Correcao Fichas U1
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Poesia do ortónimo
FICHA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA 1
2 O sujeito poético recorda‑se de si próprio, quando criança, a ouvir a música, mas o eu do presente difere
do eu do passado — experiência da alteridade que expressa o primeiro verso desta quadra («Recordo
outro ouvir‑te», v. 5). O passado a que alude não corresponde a uma experiência real, que o sujeito
poético não sabe se, de facto, existiu; trata‑se antes de uma representação atual, intelectualizada, da
infância, suscitada pela música ouvida no momento presente («Não sei se te ouvi / Nessa minha infância /
Que me lembra em ti.», vv. 6‑8).
3 O eu lírico não sabe se a infância vivida, a infância real, foi um tempo feliz. A felicidade existe na
representação da infância que é feita por ele no presente — é uma infância imaginada. Os dois últimos
versos do poema confirmam, pois, a ideia de que a infância a que o sujeito poético alude é o resultado
de um processo de intelectualização, realçado pela antítese presente no verso que fecha o poema:
«Fui‑o outrora agora.»
B
4
4.1
A companheira é caracterizada como uma figura frágil («Mais morta do que viva, a minha
companheira / Nem força teve em si», vv. 1‑2) e «medrosa» (v. 20), ficando apavorada («a tremer,
cosida com o muro, / Ombros em pé», vv. 19‑20) com a aproximação de uma «vaquita preta» (v. 17).
A expressividade deste diminutivo evidencia a reação exagerada da figura feminina, acentuando
a sua fragilidade.
Já o sujeito poético demonstra audácia e valentia (era «um destro e bravo rapazito», v. 3), protegendo
a companheira «Como um homenzarrão» (v. 4) ao segurar o animal «Que eu segurei, prendi» (v. 18).
5 Enquanto a companheira tem uma reação amedrontada, o «rapazito» demonstra um grande à‑vontade
ao segurar o animal. Reveladora da sintonia do sujeito poético com o campo é igualmente a descrição
pormenorizada e entusiasmada do espaço circundante, com o recurso a enumerações, frases
exclamativas e expressivos diminutivos («bezerrinhas», v. 6, «casitas», v. 9, «vaquita», v. 17), que sugerem
a ternura do sujeito poético pelo ambiente campestre.
GRUPO II
1 1
(D) 2
(B) 3
(A) 4
(C) 5
(D) 6
(A) 7
(B)
Fernando Pessoa
8 Complemento do nome.
9 «aqui»
9.1 Deítico espacial.
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
as principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Voz off: No dia 30 de novembro de 1935, morre Fernando Pessoa. Tinha 47 anos. É hoje um dos mais
importantes nomes da nossa literatura e dos mais estudados em todo o mundo. Homem
complexo, começou a escrever poemas quando era criança. Criou vários heterónimos, muito
diferentes entre si. Quem não ouviu falar já de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro ou Ricardo Reis?
E do Livro do desassossego, das cartas a Ofélia, do «Menino de sua mãe», de «O guardador de
rebanhos»?
Tendo publicado apenas um livro em vida, Pessoa deixou milhares de páginas escritas, que ainda
agora estão a ser descobertas, analisadas e divulgadas.
[…]
Fernando Rosas: Hoje temos connosco a Professora Teresa Rita Lopes. É uma das mais conhecidas
pessoanas. A primeira pergunta que eu gostaria de lhe fazer é esta: porque é que, depois da morte
de Pessoa, há um tão longo silêncio acerca de Pessoa? Porque é que Pessoa é (re)descoberto
tardiamente, apesar de tudo, na cultura portuguesa do século xx?
Teresa Rita Lopes: Os Portugueses terão sempre um certo mal‑estar em relação a Pessoa. Terão desde
sempre e continuam a ter.
Fernando Rosas: Um mal‑estar político? Um mal‑estar cultural?
Teresa Rita Lopes: De muitas, muitas naturezas. Para começar, pela ignorância. Ainda hoje… Fala‑se
tanto de Pessoa, mas vá lá averiguar o que é que conhecem de Pessoa as pessoas que falam de
Pessoa? Eu própria, se me lembrar de mim, do que é que eu sentia na altura… enfim, que lia o
Pessoa, que devorava Pessoa, mas ouvia dizer que ele, no fundo, tinha sido um grandessíssimo
fascista. E ficava incomodada com isso. Mas dizia para mim: mas houve outros que o foram…
tenho de esquecer essas coisas… Mas, até eu própria descobrir, pelos meus próprios meios, que
isso era tudo balela, e que o homem, pelo contrário, tinha, em determinada altura, em textos que
estavam desconhecidos, que estavam verdes, tinha denunciado não só o Estado Novo, em termos
muito violentos… A Salazar chamou […] um seminarista da contabilidade… Depois, em 1932,
quando ele tomou plenos poderes, quando deixou de ser apenas ministro das Finanças, ele
escreveu esses tais textos, uma carta que escreveu para mandar ao Presidente da República. Ele
disse: «Assistimos à cesarização de um contabilista.»
Poesia do ortónimo
Neorrealismo, se quiser… A gente, para perceber isto e essa faceta, digamos, política de Pessoa,
a gente não se pode esquecer de que ele é, antes de mais — e foi ele próprio que o afirmou —
«um nacionalista místico»… «um nacionalista místico».
Fernando Rosas: Mensagem, portanto?
