Fundamentos Historicos Da Educação
Fundamentos Historicos Da Educação
Fundamentos Historicos Da Educação
FILOSFICOS E SOCIOLGICOS
DA EDUCAO I
AUTORA
Priscila Turchiello
EDUCAO ESPECIAL
FUNDAMENTOS HISTRICOS,
FILOSFICOS E SOCIOLGICOS
DA EDUCAO I
AUTORA
Priscila Turchiello
Santa Maria | RS
2017
Ncleo de Tecnologia Educacional NTE.
Este caderno foi elaborado pelo Ncleo de Tecnologia Educacional da
Universidade Federal de Santa Maria para os cursos da UAB.
MINISTRO DA EDUCAO
Mendona Filho
PRESIDENTE DA CAPES
Abilio A. Baeta Neves
VICE-REITOR
Paulo Bayard Dias Gonalves
PR-REITOR DE PLANEJAMENTO
Frank Leonardo Casado
PR-REITOR DE GRADUAO
Martha Bohrer Adaime
COORDENADOR UAB
Reisoli Bender Filho
ELABORAO DO CONTEDO
Priscila Turchiello
REVISO LINGUSTICA
Camila Marchesan Cargnelutti
APOIO PEDAGGICO
Magda Schmidt
Simia Tussi Jacques
EQUIPE DE DESIGN
Carlo Pozzobon de Moraes
Mariana Panta Millani
Matheus Tanuri Pascotini
PROJETO GRFICO
Ana Letcia Oliveira do Amaral
Ministrio da
Educao
APRESENTAO
A
disciplina Fundamentos Histricos, Filosficos e Sociolgicos da Educao I,
do Curso de Licenciatura em Educao Especial, visa promover um exerccio
de reflexo crtica sobre os pressupostos que embasam o campo educacional.
Dessa maneira, o/a estudante encontrar nesse caderno didtico uma possibilidade
de anlise das linhas tericas da Educao que, a partir de referenciais histricos,
filosficos e sociolgicos, vo imprimindo modos de compreenso e organizao
da prtica educacional.
Para que se compreenda como isso vai sendo produzido enquanto aparato
terico, so apresentadas noes sobre histria, filosofia e sociologia da Educao
e como elas contribuem para que entendamos de que sujeitos e prticas falamos
no contexto da Educao. Tendo em vista que a intencionalidade de que o/a
estudante apresente, ao final da disciplina, condies de empreender uma anlise
crtica/filosfica da Educao, so abordadas as linhas tericas da Educao e esta-
belecidas relaes entre filosofia, cincia e Educao com o intuito de estabelecer
uma crtica que converse com as diferentes cincias.
Nesse nterim, a disciplina se prope a fazer um recuo histrico de modo a com-
preender como se configuram a Modernidade e a sociedade moderna, buscando
pressupostos que possibilitem pensar sobre a produo das noes de sujeito
moderno, escola moderna e infncia. Esse recuo considerado fundamental para
que possamos olhar para o presente e entender que relaes sociais, polticas,
econmicas e culturais ocorrem no mbito da Educao.
Cabe de antemo esclarecer que o modo de olhar para as questes que permeiam
a organizao deste texto est relacionado com o lugar de onde falo, ou seja, como
Educadora Especial. Essa ressalva importante, pois o que encontraro descrito
neste caderno diz respeito a algumas das possibilidades de afetar-se, analisar e
questionar os nominados Fundamentos da Educao como professora de Educao
Especial. E isso, de certa forma, pode se apresentar de maneira bastante diversa
para historiadores, filsofos, socilogos ou outros profissionais da Educao.
A autora desse caderno didtico licenciada em Educao Especial, Especialista
em Gesto Educacional, Mestre em Educao e Doutoranda em Educao pela
Universidade Federal de Santa Maria ufsm. Dentre suas experincias profissionais,
atuou como Professora de Educao Especial em Instituio Especializada, em Sala
de Recursos Multifuncional em Escola de Ensino Fundamental e como Docente
do Ensino Superior. Atualmente, desenvolve a funo de Professora de Educao
Especial/Atendimento Educacional Especializado no Instituto Federal de Educao,
Cincia e Tecnologia Farroupilha Campus Jaguari/RS. No campo da pesquisa, vem
desenvolvendo estudos na rea da Educao, com nfase em Educao Especial,
voltando-se para as temticas: Educao, Educao Especial, Educao Inclusiva e
Polticas Pblicas de Incluso. A autora membro dos Grupos de Pesquisa (CNPq):
DEC Diferena, Educao e Cultura; geppee Grupo de Estudos em Polticas
Pblicas e Educao Especial; e gipes Grupo Interinstitucional de Pesquisa em
Educao de Surdos.
ENTENDA OS CONES
Introduo 10
1.1 Grandes linhas tericas da filosofia, da sociologia e
da histria da educao 11
1.1.1 Linhas Tericas da Educao 15
1.2 As relaes entre filosofia, cincia e educao 35
Introduo 44
2.1 Sociedade moderna e modernidade 45
2.2 A constituio do sujeito moderno 51
2.3 O nascimento da escola moderna: processos de
escolarizao e disciplinarizao 56
2.4 A produo da infncia 62
CONSIDERAES FINAIS 66
REFERNCIAS 67
A
disciplina Fundamentos Histricos, Filosficos e Sociolgicos da Educao I
d incio ao processo de produo de conhecimentos, envolvendo as rela-
es entre as reas da Histria, Filosofia, Sociologia e Educao. Para tanto,
sero apresentados pressupostos gerais dessas reas de modo a contribuir para o
entendimento de suas interfaces com o campo da Educao Especial.
