, atormentada pelo demnio havia de-
porta graus de intensidade, e diversa modalidade. zoito anos, de tal sorte que no se podia endireitar, e que
foi curada por Nosso Senhor (Luc 13, 11); o menino epil-
A infestao pessoal pode ser externa ou fsica e tico (Mt 17, 14; Mc 9, 17; Luc 9, 38); o mudo (Mt 9,32); e
interna ou psicolgica, conforme se exera sobre os sen- o cego mudo (Mt 12, 22).
tidos externos ou internos e sobre as paixes do homem. Mons. Balduecci se refere a doenas de origem de-
Com freqncia, a infestao simultaneamente externa monaca, por efeito de maleficios, observando que nestes
e interna. casos os distrbios so com freqncia de ordem fsica,
Na infestao externa ou fsica, demnio age sobre sendo dificilmente diagnosticados pelos mdicos; outras
nossos sentidos externos: a vista, provocando aparies vezes se trata de inconvenientes que atacam a vida ps-
sedutoras ou, contrrio, apavorantes; a audio, fazendo quica, a prpria personalidade do indivduo, tomando-o
ouvir rumores, palavras ou canes obscenas, blasfmias, difcil, raivoso e at incapaz de atuar no mbito de sua
convites, agrados ou ameaas; o tacto, com sensaes vida familiar e social.(Cf. Mons. C.BALDUCCI, El diablo, p.
provocantes, abraos, movimentos carnais; ento dores, 184.)
doenas, etc. Convm precisar que muitas das manifestaes
acima descritas, embora prprias s infestaes locais ou
Mas o demnio pode atuar tambm sobre os senti- pessoais, no so exclusivas delas e nem sempre so de
dos internos (fantasia e memria) origem demniaca; vrias anomalias de ordem psquica
e sobre as paixes. (iluses, alucinaes, delrios) podem se externar pelos
mesmos fenmenos; um cuidadoso exame do indivduo
A infestao interna ou psicolgica consiste em e das circunstncias que acompanham os fatos poder
sugestes violentas e tenazes: idias fixas, imagens ex- revelar a origem natural patolgica ou demonaca dos
pressivas e absorventes, movimentos profundos de emo- distrbios.
tividade e de paixo - por exemplo, desgostos, amargura,
ressentimentos, dio, angstias, desespero; ou, ao contr- Vtimas prediletas da infestao
rio, inclinao para algum objeto ilcito, ou inclinao, de si
lcita, mas desregrada quanto ao modo e intensidade. Se bem que qualquer pessoa possa ser vtima des-
Comenta o Pe. Tanquerey: A pessoa se sente, em- se tipo de tormento diablico, Mons. Balducci indica trs
bora com desgosto, invadida por fantasias importunas, categorias de pessoas que estariam mais sujeitas a ele:
tediosas, que persistem no obstante os esforos vigoro- os santos, os exorcistas e demonlogos, e os maleficiados
sos para afast-las; ou ento por frmitos de ira, angstia, (vtimas de malefcio).
desespero, mpetos instintivos de antipatia; ou pelo con- Os santos, por causa do dio que o demnio tem
trrio, por perigosas ternuras sem razo alguma que as daqueles que de modo especial amam a Deus e procuram
justifiquem . (Adolphe TANQUEREY, Precis de Thotogie a perfeio; isto, do lado da inteno do demnio; do lado
Asctique ei Mystique. p. 958.) da permisso divina, esta dada como provao especial
Os acessos de melancolia e os transportes de furor a almas muito eleitas. Vrios santos a experimentaram.
que afligiam Sal, por obra de um demnio e por permis- Entre os antigos, basta lembrar Santo Anto; do mesmo
so divina ( cf. 1 Reis 16, 14-23), so caractersticos da modo Santa Catarina de Siena (1347-1380); So Francisco
infestao pessoal interna, infestao psicolgica. Xavier (1506-1552); Santa Teresa de Jesus (1515-1582);
Diferentemente do possesso, o infestado guarda a Santa Maria Madalena de Pazzi (1566-1607); So Joo
disposio de seus atos exteriores, embora em muitos ca- Batista Vianney, o Cura dArs (1786-1859) So Joo Bosco
sos tenha sua liberdade diminuda. Ele conserva o poder (1815-1888); Santa Gemma Galgani (1878-1903).*
de reagir contra as sugestes do interior ( por exemplo, Os exorcistas e demonlogos: a razo to bvia
sugestes de blasfmias), de julgar sobre o valor moral que quase no preciso d-la; os primeiros, com seu mi-
destas sugestes, achando-as abominveis. nistrio, fazem diminuir a presena do demnio no mundo
Uma das modalidades de infestao pessoal, tal- e libertam suas vtimas; os segundos, com seus estudos,
vez das mais freqentes so as doenas, muitas vezes esclarecem os fiis com relao existncia e atividade
desconhecidas e incurveis, que chegam a levar morte, demonacas.
se Deus o permitir. o que, alis, lemos no livro de J: Os maleficiados (vtimas de malefcio), por permis-
Disse, pois, o Senhor a Satans: Eis que ele (J) est na so de Deus, para seu castigo, ou provao, ou para ma-
tua mo; conserva, porm, a sua vida (J 2, 6). nifestar o poder divino. ( Cf. Mons. C. BALDUCCI, El diablo,
26
p. 179.) dos seus contemporneos, os quais acreditavam na ao
4 Esta Santa leiga, grande mstica, recebeu os demonaca.
estigmas da Paixo, tinha freqentes vises de Nosso Nada mais falso, e os Evangelistas distinguem bem
Senhor e de Nossa Senhora, e um comrcio quase cont- entre a doena e a possesso.
nuo com seu Anjo da Guarda. Foi muito atormentada pelo Assim, So Marcos escreve: E de tarde, sendo j
demnio que a espancava com uma vara durante horas posto o sol, traziam-lhe (a Jesus) todos os que estavam
e horas, s vezes a noite inteira, causando-lhe profundas doentes e os possessos do demnio E curou muitos que
esquimoses no corpo, que duravam vrios dias, at que se achavam oprimidos com varias doenas. e expeliu
Nosso Senhor as curasse. Perseguia-a por toda a parte, muitos demonios (Mc 1, 32-34).
em casa, na rua, na igreja, com aparies, assumindo o E em So Mateus est escrito: E pela tarde apre-
aspecto de um cachorro, de um gato, de um macaco, de sentaram-lhe muitos possessos do demnio, e ele com a
pessoas conhecidas, ou de homens ferozes e espantosos. (sua) palavra expelia os espritos maus, e curou todos os
Vrias vezes um desses homens horrveis a jogou na lama enfermos (Mt 8, 16).
quando saia de casa para ir comungar. O demnio lhe Do mesmo modo So Lucas: E quando foi sol pos-
aparecia tambm sob a figura de seu confessor, Mons. to, todos os que tinham enfermos de diversas molstias,
Volpi e outras debaixo da aparncia do Anjo da Guarda, traziam-lhos. E ele impondo as mos sobre cada um, sa-
chegando a confundi-la; de certa feita o Maligno assu- rava-os. E de muitos saam demnios gritando (Lc
miu a figura de Jesus flagelado, com o corao aberto e 4,40-41).
todo ensangentado, para pedir-lhe maiores penitncias, evidente nestas passagens que os Evangelistas
com a dupla finalidade de fazer deteriorar sua j delicada se referem cura de doentes e expulso de demnios
sade e incit-la a desobedecer o confessor que as havia como dois casos diferentes.
proibido ( Mons. C. BALDUCCI, El diablo PP. 179-181). De resto, o prprio Salvador afirma que expulsa-
va os demnios dos possessos. Por exemplo, aos judeus
incrdulos disse Jesus: Se eu, porm lano fora os de-
A possesso mnios pela virtude do Esprito de Deus, chegado a vs
o reino de Deus (Mt 12, 28). Se eu, pelo dedo de Deus
lano fora os demnios, certamente chegou a vs reino
E pela tarde apresentaram-Lhe de Deus(Lc 11,20).
muitos possessos do demnio. E Ele mesmo distingue bem os casos de doena
(Mt 8, 16) dos de possesso, ao dizer: Eis que eu expulso os dem-
nios e opero curas (Lc 13, 32).
A POSSESSO a mais espetacular das manifesta- A Liturgia e a prtica da Igreja, com a instituio
es diablicas e a que mais impressiona as imaginaes; dos exorcismos, bem como o ensinamento dos telogos,
a tal ponto, que deixa na penumbra o trabalho constante indicam que Ela cr na possesso diablica. Ao mesmo
do demnio que, por meio da tentao, procura seduzir os tempo, estabelecendo que os exorcismos sobre posses-
homens ao pecado. sos no sejam feitos seno depois de maduro exame e
mediante especial autorizao, a Igreja indica que no se
Realidade da possesso diablica deve crer levianamente nos casos de possesso.
Em resumo, que se tenham dado alguns casos,
No que se refere possesso diablica, h duas pelo menos de verdadeira possesso diablica, como os
posies erradas que preciso evitar: a primeira, con- relatados nos Evangelhos, verdade de f; que depois se
siste em acreditar com facilidade que uma pessoa est tenham dado outros, doutrina comum dos telogos, que
possessa, sem maior exame, pela impresso causada por no pode ser negada sem temeridade.
sintomas que podem bem corresponder a outros estados,
no sendo de si suficientes para caracterizar a possesso; Natureza da possesso
a segunda posio est em negar que hoje ocorram casos
de possesso; chega mesmo a negar que alguma vez se A possesso consiste em um domnio que o de-
tenham dado. Esta posio extremada se choca com uma mnio exerce diretamente sobre o corpo e indiretamente
verdade claramente ensinada pela Sagrada Escritura, pela sobre a alma de uma pessoa. Esta se converte em um
Tradio e pela prtica da Igreja. instrumento cego, dcil, fatalmente obediente ao poder
Os racionalistas pretendem que os casos de pos- perverso e desptico do demnio.
sesso diablica relatados na Escritura no passam de O indivduo em tal estado chamado justamente
casos patolgicos mania, loucura, histeria e epilepsia. possesso, endemoniado, enquanto instrumento, vitima do
Dizem que Jesus no pretendia que esses infelizes en- poder demonaco, ou energmeno, porque mostra uma
fermos, chamados endemoniados, estivessem realmente agitao inslita.
possessos, mas tratava-os de acordo com as convices
27
Caractersticas simplesmente indireta ou moral, como, por exemplo, nas
tentaes, mesmo as mais fortes; ela uma ao direta
A possesso se caracteriza por dois elementos: a) e fsica, exercida pelos esprito das trevas sobre os r-
presena do demnio no corpo do homem; b) exerccio de gos corporais do infeliz submetido ao seu imprio. De
um poder por parte demnio sobre o mesmo. onde resulta para este ltimo um estado doentio, estra-
Quanto presena demonaca, ela no significa nho, que sai das leis ordinrias das afeces mrbidas,
uma presena fsica, como anjo (decado), o demnio embora freqentemente acompanhado de fenmenos de
puro esprito; sua presena se d pelo contacto operativo, ordem puramente natural, que o demnio determina nele,
isto , o demnio est onde atua desse modo, o demnio simultaneamente com aqueles que ultrapassam a esfera
pode desenvolver sua atividade por toda a parte, tanto prpria aos agentes fsicos. Esses fenmenos so habitu-
fora como dentro dos corpos humanos. Sendo assim, um almente uma superexcitao geral e profunda de todo o
indivduo pode estar possudo por vrios demnios (os sistema nervoso.
quais operam simultaneamente sobre ele, embora sob Outras vezes, ao contrrio, o demnio comunica
aspectos diversos), como um s demnio pode possuir sua vtima um crescimento extraordinrio da fora mus-
vrias pessoas (atuando sucessivamente sobre cada uma cular. O infeliz entra em fria a ponto de espumar de raiva,
delas). ranger os dentes, soltar gritos espantosos, precipitar-se na
gua ou no fogo. Ele se torna ento perigoso para aqueles
O modo como se opera a possesso que se aproximam dele; destri, como simples pedao de
explicado por So Toms de Aquino: palha, as cadeias de feno com as quais o querem prender;
e, se ele no puder atingir os outros, volta conta si mesmo
Os anjos bons e os maus tm o poder, em virtude o seu furor, arranhando-se com as unhas, machucando-se
de sua natureza, de modificar nossos corpos, como qual- com as pedras do caminho.
quer outro objeto material. E como eles esto presentes Essa ao perturbadora e nociva do demnio so-
num lugar na medida em que operam nele, assim eles bre os rgos corporais expande-se sobre as faculdades
penetram em nossos corpos. Do mesmo modo, ainda, eles mistas, como a imaginao, a memria, a sensibilidade.
impressionam as faculdades ligadas a nossos rgos: s Estende-se mesmo mais longe e mais alto no ser humano,
modificaes dos rgos respondem as modificaes das porque ela tem sua repercusso at na inteligncia. As
faculdades. Mas a impresso no chega at vontade, operaes intelectuais apresentam, s vezes, um tal car-
porque a vontade, nem seu exerccio, nem em seu obje- ter de incoerncia, que os demonacos parecem atingidos
to, depende de um rgo corporal; ela recebe seu objeto de alienao mental. No raro tambm ver-se produzir,
da inteligncia, na medida em que esta desentranha, do no domnio do esprito, um fenmeno anlogo quele que
que ela percebe, a noo de bondade do ser. (In 2dum se passa no seus rgos. Assim como o demnio, em
Sent., Dist. VIII, q. un. a. 5, sol. apud L. ROURE, Possession lugar de paralisar as energias corporais do demonaco,
Diabolique, col.) aumenta seu poder, do mesmo modo, em vez de diminuir
Em outro lugar o Santo Doutor explica que o diabo suas luzes naturais, ele comunica sua inteligncia co-
no pode penetrar diretamente na alma do homem, pois nhecimentos que ultrapassam de muito seu poder.
isto somente a Santssima Trindade pode fazer. (Suma Te-
olgica, 3,q. 8,a.8) Possesso e infestao:
Isto quer dizer que, na possesso, embora o de- fenmenos da mesma espcie
mnio domine o corpo, sobretudo o sistema nervoso, e
possa impedir o uso das potncias da alma, ele no pode A infestao pessoal (ou obsesso) e a posses-
penetrar nela e obrigar sua vtima a cometer um pecado, so constituem fenmenos da mesma espcie, variando
ou aceitar as doutrinas diablicas. apenas em grau, e so classificadas pelos telogos como
O possesso no moralmente responsvel por aes extraordinrias e diretas do demnio, enquanto a
seus atos, por piores que sejam, uma vez que no tem tentao indicada como ordinria e indireta.
plena conscincia deles, nem existe colaborao da von- Observa o Cardeal Lepicier que a diferena entre
tade. a infestao pessoal e a possesso no um diferena
de espcie, mas somente de grau, visto que estas formas
Efeitos da ao do demnio sobre o possesso diferem mais ou menos, conforme for maior ou menor o
grau do poder exercido pelo demnio sobre o corpo do
A presena operante do demnio no endemoniado indivduo a quem ele resolveu atormentar. Os fenmenos
no contnua, mas se manifesta por perodos de crise. de infestao pessoal no so, por vezes, menos graves
No falta ao demnio poder nem vontade de atormentar do que os de possesso. De fato, o Ritual Romano no es-
ininterruptamente sua vtima, tal o dio ao homem; Deus tabelece diferena alguma entre eles, e as lnguas latina
que no o permite, pois a pessoa no resistiria. e italiana tm apenas uma palavra clssica para designar
A influncia do demnio sobre os possessos no ambas as formas, isto , obsesso diablica.(Cf. Card. A.
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LEPICIER, O Mundo Invisvel, p. 277.) indivduo a mais cruel e implacvel tirania observa o
verdade explica o Pe. Roure que a posses- Cardeal Lepicier. Ele chama a ateno para as prticas
so no penetra at o ntimo da alma; conseqentemente espritas: No pode haver dvida de que atuar como m-
ela no pode ditar, impor ao possesso um ato pessoal de dium o mesmo que expor-se aos perigos da obsesso
inteligncia ou de vontade; mas a ao diablica chega diablica ... Recorrer a um mdium , pois, equivalente a
a neutralizar, a impedir o exerccio da inteligncia e da cooperar na obsesso de uma pessoa. (Card. A. LEPICIER,
vontade, de modo que o possesso torna-se incapaz de O Mundo Invisvel, pp. 222-223.)
conhecer, de julgar e de querer tudo o que se passa e se Uma das causas muito comuns da ao extraordi-
agita nele. Na infestao tal no se d; a vtima conserva nria do demnio sobre pessoas o malefcio, a respeito
o domnio de suas faculdades superiores (a inteligncia e do qual falaremos adiante.
a vontade), e pode mesmo servir-se delas para enfrentar O Pe. Gabriele Amorth, exorcista da Diocese de
os assaltos do Maligno. Dessa forma acontece que a efer- Roma, afirma que oscasos mais difceis de infestao e
vescncia diablica pode deixar o fundo da alma em paz. de possesso diablica que ele tem encontrado so os
(Cf. L. ROURE, Possession Diabolique, cols. 2645-2646.) resultantes de macumbas realizadas no Brasil e na frica.
(Cf. G. AMORTH, Un esocista racconta, pp. 116 e 157.)
Causas da possesso Existem ainda casos de possesso voluntria, em
que a pessoa que recorreu ao diabo e fez um pacto com
Punio, provao... ele pode agir como um instrumento do Maligno para levar
avante os desgnios dele. A figura tpica do mdium de
A permisso dada por Deus ao demnio de, na Satans, foi Hitler, segundo julga o telogo e demonlogo
possesso apoderar-se assim dos rgos corporais e das beneditino austraco Dom Alos Mager.(No h nenhuma
faculdades espirituais de uma criatura humana, , s ve- outra definio mais breve, mais precisa, mais adaptada
zes, punio de certos pecados graves cometidos pelos natureza de Hitler que esta to absolutamente expressiva:
possessos, em particular os pecados da carne. Entretanto Medium de Sat (D. Alos MAGER O.S.B., Satan de nos
no sempre assim. Um endemoniado no necessa- jours, p. 639).) Poderiam ser mencionadas igualmente as
riamente culpado. Algumas vezes, Deus permite esse es- figuras sinistras de Lenin, Stalin, e tantos outros...
tado para ressaltar sua glria pela interveno ostensiva
de seu poder absoluto (cf. Jo 9, 1-8), ou para provar os Freqncia da possesso
possessos.