Teresa Rita Lopes: Mensagem é a obra de uma vida.
[…]
Voz off: Avesso a que lhe tirassem fotografias, uma das imagens mais conhecidas do escritor foi
pintada por Almada Negreiros, em 1954, com o título Retrato de Fernando Pessoa.
Pessoa interessou‑se sempre pelo oculto, pela astrologia, pelo esoterismo, pelas sociedades
secretas, mantendo uma relação quase metafísica com a vida.
Além de escrever e ler compulsivamente, era colecionador de postais e de selos. Apreciador de
música clássica, Pessoa ouvia compositores como Beethoven, Wagner, Verdi, Chopin e Mozart.
1 Trata‑se da voz do narrador/locutor, uma voz off que assegura a ligação entre as várias partes do
documentário, dando‑lhes unidade e sentido.
2 São interrogações retóricas, que visam tornar o discurso mais vivo, captando a atenção do ouvinte.
3 O entrevistador é Fernando Rosas. A entrevistada é Teresa Rita Lopes, uma das maiores especialistas na
obra de Fernando Pessoa.
5 A metáfora estabelece uma analogia entre a subida de Salazar à chefia do Governo, em 1932, e o poder
de Júlio César, o famoso ditador romano da Antiguidade.
1
1.1 (A); 1.2 (D); 1.3 (C); 1.4 (D); 1.5 (C); 1.6 (C); 1.7 (A); 1.8 (C); 1.9 (C).
2
2.1
As palavras de Caeiro têm uma força axiomática e desencadeiam uma revelação no sujeito de
enunciação. Funcionam como um refrão e assemelham‑se a um mantra, que, ao ser repetido, dá cada
vez mais força à revelação, fazendo o sujeito vibrar intensamente, numa epifania que o liberta, ilumina
e permite a fusão do eu com o sentido das palavras de Caeiro e com o universo: «Depois de as ler, […]
sou livre com um esplendor alado cuja vibração me estremece no corpo todo.»; «Cada vez que penso
esta frase com toda a atenção dos meus nervos, ela me parece mais destinada a reconstruir
consteladamente o universo.»; «E a frase fica‑me sendo a alma inteira».
3 Apesar da revelação provocada pelos versos de Caeiro, da ânsia de libertação e da vontade de ser outro
(«Tenho vontade de […] afirmar uma nova personalidade vasta aos grandes espaços da matéria vazia.»),
o entusiasmo desaparece, e o eu regressa à inércia, voltando a ser vago e reflexivo.
B
4 O narrador afirma que vai realizar uma viagem a Santarém e que redigirá uma obra sobre o que «vir
e ouvir» e «pensar e sentir» ao longo desse itinerário, apresentando, por isso, um discurso fragmentado,
de natureza digressiva.
5 O carácter deambulatório relaciona‑se com a viagem empreendida pelo narrador, que parte de Lisboa
com destino a Santarém: dirige‑se ao Terreiro do Paço, para, com outros companheiros, apanhar o barco
que subirá o Tejo: «Seis horas da manhã a dar em S. Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do Paço.»
«Partimos. […] Assim vamos de todo o nosso vagar contemplando este majestoso e pitoresco anfiteatro
de Lisboa oriental»; «Já saudámos Alhandra, a toireira; Vila Franca, a que foi de Xira».
Ilustram a dimensão reflexiva e crítica da obra os comentários sobre aquilo que o narrador observa:
sobre os contrastes da cidade de Lisboa — sendo a parte oriental «a mais bela e grandiosa […], a mais
característica», mais próxima a glória do passado nacional, por oposição ao lado ocidental, «chato, vulgar
e sensabor», associado à vida burguesa, exemplo de mau gosto e presunção — e sobre o bom e puro
gosto do povo, por oposição ao das classes mais altas («essa escuma descorada que anda ao de cima
das populações»); sobre Vila Franca, a propósito da qual é feita uma crítica à insurreição política liderada
por D. Miguel em 1823, à participação dos absolutistas na Guerra Civil de 1828‑1834 e à má governação
(«de um governo de patuscos, que é o mais odioso e engulhoso dos governos possíveis»), concluída
por uma referência às profundas e necessárias transformações que vão ocorrendo no mundo.
Livro do desassossego
8 Coesão interfrásica.
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
as principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Sofia Galvão (jurista): […] Ó Fátima, se me permite, eu gostava de dizer algumas notas rápidas sobre
alguns temas por que fomos passando e que foram ficando assim um bocadinho pendurados…
e eu acho que vale a pena dar ainda alguns contributos. Sobre a globalização, e aqui o Professor
Ricardo Reis decidiu ser mais enfático do que eu tinha sido, e ainda bem, porque enfatizou muito
bem aquilo que enfatizou, eu só queria dar uma nota que me parece importante. É que a
globalização está, entre outros fatores, a mudar completamente o mundo em que vivemos, e uma
das nossas dificuldades tem exatamente a ver com esta mudança. Os nossos velhos quadros são
cada vez mais incapazes de explicar a realidade com a qual temos de viver.
Fátima Campos Ferreira (moderadora): Daí os jovens, naquele inquérito, estarem muito mais a favor
da globalização como um fator de melhoria da sociedade.
