Cia Mariocas e o Tambor de Crioula
Cia Mariocas e o Tambor de Crioula
Cia Mariocas e o Tambor de Crioula
Rio de Janeiro
2017
Vitor Cerqueira Dassie
Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEHB
CDU 398(81)
_______________________________________ __________________
Assinatura Data
Vitor Cerqueira Dassie
_____________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Gomes Lima (orientador)
Instituto de Artes – UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Maurício Barros de Castro
Instituto de Artes – UERJ
_____________________________________________
Profª. Dra. Maria de Cáscia do Nascimento Frade
Faculdade Angel Viannna
Rio de Janeiro
2017
AGRADECIMENTOS
DASSIE, Vitor Cerqueira. The Companhia Mariocas and the Tambor de crioula:
popular culture from the perspective of the rhetoric of loss. 2017. 173 f. Dissertação
(Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Figura 1 - Altar dedicado a São Benedito na festa de Mestre Amaral, São Luís, MA,
2016. ......................................................................................................................... 15
Figura 2 - Tambores do Mestre Amaral, São Luís, MA, 2016. .................................. 16
Figura 3 - Umbigada ou punga feminina, São Luís, MA, 2016. ................................. 19
Figura 4 - Umbigada ou punga feminina com a Cia. Mariocas, Lapa, 2016 .............. 22
Figura 5 - Punga de tambor, Cia. Mariocas, Lapa, 2016. .......................................... 23
Figura 6 - Rômulo e Ramon no rufador e no meião, Praça Mauá, 2016. .................. 25
Figura 7 - D. Rosa e D. Chuchu, Praça Mauá, 2016. ................................................ 27
Figura 8 - Coureira na roda mensal dos Mariocas, Praça Mauá, 2016. .................... 28
Figura 9 - Caixeiras do Divino, Ilha do Governador, 2017. ........................................ 33
Figura 10 - Boi Brilho de Lucas, Parada de Lucas, 2016. ......................................... 37
Figura 11 - Quentando os tambores.......................................................................... 49
Figura 12 - Rufador de PVC, Praça Mauá, 2017. ...................................................... 52
Figura 13 - Indumentária de coureira, Praça Mauá, 2016. ........................................ 68
Figura 14 - Um mundo extraordinário, São Luís, MA, 2016. ..................................... 70
Figura 15 - Coureira, Lapa, 2016. ............................................................................. 80
Figura 16 - Oficina do Mestre Amaral com a Cia. Mariocas na Casa do Maranhão,
Rio de Janeiro, 2016. ................................................................................................ 87
Figura 17 – Roda de coureiras, Praça Mauá, 2016. .................................................. 96
Figura 18 - Área interna do local de trabalho do Mestre Amaral, São Luís, MA, 2016.
................................................................................................................................ 105
Figura 19 - A Companhia Mariocas, Praça Mauá, 2016. ......................................... 112
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 8
INTRODUÇÃO
1
A expressão Tambor de Crioula, grafada com iniciais maiúsculas, será usada ao longo deste
trabalho para se referir à manifestação cultural em estudo. Assim como a forma reduzida Tambor,
igualmente com inicial maiúscula. O termo tambor aparecerá em minúsculas todas as vezes que se
referir ao objeto, instrumento de percussão membranofone, que dá nome à manifestação.
9
oportunidade de ver de perto o Tambor em sua origem e que renderam muitas fotos
e uma entrevista que enriqueceu muito o trabalho.
Além das pesquisas de campo, alguns trabalhos anteriores de pesquisa
acadêmica foram importantes para minha pesquisa. Destacam-se algumas
pesquisas sobre a cultura maranhense no Rio de Janeiro, como os trabalhos de Ana
Gonçalves sobre os Mariocas (2015), de Aline Paes sobre o boi Brilho de Lucas
(2014) e de Carla Pereira sobre a festa do Divino da colônia maranhense (2005).
Além da pesquisa de Lady Albernaz (2004) sobre a identidade cultural maranhense.
como foi o processo de migração dos seus membros, além de identificar quem são
os componentes que estiveram mais atuantes à época da pesquisa.
Em um segundo momento, traça um histórico da cultura maranhense
presente no Rio de Janeiro desde a década de 1960, reconstruindo os passos dos
principais nomes que foram responsáveis pela criação de uma colônia maranhense
organizada nesta cidade, assim como os principais locais de encontro onde são
celebradas as festas, a religião e confraternização. Por fim, traça um histórico dos
principais pesquisadores maranhenses de cultura popular desde fins do século XIX e
sua influência na institucionalização da cultura naquele Estado, localizando
semelhanças entre estes e o processo de patrimonialização da cultura que passa a
ocorrer em âmbito nacional a partir do século XX, a fim de observar a influência
deste na formação dos discursos de identidade cultural maranhenses.
O capítulo 2 discute o processo de construção da identidade, ou das
identidades, que compõem a Companhia Mariocas como um grupo, situando-as no
contexto de demandas que moldam as questões da formação identitária na
contemporaneidade, tendo como principais referências os trabalhos Stuart Hall
(2006) e John Storey (2015). Isto, sem perder de vista o contexto histórico no qual
estão inseridos e que lança luz sobre o atual cenário em que se inserem e levando
ainda em consideração a conexão ritual com a ancestralidade, valor que, como
veremos, é crucial na formação da sua identidade. Trata ainda de observar as
diferentes vozes que compõem o grupo, assim como seus interesses e motivações.
Também no capítulo 2 serão discutidas questões sobre o que são culturas
populares, a fim de entender como os conflitos entre os grupos hegemônicos e
dominados dão origem à própria noção de cultura popular e de que forma essa
mesma interação entre os grupos pode trazer benefícios para os grupos de cultura
popular ao impulsioná-los conferindo-lhes energia, mas pode ao mesmo tempo
ameaçá-los.
O capítulo 2 ainda vai recorrer a duas outras ferramentas que ajudarão a
escutar o que diz o grupo e o que eles desejam. Primeiro, ao observar o Tambor
como um ritual, tendo como referência o trabalho de Roberto DaMatta (1997), será
possível enxergar como o rito põe em evidência certos elementos que mostram e
dão forma aos valores defendidos pelo grupo, além de deixar evidente que
elementos são esses. Ao observar tais elementos postos em destaque pelo rito, é
12
esse período. Essa ambiguidade, embora seja comum a diversas festas religiosas,
pode, como se verá, estabelecer uma conexão com fatores sociais estritamente
ligados à cultura afrodescendente de um modo geral e especificamente à cultura dos
negros no Maranhão, principalmente quando comparada com outra ambiguidade
característica do Tambor de Crioula, a relação entre divertimento e treinamento
marcial. Por fim, o Tambor de Crioula ocorre em todo o estado do Maranhão com
pequenas variações regionais de ritmo – ou sotaque, no jargão dos brincantes –, de
cantoria e de coreografia.
Durante minha pesquisa, tive a oportunidade de acompanhar a festa realizada
todos os anos no mês de outubro por Mestre Amaral, além de colher seu
depoimento em uma entrevista. Mestre Amaral é um mestre de Tambor de Crioula
atuante em São Luís e que tem uma relação com os Mariocas, uma vez que a
Companhia já esteve no Maranhão por ocasião de suas festas e que o Mestre já
esteve também no Rio de Janeiro dando oficinas com o grupo. Sua entrevista,
realizada com a intermediação de componentes do grupo foi importante para a
pesquisa por trazer uma outra visão do universo do Tambor de Crioula. É natural de
São Vicente Ferrer, na Baixada maranhense, sobrinho de Mestre Felipe e atua em
São Luís.
Sobre os diferentes sotaques do Tambor de Crioula, Mestre Amaral comenta:
Fonte: o autor
Fonte: o autor
É, na verdade é punga o nome. Mas hoje em dia vai mudando, né, eles vão
criando outro nome. Hoje o povo chama embigada porque, realmente, a
punga é no embigo e eles chama embigada, mas o nome mesmo é punga.
Porque antigamente era a punga dos homens e ainda tem, ainda. Punga
dos homens, que é o homem que dançava tambor, na verdade, né. Então
tinha a punga dos homens que era tipo uma rasteira, né, na perna. Era na
perna, quer dizer, essa era a punga que se chama punga dos homens. E as
mulheres a punga é na barriga, aí nego chama também embigada, mas o
nome é punga mesmo.
4
Muitas vezes as toadas podem ser puxadas pelo cantador, antes da entrada dos tambores, e isso
pode também determinar uma diferença de sotaque entre toadas puxadas pelo socador, mais
aceleradas, ou aquelas mais lentas, puxadas pelo cantador (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 116).
18
do toque de um ritmo específico realizado pelo rufador e que deve ser acompanhado
por um movimento coreográfico de interação e improviso da coureira. Tanto nesses
casos quanto no anterior há uma espécie de sintonia ou cumplicidade expressadas
no ato da punga. E a quarta forma é a punga masculina, que se manifesta através
de um golpe dado com a perna e que tem o objetivo de derrubar o oponente, em um
movimento que se assemelha a um golpe de capoeira. Mestre Amaral comenta: “A
punga dos homens é uma dança tipo a capoeira, né. O cara dança, aqueles
senhores dançam e depois vai lá e dá... pega aqui na perna, aqui... brincando ele faz
assim... [levanta e mostra como é o movimento]”. Atualmente é uma prática que vem
perdendo espaço, segundo relatos de membros da Companhia Mariocas e outros
relatos como o encontrado em Os Tambores da Ilha (IPHAN, 2006, p. 113), devido à
sua agressividade, principalmente na capital São Luís. Rômulo comenta sobre a
punga masculina:
Na verdade a pungada dos homens é uma... É muito difícil você hoje ver
essa pungada no Maranhão, hoje é muito difícil. Só lá no interior do interior
que você vê a pungada dos homens, que é batendo a coxa contra a coxa do
outro para deixar o outro cair. Na verdade também é uma punga, não deixa
de ser uma punga. É... na verdade eu te juro que não vejo mais isso. Em
São Luís mesmo você não vê isso. Nos interiores mais próximos da capital
São Luís, também não vê mais. Você vai encontrar de um, dois a três
interiores a pungada dos homens. Então a gente não se baseia muito nessa
pungada dos homens, não.
5
https://www.youtube.com/playlist?list=PL4ADDF4C816E80CF5, página consultada em 20/09/2017.
19
A punga é o símbolo do tambor de crioula. Quer dizer, tem que ter. Tem que
existir. O toque do tambor aqui que faz ela, a coreira, fazer a punga ali. O
jogo em cima do tambor. Ela rola ali, dá aquela rodada; quando ela faz
aquela meia lua, aí ela vai em cima do tambor. Quer dizer, certo com a
punga do tambor, ela também faz o jogo do corpo dela (IPHAN, 2006, p.
55).
Essa leitura sugere que existe um elemento que unifica o significado das
quatro formas de punga – independente dos significados que cada gesto possa
representar individualmente. Para entender de que forma quatro gestos tão distantes
na forma se fundem de modo que são entendidos como uma coisa só e para
entender o significado dessa fusão, é importante retornar às origens destes gestos e
rever de que forma ocorreu sua inserção no Brasil colonial escravocrata.
20
Indo ao encontro do que informa Tinhorão, Roldão dos Santos Lima afirma,
sobre a referida vênia, em seu texto para o livro Tambor de Crioula Ritual e
Espetáculo que
Quando a gente sai da nossa cidade para a cidade dos outros, para outro
lugar, a gente perde nossas raízes, na verdade é isso. Então para a gente
25
não perder nossas raízes, nosso sotaque, nossas falas, nossas comidas, a
nossa cultura, nós montamos esse grupo.
que tinha saído de lá com uns 4 para 5 anos, que não conhecia, para ela
conhecer um pouco a nossa cultura. Aí quando chegou lá que ela começou
a ver a batida do tambor, quando eu vi a Gleicinara já estava na roda
dançando e por causa dela eu entrei no grupo.
D. Rosa diz ainda que gosta de dançar: “É uma terapia que eu faço. Você
solta tudo que é de ruim, extravasa e quando você vai para casa está levinha (risos)
”.
6
Cidade de 1.093 km2, localizada no Litoral Ocidental Maranhense, com população em 2016
estimada em 30.805 habitantes e IDH 0,612 em 2010, segundo o IBGE: http://cod.ibge.gov.br/NAC,
consulta realizada em 27/01/2017.
7
O Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, também conhecido como Feira de São Cristóvão
e Feira dos Paraíbas [nome considerado pejorativo], é um pavilhão que promove a cultura e o
comércio de produtos nordestinos. Localiza-se na cidade do Rio de Janeiro. Foi criado em
homenagem a Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. (Fonte: Wikipédia, https://goo.gl/uxjBFn, consulta
realizada em 27/01/2017).
30
Dona Cecília era uma das integrantes mais importantes, por ser a mais
velha e ser bastante altiva, pois era ela quem colocava ponto final nos
conflitos. Era uma mulher muito alegre e cheia de energia, com seus
cabelos grisalhos e no auge dos sessenta anos era quem fechava as rodas
de Tambor e durante a roda chamava atenção de quem não estivesse
cumprindo as regras da dança. Exercia um papel importante de unir o
grupo, tendo em vista que por mais que houvesse divergências entre alguns
integrantes, todos a respeitavam. (GONÇALVES, 2015, p. 51-52)
8
Cidade de 273,526 km2, localizada no Oeste Maranhense, com população em 2016 estimada em
32.348 habitantes e IDH 0,633 em 2010, segundo o IBGE: http://cod.ibge.gov.br/BYM, consulta
realizada em 27/01/2017.
31
de saúde que o impede de frequentar todas as rodas e ensaios, quando vai às rodas
assume o tambor grande e puxa as toadas.
Aedda Mafalda é carioca, nascida nas proximidades da região do Morro da
Serrinha9, onde sua família tem uma casa de candomblé. Conta que nunca tinha tido
contato com danças populares, exceto o samba de roda do Recôncavo Baiano, por
conta de sua relação com a religião afro-brasileira. “A minha avó era zeladora de
uma casa [de candomblé] e a gente, depois do candomblé, fazia samba de roda”. É
educadora infantil e profissional de dança. A Serrinha, além de ser conhecida por
seus jongos, é uma comunidade que faz parte da região da Grande Madureira, área
também famosa pela atuação, desde o início do século XX, das tias em seus
quintais do samba, pontos de encontro e de celebração artística e religiosa, onde,
assim como ocorre ainda hoje com o Tambor de Crioula, “o binômio festa-religião
articulava a vida social do grupo, e é quase impossível separar um do outro”
(CASTRO, 2016). Seu primeiro contato com outras danças populares veio por meio
da academia, durante sua graduação em dança contemporânea, através do
professor da disciplina folclore que levou a turma para assistir a roda de jongo da
Lapa, no ano de 2010. Nesse dia travou seu primeiro contato com a Companhia
Mariocas, que também se apresentava no local, ocasião em que tomou
conhecimento de uma oficina que seria realizada pelos Mariocas no SESC
Madureira, em agosto do mesmo ano. Sobre seu contato anterior com as danças
populares, Aedda diz que:
9
A Serrinha é uma comunidade localizada no bairro de Madureira, próximo à divisa com Vaz Lobo,
Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Esta comunidade é conhecida por ser o berço das escolas
de samba Prazer da Serrinha (extinta) e Império Serrano, sendo que esta última, apesar de não ser
mais sediada na comunidade, ainda mantém com ela profundos vínculos. A Serrinha é conhecida por
ser também um dos tradicionais locais de prática de jongo, desde a época dos primeiros sambistas,
no início do século 20. (Fonte: Wikipedia, https://goo.gl/CAA2D2. Consulta realizada em 28/01/2017.)
32
10
Museu de Arte do Rio (MAR) é um museu localizado no centro do Rio de Janeiro, inaugurado em 1
de março de 2013.
33
11
A categoria colônia pode também ser entendida como uma objetificação cultural construída por
meio dos discursos dos seus membros, como veremos mais adiante no capítulo 3.
34
12
O Complexo da Maré é um bairro com conglomerado de pequenos bairros da Zona Norte da capital
fluminense. Constitui-se num agrupamento de várias favelas, sub-bairros com casas e conjuntos
habitacionais. Com cerca de 130.000 moradores (2006), possui um dos maiores complexos de
favelas do Rio de Janeiro, consequência dos baixos indicadores de desenvolvimento social que
caracterizam a região. O seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no ano 2000 era de 0,722, o
123º colocado da cidade do Rio de Janeiro, melhor apenas do que o de Acari, do Parque Colúmbia,
de Costa Barros e do Complexo do Alemão.