A primeira unidade do caderno didtico compreende uma leitura do que po-
demos entender a respeito das reas da Histria, Filosofia, Sociologia e Educao
e como vamos concebendo as prticas educacionais operacionalizadas nos con-
textos escolares. O que se apresenta uma das possibilidades de se compreender
as conexes entre essas reas, sendo uma leitura breve e geral das linhas tericas
e concepes que as embasam. Para tanto, a unidade organiza-se, primeiramente,
com a apresentao das principais linhas tericas da Educao, possibilitando o
entendimento das finalidades da Educao para a sociedade. Em seguida, discor-
re-se sobre as relaes entre Filosofia, Cincia e Educao, buscando as bases para
o estabelecimento de uma postura filosfica frente aos problemas educacionais,
de modo que a Educao seja tomada como uma atividade humana implicada em
concepes tericas e compreendida como uma prtica social.
10
1.1
GRANDES LINHAS TERICAS DA
FILOSOFIA, DA SOCIOLOGIA
E DA HISTRIA DA EDUCAO
O estudo do que convencionamos nomear como Fundamentos da Educao pos-
sibilita a realizao de um exerccio de anlise dos pressupostos tericos voltados
compreenso do campo educacional, tomando como referncia conhecimentos
histricos, filosficos e sociolgicos produzidos em diferentes contextos.
No que diz respeito Educao Especial, pode-se considerar que um olhar
atento para os Fundamentos da Educao possibilita analisar esse campo de saber
de modo que possamos perguntar sobre como passamos a signific-lo, a partir de
que referenciais, crenas, pensamentos, possibilitando pensar em diferentes formas
de estabelecer relaes sociais, culturais, polticas e educacionais com os sujeitos
que constituem seu pblico-alvo.
Para tanto, torna-se significativo refletir sobre o que entendemos por Educa-
o, histria, filosofia e sociologia, assumindo o que Chaui (2000) considera uma
atitude crtica, filosfica. Tal atitude permite que interroguemos de que maneiras
nos relacionamos com coisas, pessoas e situaes em nossa vida, negando-as,
aceitando-as, avaliando-as, afirmando-as. Com isso, temos condies de buscar, na
rea da Educao Especial, uma postura indagadora e problematizadora, que no
se limite ao senso comum, j que [...] nossa vida cotidiana toda feita de crenas
silenciosas, da aceitao tcita de evidncias que nunca questionamos porque nos
parecem naturais, bvias (chaui, 2000, p. 8).
Diante disso, deparamo-nos com a difcil tarefa de conceituar o que Educao,
histria, filosofia e sociologia da Educao. Para tanto, uma possibilidade para
comearmos a pensar a respeito a anlise etimolgica dessas palavras.
Educao uma palavra que apresenta conceitos diversos etimologicamente,
pode-se considerar sua origem a partir dos termos latinos educare, que significa
amamentar, criar, alimentar, e educere, que significa conduzir para fora, direcionar
para fora, fazer sair, modificar, tirar de. Nesse sentido, podemos pensar a ao de
educar a partir dessas duas vertentes: de um lado a ideia de conduzir, conferindo
uma direo, preparar; por outro lado, a ideia de oferta, doao que alimenta,
possibilitando o crescimento.
Cabe considerar, conforme Aranha (1996), que a Educao no pode ser pensada
como uma simples transmisso de heranas dos antepassados, pois diz respeito a
processos variveis pelos quais so criadas possibilidades de gestar o novo, rom-
pendo com o velho, de acordo com a organizao e funcionamento das sociedades.
Diante disso, preciso compreender a Educao como instrumento para realizao
da crtica de valores, crenas e concepes existentes.
No que diz respeito noo de histria e suas implicaes para a Educao, torna-
-se interessante considerar a origem da palavra histria, que nos remete ao antigo
termo grego historie, cujo significado refere-se a conhecimento atravs da investi-
gao. Entende-se que a histria uma cincia que se volta investigao de fatos
e processos ocorridos no passado da humanidade, permitindo-nos compreender o
presente. Assim, ao voltarmos nosso olhar para a histria da Educao, tomamos
como referncia lugares, pocas, povos, sociedades e indivduos e os modos como
foram organizadas e desenvolvidas as atividades humanas voltadas ao de educar.
12
sobretudo pela filosofia. Tratava-se de uma histria persuasiva, por um lado,
e teoreticista, por outro, sempre muito distante dos processos educativos
reais, referentes s diversas sociedades, diferenciados por classes sociais,
sexo e idade; distante das instituies em que se desenvolviam (a famlia, a
escola, a oficina artesanal e, em seguida, a fbrica, mas tambm o seminrio
ou o exrcito etc.); distante das prticas de educao ou de instruo, das
contribuies das cincias, sobretudo humanas, para o conhecimento dos
processos formativos (em primeiro lugar psicologia e sociologia).
4
termo do glossrio: Atribui-se ao filsofo grego Pitgoras de Samos (que
viveu no sculo V antes de Cristo) a inveno da palavra filosofia. Pitgoras
teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas
que os homens podem desej-la ou am-la, tornando-se filsofos (chaui,
2000, p.19).