So Boaventura explica que Deus permite a pos- Aps o estabelecimento da Igreja, o nmero dos
sesso seja em vista de manifestar sua glria, obrigando demonados diminuiu, de muito, nas naes tomadas cris-
o demnio pela boca possesso a confessar, por exemplo, ts. E que, pelo Batismo e demais Sacramentos, os fiis
a divindade de Cristo, seja para punio do pecado, seja so preservados desses ataques sensveis do demnio.
para nossa instruo. Mas, por qual dessas causas preci- Este perdeu seu imprio, mesmo sobre aqueles que, em-
samente ele deixa o demnio possuir um homem, o que bora batizados, vivem de maneira pouco conforme com
escapa sagacidade humana: os julgamentos de Deus F de seu Batismo. Membros da Igreja, embora membros
so escodidos aos homens. O que certo, que eles so mortos, eles encontram nessa unio, entretanto imperfei-
sempre justos (In 2dum Sent. dist. VIII. part II. q. 1 art ni- ta, ao Corpo Mstico de Cristo, um socorro em geral sufi-
co apud L. ROURE, Possession Diabolique., col. 2644.) ciente para que o demnio no possa apoderar-se deles,
O carter espetacular da possesso acaba por como faria, se se tratasse de pagos.
apresentar um efeito apologtico e asctico benfico, pois Entretanto observa o Pe. Ortolan no so-
torna patente e quase visvel a existncia do Esprito das mente nas regies que no receberam o Evangelho, mas
trevas. tambm naqueles em que a Igreja est estabelecida, en-
Esta uma das razes pelas quais Deus permite contram-se ainda demonacos. Seu nmero aumenta na
a possesso diablica, pois obriga o Maligno a agir como proporo do grau de apostasia das naes que, outrora
que a descoberto, dando mostras pblicas da sua malda- catlicas, abandonam pouco a pouco a F, e retornam ao
de, do seu dio contra o homem e a criao. paganismo terico e prtico (T. ORTOLAN, Demoniaque,
col.410.)
Prticas supersticiosas, espiritismo, macumba Para avaliarmos corretamente a presena e atua-
o do demnio no mundo atual preciso considerar que
No devemos esquecer, entre as causas das in- o estado de apostasia a que se referia o Pe. Ortolan h
festaes e da possesso, as prticas supersticiosas, o mais de quarenta anos chegou em nossos dias a um
recurso a magos, pais-de-santo, cartomantes, adivinhos, grau inimaginvel. E que, mais ainda do que os casos de
etc. possesso, o nmero dos infestados sem conta.
O demnio, quando um homem colabora com ele
em prticas superti ciosas, facilmente exerce sobre esse
29
Possesso diablica: Objetividade e rigor cientfico
o diagnstico
Mons. F. X. Maquart renomado estudioso da ma-
tria - compara o diagnstico do exorcista ao diagnstico
Para estabelecer a realidade mdico.
de uma possesso, um nico mtodo O exorcista deve proceder com a mesma objetivi-
vlido: provar a presena dos sinais dade, o mesmo rigor que o exame do mdico, de modo
indicados no Ritual Romano. a no deixar fora do exame nenhuma das manifestaes
(Dom Louis de Cooman, apresentadas pelo comportamento do paciente, evitando
Bispo-missionrio e exorcista) com isso deixar-se levar pela impresso, que pode ser
enganosa. Esse exame crtico tem por finalidade eliminar
Estados patolgicos e possesso diablica alguma possvel explicao natural observvel na presu-
mida manifestao diablica.
Problema complexo Mons. Maquart explica que um certo nmero de
sintomas da possesso so comuns com os de algumas
Um dos problemas mais complexos colocados pela doenas como a psicastenia, a histeria, algumas formas
ao diablica extraordinria sobre o homem o seu de epilepsia, etc. Como fazer para discernir ento entre
diagnstico. A questo consiste em saber quando esta- um simples doente mental e um possesso pelo demnio?
mos realmente em presena de uma ao preternatural Entram em jogo os outros sinais da possesso, que no
(isto , provocada por anjos ou demnios) ou diante meras tm explicao natural: falar lnguas estrangeiras no
manifestaes de morbidez, ou de outro gnero, por certo aprendidas, conhecer fatos distncia, revelar cincia
incomuns, mas que no escapam ao mbito dos fenme- ou fora fsica muito em desproporo com a idade, etc.
nos naturais da alada da Medicina e outras cincias. ( Cf. F. X. MAQUART. LExorciste devant les manifestations
Nem sempre fcil distinguir entre as infesta- diaboliques, pp. 338-339.)
es e possesses demonicas e certos fenmenos de Essa posio exige, ao mesmo tempo, muita objeti-
natureza mrbida, pois sabido que inmeros distrbios vidade e bom senso, ao lado de muita f. Pois, como evi-
patolgicos, especialmente de carter neuro-psiquitrico, dente, no se pode, sob pretexto de que o extranatural
provocam estados de extrema agitao, decuplicam as uma exceo, negar em princpio toda a ao demonaca,
foras fsicas, provocam fobias em relao s coisas sa- ou proceder de tal forma como se sempre se tivesse que
cras, etc. Em resumo, fazem o pobre doente parecer um encontrar, a qualquer preo, uma explicao natural.
possesso.
o que faz notar o Cardeal Alexis Henri Marie L- Perigos de um diagnstico errado
picier, O.SM.:
Sabemos que em algumas pessoas a imaginao, Um diagnstico errado no isento de perigos, tan-
estando fora do normal, pode ultrapassar os seus naturais to de ordem moral e espiritual, como at mesmo fsica.
limites e ser a origem de manifestaes estranhas que, Em primeiro lugar, a prtica de exorcismos em
primeira vista, apresentam uma certa afinidade com simples doentes mentais, sem que estes, obviamente,
ocorrncias preternaturais [isto , produzidas por anjos ou experimentem qualquer melhora, pode conduzir ao des-
demnios]. ... Todos ns sabemos quantas perturbaes crdito em relao aos mesmos exorcismo e s coisas
pode causar uma doena nervosa em certas criaturas, sagradas de modo geral. Pode ainda oferecer argumentos
como, por exemplo, nas que sofrem de histeria. H, de aos cticos, que se aproveitaro para tachar a prtica dos
fato, nas aes destes indivduos muitas coisas que cau- exorcismos como puramente supersticiosa.
sam admirao. ... Mas principalmente nos perodos de Alm do mais, a prtica dos exorcismos solenes
paroxismo que a histeria est mais apta a exibir muitos e representa para o exorcista um desgaste muito grande, o
curiosos fenmenos, o principal dos quais a alucinao. qual seria sem fruto em caso de erro de diagnstico.
Toda gente v, portanto, a necessidade imperiosa Por fim, o exorcizar doentes mentais oferece o
de estabelecer a distino entre estes fenmenos e os perigo de agravar seus males, seja pela grande tenso
que so devidos a causas preternaturais (Card. A. LEPI- e esforo mental e at fsico que o exorcismo comporta,
CIER, O Mundo invisvel, p. 201.) seja pelo carter impressionante deste.
Outras vezes, so fenmenos da natureza, insufi- o que afirma Mons. Maquart, experimentado de-
cientemente explicados pelos cientistas, ou simplesmente monlogo francs: No seria sem inconvenientes graves
fora de alcance de pessoas sem formao especializada: exorcizar, sob simples aparncias de possesso, doentes
luminosidades, movimentos de massas de ar, variaes mentais. Em vez de os curar, o exorcismo teria o risco de
trmicas, etc., os quais podem parecer fenmenos mara- agravar seu mal. (Mgr F. X. MAQUART, L Exorciste devam
vilhosos provocados por ao diablica. les manjfestations diaboliques, p. 328.)
O mesmo assegura Dom Gustavo Waffelaert
30
(Bispo de Bruges): H inconveniente real em exorcizar dos sinais clssicos indicados pela Igreja no Ritual Roma-
uma pessoa no possessa. Por ela, antes de tudo; pois o no (Mgr Louis de COOMAN, Le Diable au Couvent, p. 12.)
exorcismo, pela forte impresso que produz, pode afetar O Ritual Romano (que data do sculo XVI) estabe-
desfavoravelmente um sistema nervoso j perturbado e leceu, para orientar exorcistas, os seguintes indcios por
acabar de o arruinar; ele tambm um poderoso meio parte do suposto possesso:
de sugesto e arrisca desenvolver, num indivduo fraco, 1. Falar ou compreender lnguas estrangeiras sem
hbitos mrbidos. Alm do que, no se tem o direito de t-las antes aprendido;
empregar, sem motivo grave, as oraes sagradas do Ri- 2. Revelar coisas secretas ou distantes;
tual: preciso que elas tenham um objeto. Dessa forma, 3. Manifestar fora fsica acima de sua idade e
a Igreja, para pemitir o exorcismo, requer a prudncia e condio;
um julgamento moralmente certo ou ao menos provvel 4. E outras manifestaes do mesmo gnero, que
da possesso . (Mgr G. 3. WAFFELAERT, Possession Dia- quanto mais numerosas forem, mais constituem indcios.
bolique. col. 55.) (Rituale Romanum, Tit. XI, Cap. 1, n. 3.)
Em muitos lugares como nas dioceses de Roma Se certas manifestaes (como, por exemplo, de-
e Veneza - os exorcistas trabalham sempre em estreita monstrar uma fora extraordinria, dar uivos animalescos,
unio com psiquiatras catlicos, os quais os ajudam a gritar blasfmias ou palavres) podem ser causadas por
distinguir meros doentes de eventuais possessos; por seu uma doena, a revelao de pensamentos ocultos ou o
lado, esses profissionais, muitas vezes, recorrem aos ser- conhecimento de coisas que se passam distncia j no
vios dos exorcistas, quando percebem em seus clientes podem ter a mesma explicao.
sinais que ultrapassam os limites da Medicina. Hoje em dia muitas pessoas (infelizmente at sa-
Na realidade, certas manifestaes, primeira vis- cerdotes) pretendem negar, seno doutrinariamente, ao
ta patolgicas, podem esconder a ao do Maligno. Por menos na prtica, toda possibilidade de possesso ou
isso o mdico catlico no deve excluir sem mais a possi- infestao diablica, apresentando explicaes pseudo-
bilidade dessa ao, conforme observa Mons. Catherinet: cientificas em nome da Parapsicologia.
O mdico que quiser manter-se um homem completo, A esse respeito observa Mons. Louis Cristiani: que-
sobretudo se ele possuir as luzes da f, no excluir, a rer dar uma explicao natural s manifestaes demon-
priori, a presena do demnio, podendo, em certos ca- acas pela Parapsicologia explicar o obscuro pelo mais
sos, suspeitar, por trs da doena, a presena e a ao obscuro ainda...
de alguma fora oculta (cujo estudo ele pedir ao filsofo
ou ao telogo, os quais se guiam segundo seus prprios
mtodos). (Mgr F. M. CATHERJNET. Les Demoniaques dons
l vangile, pp. 324-32.)
Critrios seguros
Se eu, porm, lano fora os demnios pela virtude A libertao dos possessos ocupa um lugar to sa-
do liente na vida pblica do Salvador que os Evangelistas, de
Esprito de Deus, chegado a vs o reino de tempos em tempos, resumem seu ministrio por frases
Deus. como as seguintes: E caindo a tarde, levaram a Jesus
(Mt 12, 28) todos os doentes e os possudos pelo demnio... e Ele
expulsava numerosos demnios... Ele pregava nas sina-
OS EXORCISMOS constituem a grande arma (ou re- gogas em toda a Galilia, e expulsava os demnios (Mc
mdio especfico) da Igreja e dos fiis contra a ao extra- 1, 32-34; 39) Apresentavam-lhes todos os que estavam
ordinria do demnio isto , a infestao e a posses- doentes..., e os possudos do demnio, e Ele os curava
so. Para melhor compreender o que so os exorcismos (Mt 4, 23-24). Jesus curava muitas pessoas que tinham
convm estudar sua origem, natureza e histria. doenas e espritos malignos (Lc 7, 21). Acompanhavam
o Mestre algumas mulheres que haviam sido curadas de
34
espritos malignos e de doenas, entre elas Maria, cha- todos os seus seguidores, de modo geral, e sua Igreja,
mada Madalena, da qual tinham sado sete demnios de modo particular.
(Lc 8, 2). O prprio Jesus sintetiza as vrias formas de
sua atividade do modo seguinte: Eis que eu expulso os Na Igreja primitiva
demnios e opero curas (Lc 13, 32). So Pedro repete a
mesma idia ao resumir a vida do Mestre para o centurio Nos primeiros sculos da Igreja, o poder exorcsti-
Cornlio: Ele passou fazendo o bem e curando todos os co carismtico cpncedido por Jesus aos Apstolos e aos
que estavam sob o imprio do diabo (At 10, 38).* Discpulos (Mt 10, 1 e 8; Mc 3, 14-15; Mt 6,7; 10, 17-20),
O tom imperativo, as frmulas de um laconismo au- e prometido mais tarde, antes da Ascenso, a todos os
tori absoluto que no admite rplica, com que Jesus se di- cristos (Mc 16, 17), era muito difundido inclusive entre
rigia mnios, e a prontido com que estes obedeciam sem os simples fiis, por um desginio particular da Divina
sombra sistncia, indicavam bem que Ele falava como Providncia, que assim facilitar nos incios a difuso da
quem tinha dade (Mc 1,22), como Deus e Senhor. f crist.
J em sua vida terrena o Salvador, associando Todos os cristos, clrigos ou simples fiis, ex-
os Aps Discpulos ao seu ministrio de evangelizao, pulsavam os demnios; o fato era to generalizado, que
conferiu-lhes mente o poder sobre os demnios. Em pri- constitua at um argumento utilizado pelos apologistas
meiro lugar, ao Apstolos: E, convocados os seus doze para provar a divindade do Cristianismo.
discpulos, deu-lhe poder sobre os espritos imundos para Os testemunhos so numerosos nos Santos Padres
os expelirem (Mt 10, 6, 7; Lc 9, 1). E, logo depois, aos e escritores eclesisticos, tanto ocidentais como orien-
Setenta Discpulos: E os (discpulos) voltaram alegres, tais.
dizendo: Senhor, at os denzi nos submetem em virtude Com o correr do tempo e estabelecida j a Igreja,
de teu nome (Lc 10, 17). esse poder exorcstico carismtico foi diminuindo, porm
Depois da Ascenso, vemos os Apstolos e Disc- no desapareceu totalmente da Igreja, como o testemu-
pulos e rem esse ministrio exorcstico. Assim, So Paulo nham a vida dos santos e as crnicas missionrias. Em to-
expulsa o nio de uma mulher em Filipos, cidade da Ma- das as pocas houve servos de Deus que pela sua simples
cednia, dizei esprito imundo: Ordeno-te, em nome de presena ou pelo contato de algum objeto que lhes per-
Jesus, que saias (mulher). E ele, na mesma hora, saiu tencia, ou ainda por intermdio de qualquer relquia sua,
(At 16, 18). muitas vezes expulsaram os demnios, ou dos corpos que
Era tal a fora do exorcismo em nome de Jesus, eles molestavam, ou dos lugares por eles infestados.
que exorcistas judeus quiseram imitar os Apstolos e
Discpulos. ocorreu com os filhos de Ceva, prncipe dos A figura do exorcista
sacerdotes, na de Efeso. Tendo invocado sobre um pos-
sesso o nome de .i quem Paulo prega o esprito ma- Exorcista (do grego eksorkists) aquele que pra-
ligno os interpelou pela b possesso: Eu conheo Jesus, tica exorcismos sobre pessoas ou lugares que se acredita
e sei quem Paulo; mas vs, sois? E o energmeno, estarem submetidos a algum influxo ou ao extraordin-
atirando-se sobre dois deles, agarrou-os e maltratou-os ria do demnio; em outros termos, aquele que, em nome
de tal maneira que, nus e feridos, fugiram daquela casa de Deus, impe ao demnio que cesse de exercer influxos
(At 19, 13-16). malficos em um lugar ou sobre determinadas pessoas ou
* Alm dessas referncias gerais, os Evangelhos coisas. Em um sentido mais estrito, a palavra exorcista, na
relatam sete casos especiais de expulso do demnio por praxe recente da Igreja latina (at 1972), indicava quem
Jesus: 1 o endemoniado de Cafarnaum (Mc 1,21-28; Le havia recebido a ordem menor do exorcistado, que confe-
4. 31-37); 2 um possesso surdo-do-mudo, cuja liberta- ria o poder de expulsar os demnios, ou seja, de realizar
o deu lugar blasfmia dos fariseus (Mt 12, 22-23; Lc exorcismos.
11,14); 3 os endemononiados de Gerasa (Mt 8, 28-34; Atualmente, chama-se Exorcista o sacerdote que
Mc 5, 1-20; Lc 8, 26-39); 4 o possesso mudo (Mt 9,32- recebe do bispo a incumbncia e a faculdade de fazer
34); 5 a filha da Canania (Mt 15, 21-28; Mc 21-20 ); 6 exorcismos sobre possessos. Ele s pode usar dessa fa-
o jovem luntico (Mt 17, 14-20; Mc 9,13-28; Lc 9,37-44); culdade de acordo com as normas estabelecidas, as quais
7 a mulher paraltica (Lc 13, 10-17). sero vistas adiante. Muitas dioceses tm pelo menos um
O poder exorcstico dos Apstolos se manifestava exorcista permanente; em outras, o bispo nomeia exorcis-
no s por sua ao direta, mas tambm atravs de obje- tas conforme ocorram os casos em que sua interveno
tos neles tocados: E Deus fazia milagres no vulgares por se faz necessria.
mo de Paulo; de tal modo que at sendo aplicados aos Nos primeiros sculos, sendo muito difundido na
enfermos lenos e aventais que tinham sido tocados no Igreja, mesmo entre os simples fiis, o poder carismtico
seu corpo, no s saam deles as doenas, mas tambm de expulsar os demnios, no havia uma disciplina es-
os espritos malignos se retiravam (At 19, 11-12). pecial para os exorcismos sobre os endemoniados, nem
Esse poder sobre o demnio, Jesus o comunicou a uma categoria especial de pessoas eclesisticas incumbi-
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das de pratic-los em nome da Igreja. Exorcismo: o que ?
Desde cedo, porm, se estabeleceu um cerimonial
para os exorcismos batismais isto , aqueles que se
procediam sobre os catecmenos, como preparao para Ns te elo exorcizamos, esprito imundo...
o Batismo; e logo se constituiu uma classe particular de em nome e pelo poder de Jesus (+) Cristo...
pessoas para proceder a eles. Era a ordem menor dos (Exorcismo contra Satans
exorcistas que surgia na Igreja latina, com a incumbncia, e os anjos apstatas)
num primeiro momento, de realizar apenas os exorcismos
batismais, e no aqueles sobre os possessos, os quais, OS EXORCISMOS CONSTITUEM atos insignes de
como ficou dito, eram feitos por qualquer fiel, sem man- f religio e de religio, pois supem a crena no poder
dato especial. soberano de Deus sobre os demnios, sendo mesmo uma
Com o passar do tempo e com a consolidao e aplicao prtica dessa crena.
expanso da Igreja, a freqncia do poder exorcstico No presente captulo aprofundaremos um pouco
carismtico foi diminudo, se bem que de forma desigual mais a noo de exorcismo, em que consistem, qual o seu
conforme os lugares; os fiis se voltaram ento, nos casos fundamento teolgico e a sua eficcia, como se dividem e
de infestao ou possesso demonaca, para as pessoas sobre quem podem ser feitos.
revestidas do poder de ordem isto , os diconos, os
sacerdotes e os bispos e igualmente, como era natural. Noo e diviso
exorcistas dos catecmenos.