(Fonte: Wikipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Mar%C3%A9_(bairro), consulta realizada em
10/02/2017).
35
13
Entidades cultuadas no Tambor de Mina. Segundo Mundicarmo Ferretti, trata-se de “seres
espirituais africanos (voduns e orixás) e não africanos, recebidos em transe mediúnico nos terreiros,
que não podem ser observados diretamente, mas que se afirma poderem ser vistos, ouvidos em
sonho ou por pessoas dotadas de poderes especiais, e podem ser observados por todos, quando
incorporados” (FERRETTI, 2000).
36
pode durar até três dias. O terreiro Ilê de Iansã-Obaluaiê foi fundado em Nova
Iguaçu no ano de 1974 por Antônia Luzia Barbosa da Costa, Dona Antônia. Além
destes há o Terreiro Abassá de Mina Jeje-Nagô, de Maria Margarida Freitas Silva,
Dona Margarida.
Além das Festas do Divino e dos terreiros de Tambor de Mina, outras formas
de manifestação cultural maranhenses são cultivadas por migrantes no Rio de
Janeiro. Segundo conta Aline Paes (2014), um outro grupo de migrantes que
começou a chegar a partir da década de 1970, as famílias Rosa Castro e Silva
Costa, naturais de Alcântara, interior do Maranhão, passou a realizar todos os anos,
no mês de junho, a partir de 1982, uma festa de bumba meu boi no bairro de Parada
de Lucas14, zona norte do Rio, conhecido como Boi Brilho de Lucas.
A festa do Brilho de Lucas também é um ponto de articulação que atrai a
atenção de outros migrantes maranhenses. Segundo a autora, “O Brilho passa a
crescer e ser comentado por outros migrantes, e com isso passa e ser uma
referência na cidade dentro deste nicho [...] atraindo outros migrantes que
rapidamente se tornaram amigos ou parceiros do grupo” (PAES, 2014, p. 21).
14
Parada de Lucas é um bairro de classe baixa da Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Seu
índice de desenvolvimento humano, no ano 2000, era de 0,745, o 117º colocado entre 126 regiões
analisadas na cidade do Rio de Janeiro. Faz fronteira com os bairros Vigário Geral, Vista Alegre, Irajá
e Cordovil e também com o município de Duque de Caxias. O comércio local é composto
essencialmente por bares e mercearias, predominantemente conduzidos por descendentes de
migrantes nordestinos. (Fonte: Wikipedia, https://goo.gl/im2Tbl. Consulta realizada em 28/01/2017.)
37
Fonte: https://www.facebook.com/brilho.delucas
15
https://casadomaranhao.wordpress.com/category/a-casa/, consulta realizada em 11/02/2017.
38
16
A expressão “redescobrir o Brasil”, segundo Gonçalves (1996), foi cunhada pelos modernistas e
implicava uma intensa valorização da cultura brasileira em contraste com a cultura europeia (ver nota
de rodapé à página 41).
39
desenvolver pesquisas. Não tinham como foco central os estudos sobre culturas
populares, mas se desdobravam para esse tema com frequência. Trata-se da
Academia Maranhense de Letras, fundada em 1908, e do Instituto de História e
Geografia do Maranhão, 1925.
Ambas instituições, assim como as obras de Lopes e Magalhães, podem ser
vistas “como mais um lugar de fortalecimento da erudição, sendo o povo um objeto
de reflexão vinculado à continuidade dos símbolos eruditos, ou como o povo, na sua
própria linguagem, expressava esses símbolos” (ALBERNAZ, 2004, p. 179-180). O
estudo das culturas populares no Maranhão até essa época não parecia estar
preocupado em encontrar nessas culturas, elementos que pudessem forjar a
identidade brasileira ou maranhense, ou que permitissem “redescobrir o Brasil”,
preocupação dos intelectuais ligados ao modernismo, como Rodrigo. A busca era no
sentido oposto, encontrar no popular, elementos que o elevassem à condição de
civilizado. Nas palavras de Albernaz,
17
A Comissão Nacional de Folclore é uma entidade governamental brasileira dedicada ao estudo e
fomento do folclore brasileiro. Foi fundada em 1947 por Renato de Almeida, através de
recomendação da UNESCO, sendo vinculada ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura e
à UNESCO. Mantém seu escritório e acervo no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro (Fonte:
Wikipédia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Comiss%C3%A3o_Nacional_de_Folclore, consulta realizada
em 22/02/2017). "A estrutura da CNFL baseou-se em subcomissões criadas em todos os estados
brasileiros, constituídas por estudiosos do tema usando metodologia semelhante à ciência positiva, e
que, simultaneamente, tivessem boas relações com o poder executivo local. A CNFL formou uma
verdadeira rede de pesquisa nacional, com o objetivo de criar a ciência do folclore nas universidades
brasileiras que estavam se organizando” (ALBERNAZ, 2004, p. 180, nota 42).
43
formaram a SMFL eram quase todos ligados à AML ou ao IHGM, o que não trouxe
mudanças importantes ao pensamento até então estabelecido. Entretanto, é através
da SMFL que o nome de Domingos Vieira Filho começa a se estabelecer. Além
disso, a partir da implantação da CNFL e suas subcomissões, os estudos sobre
cultura popular começam a “superar o caráter local” (VILHENA, 1997, p. 94),
ganhando uma certa uniformidade. Em 1950 a SMFL se desarticula após a morte de
Lopes, visto que seus integrantes tinham seus postos na AML e no IHGM,
parecendo ter continuado apenas pelos esforços de Vieira Filho. A partir de então
diminuem as publicações sobre cultura popular no estado, sendo que quase metade
desta produção é de autoria de Vieira Filho, fato que viabiliza sua legitimação
intelectual (ALBERNAZ, 2004, p. 182).
Cabe aqui observar que nessa época também ocorre a Missão de Pesquisas
Folclóricas (MPF), organizada por Mário de Andrade através da Biblioteca Pública
Municipal de São Paulo entre 1937 e 1938. A pesquisa realizada pela MPF foi
importante por refletir pioneiramente sobre o Tambor de Crioula e o Tambor de Mina
do Maranhão. Entretanto, o trabalho, publicado tardiamente em 1948, trazia uma
incoerência ao classificar ambos no grupo das manifestações religiosas, como o
Candomblé, o Xangô e a Umbanda, ou, nas palavras do Mário de Andrade, como
“formas intercorrentes de feitiçaria” (FERRETTI, 2006). Como se sabe, apesar de
sua relação com a Mina e com o catolicismo, o Tambor de Crioula é um
divertimento. Pode ser praticado tanto em celebrações de cunho religioso – como a
Festa do Divino ou pagamento de promessas – quanto em ocasiões não religiosas,
como aniversários e outras reuniões sociais.
A produção intelectual de Domingos Vieira Filho em um primeiro momento
não altera em muitos aspectos a visão dos intelectuais da AML e do IHGM sobre a
cultura popular. Na concepção de Vieira Filho, as classes cultas ainda tinham a
função de civilizar as demais classes. Desta forma, para ele, os elementos da cultura
popular ainda não tinham uma função importante na formação da identidade
maranhense, como será a visão dos seus continuadores e que se aproxima da visão
de Aloísio Magalhães. A classe culta ainda era o modelo a ser seguido pelos
populares para que se tornassem civilizados. Entretanto, Vieira Filho trouxe duas
contribuições importantes para o pensamento da cultura no Maranhão. Ele amplia a
gama de objetos estudados pelos pesquisadores de culturas populares no Maranhão
44
econômico retomado no governo de José Sarney [ou de] lançar a produção cultural
do Maranhão nacionalmente” (ALBERNAZ, 2004, p. 202 e 204), fato que inicia o
processo de colocação da cultura popular na agenda turística do Estado.
Até aqui procurei mostrar como vêm se articulando os diversos atores e como
vem sendo construída a identidade ou as identidades culturais maranhenses e qual
o papel da cultura popular neste processo. As festas populares, segundo Maria
Laura Viveiros de Castro, “integram a história concreta dos grupos humanos e
participam ativamente da construção de identidades sociais, sempre díspares,
inacabadas e em alguma medida problemáticas” (CAVALCANTI, 2011, p. 3).
Quando essas festas entram nos circuitos turísticos, ganham força e passam a atrair
a atenção de um número maior de pessoas. Com isso, surge a preocupação, entre
os pesquisadores principalmente, como demonstra Ferretti na introdução de Ritual e
Espetáculo, de que elas venham a se descaracterizar. O processo de
espetacularização da cultura popular é motivo de preocupação para Roberto
Benjamin. Segundo o autor:
[...]
Antigamente queimava, mas hoje a gente não queima mais assim, é difícil.
Antigamente a gente botava no fogo, é... custava até a fazer o tambor, que
se fazia com calma. Não se vendia tambor nessa época. Para fazer esse
tambor aí passava uma porção de dias, botava fogo nele, queimava por
dentro, mas agora a gente cava mesmo é... e ficou mais fácil até de fazer,
porque nessa época era, era... era tudo manual mesmo. Hoje não, hoje tem
muita coisa elétrica, furadeira, lixadeira. Antigamente era no machado, era
lavrar, que a gente chamava. Lavrar todo ele por fora no machado e às
vezes passava uma plaina só para tirar aqueles... E para furar ele, para
meter o couro a gente tinha que fazer um chucho assim de ferro, e botava
na fogueira, fazia uma fogueira e botava para esquentar, para ficar
vermelho, para poder furar ele. Hoje em dia tudo é na furadeira rápido, né.
(risos) Menos trabalho.
Entretanto, o antigo costume de ir buscar troncos de madeira na mata persiste
e o resultado ainda são tambores robustos e de difícil transporte, que não parecem
querer seguir a tendência dos seus similares mais leves que podem ser tocados
mesmo em movimento nos blocos e escolas de samba. E diferente até mesmo dos
tambores usados no Tambor de Mina, sua afinação não é feita por sistema de aros
de metal. No Tambor de Crioula os tambores são afinados ao calor de fogueiras. A
exceção são os locais onde não é possível acender uma fogueira, ocasiões em que
são usados tambores de PVC, que, além de serem mais leves e poderem ser
afinados com mais facilidade, não são batizados, permitindo também a participação
18
https://www.youtube.com/watch?v=eGna25C6V3c, página consultada em 13/04/2017.
51
das mulheres, o que traz à discussão um outro aspecto importante relacionado aos
tambores, a exclusividade de gênero. Apenas os homens podem tocá-los. Embora
seja fato que os homens também sejam impedidos de dançar no Tambor de Crioula
e que em outras manifestações culturais maranhenses apenas às mulheres é
permitido tocar, como nas festas do Divino. Todos esses pontos serão tratados
posteriormente em momento oportuno. Aqui cabe apenas observar de que forma
estes fatores ajudam a construir as identidades dos Mariocas sempre transitando
entre tradição e modernidade.
Observar os motivos que levam as pessoas a praticar Tambor de Crioula
também ajuda a compreender as identidades da Companhia. D. Rosa conta em sua
entrevista, conforme já relatado no capítulo 1, que não praticava Tambor de Crioula
quando menina por ter saído muito jovem do Maranhão e porque nessa época, na
sua cidade, a participação de moças nas rodas de Tambor de Crioula não era bem
vista, “porque tinha que rebolar, então mocinha não podia rebolar na frente do
tambor”, embora tivesse conhecimento das festas de Tambor e participasse de
outras festividades nesta época. Em sua entrevista, fica claro que os principais
motivos pelos quais participa das rodas de Tambor de Crioula e outras atividades da
colônia maranhense são a interação social com outros conterrâneos e por diversão
ou pelo seu gosto pela dança. Além do desejo de transmitir sua cultura para sua
neta: “entrei nessa roda, porque eu tinha uma neta. Ela tinha seus doze anos, que
eu conheci esses meninos na Feira de São Cristóvão, que aí então eu frequentava
muito a feira, aí tinha uma barraca de uns amigos, que era tudo maranhense”.
Assim como D. Rosa, para D. Chuchu, interação social é um dos principais
motivadores para sua participação. Como ela também veio a conhecer o Tambor de
Crioula apenas depois que chegou ao Rio de Janeiro, o contato com seus
conterrâneos e o prazer de dançar são suas principais motivações. Diz que adora
dançar e que frequenta a Escola de Samba de Mangueira. Nota-se em ambos os
casos que além da possibilidade de reencontrar sua cultura, participar das rodas de
Tambor de Crioula da Companhia Mariocas é um momento de diversão e
principalmente uma oportunidade de confraternização e encontro.
52
Olha, para mim tanto faz, porque tudo que me der para tocar eu toco,
entendeu? Se é para tocar, então eu vou tocar, porque eu sei mais ou
menos, mas isso aí é uma tradição que quebrou, foi quebrada, porque se
chegar lá na roça, mulher não vai sentar em cima de tambor, não e nem
homem vai botar saia para dançar tambor. Isso é uma coisa do homem
bater tambor e as mulheres dançar, não tem nada disso. Mas eles vieram
para cá e distorceram tudo e aí botaram em uma panela só.
53
Neste subcapítulo vou tratar não só de definir o que é cultura popular, mas
usar este conceito para dar conta dos conflitos internos e externos da Companhia
Mariocas e do Tambor de Crioula expressados nas falas dos seus atores.
Quando, a partir da década de 1980, o Governo do Maranhão passa a
promover mudanças na sua política cultural, no esforço de projetar a cultura local
dentro do cenário cultural nacional, através do desenvolvimento da indústria do
turismo e com a inclusão da cultura popular no circuito de atrações turísticas –
esforço que, segundo Albernaz (2004), fazia parte do projeto econômico global
54
19
Uma das principais críticas direcionadas às primeiras gerações de estudiosos de culturas populares
é aquela referida por Vilhena no mesmo livro, segundo a qual eles eram, em muitos momentos,
conduzidos pelas suas próprias agendas, e que, desta forma, seus discursos diziam muito pouco
sobre os grupos em estudo e muito sobre suas próprias ideologias, denotando um certo grau de
autoritarismo da parte deles. Entretanto, Vilhena relativiza este argumento alegando a existência de
uma certa circularidade nas relações entre estes dois níveis culturais (VILHENA, 1997, p. 29), tema
que será retomado no decorrer deste capítulo.
56
que grande parte do público que frequenta suas rodas vem das classes que têm
mais acesso à educação. Sobre o público que frequenta as rodas da Companhia,
Ramon comenta:
[...]
20
Pavuna é um bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Faz divisa com os bairros de
Anchieta, Guadalupe, Costa Barros, Coelho Neto, Acari, Irajá, Jardim América e Parque Colúmbia, e
também faz divisa com o município de São João de Meriti. O bairro possui uma das maiores
populações dentre os bairros cariocas. Seu Índice de Desenvolvimento Social (IDS), no ano 2000, era
de 0,540, o 121º colocado entre 158 regiões analisadas na cidade do Rio de Janeiro. (Fonte:
Wikipédia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Pavuna, consulta realizada em 15/09/2017).
57
Uma classe é hegemônica não tanto pelo quanto é capaz de impor uma
concepção uniforme do mundo sobre o resto da sociedade, mas pelo tanto
que consegue articular diferentes visões do mundo de forma que seu
potencial antagonismo seja neutralizado (STOREY, 2015, p. 177).
21
São incontáveis os malefícios que o regime escravocrata trouxe. O objetivo aqui é apenas observar
que mesmo nestas condições há espaço para um certo grau de negociação e comparar esta situação
com a atual.
59
Minha avó fazia festa de tambô lá em casa, a minha mãe fazia festa de
Divino Espírito Santo, e aí, pronto! Binidito, meu irmão, fazia rabeca.
Terminava o tambô, tinha o dia da última noite: a rabeca berrava, chorava
no braço!” (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 19).
