O AEE para Alunos Com Deficiência Visual
O AEE para Alunos Com Deficiência Visual
O AEE para Alunos Com Deficiência Visual
ELABORAÇÃO
Universidade Federal do Ceará – UFC
APOIO
Ministério da Educação – MEC
Secretaria de Educação Especial – SEESP
ORGANIZAÇÃO
Maria Teresa Eglér Mantoan
Martinha Clarete Dutra dos Santos
Rita Vieira de Figueiredo
AUTORES
Celma dos Anjos Domingues
Elizabet Dias de Sá
Silvia Helena Rodrigues
Sônia Maria Chadi de Paula Arruda
Valdirene Stiegler Simão
Aos Leitores e como Introdução
Este estudo visa a colaborar para a articulação entre o trabalho desenvolvido pelos
professores da sala de aula e pelos professores do Atendimento Educacional Especializado –
AEE, concebido como subsídio, tendo em vista a formação escolar de alunos com deficiência
visual. Oferece informações para a superação de obstáculos e de barreiras que dificultam o
processo de ensino e de aprendizagem, para a organização e para o planejamento de recursos
pedagógicos de acessibilidade que possibilitem a valorização e o pleno desenvolvimento das
potencialidades destes alunos.
Os temas e os conceitos propostos contribuem para a identificação e para a
compreensão das necessidades específicas decorrentes das barreiras presentes no ambiente
que impedem ou dificultam a participação das pessoas com deficiência visual. Este fascículo
aponta princípios, caminhos e alternativas que contribuem para a formação escolar de alunos
com baixa visão e com cegueira. Baseia-se em aportes teóricos, em experiências concretas de
atuação profissional no cotidiano escolar e em atividades de formação docente.
A Parte I deste fascículo, que trata sobre os alunos com baixa visão, tem por objetivo
contribuir com a formação dos professores que atuam no AEE e, também, orientar os demais
profissionais da escola regular no que tange à valorização das potencialidades desses alunos,
favorecendo seu processo de formação.
A Parte II deste fascículo visa a promover a participação dos alunos com cegueira no
ensino regular e a apropriação de recursos pedagógicos e de outros instrumentos que
contribuam para o desenvolvimento de um conjunto de habilidades fundamentais. Essas
habilidades podem ser estimuladas e ampliadas por meio do AEE, compreendido como um
trabalho realizado com o aluno, no contraturno da escola regular, não substitutivo do ensino
realizado pelo professor da sala de aula.
O fascículo foi elaborado com a intenção de colaborar com professores do ensino
regular e de AEE e com outros interessados em conhecer, descobrir e promover o pleno
desenvolvimento das potencialidades de pessoas com deficiência visual no contexto
educacional.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
GLOSSÁRIO
PARTE I – ALUNOS COM BAIXA VISÃO
A baixa visão pode acarretar perda de campo visual e comprometer a visão central ou
a periférica. O campo visual corresponde à área total da visão. Quando a perda ocorre no
campo visual central, a acuidade visual fica diminuída, e a visão de cores pode ser afetada
com possíveis alterações de sensibilidade ao contraste e dificuldade para ler e reconhecer
pessoas. Nesse caso, é recomendável o aumento de contraste e o controle da iluminação. Para
melhor visualização, as pessoas com baixa visão podem demonstrar preferências quanto às
posições do olhar, da cabeça e do material a ser visualizado.
A ocorrência de alterações visuais no campo visual periférico pode ocasionar
dificuldades para o reconhecimento de seres e objetos, dificultar a orientação e mobilidade,
além de reduzir a sensibilidade ao contraste. Recomenda-se, dentre outros recursos, a
regulação adequada da iluminação do ambiente e o aumento de contraste.
O desempenho visual de uma pessoa com baixa visão pode ser desenvolvido e
ampliado de forma gradativa e constante, pois a eficiência da visão melhora na medida de seu
uso. A falta de estimulação contribui para a perda da funcionalidade visual. O professor é um
dos principais mediadores quanto ao uso eficiente do resíduo visual do aluno em diferentes
atividades. Nesse sentido, professores e familiares colaboram decisivamente para a avaliação
funcional do uso da visão.
A avaliação qualitativa do uso eficiente da visão refere-se ao seu uso funcional no dia
a dia e pode ser realizada por diferentes profissionais. É obtida por meio de observação do
comportamento visual com objetos do cotidiano, conhecidos e usados na prática de atividades
de rotina do educando. O aluno com baixa visão usa ou tem a possibilidade de usar a visão
para a realização de atividades escolares e outras fora da escola. Ao realizar atividades
significativas, o aluno poderá descobrir os benefícios e as vantagens de usar o resíduo visual,
fixar os olhos, focalizar e seguir objetos situados em diferentes posições e distâncias. Desta
forma, poderá compreender a importância do uso da visão na execução de tarefas de seu
interesse.