14
da pedagogia francesa, terico fundador da sociologia da educao, considera que
os fins da educao devem ser determinados pela sociologia. A sua teoria define a
educao como bem social. Nesse mbito, a sociologia da Educao, voltada ao
conhecimento da sociedade, atenta escola enquanto instituio social de modo
a compreender suas relaes, investigando as problemticas educacionais em
dada realidade.
16
Educao como redentora da sociedade disseminou-se por diferentes pocas, fa-
zendo-se, de acordo com Luckesi (1994), presente ainda hoje, quando percebemos
que educadores imprimem a seus atos a iseno de comprometimento poltico.
Luckesi (1994) considera, ainda, que a perspectiva redentora est expressa
nas pedagogias nominadas como liberais: pedagogia tradicional; pedagogia
renovada progressivista e no-diretiva, ou pedagogia nova; e pedagogia tecni-
cista. Esta mesma classificao das tendncias pedaggicas liberais em relao
posio adotada acerca da relao dos condicionantes sociopolticos da escola
apresentada por Libneo (1985).
Ainda em torno desse olhar ingnuo a respeito das relaes entre Educao e
sociedade, fazemos referncia denominao de teorias no-crticas da Educao,
apresentada por Saviani (1994), nas quais ele posiciona: a pedagogia tradicional; a
pedagogia nova; e a pedagogia tecnicista.
Na sequncia, apresentam-se algumas consideraes acerca dessas tendncias
pedaggicas na prtica escolar. Antes disso, importante entendermos o que sig-
nifica a pedagogia liberal. Diferentemente do que comumente se pensa, o termo
liberal no diz respeito a avanado, aberto, democrtico; a chamada escola
liberal alude Educao proposta pelo liberalismo, vinculado ao sistema capita-
lista enquanto teoria poltica e econmica. Para esse sistema, deve-se priorizar a
liberdade e os interesses individuais da sociedade, no qual a propriedade privada
a nfase da organizao social (aranha, 1996; luckesi, 1994).
4
termo do glossrio: O capitalismo caracteriza-se pela abolio da servido,
preferindo a mo-de-obra assalariada, que, a partir do sculo xvii, se aglomera
nas fbricas das cidades e faz deslocar o eixo da economia do campo para a
cidade. Defende a economia de mercado, segundo a qual existe um equilbrio
natural decorrente da lei da oferta e da procura, o que reduziria a necessidade
de interveno do Estado. Essa teoria do Estado mnimo resulta do esforo
empreendido pela burguesia para se livrar do controle exercido pelos reis
absolutistas na gesto dos negcios.
Outras caractersticas da economia de mercado so a defesa da propriedade
privada dos meios de produo e a garantia de funcionamento da economia a
partir do princpio do lucro e da livre iniciativa. A estimulao do comrcio e
da indstria justifica o interesse pelo desenvolvimento cientfico e tecnolgico,
to bem representado pela Revoluo Industrial do sculo xviii (aranha,
1996, p. 136-137).
Apresentada uma viso geral sobre a pedagogia liberal, passemos agora s especi-
ficidades de suas tendncias:
pedagogia tradicional: Para essa tendncia, a pedagogia de cunho liberal tem
como caracterstica o acento no ensino de carter humanstico, na cultura geral.
A Educao volta-se realizao do aluno como pessoa, a partir de seu prprio
esforo. A relao entre professor e aluno considerada, de acordo com Aranha
(1996, p. 158), magistrocntrica, ou seja, o professor o centro, e a prioridade a
transmisso de conhecimentos. Nessa relao, segundo a autora, pode-se chegar
percepo de uma passividade do aluno, posicionado como receptor da cultura
tradicional. Alm disso, os contedos, os procedimentos didticos, a relao pro-
fessor-aluno no tm nenhuma relao com o cotidiano do aluno e muito menos
com as realidades sociais (luckesi, 1994, p. 55). E esses contedos so considerados
os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas geraes adultas repassados
ao aluno como verdades (libneo, 1985, p. 23).
Na sequncia, apresenta-se um quadro resumo da Pedagogia Liberal Tradicional,
organizado a partir dos pressupostos de Luckesi (1994) na obra Filosofia da Educao.
18
Fonte: NTE, 2017, baseado em Luckesi (1994, p. 56-57).
20
educao especial | Fundamentos Histricos, Filosficos e Sociolgicos da Educao I 21
Fonte: NTE, 2017, baseado em Luckesi (1994, p. 57-60).
22
educao especial | Fundamentos Histricos, Filosficos e Sociolgicos da Educao I 23
Fonte: NTE, 2017, baseado em Luckesi (1994, p. 60-63).
24
polticos portanto, a servio dessa mesma sociedade e de seus
condicionantes (luckesi, 1994, p. 41, grifos do autor).
3 saiba mais: O pedagogo francs Georges Snyders (1916) foi o primeiro a usar
a expresso pedagogia progressista, ttulo de um livro no qual se props a
pensar uma teoria que superasse a escola tradicional e a escola nova.
Como sabemos, toda sntese , do ponto de vista dialtico, uma realidade
nova que resulta de uma superao em que tese e anttese so negadas, mas
ao mesmo tempo conservadas. Assim, so negados os aspectos conservadores
da escola tradicional, bem como os excessos da escola nova, sendo depois
recuperados em nvel superior (aranha, 1996, p. 214, grifos da autora).
26
tradicional, que visa a aquisio de uma cultura suprflua, de
adorno, para os ricos, quanto a sonegao da cultura erudita
aos pobres, a educao progressista quer formar o homem pelo
e para o trabalho (aranha, 1996, p. 212, grifos da autora).