Em outro trecho, relembra como as crianças aprendiam a tocar:
Nessa época não era dizê assim: Nós ia fazê aula! P’que o caboco cismava
ir p’uma festa [...] começava sexta-feira de boca da noite. [...] Quando
chegava de manhã, umas quatro pras cinco hora da manhã [...] Quando [..]
os grande largavam o tambô, tudo quanto era criança se atravessava pra
batê! (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 35)
P’que essa é por promessa! Cada qual… P’que hoje em dia, as promessa
da… de São Gonçalo é assim: eles faz hoje uma promessa fantástica, não
pidin’o, que eles rogo pr’uma promessa, um milagre. P’que de primêro era
um milagre e hoje em dia, não! Sabe por que é… mais quem faz essa
festa? [...] P’que vai dar muito dinheiro! (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 41)
“E agora, hoje em dia, Fulano não vai se não tivé dinheiro. Eu digo: ‘Rapaiz,
eu vou!’ Eu não vou mais, p’que eu não vou batê. [por causa de idade e
doença] Se eu pudé, eu vô me’mo! Tambô não me criou, não. Eu criei
tambô! Eu não ganhava dinheiro no interior! Aqui, se não tivé, Seo Fulano
não vai p’que não tem dinheiro” (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 169).
Para as gerações mais novas esse conflito não parece causar o mesmo
desconforto e tanto as novas formas de aprendizado quanto o processo de
profissionalização vêm se tornando mais comuns. Muitos dos atuais praticantes
aprenderam através das oficinas oferecidas não apenas no Maranhão, mas também
no Rio ou em São Paulo. O próprio Mestre Felipe deu aulas de Tambor de Crioula
no Laborarte22, apesar de expressar estranhamento quando fala sobre o tema. E a
Companhia Mariocas não destoa dos demais, cabendo lembrar que meu primeiro
contato com eles foi através de uma oficina, como mais tarde será comentado.
O brincante não chamava originalmente sua diversão de cultura popular. Ele
chamava Tambor de Tambor, Boi de Boi, Divino de Divino. A denominação cultura
popular é um elemento que vem de fora do seu universo e que inclui indistintamente
todas as manifestações em uma única categoria e é assim percebido pelos
brincantes, como um fator externo, mas que ao mesmo tempo pode ser controlado.
Entretanto, a tradição permanece em seu curso. A articulação entre os grupos exige
transformações e é, como veremos, um processo de negociação.
22
Instituição que atua fomentando a cultura popular maranhense e em especial promovendo o ensino
do Tambor de Crioula.
63
Fonte: o autor
“Conversando com os mais velhos. E quando você quer, você busca, vai na
fonte, né. Mesmo que você veja, que você brinque, que você dance, mas
você tem que ir na fonte. Respeitando sempre os mais velhos, valorizando
muito os mais velhos”.
Para ampliar a discussão sobre como a tradição molda as ações dos agentes
envolvidos no universo do Tambor de Crioula, vamos fazer uma leitura da teoria de
Art and Agency, formulada por Alfred Gell (1998) em seu livro de mesmo nome. Art
and Agency é uma ferramenta que permite enxergar a arte sob o ponto de vista da
antropologia oferecendo uma visão da estrutura dinâmica do entorno de situações
que envolvem objetos de arte. Segundo Gell,
23
Texto original: “The aim of anthropological theory is to make sense of behavior in the context of
social relations. Correspondingly, the objective of the anthropological theory of art is to account for the
production and circulation of art objects as a function of this relational context.”
73
apenas como o objeto das artes plásticas ou mesmo com os objetos de outras artes
como música, literatura, etc. O objeto neste caso pode ser identificado como um
mediador físico entre o estado mental de um agente e o de um paciente24. Desta
forma, “O objeto de arte é qualquer coisa que esteja inserida no ‘vão’ destinado aos
objetos de arte, no sistema de termos e relações previsto na teoria.25” (GELL, 1998,
p. 7, tradução nossa). Neste contexto, a definição de objeto de arte, embora
bastante precisa, deixa em aberto a identificação do elemento que pode ocupar este
espaço – ou na verdade é definida como a própria abertura, ou pelo “vão” a ele
destinado. E sendo assim, para Gell, tanto um ídolo esculpido em madeira quanto
um sacerdote através do qual um deus se manifesta, em uma missa ou em uma
cerimônia de Candomblé, por exemplo, podem se enquadrar na definição de objetos
de arte, desde que se possa inferir por meio deles uma relação de agência-
paciência.
De forma semelhante, as funções de agente e paciente também podem ser
desempenhadas pelos diversos entes que atuam no meio causal que envolve os
objetos de arte, podendo se revezar e mesmo ocupar simultaneamente as duas
funções. Entretanto, o centro de todas essas relações é o objeto de arte, ou o índice,
que é definido como
No nosso caso, um dos objetos que podem ser inseridos no vão destinado
aos objetos de arte pode ser a própria manifestação Tambor de Crioula, uma vez
24
A palavra paciente neste contexto pode ser definida como um "ente que sofre uma ação em estado
de inércia, passividade, desintencionalidade; por oposição a agente" (HOUAISS e VILLAR, 2001).
Desta forma, o termo paciência é definido como a qualidade do que é paciente.
25
Texto original: “The art object is whatever is inserted into the 'slot' provided for art objects in the
system of terms and relations envisaged in the theory.”
26
Texto original: “the 'disturbance' in the causal milieu which reveals, and potentiates, agency
exercised and patient-hood suffered on either side of it […] [o índice] is at once a prosthesis, an extra
limb, of the patron and/or artist, while it is also the handle, attached to the patient-recipient, which is
grasped and manipulated by external agents like these.”
75
que se pode inferir sua influência no meio causal revelando a ação das diversas
vozes já mencionadas, as quais negociam espaços e pautas para suas demandas.
Entretanto, outros objetos poderiam ser inseridos e analisados com o mesmo fim,
como as vestes femininas vistas anteriormente. Nesta análise usaremos o tambor,
instrumento musical que dá nome à manifestação, como o elemento central que
causa um distúrbio no meio causal e através do qual tentaremos determinar relações
de agência e paciência. Por meio de tais relações, é possível observar a agência do
tambor batizado, traçando um relato sobre de que forma ele altera o comportamento
ao determinar a ação dos brincantes. Assim, será possível observar como se
manifestam as vozes da Companhia Mariocas e suas relações com a preservação
da tradição do Tambor de Crioula.
Entretanto, é necessário ainda introduzir um último elemento da teoria de Gell
nesta discussão. A posição de agente, como foi dito, pode ser ocupada por pessoas
ou por elementos não humanos e mesmo não materiais. No caso em questão, um
dos elementos que ocupam esta posição é a tradição, ao determinar a ação dos
indivíduos por meio do tambor. A tradição nesse sentido e de acordo com Gell é o
protótipo agente que influencia a ação do artista.
O protótipo é definido como “a entidade a qual o índice representa
visualmente (como um ícone, representação, etc.) ou não visualmente.27” (GELL,
1998, p. 26, tradução nossa). É em resumo o elemento que serve de modelo para a
criação do objeto de arte. Nem todos os índices têm protótipos dos quais são
representações, entretanto existem muitos exemplos de relações agente/paciente
ligando índices e protótipos. Dentre estes, “há uma espécie de agência que é
abduzida do índice, de forma que o protótipo é entendido como um ‘agente’ em
relação ao índice.28” (GELL, 1998, p. 26, tradução nossa). Ou seja, o protótipo, o
ente presumivelmente passivo que serve de modelo para a criação artística, age de
alguma forma influenciando a ação do artista ao produzir o ícone. É o caso da
tradição, que determina – de diversas formas, mas em nosso caso, por meio do
tambor – que caminhos seguem os agentes.
27
Texto original: “the entity which the index represents visually (as an icon, depiction, etc.) or non-
visually.”
28
Texto original: “there is a species of agency which is abducted from the index, such that the
prototype is taken to be an 'agent' in relation to the index.”
76
Já nesse episódio, ocorrido anos mais tarde, na capital São Luís, parece
menos relutante:
Ela vêi praí, quiria batê o tambô e eu disse: Não bata! Os outros piquenos
ela já sabia. [… ] Eu fui batê meião e ela foi batê tambô grande, que Nivô
disse:
Rapá, tu tá butan’o mulhé pra batê tambô? Eu disse:
Boto! Boto, p’que ela me garante que toca! (COSTA e HAIKEL, 2013, p. 86)
É, o povo tinha muito isso de dizer que as mulheres não podiam tocar, mas
hoje as mulheres estão tocando tambor também. É, às vezes nego tinha
muito, assim... tinha muito preconceito, mas agora nego já está se
acostumando já... já estão se acostumando com a mulher tocar tambor.
Porque na verdade, na minha época, quando eu me criei lá eu tinha duas
irmãs que já faleceram – na verdade era três – que tocavam, todas três,
tambor. Tocavam, cantavam e dançavam. Só que aqui em São Luís – era
no interior – aqui em São Luís, o pessoal nunca se acostumou que... não
quer que a mulher toque tambor, porque... ela tem uma especialidade de a
78
mulher não sentar no tambor na época que ela está no dia dela, aí não pode
sentar no tambor. Mas tem muitas meninas aí que já tocam o tambor e eu
mesmo dou aula para mulher. É bom porque ela fica uma coureira
completa, se chama coureira completa, sabe tocar, sabe dançar, sabe
cantar, porque a gente canta e elas ajudam no coro também. Muitas, às
vezes, não sabem dançar cantando, mas muitas sabem.
A lacuna existente entre o desejo e seu objeto é referida por Gonçalves como
um desvio diferencial. Mas, antes de entrar neste tema, é preciso elaborar alguns
outros aspectos sobre a relação entre os grupos de cultura popular e os entes
responsáveis pelas políticas culturais.
86
Figura 16 - Oficina do Mestre Amaral com a Cia. Mariocas na Casa do Maranhão, Rio de
Janeiro, 2016.
fizemos oficina com Mestre Felipe [...] com o Celsinho lá do Maranhão, que
mora hoje em São Paulo. Veio, veio dar oficina aqui. César Nascimento
também, que é discípulo do Mestre Felipe. Conheci Mestre Leonardo,
também fomos... [...] A gente ia nas festas de Tambor de Crioula, sabe.
88
Essa discussão nos leva a duas outras questões relacionadas com a forma
como os grupos de cultura popular interagem com pesquisadores e o Estado e como
eles constroem seus discursos. A primeira diz respeito aos discursos de preservação
da pureza das manifestações. O discurso da cultura popular pode trazer uma ideia
de cristalização dos bens que são objetos de preservação, uma vez que é através
da ideia de tradição que se estabelecem autoridade e continuidade histórica no
discurso. Por um lado, esta ideia pode também estar relacionada à antiga
concepção de povo adotada pelos estudiosos, mencionada no subcapítulo 2.2.
Entretanto, pode ter relação também com uma necessidade de estabelecer
autoridade narrativa. Em um processo dinâmico, recorrente e constante de
reapropriação cultural que, como veremos adiante, é responsável pela própria
89
criação das identidades e das culturas e não pela sua suposta cristalização e onde
há constantes transformações e interações com os demais elementos do meio, o
discurso cultural precisa estabelecer autoridade, que, nesse caso, ocorre através da
conexão narrativa que estabelece continuidade em relação ao passado histórico.
Especialmente quando há uma quebra nos costumes dos grupos (HOBSBAWM e
RANGER, 2015, p. 8), como ocorreu durante os processos de escravização e como
ocorre nas sociedades atuais onde, segundo Hall (HALL, 2006), as transformações
são rápidas e constantes. A suposta alegação de pureza estabelece esta conexão e
confere autoridade narrativa aos criadores dos referidos discursos.
A segunda crítica direcionada aos discursos de preservação da cultura
popular é aquela que alega que tais práticas trazem como consequência o seu
engessamento. Quando em algum momento uma cultura é resgatada através de um
programa de preservação patrimonial ou incluída em uma política de promoção
governamental, ela é de certo modo cristalizada. Esta crítica é direcionada a todos
os entes que de alguma forma estão envolvidos com a preservação patrimonial,
mas, mais uma vez, é atribuída especialmente aos pesquisadores identificados
como folcloristas. Entretanto, esta crítica surge da falsa ideia de que a cultura se
cristaliza. A natureza da cultura é dinâmica e está em constante transformação.
Culturas surgem e desaparecem a todo momento. Essa aparente cristalização pode
ser lida, como veremos com Lévi-Strauss, mais em função de um conflito de
interesses – ou na verdade da não proximidade de interesses – entre os
observadores e as culturas em análise, do que como um efetivo engessamento das
culturas. Quando um pesquisador vê e estuda uma manifestação cultural, ele a
retrata como a viu. Isso pode ser visto como uma forma de cristalização. Um retrato
é sempre uma cristalização, independentemente do nível de consciência que se
tenha das dinâmicas socioculturais que envolvem o objeto retratado. E embora esse
retrato tenha também por objetivo compreender tais dinâmicas, acaba sempre
gerando uma aparente cristalização do objeto em análise.
Mestre Amaral conta em sua entrevista como é sua relação com seus
ancestrais, a qual estabelece continuidade com o passado histórico e lhe confere
autoridade como mestre de Tambor de Crioula. Ao falar sobre quem iniciou sua
festa, conta: “É. Tataravó e passou para a avó, aí passou para o meu pai e ficou pra
mim. Eles foram morrendo e eu fiquei tomando conta, fazendo essa promessa...”
90
Para mim é muito importante porque foi uma promessa que ficou para mim
fazer, né. E aí, dedicado à minha família, muita... meus avós, quer dizer,
para mim é uma tradição muito especial. Eu faço com o maior prazer, com o
maior gosto e dá tudo certo, né, a festa que eu faço nessa data. Vem muita
gente, as pessoas gostam de vir. E aí eu faço com o maior prazer e eu
trabalho direto aqui, toda quarta e sexta, oficina... Mas ela é muito especial
para mim. Quando chega essa data, já me dá vontade de chegar para fazer
mesmo, porque é uma coisa muito especial para mim.
Mestre Amaral estabelece uma conexão com a ancestralidade, mas sua festa
não é uma cópia cristalizada das festas antigas. Estas eram realizadas, no interior
de São Vicente Ferrer, em um ambiente de coletividade típico de pequenas
comunidades, onde algumas coisas não ocorriam como hoje:
Aqui cabe introduzir uma discussão sobre alguns tópicos relacionados com a
natureza e a dinâmica da cultura que, segundo Claude Lévi-Strauss, corroboram a
ideia de que pensar a cultura como um objeto cristalizado ou mesmo dividi-la em
duas categorias – uma estacionária e outra cumulativa, para usar as palavras do
antropólogo – pode ser uma forma equivocada de abordar o tema. Na verdade, tanto
a questão do engessamento quanto a da pureza se relacionam de alguma forma
com o que diz Lévi-Strauss sobre a qualidade cumulativa da cultura. Embora
também esteja ligada à necessidade de estabelecer continuidade histórica por um
lado, a alegação de pureza está relacionada com o isolamento da definição de povo.
Em seu texto Raça e História (1998), o antropólogo comenta que a cultura é muitas
vezes pensada de forma evolucionista ou, na verdade, através de uma compreensão
errada do mesmo. Ou seja, a cultura é concebida por alguns através da ideia de um
falso evolucionismo. Como consequência,
público. Seria possível mesmo ampliar a afirmação e dizer que isso significa que
eles sequer precisariam do apoio do estado. No entanto, a existência de possíveis
caminhos independentes pelos quais poderiam seguir ou de fato seguiram e seguem
não é razão para excluir a presença do estado sempre que necessário.
Tendo isto em vista, é útil observar que muitas manifestações como o Tambor
de Crioula sofreram com a marginalização e poderiam ter entrado em franca
decadência. Ou de fato entraram e muitas delas podem ter sucumbido com o passar
do tempo. A própria posição marginalizada do Tambor dentro da cultura maranhense
e em relação a outras formas de cultura popular é um indicador desta circunstância.
Albernaz comenta sobre isso que a relação do Tambor de Crioula
na verdade não é real, é apenas o ponto a partir do qual a manifestação vai seguir
seu curso em um novo ambiente em um processo constante de apropriação e
reapropriação. Ou seja, o que é chamado de cristalização, é na verdade energia
aplicada sobre a engrenagem da dinâmica cultural. E essa energia poderia,
alternativamente ou articuladamente, ter sido fornecida pelo circo, como mencionado
anteriormente; pelo rádio e pela indústria fonográfica – como ocorreu no caso do
samba durante o Estado Novo30 –, pela TV ou mesmo pelas mídias sociais, mais
recentemente.