Sofia Galvão: Exatamente, há essa diferença. Agora, a globalização faz com que os Estados Unidos
e os seus aliados (os países ricos ocidentais) continuem a ser poderosos e ricos, mas com um
poder e uma riqueza que decresceram significativamente. E os números, aqui, ajudam. Estes
países representavam, em 1990, 64 % do poder de compra mundial. Em 2020, prevê‑se que
representem 39 % desse poder. Isto é impressionante. E os Estados Unidos caem de 22 % para
19 %. A relação de forças, portanto, altera‑se completamente. É este sistema, este modelo de
desenvolvimento ocidental, assente numa economia livre e de mercado, que tem feito com que
o PIB per capita tenha aumentado exponencialmente. […] Em geral, no mundo, o PIB per capita
sextuplicou entre 1950 e 2015. […] Globalmente, as coisas evoluíram, e evoluíram positivamente.
Fátima Campos Ferreira: Mas isso significa que a Europa está num beco sem saída?
Sofia Galvão: Não, não significa nada. As saídas têm sido sempre encontradas. E eu acho que aqui
também serão. E, como digo, o caminho tem vindo a ser feito. Os problemas do euro não têm
hoje, de todo, os contornos que tinham quando começaram a ser sentidos. E, repito, a ação do
Banco Central Europeu tem tido aqui um papel fundamental, que representou a compreensão,
a perceção de qualquer coisa. Ainda outra ponta que ficou pendurada — o tal estudo sobre as
desigualdades. Não posso deixar de responder ali ao Dr. Marcos Capitão Ferreira, para discordar
aqui muito claramente. O período de 2009‑2011 foi um período extremamente gravoso do ponto
de vista do aprofundamento do agravamento das desigualdades em Portugal. […] São os 20 %
mais ricos que foram os menos afetados. Só as classes de rendimentos mais elevados […] têm
1 cortes inferiores à média. E isto foi assim desde 2011. As restantes sete classes, ou seja, as classes
médias e as duas de rendimentos mais baixos, têm cortes superiores ou muito superiores à média.
Fernando Pessoa
E, portanto, a austeridade nesse período esteve completamente enviesada. A seguir houve alguma
alteração, não completa. Infelizmente, não foi mais profunda, como deveria ter sido, porque nós
não temos — e este é um tema que vale a pena trazer para o debate, numa altura em que radicaliza
o discurso antirriqueza, antirricos […], o que é dramático num país que precisa de produzir riqueza
como Portugal precisa —, mas não foi mais corrigido, dizia eu, porque nós não temos um número
de ricos suficiente. Nós não temos os ricos suficientes para resolverem a crise nem para corrigirem
desigualdades nenhumas. Esse é o nosso drama. Oxalá tivéssemos, mas infelizmente não temos.
Fátima Campos Ferreira: Mas a luta de classes está de regresso também a Portugal?
Sofia Galvão: Não. Há um discurso radical, marxista, que tenta fazer a luta de classes regressar ao
terreno. Não me parece nada que seja esse o caminho. Até porque esse ódio de classes mata
completamente a liberdade, e nós temos é de apostar na liberdade e naquilo que as pessoas são
capazes de fazer ao abrigo dessa liberdade. Esse é um caminho que vinha a ser construído e eu
julgo que nós não podemos abdicar dele. Sobre desigualdades, Fátima, um tema muito importante,
que é o tema do desemprego. O desemprego, que teve uma expressão muito significativa em
Portugal durante a crise e durante os anos do período do ajustamento, teve um comportamento
completamente inesperado. Não havia nenhuma autoridade nacional ou internacional que esperasse
que nós fôssemos capazes de diminuir o desemprego da forma como ele veio a diminuir. Portanto,
a economia vale a pena. Nós estamos a ser injustos para com a nossa economia, que, não tendo
feito tudo aquilo que era possível ou desejável, sobretudo, que fizesse, foi capaz de fazer um
processo de transformação muito significativo, de ter um comportamento nas exportações muito
importante, de alterar completamente o comportamento da nossa balança comercial, e portanto
nós devemos recordar tudo isso. Mas o desemprego foi diminuindo de uma forma e com uma
expressão que não era expectável. E isso foi importante, também, para uma paulatina correção
das desigualdades. Mas diminuiu até há dez meses. Nem em agosto, que é um típico mês de
emprego sazonal, o desemprego diminuiu — pelo contrário, aumentou. Portanto, as desigualdades
têm hoje uma expressão que nós temos de ser capazes de perceber, à luz do que é o
comportamento da economia ou do que é a incapacidade que a economia tem de resolver a crise.