34
1.2
AS RELAES ENTRE FILOSOFIA,
CINCIA E EDUCAO
Para pensarmos as relaes entre filosofia, cincia e Educao, torna-se fundamen-
tal que possamos compreender que a Educao se refere a uma atividade humana
pautada em uma concepo terica. Por esse motivo, buscamos na subunidade
anterior tratar das linhas tericas que nos permitem compreender de que modo a
Educao tem sido embasada.
Na continuidade, procuraremos analisar de que maneiras a filosofia, como
atitude questionadora, problematizadora e crtica, volta-se para a Educao como
um problema filosfico, articulando-se filosofia, cincia e Educao. Cabe, tam-
bm, considerar que a Educao no deve ser pensada, de maneira restrita, como
processos de ensino e aprendizagem, e sim de maneira mais ampla, como processo
de desenvolvimento integral do homem (aranha, 1996).
Inicialmente, devemos considerar que a existncia de um vnculo entre filoso-
fia e Educao ocorre desde o surgimento da conscincia filosfica por parte dos
gregos em torno do sc. iv a. C. (hermann, 2015). A origem da filosofia atribuda
aos gregos, os quais instituram um modo especfico de pensar e expressar os
pensamentos que buscavam se afastar das interpretaes mticas dos fenmenos,
baseadas na interferncia do sobrenatural. O pensamento filosfico grego acabou
se disseminando pela cultura ocidental europeia, chegando ao Brasil a partir da
colonizao portuguesa. Para Chaui (2000),
36
Voltando a analisar a filosofia, olhamos para seu perodo nascente, com os gregos, e
devemos considerar que ela apresenta algumas caractersticas especficas: tendn-
cia racionalidade; tendncia a oferecer respostas conclusivas para os problemas;
exigncia de que o pensamento apresente suas regras de funcionamento; recusa de
explicaes preestabelecidas; tendncia generalizao (chaui, 2000). Com essas
especificidades, o pensamento filosfico grego nascente apresenta-se na histria
tendo como referncia quatro grandes perodos, os quais sero apresentados na
sequncia, tomando como base o estudo desenvolvido por Chaui (2000).
Antes de passarmos a focar nossos estudos nas consideraes acerca das relaes
entre filosofia e cincia, a partir da Modernidade, cabe ainda um pouco de hist-
ria para que possamos situar nosso pensamento. Para tanto, sero apresentados
brevemente os perodos histricos da filosofia (chaui, 2000):
Filosofia antiga (do sculo vi a.C. ao sculo vi d.C.): diz respeito aos quatro
grandes perodos da Filosofia greco-romana, j elucidados no quadro anterior,
abrangendo desde os pr-socrticos at o perodo helenstico.
Filosofia patrstica (do sculo I ao sculo vii): tem incio com as Epstolas
de So Paulo e o Evangelho de So Joo e termina no sculo viii, quando iniciou
a Filosofia medieval. Estreitamente vinculada atividade religiosa de evangelizar
e defender a religio crist, tem como representantes os apstolos Paulo e Joo e
os primeiros Padres da Igreja Crist, que buscavam a conciliao do Cristianismo
com o pensamento filosfico dos gregos e romanos. Apresenta-se em duas verses:
filosofia patrstica grega, vinculada Igreja de Bizncio); e filosofia patrstica latina,
ligada Igreja de Roma.
Filosofia medieval (do sculo viii ao sculo xiv): perodo em que a Igreja
Romana dominava a Europa. A partir do sculo xii, passa a ser conhecida como
Escolstica. Teve como principais influncias Plato, Aristteles e Santo Agostinho.
Considera-se que no perodo da filosofia medieval que surge a filosofia crist a
teologia, tendo como um de seus temas principais a busca pela provao da exis-
tncia de Deus e da alma.
Filosofia da Renascena (do sculo xiv ao sculo xvi): esse perodo marca-
do pela descoberta de obras de Plato ainda desconhecidas na Idade Mdia, bem
como de Aristteles, alm do acesso s obras de autores e artistas gregos e romanos.
As linhas de pensamento que marcaram a filosofia da Renascena foram: a pro-
veniente de Plato, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do Hermetismo;
a originria dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa a poltica ,
e defendia os ideais republicanos; a que propunha o ideal do homem como artfice
de seu prprio destino.
38
Filosofia moderna (do sculo xvii a meados do sculo xviii): Perodo consi-
derado como o Grande Racionalismo Clssico, cujas transformaes intelectuais
abrangem: o surgimento do sujeito do conhecimento; mudana do objeto do
conhecimento; a concepo da realidade como racional.
Filosofia da Ilustrao ou Iluminismo (meados do sculo xviii ao comeo do
sculo xix): perodo tambm crente razo, chamada de As Luzes. Nesse perodo
considera-se que pela razo o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade
social e poltica; a razo capaz de evoluo e progresso, e o homem um ser
perfectvel; o aperfeioamento da razo se realiza pelo progresso das civilizaes;
h diferena entre natureza e civilizao.
Filosofia contempornea (meados do sculo xix at os dias atuais): esse
considerado complexo e difcil de ser definido por conta das diferenas entre as
vrias filosofias ou posies filosficas que nos so apresentadas.
Apontados os perodos histricos da filosofia, deve-se considerar que em seu
perodo nascente essa no se distinguia da cincia; sua relao com a cincia passa
a sofrer algumas implicaes, especialmente a partir da Modernidade, quando, com
a revoluo cientfica do sculo xvii, ocorre a separao da filosofia e da cincia
(aranha, 1996).