30
Para discussões sobre as relações do samba com o rádio, a indústria fonográfica e o Estado Novo,
ver José R. Tinhorão (1998), parte V: O Estado Novo; Jairo Severiano (2008), capítulo 29: O samba
na Época de Ouro e Lira Neto (2017).
97
[...] então para nós [que fazemos Tambor de Crioula] aqui [no Rio de
Janeiro], e eu mesmo não sendo maranhense posso dizer para nós, é mais
um resgate do que vivenciaram lá, porque lá tem motivo e tem Tambor a
toda hora. Quando só tem o Mariocas que faz, quando tem Tambor é um
alvoroço, porque não tem toda hora. Agora tem todo mês, mas muito tempo
não teve todo mês, então quando tinha Tambor, “nossa vai ter Tambor de
Crioula, meu Deus!” O pessoal que é do Maranhão fica desesperado, os
cariocas que curtem também ficam, né, como eu. Então agora é mais uma
questão de prazer. Obvio que tem profissional também, quando contratam a
agente é maravilhoso, né. Tem apresentação, vam’bora lá. Mas,
independente de ter pagamento ou não, a gente faz o Tambor. Uma
atividade que gera prazer para os integrantes independente de estar
sempre ganhando ou não, não é uma forma de ser remunerado
financeiramente sempre, entendeu?
como coisas concretas, como se existissem no mundo material. Ainda segundo esta
concepção, a objetificação cultural torna-se particularmente evidente quando se
observa o uso de termos como nação, sociedade, grupo, tradição e cultura
(GONÇALVES, 1996, p. 12 e seguintes). Resulta daí uma certa tendência a pensar
palavras como tradição e cultura como se fossem objetos concretos, que fazem
parte do mundo das coisas, assim como a tendência a concebê-los com uma vida
própria que não depende das ações humanas para seguir seu curso. Ou, nas suas
palavras, “o uso objetificado de palavras como ‘grupo étnico’ e ‘nação’ traz como
consequência a concepção segundo a qual estas seriam entidades ‘objetivas’,
existindo no mundo independentemente de ações, desejos, ideias e valores
humanos” (GONÇALVES, 1996, p. 14-15).
A tendência a pensar entidades abstratas como se fossem algo concreto e
que existe no mundo das coisas e, além disso, a tendência a tratá-las como objetos
físicos que podem ser entregues ou transmitidos de uma pessoa a outra pode estar
também relacionada à tendência a imaginar a cultura de forma cristalizada. E em
ambos os casos, a compreensão das dinâmicas internas do processo cultural pode
ajudar a refletir sobre esse fenômeno. Entretanto, as tendências a objetificar,
acumular, transmitir e transformar fazem parte da dinâmica da cultura e são
determinadas pela ação e pelo desejo humanos. É o desejo que produz a cultura,
que cria e recria os grupos e que os mantém unidos. É o desejo que faz com que se
transmitam as culturas de uma geração a outra. E é o desejo que transforma as
culturas.
Fazendo uma leitura de Hayden White (1989), Gonçalves traz uma discussão
a respeito da narrativa histórica baseada na teoria lacaniana do símbolo com o
objetivo de embasar sua discussão a respeito das narrativas produzidas pelas
entidades responsáveis pela preservação dos patrimônios culturais no Brasil.
Entretanto, apesar do foco na narrativa histórica e em nível institucional, esta
discussão se aplica diretamente ao objeto desta dissertação, não apenas porque
grupos como a Companhia Mariocas são influenciados diretamente pelos discursos
de preservação, mas também porque o tipo de análise proposta se aplica de forma
ampla ao processo de objetificação cultural. Gonçalves Comenta que “a narrativa
histórica ‘transforma o real em um objeto de desejo’, na medida em que apresenta a
realidade como um todo coerente e distante, inibindo a dimensão caótica e arbitrária
99
31
Assim como outras entidades citadas anteriormente, como cultura, tradição e mesmo colônia (NA).
101
estar em equilíbrio com o meio do qual fazem parte. Desta forma, o esforço das
primeiras gerações de estudiosos da cultura popular, muitas vezes identificados
como folcloristas, e sua preocupação com o desaparecimento ou descaracterização
das manifestações populares vai ao encontro do que pensam Gonçalves e Lévi-
Strauss a respeito de diversidade cultural e homogeneização, embora discordem
quanto à realidade das transformações como um elemento essencial na dinâmica do
fenômeno cultural.
Entretanto, salvar significa que as manifestações deverão transformar-se de
acordo com as novas demandas do meio. Assim, o discurso que visa a promover a
preservação de processos e patrimônios culturais, é o mesmo que
contraditoriamente de alguma forma acaba promovendo a sua destruição, porque no
processo de transformação existe também um processo de perda. Ao retirar os
objetos de seus contextos sociais e históricos originais – lembrando que essa é uma
demanda do meio e não dos agentes culturais – e reinseri-los em um novo ambiente
com novas demandas e novos atores, estes objetos se transformam e já não são
mais o que eram antes. Ou seja, a prática de preservação acaba por destruir ou ao
menos causar a transformação dos objetos que pretende preservar. E é este
paradoxo que gera o conflito observado por diversos atores relacionados com a
cultura maranhense, conforme mencionado no capítulo 2.2, e bem resumido por
Dona Vitória quando disse que a cultura popular vai destruir o Divino. No caso do
Tambor de Crioula, este conflito pode ser visto de forma mais positiva. Os Mariocas
atuam de forma semiprofissional no Rio de Janeiro, enquanto no Maranhão, Mestre
Amaral vive apenas de seu trabalho com o Tambor de Crioula:
...aqui em São Luís a gente é... eu quis trabalhar assim... eu acho que é
bom porque a gente vai ensinando também as pessoas mais novas. Para ir
aprendendo também aqui também. Às vezes os mestres vai falecendo, aí
vai... as pessoas vão... outros às vezes vai embora daqui para outro lugar. E
aí a gente vai criando um grupo assim, outro grupo, vai ensinando as
crianças, para quando crescer já saber também o ritmo do tambor, como é
que funciona. As aula é muito importante. E o tambor da quarta e sexta é...
foi uma vontade depois que a gente chegou a São Luís de fazer esse
tambor assim. Para trabalhar com tambor, porque hoje eu trabalho só com
Tambor de Crioula, então eu tinha que fazer o tambor, esse tambor de
quarta e sexta. Eu faço tambor em outros lugares também, não é só aqui.
Eu toco até em igreja, terreiro, de tudo quanto é lado eles vão me
chamando... aniversário. Aí eu criei esse tambor para quarta e sexta ter um
lazer para as pessoas vir e se divertir. É uma festa que a gente faz. Para
mim é um motivo muito bom porque eu trabalho com ele já... As pessoas
conhecem, também, mais o tambor, né? Já vem direta, duas vezes na
semana. Quem não conhece já vem, já vai conhecendo, já participando,
sabendo como é que é o tambor de crioula.
104
Figura 18 - Área interna do local de trabalho do Mestre Amaral, São Luís, MA, 2016.
Fonte: o autor
formas de valores e concepções menos atreladas às coisas, mas que, por serem
menos palpáveis, precisam ser objetificadas. Desta forma, as narrativas de
apropriação e reapropriação desempenham a função de trazer esses valores para o
mundo cotidiano, ou seja, de materializar, através de bens culturais aos quais se
atribui valor histórico e tradicional, ideias de natureza abstrata. Para Gonçalves,
“essas narrativas apresentam uma dimensão alegórica, uma vez que ilustram
concretamente, por meio de objetos, princípios abstratos” (GONÇALVES, 1996, p.
28).
A apropriação de bens culturais ocorre através de discursos de resgate que
visam salvar do desaparecimento as manifestações culturais em questão. Desta
forma, a objetificação de termos como tradição e cultura popular representa uma
busca constante no sentido de estabelecer continuidade histórica e identidade.
Entretanto, o objeto primordial, por assim dizer, que se busca materializar com este
processo é esquivo e é isso que faz dessas narrativas um esforço constante de
reapropriação onde diversas vozes concorrem pela autoridade e autenticidade de
discursos que procuram estabelecer relações que tornem esses objetos palpáveis,
legíveis, ao estabelecer conexões que gerem continuidade histórica, que preservem
as relações pessoais e ancestrais. Tais discursos não apenas estabelecem
coerência e materialidade, mas são reflexo do desejo e, portanto, inalcançáveis. A
necessidade de constante reelaboração decorre da sua própria natureza, ou seja, do
fato de serem objetos distantes que nos chamam de longe, evidenciando uma
coerência formal de que carecemos, na visão de White (1989) mencionada
anteriormente. É o estabelecimento de relações de continuidade e coerência que
trazem esses objetos etéreos do mundo dos desejos e lhes dão forma e
materialidade. E este objeto de natureza etérea carrega os desejos das diferentes
vozes atuantes. Desejos individuais e coletivos, além de desejos comuns e
conflitantes. Entretanto, apesar de a origem da objetificação ter natureza imaterial,
íntima, abstrata, ao serem trazidos para o mundo das coisas através dos discursos
de preservação e nas mais diversas formas manifestas de produtos culturais, ele se
insere no universo das relações sociais, que são os objetivos desta pesquisa.
O ato de apropriar-se constantemente da cultura é responsável pela própria
criação da mesma. E é ele que, ao mesmo tempo, reinventa e recria a cultura
constantemente. “Uma nação existe na medida em que se apropria de si mesma por
107
depositava no passado não apenas uma ferramenta para construir um futuro. Sua
visão pressupunha a existência de um passado coerente e integrado. Seu discurso
“pressupõe uma situação original ou primordial, quando esses bens que
integram o patrimônio eram parte de uma totalidade supostamente integrada,
coerente e contínua” (GONÇALVES, 1996, p. 98).
Já no caso de Aloísio, o discurso de apropriação segue dois caminhos. No
primeiro, o foco está no passado, mas não no passado exemplar de Rodrigo e sim
em uma visão do passado “concebido como um instrumento, uma referência a ser
usada no processo de desenvolvimento econômico e cultural” (GONÇALVES, 1996,
p. 75). A concepção de história de Aloísio é elaborada através de uma visão
impregnada pelas ideias de trajetória histórica e continuidade de um processo
cultural. É importante lembrar que o discurso de Aloísio se posicionava
deliberadamente em oposição ou em contraste com o de Rodrigo (GONÇALVES,
1996, p. 52-53), conforme já dito em 1.4. Assim, de certa forma o que diz Aloísio
parece estar mais em sintonia com a concepção da cultura como um processo
dinâmico.
No segundo caminho, o foco está na ideia de diversidade. Não se pode dizer
que a ideia de diversidade esteja presente no discurso dos Mariocas e que
desempenhe o papel essencial desempenhado pela tradição para estabelecer a
continuidade do Tambor de Crioula como manifestação cultural. A relação da
Companhia Mariocas com a diversidade segundo Aloísio ocorre de outra maneira.
Aloísio promove uma ampliação na gama de bens que merecem a atenção dos
programas de patrimonialização. Segundo Gonçalves, “a concepção tradicional de
um ‘patrimônio histórico e artístico’ [...] é substituída por uma concepção de ‘bens
culturais’ que cobriria diversas espécies de objetos e atividades” (GONÇALVES,
1996, p. 76). Discurso que vai encontrar ressonância na postura de Domingos Vieira
Filho quando este assume uma posição de liderança na política cultural
maranhense, ao incluir não apenas as danças dramáticas, mas também as criações
populares recentes (ver subcapítulo 1.4). Na visão de Aloísio (1984),
o mesmo sigificado negativo para outra, desde que a união estabelecida através da
encenação com o mundo extraordinário permaneça.
DaMatta, uma encenação desta comunhão, que, através da força do ritual, pretende
dar vida e perpetuar aquele mundo extraordinário onde habitam os ancestrais. E no
entanto, o Tambor representa sua totalidade no presente.
Os objetos – sejam eles um conjunto arquitetônico histórico ou uma
manifestação como o Tambor de Crioula – são incumbidos por meio do discurso de
objetificação de cumprir a impossível tarefa de superar simbolicamente a distância
existente entre desejo e realidade. E esta tarefa só pode ser empreendida na
medida em que esta lacuna exista, ou seja, na medida em que seja identificada uma
ameaça de perda. É nesse sentido que se deve entender que a perda precisa ser
percebida como uma ameaça externa, fora da realidade do discurso, tal como ocorre
nas afirmações dos brincantes ao dizerem que a cultura popular vai destruir o
Tambor. É preciso que a realidade do discurso – que na realidade é uma invenção –
esteja ameaçada para que se possa empreender a jornada de superar a distância
entre esta e o desejo. Desta forma, os bens culturais precisam ser destruídos,
precisam estar sob ameaça ou mesmo ter algum tipo de distanciamento – seja este
um distanciamento espacial, temporal ou social – para que possam ser desejados e
objetificados.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALBERNAZ, L. S. F. O "urrou" do boi em Atenas: instituições, experiências
culturais e identidade no Maranhão. 2004. 343 f. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) - IFCH, Departamento de Antropologia, Unicamp, Campinas, 2004.
COSTA, S.; HAIKEL, M. A. Mestre Felipe por Ele Mesmo: Quero Vê Tambô Berrá
é na Ponta do Dedo. São Luís: Funarte, 2013.
FERRETTI, M. Mina, uma religião de origem africana. Cad. Pesq., São Luís, v. 4, n.
1, p. 39-58, jan./jun. 1988.
NETO, L. Uma história do samba: As origens. São Paulo: Companhia das Letras,
v. I, 2017.
STOREY, J. Teoria cultural e cultura popular: uma introdução. São Paulo: Edições
SESC, 2015.
Mestre Amaral
Data: 15 de outubro de 2016
Duração: 27min e 50 seg
MA: É.
VD: E qual a importância que o senhor vê nessa...?
MA: A importância para mim... para mim é muito importante porque foi uma
promessa que ficou para mim fazer, né. E aí, dedicado à minha família, muita...
meus avós, quer dizer, para mim é uma tradição muito especial, para mim. Eu faço
com o maior prazer, com o maior gosto e dá tudo certo, né, a festa que eu faço
nessa data, vem muita gente, as pessoas gostam de vir. E aí eu faço com o maior
prazer e eu trabalho direto aqui, toda quarta e sexta, oficina... Mas ela é muito
especial para mim, quando chega essa data, já me dá vontade de chegar para fazer
mesmo, porque é uma coisa muito especial para mim.
VD: Percebi pelo movimento ali, da ladainha, como ela é realmente
importante.
MA: É, exatamente, com certeza.
VD: O senhor sabe que tem Tambor de Crioula no Rio. O que o senhor
acha?
MA: Eu acho importante, porque, o Tambor de Crioula, na verdade, a raiz
mesmo dele é aqui, mas é muito importante também as pessoas já é... espalhando o
Tambor de Crioula, né, as pessoas que conseguem fazer em outro lugar. Às vezes
as pessoas... ah, em outro lugar não tem tambor, só tem tambor aqui. A gente (diz):
não, tem tambor em outros lugares também. Tem no Rio, em São Paulo. Até por
que, vai um pessoal daqui, que já trabalha com tambor e vai para lá e já firma o
Tambor de Crioula e para mim, eu acho muito importante porque, ainda mais depois
que o tambor foi reconhecido como patrimônio, quer dizer, foi melhor para a gente
porque em outros lugares também tem. Às vezes as pessoas dizem assim “ah, não é
como aqui em São Luís”. Realmente, mas... É por que às vezes a pessoa vai e ele
tem.. ele bota um tambor... não é como aqui, né... as pessoas, tem lugar que as
pessoas nem conhecia o tambor, né, então tem que lutar muito até a pessoa
aprender. Não é como aqui que a pessoa já, a bem dizer, já nasce dentro do tambor
e vê tambor toda hora, todo lado, ela vai aprendendo. Para lá é muito difícil, mas é
muito importante. Eu acho legal demais. Eu tenho essa possibilidade também de sair
para dar aula em São Paulo, Belo Horizonte, no Rio, então é muito importante ter o
Tambor de Crioula em outros lugares.
VD: O senhor nasceu dentro do tambor?
122
hoje eu trabalho só com Tambor de Crioula, então eu tinha que fazer o tambor, esse
tambor de quarta e sexta. Eu faço tambor em outros lugares também, não é só aqui.