A Igreja sancionou essa prtica com o seu poder Os exorcismos no so simples oraes a Deus,
ordinrio, conferindo a tais exorcistas tambm a faculda- Virgem aos anjos e santos pedindo que nos livrem dos
de e o poder de exorcizar possessos. ataques do Maligno, ou graas para enfrent-los. Isso
Entretanto, devido dificuldade no diagnosticar necessrio, sem dvida, mas constitui apenas um dos
a possesso, bem como por causa da delicadeza e im- recursos ordinrios disposio de qualquer pessoa. Os
portncia de um tal oficio, a Igreja foi limitando pouco a exorcismos so mais do que isso: so um ato pelo qual
pouco o exerccio desse poder a um nmero restrito de o exorcista, pela autoridade da Igreja ou pela fora do
pessoas. Uma carta do Papa Santo Inocncio I a Decncio nome de Deus, impe ao demnio que obedea e cesse
, bispo de Gubbio (Itlia), do ano de 416, supe j que os a presena ou atuao nefasta que est exercendo sobre
exorcismos sobre possessos eram feitos em Roma unica- lugares, coisas ou pessoas.
mente por sacerdotes ou diconos que para isso tinham Assim, fazem-se exorcismos sobre lugares e coisas
recebido autorizao episcopal. (incluindo a o reino vegetal e o reino animal, e tambm
O exorcistado passar a ser considerado desde os elementos atmosfricos), com os quais se probe que
ento somente como um dentre os vrios graus atravs o demnio exera ms influncias sobre eles (infestao
do qual o futuro sacerdote se preparava para as ordens local); praticam-se igualmente exorcismos sobre pessoas
maiores. Embora essa ordem menor concedesse sempre atormentadas ou perturbadas pelos espritos malignos
um poder efetivo sobre Satans, o exerccio desse poder (infestao pessoal) ou at possudas por eles (possesso
ficava ligado a outros requisitos. diablica), que tm a finalidade de libertar essas pessoas
Essa disciplina, estabelecida pelo menos desde o das influncias malficas e do poder e domnio de Sa-
sculo V, foi prevalecendo com o tempo em toda a Igreja tans.
do Ocidente, at tornar-se norma universal, e assim che- No caso das criaturas irracionais, a adjurao se
gou at os nossos dias com o Cdigo de Direito Cannico dirige mais propriamente quele que queremos mover;
de 1917 (cnon 1151) e o novo Cdigo de 1983 (cnon isto , ou se dirige a Deus, a modo de splica, para que
1172), os quais mantiveram a reserva dos exorcismos so- evite que essas criaturas sirvam de instrumento do de-
bre possessos unicamente a sacerdotes delegados para mnio; ou se dirige ao demnio, impondo-lhe que deixe
tal respectivo Ordinrio, o qual deve considerar neles es- ou cesse de se servir delas. E este o sentido da adju-
peciais dotes de virtude e cincia. rao da Igreja nos exorcismos e tambm nas bnos
Quanto ordem menor do exorcistado, ela confinou deprecatrias contra ratos, gafanhotos, vermes e outros
a existir como preparao ao sacerdcio na Igreja latina animais nocivos.
at ser completamente abolida por Paulo VI em 1972, jun- Os exorcismos podem ser divididos segundo vrios
tamente com as demais ordens menores. critrios. Assim, no que diz respeito solenidade com
Nas Igrejas orientais, o oficio de exorcista era co- que se fazem, os exorcismos se classificam em solenes
nhecido desde o sculo IV, porm no constitua uma or- e simples.
dem menor e seus membros no faziam parte do clero. Os exorcismos solenes, tambm chamados exor-
cismos maiores, so queles feitos sobre pessoas pos-
sessas, e visam libert-las do domnio exercido sobre elas
pelo esprito do mal. Constituem o exorcismo-tipo, isto ,
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o que que retm o sentido mais estrito da palavra e se A quem conferiu Deus tal poder
encontram no Ritual Romano.(Rituale Romanum, tit. XI c. sobre os demnios?
2: Ritus exorcizandi obsessos a daemonio Rito para
exorcizar os possessos pelo demnio.) Em primeiro lugar, Cristo conferiu Sua Igreja, por
meio dos Apstolos, um poder sobre os espritos imun-
Os exorcismos simples so de dois gneros: dos para os expelir (Mt 10, 1; Mc 6,7; Lc 9, 1). E o que se
chama poder exorcstico ordinrio da Igreja.
a) aquele feito para impedir ou coarctar o influxo Alm disso, alguns cristos sacerdotes ou mes-
do demnio sobre as pessoas, coisas e lugares (infesta- mo simples fiis recebem de Deus um carisma de ex-
o pessoal ou local), chamado Exorcismo de Leo XIII ou pulsar os demnios. o que se chama poder exorcstico
pequeno exorcismo, contido igualmente no Ritual; (Rituale carismtico.*
Romanum, tit. XI c. 3: Exorcismus in satanam et ange- * Chama-se poder carismtico aquele que deriva
los apostaticos Exorcismo contra Satans e os anjos de um carisma. Os carismas so dons gratuitos, extra-
apstatas.) ordinrios e em geral transitrios, concedidos por Deus
b) exorcismos vrios, que se efetuam nas cerim- a algumas pessoas, no tanto para proveito prprio delas
nias do Batismo solene, na bno da gua e do sal e (embora possam contribuir para sua santificao), mas
na consagrao dos Santos leos, etc (encontram-se no sobretudo para o bem do prximo e a edificao da Igreja.
Ritual Romano e livros litrgicos correspondentes). O fundamento da doutrina sobre os carismas se encontra
O principal critrio, entretanto, para a diviso dos em So Paulo (cf. 1 Cor 12, 7; Ef. 4, 12, Rom 12 6-8).
exorcismos aquele referente autoridade em nome da Os telogos distinguem trs classes de carismas: dons de
qual e por cujo poder se fazem. De acordo com esse cri- governo, dons de ensino e exortao e dons de assistn-
trio, os exorcismos se dividem em pblica e privados, se- cia corporal. Entre estes ltimos esto os dons de cura,
gundo sejam feitos em nome e pela autoridade da Igreja, dos quais uma espcie o de expulsar os demnios, o que
no primeiro caso, ou em nome do prprio exorcizante, no constitui uma forma de cura.
segundo. Essa distino fundamental para as conside- Por fim, os telogos explicam que existe um ou-
raes que vm adiante. tro poder exorcstico, que tem sua origem e fundamen-
to numa apropriao do poder exorcistico por parte de
Origem e fundamento teolgico qualquer fiel, seja motivada pela vida que Cristo Nosso
do poder exorcstico Senhor obteve sobre Satans, seja da unio com Ele pela
f ao menos atual. (Mons. C. BALDUCCI, Gli indemoniati,
O homem no tem nenhum poder natural sobre os pp. 90-91; El diablo, p. 256.)
demnios uma vez que estes, embora decados, no per- Com efeito, todo cristo pode fazer uso do poder
deram sua natureza anglica. Por isso tem que recorrer, exorcstico que Cristo prometeu genericamente a todos
obrigatoriamente, a uma natureza superior deles para os que crerem nEle, quando disse: E eis os milagres que
livrar-se dos ataques e insdias dos espritos malignos. acompanharo os que crerem: expulsaro os demnios
Por natureza, os demnios dependem exclusiva- em meu nome (Mc 16, 17). Ou ento aplicar a si mesmo
mente de Deus, nica natureza acima da anglica.* S aquela outra promessa ainda mais ampla: Em verdade,
Deus tem um poder absoluto sobre todas as criaturas; em verdade vos digo que aquele que cr em mim far
portanto, s Ele pode dominar de modo absoluto sobre tambm as obras que eu fao, e far outras ainda maio-
os demnios. Contudo, Ele pode conferir a quem desejar res (Jo 14, 12). Ora, entre as obras de Jesus destaca-se
o poder de dominar sobre os demnios, pela virtude de a expulso dos demnios e a vitria final sobre Satans.
Seu Nome. Por isso, a fora coercitiva dos exorcismos e Finalmente, pode fazer valer para si aquele poder conce-
a garantia de sua eficcia assim como a sua liceidade dido por Nosso Senhor aos Seus seguidores: Eis que eu
esto em serem praticados em nome de Deus e por vos dei poder de calcar serpentes e escorpies e toda a
aqueles que dEle receberam tal poder. fora do inimigo, e nada vos far dano (Lc 10, 19).
*Algum anjo poderia ter uma natureza mais eleva-
da do que a de Lcifer; entretanto, se gundo a crena co- De onde poder-se indicar um trplice ttulo ou
mum, Lcifer teria sido o anjo mais elevado, naturalmente fundamento teolgico do poder exorcstico:
falando, estando assim, por natureza, acima de todos os
demais anjos. Quanto aos outros demnios, alguns so 1. uma concesso ordinria feita por Cristo sua
mais elevados, outros menos, que os anjos bons, estando Igreja;
pois, no que se refere pura natureza, acima ou abaixo 2. uma comunicao carismtica extraordinria a
deles. Pela graa, todos os anjos bons esto acima dos alguns de seus servidores, independentemente de perten-
demnios inclusive de Lcifer ainda que inferiores cerem ou no ao clero;
em natureza. 3. uma apropriao de tal poder por parte de qual-
quer fiel.
37
Dessas trs vias, a primeira constitui o fundamento e mstica, seguindo o ensinamento de So Joo da Cruz,
dos exorcismos pblicos, enquanto as duas ltimas fun- aconselham a no se desejar nem pedir graas e dons
damentam os exorcismos privados. extraordinrios: deve bastar-nos a via normal; pois esses
Da se deduz a eficcia de uns e de outros, como dons no so necessrios para alcanar a salvao e a
veremos a seguir. perfeio crist, e at, ao contrrio, por causa de nossas
ms inclinaes, podem servir de obstculo a elas. Por
Eficcia dos exorcismos outro lado, muito freqente o demnio imiscuir-se nes-
sas vias extraordinrias, de maneira que nem sempre
Exorcismos pblicos fcil distinguir o que vem do Esprito de Deus e o que vem
do esprito das trevas.
H uma diferena relevante entre os exorcismos No caso da apropriao do poder exorcstico por
pblicos e os privados; no primeiro caso, o exorcismo ser parte do fiel, ao contrrio, a eficcia resulta inferior que-
um sacramental,* que no ocorre com os ltimos. la do exorcismo pblico, pois falta-lhe a fora impetra-
* Por sacramentais entendem-se certas coisas sen- tria da Igreja, por no constituir ele um sacramental.
sveis (gua-benta, velas bentas, Agnus Dei, medalhas) ou Em conseqncia, a eficcia do exorcismo privado no-
certas aes (bnos, exorcismos, consagraes, etc.) carismtico depende muito da virtude sobretudo da
da quais a Igreja se serve pata obter determinados efeitos f - daquele que o pratica, condicionada sempre ao divino
especialmente espirituais. A fora dos sacramentais vem beneplcito.
do poder de intercesso da Igreja. preciso acentuar, como acima ficou dito, que
Enquanto sacramentais, os exorcismos pblicos muitas vezes os exorcismos no tm efeito, no pela falta
tm uma eficcia toda particular, que depende no s das de f da pessoa exorcizante, ou pelo poder dos demnios,
disposies do exorcista e do paciente, mas tambm e mas pelos desgnios de Deus, seja para castigo, seja para
principalmente da orao da Igreja, a qual tem um espe- a purgao e santificao da vtima, ou por outro motivo
cial valor impetratrio junto a Deus. que s Ele conhece.
A eficcia dos exorcismos pblicos, se bem que
muito grande, no infalvel; e isto porque as oraes A quem exorcizar?
mesmas da Igreja, segundo a economia ordinria que
Deus segue no atend-las, no tm efeito infalvel; e tam- Nmero infinito de infelizes
bm porque o poder da Igreja sobre os demnios no atormentados pelo demnio
absoluto mas condicionado ao beneplcito do poder di-
vino, que s vezes pode ter justos motivos para retardar O Ritual Romano reserva os exorcismos solenes
ou proibir a sada deles de um lugar ou de uma pessoa. somente s pessoas que dem sinais inequvocos de
Este valor condicionado, porm, no est minimamente possesso. Mas os exorcistas ( e no s eles, tambm os
em contradio com a forma imperativa do exorcismo, demais sacerdotes) se deparam com casos muito mais
pois que a condio diz respeito vontade divina, no freqentes de pessoas que, sem estarem propriamente
demonaca, a qual de si, est plenamente sujeita ao poder possessas, esto sofrendo vexaes do demnio.
da Igreja. O Pe. Joseph de Tonqudec S.J., que por mais de
vinte anos foi exorcista da arquidiocese de Paris e grande
Exorcismos privados demonlogo, escrevia, j em 1948.
A questo que vamos tratar no do campo da
Os exorcismos privados no constituem um sacra- psicologia ou da experincia em geral; ela propriamente
mental como o pblico, isto , no contam com a fora teolgica.
intercessora da Igreja. Assim, a sua eficcia vem ou da O que nos levou a refletir sobre ela foi a insistncia
fora do carisma por base a f na promessa feita pelo de um nmero infinito de infelizes que, no apresentan-
Salvador. do os sinais de possesso diablica, no se comportando
A eficcia do poder exorcstico carismtico segu- como possessos, recorrem, entretanto, ao ministrio do
ra, infalvel, uma vez que o prprio Deus, ao conceder o exorcista para serem libertados de suas misrias: doen-
carisma, garante, por meio de uma inspirao, que o uso as rebeldes, azar, infelicidade de toda espcie.
desse carisma est conforme com os Seus desgnios, e Enquanto os possessos so muito raros, os pa-
obter, por conseguinte, o efeito qual foi concedido.* cientes dos quais falo so legio. No seria legtimo trat-
*Segundo os telogos, Deus concede o dom do los como possessos, uma vez que, em toda evidncia, eles
carisma com muita parcimnia; de modo que se deve no o so. Por outro lado, eles no so tambm, sempre
proceder com muita prudncia, antes de concluir que e necessriamente, doentes mentais sobre os quais um
algum possuidor de algum carisma; maior prudncia tratamento psiquitrico teria chance de dar certo...
ainda exigida da prpria pessoa que presume ser pos- Em qualquer caso, estamos simplesmente em
suidora de algum deles. Os autores de teologia asctica presena de infelizes de toda espcie, cujas queixas nos
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fazem compreender a gama dos infortnios humanos. citar a dor e os propsitos a respeito dos pecados, ou em
Tomados de pena por eles, ns nos perguntamos a que manifestar sinceramente os seus pecados. Podem utilizar
meios recorrer para os ajudar. esta frmula ou semelhantes: Eu te ordeno, em nome de
Ento nos vm lembrana certas pginas dos Jesus, esprito imundo, que te afastes desta criatura de
nossos Santos Livros, certas oraes ou prticas litrgi- Deus (H. NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G. HEINZEL S.J.,
cas que supem a influncia do demnio, presente muito Summa Theologiae Moralis, p. 43.)
alm das regies onde temos o costume de o confinar. Nada impede como veremos que em tais
O autor recomenda que nesses casos se usem os circunstncias tambm os leigos pratiquem exorcismos
sacramentais (gua-benta, sal bento), oraes, bnos, privados, no s sobre si mesmos, mas igualmente so-
o Exorcismo de Leo XVIII (Exorcismo contra Satans e os bre terceiros importunados pelo demnio, observadas as
anjos apstatas), etc. (J. de TONQUEDEC S.J., Quelques cautelas que adiante se diro. Pois as palavras de Nosso
aspects dei laction de Satan eu ce monde, p. 493.) Senhor lembradas acima Em meu nome expulsaro os
Por seu lado, o exorcista da diocese de Roma, Pe. demnios foram ditas a todos os fiis.
Gabriele Amorth, comenta: Esse o ensinamento tambm de So Toms, ci-
Atualmente o Ritual considera diretamente s o tando outra passagem dos Evangelhos: Podemos pois
caso de possesso diablica, ou seja, o caso mais grave adjurar os demnios pelo poder do nome de Jesus, expul-
e mais raro. Ns exorcistas nos ocupamos, na prtica, de sando-os de ns mesmos como a inimigos declarados, a
todos os casos nos quais percebemos uma interveno fim de evitar os danos espirituais e corporais que nos pos-
satnica: os casos de infestao diablica (que so mui- sam vir deles. Poder que nos deu o prprio Cristo: Eis que
to mais numerosos do que os casos de possesso) , os eu vos dei poder de calcar serpentes e escorpies e toda a
casos de infestao pessoal, de infestao de casas e fora do inimigo, e nada vos far dano (Lc 10, 19).
ainda outros casos nos quais temos visto a eficcia das (Suma Teolgica, 2-2, q. 90, a. 2.)
nossas oraes. ... Por exemplo, no so claros os con-
fins entre possessos e infestados; tampouco so claros
os confins entre infestados e vtimas de outros males: Exorcismo: legislao
males fsicos que podem ser causados pelo Maligno; ma-
les morais (estados habituais de pecado, sobretudo nas
formas mais graves), nos quais certamente o Maligno tem Sem licena peculiar e expressado Ordinrio do
sua parte. Por exemplo tenho visto s vezes vantagem lugar,
em usar o exorcismo breve na ajuda ao sacramento da ningum pode realizar legitimamente ente
Confisso nas pessoas endurecidas em certos pecados, exorcismos sobre os possessos.
como os homossexuais. Santo Afonso, o Doutor da Igreja (Cdigo de Direito Cannico)
para a Teologia Moral, falando para os confessores, diz
que antes de qualquer coisa o sacerdote deve exorcizar
privadamente quando se encontra diante de algo que pos- DEPOIS DE VER a noo, o fundamento teolgico
sa ser infestao demonaca (G. AMORTH, Un esorcista e a eficcia dos exorcismos, parece conveniente dar em
racconta, pp. 199-200.) linhas gerais a legislao atualmente em vigor sobre a
matria.