Mas o que entendemos por cincia? H diferenas entre cincia e cincias?
Chaui (2000) expe que a cincia, grafada no singular, diz respeito a um modo e
a um ideal de conhecimento, enquanto que cincias, grafada no plural, trata das
diversas maneiras que se realiza o ideal de cientificidade, de acordo com os dife-
rentes fatos que so investigados e os mtodos e tecnologias operados. Nessa linha
de pensamento, cabe considerar o que diz Hermann (2015):
40
sentido da educao, o que significa subjetividade e construo de um mundo
comum a ser apresentado s novas geraes. A filosofia sempre pode contribuir
para pensar a educao (hermann, 2015, p. 222).
Nesse sentido, preciso que reconheamos a importncia das relaes entre
filosofia, cincia e Educao para manter viva a pergunta sobre a Educao, de
modo que as problemticas educacionais de nosso tempo possam ser analisadas a
partir do estabelecimento de um dilogo com as diferentes cincias, de modo que
a crtica filosfica no se mantenha presa a pressupostos tomados como verdades
totalizantes, mas que se apresente instigante e desafiadora, voltando-se para o
contexto em que a Educao se encontra cultural, poltico, econmico, histrico.
Para aqueles envolvidos com a Educao Especial, considerar os pressupostos
dos Fundamentos da Educao, entre eles da filosofia, permite analisar critica-
mente concepes que circulam em nosso cotidiano como se estivessem desde
sempre a, dentre elas a de homem, sociedade, cultura, cincia e conhecimento.
Empreender estudos e problematizaes filosficas possibilita ao profissional da
Educao Especial compreender de que sujeitos, contextos educacionais e con-
cepes pedaggicas estamos falando quando nos deparamos com o pblico alvo
para os quais direcionamos nossa prtica docente.
42
educao especial | Fundamentos Histricos, Filosficos e Sociolgicos da Educao I 43
INTRODUO
N
a segunda unidade, busca-se a compreenso de como emergem na Moder-
nidade as noes de sociedade, sujeito, escola e infncia que conhecemos.
Apresenta-se um recuo histrico que, embasado em concepes filosficas
e sociolgicas, permite que analisemos a Modernidade como um perodo de am-
plas transformaes na organizao social, de maneira que a Educao moderna
imprima modos de se pensar as prticas educacionais e pedaggicas. Com a anlise
da Modernidade e da sociedade moderna, so apresentados os referenciais para a
compreenso de um modo de vida regido pela razo e pela sociedade capitalista.
O deslocamento da noo de sujeito na Modernidade abordado no caderno di-
dtico de maneira que se compreenda a centralidade que o homem passa a ter na
sociedade moderna e o lugar da educao na formao desse sujeito racional, ativo,
responsvel pela transformao social. Na sequncia, busca-se discutir a redefinio
e reorganizao da escola, enquanto instituio educativa, tendo em vista que a
sociedade moderna passa a determinar outras finalidades para a Educao. Tendo
em vista as revolues colocadas em funcionamento pela Modernidade, assim como
a indicao de novas finalidades para a Educao moderna, finalizamos o estudo
com um olhar para a produo da infncia como noo que emerge na sociedade
moderna, atrelada escola e famlia.
44
2.1
SOCIEDADE MODERNA
E MODERNIDADE
A partir de referenciais histricos, a Modernidade posicionada no tempo como
o perodo que sucede a Idade Mdia, sem que se possa datar seu encerramento.
Dessa maneira, pensar a Modernidade e a sociedade moderna, seus projetos, sua
existncia, seus ideais e prticas, implica em no a compreender de maneira restrita
como um perodo com data de abertura e de encerramento, ou de sua substituio.
Para Veiga-Neto (2008, p. 143), a modernidade comeou como a negao radical,
em termos culturais, polticos, econmicos e sociais, aos valores transcendentes
e sagrados da medievalidade.
O que compartilhado por diferentes pensadores que a Modernidade acaba
por determinar inmeras revolues nos modos de vida em relao ao seu ciclo
precedente, especialmente, por se tratar de um perodo em que o homem foi pen-
sado e colocado no centro do mundo, deslocando-se da ideia de transcendncia
e de representaes divinas que, no perodo medieval, marcaram a anlise sobre
o humano. A tradio religiosa, assim como o pensamento filosfico de cunho
cristo como o de Aristteles e Plato , passam a ser questionados.
46
Mudando um pouco o enfoque, at ento histrico e filosfico, consideremos,
segundo Ghiraldelli Jr. (2016), que no final do sculo xix e primeiras dcadas do
sculo xx buscava-se a caracterizao social dos nominados tempos modernos,
e com isso percebe-se a consolidao do campo da sociologia. Dentre as teorias
consideradas clssicas da sociologia, buscaremos referncias sobre a sociedade
moderna, no pensamento de Karl Marx (1818-1883), mile Durkheim (1858-1917) e
Max Weber (1864-1920). Cabe aqui uma ressalva, as contribuies desses pensadores
sero apresentadas nessa sequncia tomando-se como opo a cronologia, e no
qualquer avaliao sobre a validade, importncia ou qualificao das teorias sociais.
Nessa lgica, Marx anterior Durkheim, e Weber contemporneo de ambos.