Eu toco até em igreja, terreiro, de tudo quanto é lado eles vão me chamando...
aniversário. Aí eu criei esse tambor para quarta e sexta ter um lazer para as pessoas
vir e se divertir. É uma festa que a gente faz. Para mim é um motivo muito bom
porque eu trabalho com ele já... As pessoas conhece, também, mais o tambor, né?
Já vem direta, duas vezes na semana. Quem não conhece já vem, já vai
conhecendo, já participando, sabendo como é que é o Tambor de Crioula.
VD: E essas festas de turismo? Carnaval festas que o governo... prefeitura
governo... você faz também?
MA: É, a gente se apresenta, eles dão as brincada para a gente fazer. Mas
chega na época, ele – o Estado, o Município – eles [inaudível] para a gente fazer.
Um palco para a gente se apresentar, que um dinheirinho que eles manda, né, para
ajudar também o Tambor de Crioula nessa época. Boi, Tambor... Então a gente tem
um cachê, um dinheiro para fazer um dinheiro de representação, como a gente
chama, durante o São João e Carnaval.
VD: E como é a participação das mulheres no tambor? Por que eu escutei
falar que de alguma forma as mulheres não podem tocar. O homem dança em
alguns momentos específicos. Como é que funciona isso da mulher não poder tocar
o tambor?
MA: É, o povo tinha muito isso de dizer que as mulher não podia tocar, mas
hoje as mulher estão tocando tambor também. É, às vezes nego tinha muito,
assim... tinha muito preconceito, mas agora nego já está se acostumando já... já
estão se acostumando com a mulher tocar tambor. Porque na verdade, na minha
época, quando eu me criei lá eu tinha duas irmãs que já faleceram – na verdade era
três – que tocavam, todas três, tambor. Tocavam, cantavam e dançavam. Só que
aqui em São Luís – era no interior – aqui em São Luís, o pessoal nunca se
acostumaram que... não quer que a mulher toque tambor, porque... ela tem uma
especialidade de a mulher não sentar no tambor na época que ela está no dia dela,
aí não pode sentar no tambor. Mas tem muitas menina aí que já tocam o tambor e
eu mesmo dou aula para as mulher. É bom porque ela fica uma coureira completa,
se chama coureira completa, sabe tocar, sabe dançar, sabe cantar, porque a gente
126
canta e elas ajudam no coro também. Muitas, às vezes, não sabem dançar
cantando, mas muitas sabem,
VD: E ela só não pode montar quando está nos dias.
MA: É, não pode porque prejudica o tambor.
VD: Por que o tambor é batizado?
MA: É. E aí não pode.
VD: Seus tambores todos batizados?
MA: Todos, todos.
VD: E que é que batiza o tambor?
MA: Aqui a gente batiza aqui mesmo no altar, na igreja também. Eu toco
muito na igreja, tem um padre daqui da igreja de São João que... todo ano eu toco lá
também.
VD: Padre católico?
MA: É. Aí eles batizam o tambor toda vez. Que na verdade quando eu compro
tambor aqui, ele já é batizado aqui no meu altar. Mas aí ele ainda vai na igreja
também, que o padre chama, a gente vai lá fazer uma apresentação, a gente batiza
também.
VD: E têm nome?
MA: É...o batismo do tambor, assim eles chama, o batizado do tambor.
VD: Não, mas o tambor tem nome?
MA: Tem. Os nome dele são o socador, que é do meio, que começa; o outro é
o crivador, que é o último, aquele pequeninho; e o outro é o tambor grande. Que na
verdade, hoje é chamado por tambor grande, mas o nome do tambor mesmo
tradicional é socador, que é o que começa, o do meio, crivador e rufador, que é o
grande, o que chama grande. Mas aí foi mudando, botando uns nome assim, é...
meião, crivador e tambor grande, mas o nome e socador, crivador e rufador.
VD: E aquele suporte que...
AM: Aquilo é um...
VD: Como é que chama?
MA: Maracá. O que toca atrás, que você está falando?
VD: Não... O maracá que toca atrás do rufador.
MA: É, que nego chama matraca, mas matraca é de bumba boi. É o maracá
aquilo.
127
VD: Aquele pedaço de madeira que fica em baixo do meião e em baixo do...
MA: Ah, esse aí é gangorra, para dar o apoio, ela é que o tambor encaixa
para poder sentar em cima.
VD: E o Sr. Constrói? Quem constrói?
MA: Eu mesmo. Todos tambor é feito aqui. Porque meu pai me ensinou
também a fazer no interior. Ele me ensinou ...[inaudível]
VD: O Sr. traz madeira de onde?
MA: A gente traz madeira... agora a gente está trazendo do interior, lá de
Catu, Axixá, porque aqui dentro de São Luís não tem. Às vezes vai para Alcântara,
que ainda é um lugar que tem muito mato, a gente ainda consegue madeira, porque
aqui dentro de São Luís não acha essa madeira brocada aí, velha, né, para poder
fazer o tambor.
VD: Tem que ser madeira velha?
MA: Madeira do mato, é... Tem muita madeira aqui que é de mangue, o soro,
mas não é muito bom para tambor. A gente tem que procurar madeira do mato.
VD: E o Sr. já pega a madeira caída ou...
MA: A gente derriba. A gente sabe quando pau está velho, que está brocado,
a gente bate nele assim [batendo com o nó do dedo], a gente sabe que ele também
já morreu lá em cima. Ele está só em pé, mas... a gente bate e sabe quando ele está
brocado, porque fica uma broca assim... A gente derriba ele, corta os pedaço e traz,
aí depois vai trabalhar nele, cavar por dentro, para ficar mais limpinho.
VD: Como é que cava?
MA: Cava com uma goiva que tem um [chiacho]32 assim, porque como o
tambor ele é [inaudível], é tipo um [chiacho], mas ele é assim, bota um cabo e fica
cavando ele por dentro. Dá trabalho.
VD: E queima? Tem que queimar?
MA: Antigamente queimava, mas hoje a gente não queima mais assim, é
difícil. Antigamente a gente botava no fogo, é... custava até a fazer o tambor, que se
fazia com calma. Não se vendia tambor nessa época. Para fazer esse tambor aí
passava uma porção de dias, botava fogo nele, queimava por dentro, mas agora a
32
Não foi possível compreender a palavra usada para descrever a goiva. Parece semelhante à
palavra usada logo em seguida, chucho, para dar nome ao instrumento usado para furar o tambor.
Segundo o dicionário Houaiss, chucho é uma vara de ferro pontiaguda.
128
gente cava mesmo é... e ficou mais fácil até de fazer, porque nessa época era, era...
era tudo manual mesmo. Hoje não, hoje tem muita coisa elétrica, furadeira, lixadeira.
Antigamente era no machado, era lavrar, que a gente chamava. Lavrar todo ele por
fora no machado e às vezes passava uma plaina só para tirar aqueles... E para furar
ele, para meter o couro a gente tinha que fazer um chucho assim de ferro, e botava
na fogueira, fazia uma fogueira e botava para esquentar, para ficar vermelho, para
poder furar ele. Hoje em dia tudo é na furadeira rápido, né. (risos) Menos trabalho.
VD: E o Sr. participa de Tambor de Mina também?
MA: Participo também.
VD: Toca também?
MA: Toco também.
VD: Tem uma diferença do Tambor de Mina, do instrumento mesmo, como é
que é?
MA: É, o Tambor de Mina, o instrumento é diferente, porque é tudo no...
VD: São três também?
MA: São três, é o guia, o contraguia e o tambor da mata. O tambor da mata é
aquele [apontando]. Está coberto ali, aquele ali é um tambor de mina, tambor da
mata.
VD: Ele tem uma estrutura de ferro.
MA: É, ele é botado assim, no ferro, é apertado na chave, ele não vai para a
fogueira como bota o Tambor de Crioula.
VD: E por que? Sabe essa diferença?
MA: A diferença é por que a Mina é um tambor que ele fica lá direto. Não sai
daqui, para levar para ali, entendeu, é um lugar, ele fica lá exposto no cavalete. E aí
você não pode estar levando para a fogueira, fazendo fogueira. Então a Mina lá
mesmo a gente aperta ele, lá onde ele está, lá mesmo na chave, mais rápido. Às
vezes está tocando, tocando, tocando e a outra pessoa está até apertando: “Aperta
aí que está folgado”. Vai folgando, a gente vai apertando na chave. E também a
doutrina, também as cantiga é diferente, a doutrina, né. E a Mina já entra também as
pessoas que... as entidade, entendeu? Tambor de Crioula, não. É difícil alguma
pessoa que... assim para baixar assim... Quando é coisa muito forte aí baixa, mas
não é assim para brincar como [inaudível].
VD: O Tambor de Crioula é mais para brincar?
129
MA: É. Uma cultura assim para brincar, para se divertir. Já a Mina, já vem as
entidade, por exemplo a cantiga quem tira já não é a pessoa, é a entidade que bate
na pessoa e faz pegar a doutrina, que a gente chama.
VD: Quais são as madeiras que...
MA: As madeiras, tem vários tipos de madeira. Tem a siriba, tem o soró, tem
o cedro, tem o marfim, que tem um tambor dele aí. Tem a siriba vermelha e a siriba
branca. A faveira. São as madeiras próprias para fazer tambor. À vezes a gente olha
um pau brocado, mas a madeira dele não é própria para fazer tambor. Fica podre de
[inaudível]. Seca e fica brocada, mas não é madeira específica de fazer. A gente tem
que saber qual é a madeira que faz.
VD: Entendi. E como... o grupo, o Sr. tem um grupo...
MA: Sim
VD: ...de pessoas específico?
MA: Tem um grupo, é.
VD: Como sobrevive? As pessoas têm seus trabalhos...?
MA: Têm, exato, é.
VD: Ou vivem de Tambor de Crioula?
MA: Não. O pessoal tem os trabalho deles. Só que no dia de uma brincadeira,
por exemplo, no dia quando tem uma representação, a gente chama as pessoas
para fazer uma representação, chama no carnaval. E faz, mas as pessoas têm
outros trabalhos deles também. Não é como a mim que só trabalho com Tambor, né.
As pessoas também, as coureira, os coureiro, também trabalham de outra forma
também.
VD: O Sr. trabalha só com Tambor?
MA: É, só com Tambor.
VD: Desde quando?
MA: Eu, depois que cheguei em São Luís, eu ainda trabalhei empregado uns
tempo, depois eu... eu ficava muito dividido entre o tambor e o emprego. O que eu
queria era estar com o Tambor mesmo. E aí eu escolhi. Saí do emprego para ficar
com o Tambor de Crioula. Ficar só com o Tambor, trabalhando só com o Tambor.
VD: E como é que é, sobrevive das oficinas que o Sr. faz?
MA: É, das oficina, das festa que eu faço também assim, né, quarta e sexta. E
às vezes fazem um projeto também, uns editais, a gente... faz muitos, mas às vezes
130
não ganha, mas alguns a gente ganha. Mas eu trabalho aqui também fazendo as
parelhas para venda, né, os artesanato. Mas é assim que trabalho aqui, fazendo os
tambores, os pandeiros, faço outros instrumentos, aí vai sobrevivendo dos material
mesmo.
VD: E tem edital? Edital do Estado.
MA: Tem, sempre sai aí. De vez em quando sai uns edital aí. Nem todos a
gente ganha. A gente inscreve, mas não passa. Mas, tem alguns a gente às vezes
ganha também. Ganhou um agora aí do município, mas ainda nem pagaram. (risos)
Esperando eles pagar, ponto de cultura.
VD: Mas antigamente não tinha isso?
MA: Não tinha.
VD: Era festa de família...
MA: É, era festa de família, o pessoal ia dançar mesmo, porque queria.
Também, hoje em dia você tem que pagar um cachê para as pessoas. Tem que ter
um cachê, né, para pagar eles. Porque esse dinheiro já vem, por exemplo, o São
João já vem para a gente com cachê, então a gente tem que pagar os brincantes
também. E hoje em dia a galera não quer mais brincar sem não ser... pessoal não
dar um agrado também [inaudível]. Aqui eu faço tambor quarta e sexta mas, sempre
de manhã eu dou um agrado para quem está tocando, né. Não dá para dar muito,
mas a gente já ajuda, né, as pessoas que mora mais longe também paga pelo
menos para pagar passagem. E é um tambor aqui que não é um tambor que eu
ganho do Estado, é um tambor que a gente faz mesmo, aqui mesmo, só que as
pessoas que estão tocando também tem que agradar.
VD: E todo tambor que faz, o Sr. paga as pessoas, todos eles?
MA: É.
VD: Esse de ontem, por exemplo.
MA: Não, esse aqui é de promessa...
VD: O de promessa não tem dinheiro?
MA: É, não tem dinheiro, não. Às vezes a gente dá assim uma passagem
para a pessoa que sai de manhã, porque mora longe, vai pegar um ônibus, a gente
dá para pagar passagem, mas não tem cachê, não. O de promessa.
VD: E quem vem para esses Tambores? Quem é o público?
131
MA: Aqui vem público de todos os lados. (Risos) Esse Tambor de quarta e
sexta que eu faço na semana vem gente de todos quanto é lado. Daqui, de fora, que
é um ponto turístico aqui também, né. Então as pessoas já vêm para conhecer o
Tambor de Crioula, né, e vem aqui na sexta-feira gente de todo lugar, daqui mesmo,
de perto, dos bairros. Os tamborzeiro não é só as pessoa que toca comigo, já vem
outros tamborzeiro que têm outros tambor também, né, a pessoa já vem para cá. Já
sabe que tem o tambor da sexta. “Vou lá no Tambor, tocar lá no Mestre Amaral.” Aí
vem, toca... Aí vem gente de todo lado, outras coureira que é de grupo vêm também,
que é um tambor de brincar aqui na sexta mesmo, de a gente fazer para se divertir.
VD: Os grupos se misturam também?
MA: É, se mistura. É, se mistura. Vêm três de um grupo, vêm três de outro.
Vem um cantador de outro grupo, como tinha Seu Chico ontem, um que estava de
camisa vermelha. Ele é um mestre também, de outro tambor. Mas ele veio aqui
ajudar, vem amanhã de novo. Vai vindo as pessoas
132
criança não participava. Então eu tenho muita pouco história para contar do Tambor
de Crioula, que então eu [inaudível] mais, depois que eu conheci os meninos aqui no
Rio, que aí eu comecei a participar. Mas lá eu sabia que existia, mas eu não
participava.
VD: Em que ano a Sra. começou a participar aqui no Rio?
D. Rosa: Foi dois mil e... e sete. Dois mil e sete, que eu conheci os meninos.
VD: E já morava no Rio há quanto tempo?
D. Rosa: Olha, já estou há 43 anos no Rio de Janeiro. Eu cheguei aqui em 73,
mais ou menos isso, uns 43 anos, quando eu cheguei no Rio, tem pouco tempo, tá.
E agora você quer saber mais o quê?
VD: Quero saber... A Sra. Participa de outras atividades semelhantes ao
Tambor de Crioula?
D. Rosa: Não, no momento não.
VD: Já participou?
D. Rosa: Também não.
VD: Aqui no Rio só o Mariocas?
D. Rosa: O primeiro grupo que eu engajei foi só os Mariocas.
VD: E o que é punga?
D. Rosa: Punga é quando o tambor, que o tambozeiro está repicando, quando
ele faz aquela batida pum-qui-pum. Isso é a punga. É a hora da punga, pum. É a
hora da punga, cada batida que ele dá com esse tom é a hora da punga, a quebra
do joelho.
VD: Quebra do joelho?
D. Rosa: É, tá...
VD: E ela acontece sempre em uma hora específica do...
D. Rosa: A dança é sempre na base da punga, é sempre pungando. Tanto faz
na boca do tambor como na roda, é sempre pungando.
VD: E qual é a diferença entre punga e umbigada?
D. Rosa: Porque a punga é como eu estou falando para você, é sempre a
quebra do joelho. E a umbigada não, a umbigada você vai rebolando, se
requebrando e encosta umbigo com umbigo da outra coureira que está ali na roda.
VD: Umbigada e punga são diferentes?
D. Rosa: É, é diferente.
134
VD: E aquele momento com o santo, em que vocês levam o santo, a imagem
do São Benedito, aquilo é punga também?
D. Rosa: Isso para mim é coisa nova, porque isso aqui, quem dançava com o
santo lá no interior do Maranhão, no caso a minha tia que fazia festa do São
Benedito, então festa do São Benedito foi uma promessa por alguma graça recebida
por ela, que então ela se apegou ao santo, aonde, durante... enquanto ela viveu, ela
festejava o São Benedito em agradecimento. Então só ela dançava com a imagem.