Uso freqente dos exorcismos simples
e dos exorcismos privados Das origens ao Cdigo de Direito Cannico
Nesses casos a soluo parece estar no uso mais Direito da Igreja de restringir poderes
freqente dos exorcismos (pblicos) simples (que so sa-
cramentais e por isso tm a uma fora prpria, que a da A Igreja, detentora do poder das chaves, tem o di-
Igreja), por parte dos sacerdotes tanto exorcistas como reito de reservar aos sacerdotes certas prticas que, em si
no-exorcistas, j que no exigem delegao especial mesmas, teologicamente falando, poderiam ser realizadas
sobre todas essas pessoas que, sem serem possessas, tambm por leigos, por no exigirem o poder de ordem.
so perseguidas ou influenciadas pelo demnio. Assim foi com a distribuio da Sagrada Eucaristia, que
o que recomendam os Moralistas; assim os jesu- nos primeiros tempos era feita tambm por simples fiis,
tas Pes. H. Noldin e A. Schmitt: sendo mais tarde reservada aos diconos e sacerdotes
Deve-se persuadir muitssimo os ministros da e s recentemente voltando a ser permitida aos leigos,
Igreja a que mais freqentemente faam uso do exorcis- mediante licena do respectivo bispo.
mo simples, lembrando-se das palavras do Senhor: Em Foi o que se deu igualmente com relao aos exor-
meu nome expulsaro os demnios; faam uso sobretudo cismos sobre os possessos: nos primrdios da Igreja,
sobre aqueles que sejam objeto de tentao veemente quando a abundncia de carismas era um fato, os fiis
sobre penitentes nos quais percebem dificuldades em ex- expulsavam os demnios por fora desses carismas, sem
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necessidade de recorrer aos sacerdotes e ao bispo. (pedidos de remunerao, aceitao de presentes...); soli-
Porm a partir j do sculo V, em vista de abusos, citaes pecaminosas...
como tambm da diminuio dos carismas, ao mes- Se esses riscos existem para membros do clero (a
mo tempo que decrescia o nmero de possessos pela tal ponto que a lei cannica estabelece que no sejam
expanso do Cristianismo, comeou a reserva desses facultados para fazer exorcismos seno sacerdotes que
exorcismos apenas aos sacerdotes, e somente quando tenham cincia, prudncia e santidade de vida), que tm
autorizados pelo seu bispo. Essa norma foi-se estendendo formao teolgica, graa de estado, experincia pastoral,
com o tempo at que, finalmente, com o Cdigo can- muito maiores sero para os leigos que, normalmente, no
nico mandado elaborar por So Pio X e promulgado por tem estudos especializados ou qualquer outro preparo.
Bento XV em 1917, se tornou lei universal. (Cf. Cdigo de
Direito Cannico (1917), cnon 1151 1.) O novo Cdigo A legislao em vigor
de Direito Cannico (1983) conservou essa norma: Sem
licena peculiar e expressa do Ordinrio do lugar, ningum Exorcismos solenes sobre possessos
pode realizar legitimamente exorcismos sobre os posses-
sos. (Cdigo de Direito Cannico, cnon 1172 1.) Embora qualquer sacerdote (e mesmo, como ve-
remos, qualquer fiel) seja teologicamente capaz de fazer
Prudncia da Igreja exorcismos, mesmo sobre possessos, entretanto, desde
h muitos sculos, a Igreja d a faculdade de exorcizar
Mons. Maquart, demonlogo francs, ressalta a solenemente (isto , de fazer exorcismos sobre posses-
prudncia da Igreja ao reservar os exorcismos solenes sos) s a sacerdotes distintos pela piedade e prudncia,
sobre os possessos apenas aos padres autorizados: Di- mediante uma expressa licena do Ordinrio e com a
versas razes levaram a Igreja a reservar muito estrita- obrigao de observar fielmente o disposto no Cdigo de
mente a prtica dos exorcismos solenes. A luta do exor- Direito Cannico e no Ritual Romano.
cista contra o demnio no est isenta de perigos morais
mesmos fsicos, para o padre exorcista; a Igreja no quer Os exorcismos sobre possessos (exorcismos sole-
e no pode expor desconsideradamente seus ministros. nes;), s podem ser feitos legitimamente:
(Mgr F. X. MAQUART, Lexorciste devant les manifestations
diaboliques, p. 328.) a. mediante licena peculiar (para cada caso con-
Entre as razes dessa reserva dos exorcismos so- creto) e expressa (no pode ser presumida) do Ordinrio
bre os possessos a sacerdotes que satisfaam a certos do lugar. (CIC-83 cnon 1172 1; CIC- 17 cnon 1151,
requisitos com a conseqencia proibio aos leigos 1.)
os Autores enumeram as seguintes: b. essa licena no deve ser concedida seno a
a. Perigos espirituais e mesmo fsicos a que o exor- sacerdotes (no pode ser dada a leigos ou religiosos no-
cista est exposto: tentaes contra a f, contra a pure- sacerdotes) de reconhecida piedade, prudncia, cincia
za; agresses psquicas ou mesmo fsicas por parte do e integridade de vida. (CIC-83 cnon 1172 2; CIC-17
demnio... cnon 1151 2.)
b. Necessidade de grande cincia, piedade e pru- c. estes sacerdotes no procedero seno depois
dncia para o confronto direto com o demnio: preparo de constatar, mediante diligente e prudente investigao,
para enfrentar as falcias, sofismas e embustes do pai que se trata realmente de um caso de possesso diab-
da mentira; para saber como conduzir o exorcismo; para lica.(C1C- 17 cnon 1151 2; Ritual Romano, titulo XI,
certificar-se de que o demnio saiu realmente do corpo c. 1.)
do possesso ao fim dele; e tambm para discernir a ver- d. os exorcistas observaro cuidadosamente os ri-
dadeira possesso de outros fenmenos, at naturais, tos e as formulas aprovados pela Igreja. (C1C- 83 cnon
parecidos com ela, como estados mrbidos, alucinaes, 1167 2; cf. CIC-17 cnon 1148 1; Ritual Romano, ttulo
iluses... XI, c.2.)
c. Risco de se profanar o Nome de Deus, toman- Os exorcismos so feitos normalmente na igreja ou
do-O em vo na falsa possesso, sendo o exorcismo a em algum outro lugar pio ou religioso, salvo os casos de
adjurao do demnio em nome de Deus a que abandone enfermos ou a presena de motivos graves em contr-
a criatura que possui ou infesta (a obrigatoriedade de re- rio; no, porm, diante de um pblico numeroso. Sempre
correr ao bispo de cada vez conduz a que os casos estu- que os exorcismos devam fazer-se sobre uma mulher
dados com maior cuidado, os indcios examinados [com necessrio que assistam a ele parentes prximos ou
maior prudncia). mulheres de honestidade exemplar; e que a vtima esteja
d. Possibilidade de abusos, como exorcizar doentes vestida decorosamente.
mentais, com perigo de agravar seus males (pela gran- No exorcizar, o ministro deve ater-se ordinaria-
de tenso e esforo mental at fsico que o exorcismo mente s frmulas do Ritual Romano, evitando em cada
comporta, e pelo carter impressionante deste); ganncia caso o uso de remdios ou de prticas supersticiosas.
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Deve evitar absolutamente fazer perguntas no oportunas os leigos podem proceder a exorcismos, pelo menos em
ou no adaptadas ao escopo, ou no necessrias, ou de certas circunstncias e sob certas condies. O presente
mera curiosidade, bem como aquelas que visem a des- captulo procura esclarecer qual a origem e o fundamento
cobrir acontecimentos futuros. Por outro lado, o exorcista teolgico do poder exorcstico especfico dos leigos, bem
deve perguntar ao demnio se ele est s ou com outros como as condies em que legitima e eficazmente podem
espritos malignos, qual o nome deles, o tempo do incio fazer uso dele.
da possesso e a causa dela.
Os exorcismos podem ser realizados no apenas Podem os leigos exorcizar?
sobre possessos catlicos, praticantes ou no, e at
excomungados, mas tambm sobre pessoas de outras Possibilidade teolgica
religies ou de todo pags, desde que em cada caso se
tenha uma certeza moral de que se trata de verdadeiros A rigor, do ponto de vista teolgico, nada impede
endemoniados. (Cdigo de Direito Cannico (1917), cnon que um leigo possa proceder eficazmente a exorcismos,
1152.) mesmo sobre possessos. A explicao teolgica j ficou
insinuada acima, porm de modo fragmentrio, pelo que
Exorcismos em casos de infestao local e pessoal parece oportuno aprofund-la aqui.
J vimos como, nos primeiros tempos, fiis que
No caso de infestaes locais e pessoais, o Ritual no tinham recebido o carter sacerdotal, nem tampouco
Romano reserva a recitao do Exorcismo contra Satans carismas especiais, procediam aos exorcismos batismais.
e os anjos apstatas, publicado por ordem de Leo XIII, Esses fiis foram incorporados ao clero, vindo a constituir
aos bispos e padres autorizados pelo bispo diocesano.(Ri- a ordem menor dos exorcistas, e passando a exorcizar
tuale Romanum, tit. XII, c.3. ) (Como simples orao, pode tambm possessos; com o tempo, por uma srie de ra-
ser recitado por qualquer pessoa, sacerdote ou leigo, sem zes histricas e disciplinares, suas funes acabaram
necessidade de nenhuma autorizao especial.). por ser absorvidas pelos sacerdotes, e o exorcistado,
Alm disso, um documento recente da Santa S embora continuando conferir um poder efetivo sobre o
transforma em norma disciplinar essa rubrica do Ritual, demnio, ficou reduzido simples degrau para a recepo
reiterando assim a proibio de os sacerdotes no au- do sacerdcio, at ser abolido em 1972, junto com as de-
torizados pelos respectivos bispos - como tambm os mais ordens menores. Com a reforma litrgica de Paulo VI
leigos utilizarem a referida frmula (CONGREGAO esse ministrio, relativamente aos exorcismos batismais,
PARA A DOUTRINA DA F, Carta aos Ordinrios de lugar. passou a ser novamente confiado a leigos: os atuais cate-
relebrando as normas vigentes sobre os exorcismos, 29 quistas e outros ministros extraordinrios do Batismo.
de setembro de 1985, in Acta Apocalipse Sedis, An. et vol. Num e noutro caso - isto , no dos primitivos exor-
LXXVII, 2 Decembris 1985, N. 12, pp 1169-1170.) cistas e no dos novos ministros extraordinrios do Batismo
O mesmo documento probe, ainda, ao sacerdote trata-se de fiis que, como ficou dito, no receberam a
no autorizado pelo Ordinrio, a presidncia de reunies ordenao sacerdotal (no segundo, esse ministrio con-
de libertao do demnio, nas quais se dem ordens fiado inclusive a mulheres), o que indica que tal ordenao
diretamente ao demnio, ainda que no se trate propria- no teologicamente necessria para que algum possa
mente de exorcismos sobre possessos, desde que parea proceder eficazmente a exorcismos, mesmo em carter
haver algum influxo diablico. (Carta cit. 3. ) oficial, isto , em nome da Igreja.
Outros exorcismos Porm, no a estes casos de pessoas delegadas
Os exorcismos que se efetuam nas cerimnias do pela Igreja que queremos nos referir, pois se poderia pen-
batismo solene, na beno da gua e do sal e na consa- sar que sempre necessria alguma espcie de inves-
grao dos Santos leos, apresentados no Ritual Romano tidura eclesistica para adquirir a capacidade teolgica
e demais livros litrgicos, podem ser feitos legitimamente para exorcizar o demnio. O que investigamos aqui se o
proceder s cerimnias em que eles ocorrem (por exem- simples fiel, sem nenhuma investidura oficial, tem pode-
plo, os catequistas e outros ministros extraordinrios do res - teologicamente falando - para proceder eficazmente
Batismo, mesmo que sejam leigos e at mulheres). aos exorcismos.
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V - SATANISMO - Quando se cr no demnio, no que os Livros Sa-
grados e a Histria dizem dele, rejeitar essa possibilidade
MAGIA - FEITIARIA irracional.
Na verdade, diante de testemunhos to irrefutveis,
AT AQUI VIMOS a interferncia espontnea do de- no se pode no crer na existncia de feiticeiros e na efi-
mnio na vida dos homens, seja pela sua ao ordinria ccia de seus feitios, por obra do demnio, sempre que
a tentao, seja pela ao extraordinria infesta- Deus o permitir.
o local e pessoal e possesso. Cabe agora estudar a
sua interveno a convite do prprio homem: a magia ou
feitiaria, os pactos satnicos, as prticas supersticiosas
Da superstio adorao do demnio
em geral.
certo que o homem, por sua natureza, no tem
nenhum poder sobre o demnio, no podendo, portanto,
Os que se apegam s supersties
obrig-lo a atender s suas solicitaes, nem a cumprir o
enganosas abandonam a graa
que foi pactuado com ele.
que lhes era destinada.
Porm, no menos certo que o demnio sem-
(Jon 2, 9)
pre espreita de uma ocasio para fazer mal aos homens
e perd-los - no deixaria escapar a oportunidade nica
A superstio
de atuar quando convidado por eles prprios. Assim, se
Deus o permitir, ele pode atender aos pedidos que lhe so
A superstio um arremedo indigno do verdadei-
feitos e obter, para os homens que a ele recorrem,
ro culto a Deus, por depositar a confiana em frmulas e
riquezas, poder poltico, satisfao de paixes e
ritos empregados para forar Deus a atender o que Lhe
ambies, e mesmo prejudicar outras pessoas.
pedido, e para desvendar o futuro. Chama-se tambm
Em outros termos, o homem no pode ser a causa
superstio a venerao de carter religiosos tributada a
da interferncia do demnio, mas pode muito bem ser a
foras reais ou imaginrias, em lugar de Deus.
ocasio dessa interferncia.
A superstio procura aprisionar o sobrenatural
De modo que a magia, se entendida no sentido de
mediante frmulas ou ritos para p-lo ao seu servio. O
arte pela qual o homem adquire um poder sobre o dem-
supersticioso quer servir-se da religio para proveito pr-
nio, no existe e impossvel; se entendida, no entanto,
prio e no para cultuar desinteressadamente a Deus. Por
como a arte de operar prodgios por obra do demnio,
isso Deus, atravs do Profeta Jonas, adverte: Os que se
a magia no s possvel teoricamente, mas existe e
apegam s supersties enganosas abandonam a graa
largamente praticada, desde as mais remotas eras at o
que lhes era destinada (Jon 2, 9).
dia de hoje.
O supersticioso pe uma confiana indevida em
fora de dvida que o malefcio teoricamente
prticas s quais nem Deus, nem a Igreja (por conces-
possvel. Ele no comporta o menor absurdo em si, nem
so divina), nem a natureza conferiram o poder de obter
da parte do homem, nem da parte do demnio, nem da
certos efeitos.
parte de Deus. Com efeito, o homem animado de um dio
Sempre que se procuram determinados efeitos por
satnico e abusando da sua liberdade, pode praticar as
meios desproporcionados, os quais de nenhum modo po-
aes mais perversas, sem excetuar a de invocar e ad-
dem conduzir ao resultado desejado, se confia na atuao
jurar os espritos infernais, para que eles apliquem seus
de foras misteriosas, ao menos implicitamente, para ob-
poderes malficos sobre uma pessoa determinada, O de-
ter esse resultado. Como essas foras vm de Deus nem
mnio, por sua vez, pode atormentar os homens das ma-
de seus anjos, s podem provir do esprito das trevas.
neiras mais estranhas e mais inexplicveis, e ele encon-
E assim, a partir da superstio, se chega, facil-
trar a sua prpria satisfao; e nada impede que ele faa
mente, ainda que de forma no inteiramente consciente,
depender sua interveno do emprego de um ritualismo
ao recurso implcito ao demnio. Da, para a invocao
simblico, que seria uma manifestao concreta de culto
explcita, no h seno um passo.
ao demnio, da parte do homem, coisa muito agradvel a
Em suma, o desejo de subjugar as foras superio-
Satans, sempre desejoso de macaquear a Deus. E Deus
res e de as instrumentalizar para proveito prprio, e dessa
pode permitir o malefcio, nos seus desgnios de justia,
maneira chegar a ser como deuses (cf. Gen 3, 5), o
assim como permite os casos de possesso.
fundamento de toda a supertio, de toda a magia.
O feiticeiro no desenvolve, no malefcio, as suas
foras. A interveno de Satans a evidente e Deus a
Pacto com o demnio
permite, como permite a tentao, as infestaes e mes-
mo as possesses. As provas dessa interveno demo-
Possibilidade de pacto com o demnio
naca so to abundantes nas Sagradas Escrituras e na
Histria religiosa, que a ningum legtimo duvidar dela.
Sabemos pela Revelao que os homens podem
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entrar em comunicao voluntria com os demnios e a terceiros, como se d com freqncia, quer em relao
pedir que eles faam ou concedam coisas que superam ao prprio solicitante, cuja alma conduz perdio, que
as foras humanas. o que ele tem em vista ao aceitar o pacto.