Isso quer dizer que as relaes sociais aparecem aos olhos dos
homens encantadas sob a forma de valor, como se este fosse
uma propriedade natural das coisas. Atravs da forma fixa em
valor-dinheiro, o carter social dos trabalhos privados e as rela-
es sociais entre os produtores se obscurecem. como se um
vu nublasse a percepo da vida social materializada na forma
dos objetos, dos produtos do trabalho e de seu valor (oliveira;
quintaneiro, 2009, p. 54).
Com relao a essa conscincia acerca dos processos de dominao social, en-
contraremos uma diferena de posio entre Karl Marx e mile Durkheim. Para
Marx, a coero social no se d pela sociedade de forma geral, mas por uma
parte dessa sociedade sobre a outra existncia de uma classe dominante e de
classes dominadas, resultante das lutas de classes; portanto, produzidas. Para
Durkheim, a conscincia individual do homem resultado de uma conscincia
coletiva, considerando que os sujeitos no pensam a partir de suas prprias ca-
beas, mostrando-se essa sociedade como entidade externa e de coero sobre
os sujeitos (rodrigues, 2007).
mile Durkheim empreende uma anlise dos fenmenos morais na Moderni-
dade a partir do ponto de vista social, sendo considerado um dos mais influentes
pensadores da sociologia e da sociologia da Educao. Para Durkheim, na sociedade
moderna intensificam-se as formas de diviso do trabalho, o que implica em maior
diversificao, especializao e diferenciao entre as pessoas.
A intensa diviso do trabalho, caracterstica da sociedade moderna, acaba por
imprimir diferentes modos de cooperao entre os sujeitos em cada sociedade.
Essas formas de cooperao esto implicadas na conscincia coletiva que acaba
por reger a conscincia individual de cada homem. Para Durkheim, a vida moral
de cada sociedade ser determinada pela diviso do trabalho social de cada poca,
isto , pelas possibilidades de interao e cooperao que se tornam possveis. As-
sim, entende-se que nas sociedades onde se desenvolve uma diviso do trabalho,
a conscincia comum passa a ocupar uma reduzida parcela da conscincia total,
permitindo o desenvolvimento da personalidade (quintaneiro, 2009, p. 77).
Com isso, a Modernidade passa a ter como foco o culto ao individualismo, e a
coeso social fundamenta-se na ideia de diferenciao e interdependncia entre
os sujeitos da sociedade, em que a solidariedade considerada de tipo orgnica,
diferentemente da chamada sociedade tradicional, na qual impera a igualdade
entre os sujeitos (ghiraldelli jr., 2008). Nesse sentido, Hall (2006, p. 24-25) aju-
da-nos a pensar sobre a identidade do sujeito moderno afirmando que, agora
um lugar-comum dizer que a poca moderna fez surgir uma forma nova e decisiva
de individualismo, no centro da qual erigiu-se uma nova concepo do sujeito
individual e sua identidade.
48
A partir dessa leitura da sociedade, Durkheim compreende que a liberdade moderna
est pautada na diviso do trabalho e na diferenciao social, potencializando-se,
assim, a noo de liberdade individual, liberdade de julgamento e de ao, individu-
alismo, que acabam por ocasionar a diminuio das regras sociais e da conscincia
coletiva. Diante disso, o pensador atenta para uma questo importante, a de que
a sociedade no ter condies de sobrevivncia se no houver uma conscincia
coletiva, uma moral coletiva.
50
2.2
A CONSTITUIO DO SUJEITO
MODERNO
Traado um panorama a respeito das caractersticas da Modernidade e da socieda-
de moderna, focaremos nosso estudo na compreenso da constituio do sujeito
moderno. Iniciamos retomando uma questo fundamental da Modernidade que
diz respeito a uma mudana de nfase, pois nesse perodo o homem passa a ocupar
o lugar central no mundo, deslocando-se de um pensamento fundamentado na
teologia (teocntrico), para uma viso antropocntrica. Com isso, a busca da razo
o conhecimento racional passa a constituir o objetivo do homem moderno. Com
relao centralidade do homem na sociedade moderna e o lugar da Educao,
torna-se interessante tomarmos as palavras de Veiga-Neto e Lopes (2010) quando
expem que:
52
substncias espacial, referente matria, ao corpo, e a pensante, que se refere
mente, j explicitadas anteriormente estabelece outro foco para o dualismo
filosfico entre mente e matria. A concepo de Descartes de que o centro da
mente o sujeito individual, dotado da capacidade de pensar e raciocinar, portan-
to estabelece como premissa a expresso Cogito, ergo sum, que significa Penso,
logo existo. Essa concepo de sujeito como centro do conhecimento, racional,
pensante e consciente conhecida como sujeito cartesiano. Quanto a Locke, Hall
(2006) expe que o pensador definia o sujeito como uma identidade marcada pela
mesmidade de um ser racional, posicionado como sujeito soberano, era o sujeito
moderno por ser o sujeito da razo, do conhecimento e da prtica, e que passava
a sofrer as consequncias dessas prticas, sendo sujeitado.
Alm dessa questo de ordem filosfica, importante considerarmos que a
organizao social e econmica da Modernidade tambm reposiciona esse sujeito,
de modo que o sistema capitalista e a noo de produtividade instituem um novo
modelo de homem em relao ao que tnhamos no perodo feudal. Segundo Cam-
bi (1999, p. 198, grifos do autor), Segue-se o modelo do Homo faber e do sujeito
como indivduo, embora ligando cidade e depois ao Estado, potencializando
a sua capacidade de transformar a realidade e de impor a ela uma direo e uma
proteo, at mesmo a da utopia.