Então depois que outras pessoas vieram para cá e aí então começaram a misturar e
agora todo mundo dança com São Benedito, mas quem dançava com São Benedito
antigamente era só a pessoa que fazia a promessa. Você teve qualquer problema na
sua vida, então vou fazer promessa para São Benedito para adquirir isso aqui. Então
tu ia fazer para o resto da tua vida. Então só ela dançava com o santo. As outras
coureiras não dançavam. Isso para mim é uma coisa nova. Pelo menos lá na minha
região ninguém dançava, só a pessoa que estava pagando a promessa que era
novena, entendeu? Então no dia do Tambor, ela em agradecimento, ela dançava
com o santo, mas só ela. Aqui não, aqui é outras pessoas, porque as pessoas aí já
destorcem, aí já confundem com umbanda, com candomblé, com isso, com aquilo.
Não tinha nada a ver. Festa do santo, é festa do santo. Embora que cada um deles
representa um [inaudível] aqui no Rio eu vim conhecer essa história, mas lá no
Maranhão não era nada disso, não. Não tinha essa mistura.
VD: Mas você via as festas, você não participava, mas você via? Não
dançava, mas assistia.
D. Rosa: Várias eu assistia.
VD: E por que a Sra. Participa dessas rodas?
D. Rosa: Olha, entrei nessa roda, porque eu tinha uma neta. Ela tinha seus
doze anos, que eu conheci esses meninos na Feira de São Cristóvão, que aí então
eu frequentava muito a feira, aí tinha uma barraca de uns amigos, que era tudo
maranhense. Aí um belo dia um deles me convidou. “Você conhece os gêmeos?”
“Não”. “Sabe por que, porque eles vão fazer uma apresentação de Tambor tal dia
assim, assim”. Aí então eu levei a minha neta que tinha saído de lá com uns 4 para 5
anos, que não conhecia, para ela conhecer um pouco a nossa cultura. Aí quando
chegou lá que ela começou a ver a batida do tambor, quando eu vi a Gleicinara já
estava na roda dançando e por causa dela eu entrei no grupo. Aí acabou que ela foi
135
embora e eu fiquei, entendeu? Então foi assim que eu entrei o grupo. Mas eu já
conhecia um pouco.
VD: E como é a participação das mulheres no Tambor? Mulher toca? Ou só
dança?
D. Rosa: Não. Na minha terra mulher não tocava, não. Aqui é que
exatamente, às vezes até por falta do coureiro, entendeu, então as mulheres
aprenderam a bater aqui, mas lá no interior quem bate tambor é só homem. As
mulher não senta no tambor, é uma tradição.
VD: Por quê?
D. Rosa: Por que eles acham que é uma coisa que dá azar, entendeu,
qualquer besteira assim. É pura superstição. Mulher não bate tambor. Aqui no Rio
que veio com essa história, talvez até por falta da mão do coureiro. Com a
dificuldade de arranjar o homem para bater, então elas começaram a bater.
VD: O que a Sra. acha das mulheres batendo?
D. Rosa: Olha, para mim tanto faz, porque tudo que me der para tocar eu
toco, entendeu? Se é para tocar, então eu vou tocar, porque eu sei mais ou menos,
mas isso aí é uma tradição que quebrou, foi quebrada, porque se chegar lá na roça,
mulher não vai sentar em cima de tambor, não e nem homem vai botar saia para
dançar tambor. Isso é uma coisa do homem bater tambor e as mulheres dançar, não
tem nada disso. Mas eles vieram para cá e distorceram tudo e aí botaram em uma
panela só.
VD: A Sra. Toca surdo no bloco. Já tocou tambor também, no Tambor de
Crioula?
D. Rosa: Não, nunca toquei. É como eu estou falando, mulher não toca
tambor. Hoje em dia os meninos [inaudível] ensinando, mas não toca. Não é uma
coisa para mulher tocar. É uma coisa para homem tocar.
VD: Você gosta de dançar?
D. Rosa: Ah, eu gosto. É uma terapia que eu faço. Você solta tudo que é de
ruim, extravasa e quando você vai para casa está levinha (risos).
VD: Quem frequenta essas rodas? Quem são os frequentadores das rodas do
Mariocas?
D. Rosa: Olha, já teve tantas pessoas frequentando, tem pessoas assim, que
vai e volta, vai e volta. Eu nunca saí do grupo, mas às vezes, porque as pessoas
136
que participam do grupo, é mais pessoas amadora, entendeu, não é assim como um
profissional, porque são pessoas que trabalham no dia-a-dia, às vezes umas podem
comparecer – assim nesse horário, dez horas – às vezes tem gente trabalhando, aí
não vem porque em primeiro lugar está o trabalho, porque tem que alimentar, tem
que pagar aluguel, fazer isso, fazer aquilo. É diferente de lá do interior, porque lá no
interior, quando você coisa para aquela festa, você não tem compromisso com
ninguém, entendeu, é dia de festa, é dia de festa. Mas aqui não, aqui as pessoas
trabalham. Vê que até mesmo os meninos mesmo, às vezes o Rômulo não participa
porque está trabalhando, entendeu. Por esse motivo, não tem aquelas pessoas
certa. A vez tem e a vez não dá para vir.
VD: E quem são as pessoas que assistem, quem é o público? A Sra. Tem
idéia?
D. Rosa: Acho que público em geral. É o público em geral. Basta tocar para
começar a vir alguém espiar e muitos [inaudível], muitos gostam, entendeu? E então
por aí afora, não tem assim, aquele gosta, aquele não gosta. Não, todo mundo
participa e gosta.
VD: E como é a organização do grupo? O grupo sobrevive de quê?
D. Rosa: Olha, eu vivo do meu trabalho, entendeu, porque eu estou
aposentada, mas eu ainda trabalho. E assim, acho que vice-versa, cada um tem que
contar sua história, entendeu, porque eu vivo do meu trabalho. Eu não vivo
especificamente do grupo dos Mariocas. Acho que a maioria aqui, todo mundo
trabalha, entendeu?
VD: Tem gente que vive do Tambor de Crioula?
D. Rosa: Isso só lá no Maranhão. Aqui no Rio, não. Porque lá virou cultura,
porque antigamente era uma coisa que era só para brincar, entendeu, mas de
repente virou cultura e aí é o Tambor de Crioula, é bloco tradicional, qualquer coisa
que participa para a cultura, aí é dinheiro que entra, porque tem uma coisa da
prefeitura.
VD: Obrigado, é isso.
...
VD: O povo quer saber, D. Chuchu...
D. Chuchu: É, o povo quer saber.
137
Aedda Mafalda
Data: 10 de dezembro de 2016
Duração: 26 min e 29 seg
Então, das manifestações depois que eu conheci, a única que eu já tinha algum tipo
de vivência era essa. Jongo, Coco, Ciranda, Tambor de Crioula, Cavalo Marinho,
enfim, todas essas eu só conheci a partir do contato com a graduação de dança, na
disciplina de folclore.
VD: E você... mas você pratica alguma dessas outras? Jongo, Cavalo
Marinho...
AM: Sim, sim. Além da companhia... eu faço, eu participo, desde que eu
participei da oficina em 2010, como eu te disse, fiquei na companhia... enfim, com
um dos diretores da companhia, a gente se envolveu emocionalmente, eu me
aprofundei mais na Companhia e além do trabalho efetuado pela Companhia
Mariocas, que é tradicionalmente em manifestações maranhenses, eu participo de
uma outra companhia também, Companhia de Aruanda, que trabalha na área de
Madureira, por ali, e eles trabalham com as outras manifestações, Coco, Ciranda,
Maracatu. Então, além dos trabalhos que eu realizo no Mariocas, eu também faço
trabalho com essa outra Companhia de Aruanda, que também trabalha na área de
educação infantil, a gente dá oficina para crianças, tem um espetáculo infantil e eu
trabalho com as outras manifestações com essa companhia também.
VD: E aí, voltando para o Tambor de Crioula, a pergunta é: o que é punga?
AM: Então, punga é... na verdade são 3 coisas dentro do Tambor de Crioula,
o que para mim é um encontro em todas essas três. Por exemplo, tem a punga da
coureira, que é o ponto forte da movimentação da dançarina – coureira é a
dançarina, né, de Tambor. A coureira tem, ela dança... ela desenha um círculo com
o seu corpo no chão e o ponto forte na frente é o ponto de encontro dela com a
punga do coureiro, tambozeiro no tambor grande. Pum-pum-pum, tem um pulso que
é mantido pelo meião, tambor meião, e as variações são feitas pelo grande, mas ele
coincide em algum momento com a punga do tocador no grande e a punga da
coureira na dança, né, em relação ao tambor grande. E tem a punga entre coureiras,
que é o toque abdominal. Conforme a gente... as coureiras evoluem dançando,
como a troca de energia, elas se encontram com o umbigo e esse movimento
também é chamado de punga. É uma dança de umbigada, como o Jongo, como o
Samba de Roda e tal. É uma dança de umbigada que tem contato físico, porque o
Jongo não tem, mas nessa hora da punga, é... é uma troca de energia entre as
coureiras e ela se liga novamente, a coureira que saiu se desprende e a nova se liga
142
ao tambor através dessa punga que foi criada. É uma região muito importante para
as manifestações de origem africana, relação com o ventre, com a fertilidade, com a
maternidade, então é... tem uma importância muito grande essa energia de troca da
punga. Tanto que muitas vezes, em rodas abertas, né, assim, as coureiras que não
se... mulheres que não se falam ou não se relacionam não fazem a punga, porque
você vai trocar uma energia com uma pessoa e é uma troca muito importante. Se
você não se dá bem com aquela pessoa, não é legal você fazer esse movimento.
(Você tem que me podar, porque eu vou falando).
VD: Pode falar, fica à vontade.
AM: É... então, no meu ponto de vista, tem essa... comunicação. Entre as
coureira, entre a coureira e o coureiro e tudo isso interligado, então eu... está tudo...
a punga, nesses três pontos, elas estão interligados como uma comunicação entre
as pessoas...
VD: A punga é uma comunicação?
AM: Sim, sim. Você está me perguntando se é uma comunicação. No meu
ponto de vista sim. É uma comunicação entre as pessoas que estão ali e entre os
ancestrais, entendeu.
VD: Entendi. E a terceira? Você falou que tinha uma terceira.
AM: Então, a punga do coureiro, pum, no toque...
VD: Da coureira com o coureiro no toque.
AM: A punga do coureiro, já é um ponto.
VD: Ah, sim.
AM: A punga da dança, do ponto forte da coureira...
VD: Da interação dela com...
AM: Da movimentação dela. E a punga do umbigo. A troca de energia entre
as coureiras. Então são três pungas que a gente chama, né, tudo é punga.
VD: Então qual é a diferença entre punga e umbigada?
AM: Na verdade nenhuma. Eu não vejo diferença, porque, por exemplo, a
umbigada... tem Batuque de Umbigada, tem Jongo, tem Samba de Roda, tem Coco.
Apesar de Coco e Jongo não ter contato físico na umbigada, é uma forma de
umbigar, uma troca, uma comunicação que você está... é uma relação que você está
com o outro que está dançando com você. E no Tambor de Crioula como é... tudo
dessa manifestação é muito característico, tem um nome específico para esse
143
gente não tinha esse momento... (ah, obrigada! [Sua filha lhe trouxe alguma coisa.])
A gente não tinha esse momento de divulgação. [conversa com a filha.] A gente não
tinha esse momento de interação e também de divulgação. Porque muita... mesmo a
gente estando no Rio há tanto tempo (“a gente”, eu já estou aqui maranhense.
Risos.) Mesmo a Companhia existindo há tanto tempo, muita gente não conhece o
trabalho, muita gente não sabe que existe, muita gente muita coisa, então, é
importante a gente estar ali ocupando um espaço que é próximo aqui à sede da
Casa do Maranhão na Praça Mauá, que está ali lindo, novo, maravilhoso e que a
gente tem que botar o tambor na rua para as pessoas poderem conhecer também,
entendeu, assim como eu conheci seis anos atrás.
VD: Como é a participação das mulheres, além de dançar? Mulher toca, pode
tocar? O que você acha?
AM: Ai meus Deus! Então, cara, (risos) as mulheres não podem tocar
efetivamente, né. Mulher canta, graças a Deus, né. Estou podendo fazer isso agora.
Mas na manifestação tradicionalmente só homem toca os tambores – meião,
crivador, tambor grande e a matraca – fazem coro e as mulheres só dançam e fazem
coro e cantam, certo? Podem puxar toadas também. Mas como a gente tem a ideia
de disseminar a manifestação, de divulgar, a Companhia Mariocas realiza oficinas, a
gente ensina os toques e a dança e tal. E no carnaval (ih, não falei dos tambores
batizados, mas eu volto), no carnaval a gente realiza sempre na terça-feira de
carnaval uma roda de Tambor de Crioula em que em algum momento da roda as
mulheres podem tocar e os homens podem dançar, porque os homens também
gostam de dançar Tambor de Crioula, tem alguns homens que dançam muito bem,
inclusive. E aí no carnaval eles se... ah!... Dá uma pausa.
...
AM: E aí no carnaval a gente realiza essa roda que os homens podem dançar
e as mulheres podem tocar, o que foi maravilhoso, porque eu sempre fui apaixonada
por tocar tambor, realizei meu sonho no carnaval desse ano de poder tocar o
grande. Maravilhoso, mas, tradicionalmente em rodas não pode. Só a gente... a
Companhia Mariocas faz isso, não sei de outros grupos... não tenho conhecimento
disso, mas a gente permite essa atividade no carnaval com tambores de cano,
porque não são... tambores batizados mulheres não podem nem chegar perto. Tem
tambor de promessa que eu te falei antes...
148
matraca, que são aqueles dois bastões de madeira que tocam o corpo do tambor
grande e sem matraca.
151
Rômulo Costa
Data: 10 de dezembro de 2016
Duração: 17 min e 09 seg
São Benedito, o pessoal leva, promessa... Um Tambor no dia de São Benedito, vou
levar o São Benedito para a rua, vou levar para a praça, vou levar para uma rua, um
espaço. Isso é outra história.
VD: E a pernada entre os homens? É punga também? Como é que é o
nome? Como é que funciona?
RoC: Na verdade a pungada dos homens é uma... É muito difícil você hoje ver
essa pungada no Maranhão, hoje é muito difícil. Só lá no interior do interior que você
vê a pungada dos homens, que é batendo a coxa contra a coxa do outro para deixar
o outro cair. Na verdade também é uma punga, não deixa de ser uma punga. É... na
verdade eu te juro que não vejo mais isso. Em São Luís mesmo você não vê isso.
Nos interiores mais próximos da capital São Luís, também não vê mais. Você vai
encontrar de um, dois a três interiores a pungada dos homens. Então a gente não se
baseia muito nessa pungada dos homens, não.
VD: Mas é uma punga também?
RoC: É uma punga também.
VD: Você vê muita diferença entre as festas de Tambor de Crioula aqui e lá
no Maranhão? Os motivos para fazer festa aqui e para fazer lá são diferentes? As
festas em si são diferentes? Quais são as diferenças?
RoC: Eu não vejo muita diferença, eu vejo mais é dedicação. Na verdade
diferença a gente não vê muito, é dedicação. Porque lá, o pessoal lá se envolve
muito. Se é... se junta muito nessa... na festa da cultura. Aqui é um pouco mais
disperso... Na verdade a gente chama de regiões para regiões, né. Então lá o
pessoal tem mais fé, tem mais gás, mais fé na cultura, na raiz, no santo, né, então,
aqui não, aqui ainda é oba-oba, “eu vou só para ir”, eu vou... não, lá o pessoal se
entrega para as festas juninas, para as festas folclóricas.
VD: Por que vocês fazem as rodas de Tambor de Crioula?
RoC: Porque a gente gosta, bicho, para não esquecer nossa raiz. Sem
patrocínio, sem apoio. Nós fazemos porque nós gostamos, porque está no sangue.