Est fora de dvida que o demnio intervm espon-
taneamente, de um modo sensvel, na vida dos homens; Espcies de pacto: explcito e implcito
porque no haveria ele de intervir diante da solicitao de
uma vontade humana? No h nisto nada que seja con- certo que pode haver, que houve e ainda h pac-
trrio ordem das coisas, nem da parte de Deus, nem do tos com o demnio.
demnio. Da parte de Deus, Ele pode permitir ao do
demnio como castigo para o homem por causa de suas 1 Pacto explcito
faltas,* ou como provao para a vtima, ou para algum
outro efeito que Ele conhece, nos Seus desgnios de sabe- O pacto com o demnio consiste num acordo entre
doria e justia. Do lado do demnio, est bem de acordo uma pessoa e o demnio, pelo qual essa pessoa se obriga
com a sua psicologia atender a uma solicitao que tanto a algo em relao ao demnio, em troca da ajuda deste
lisonjeia seu orgulho, gratifica seu dio a Deus e do ho- para conseguir aquela vantagem que deseja.
mem, e satisfaz seu desejo de fazer o mal. Muitas vezes o pacto feito por escrito, e o dem-
* o que pensava santo Agostinho, o qual afirma nio exige que o homem o assine com o prprio sangue.
que os homens que se dedicam su perstio so en- Para estabelecer o pacto no necessrio que as duas
tregues, como suas vontades ms merecem, aos anjos partes estejam presentes pessoalmente: elas podem atu-
prevaricadores, para Lerem escarnecidos e enganados. ar por meio de procuradores. O demnio quase sempre
O homem pode entrar em relao com os anjos e representado pelo feiticeiro, pai-de-santo, mdium etc.
com os demnios, uma vez que uns e outros so seres in- E isto j nos encaminha para o estudo da feitiaria, da
teligentes e livres. Nessa condio, tanto o homem quanto magia, da macumba, que ser feito a seguir.
os anjos e os demnios podem fazer uso de sua liberdade Outras vezes o pacto se faz por meio de sociedades
e unir-se para a obteno de um fim comum. Mas, para secretas iniciticas e com certas formalidades ou ritos es-
isso, preciso haver um ponto de contacto entre uns e tabelecidos.
outros; quer dizer, preciso que uns e outros tenham dis- Por fim, h ocasies em que o pacto se faz com
posies anlogas. Quando as relaes so estabelecidas a apario real do demnio. H casos de feiticeiros que
entre seres de natureza diversa, evidente que o ser de tm um comrcio habitual com o Esprito das trevas, o
natureza superior impe as suas disposies ao inferior: qual vem sob as mais variadas formas: humana, animal,
a lei do mais forte. Se o ser mais elevado um esprito fantstica.
bom (isto , um anjo) o acordo se faz para o bem; se,
ao contrrio, o ser mais elevado um esprito maligno, o 2 Pacto implcito
acordo no pode fazer-se seno para o mal. Pois o dem-
nio, esprito pervertido, no visa seno o mal. Mas, ao lado do pacto explcito, h o pacto implcito
Como todo contrato, cada parte procura atender aos cor demnio.
seus interesses. Se, de um lado, o esprito maligno aceita fcil, sobretudo para os cristos, compreender
o acordo unicamente para o mal, a outra parte, o homem, que um pacto formal, um recurso explcito ao demnio
poder exigir que esse mal lhe traga alguma vantagem, contrrio lei de Deus. Mas o recurso implcito, mediante
ao menos subjetiva: dinheiro, honras, vingana, prazer; do prticas supersticiosas nem sempre aparece claramen-
contrrio, no haver razo para haver acordo. te como um recurso ao Maligno e choca menos o senso
Por sua inteligncia e seu poder, os demnios so moral.
superiores aos homens. Eles conhecem os segredos da Para que se possa dizer que h pacto implcito com
natureza e os agentes fsicos bem melhor que os sbios o demnio preciso, bem entendido, que se tenha uma
jamais chegaro a conhecer. Eles so capazes de produzir esperana mais ou menos firme de que o efeito pretendi-
resultados surpreendentes e mesmo, quando isso serve do realmente ser obtido; tambm preciso que se trate
a seus prfidos desgnios, obter vantagens materiais que de prticas feitas com seriedade e no por mera brinca-
recorrem a eles. deira (embora seja muito perigoso brincar nessa matria,
Como evidente, o homem no tem poder sobre pois o demnio pode tomar a coisa a srio). Como esse
os demnios e estes no so obrigados a atender aos efeito no pode ser esperado dos meios empregados (que
desejos do homem, no o faz porque esteja a isso obri- evidentemente no so aptos para conduzir a esse resul-
gado; seja forado a isso pelo homem, mas sim porque tado), ao menos implicitamente, se cr na presena de
satisfaz certas foras misteriosas, extra-naturais, para obter aque-
sua soberba ver-se solicitado pelo homem, e at le resultado. Que foras so essas? Se no vm de Deus
venerado por ele, em lugar de Deus; de outro lado, aten- (seja diretamente ou indiretamente, atravs dos seus an-
dendo a esses pedidos, ele pratica o mal, quer em relao jos ou da Igreja), de onde procedero?
46
A resposta no pode ser outra: vm do Maligno. a outrem que no a Deus reveste-se de um carter idol-
trico, pecado gravssimo de lesa-majestade divina.
Em muitos casos o homem se d conta disso; po- O sacrifcio consiste no oferecimento e na imolao
rm, cego por suas paixes desregradas, j no cogita de de uma vtima (sacrifcio propriamente dito) ou no ofe-
averiguar a origem do resultado obtido: o que lhe interes- recimento e entrega de um bem em honra da divindade
sa alcan-lo. Assim, vai-se acostumando aos poucos a (sacrifcio impropriamente dito), com a finalidade de pro-
ver o demnio no como o esprito do mal, que ele , mas clamar que Deus o Senhor de todas as coisas e que ns
apenas corno urna ser poderoso, que ele pode utilizar em no ternos nada de prprio, mas tudo pertence a Ele.
seu proveito; como uma espcie de divindade conivente Por causa do pecado, ns mesmos que dever-
com suas paixes, a quem convm cultuar. amos ser imolados a Deus; mas o Criador no permite
A supertio, em qualquer de suas formas, por a imolao cruenta do prprio homem, corno faziam as
conter sempre um recurso claro ou velado, explcito ou religies pags (cf. Lev 18, 21; 20, 1-5; Deut 12, 31; 18,
implcito ao demnio, constitui um pecado gravssimo, 9ss).* Assim, no pode haver um sacrifcio de imolao
contra a virtude da religio, que nos prescreve prestar cruenta de seres humanos. No podendo fazer a imola-
culto somente a Deus, e s a Ele recorrer e nunca ao po- o de nossa vida a Deus, imolamos nossa vontade, que
der das trevas Adorars ao Senhor teu Deus, e s a no que consiste o sacrifcio interno. O sacrafcio externo
le servirs (Lc 4,8). consiste no ato de oferecimento de uma vtima ou de uma
coisa a Deus, e deve ser apenas um sinal do sacrifcio
Adorao do demnio: sacrifcios humanos interno, do oferecimento de ns mesmos.
*Quando alguns judeus, no Antigo Testamento, por
Culto idoltrico do esprito das trevas imitao dos povos pagos vizinhos imolaram vtimas
humanas (cf. 1 Reis 16,34), Deus, por meio dos Profetas
A credulidade indisciplinada, soltando o freio da proferiu severas condenaes a esses atos (cf. Jos 6, 26;
fantasia no campo duplamente misterioso das foras SI 105, 37ss; Miq 6, 7; Jer 7, 31; 19,5; 32, 35; Ez 16,
sobre-humanas e do mal, adultera o conceito de Sata- 2Oss; 20, 26).
ns inimigo de Deus e dos justos, porm mera criatura
limitada para fazer dele uma espcie de divindade Sacrifcios humanos
malfazeja, a que se deve servir e agradar no interesse
pessoal. O demnio, em sua soberba demencial, quer se pr
De onde, alguns ritos, como na macumba, umban- no lugar de Deus e ser adorado: Tudo isto eu te darei
da e candombl, se fazerem ofertas de alimentos e sacri- se, prostrado, me adorares (Jo 6, 9), ousou ele dizer ao
fcios de animais para aplacar o diabo e tom-lo propcio prprio Salvador, oferecendo-lhe os reinos deste mundo
a quem recorre a ele. E este o convite que ele faz aos homens, sobretudo aos
Essa postura pode levar, e muitas vezes leva, o que o procuram: Adorem-me que eu lhes darei tudo!
supersticioso a fazer uma autntica substituio de Deus Homicida desde o princpio como o caracterizou
pelo demnio e a realizar pardias blasfemas do culto Nosso Senhor (Jo 8, 44), o demnio no se satisfaz apenas
divino como nas Missas negras. Chega-se ento ao sata- com as oferendas de animais, alimentos, velas, cachaa,
nismo pleno, que se caracteriza pela vontade de praticar etc., segundo se pratica correntemente nos cultos de ma-
o mal, pelo dio ativo, em nome da liberdade absoluta, cumba. Sempre que pode, ele exige sacrifcios humanos.
que investe contra toda lei religiosa e moral. Esse dio Isto no algo que se tenha dado apenas na Antiguidade,
no explicvel pela psicologia humana, participando do ou entre os povos brbaros, mas ocorre ainda em nossos
mistrio do mal, do mistrio da iniquidade, de que fala dias. E entre ns, conforme veremos adiante.
So Paulo (cf. 2 Tes 2, 7).
E assim se passa do pacto implcito ao pacto expl- Magia negra ou feitiaria:
cito com o demnio, e se chega ao culto idoltrico do es-
prito das trevas, invocado s vezes sob nomes brbaros
aspectos histricos
corno orixs, xangs, exs e outros, sobretudo nos ritos
No vos dirijais aos magos, nem interrogueis os
da macumba, da umbanda, do candombl, e nas prticas
advinhos,
de magia em geral.
para que vos no contamineis por meio deles.
(Lev 19,31)
O sacrifcio: ato de culto de adorao
Antiguidade da magia negra ou feitiaria
De acordo com a doutrina catlica, s se pode ofe-
recer sacrifcios a Deus, por se tratar de ato essencial do
A magia negra ou diablica, ou simplesmente
culto de adorao, pelo qual reconhecemos o poder abso-
feitiaria, consiste em um poder oculto, que permite ao
luto que o Criador tem sobre ns. Todo sacrifcio oferecido
mago obter efeitos superiores eficincia dos meios re-
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almente empregados define o Pe. Leonardo Azzolini 1484, descreve a perversa ao dos feiticeiros em certas
S.J. (Pe. Leonardo AZZOLINI S.J., La Magia Secondo la regies da Alemanha.
Teologia Morale, col. 1832) O Papa comea manifestando o seu sumo desejo
A feitiaria encontrada em todas as culturas e de que toda depravao hertica seja varrida de todas as
em todas as pocas; apresenta-se sob aspectos diversos, fronteiras e de todos os recantos dos fiis.
mas sempre com caracterstica em comum que o recur- A feitiaria a tratada como depravao hertica.
so a frmulas e rituais mgicos, cabalsticos, para curar E a razo porque, em geral, as pessoas que se entregam
doenas, prever coisas futuras, assegurar o sucesso de feitiaria acabam por ter urna concepo hertica a res-
empreitadas, etc. Mais particularmente, a capacidade de peito do demnio, atribuindo-lhe qualidades divinas, ou
de fazer o mal, de prejudicar outros. substituindo-o ao prprio Deus.
A magia estava to difundida na Antigidade, que A bula passa ento descrio das muitas prticas
consistia um perigo para o Povo Eleito, o qual era tentado de feitiaria, tal como constava ocorrer na Alemanha:
a imitar vos vizinhos. Chegou-nos recentemente aos ouvidos, no sem
A Bblia ressalta essa prtica no Egito. O livro do que nos afligssemos na mais profunda amargura, que em
xodo (7, 11 ss), narra como, tendo Moiss e Aro feito certas regras da Alemanha ... muitas pessoas de ambos
prodgios diante do Fara (transformao de uma vara os sexos, negligenciando a prpria salvao e desgarran-
em serpente e as guas do rio em sangue) os magos do do-se da F Catlica, entregaram-se a demnios incubos
Fara, pela ao do demnio fizeram o mesmo. O livro e scubos (ncubo a forma masculina e scubo a forma
de Isaas (47, l2ss) e o de Daniel (1, 20; 2, 2ss) mostram feminina tomada pelo esprito das trevas para manter re-
a importncia da magia entre os babilnios. Tambm os laes com feiticeiros de um e outro sexo.) e pelos seus
gregos romanos nada faziam de importante sem antes encantamentos, pelos seus malefcios e pelas suas con-
consultar as pitonisas e os orculos. juraes, e por outros encantos e feitios amaldioados
Por isso Deus estabeleceu a mais severa das pu- e por outras tambm amaldioadas monstruosidades
nies para quem recorresse a mgicos e advinhos, ou e ofensas horrveis, tm assassinado crianas ainda no
invocasse os espritos: a pena de morte (Ex 22, 18; Lev tero materno, alm de novilhos, e tm arruinado os pro-
20,27; 19,26-31; 20,6; Deut 18, 9-14). dutos da terra, as uvas da vinha, os frutos das rvores, e
Mesmo aio depois da Redeno tais prticas, infe- mais ainda: tm destrudo homens, mulheres, bestas de
lizmente, no cessaram (cf. At 13, 6-10; 16, 16-18). Alis carga, rebanhos, animais de outras espcies, parreirais,
o prprio Divino Mestre havia predito que se levantariam pomares, prados, pastos, trigo e muitos outros cereais;
falsos profetas, os quais fariam prodgios e milagres que estas pessoas miserveis ainda afligem e atormentam
enganariam at os bons (Mt 24, 24). homens e mulheres, animais de carga, rebanhos inteiros
Nos primeiros tempos do Cristianismo os Padres da e muitos outros animais com dores terrveis e lastim-
Igreja combateram muito a feitiaria; e na Idade Mdia, os veis e com doenas atrozes, quer internas, quer externas;
grandes Doutores - como Joo de Salisbury (1120-1180), e impedem os homens de realizarem o ato sexual e as
So Toms de Aquino (1225-1274) e So Boaventura mulheres de conceberem, de tal forma que os maridos
(1221-1274), entre outros, continuaram o mesmo comba- no vm a conhecer as esposas e as esposas no vm
te, estudando a fundo a feitiaria. a conhecer os maridos; porm, acima de tudo isso, re-
A poca, entretanto, em que o problema se tornou nunciam de forma blasfema F que lhes pertence pelo
mais vivo, foi o comeo dos Tempos Modernos, em virtude Sacramento do Batismo, e por instigao do Inimigo da
da enorme decadncia religiosa que se seguiu ao declinar Humanidade, no se excusam de cometer e de perpetrar
da Idade Mdia, com a exploso de orgulho e sensuali- as mais srdidas abominaes e os excessos mais asque-
dade do Renascimento e, finalmente, a crise de revolta rosos para o mortal perigo de suas prprias almas, pelo
contra a Igreja, que deu no Protestantismo. que ultrajam a Majestade Divina e so causa de escndalo
De fato, sobretudo nos sculos XV ao XVII, inmeros e de perigo para muitos. (In H. KRAMER-J. 5PRENGER, O
Papas e Conclios provinciais promulgaram documentos Martelo das feiticeiras, pp. 43-46.)
alertando contra a prtica da feitiaria. Em seguida, o Papa se refere aos dois inquisidores
nessa poca que surge um dos documentos que nomeou para essa regio, professores de teologia e
mais autorizados sobre a ao de bruxos e feiticeiras, a membros da Ordem dos Dominicanos, os Padres Henrique
bula Summis desiderantes, do Papa Inocncio VIII (1484- Kramer (tambm conhecido pelo seu sobrenome latiniza-
1492). do, Institoris) e Jac Sprenger, aos quais pede todo o apoio
para que as abominaes e atrocidades em questo no
Documentos pontifcios contra a feitiaria permaneam sem punio. Sendo necessrio, recomen-
da a busca do auxlio do brao secular, isto , das auto-
A bula de Inocncio VIII ridades civis.
Tm-se comentado que esta bula no tem valor
A bula Summis desiderantes, de 6 de dezembro de doutrinrio, mas apenas de constatao de fatos. Mas
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significativo que tanto ela como as demais bulas de outros As campanhas desencadeadas contra a bruxaria no
Papas tomam com toda a naturalidade a existncia de fei- comeo dos tempos modernos, em uma poca de grande
ticeiras e os resultados de suas artes mgicas. tenso religiosa, que culminou com a exploso protes-
tante, no foram privilgio das regies catlicas, mas, se
Outros documentos deram e at com mais intensidade - nos pases que
passaram para a heresia.
Em 1500, o Papa Alexandre VI escreveu ao Prior de Porm, mais do que o problema histrico, sem-
Klosterneubourg e ao inquisitor Kramer para se informar pre difcil de precisar, o que importa aqui a questo de
dos progressos da feitiaria na Bomia e Morvia. doutrina: a possibilidade, segundo a teologia catlica, da
Alguns anos mais tarde, o Papa Jlio II ordenava ao existncia de feiticeiras e bruxos.
inquisitor de Cremona que tomasse medidas contra aque-
les que abusavam da Eucaristia num sentido malfico ou Consenso dos telogos e moralistas catlicos
que adoravam o diabo.
O Papa Leo X, pela Bula Honestis petentium votis, A referida bula de Inocncio VIII deu ocasio a que
de 1521, elevava um protesto contra a atitude do Sena- dois telogos, nomeados inquisidores pelo Papa os j
do veneziano, que se opunha ao dos inquisitores de citados Padres Henrique Kramer e Jac Sprenger es-
Brescia e de Brgamo contra os feiticeiros. O Papa fazia crevessem um livro para analisar, do ponto de vista teo-
ameaas de excomunho e de interdito. lgico, a prtica da feitiaria: Malleus Malleficarum O
Pouco depois, Adriano VI adotava atitude seme- Martelo das Feiticeiras, continuamente traduzido e publi-
lhante com a Bula Dudum uti nobis, dirigida ao inquisitor cado nas vrias lnguas do Ocidente. (Heinrich KRAMER
de Cremona. Seu sucessor Clemente VII escreveu no mes- e James SPRENGER, O Martelo das Feiticeiras Malleus
mo sentido ao governador de Bolonha. Maleficarum, traduo de Paulo Fres, Editora Rosa dos
verdade que Urbano VIII (1623-1644), chamou a Tempos, Rio de Janeiro, 2 edio,1991. Cf. J. Paquier,
ateno dos juzes para que no se deixassem levar por Inocent VIII, DTC, VII, 2me partie, cols. 2002-2005.)
uma represso inconsiderada em relao feitiaria. (Cf. Numa argumentao escolstica, eles recorrem
mile BROUTTE, La Civilisation Chrtienne du XVI sicle aos grandes Doutores da Igreja em especial a Santo
devant le problme satanique, pp. 365-366.) Agostinho e So Toms de Aquino para mostrar como
O nmero de documentos de Conclios provinciais, Deus pode permitir ao demnio que atenda s solicitaes
sobretudo da Alemanha, nos sculos XVI e XVII excessivo de homens e mulheres prfidos que recorram sua ajuda;
para ser citado aqui. Em todos eles as autoridades eclesi- que os fatos extraordinrios, atribudos em geral aos bru-
sticas insistem na represso das prticas de feitiaria e xos e feiticeiras, no esto acima da capacidade anglica
no julgamento dos culpados. do demnio sobre a matria.
A existncia de bruxos e feiticeiras tem sido aceita
As leis civis pacificamente por todos moralistas catlicos. Ademais de
todas as provas que se podem tirar das Sagradas Escri-
As leis civis da poca proibiam igualmente tais turas e do Magistrio da Igreja, a prtica da bruxaria
prticas e os magistrados leigos instruam os processos confirmada pela opinio de todos os telogos, cuja una-
de feitiaria: Os juristas opuseram a rigidez do Direito ao nimidade traz uma certeza absoluta em matria de doutri-
fanatismo da superstio, a serenidade da legislao ao na. Ora, no existe um manual de teologia moral que no
dio dos camponeses cheios de preveno. ... Os proces- fale da magia e da feitiaria como tendo sempre existido e
sos se fazem cuidadosamente, com um desejo profundo existindo ainda. (LAmi du clerg, Le demonisme, n44
de conhecer a verdade. Sua durao no , com freqn- (1902) p. 978.)
cia, seno um sinal a mais do desejo de evitar todo erro
judicirio ... O feiticeiro tido como culpado condenado ao
fogo. E a nica pena que conhece a lei. Mas essa sentena Magia - Espiritismo - Macumba
tem numerosas suavizaes. (mile BROUTTE ,po. cit.,
p. 379.)