Fátima Campos Ferreira: Professor Capitão Ferreira…
Marco Capitão Ferreira (Professor de Direito da Universidade de Lisboa): Três notas rápidas. Vou
passar mais depressa à parte que me parece fundamental. Eu não queria entrar numa discussão
detalhada sobre o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos e, muito menos, fazer a
defesa de um estudo que não é meu, que está suportado e publicado e que as pessoas podem
consultar livremente. E, de certa maneira, já antecipando que poderia haver um ataque à
seriedade deste estudo, porque ele não convém, eu trago aqui duas fontes adicionais […]. A OCDE
anunciou ontem que Portugal foi o país‑membro que mais aumentou os impostos sobre as
pessoas que menos ganham. E não foi por pouco. Foi pelo dobro do segundo classificado. Está
publicado no site da OCDE, e as pessoas podem ir consultar. E o INE explica — o Instituto Nacional
de Estatística, portanto — explica que a pobreza em Portugal nunca abrangeu tantas pessoas
como neste momento quando se considera a chamada linha da pobreza. E isto é um indicador
muito importante. Eu continuo a achar que há um problema de elites em Portugal. Dois milhões
e meio de portugueses estão encostados à linha da pobreza ou abaixo dela. Isto não são meia
dúzia de pessoas. […] Há 4 % dos nossos concidadãos, quatro pessoas em cada cem, que não
conseguem duas refeições de carne ou peixe por semana. Não é por dia, é por semana. É disto
que estamos a falar. O estudo da Fundação é muito importante, está muito bem organizado e tem
lá tudo para quem quiser verificar. Mas não é a única fonte de preocupações. […] O Sr. Professor
[Ricardo Reis] vai‑me desculpar, mas eu não estou muito preocupado com a desigualdade dentro
do 1 % dos mais ricos do mundo. Estou muito mais preocupado com a desigualdade de quem
não tem o suficiente para viver. Aqui em Portugal, não há noção de que 1,2 % dos portugueses
é responsável por quase 40 % dos depósitos bancários existentes em Portugal. E este é um dado
que não é meu e também não é da Fundação. É do Banco de Portugal — portanto, se quisermos
Livro do desassossego
quem é que tem depósitos na banca e de quanto. Quarenta por cento dos depósitos bancários
em Portugal estão nas mãos de 1,2 % dos portugueses. E estes são aqueles que ainda têm
dinheiro cá, porque há alguns que já não têm. […] A globalização tem, efetivamente, dois efeitos.
Tira da pobreza extrema para a pobreza remediada uma fatia enorme da população mundial.
E isto distorce a estatística, porque permite ao Professor [Ricardo Reis] dizer — e com toda a razão,
e não está a mentir — que não sei quantos milhões saíram da pobreza e que a distribuição da
riqueza está muito melhor. Eu não estou satisfeito. Eu não quero um sistema que sirva apenas para
tirar as pessoas da pobreza extrema para a relativa pobreza lá na Ásia. Eu gostava de saber o que é
que eu digo aos dois milhões e meio de portugueses que estão na linha de pobreza ou
encostados a ela e que são mais do que alguma vez foram. E é uma evolução dramática e que vale
a pena ver e que, ainda por cima, afeta desproporcionalmente […], por exemplo, as mulheres —
[que] continuam a ter uma diferença salarial para os homens em torno de 17 %, que é um número
assustador. O outro número assustador é ver quem é que está mais em risco de pobreza — as
famílias monoparentais. E nós, depois, queixamo‑nos, neste país, de que temos um problema de
natalidade. O maior risco, para a minha vida, de poder cair numa situação de pobreza é ter filhos.
Pior é se ficar sozinho com eles. Ora, que sociedade é esta? Isto não é, seguramente, uma
sociedade onde eu me reveja. […] As médias… Se, em média, duas pessoas comem frango, uma
delas pode ter comido o frango inteiro e a outra pode estar a passar fome. Portanto, as médias a
nível mundial distorcem completamente a análise.
Fátima Campos Ferreira: Professor Ricardo Reis…
Professor Ricardo Reis (Professor de Economia da Escola de Economia de Londres): Só alguns
esclarecimentos. Em primeiro lugar, eu não tive fé nenhuma na meritocracia. Os que [têm
sucesso]… pode ser por mérito ou por sorte. E, quando estava a falar de 1 %, não estava a falar das
elites culturais, estava a falar de desigualdade de rendimentos. […] Em segundo lugar, em relação
às médias, o mundo, de facto, cresceu muito. Eu estava a falar de uma série de pessoas que saem
da pobreza extrema. […] Morrer ou não morrer — eu acho que é um fator bastante importante.
Em relação a Portugal e à desigualdade em Portugal… De facto, há muitas pessoas em Portugal
que não vivem nada bem. Mas o País não cresce há dezasseis anos. […] Toda a gente sofreu […],
porque estamos numa economia que não cresce.
Fátima Campos Ferreira: Mas a pergunta é: a culpa é das elites em Portugal?
Professor Ricardo Reis: Eu, se tivesse uma receita mágica para pôr o País a crescer e a ser mais estável,
poria. Mas, se eu dissesse que tinha essa receita, estava a admitir que era uma questão de elites.
[…] Eu não tenho essa solução. […] Sei que é preciso trabalhar muito e é preciso muito esforço.