O tipo e tamanho das letras, a distância do material a ser visualizado, o contraste
oferecido e a incidência de luz sobre o material devem ser considerados quando o professor
prepara os materiais e em atividades desenvolvidas no cotidiano da escola. Ou seja, é
necessário considerar sempre as necessidades visuais do aluno e oferecer condições e recursos
para melhorar a eficiência visual (o uso da visão).
Em muitos casos, observa-se que duas pessoas com o mesmo grau de acuidade visual
podem apresentar um desempenho visual diferente uma da outra, porque o uso da visão
residual não está relacionado apenas aos fatores orgânicos, mas também aos aspectos
objetivos, subjetivos e a outras variáveis externas que envolvem as condições ambientais,
como iluminação, contrastes, ampliação, acessibilidade, uso dos recursos ópticos e não
ópticos e materiais didáticos, bem como a habilitação/formação e a reabilitação/reformulação.
Nesse processo, deve-se considerar as características individuais, as reações
emocionais, o tipo de perda, o tempo decorrido desde a ocorrência do déficit visual, as
experiências visuais vivenciadas e a aceitação frente à deficiência visual. Assim, não se
devem estabelecer regras fixas, procedimentos padronizados ou uso dos mesmos recursos
para todos os alunos com baixa visão.
2.2.1.1. Iluminação
Alguns alunos podem enxergar melhor em ambientes menos iluminados, como
aqueles que têm sensibilidade à luz (fotofobia), e outros podem preferir ambientes mais
claros. Deve-se controlar a iluminação da sala do AEE e da sala de aula comum, tendo em
vista o conforto visual de todos os alunos. Geralmente, alunos com baixa visão demonstram
preferência para sentarem-se próximos à janela e usufruir da luz natural. O professor pode
usar luminária portátil, localizada próxima ao aluno, quando a iluminação não for suficiente.
Para aqueles que apresentam fotofobia, uma cortina pode evitar a incidência ou o excesso de
luz. O professor do AEE pode verificar a preferência do aluno pelo tipo de iluminação e
orientar o professor da sala comum e a família no sentido de controlar o ambiente da sala de
aula e demais locais com cortinas, tipos de lâmpadas da sala ou luminárias.
2.2.1.2. Contrastes
O aumento do contraste pode ser obtido de diferentes formas, como os cadernos com
as folhas de cor clara com linhas escuras com contraste e a caneta preta ou azul-escura de
ponta porosa. O giz branco ou o amarelo oferece maior contraste na lousa, a qual deve ser
escura. Deve-se evitar o uso de giz cujas cores dificultem a visualização do aluno e facilitem
os reflexos de luz solar sobre a lousa. Pode-se, por exemplo, sinalizar os objetos de uso
comum e pessoal com tintas em relevo, coloridas, com contraste adequado às necessidades do
aluno com baixa visão, o que facilita o desempenho das atividades. Os cadernos devem ter
pautas pretas ou contrastantes com a folha de papel. As letras e números emborrachados de
diferentes tamanhos e cores com contraste em amarelo e preto são recomendáveis e úteis.
Devem-se experimentar várias possibilidades de contrastes, observando-se a preferência e o
conforto do aluno.
2.2.1.3. Ampliação
Livros, jogos, baralhos, agendas, dial telefônico, entre outros objetos com tipos
ampliados, podem ser confeccionados pelo professor ou adquiridos. Convém esclarecer, no
entanto, que a ampliação de um texto não é suficiente para assegurar um desempenho visual
eficiente. É necessário considerar o tipo de letra, o espaçamento entre as letras e as linhas, o
tamanho das margens, o tipo de papel, a cor e o brilho. Outras alternativas disponíveis são a
máquina de escrever com tipos ampliados e os recursos de Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs), focalizados no próximo capítulo.
2.2.1.4. Móveis ou recursos para posicionamento do material
Mesa mais alta do que o convencional, pranchetas inclinadas ou mesmo uma pilha de
livros podem ser usados para melhor aproximação e visualização do material porque
favorecem a postura adequada para leitura e escrita.
Figura 3 – Tiposcópio
Duas figuras apresentando o tiposcópio confeccionado em papel cartão preto, com linhas vazadas. Em uma das
figuras, é mostrado um exemplo de utilização do tiposcópio em um texto, evidenciando o contraste.
2.2.1.6. Lápis 5B ou 6B
Muitos alunos com baixa visão só conseguem enxergar o que escrevem com grafite
escuro.
Oferecem contraste em cadernos ou em folhas brancas. Deve-se usar caneta preta para
reforçar o traçado do material mimeografado quando necessário.