Que possa ter havido excessos e erros judicirios, No se ache entre vs ...
no h dvida. Mas estamos muito longe do quadro arbi- quem seja encantador. nem
trrio pintado pelos historiadores romnticos e anticleri- quem consulte os pites ou advinhos,
cais do sculo passado, de um fanatismo cego, fruto de ou indague dos mortos a verdade.
uma ignorncia estpida. Porque o Senhor abomina
preciso lembrar que os magistrados dos sculos todas estas coisas, e, por tais maldades
XVI e XVII eram conhecidos pelo seu esprito de erudio exterminar estes povos.
verdadeira universal, abarcando quase todos os campos (Deu 9,10-12)
do saber, e sua independncia de julgamento.
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Magia Espiritismo
A Magia geralmente definida como a arte de ope- Uma das formas de superstio mais difundida em
rar prodgios por meios ocultos. Aqui no nos referimos nossos dias, e que coloca as pessoas em risco de se pr
s artes dos prestigiadores, impropriamente chamada em contacto com o demnio so as prticas espritas.
de magia, nem a outros tipos de magia natural, que no
so outra coisa que a arte de operar prodgios e coisas Superstio hertica, contrria f
inslitas por meios naturais; ocupamo-nos s da magia
propriamente dita, magia supersticiosa, ou simplesmente Trata-se de superstio, porque as almas dos que
feitiaria que se define como a arte de operar prodgios morreram esto sob a especial tutela de Deus, no po-
por obra do demnio. dendo entrar em comunicao com os vivos a no ser por
Desde que se trate de magia propriamente dita, uma permisso especial concedida por Ele.*
isto , de prodgios alcanados com o auxlio do demnio, *Os telogos discutem se Deus permite que a alma
no vem muito ao caso que se trate da chamada magia de um defunto entre em contato direto com um vivo, ou
branca (que obteria vantagens, sem prejudicar terceiros), se, nos casos de aparies, se trata de um anjo (ou, con-
ou a chamada magia negra, que operaria o mal contra ter- forme o caso, um demnio) que representa aquela alma.
ceiros. Pois, todo o recurso ao Maligno condenvel em si Ora, os espritas querem utilizar meios puramente
mesmo, no importando os efeitos que se quer alcanar. naturais - como a ao de outros homens, os mdiuns -
Como nas outras formas de superstio, tambm para obter que essas almas apaream ou se manifestem.
a magia pode dar-se por invocao explcita ou implcita H ento aqui uma desproporo entre os meios empre-
do demnio. gados, meios naturais, e uma ao sobrenatural, como
A magia qual se recorre para prejudicar outros a apario ou manifestao das almas dos defuntos.
chama-se malefcio (encantamento, feitio), que pode- (Esse efeito sobrenatural porque est acima da natureza
mos definir como a arte de prejudicar outros por obra humana fazer com que as almas dos defuntos se mani-
do demnio. Os Autores costumam distinguir dois tipos festem ou no aos vivos, o que depende exclusivamente
de malefcios: amatrio (filtros de amor) - se a ao do de Deus.)
demnio excita em algum veementssimo sentimento de Ensinam os moralistas que a nica relao que
amor ou de dio em relao a determinada pessoa; e deve haver entre as almas dos defuntos e ns uma re-
venfico (envenamento) se provocar dano em pessoas lao espiritual, baseada na recordao e na orao.(Cf.
ou em seus bens. Mons. Antonio LANZA - Mons. Pietro PALAZZINI, Princpios
No se pode negar que o demnio, seja por si mes- de Teologia Moral, p. 129.) Deus no pode consentir em
mo, seja por meio dos homens maus desde que Deus nossos caprichos, curiosidades mrbidas e fantasias; no
assim o permita pode prejudicar, por vrios modos, o pode, portanto, permitir que as almas, que s a Ele esto
corpo ou os bens de certas pessoas visadas. Deus, em submetidas, se manifestarem quando evocadas para sa-
seus insondveis desgnios, certo que assim algumas tisfazer a nossos desejos de temerria presuno de pe-
vezes o permite, como testemunha o exemplo de J (cf. netrar nos mistrios do Alm. Por isso, dizem os mesmos
J 1, 12, Ex 22, 18). Embora no se deva crer facilmente moralistas, se verdade que s vezes essas evocaes
na existncia de maleficio, seria entretanto imprudente s almas do outro mundo recebe resposta, tais respostas
neg-lo sempre. Convm ressaltar entretanto que o ma- no podem seno do Maligno. (O Cardeal Lepicier explica
lefcio amatrio no elimina a liberdade, e a ao de- como o demnio pode formar um boneco, com elemen-
monaca pode ser resistida com a ajuda da graa divina; tos da natureza ou mesmo de outros homens, e faz-los
mas quando se cede a ele, o pecado cometido ser mais aparecer sob a figura da pessoa falecida, cujo esprito
grave ou menos em razo da deliberao e do grau de evocado para que se manifeste na sesso esprita.
liberdade. Assim escreve ele , considerando que um anjo
O malefcio contm dupla malcia, uma contra a tem inteiro conhecimento das feies e de outras qualida-
religio, outra contra a caridade e a justia, uma vez que des de cada individuo, vivo ou morto, facilmente se pode
prejudica o prximo. conceber que ele seja capaz, pelo seu prprio poder, de
Constitui um pecado gravssimo, contra a virtude da reproduzir a forma, feies, altura,cor e vesturio de cer-
religio, que nos prescreve prestar culto somente a Deus, to individuo que ns possamos conhecer, a ponto de que
e s a Ele recorrer e nunca ao poder das trevas Adora- aqueles que mais intimo trato tiveram com esse indiv-
rs ao Senhor teu Deus, e s a le servirs (Lc 4, 8). duo sejam iludidos, julgando tratar-se da prpria pessoa
O malefcio (tambm conhecido em nosso pas por (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo Invisvel, pp. 76-77).)
despacho, trabalho, feitio, etc.) uma das causas muito A Igreja repetiu com insistncia ser pecado de he-
comuns da ao extraordinria do demnio sobre pessoas resia o querer aplicar meios puramente naturais com o
(infestao e possesso). fim de obter efeitos no-naturais, preternaturais. Portan-
to, o Espiritismo, em sua pretenso de querer chamar ou
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evocar espritos do Alm, hertico alm de impossvel. gens, invocaes), do espiritismo reencarnacionista e de
Essa superstio condenada no apenas como ilcita cultos indgenas brasileiros. Essas formas superticiosas
ou contrria moral crist, mas tambm como hertica de religio baseiam-se em princpios dualistas: elas ad-
e contrria f. mitem a existncia de entidades boas e entidades ms
igualmente poderosas; acreditam que estas ltimas, em-
Atuao do demnio no Espiritismo bora inimigas do homem, devem entretanto ser cultuadas,
para evitar que se vinguem, fazendo o mal. Da deriva o
Os vivos, do lado de c, comenta Dom Boaventu- mais completo amoralismo, pela negao da distino en-
ra Klopenburg no dispem de meios eficientes que pos- tre o bem e o mal, fundamento de toda a moralidade.*
sam causar a manifestaes de espritos do lado de l, *A antroplogo Vagner Gonalves da Silva, que
isto , do mundo para alm da natureza humana ou para apresentou uma tese na Universidade de So Paulo sobre
alm da morte. Do lado de l, porm, existem espritos o Candombl discorrendo sobre as religies afro-brasi-
malignos que teriam muito interesse em perturbar , trans- leiras, afirma: Nessas religies no existe o conceito de
tornar e perverter os do lado de c. No o podem fazer bem e de mal e por isso so mal-compreendidas (Folha
vontade, porque sua liberdade limitada pela permisso de S. Paulo, 29-7-92).
divina, e Deus no o permite facilmente. Infelizmente, o nmero de pessoas mesmo
Espiritismo faculta ao demnio o ambiente mais catlicas que recorrem a trabalhos, despachos (ou
propcio para que o esprito satnico possa se manifes- seja sacrifcios oferecidos ao demnio sob a invocao
tar: Todas as disposies objetivas e subjetivas a esto. de divindades pags) para solucionar seus problemas,
Nada, absolutamente nada falta para que o demnio se satisfazer suas paixes ou ambies, e mesmo prejudi-
sinta vontade e em casa prpria. Dir-se-ia que o cen- car outros, cada vez maior. E isso em todas as classes
tro esprita e principalmente o terreiro de Umbanda o sociais; por exemplo, nos ltimos anos, por ocasio das
domiclio de Satans, como o templo cristo a casa do eleies para preenchimento de cargos polticos em todos
Senhor, conclui o mesmo prelado. (Frei Boaventura KLO- os nveis, grande nmero de candidatos recorreu publica-
PPENBUJRG O.F.M., Atuao do Demnio no Espiritismo, mente a pais-de-santo, mdiuns videntes, etc., conforme
pp. 113-122.) noticiou a imprensa.
No h, pois, dvida de que as prticas supersti- Ex, entidade qual se oferecem os sacrifcios
ciosas espritas o homem sob a influncia de Satans e nesses cultos, no outro seno o prprio demnio con-
podem conduzir at forme demonstra Dom Boaventura Kloppenburg, citando
possesso. O demnio observa o Cardeal Ale- livros umbandistas: Toda e qualquer reunio de Umbanda
xis Lepiquando um homem colabora com ele em prticas inicia com um presente oferecido ao Exu agente mgico
supersticioimente exerce sobre esse indivduo a mais universal, por cujo intermdio o mundo dos vivos se co-
ornei e implacvel E chama a ateno pan as prticas munica com o mundo espiritual, em seus diversos planos
espritas: No pode balda de que atuar como mdium (Doutrina e Ritual de Umbanda, Rio, 1951, p. 117).... E no
o mesmo que expor-se aos da obsesso diablica ... Re- se diga que o culto de Exu exclusivo da Quimbanda, da
correr a um mdium , pois, equia cooperar na obsesso Macumba, do Candombl ou do Batuque. E faz descrio
de uma pessoa (Cardeal A. LEPICIER, O Mundo invisvel, do livro O Espiritismo e a Lei de Umbanda, de A. Fontenel-
pp. 287, 222-223.) le, sacerdote de umbanda, o qual afirma: Na Umbanda os
Por isso o prprio Deus, no Antigo Testamento, con- Exus so constantemente invocados e trabalho algum
denou a indos mortos: No se ache entre vs ... quem comeado sem que sejam salvadas (isto reverencidas)
consulte pitonisas adivinhos, ou indague dos mortos a essa entidades (p. 12).
verdade. Porque o Senhor abomina todas estas coisas e Prossegue o bispo de Nova Hamburgo: O Sr. Alu-
por tais maldades exterminar estes povos tua entrada sio Fontenelle ... e outros doutrinadores de Umbanda,
(Deut 18 , 10-12). identifica sem mais os exus com o que ns catlicos de-
Tudo isto mostra o perigo extremo em que se colo- nominamos demnios (p. 93, 103-116) onde descreve a
cam aqueles que recorrem a prticas espritas. histria da revolta dos anjos, chefiadas por Lcifer: estes
anjos revoltados so os exus).*
Macumba, Candombl, Umbanda... *Frei Boaventura KLOPPENBURG, A Demonolatria
nos Terreiros de Umbanda, pp. 139-I40.
Juntamente com o espiritismo, a macumba, o At mesmo um dicionrio corrente da lngua por-
candombl, a umbanda, esto amplamente difundidas no tuguesa, o chamado Dicionrio Aurlio, assim define:
Brasil; nelas freqente o recurso ao demnio, sob no- Ex (Do ioruba) S.m. 1. Bras. Orix que representa as
mes africanos de supostas entidades espirituais. potncias contrrias ao homem, e assimilado pelos afro-
A macumba, o candombl e a umbanda so dife- baianos ao Demnio dos catlicos, porm cultuados por
rentes formas de sincretismo de ritos e crenas pags eles, porque o temem; 2. Bras. NE. v. Diabo.
africanas com elementos externos do Cristianismo (ima- As pessoas que se envolvem com as prticas de
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macumba, candombl e umbanda podem estar certas de xo demonaco, especialmente quando diretamente busca-
que ao prprio demnio a quem esto recorrendo, sob das ( NOLDIN-SCHMITT-HEINZEL, loc,. cit).)
nomes exticos. E no poderia ser de outro modo, visto Bem entendido, os demnios no tm poder de co-
que os nicos seres inteligentes que existem no Universo nhecer o futuro propriamente dito o chamado futuro
so alm do prprio Deus, obviamente os anjos, contingente ou futuro livre, isto , os fatos cuja ocorrncia
os demnios (que so anjos decados) e o homem. Se o depende da vontade de Deus e do livre arbtrio dos ho-
homem recorre a outros seres inteligentes superiores a mens. Estes, nem os anjos do cu o conhecem (cf. Mc 13,
ele e que no so nem Deus nem os anjos, s pode estar 32). Mas, sendo seres superiormente inteligentes podem
recorrendo aos demnios. deduzir qual ser o desfecho de acontecimentos causas,
uma vez postas, chegaro a seu termo de determinado
Outras prticas supersticiosas modo: o chamado futuro necessrio. Ele prev este fu-
turo do modo que um cientista que conhece as leis da sua
Outras prticas supersticiosas tambm muito cor- cincia - as quais so como que mistrios para o comum
rentes em nossa ptria so: a adivinhao, a astrologia, a dos homens, e mesmo para homens instrudos, porm
quiromancia, o uso de amuletos e as simpatias. no especialistas naquelas matrias e sabe o que
Adivinhao, Astrologia, Quiromancia ocorrer de acordo com essas leis. Assim, lanada urna
Pela adivinhao procuram-se conhecer as coisas semente terra, ela cumprir seu ciclo germinativo em
ocultas, que por meios naturais no se poderiam saber, determinadas condies e, se no houver fatores adver-
tanto atuais quanto passadas ou futuras. O caracterstico sos, produzir necessariamente a planta correspondente,
da adivinhao o querer chegar ao conhecimento de no tempo certo; o mesmo quanto ao desenvolvimento de
algo, no por um esforo racional, mas pelo emprego de certas doenas, etc.
um artifcio, de um meio extraordinrio no bem explica- Sempre, naturalmente, Deus pode intervir para
do. Em ltima anlise, pela ajuda de foras extrnsecas frustrar os clculos do demnio, mas normalmente Ele
e superiores ao homem. Essas foras, como lgico, s permite que as causas naturais produzam seus resulta-
poderiam provir de Deus e dos anjos; ou, por permisso dos. Da o acerto das previses do demnio.
divina, dos demnios. Como isto equivale a querer obri- Sem falar que o Pai da mentira pode anunciar um
gar a Deus a satisfazer a curiosidade ou o capricho do fato extraordinrio que ele mesmo vai produzir e que por
homem, certo que Ele no atende a tais pedidos, nem isso prev com tanta segurana...
diretamente, nem por meio dos anjos. Logo, essas foras Porm, aquilo que depende da vontade de Deus ou
sobre-humanas s podem provir do demnio.: A essncia da liberdade dos homens escapa inteiramente de suas
da adivinhao consiste no comrcio com os demnios capacidades de previso.
ensinam os telogos jesutas Noldin e Schmitt. (H. Toda forma de adivinhao constitui uma supers-
NOLDIN S.J. - A. SCHMITT S.J. - G. HEINZEL S.J., Summa tio e uma invocao ao menos implcita ao demnio;
Theologiae Moralis, II, pp. 138-155 (Quest. terceira: Peca- por isso sua utilizao mesma ilcita; em outro termos,
dos contra a religio ). Neste capitulo seguimos de perto constitui segundo a Moral catlica um pecado, de
estes respeitados telogos-moralistas cuja obra goza de si grave.*
merecido prestigio entre os especialistas.) *Aqueles que consultam adivinhos ou ciganos, pe-
A adivinhao pode ser realizada com a invocao cam gravemente se o fazem com firme f ou com escn-
expressa dos demnios (pacto explcito) ou pela invoca- dalo de outros, venialmente se apenas por curiosidade.
o implcita ou ttica (pacto implcito). (NOLDIN-SCHMITTl-HEINZEL, loc. cit.).
A expressa invocao ocorre quando se invoca di- A astrologia, atravs do horscopo, pretende dedu-
retamente o demnio ou se faz com ele um pacto formal zir da conjuno dos astros, no momento do nascimento
mediante o qual, postos certos sinais, se produziro cer- de determinada pessoa, seu destino e seu comportamen-
tos efeitos; para que se estabelea este pacto divinatrio, to. No h proporo entre as causas invocadas (a con-
no necessrio que o demnio de fato responda, mas juno dos astros), e os efeitos que se quer obter, ou seja
basta que seus efeitos se sigam. Ou seja, que se chegue a predio de fatos relativos a uma pessoa que dependem
ao conhecimento daquilo que se pretende adivinhar. da vontade livre e da providncia divina.
Entende-se que ocorreu invocao implcita ao de- O mesmo deve-se pensar da quiromancia
mnio quando algum, para conhecer algo, usa de meios adivinhao pelo exame das linhas da palma das mos
ineptos para essa finalidade, os quais como ficou aci- como de qualquer outro tipo de prticas divinatrias:
ma explicado nem pela natureza, nem por instituio cartomancia, tar, bzios, etc.
divina ou eclesistica tm a fora d produzir os efeitos
desejados.( As Gnoses modernas que seguem tesofos e Amuletos, mascotes, simpatias
antropsofos e as tcnicas de meditao e concentrao
industas (Ioga, budismo) que buscam conhecer coisas Amuletos so pequenos objetos que algum traz
superiores natureza humana no esto isentas de influ- consigo ou guarda, por acreditar em seu poder mgico de
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dar sorte ou proteger contra perigos: figas, trevos, ps de algum seu poder. A Histria nos mostra que o demnio
coelho, ferraduras, etc.; mascotes so animais aos quais conservou, sem dvida com a permisso de Deus, nas
se atribui o mesmo poder: cachorrinhos, gatinhos, etc.; naes ainda pags, o poder que ele tinha outrora no
simpatias so certas prticas supersticiosas,* ou objetos mundo idlatra; em conseqncia, ele teria, em certos
usados supersticiosamente, para proteger o homem de casos, poder e permisso de proteger seus adeptos, que
doenas ou para cur-las. lhes so fiis, e tambm de punir aqueles que se deram
*So Francisco de Sales, bispo de Genebra, diz em a ele, quando eles desobedecem a seu senhor. Como o
suas Constituies e Instrues sinodais, que h supers- homem composto de um corpo e de uma alma, Deus
tio todas as vezes que se pe toda a eficcia nas pala- se serve de Sacramentos e de sinais exteriores para lhe
vras, por santas que sejam, ou em qualquer circunstncia dar sua graa e o proteger: do mesmo modo o demnio,
v e intil, como crer que, para curar um doente, seja pre- que por orgulho e por dio e vingana quer imitar ou ao
ciso dizer trs Padre Nossos antes de o sol se levantar (cf. menos macaquear os sinais exteriores, usa de amuletos,
L. ROU RE, Superstition, cols. 1563-1569). etc. para chegar aos seus fins . ( LAmi du Clerg,n
Como nos casos anteriores, no se pode esperar 35 (1902), p. 763.)
sria e racionalmente que esses objetos, esses animais
ou essas prticas possam impedir males, curar doenas O uso de cruzes e medalhas
ou dar sorte na vida. Se se der um crdito real a essa
pretensa ao protetora dos amuletos e mascotes e efi- Caso muito diferente o uso de cruzes, medalhas,
ccia das simpatias (no por mera brincadeira, por sinal escapulrios e outros objetos bentos, assim como a prti-
perigosa, pois o demnio pode infiltrar-se nela) teremos ca de exerccios piedosos, como novenas, etc.
mais um caso de invocao implcita ao demnio. Aqui no se est atribuindo a esses objetos e pr-
ticas uma eficcia que eles de si no tm, nem se preten-
Corpo fechado de atrair o divino por meio de procedimento meramente
natural. Trata-se de confiana nas oraes da Igreja, que
Outra prtica supersticiosa consiste no recurso benzeu esses objetos e aprovou essas prticas, como
a feiticeiros (ou pais-de-santo) para obter aquilo que se tambm na proteo de Nossa Senhora ou do Santo cuja
chama corpo fechado, isto , a invulnerabilidade a agres- medalha se usa e cuja novena se faz, em sinal de de-
ses com armas brancas ou armas de fogo. voo.