[…] Em relação aos depósitos bancários. […] Qual é o país onde há maior desigualdade nos
depósitos bancários, assim como riqueza na Europa inteira? É a Suécia […], porque na Suécia há
um Estado Social tão forte e que funciona tão bem, que as pessoas não têm de poupar no banco,
porque sabem que o Estado poupa por elas. Portanto, olhar para os depósitos bancários é
altamente enviesado. […] Qual é o nível de proteção social que temos hoje em relação ao que
tínhamos em 1970? É de muito maior proteção. […] E porque é que os jovens são a favor da
globalização? Porque a globalização é sinónimo de liberdade. A liberdade de sair do País quando
não se encontra cá emprego. A liberdade de poder fugir das elites, porque, se, de facto, as elites
exploram o português, o português pode fugir. […] A liberdade de poder não viver formatado
pelo que as elites dizem, mas antes diversificar o seu consumo de notícias […]. Já em relação a
uma liberdade […]… tem que ver com o [facto de o] contrato social, o Estado Social, estar com
muitas dificuldades, porque muitas das pessoas que estão hoje reformadas pagaram impostos,
durante a sua vida, para pagar a pensão dos seus pais e chegam agora à altura, com 70 anos, e
estão à espera de receber a reforma do Estado. […] E, portanto, quando os jovens exercem a sua
liberdade e saem e vão para outros sítios, estão a quebrar o contrato social. […]
Fátima Campos Ferreira: Eduardo Paz Ferreira…
de ser bastante mais velho, portanto conheci o tempo em que não havia liberdade no sentido
técnico. Agora, há aqui uma coisa, se me permite, Professor Ricardo Reis… Devo dizer que uma
das melhores realizações da União Europeia, para mim, foi o Erasmus, que criou nos jovens uma
consciência europeia muito maior do que existe nas gerações mais velhas. Os meus alunos
habituaram‑se a este mundo muito mais cosmopolita, e isso é extremamente positivo. […] Agora,
eu tenho dúvidas quando usa a expressão «liberdade de sair». […] Agora, quando se sai do País
porque o País não tem nada para lhe oferecer… Por exemplo, os alunos do Técnico […] já sabem
que não têm qualquer expectativa de ficar em Portugal, porque, quando acabam as licenciaturas,
vão‑lhes fazer propostas do tipo de mil euros, e é se fizerem, porque noutras licenciaturas vão
trabalhar em caixas de supermercado. Isto é terrível, porque o maior fator de progresso em
Portugal, o grande fator de mobilidade social, foi o reforço do ensino público a partir do 25
de Abril e o acesso à universidade muito generalizado. Mas, depois, quando este acesso à
universidade não tem uma consequência, que é a passagem, para a sociedade civil, para lugares
confortáveis… Eu não diria que eles têm liberdade. Eles foram forçados a emigrar, como foram nos
anos 60 e nos anos 70. […] É evidente que o Estado não se pode desinteressar quando há 25 % de
desemprego juvenil. Mas o Estado não tem condições para se interessar, porque está amarrado
pelas regras europeias. E, aí, eu gostava de ser otimista, como a Sofia Galvão, mas acho que o
Banco Central Europeu foi hábil em salvar na altura o que era o colapso eminente do euro, mas
não resolveu nenhum problema de fundo e, pelo contrário, está a contribuir para […] a armadilha
da dívida e uma permanente deflação por não haver investimento em Portugal e que vai ser
muito difícil ultrapassar. Portanto, nada disto está a correr muito bem.
1 O poder e a riqueza dos EUA e dos países ricos (ocidentais) decresceram, tendo o PIB per capita, no
mundo, sextuplicado entre 1950 e 2015.
2 Sofia Galvão menciona o facto de os cortes nas classes de rendimentos médias e mais baixas terem sido
superiores ou muito superiores à média; já os das classes de rendimentos mais elevadas foram inferiores
à média.
3 As médias a nível mundial, que revelam uma redução muito significativa da faixa da população que vive
em situação de pobreza extrema, não permitem reconhecer que dois milhões e meio de portugueses
estão no limiar da pobreza (ou próximo deste limiar) nem que o salário das mulheres, em Portugal, é 17 %
inferior ao dos homens.
3.1 Ricardo Reis afirma que (1) apesar de tudo, a redução da pobreza extrema, que pode fazer a diferença
entre a vida e a morte, é bastante importante; no caso das estatísticas relativas a Portugal, é preciso
ter em conta que (2) não há crescimento há dezasseis anos e que (3) a desigualdade nos depósitos
bancários não corresponde necessariamente a uma desigualdade de rendimentos.
4 Eduardo Paz Ferreira, que reconhece que o projeto Erasmus foi «uma das melhores realizações da União
Europeia», tendo favorecido o cosmopolitismo, rejeita que os jovens portugueses exerçam a sua liberdade
ao sair de Portugal para procurar emprego lá fora, pois, na realidade, foram forçados a sair, como os
portugueses das décadas de 60 e 70 do século xx.
5 Por exemplo: na primeira intervenção de Sofia Galvão, «Ó Fátima, se me permite, eu gostava de dizer […]».
1
1.1 (C); 1.2 (B); 1.3 (C); 1.4 (C); 1.5 (A); 1.6 (C); 1.7 (D).
2
2.1
Ao utilizar formas do verbo «passar» no presente, no pretérito perfeito e no futuro — evidenciadas
pelo emprego pleonástico dos advérbios «antes» e «depois» —, quando se refere ao que «diz»/«é»
o vento, o «guardador de rebanhos» aponta para o carácter cíclico dos ritmos da Natureza e salienta
nesta um esquema circular que sugere a ideia de completude.
3
3.1
As repetições de vocábulos nestas estrofes — na enumeração polissindética e anafórica
(«[…] e que […] E que […] e que […], vv. 4‑ 6) e nas três formas do verbo «passar»,
na segunda estância, e das palavras «vento» e «mentira», na quarta estância — tornam
o discurso do «guardador de rebanhos» extremamente simples e pobre. (O seu discurso
revela uma maior pobreza vocabular do que o daquele que o interpela.) A grande simplicidade
da linguagem nestas duas estrofes está, pois, em consonância com a visão do «guardador
de rebanhos», também ela simples e objetiva, e salienta a simplicidade do que há
a compreender/ver em relação ao mundo.