É muita força de vontade de fazer acontecer. Porque, na verdade, não sei se meu
irmão vai te falar, quando a gente sai da nossa cidade para a cidade dos outros,
para outro lugar, a gente perde nossas raízes, na verdade é isso. Então para a gente
não perder nossas raízes, nosso sotaque, nossas falas, nossas comidas, a nossa
cultura, nós montamos esse grupo, ‘bora’ pra rua, fazer e acontecer. Hoje tem
154
cachê, amanhã não tem cachê. Hoje tem um pão para comer, amanhã tem um
caviar, e aí estamos indo, acontecendo, entendeu?
VD: E, mudando agora totalmente, como é a participação das mulheres no
Tambor, a participação das mulheres e dos homens? As mulheres dançam, os
homens tocam. Mulher pode tocar? Homem pode dançar? Como é que é isso? O
que você acha disso?
RoC: Desde que eu me entendo como gente, o que passaram para nós,
nossos tataravós, nossos avós, nosso pai e mãe, o que passaram para nós, que é...
mulher não entra na r... homem não entra na roda para dançar, só mulher, só mulher
que dá punga, só mulher. No Maranhão, eu te falei aquela história da punga dos
homem, os homem dança, mas não dança de saia, não dança, não, eles dão uma
pungada no outro, não dança, dão uma pungada, faz uma brincadeira. Mas homem
botar saia, entrar na roda, isso é fora de cogitação. Então isso a gente tem de
manter, passaram para a gente. Não adianta você fazer uma coisa que te passaram
hoje assim, eu vou tirar esse copo daqui, vou botar aqui, porque está errado. Não,
se esse copo tem que ficar aqui, eu vou deixar esse copo aqui porque foi isso que
me ensinaram. Isso é respeito com a cultura. Eu acho assim, né, eu vejo assim,
beleza?
VD: Mas aqui... Mas tem umas rodas em que acontece essa...
RoC: Na verdade essa roda...
VD: É só aqui no Rio?
RoC: ...acontece aqui no carnaval. Essa roda de homem botar saia, nós
fazemos no carnaval. Porque não é o compromisso com o Tambor, é uma
brincadeira, aquela hora é uma brincadeira, o pessoal quer... “vou botar uma saia.
Vamos botar”. E a gente bota as meninas para tocar, mas isso é no carnaval, só um
dia só, e não é sempre, a gente até... As pessoas falam que nós somos até radical
com essa história de botar homem para dançar na roda. Não é radical, é [inaudível]
para a gente. Então no carnaval, que é uma coisa louca, uma festa, uma...
manifestações, nós fazemos essa brincadeira.
VD: E... quem frequenta essas rodas? Não as pessoas do grupo, mas a...
quem é o público, quem são as pessoas que vão assistir?
RoC: Na verdade é mais as pessoas que gostam da cultura, que gostam da
arte, né. Quem gosta de ver, porque na verdade [inaudível] diferença. De onde eu
155
moro, né, Pavuna, para cá para o Rio, para o centro, o pessoal curte, gosta e
respeita. Lá onde eu moro o pessoal não respeita a cultura, na verdade, a cultura
popular, as pessoas não respeitam.
VD: Na Pavuna?
RoC: Na Pavuna, então as pessoas não respeitam muito, porque tocou
tambor no nosso país é macumba, então... as pessoas, na verdade não é culpa
deles, é culpa do estudo, do estudo, da escola que não passa a... a história
verdadeira do negro, do... das danças, né, do... das brincadeiras. Então não é culpa,
na verdade não é nem culpa do... do pobre morador, não é culpa das pessoas, é
culpa das escolas que não passa a história, eu já bato muito nessa tecla também,
porque nós tentamos fazer várias vezes lá e não rolou, então a gente vê a diferença,
o público daqui é um público mais que é... que se envolve com a arte, que é artes
plásticas, as pessoas que trabalham mais com a cultura mesmo, né. E os amantes,
como vários é... poetas, o Ferreira Gullar estava sempre com a gente também, já fez
parte do grupo, a gente foi fazer várias apresentação para ele, então é por aí.
VD: Como é a organização do grupo? Tem diretor, tem...?
RoC: Tem, tem uma diretoria, tem um presidente, tem uma coordenadora,
tem o pessoal que trabalha com a divulgação, então cada um tem uma função.
Somos seis pessoas, cada um tem uma função de fazer acontecer o grupo.
VD: E que tipo de financiamento, tem... rola dinheiro, rola... tem gente que
contrata?
RoC: Na verdade é assim... tem gente que contrata quando... tudo é dividido,
quando nós temos uma grana legal, a gente divide com o grupo, quando a gente não
tem a gente fala “galera, não tem cachê, quem quiser ir, vai, quem não quiser não
vai.” Aí pode ser de baixo da ponte, pode ser em um shopping center, com a gente
não tem preconceito. E a galera não... “ó, eu vou, eu não vou”, é assim. Na verdade,
o grupo é uma irmandade, né, se dá, dá; se não der também não deu, a gente não
vai ficar zangado com ninguém.
VD: E os tambores, você traz tambores de lá? Você fabrica aqui?
RoC: Alguns nós fabricamos aqui, né, montamos aqui. Outros foram doados
pelos grupos de lá também do Maranhão, certo, vários grupos que apoiam, que
gostam e vê falar da gente aqui e manda um instrumento, manda uma matraca,
manda um pandeirão, manda uma retinta, manda até um Tambor de Crioula
156
completo para a gente também, manda um Boi, né, então, a galera cada um vai
mandando o que pode mandar.
VD: Vem do Maranhão?
RoC: É, vem do Maranhão, vem de lá.
VD: E eles são batizados aqui? Ou já vieram batizados?
RoC: Uns boi nosso foi batizado lá, outros foi batizado aqui, Tambor de
Crioula também, um foi batizado aqui. Como nós temos vários tambores, uns foi
batizado aqui, outros já vieram batizados de lá, doações dos grupos...
VD: E quem batiza o tambor? É um padre?
RoC: É um padre. Na verdade, no Tambor de Crioula é o padre, né, vai para a
porta da igreja e o padre batiza o Boi. Mas também pode ser uma mãe de santo, ela
batiza também, e assim vai. O nosso tambor foi batizado em uma casa de umbanda,
uma casa de Tambor de Mina, lá em Nova Iguaçu, nosso Tambor de Crioula foi
batizado lá.
VD: E, fala um pouco sobre os sotaques. Quais são as diferenças, quais são
os sotaques?
RoC: É, do Bumba-meu-boi são vários sotaques, tem o sotaque da ilha, tem o
sotaque da Baixada, tem... o sotaque de costa de mão que do interior do interior.
Então são... o da ilha, o tambor os... ilha né, os pandeirões para cima, Baixada, os
pandeirões para baixo repenicando, então... uns boi usa instrumento de sopro, né,
Bumba-meu-boi que é o Boi de orquestra, como chama. Na verdade, o Boi da
orquestra é o Boi do pessoal que tem mais dinheiro, então o Boi da ilha, o Boi de
Pindaré, é só o pobre que não tinha dinheiro, pegava o couro, cobria um... pegava
uma árvore cobria uma... e fazia o tambor. E quando foi para São Luís mesmo, para
a capital mesmo e como o pessoal possuía mesmo instrumento de sopro,
começaram a misturar o sopro com os ritmos africanos, com ritmos indígena, aí fez...
montaram o Boi de orquestra.
VD: E do Tambor de Crioula?
RoC: O Tambor de Crioula só tem um ritmo só, é o tambor grande, meião e
crivador. O Boi tem vários ritmos, mas o Tambor de Crioula não tem, só tem um
ritmo só, uma levada só.
VD: Então é isso, obrigado pela entrevista.
157
RoC: De nada, nós estamos aqui para fortalecer essa... esse trabalho seu, né,
então... Eu só queria deixar um recado, essa herança foi deixada por nossos avós,
hoje cultivada por nós, valeu? Obrigado.
VD: Obrigado a você.
158
essa punga para mostrar que ele está entrando para dançar, para pedir licença aos
tambores. Eu acho que deve ter o mesmo significado.
VD: E a festa do Maranhão, comparando com as festas de Tambor no Rio,
tem diferença? Você percebe diferença?
ACB: Sim, tem muita diferença, é... a cultura lá é mais forte. Aqui a gente
tenta mostrar o máximo que podemos, mostrar nossas raízes, nossas culturas, né,
mas lá é muito forte, tem muita diferença, as pessoas respeitam muito mais. É, o
número de pessoas são maiores também. Tem muita diferença sim.
VD: E como é que é isso de fazer o Tambor aqui no Rio? Por que que faz no
Rio? Qual é o motivo, qual é a... o que leva a fazer?
ACB: Aqui no Rio leva é a gente mostrar mesmo a nossa cultura da nossa
cidade, de onde nascemos. Mostrar o quanto é importante, o quanto é bonita a
dança, é... O quanto é valorizado lá e a gente tenta mostrar aqui para que as
pessoas também passem a valorizar melhor, é... Ter um conhecimento maior de São
Luís do Maranhão.
VD: E com relação à participação das mulheres na roda, você... como é que é
essa coisa da mulher tocar tambor? Você toca, você gosta, já tocou?
ACB: Eu não toco, é... tem alguns grupos, acho que até em São Luís
também, as pessoas... tem algumas mulheres que tocam, mas pelas informações
que eu tive, conhecimentos e os estudo, né, referente ao Tambor de Crioula o ideal
que são os homens que tocam. Mas hoje em dia já tem muita coureira tocando, acho
bonito, acho legal isso. Já fiz uma oficina, já toquei, achei bem bacana. Dá vontade
às vezes, quando eu vejo um coureiro tocando assim sem ritmo, dá vontade de, por
ter feito a oficina, dá vontade de pegar o tambor e tocar, né, mas eu respeito essa
informação que só coureiro toca, mulher não senta no tambor, eu acho isso bem
bacana.
VD: Em relação ao público, quem é o público que frequenta essas rodas?
ACB: O público depende do lugar onde estamos. As rodas são bem
divulgadas, o Tambor de Crioula é bem divulgado hoje nas redes sócias e aí o povo
que valoriza a cultura brasileira são os mais frequentantes, mas o público é...
depende do lugar onde estamos [inaudível]... É, público dos Estados Unidos,
americanos, Rio de Janeiro, Paraíba, São Paulo. Depende do lugar onde estamos
nos apresentando.
161
Ramon Costa
Data: 10 de dezembro de 2016
Duração: 38 min e 53 seg
Janeiro. E batalhando por um objetivo, né, não só de ser famoso, mas fazer o que a
gente vinha fazendo. O Reggae também no Maranhão é muito forte. Montamos
grupo de Reggae, a dança Reggae, no Maranhão, primeiro grupo de dança Reggae
no Maranhão foi o nosso. Eu e ele montamos, eu e meu irmão, Rômulo. E aí,
viajamos Norte e Nordeste, viajamos para o sul com uma banda chamada Tribo de
Jah, o grupo de dança era Jah Rastafará, e fazendo isso começamos a viajar o
Brasil.
VD: Mas aí vocês vieram ao Rio de Janeiro em 96, né, pela primeira vez?
RaC: 95.
VD: E... mas quando é que vocês vieram já instalados e formaram o Grupo
Mariocas. Desde quando o Grupo Mariocas existe?
RaC: É, desde 2002. Quando a gente estava atarefado com algumas coisas
na nossa área de dança, de Reggae, fizemos Revista Raça, fizemos outros
programas, então a gente não estava muito com essa visão da cultura popular, mas
sentia falta, quando chegava o mês de junho, julho, “cadê o Boi, cadê o Tambor de
Crioula, cadê o Cacuriá, cadê o Lelê?” E não tinha, né. A gente procurando, não
tem, não tem. Viemos conversando, eu e meu irmão e mais um amigo nosso
chamado Silvio Pinto, também dessa linha. Fizemos parte de outros grupos lá no
Maranhão, fomos do grupo Cazumbá, também que faz essas mesmas brincadeiras,
e ele veio, o meu irmão com ele, esse Silvio, juntamos em 22 de agosto de 2002 e
montamos a Cia Mariocas, fazendo só mais o Tambor de Crioula do que o Boi.
Fazíamos o Boi mas não tinha percussionista. É um pouco difícil encontrar
percussionista nessa área do Boi do Maranhão. Mas ia fazendo oficina. Mestre
Felipe, fizemos oficina com Mestre Felipe. Fizemos oficina com, é... com o Celsinho
lá do Maranhão, que mora hoje em São Paulo.
VD: Mestre Felipe veio dar oficina aqui?
RaC: Veio, veio dar oficina aqui. César Nascimento também, que é discípulo
do Mestre Felipe. Conheci Mestre Leonardo, também fomos... No Maranhão a gente
já conhecia eles, mas a gente não era tão chegado a ele. A gente ia nas festas de
Tambor de Crioula, sabe. Até porque a dança afro nos permitia a gente ir nesses...
pesquisar esses mestre, né, e brincar com essas pessoas, né. Ir para as festas, né.
Mestre Felipe, Mestre Leonardo, Mestre Nivô. Esses foram os grandes mestres do
Tambor de Crioula no Maranhão. E aí, com essa vontade de fazer, de brincar,
164
sentindo vontade da nossa brincadeira, juntamos eu, meu irmão e o Sílvio, né,
Ramon, Rômulo e Silvio, montamos a Companhia Mariocas com estatuto, com uma
ata de fundação, com os três fundadores, diretor, presidente e secretário. Montamos
essa estrutura de direção na Companhia e aí sim a Companhia surgiu, convidando
uns amigos e umas amigas, que eram maranhenses com a mesma vontade de
brincar, né, com a brincadeira nossa, do nosso estado maranhense. Vamos pegar
aqui a Rosa e a Francisca que foram uma das primeiras que segurou a onda
conosco. Aí veio Dona... mais duas pessoas incríveis, Dona Maria José e Dona
Dolores, do interior do Maranhão, de Serrano. Elas tinham muito conhecimento, para
a gente foi muito valorizante de trazer e brincar conosco. Aí entrou Dona Cecília, aí
hoje que o nosso mestre que é o Mestre Galinheiro. E foi procurando pessoas que
realmente tinham alguma coisa a ver... Porque não é só chegar “vamos fazer”, né?
Vamos fazer o que? O que que é isso? São pessoas mesmo que viveram isso. E
quando chega aqui, não tem, né. Então eles chegam numa cidade, não tem, eles
começam a perder essa identidade cultural, que era o que estava acontecendo
conosco, nós estávamos perdendo nossa identidade cultural. Tivemos oportunidade
de fazer outras coisas, aqui nessa linha, conversamos com a Marlene Matos, que na
época era a empresária da Xuxa. Ela veio, pediu que a gente fizesse um Funk
Melody, alguma coisa. Digo, a gente pode até fazer, né, para aparecer. Vamos ver
como é a essência disso, vamos fazer, vamos arreganhar o dente e tal, bonito,
beleza. Mas era isso que a gente queria mesmo de coração? Sabe? Não é.
VD: Então qual é a importância disso, do Tambor? Qual é a importância de
fazer Tambor no Rio?
RaC: É, assim, acho que a valorização, primeiro, de uma cultura do nosso
país. Esse é o priorde (sic). O que que é, certo, a Companhia Mariocas, hoje
fazendo?... porque antigamente era Rômulo e Ramon, os gêmeos Rômulo e Ramon.
Hoje em dia não, hoje é Companhia Mariocas, certo? Não tem mais Rômulo e
Ramon. Tem uma companhia, tem pessoas, né. Então para a gente ainda é mais
valorizante e mais fundamental de estar fazendo... são pessoas que vêm com a
vontade, tem pessoas com mais de 40 anos aqui de Rio de Janeiro, que perdeu isso
e hoje está conosco e brinca, com cachê, sem cachê. Vai se for de baixo da ponte,
vai se for no teatro italiano, no palco italiano. Vai, não tem essa... Porque é isso que
no interior do Maranhão acontece. Não tem o valor financeiro de receber, mas de
165
fazer, de brincar. Isso é o que valoriza mais a gente, de estar fazendo e valorizando,
seja essa a cultura que for, mesmo que fosse de outro estado. É a mesma coisa, é
fazer com a mesma intenção de mostrar para essa massa que o nosso estado não
passa na escola, não passa na área de educação, No Maranhão a gente tem isso,
né. Porque a gente dava aula em escolas, mês de junho, julho, para os meninos,
para os alunos. Desde pequeninho, desde a creche com Coco. Com os mais velhos,
Cacuriá, outras brincadeiras, o Boi vinha tudo isso tinha nas escolas. Hoje no Brasil,
isso não tem, mas no Maranhão ainda existe isso. Mas também porque está em tudo
quanto é lugar. Você vê um Tambor de Crioula, vê um Boi, vê um Cacuriá, vê uma
dança do Lelê, vê uma dança sabe, então a gente tinha isso, então a gente não
precisava ir buscar. Estava na porta de casa.