Para Hall (2006), a complexidade das sociedades modernas foi se ampliando e
nelas instauraram-se formas mais coletivas e sociais, fazendo emergir uma con-
cepo de sujeito de carter social.
54
2.3
O NASCIMENTO DA ESCOLA
MODERNA: PROCESSOS DE
ESCOLARIZAO E
DISCIPLINARIZAO
Analisadas questes referentes Modernidade, a sociedade moderna e a consti-
tuio do sujeito moderno, passaremos nessa subunidade a pensar como se d o
nascimento da escola moderna. Ao tratarmos da Modernidade, os pressupostos
histricos, filosficos e sociolgicos que a caracterizam, fomos percebendo de que
maneira so delineadas certas exigncias, fins da Educao. Na mesma esteira,
temos a Educao implicada na constituio do sujeito moderno, que passa a de-
sempenhar um papel social importante na sociedade, e que se institui a partir de
determinados referenciais de homem e sociedade. Diante disso, a instituio escolar
ocupa um lugar central na Modernidade para que seja efetivado o projeto moderno.
Quando tomamos como referncia as revolues empreendidas na Modernidade,
identificamos que a sociedade moderna passa a se articular em torno de um projeto
educativo, cujas instituies envolvidas com esse projeto so muitas a escola, a
famlia, a priso, o hospital, o exrcito. O projeto de Educao da Modernidade
vincula-se estreitamente ao Estado moderno que regula, governa e direciona a
populao de modo que responda a um modelo de sociedade especfico.
[...] o que quisemos deixar claro com toda essa longa discus-
so sobre a provenincia e a emergncia da Modernidade, em
conexo com os saberes pedaggicos, foi o fato de que ambos
partilham dos mesmos pressupostos epistemolgicos. E mais:
que tais pressupostos no so naturais nem universais, ou seja,
no estiveram desde sempre a, espera de serem descobertos
pelos modernos. Ao contrrio: na sua contingncia, tais pressu-
postos se enraizaram em tradies anteriores, ressignificaram-se
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e hoje se apresentam como verdades deste mundo. Mostrar o seu
carter de tradies inventadas no retira desses pressupostos
a sua importncia, nem nega a produtividade que eles tiveram,
ao sustentar os avanos da Modernidade (veiga-neto; lopes,,
2010, p. 158, grifo dos autores).
Na escola moderna, a formao integral dos sujeitos uma meta a ser buscada,
dessa maneira os processos de escolarizao so considerados como modelo edu-
cativo a ser seguido pela sociedade moderna, que intenta a formao acadmica
e moral do aluno. A hegemonia da escola como forma educacional analisada
por Pineau (2008), que considera estar instituda a compreenso de que a escola
enquanto uma produo moderna acaba por construir de maneira imanente a
Modernidade, isto , sem sombra de dvida, a educao moderna cuja forma
por antonomsia a escolarizao foi um dos motores principais do triunfo da
Modernidade, assim como se converteu, por sua vez, em uma de suas maiores
criaes (pineau, 2008, p. 84).
O que se busca esclarecer que a escola moderna triunfa por ter apresentado
condies de colocar em funcionamento o projeto educacional da Modernidade.
Por meio dos processos de escolarizao colocados em prtica, a escola moderna
produziu subjetividades alinhadas aos modos de vida da Modernidade, contribuindo
assim para sua consolidao. Diante disso, considera-se produtivo para compre-
ender a escola na Modernidade retomar alguns dos pressupostos educacionais
institudos no projeto da sociedade moderna. Para tanto, as consideraes que
seguem tomam como referncia o pensamento de Pineau (2008) cujas exposies
apresentam o que ele nomeia de premissas para a compreenso da Educao na
Modernidade. Passemos ento a elas:
quadro 08 Resumo das premissas sobre as quais a Modernidade construiu sua compreenso
da Educao.
60
Espera-se que, a partir do exposto at aqui, tenham sido possveis anlises crticas
a respeito da sociedade, do homem e da escola como produes, ou seja, enten-
dendo que as noes, ideias e concepes que compartilhamos, assim como as
prprias instituies, no estiveram desde sempre a, sendo ento reveladas pelo
pensamento moderno.
Quanto problematizao da escola moderna no mbito das teorizaes em
Educao Especial, considera-se que so fundamentais para que possamos compre-
ender de que modo operamos prticas educacionais, especialmente as de carter
inclusivo nos dias de hoje. As finalidades educacionais, voltadas produo de
um determinado tipo de sujeito que se deseja na sociedade, so partilhadas pela
Educao Especial; portanto, preciso olh-las, analis-las, question-las com
ateno, de maneira desconfiada.
Diante disso, a leitura que propomos no objetiva traar a histria da infncia, mas
sinalizar alguns acontecimentos, deslocamentos da noo de infncia que nos
permitem analis-la criticamente na atualidade. Cabe considerar que as crianas,
at meados do sculo xvi, no apresentavam relevncia para o campo social, no
se abordava a questo da infncia como etapa da vida especfica como conhecemos
hoje. Para Aris (2006), um significado de infncia, com o sentido que lhe atribumos,
passa a ser produzido na Modernidade em torno do sculo xvii.
Em Foucault (2001) e Donzelot (2001), podemos encontrar referncia crescente
preocupao com as crianas no decorrer do sculo xviii, o que se constitui como
condio de possibilidade para a produo de discursos sobre o papel das famlias
e sobre a infncia. A organizao familiar tpica do Antigo Regime em que as re-
laes de dependncia, ascendncia e descendncia acabavam por configurar a
famlia como a menor organizao poltica possvel acabou sofrendo modificaes,
tendo em vista a necessidade de reorganizao dos comportamentos educativos
(donzelot, 2001, p. 21).