B
4 A natureza é representada no poema de uma forma idealizada, segundo o ideal clássico do locus
amoenus: é uma suave paisagem natural, fértil e primaveril («Alegres campos, verdes arvoredos», v. 1;
«silvestres montes», v. 5; «verduras deleitosas», v. 10), variada («ásperos penedos, compostos em concerto
desigual», vv. 5‑ 6), serena e luminosa («claras e frescas águas de cristal», v. 2). É uma natureza mágica que
sugere e propicia felicidade («Alegres campos», v. 1; «verduras deleitosas», v. 10; «águas que correndo
alegres vêm», v. 11), como um paraíso terrestre.
10 Valor restritivo.
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
as principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
1 E, portanto, até aos 15 anos, o que os jovens da minha idade faziam era ler. E lembro‑me dos
verões na ilha das Flores […], que eram verões intermináveis, porque eram verões de três meses.
Fernando Pessoa
Mas, na ilha das Flores, foi a literatura que me salvou graças à biblioteca itinerante da Fundação
Gulbenkian, que eram aquelas carrinhas… E, portanto, sim, senhor, salvou‑me muitos verões […].
Nesse sentido, sim. Do ponto de vista de salvar a alma, de salvar o espírito… Francamente, não,
porque a minha personalidade, a minha forma de encarar a vida, mune‑se de tantos instrumentos
de reforço, que fui salva, muitas vezes, por muitos outros artifícios. A literatura foi apenas mais um
reforço na minha construção do meu ser. […]
Álvaro Laborinho Lúcio: […] Eu começava por dizer, depois de tudo o que ouvi até agora, que já
consegui firmar uma certeza, mas que vem também da minha experiência histórica, que eu julgo
que é partilhada [por vós], quanto mais não seja também pela cultura que possuem. É que […]
um par de botas não salva.
Gabriela Canavilhas: Ui… Talvez salve, nalgumas circunstâncias.
Álvaro Laborinho Lúcio: Eu acho que as circunstâncias são tão poucas, que é perigoso admitir a
hipótese de que há algumas em que [ele] salve. Em segundo lugar, tenho alguma dificuldade em
me confrontar com o que salva ou com o que se propõe salvar, […] porque eu fico logo do lado
do salvado e admitindo a probabilidade de ficar fora do cesto daqueles que são eleitos para serem
salvos. E, portanto, eu diria que a literatura não salva, como nada salva. Para não ser tão radical,
então, eu teria de fazer uma primeira pergunta, que é a de saber de que é que nós estamos a falar,
quando falamos em salvação, e de quem estamos a falar, quando falamos em pessoas que sejam
suscetíveis de serem salvas […]. Portanto, eu gostaria de retirar a literatura dessa… quase dessa
funcionalidade. […] A questão que eu ponho é diferente: é saber se a literatura é modificadora em
si mesma. Eu recordo, por exemplo, […] a conhecida interrogação [feita] a Bertolt Brecht sobre se
o teatro é capaz de modificar o mundo. E Bertolt Brecht responde: «Só num caso: se o mundo for
suscetível de ser modificado.» E, portanto, isto coloca esta relação dialógica entre quem salva e
quem é salvo. Sendo certo que, sendo uma relação dialógica, não pode ser dialética. Ela tem de
estar no mesmo núcleo central, para que se não distinga depois o que salvou e o que foi salvo.
[…] O que eu quero dizer é que, quando nós entramos num discurso que tem que ver com essa
dimensão, em primeiro lugar nós imprimimos no discurso, desde logo, um preconceito ideológico
ou uma preposição ideológica. Eu aí prefiro acabar com a grande eloquência do quem salva /
o que salva e achar que estas coisas são muito mais capazes de nos modificar em termos de nos
enriquecerem. Só para terminar… Por exemplo, aquela expressão do George Steiner, quando ele
fala das grandes obras… entende que são aquelas que nos modificam. Não são as obras que nós
lemos, mas são as obras que nos leem. Aquelas obras que, depois de lidas, nos deixam diferentes
do que éramos, que nos transformam. E, nesta medida, então, é claro que sim, que a literatura
tem um potencial enorme — mas eu, aqui, voltaria a dizer como Brecht — sobre aqueles que,
ao lerem, admitem serem suscetíveis de se transformar.
1
1.1
A literatura pode salvar‑nos por nos desassossegar, por nos permitir uma maior lucidez, por favorecer
o enriquecimento do pensamento e do carácter.
1.2 Gabriela Canavilhas considera que esta afirmação não é rigorosa, pois a literatura é apenas uma
de entre as várias formas de arte e de expressão que contribuem para o autoconhecimento
e enriquecem o pensamento.
2 2.1 Laborinho Lúcio questiona o significado do termo «salvação» e a existência de pessoas que precisem
de ser salvas.
2.2 Trata‑se de saber se a literatura é modificadora.
1
1.1 (D); 1.2 (C); 1.3 (C); 1.4 (B); 1.5 (A); 1.6 (A).
2
2.1
Deus desejou a ligação entre continentes e os povos do Planeta («que a terra fosse toda uma, /
Que o mar unisse, já não separasse», vv. 2‑3). Para tal, «[s]agrou» (v. 4) o Infante D. Henrique — verbo
importante (ocorrendo duas vezes no texto), com uma conotação religiosa, que remete para a
dimensão sagrada da missão das Descobertas e para o carácter predestinado do Infante e pode
aludir ao promontório de Sagres, associado ao Infante D. Henrique. Por vontade divina, o Infante foi
o grande impulsionador dos Descobrimentos, «desvendando a espuma» (v. 4) — isto é, descobrindo
os mares —, fazendo com que essa «espuma» («orla branca») fosse «de ilha em continente» (v. 5) —
ou seja, alargando o espaço conhecido. Com efeito, o Infante foi uma figura da universalidade ao
permitir, pela conquista do mar, o conhecimento do mundo e a comunicação entre os povos
(«E viu‑se a terra inteira, de repente, / Surgir, redonda, do azul profundo.», vv. 7‑8).