Essas pessoas, mesmo que no tenham inteira No se atribui ao uso desses objetos nem a essas
conscincia disso, esto recorrendo ao demnio, de for- prticas um valor infalvel e imediato, mas apenas se de-
ma pelo menos implcita, conforme j ficou explicado. E o posita neles uma confiana razovel, que a f em Deus e
demnio pode atend-las (se Deus o permitir para castigo na Igreja permite, relacionando tudo com a salvao eter-
dessas mesmas pessoas), desviando os golpes e tiros ou na, que o que mais importa.
impedindo seu efeito.
maneira de ilustrao, transcrevemos a consulta Ser que o malefcio pega?
feita por um missionrio francs no Oriente, no comeo
deste sculo, a L- Ami du Clerg conceituada revista Os meios preventivos contra o malefcio so os
eclesistica e a respectiva: mesmos antes indicados em relao tentao, infes-
O que os Srs. pensam do seguinte fato, do qual fui tao e possesso: vida sacramental, vida de piedade,
testemunhar ocular? uso de objetos bentos, etc.
Um pago desferia golpes de sabre sobre um de Uma vez produzidos os efeitos do malefcio, pre-
seus correligionrios. O sangue deveria brotar em abun- ciso aumentar as oraes, sacrifcios e pode ser que seja
dncia; ora, o pago assim golpeado tinha apenas algu- necessrio, em certos casos, recorrer aos exorcismos.
mas manchas negras sobre o corpo, a lmina do sabre Frei Severino Gisder O.F.M. indica o estado de es-
no conseguia penetrar na carne. prito que devemos ter diante das maldies e dos ma-
Os pagos presentes atriburam isto aos numero- lefcios:
sos amuletos levados por aquele que recebeu os golpes. No se tenha medo da maldio injustificada ou
O demnio teria, em certos casos, recebido per- gratuita. Ela no atinge sua meta! Pelo contrrio, no ra-
misso de proteger seus adeptos neste mundo, com a ras vezes tal maldio recai sobre quem a proferiu. Leia
condio de tortur-los no outro? o Salmo 9, 16: Pereceram no fosso que eles mesmos
A revista, depois de dizer que difcil se pronunciar abriram, e na armadilha que armaram prenderam os pr-
sobre o caso concreto, assim distncia, d entretanto a prios ps. Ou veja o Salmo 7, 15-17: Eis que o (mpio)
soluo em doutrina: concebeu iniqidade e est cheio de malcia e d a luz
O fato em questo, por mais extraordinrio que fraude. Abriu e cavou urna cova, e caiu na prpria cova
seja, no nos espanta, e ns seramos levados a crer que que fez. Sobre sua prpria cabea recair a sua maldade,
ele vem do demnio, porque no ultrapassa de modo e sobre a sua fronte voltar a sua violncia.
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Os assim chamados despachos da macumba in- sapareciam do mesmo modo como tinham vindo: voando
cluem, via de regra, uma maldio em termos de querer pelos ares montados em um cabo de vassoura, ou a cava-
fazer mal a algum. Tais despachos ou feitios de bruxa- lo sobre um bode ou algum outro animal imundos; outro a
ria, ser que podem fazer mal ou prejudicar? Deles vale p, mas numa velocidade vertiginosa que ningum podia
o que dissemos da maldio gratuita: Procura viver na acompanhar.
graa santificante, isto , na intimidade de Deus e nada As descries variam um pouco quanto ao cenrio
sofrers. Quem no deve, no teme. (Fr. S.GISDER O.F.M., onde se realizavam essas reunies e quanto ao cerimonial
Bno e Maldio, pp. 10-11.) observado, mas so concordes nas linhas gerais: no cen-
Se a regra geral esta apontada pelo piedoso fran- tro do local armava-se um altar sobre o qual colocavam
ciscano que a maldio ou o malefcio no atingem um dolo (em geral um demnio com forma humana e
a pessoa em estado de graa no entanto, muitas ve- cabeas e ps de bode, ou de um sapo imenso). Todos vi-
zes Deus permite que a pessoa virtuosa seja atingida por nham prestar-lhe homenagem, ador-lo, beijar-lhe os ps,
tais prticas malficas para sua provao. A o caso de as mos, e outras partes do corpo menos honrosas; outras
recorrermos s bnos e aos exorcismos: A maldio vezes no era um dolo, e sim o prprio Satans sob
pode ser neutralizada ou desfeita pela bno! expli- forma visvel que se sentava em um trono sobre o altar.
ca Frei Severino. Todos tinham que trazer-lhe uma oferenda. Esses atos de
culto e vassalagem eram prestados no terror e no tremor
e aqueles que assim se entregavam ao diabo sabiam que
Sabs e Missas negras se quisessem se subtrair sua tirania, seriam cruelmente
castigados por ele.
Havia nos sabs prazeres destinados a satisfazer
Que o seu sangue caia sobre ns os mais baixos instintos especialmente a gula e a
e sobre nossos filhos. sensualidade por meio de banquetes, orgias, danas
(Mt 27,25) e luxria.
Np banquete eram servidos pratos repugnantes:
Sabs: descries carne de cavalo, de cachorro, de gato e, s vezes, at car-
ne humana, sobretudo de crianas ainda no batizadas,
Pelo nome de sabs se designavam as reunies cujos sangue era chupado ou bebido.
de magos, bruxos, feiticeiras bem como daqueles que As danas comeavam ao som de msicas disso-
queriam consagrar-se ao demnio sob a presidncia nantes, barulhentas, agitadas, arrancadas de instrumen-
do prprio prncipe dos infernos.(Seguimos aqui de perto tos bizarros (um pedao de pau qualquer, uma queixada
o capitulo VII (Le demonisme dans les sabbats) da srie de cavalo, ossos humanos ou de animal, etc), que imita-
de artigos sobre demonismo, publicada pela conceituada vam flautas agudas, tambores ensurdecedores, guitarras
revista eclesistica france,LAmi du Clerg (n 45 [1902] estridentes, aos quais se juntavam as vozes roucas ou
pp. 993-997). penetrantes dos demnios e dos bruxos e bruxas, tudo
No existe acordo quanto origem do nome sab: num ritmo frentico, alucinante. Quanto mais a msica
uns dizem que foi tomado do hebrico shabbath, que era discordante, mais as danas se tomavam voluptuosas,
designava o dia repouso dos judeus, porque o demnio fazendo girar os danarmos num turbilho incontrolvel,
gosta de macaquear as obras de Deus; outros procuram a como nas danas giratrias sagradas dos dervixes turcos.
etimologia no grego sabadzios, que em latim deu Bacchus Muitos estavam completamente nus e outros sumaria-
- Baco, o deus do vinho e das orgias. Os sabs seriam mente vestidos. Em suma, tudo se assemelhava a um mo-
ento a continuao dos abominveis e vergonhosos mis- derno show de Rock n Roll, em especial de Hard Rock.
trios do paganismo. Seguiam-se as mais asquerosas prticas de depra-
Muitos so os pontos obscuros e misteriosos em vao sexual, de bruxos e bruxas entre si, em ligaes
torno dos sabs, que os seus participantes (e o prprio de- hetero ou homossexuais, e tambm com animais e com
mnio) tinham interesse em que no fossem conhecidos. os prprios demnios, que para tal assumiam formas hu-
Essas reunies se realizavam no meio das flores- manas.
tas, no alto dos montes, numa plancie ou praia deserta e Essa exploso da luxria era acompanhada de
outros lugares ermos inspitos, na noite de quarta para uma exploso inaudita de impiedade, com a pardia
quinta-feira, ou de quinta para sexta-feira ou, enfim, mais mais sacrlega das prticas e devoes crists. Em lugar
freqentemente, da sexta-feira para o sbado. Vigias eram da gua-benta, aspergia-se os assistentes com urina;*
colocados para evitar que algum profano se aproximasse, crianas no recebiam o batizadas satnico, sendo-lhes
mas aconteceu algumas vezes de serem interrompidos imposto, sendo-lhes imposto um nome luciferino e dados
por pessoas vindas de fora, que faziam o sinal da cruz e padrinhos que garantissem sua educao no mal e sua
jogavam gua-benta, produzindo-se ento uma algazarra fidelidade ao demnio; se j eram batizadas, o demnio
indescritvel e em poucos instantes os participantes de- procurava raspar com suas garras o carter do Batismo
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e as rebatizava. Faziam-nas jurar fidelidade ao demnio, Egon vou Petersdorf (que foi ocultista, antes de
e renunciar a Deus, a Jesus Cristo, Virgem Santssima, sua converso ao Catolicismo), falando sobre os sabs,
aos anjos e santos; prometiam jamais se confessarem, a explica em seu livro Demonologia que a finalidade para a
no ser que fosse para o fazerem sacrilegramente, nem qual as bruxas utilizavam os unguentos e poes alucin-
comungar, seno para profanar a hstia consagrada ou genas era justamente essa de facilitar, por meio do transe
lev-la escondida consigo para rituais satnicos; mais tar- alucinatrio, um contacto mais rpido com o demnio.*
de, o iniciado era confirmado, recebendo novos padrinhos Com efeito, o alucingeno perturba o funcionamento da
e prometendo trazer novos adeptos ao culto de Satans. inteligncia e da vontade, potncias que garantem a liber-
*O demnio, em seu desespero de anjo rprobo, dade interior do homem e assim oferecem uma barreira a
um ser apalhaado, debochado, que no recua nem dian- ao do Maligno. Por isso, o uso de alucingenos muito
te dos maiores prosaismos ou obscenidades, para aviltar comum em meios ocultistas, para facilitar o contacto com
o homem, a quem despreza, e ofender a Deus, a quem o demnio. E aqui fica uma pista muito curiosa sobre um
odeia. aspecto pouco divulgado do consumo e trfico de drogas,
Os Mandamentos eram assim recitados: Adorars mas que revela a que profundidades conduzem, ou seja,
Lcifer como verdadeiro deus e no amars a ningum sua ligao com o satanismo. (No prximo captulo vere-
seno a ele. Blasfemars assiduamente o nome de Jesus. mos uma noticia ligando diretamente o trfico de drogas
Cometers sem dificuldade a fornicao e o adultrio. Co- ao satanismo a propsito de crimes rituais na cidade de
biars a mulher do prximo e tambm as coisas alheias, Matamoros, no Mxico.)
etc. A Saudao anglica (Ave-Maria) era dirigida futura *Cf. E. von PETERSDORF, Demonologia, p. 143.
me do Anticristo. Do ponto de vista teolgico, nada impede que o de-
Nos sabs, o demnio ensinava aos magos, bru- mnio transporte bruxos e feiticeiras pelos ares at o local
xos e feiticeiras os segredos da fabricao de beberagens da infame reunio. Pois, como anjo (decado, verdade,
para os mais diversos efeitos mgicos: provocar a morte mas que no perdeu os poderes prprios sua natureza),
ou a loucura nas pessoas, nos antimais; filtros de amor e o demnio tem capacidade para isso. E a prova est na
outros malefcios. prpria Escritura, onde se narra como o profeta Habacuc
Freqentemente o sab se encerrava com uma foi levado pelos ares por um anjo, desde a Judia at a
Missa negra, da qual os ocuparemos adiante. Babilnia, para alimentar o profeta Daniel, que tinha sido
lanado em uma cova de lees (Dan 14, 32-35); e como o
Exame doutrinrio prprio Salvador deixou-se transportar pelo demnio, do
deserto onde jejuava, at Jerusalm e ser depositado so-
H discusso entre os Autores sobre vrios desses bre o pinculo do Templo, para ser tentado (Mt 4, 1-5).
pontos. Ademais, a opinio de que as feiticeiras voavam
corporalmente por obra do demnio foi tida como certa
1 Se as bruxas se transportavam pelos ares e durante sculos por homens srios e cultos para que se
participavam fisicamente desses sabs. possa pr em dvida. Santo Afonso de Ligrio (1696-
1787), em sua Teologia Moral, escreve o seguinte: Advir-
No que diz respeito a se de fato as bruxas se trans- ta-se que opinio comum de que h feiticeiras que com
portavam realmente pelos ares para essas assemblias, a ajuda do demnio so transportadas corporalmente de
depois de aplicarem ao corpo um ungento mgico, ar- um lugar para outro: a opinio contrria, que defenderam
gumentam alguns que esse ungento era composto de Lutero, Melanchton e alguns catlicos, muito pernicio-
ervas alucingenas, que produziam nelas a sensao de sa para a Igreja. (Santo AFONSO, Teologia Moral, in D.
estarem voando e de praticarem o que acima ficou des- NEYRAGUET, Compendio Moral de S. Alfonso Maria de
crito; tudo no passaria, nesse caso, de uma alucinao Ligorio, p. 130.)
provocada por essas substncias.
Tanto mais, dizem eles, que muitas bruxas confes- As duas opinies, entretanto, podem conciliar-se.
saram ficar em dvida sobre se de fato tinham tido uma
participao fsica no sab, ou apenas em imaginao. Os frades dominicanos H. Kramer e J. Sprenger jul-
Muitas bruxas, tambm, foram encontradas em suas ca- gam, com base em sua experincia de inquisidores, que
mas, no momento em que deviam estar nos sabs. Em umas vezes os bruxos e feiticeiras so fisicamente trans-
sentido contrrio, foi verificado que outras realmente portados pelos ares para os sabs, e outras vezes parti-
tinham desaparecido aps untarem seus corpos com o cipam deles apenas em esprito, por meio de alucinaes
ungento, e mesmo, um inquisitor, prometendo a uma fei- que o demnio provoca em sua imaginao e ao sobre
ticeira o perdo, obteve que ela voasse, em sua presena seus sentidos.(Cf. H. KRAMER - J. SPRENGER, O Martelo
e na de diversas testemunhas, por uma janela afora, aps das Feiticeiras, pp. 223-231. )
induzir-se com o ungento e invocar o demnio. Ela foi
encontrada cada em um campo lguas adiante.
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2 Comrcio carnal com os demnios tia, q. 6, art 8; Suma Teolgico, 1, q. 51, a, 3, apud LAmi
du Clerge, n 48 (1902),p. 1065, n. 1.) E responde que
Segundo a conceituada revista eclesistica france- este, no tendo potncia divina, no pode criar, e, sendo
sa LAmi du Clerg no se pode negar a possibilidade um esprito, no pode criar, e, sendo um esprito, no pode
do comrcio carnal entre homens e demnios: Digamos engendrar. Mas, conclui que parece que ele pode gerar,
mesmo que impossvel negar esse gnero de fatos, no com smem seu, evidente, mas indo busc-lo em
aps o testemunho to numeroso, claro e convincente algum homem e infudindo-o na mulher. Dessa forma, diz o
dos Santos Padres. Baste-nos citar as palavras de San- Doutor Anglico, a criana assim concebida no gerada
to Agostinho: Os fatos de demnios ncubos ou scubos pelo demnio, mas sim por um homem, indiretamente e
so to mltiplos que no se poderia neg-los sem im- de modo artificial.(As modernas experincias de fecunda-
prudncia: a autoridade de tantos personagens graves, o artificial (obviamente desconhecidas do Santo Doutor
as narraes de fatos indiscutveis tanto entre os povos medieval) mostram que sua hiptese est perfeitamente
civilizados quanto entre os brbaros, as confisses, enfim, conforme com a cincia.)
de vrios milhares de pessoas devem ser tomadas em
considerao (De Civit. Dei, XV). (L Ami du Clerg, Le Missas negras
Demonisme, 1902, p. 1065.) Ainda no sculo XVIII o
chamado Sculo das Luzes... tal prtica confirmada Durante os sabs, freqentemente havia uma pa-
por autores srios e doutos como Fr. Charles-Ren Billu- rdia da Santa Missa, oficiada por um demnio ou por
art, O.P. (1685-1757), clebre telogo francs, e Santo de seus sacerdotes ou sacerdotisas; ou ento uma Missa
Afonso Maria de Ligrio (1696-1787), sacrlega, celebrada por um infeliz padre pervertido s
Doutor da Igreja. (Cf. F. C.-R. BILLUART, Soturno prticas satnicas, chamada correntemente Missa negra.