O monitor deve ser elevado à altura da linha mediana da visão. Monitores com no
mínimo 17 polegadas e tela plana possibilitam melhor configuração. Em relação à
proximidade, recomenda-se, à medida do possível, uma distância de 30 cm, mas quando for
necessária maior aproximação, deve-se usar o monitor por curtos períodos. O Suporte para
Apoio de Textos Complementares pode ser fixado lateralmente ao computador ou colocado
ao lado da mesa na altura desejada.
O Teclado com destaques nas teclas F, J e 6 do teclado alfanumérico e numeral 5 no
teclado numérico permitem digitação com maior segurança. Deve-se propiciar habilidade de
digitação para que esta seja, ao longo do tempo, realizada com ambas as mãos, sem olhar para
o teclado, para evitar a fadiga visual.
Há recursos que possibilitam o conhecimento e o uso do teclado do computador com
destreza e economia de tempo. Quando o acesso aos aplicativos via mouse mostrar-se
inviável, devido às dificuldades de coordenação visomotora, o teclado torna-se o caminho.
Neste aspecto, o conhecimento de teclas de atalho para uso dos aplicativos facilita a
realização das atividades.
A proteção de tela é importante, uma vez que o aluno com baixa visão tem
necessidade de aproximar-se mais do monitor para focalizar as imagens, sendo importante
também para auxiliar na diminuição da luminosidade e melhorar o contraste do monitor,
tornando a leitura mais confortável.
Para obter melhores resultados por meio dos aplicativos, pode-se lançar mão dos
recursos de acessibilidade do ambiente Windows via componentes tais como Teclado, Vídeo
e Mouse:
• Mouse: Opções para modificar o ponteiro do mouse e para a velocidade de
movimentação.
• Teclado: Opções para mudança em relação à taxa de repetição de teclas pressionadas,
à taxa de intermitência e da largura do cursor. Deve-se usar maior índice de
intermitência e maior largura para facilitar a localização das teclas.
• Vídeo: Ajusta as configurações para que atendam especificações desejadas, de forma
a favorecer a eficiência visual, o desenvolvimento, a autonomia e segurança, durante o
processo de escrita e de leitura, por meio de ampliações, contrastes de cores de fundo
das telas (luminosidade) e barras de títulos, estilo da fonte, tamanho e negrito, opções
de esquema e de fonte.
As “opções de acessibilidade” encontram-se no Painel de Controle e podem ser
configuradas para o Teclado, Vídeo e Mouse. Um exemplo é a opção Vídeo pela qual é
possível escolher o uso de Alto Contraste, que apresenta diversas configurações de
acessibilidade, de acordo com as preferências do usuário. O caminho mais fácil para
conseguir modificações de maneira conjunta nesses diversos itens é fazer uso do “Assistente
de Acessibilidade”, disponível em Menu Iniciar – Todos os Programas – Acessórios –
Acessibilidade – Assistente de Acessibilidade. Este aplicativo apresenta as opções para
modificação de maneira seqüencial.
Em seguida, aparece uma tela com opções para alterar o tamanho da fonte, a resolução
da tela e inclusive configurar a lente de aumento do Windows.
Após a modificação feita no passo anterior, a tela será modificada para o esquema de
cores escolhido, como no exemplo a seguir:
Figura 6 – Exemplos de telas do Assistente de Acessibilidade
Três imagens contendo os três últimos passos na configuração do Assistente de Acessibilidade. Na primeira,
escolhe-se o tamanho e o padrão do cursor, na segunda, a taxa de intermitência e largura do cursor e a última
mostra a lista das alterações efetuadas. Como no passo anterior foi demonstrada a modificação para a opção
“preto em alto contraste”, estas três telas já se apresentam neste formato de cores.
A ampliação de textos e imagens pode ser conseguida com o aumento da fonte, o uso
do “Zoom” e/ou ainda por meio de programas específicos para este fim. Uma ampliação
muito grande, apesar de parecer mais viável, torna-se improdutiva. A navegação constante
para ler um texto que foi ampliado de maneira inadequada também redunda em prejuízo e em
perda de referência para a continuidade da leitura.
A Lente de Aumento é um recurso que se encontra disponível no ambiente
“Windows” e pode ser acessado em Menu Iniciar – Acessórios – Acessibilidade – Lente de
Aumento ou ativada no Guia de Assistente de Acessibilidade. Após sua ativação e a escolha
das opções, deve-se minimizar o aplicativo da lente para que ela continue em funcionamento.
A posição da lente na tela pode ser modificada para diferentes locais e também há a opção
para redimensionar o tamanho da lente de acordo com as preferências do usuário.
Ambiente específico com interfaces adaptativas que oferece programas próprios como
editor de texto, leitor de documentos, recurso para impressão e formatação de textos em tinta
e em Braille. Contém jogos didáticos e lúdicos, calculadora vocal, programas sonoros para
acesso à Internet, como correio eletrônico, acesso à homepages, telnet, FTP e Chat. O Dosvox
contém, ainda, um ampliador de telas e um leitor simplificado de telas para Windows. Trata-
se de um programa gratuito disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox.