3 Depois de a obra desejada por Deus se ter concretizado, o Império desmoronou‑se (ideia que,
abruptamente, interrompe o tom eufórico do poema). Falta, agora, «cumprir‑se» o desígnio de Portugal.
No verso que fecha o poema, iniciado pela apóstrofe «Senhor», como numa prece, o sujeito poético lança
um apelo a Deus: que se cumpra o destino mítico de Portugal, isto é, que se funde um novo império,
o Quinto Império, agora de cariz espiritual, que pela vontade de Deus pode ser concretizado.
B
4
4.1
A função didática e edificante da narrativa está patente no comportamento de Jorge de Albuquerque
Coelho. Quando os ventos fortes obrigam a aliviar a carga da nau, é a caixa do comandante, «na qual
ele trazia os seus vestidos e outros objetos de importância», a primeira a ser deitada ao mar.
O protagonista constitui igualmente um exemplo porque, quando todos desanimam e perdem a
esperança, procura incentivar os seus companheiros e revela coragem e capacidade de liderança:
«vendo‑os assim, começou a falar‑lhes para lhes dar ânimo, e ordenou a alguns que buscassem meio
com que se pudesse enfim governar a nau».
5
5.1
A força destruidora da natureza é evidenciada pela presença de vários recursos expressivos:
a personificação do vento («soprasse em fúria», «açoitando»), que sugere um intuito destruidor;
a enumeração das ações dos ventos fortíssimos, com um impacto na nau, nas nuvens e no mar,
associada à utilização expressiva do gerúndio («zunindo, «turbilhonando», «rendilhando» e
«açoitando»), a realçar a continuidade dos estragos; a onomatopeia «zunindo», que sugere sensações
sonoras; a metáfora visual «rendilhando espumas», que expressa a turbulência das ondas; o animismo
em «vagalhões roncantes», com o uso do aumentativo, sugerindo sensações visuais e sonoras.
Mensagem
8 Modificador apositivo do nome.
9 Coesão interfrásica.
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
as principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Fátima Campos Ferreira: Boa noite! Que tempo é este em que vivemos? Em Portugal, iniciou‑se um
novo ciclo político. Mas há outros sinais que vêm da Europa e do mundo. Desde logo, está a
decorrer em França uma conferência sobre o clima, que atrai, que está a juntar, em Paris, líderes
de mais de cento e cinquenta países. Há também o agravamento da ameaça terrorista em toda
a Europa, e não só. Portanto, só aqui, temos vários sinais dos tempos que vamos hoje tratar,
debater, com um conjunto de pensadores da sociedade portuguesa. Começo pelo Professor
Carvalho Rodrigues. Eu disse há pouco que, em Portugal, se está a iniciar um novo ciclo político…
Mas nós, quando olhamos e pensamos o nosso tempo, temos de o ver de forma integrada, um
retrato integrado, não só do caso português, mas também do que se passa no resto do mundo.
E porque o caso português, nos últimos tempos, foi diferente do habitual, daquilo que foram os
últimos anos no País, a minha primeira pergunta é: como é que o senhor entende a crispação que
o País viveu e por que caminhos é que acha que vai a sociedade portuguesa a partir de agora?
Fernando Carvalho Rodrigues (físico): Sabe que, cada vez que há um império, quando todas as
possibilidades se esgotam, muda de ciclo. Sempre foi assim. E a crispação resulta de uma coisa
que vem logo no Génesis, 2,7: «Se comeres da árvore do conhecimento do bem e do mal, por
certo, perecerás.» Que é uma coisa curiosa, a árvore do conhecimento. Eu, primeiro, julgava que
era só do conhecimento; depois, o Padre Stilwell é que me mostrou que era do conhecimento
do bem e do mal. Quem se arvora em conhecer o bem e o mal faz este mundo de hoje, que é
aquele que faz as guerras, que é… as verdades. As pessoas, os humanos, nós somos terríveis,
porque guerras económicas nunca houve… Há umas estaladas… Agora, guerra, guerra, guerra,
é por verdade. Isso os humanos, nós, por verdades, vamos até aos últimos limites. De modo que
aqueles debates onde há vozes sobre vozes, os olhos como dardos e a jugular a bater não são
debates: são combates, porque cada um tem a sua verdade.
Fátima Campos Ferreira: Mas não é habitual que essas verdades sejam, de alguma forma, tão
distintivas nas sociedades e causem tanta crispação, como foi o caso aqui nos últimos meses.
Fernando Carvalho Rodrigues: Quando surgem, surgem conflitos que… Agora que se sabe que
é assim… Não, não pode continuar assim. É um novo meio de encarar outras possibilidades.
Havia umas possibilidades. Essas esgotaram‑se. Agora há outras possibilidades.
Fátima Campos Ferreira: Portanto, antevê um ciclo de apaziguamento a partir daqui.