Sancti Tornae, V, p. 264; Santo AFONSO, Teologia Moral, in Todas as oraes e ritos eram invertidos ou detur-
D. NEYRAGUET, op. cit., p. 248.) pados blasfemamente. No Credo, por exemplo, dizia-se:
Quanto ao modo como se pode dar esse comrcio Creio em Lcifer e em seu filho Belzeb, concebido por
carnal com o demnio, certo que este, sendo puro es- Leviat, o Esprito Santo. Na elevao da hstia, quando
prito, no pode cometer atos de luxria. Entretanto, nada um padre havia realmente consagrado,* fazia-se uma al-
impede que ele faa bonecos aos quais d aparncia de gazarra terrvel, e se aspergia os assistentes com o san-
vida, apresentando-os ora sob de aspecto de homem (o gue de Cristo, e todos gritavam como os judeus na Paixo:
chamado demnio ncubo), ora de mulher Que o seu sangue caia sobre ns e sobre nossos filhos
(sbubo). para que sirvam de objeto de satisfao (Mt 27, 25). s vezes um punhal era enfiado dentro do
da luxria dos que ele se entregam.* clice e saa gotejando sangue; ou ento cravava-se uma
* Um grande conhecedor dessas matrias, o sbio hstia na cruz, e todos os participantes vinham transpas-
Cardeal Alexis Lepicier, explica o modo como um anjo (ou s-la, e acontecia s vezes de jorrar sangue dela.
um demnio, que anjo decado) procede para fabricar * Quanto validade da consagrao das espcies
tais bonecos de aparncia viva: H, na natureza uma to eucarsticas no contexto de uma Missa negra, os telogos
abundante variedade de elementos um anjo pode, por discutem; alguns afirmam, outros negam que se opere
uma hbil combinao e condensao desses elementos, realmente a transubstanciao.
dar-lhes a forma e at a cor dum corpo humano. De mais Em certas ocasies, na Semana Santa, crucifica-
a mais, no est fora do seu poder ir buscar nos animais, vam-se meninos que eram seqestrados, ou levados pe-
e at mesmo em certos casos em pessoas vivas, esses las prprias mes, elas mesmas feiticeiras, cravando-lhes
elementos, ainda que eles estejam distantes do lugar cravos nos ps e nas mos, coroando-os de espinhos e
onde tais fenmenos se produzem (Cardeal A. LEPICIER, transpassando-lhes o lado. Arrancavam-lhes o corao e
O Mundo Invisvel, pp. 76-77). outras vsceras, e com freqncia tambm os membros
Era com um boneco assim fabricado pelo demnio genital, que eram utilizados para malefcios.*
que as feiticeiras e os bruxos praticavam o ato carnal. E * Um dos casos histricos mais famosos, dos tem-
uma das razes para isso que o demnio despreza a pos modernos, envolvendo bruxaria e Missa negra, foi o
natureza humana e procura avilt-la de todos os modos.* chamado Caso Voisin, no qual esteve envolvida nada me-
* Segundo os moralistas, o pecado da resultante, nos do que a amante do rei Luis XIV, Madame de Mon-
sendo cometido com um ser que no da mesma espcie tespan. Essa favorita entrou em contato com a feiticeira
que o homem (pois se trata de um mero boneco animado Voisin e participou de uma Missa negra, oficiada por um
artificialmente pelo demnio), o pecado de bestialida- padre desviado, o Pe. Guibourg, com a finalidade de as-
de, anlogo ao que cometido com animais (cf. Santo segurar a paixo adltera do Rei. Em depoimento ao ma-
AFONSO, Teologia Moral in NEYRAGUET, op. cit., p. 248; gistrado e chefe de polcia La Reynie, a filha da feiticeira
BILLUART, Summa Sancti Tomae, t. V, p. 264). declarou o seguinte: O Pe. Guibourg apresentou na missa
So Toms de Aquino indaga se pode nascer prole de Madame de Montespan, por ordem de minha me, um
da unio uma de mulher com um demnio.(Cf. De Poten- menino parecendo ter nascido antes do termo. Ele o ps
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numa bacia, o degolou, derramou o sangue no clice, arranjos, feitios).
consagrou-o juntamente com a hstia, acabou a missa Os historiadores registram em diversas pocas
e depois tomou as entranhas do menino; no dia seguinte, casos pessoas de todas as condies Reis e nobres,
minha me levou tudo Dumesnit [outra bruxa], para ele simples burgueses ou camponeses - que se viram im-
destilar o sangue e, juntamente com a hstia, preparar um possibilitados de manter relaes conjugais, por efeito de
filtro que Madame de Montespan levou consigo. Esse malefcios. Em muitos desses casos, pode-se supor tra-
fato terrvel foi muito bem documentado, tendo em vista tar-se de fenmenos puramente naturais (doenas desco-
a importncia das pessoas envolvidas e, a partir de 1679, nhecidas, estados psicolgicos anmalos, etc.); em certo
durante dezesseis meses, foi analisado pelos magistrados nmero de vezes poder ter havido ao demonaca.
franceses, redundando na condenao morte de vrias
pessoas e no afastamento de Madame de Montespan da Lobisomem e outros seres fantsticos
Corte. (Bernardette de CASTELBAJAC, Les Messes Noires
au Grand Sicle, in Historia Hors Srie n35, 1974, p. Tema correlato com o que acabamos de expor
105). O sacrifcio de crianas em cerimnias demona- o relacionado com a realidade ou fantasia a respeito do
cas uma das constantes das prticas de bruxaria; hoje, alegado poder das bruxas de transformarem pessoas em
continuam a ocorrer, realizadas, em geral, no contexto da animais.
macumba, umbanda, etc., conforme veremos mais adian- Desde a Antigidade fala-se da possibilidade de
te, ao narrar os fatos passados em Guaratuba (Paran), homens serem transformados em bichos por artes mgi-
em 1992. cas. Assim, na Odissia. Homero (sc. IX a.C.) conta que os
At aqui, referindo-nos aos sabs, utilizamos sem- companheiros de Ulisses foram transformados em porcos
pre o verbo no passado. Uma pergunta, porm, se pe pela feiticeira Circe. J em tempos cristos mencionam-
inevitavelmente: uma vez que continuam a existir bruxos se casos de homens que, em consequncia de pacto com
e feiticeiras (embora quase no em esses nomes), no o demnio ou por efeito de algum feitio, transformam-se
continuaro a existir hoje tambm os sabs? ou so transformados em animais. Em relatos de mis-
H notcias de que sim: em vrios lugares da Euro- sionrios europeus na frica, no sculo passado e ainda
pa e dos Estados Unidos tm ocorrido reunies de feiticei- neste sculo, e tambm na selva amaznica, aparecem
ros, que se apresentam como tais, e chamadas por eles menes a feiticeiros pagos que se transformavam em
mesmos com o nome de sabs. Se tudo quanto ficou aci- animais para aterrorizar os padres e os neo-conversos.
ma descrito se passa nessas reunies, no h dados para Essa questo estudada por So Toms e outros
responder. Entretanto, muitas dessas prticas inegvel Doutores, os quais negam a possibilidade de o homem
que se do em contextos de bruxaria, macumba e outros ser transformado em animal. E isto por uma razo funda-
ritos satnicos. E mesmo fora desses contextos passam- mental, de natureza filosfica: a alma humana no pode
se coisas semelhantes, conforme se ver adiante. unir-se a um corpo como o de um bicho, que no ade-
Sendo assim, parece que se pode responder sem qado a ela.
hesitar pela afirmativa: continuam a ocorrer sabs, com Os testemunhos entretanto so numerosos e dig-
todo, ou quase todo o seu horror. nos de crdito para que se possa duvidar da realidade
dos fatos.
Destruio de colheitas, impedimento
da gerao, doenas Como explic-los, ento, luz da filosofia
e da teologia catlica?
Entre os poderes atribudos s feiticeiras est o de
causarem danos materiais e fsicos aos homens e ani- O mesmo So Toms assevera que o demnio pode
mais, ou desencadearem os elementos da natureza por deformar ao mximo os traos e os membros de um ho-
meio de artes mgicas e demonacas. mem, dando-lhe uma aparncia fantstica. No mais do
Ao tratarmos da magia e do malefcio, j dissemos que isso. Contudo, ele pode agir tambm sobre a fantasia
que se Deus o permitir (o que Ele faz com parcimnia) e os sentidos, quer da prpria pessoa, quer daqueles que
nada impede que demnio, atuando sobre os elementos a vem, de modo a que, por iluso, tanto ela se sente
fsicos e atmosfricos ou fisiolgicos e psicolgicos do transformada em bicho, como os demais tm a impresso
homem, provoque efeitos como a destruio de colheitas, de estar vendo um animal, ou um ser fantstico, meio ho-
impedimento da gerao, doenas desconhecidas, e ou- mem meio animal: um lobisomem, por exemplo. (Cf. Suma
tros. Isso ele opera para provocar impacincia no homem Teolgica, I,q.91; 105,a. ad 1; 114,a.4 ad 2.)
e faz-lo revoltar-se contra a Providncia divina. O caso Os inquisidores Henrique Kramer e Jac Sprenger
de J muito ilustrativo a este respeito. Outras vezes, analisam a questo e contam o caso de um homem que
porm, de provoca esses fenmenos extraordinrios para julgava transformar-se em lobo: de fato ele caa em sono
atender solicitao que recebe de feiticeiros, atravs profundo, e por ao do demnio sobre sua fantasia e sua
dos malefcios (tambm chamados despachos, trabalhos, sensibilidade, julgava que corria com os lobos, atacava e
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devorava crianas, satisfazia seus instintos com as lobas, riam ter obtido o que almejavam, por concesso de seres
etc. Na realidade, o demnio entrava em um lobo que fa- ou foras sobrenaturais.
zia todos esses estragos, de maneira a deixar vestgios Mas o homem atual, homem quase j do terceiro
daquela alucinaes. milnio, no teria necessidade nem de uma coisa nem
Relatam ainda outro caso, de uma jovem que, ten- de outra: bastar-lhe-iam a cincia e a tcnica, as quais,
do sido enfeitiada por uma bruxa, era vista por todos somadas ao seu trabalho, garantir-lhe-iam os elementos
como uma potranca, e ela prpria se via assim. Levada para a completa felicidade nesta terra: mquinas e apa-
presena de So Macrio, este sofria a iluso dos de- relhos para lhe reduzirem os esforos; remdios e trata-
mais e a via como ela era: uma bela moa. Rezando sobre mentos para conservarem a sade para o trabalho, e a
ela, o Santo fez com que cessasse o encantamento e a disposio, para o prazer.
jovem voltasse a se sentir e a ser vista normalmente. (H. Essa concepo materialista (e ingenuamente oti-
KRAMER - J. SPRENGER, O Maneio das Feiticeiras, pp. mista) contrasta com os fatos que se passam diariamente
153-154.) sob os olhos at do observador menos atento: ai esto
s vezes o demnio pode possuir um animal (um nas pginas dos jornais e nos noticirios da televiso, as
lobo por exemplo), e faz-lo realizar coisas fantsticas. Ele notcias de crimes hediondos, praticados fim de conseguir
pode, ainda, para obter seus desgnios perversos, formar de foras extra-naturais uma vantagem para si prprio, ou
um boneco de animal ou ser fantstico, do mesmo modo para terceiros, ou um mal para algum inimigo.
que, como vimos, pode fazer o boneco de um homem. ( Na realidade, ao mesmo tempo em que a cincia
Esta poderia ser uma explicao para certos seres fants- e a tcnica vo desvendando os segredos da natureza e
ticos como drages, mulas- sem-cabea, sacis-perers, despertando foras que o homem j quase no consegue
caiporas e outros tantos, assim corno fantasmas e assom controlar (basta mencionar aqui a engenharia gentica,
braes que, mesmo deixando de lado os exageros e fan- com a planejada produo em laboratrio de seres hu-
tasias da imaginao popular exaltada, no h dvida de manos que se pretende perfeitos e se receia sejam mons-
que de vez em quando se manifestam realmente.) truosos). Ao mesmo tempo em que isso se passa, uma
H inmeros casos histricos de animais misterio- imensa sensao de vazio espiritual deixa sem sentido
sos, que assolam certas regies dizimando o rebanho e todo esse processo, e faz o homem voltar-se de novo para
aterrorizando as populaes, sem que jamais se conse- algo que seja mais do que a prosaica realidade concreta.
guisse captur-los por meio de armadilhas, nem mat-los Na mesma poca em que a cincia e a tcnica pa-
com armas de corte ou de fogo: as lminas no penetra- recem no ter limites para progredir, as manifestaes de
vam em seus corpos e as balas de grosso calibre no lhes recurso a foras extra-naturais parecem maiores do que
causavam o menor dano. em qualquer outra poca precedente.
Um dos casos mais famosos foi o da besta feroz de
Gvaudan (regio da Frana) no reinado de Luiz XV (sc. O neo-satanismo
XVIII), que at hoje intriga os historiadores; supem alguns
que se tratasse de um lobo possesso pelo demnio. Satanismo literrio
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CONCLUSO E me pareceu que eles me temiam, pois fiquei
tranqila e sem temor de todos eles e se me esvaram
todos os medos que tinha at agora; verdadeiramente,
A RAINHA DOS ANJOS, pois, me deixaram tranqila. Porque, embora algumas
vezes os visse ainda, no lhes tive mais quase medo, pelo
TERROR DOS DEMNIOS contrrio, parecia que eles que tinham medo de mim.
Ficou-me um tal senhorio contra eles, a mim conferido
pelo Senhor de todos, que no tenho mais medo deles do
ENCERRAMOS AQUI o estudo que nos conduziu da que de uma mosca. Parecem-me to covardes que, vendo
maravilhosa realidade dos anjos de luz, tenebrosa dos que eu os desprezo, perdem a fora.
anjos decados; da fidelidade e amor enlevado a Deus dos Estes inimigos no sabem atacar seno aqueles
primeiros, revolta desesperada dos segundos; da solici- que lhes entregam suas prprias armas, ou quando o per-
tude dos anjos por ns homens, ao dio implacvel que mite Deus para maior bem de seus servos, que os ator-
nos tm os demnios. mentem. Aprouvesse a Sua Majestade que ns temsse-
Vimos os cuidados que devemos ter em relao mos a quem devemos temer e compreendssemos que
a toda forma de supertio, que uma porta de aces- nos pode vir maior dano de um pecado venial que de todo
so do Maligno, e a que grau de sujeio ao anjo do mal o inferno junto; os demnios s nos perturbam porque ns
pode chegar o homem, passando de um pacto implcito, nos perturbamos com aquilo que deveria nos aborrecer,
da mera superstio, ao pacto explcito, a um verdadeiro como questes de honra, de negcios e deleites. Porque
contrato com o demnio. E a se abre o abismo terrvel da assim eles nos combatem com as nossas prprias armas
possesso voluntria, da feitiaria, do malefcio, das Mis- que ns pomos em suas mos, em vez de us-las para
sas negras, dos ritos sacrlegos, os sacrifcios humanos... nos defender. ...
Vimos tambm o renascer do satanismo, conse- No entendo estes medos: as pessoas gritam
qncia do tremendo processo de descristianizao e de demnio! demnio!, enquanto poderiam gritar: Deus!
decadncia moral pelo qual passa a Humanidade. Deus! e faz-lo tremer. Sim, pois sabemos que eles no
podem se mover se o Senhor no o permite. (Santa TE-
Deve-se temer mais o pecado do que o demnio RESA, Livro de la Vida, Cap. 25, na. 20-22 in Obras Com-
pletas, pp 115-116.)
No devemos, entretanto, ter um medo cheio de
pnico do demnio. nem exagerar supersticiosamente As armas da luta
seus poderes (os quais, de lhe valem se Deus no con-
sentir que os utilize); mas guardar dele toda a distncia, Temos ao nosso alcance os meios de nos defender,
evitando qualquer forma de superstio; evitando sobre- quer da ao ordinria quer da extraordinria do demnio:
tudo o pecado: o pecado que nos torna vulnerveis a orao, a Confisso e os demais Sacramentos, os sacra-
ao do Maligno. mentais, as medalhas bentas, gua-benta; mas sobretudo
uma vida de piedade autntica e de f sincera.
Como dizem os santos, mais do que o demnio e Quando Deus permite uma ao mais intensa do
suas artes, devemos temer o pecado. Tentador, uma infestao, ou mesmo, em casos extremos,
a possesso, temos nos exorcismos, realizados com f e
A grande Santa Teresa de Jesus relembra esta ver- devoo por quem de direito, uma forma segura de liber-
dade com tal fogo e tal lgica, que convm transcrever tao.
suas prprias palavras: Devemos recorrer especialmente ao nosso Anjo
Se este Senhor (Jesus Cristo) to poderoso, da Guarda, aos trs gloriosos Arcanjos, So Miguel, So
como sei e vejo; se os demnios no so seno seus es- Gabriel e So Rafael.
cravos, como a f no permite duvidar, que mal me podem A So Jos, Patriarca da Sagrada Famlia, ao qual
fazer eles, se eu sou a serva deste Rei e Senhor? Antes, Deus nada recusa.
por que no me sentir to forte que seja capaz de enfren-
tar o inferno inteiro? Devemos sobretudo ter uma devoo
Tomando a cruz s mos me parecia que Deus sincera e enlevada para a
me dava coragem. Em breve espao de tempo me vi to Rainha dos Anjos, Terror dos demnios.
transformada, que no teria temido sair em luta com to-
dos os demnios, que me parecia que com aquela cruz Uma luta efetiva contra a ao demonaca no pode
facilmente venceria a todos; e lhes gritava: Avancem ser realizada sem a especial ajuda e patrocnio da Sants-
agora! Sendo eu a serva do Senhor, quero ver o que me sima Virgem. Por sua dignidade de Me do Redentor, seu
podem fazer! grau de unio com Deus, sua participao ativa na Paixo
do Salvador, como verdadeira Co-Redentora e Medianeira
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de todas as graas, Ela nosso apoio decisivo contra os tormentos.
anjos malditos que se revoltaram contra seu Criador. O que Lcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou
por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela de-
Maria, a mais terrvel inimiga que Deus sobedincia, salvou-o Maria pela obedincia (So Lus
armou contra o demnio Maria GRIGNION DE MONTFORT, Tratado da Verdadeira
Devoo Santssima Virgem. nn. 50-54.)
O grande apstolo da devoo marial, So Lus Invoquemos Maria Santssima, a Rainha dos Anjos
Grignion de Montfort, no seu clebre Tratado da Verdadei- e Terror dos demnios. Que Ela nos assista de um modo
ra Devoo Santssma Virgem, sintetiza de modo admi- especial para que, revestidos da armadura de Deus, pos-
rvel o papel nico de Maria na luta contra Satans: samos resistir s ciladas do demnio (Ef6, 11-17).
Maria deve ser terrvel para o demnio e seus se-
quazes, como um exrcito em linha de batalha, principal- E mandar os seus anjos
mente nesses ltimos tempos, pois o demnio, sabendo com trombetas e com grande voz,
bem que lhe resta pouco tempo para perder as almas, e juntaro os seus escolhidos
redobra cada dia seus esforos e ataques. Suscitar, em dos quatro ventos,
breve, perseguies cruis e terrveis emboscadas aos duma extremidade dos cus,
servidores fiis e aos verdadeiros filhos de Maria, que at outra .
mais trabalho lhe daro para vencer. (Mt 24, 31)
principalmente a estas ltimas e cruis perse-
guies do demnio, que se multiplicaro todos os dias
at o reino do Anticristo, que se refere aquela primeira
e clebre predio e maldio que Deus lanou contra a
serpente no paraso terrestre. Vem a propsito explic-la
aqui, para glria da Santssima Virgem, salvao de seus
filhos e confuso do demnio.
Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua
posteridade e a posteridade dela. Ela te pisar a cabea, e
tu armars traies ao seu calcanhar (Gen 3, 15).
Uma nica inimizade Deus promoveu e estabele-
ceu, inimizade irreconcilivel, que no s h de durar, mas
aumentar at ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna
Me, e o demnio; entre o filhos e servos da Santssima
Virgem e os filhos e sequazes de Lcifer; de modo que
Maria a mais terrvel inimiga que Deus armou contra
o demnio.