As mudanas que sofre a famlia tm como um de seus referenciais o posiciona-
mento da infncia como central para o funcionamento da vida familiar. A criana,
passa a ser considerada um sujeito em desenvolvimento e no mais um adulto em
miniatura; portanto, sentimentos de cuidado e ateno voltam-se infncia, que
precisa ser controlada, gerenciada, investida.
Com o advento da Modernidade desenvolve-se um sentimento voltado infn-
cia, buscando estabelecer diferenciaes entre criana e adultos. Os novos padres
sociais imprimem famlia uma organizao diferenciada daquela at ento pre-
62
sente nas sociedades medievais, procurando-se, com isso, estabelecer um ncleo
familiar mais restrito, em que a ateno infncia emerge com o que podemos
chamar de privatizao da vida familiar. As crianas, at ento, permaneciam a
maior parte do tempo junto aos adultos, sem que fossem consideradas suas carac-
tersticas particulares. com a produo de um pensamento cientfico voltado
infncia que algumas noes passam a determinar classificaes, diferenciaes
e determinaes comportamentais.
De acordo com Ghiraldelli Jr. (2002), no Ocidente que intelectuais como os
padres, juristas e moralistas comeam a descrever a criana como um ser que se
diferencia dos adultos, o que solicita que estes passem a se relacionar com a infncia
a partir de aes que priorizam o cuidado e o cultivo de sua vida trata-se de uma
natureza infantil. Com isso, instaura-se uma nova psicologia que no compreende
mais a criana como adulto em miniatura, mas considera a infncia uma etapa
da vida do ser humano que necessita de um ambiente histrico e social para se
desenvolver: a escola.
A partir de uma certa linha de raciocnio, foi possvel compreender que a Mo-
dernidade marcada pela ocorrncia de revolues no campo social, poltico e
econmico. Dentre elas, a centralidade do homem no mundo, o uso e desenvolvi-
mento da razo, o estabelecimento de modos de vida regidos pelo capitalismo e o
nascimento da escola moderna. Esses fatores, em especial, a relao com a escola,
criam condies para a produo da infncia na Modernidade.
Quanto primeira configurao, negativa, a infncia considerada uma fase que deve
acontecer, mas que precisa ser superada, possibilitando o aparecimento do adulto.
Com relao a isso, podemos pensar nas inmeras vezes nas quais, em situaes
cotidianas, avaliamos o comportamento de algum sujeito adulto e dizemos que o
mesmo infantilizado, que ainda no amadureceu, como se o desenvolvimento de
determinado comportamento no tivesse ocorrido; portanto, considerado ligado
infncia de maneira negativa. Essa fase negativa da infncia considerada um
perodo de rebeldia sobre o qual devem ser investidas aes externas, por parte
dos adultos, de modo que a criana desenvolva autonomia e independncia. Nesse
sentido, a criana deve fazer-se homem a partir das regras dos adultos, e a escola
desempenha o papel de formadora e conformadora desse sujeito.
Em relao configurao positiva, entende-se que deve ocorrer e ser prolon-
gada vida adulta, de maneira que o homem seja contaminado pela criatividade
e pureza da infncia. O processo de desenvolvimento da criana para a vida
adulta no se d por aes externas, mas a autonomia buscada de dentro para
fora, considerando que o homem deva constituir-se como adulto a partir de seu
interior a criana.
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Com o que foi exposto, buscou-se esclarecer que a noo de infncia que hoje co-
nhecemos emerge na Modernidade, perodo em que ocorre o rompimento com os
modos de pensar o mundo e o homem tpicos da Idade Mdia. Com a organizao
do Estado moderno, percebe-se uma ateno para a infncia que passa a se cons-
tituir como um objeto de que se ocupam a famlia, a cincia, a religio, a escola.
Nesse contexto, a criana produzida como um ser humano inacabado, sendo
necessrio que se invista no cuidado e proteo da infncia; portanto, preciso
criar, instruir, educar a criana.
Compreender esse estatuto da infncia possibilita examinarmos como vo se
estabelecendo preocupaes e propostas especficas voltadas s crianas, criando
condies para que nos dias atuais sejam produzidas polticas pblicas, programas
de Governo, campanhas e prticas educacionais que consideram a infncia como
etapa fundamental do desenvolvimento humano.
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REFERNCIAS
aranha, m. l. a. Filosofia da Educao. 2. ed. So Paulo: Moderna, 1996.
bujes, m. i. e. Que infncia esta? In: 23 Reunio Anual da anped, 2000, Caxam-
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68
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polenz, t. (Org.). Pedagogia em conexo. Canoas: Editora da ulbra, 2004.
Unidade 2
Na Modernidade, a inveno da escola possibilita um investimento a servio da
ordem, assim como o currculo enquanto artefato contribui para a busca e ma-
nuteno dessa pretensa ordem e de uma nova configurao de tempo e espao,
objetivadas pelo mundo moderno. Nesse campo, foram se definindo estratgias e
mecanismos que atendem a uma sociedade que se torna cada vez mais disciplinar,
que solicita individualizao e autodisciplina do prprio sujeito moderno. Comente
de que maneira voc percebe que a organizao da escola, enquanto instituio
pensada na Modernidade, possibilita a constituio de sujeitos que atendam
lgica da sociedade moderna.
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