1 Fernando Carvalho Rodrigues: Se não houver, haverá a jugular que rebenta… Aquelas pessoas que
vêm para aqui debater, que… os olhos parecem dardos, e a jugular a bater, a bater… Pode ser que
Fernando Pessoa
Mensagem
por elas, mas, em contrapartida, não é capaz de encontrar uma estratégia para si próprio?
Entende‑o dessa maneira?
Dulce Maria Cardoso (escritora): Sim e não. Acho que, a partir de 1974/1975, quando perdemos o
chamado império colonial, nós ficámos, de alguma forma, órfãos, e nunca fizemos esse trabalho.
Nunca fizemos um trabalho de pensarmos como éramos enquanto povo, como passámos a ser…
Fátima Campos Ferreira: Nós vimos na Europa essa substituição, não é?
Dulce Maria Cardoso: Exatamente. Quisemos compensar, de alguma forma, essa pequenez, que não
nos é natural, porque em termos genéticos, enquanto povo… Eu, por exemplo, cresci a saber que
Portugal não era um país pequeno, que ia do Minho a Timor… E isso, de alguma maneira, molda
‑nos. E, de repente, fomos amputados… É claro que o império nunca deveria ter existido. Isto não
é uma conversa a favor… Não é uma conversa conservadora. Mas a verdade é que depositámos
grandes esperanças na Europa. Eu, por exemplo, estive na faculdade, quando entrámos na então
CEE, na União Europeia, havia uma grande esperança, e de repente o sonho europeu também
falhou. E, portanto, nós estamos, de alguma maneira, sós e finalmente confinados à nossa
pequenez. Esta questão de que o Professor falou, do bem e do mal, é uma questão que sempre
existiu. O que acontece agora, talvez pelo [facto de o] conhecimento ser mais rápido, mais
facilmente veiculado, há muitas ideias musculadas de bem e de mal. E, enquanto eu era mais
nova, era claramente identificado o que era o bem e o que era o mal, sendo que uns achavam que
o bem era o comunismo e outros achavam que o bem era o capitalismo, mas era identificado,
neste momento nós temos muitas propostas e estamos constantemente a avistá‑las. E, portanto,
isto, se não cria um conflito declarado, cria um conflito latente. E acho que essa crispação vem
desse conflito latente, que nós sabemos que, mais cedo ou mais tarde, se vai declarar. E, depois,
em relação a Portugal, há questões que não podemos menosprezar, que são práticas. Nós temos
uma democracia recente — também não é assim tão recente já, porque qualquer dia temos mais
tempo de democracia do que de ditadura —, mas temos hábitos terríveis, como, por exemplo,
uma corrupção, uma ineficácia de justiça, uma ineficácia de garantia, e que, portanto, também
provoca no cidadão aquela ideia de que não vale a pena agir. Tudo isto junto faz com que… Não
sabemos bem onde estamos e, quando falamos sobre o assunto, naturalmente nos crispamos.
1
(A) V
(B) F — Depois de se referir ao tema do debate, Fátima Campos Ferreira interpela Carvalho Rodrigues,
o primeiro interveniente, sem mencionar, então, os restantes participantes no debate.
(C) F — Fátima Campos Ferreira menciona o nome deste participante no debate, mas não se refere
ao PoSat‑1.
(D) F — Segundo o Professor Carvalho Rodrigues, a crispação que existe atualmente tem que ver com
o conhecimento do bem e do mal. Os homens acham que conhecem o bem e o mal, entrando em
combates por aquilo que acham que é a verdade.
(E) F — Quando se refere ao «coeficiente de extinção», Carvalho Rodrigues alude ao facto de cada vez
menos pessoas serem necessárias para extinguir a humanidade.
(F) V
(G) V
(H) F — Para Dulce Maria Cardoso, o grande problema de Portugal, atualmente, tem que ver com o facto
de, pela primeira vez, depois de um império colonial que durou vários séculos e depois de goradas
as esperanças que tínhamos por fazermos parte da União Europeia, estarmos confinados a uma
pequenez que não nos é natural.
(I) V
1
1.1 (C); 1.2 (D); 1.3 (A); 1.4 (D); 1.5 (D); 1.6 (C); 1.7 (A).
Fernando Pessoa
FICHA DE ESCRITA 4
O texto deve respeitar o tema proposto (estrutura formal e simbólica da Mensagem), o género textual indicado
(texto expositivo) e o limite indicado (130 a 170 palavras). Deverão ser referidos os seguintes tópicos:
• Conjunto de quarenta e quatro poemas divididos em três partes: «Brasão» (sobre os fundadores da Nação e
do império marítimo e os mártires da Pátria), «Mar Português» (sobre os protagonistas e os acontecimentos
mais importantes dos Descobrimentos) e «O Encoberto» (sobre os símbolos associados ao Quinto Império,
as figuras que profetizaram a vinda do Encoberto e os momentos que antecedem a chegada deste);
• Estrutura tripartida que é a expressão poética dos três momentos da evolução do Império Português —
nascimento da Nação e da epopeia marítima, revelação e domínio dos mares pelos Portugueses, decadência
da Nação e possibilidade de ressurreição —, de acordo com o ciclo da vida (nascimento/realização/morte),
anunciando o Quinto Império, de natureza espiritual, moral e civilizacional;
• Significado simbólico da tripartição do livro (cuja epígrafe inicial remete, desde logo, para uma dimensão
simbólica): o número três como elemento associado à perfeição e ao divino.