VD: E então como é que começou sua relação com o Tambor, foi de criança
ou foi em alguma instituição, alguma...
RaC: Isso... a gente já via isso desde criança na porta de casa, porque os
Bois, o Tambor, eles vão na porta de casa. Às vezes é um pagamento de promessa,
né, minha avó fazia... “eu vou fazer um Tambor de Crioula na minha porta, porque
eu pedi isso e isso”. Ela contratava um Tambor de Crioula ou amigos dela que ia lá e
paga o Tambor de Crioula para São Benedito. “São Benedito, me dê isso, faz aquilo,
que eu vou fazer um Tambor na minha porta”. O Boi, a mesma coisa. Então, isso já
vinha para a gente, a gente não ia buscar. Então essa... desde pequeno, quando
começamos a dançar, a ser dançarino, ser bailarino, e aí isso fica mais forte, porque
você vai buscar isso, nos interiores, não só na capital, São Luís, mas ir nos
interiores, indo buscar isso, vendo isso, sabe. Conversando com os mais velhos. E
quando você quer, você busca, vai na fonte, né. Mesmo que você veja, que você
brinque, que você dance, mas você tem que ir na fonte. Respeitando sempre os
mais velhos, valorizando muito os mais velhos. E isso, eu e meu irmão fomos
buscando, né, viagem... Ia com o grupo GDAM nos interiores, ia para uma festa lá,
que nós ia apresentar a dança afro. Mas lá tinha o Tambor de Crioula, tinha o Boi,
tinha o Lelê, tinha Dança do Boiadeiro. Então a gente vinha buscando, se entrosava,
brincava, cantava com eles. Tocava. A gente não foi buscar uma oficina de tambor,
porque a gente já estava lá dentro: “toca aí, é assim...” Então isso naturalmente vem.
VD: Mas você teve alguma formação, você estudou em algum lugar? Dança?
166
RaC: No GDAM. O GDAM foi uma escola para mim. Lá era dança afro, né.
Mas a gente ia buscando essas culturas populares. Porque a gente tinha dois
espetáculos, a dança afro e o espetáculo de cultura popular. Então, nessa a gente
vinha buscando... Tem o CCN, Centro de Cultura Negra do Maranhão, também foi
uma área que a gente estava lá sempre, saíamos no bloco de lá, então isso muito
nos ajudou, porque... estudar, ir ali, vamos ver o que isso aqui, sabe, buscando.
Entra em um grupo chamado Casa de Referência do Maranhão, que vem de tudo,
as brincadeiras populares do Maranhão. Depois entra no Teatro Municipal. Então
para a gente foi uma fonte de tudo isso que a gente faz.
VD: E, mudando um pouco de assunto, o que é punga?
RaC: A punga é o auge do Tambor de Crioula. A punga é a essência da
coureira. São duas pungas. O que você pergunta que é a punga? Tem duas pungas,
a punga do tambor e a punga da coureira. Você quer saber o que, a punga do
tambor e a punga da coureira?
VD: Tudo. As duas.
RaC: A punga da coureira é o auge do Tambor de Crioula. A coureira se dá,
certo, para o encontro da umbigada. Porque a gente hoje chama de punga, mas se
chama umbigada. A umbigada do Jongo, a umbigada do Coco. Mas o Maranhão, a
punga, ela encosta barriga com barriga. É aquela área da mulher, da gestação, da
barriga, que passa uma energia para a outra na roda. Essa é a punga da coureira. É
uma hora que a coureira já está ali, já dançou, já brincou e chama a outra coureira:
“vem coureira, eu quero passar essa dança para você; já brinquei, já dancei, já
punguei para o tambor, agora vou passar essa punga para outra coureira; certo, e
então a responsabilidade é sua, então vai brincar”. É o ápice do Tambor de Crioula,
a punga, [batendo com as mãos] pungou. O que que é a punga do coureiro, que ele
dá tum, que ela dá a punga, dá um murro no tambor. E a coureira, ela vai pungar no
ritmo do tambor, no compasso do tambor, na batida do tambor, que aí sim, é essa a
punga do tambor. Tem a punga da coureira e a punga do tambor. Eu faço uma frase,
pra-cá-tá- pra-cá-tá-pum, essa já é a punga. E ela está pungando ali para o tambor.
Tem uma sincronicidade da punga com o tambor, ela não está fora dessa punga, ela
pode dançar como quer, mas tem uma punga, né, do pé, a punga do pé da coureira,
a punga do tambor. Por que não é só a punga da barriga, também tem a punga do
pé.
167
VD: Mas na verdade são coisas diferentes, por que uma coisa é a umbigada,
um passo de dança e outra coisa é essa interação que tem entre a coureira e o
tambor. O que que tem de semelhante nelas? O que torna isso uma coisa só? Por
que elas tem um nome só?
RaC: De punga? Eu até me pergunto o que é punga, que palavra é essa?
Vem de onde?
VD: De onde vem a palavra?
RaC: Da onde vem punga? O que que é punga? Isso é um questionamento
que a gente pode depois começar a estudar. O que é isso, o que é punga? Que
palavra é essa? Mas o que você me perguntou, o que que vem, o que que dá a
punga? Qual é esse encontro, né, de punga da coureira, punga do... É o tambor, é
tudo isso que a gente está falando, que é o Tambor de Crioula que tem uma
essência, que tem uma... não sei repetir, não sabe o que realmente é, mas tem
uma... Porque não adianta também você procurar, sabe, eu acho que você tem é
que viver isso, esse momento, né, o que é a punga, o que não é. A punga é tudo
isso que está no Tambor, toda essa junção de tambor, de coureira, de ritmo, de
canto, de dança.
VD: E aquela pernada dos homens, aquilo é punga também?
RaC: É punga, punga de pernada. Porque na verdade, o que acontece com o
Tambor de Crioula, ela vem de uma defesa dos homens. Os homens, naquela área
da brincadeira, fora da senzala, eles ficavam treinando pernada. Um dava pernada
no outro para o outro cair. Esse era um trabalho de defesa. E eles tinha essa
pungada da coxa com o outro, para derrubar o outro. E eles brincando ali, o tambor
tocando, eles faziam isso brincando. Quando vinha o dono da fazenda, o amo, as
coureiras tiravam todos eles, todos os homens e entrava para brincar no tambor,
para disfarçar que aquele golpe de defesa é um golpe de defesa que eles estavam
fazendo. Então começou por aí, o que a gente pesquisou, o que o Cazumbá nos
informou, esse órgãos de pesquisa sobre a cultura popular no Maranhão. Então
essa pungada do homem, que era como defesa, de pernada, do homem, até para se
defender dos capatazes ou de outros... momentos que eles poderiam usar, eles
brincavam ali e aí as coureiras tiravam eles. Depois a coureira tomou conta desse
tambor. Hoje em dia, na realidade, você vê um Tambor de coureiro, de pungada de
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perna dos coureiros. Deve ter em Rosário, no interior de Rosário, naquela área ali do
interior do Maranhão. Eu não vejo mais outro lugar.
VD: Essa história de o Tambor de Crioula ter se originado de uma defesa,
isso é uma história tradicional ou... Qual é a fonte, qual é a origem dessa história?
Foi aquele grupo...
RaC: Foi o Cazumbá, porque nós fazíamos o Cazumbá, começamos por aí,
para mostrar por onde começou o Tambor de Crioula, só o homem fazia... dançava
esse Tambor de Crioula, dando a punga. A fonte que eu tenho é do grupo Cazumbá.
Como a gente fazia parte do Cazumbá e o nosso diretor, que era o mestre Azevedo,
ele passou isso para mim. Porque ele é um grande pesquisador da cultura popular
do Maranhão, então ele montou a companhia dele, o Grupo Cazumbá quando ele
tinha uma grande fonte de pesquisa que ele foi buscar e para a gente foi passado
isso, essa punga do coureiro, a pernada, alguns lugar chamam de pernada, também
chamam de punga de coureiro.
VD: E quando as mulheres levam a imagem do São Benedito para a roda,
isso é uma espécie de punga, ou é outra coisa?
RaC: Não. O que na verdade é... quando... os tambores de promessa. Porque
tem os tambores de brincadeira e tem os tambores de promessa. A maioria do
tambor é de promessa. Mas hoje... o Tambor de Crioula virou cultura popular, é
brincadeira de Tambor, não sei até que ponto a gente possa dizer que o Tambor de
Crioula ou essas brincadeiras hoje, as culturas populares virou... hoje virou cultura
popular, essas manifestações culturais hoje virou cultura popular, hoje todo mundo
diz: “ah, é cultura popular”. Não era isso. Aí depois que chega na cidade é outra
história, outros estudos, outras pesquisas. As pessoas também criam, inventam
outras coisas. A gente tem que ter muito cuidado com isso, com essas fontes que a
gente é.. “eu fui, eu fiz, eu faço” e tal, e tem que ter muito... E a gente não é... não
vai por essa linha. A gente quer realmente o que é o tradicional, o que é... Então
quando você vê o São Benedito em uma roda de Tambor, quando a maioria dos
mestres hoje fazem – Mestre Felipe fazia muito bem isso – hoje tem vários mestres
que fazem muito antes de abrir a roda para o São Benedito, a roda de Tambor de
Crioula, eu não conheço Tambor de Crioula que não seja para São Benedito. No
Maranhão não se vê isso, sempre Tambor para São Benedito, que é o padroeiro,
que é o santo do Tambor. E é a imagem do São Benedito no Tambor de Crioula, que
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é para ele, né, vem numa forma mais de religião, da religiosidade de que parece
uma brincadeira de tambor. Porque tem duas formas, o Tambor de Crioula de
promessa, já é uma coisa religiosa, está prometendo para o santo, já é uma coisa
mais para a religião, o Tambor de Crioula para São Benedito. [Inaudível] “vamos
fazer um Tambor de Crioula de rua, um Tambor de Crioula de brincadeira”. Tem uma
diferença. Pegar o santo e botar na cabeça, mostrar o santo para os coureiros, para
as coureiras de brincar com o santo. Então a gente, não na de brincar, de soltar o
santo, o santo está ali para proteger o Tambor de Crioula. Então tem essa diferença
do Tambor de Crioula de promessa para o Tambor de Crioula profano.
VD: Então tem um Tambor de Crioula profano e um Tambor de Crioula de
promessa. Tem outros motivos? Acontece ao longo do ano inteiro?
RaC: É o ano inteiro. Tem Tambor de Crioula para São Benedito o ano inteiro.
Tem um dia de São Benedito, que é em agosto... na verdade São Benedito tem duas
datas, certo, é outubro ou novembro, que a pessoa confunde a morte e a data, né. A
morte dele foi 5 de agosto e tem o nascimento dele que eu acho que foi outubro, né,
outubro ou novembro, uma coisa assim, acho que é novembro. Então tem duas
datas, São Benedito. Pessoal comemora, acho que as duas datas, mas acho que a
mais forte é a data do 5 de agosto, dia de São Benedito. Então... essa é uma data
mais forte, né, que faz a festa para São Benedito. Então, essa festa para São
Benedito é uma coisa mais religiosa, a gente nem... a Companhia Mariocas nem faz
porque a gente respeita muito as questões da religião.
VD: Entendi. E você vê muita diferença das festas aqui no Rio para o
Maranhão? As festas que vocês fazem aqui. Quais são as diferenças? ...que vocês
fazem aqui com as festas que você via no Maranhão, ou que você ainda vê no
Maranhão?
RaC: Diferença, diferença, não, eu não vejo. Eu vejo sim a... intensidade, né,
é muito mais, muito mais, muito mais do que, certo, do que nós fazemos aqui. Tem
festa de São Benedito que são 5 dias de festa para São Benedito. Tem dias. Então é
muito, a intensidade é maior. Nós fazemos, brincamos com Tambor, sabe, faz para
São Benedito, sabe, reza para São Benedito, sabe, faz toda uma ladainha para São
Benedito. Tudo isso, mas diferença é... não sei por que se... é... é o lugar que nós
estamos, sabe, é o respeito, né pela... quem... faz quem está, sabe quem está. Às
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vezes a pessoas vem, né, fazer festa para São Benedito, tá, e aí? Não procura
aprofundar mais o que que é. Só mais uma festa? Para ele é, para nós, não.
VD: E por que se faz Tambor de Crioula? Por que você faz Tambor de Crioula
no Rio? Qual é o motivo para fazer Tambor de Crioula?
RaC: Nós começamos pela... cultura que nós viemos, até por que nosso
tambor não era batizado. A gente veio mostrar para o Rio de Janeiro ou para o resto
do país, até gente que vem de fora, uma manifestação, uma cultura que nós temos,
do nosso estado. Começamos com uma companhia de dança que mostrava o que
que o Maranhão tem, o que que é as brincadeiras da cultura popular, o que que é o
Tambor de Crioula. Depois, depois, quando a gente... porque a gente faz muito nos
terreiros de Minas, certo, os encantados vem “ó, batiza o tambor de vocês, batiza o
tambor de vocês”. Então são pedidos dos... eles que estão regendo essa... os... que
no Maranhão não são orixás, são encantados, voduns, caboclos. E vêm, e vêm
pedindo, né, “faz o batizado do tambor de vocês”. Porque eles sabem. Não é só para
tocar um tambor. Então vêm, né, os pedidos e a gente acata, né. “Certo, vamos
acatar, vamos batizar um tambor”. Hoje o Tambor de Crioula do Mariocas é
batizado, certo, faz uns cinco, seis anos que é batizado.
VD: Foi batizado aqui no Rio.
RaC: Foi batizado aqui no Rio, e um terreiro de Mina, certo? Tem padrinho,
tem madrinha. Então hoje é muito mais que uma brincadeira. Então é isso que faz a
gente fazer o Tambor de Crioula, sabe, não é só mais uma dança, como... a gente
era mais um grupo de dança, como vamos mostrar o que o Tambor de Crioula, nós
vamos dançar o Tambor de Crioula. Hoje em dia, não. Hoje em dia está uma coisa
mais da religião, da religião mesmo. Faz festa para São Benedito, que é o padroeiro,
se faz... se reza antes de tocar, porque isso é essencial da nossa brincadeira, nossa
religião. Então se hoje as forças maiores pedem para você batizar um tambor,
batiza.
VD: E as mulheres? Como é a participação das mulheres? Elas tocam
tambor?
RaC: No nosso não.
VD: Não tocam.
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Então não é diferente, cada um tem a sua profissão e se juntam para brincar o
Tambor de Crioula ou outra manifestação que for. Então a gente não tem essa... eu
só... eu vivo só disso. Principalmente no Brasil, viver de cultura popular no Brasil é
complicado, né. (Risos)
VD: Tá ok. Alguma consideração final? Alguma coisa que queira acrescentar?
RaC: É muito... as pessoas, né. Os nossos brincantes, as nossas mais
velhas, né, a Companhia em geral... já so... já passou na Companhia, muita gente se
foi, muita gente já foi para outra dimensão... sempre agradecer aos que já se foram,
às mais velhas e aos mais velhos, esses são fundamentais para a Companhia, sabe,
passaram muita coisa para a gente... “ó, é por aí...” a gente fez muita coisa errada...
“é isso, é aquilo...” O importante é se está bom... Dona Cecília, Dona Maria José,
Dona Dolores e outros que já se foram. Essas foram as principais, mais velhas do
grupo, né. E agradecer os que já estiveram por aqui, os outros grupos, né. A prória
casa do Maranhão que são o Seu é... qual o nome do senhor...? E outros que já veio
e fez Tambor de Crioula aqui e não fazem mais, já fez boi aqui e não faz mais. E
hoje em dia, quem está fazendo, quem tem uma expressão mais forte aqui no Rio
somos nós da Companhia Mariocas. Que venha mais, venha mais, venha mais,
certo, mas hoje, as pessoas principalmente que estão aqui, Mestre Galinheiro e
outros e todas essas pessoas que são os mais velhos que estão nos fortalecendo
para isso estar acontecendo. Esses são os principais agradecimentos, cada um
deles.