3.2..1.2. DeltaTalk
Leitor de telas livre e gratuito, de código aberto, para o sistema operacional Windows.
O NVDA pode ser rodado diretamente a partir de um pendrive ou CD (www.nvda-project.org
e http://www.nvaccess.org).
3.2.1.6. JAWS
Leitor de telas livre que permite o acesso ao ambiente Linux e a suas ferramentas
(http://live.gnome.org/Orca). A disponibilidade de um computador ou laptop é bastante útil
para que o aluno possa usar estes recursos em sala de aula. Nesse caso, ele deve usar fones de
ouvido. O professor deve providenciar a digitalização do texto (em CD ou pendrive) para que
o aluno possa acompanhar a aula. Dessa forma, os recursos de acessibilidade devem ser
assegurados para que o aluno com baixa visão possa participar das aulas de informática com
autonomia.
Os recursos tecnológicos permitem diferentes formatos de texto que podem ser lidos
em material impresso com fonte ampliada ou diretamente na tela do computador com os
ajustes requeridos. Pode-se ler um texto por meio de um leitor de tela ou gravado em formato
MP3 com programas e equipamentos específicos para esse fim. O correio eletrônico e a
Internet são alternativas a serem consideradas no contexto da escola e da família.
Alguns procedimentos podem fazer parte do processo de produção de material com o
uso dos recursos das TICs. O espaço para a criatividade é grande, e o leque de opções bastante
diverso. Nesse processo, é necessário que os professores do AEE e da sala comum
considerem as preferências do aluno.
A preparação do material envolve as seguintes ações:
• Digitação: Os textos podem ser digitados diretamente em um editor de textos.
• Digitalização: Por meio desse processo, um texto impresso é “transmitido” ao
computador e pode ser acessado via editor de textos. A digitalização é feita a partir de
um scanner conectado ao computador com um programa denominado OCR
(Reconhecedor Óptico de Caracteres), que transfere o material do scanner para o
computador em formato texto ou imagem.
• Correção: O texto digitalizado deve ser corrigido com o original em mãos, pois é
comum algumas letras ou palavras não serem reconhecidas da maneira correta, quer
seja pela qualidade do OCR ou do material apagado ou rasurado. Deste modo, é
importante que o texto a ser escaneado seja legível e limpo sempre que possível.
• Ampliação: Pode-se recorrer, para o uso do texto, aos recursos de ampliação
apresentados. Caso o aluno tenha familiaridade com esses recursos, ele mesmo pode,
de posse do material digitalizado, fazer as modificações necessárias. Em outros casos,
o professor poderá fazer os ajustes e entregar o material ao aluno ou apresentar as
alternativas que ele pode utilizar.
• Gravação: O material poderá ser gravado em CD, em pendrive ou no computador. É
importante criar um acervo com os materiais produzidos para que outros alunos
possam vir a beneficiar-se deles.
• Impressão: Caso seja necessário, o material poderá ser impresso, observando-se a
necessidade de ampliação da fonte, de realce dentre outros cuidados.
• Conversão de texto para áudio: Uma alternativa é a gravação do texto em formato
MP3 por meio de programas para esse fim. Alguns softwares permitem que pessoas
com deficiência visual realizem, de maneira autônoma, o processo de escaneamento e
de conversão.
• Imagens: Podem ser trabalhadas de diferentes formas. Uma delas é inseri-las no texto
e ampliá-las. Outra opção é a descrição textual de forma simples, sucinta e objetiva.
Em muitos casos, essas alternativas são recomendáveis de forma não excludente.
• Internet: Outra forma de obter textos é pela a pesquisa na WEB. Entretanto, muitas
páginas não se encontram em formatos acessíveis, sendo necessário o uso de
estratégias para contornar esses problemas.
Algumas orientações para elaboração do material podem favorecer o uso por parte do
aluno e caracterizam um novo modelo de documento:
• Para leitores de Telas: Inserir numeração no texto, correspondente à numeração das
páginas para facilitar a localização. A descrição das figuras deve constar como notas
do transcritor. Desmembrar tabelas e gráficos. As referências, notas e fontes devem ser
recortadas e inseridas no final do texto. Esse procedimento facilita a fluência da leitura
sem interrupções.
• Para leitura com programas de ampliação: Inserir numeração no texto,
correspondente à numeração das páginas para facilitar a localização. Descrever as
figuras quando as imagens forem muito pequenas ou houver muitos detalhes. Avaliar a
inserção das figuras no local onde o texto se refere a elas ou em anexo, conforme a
necessidade e aplicação. Configurar o tamanho, estilo e destaques de fonte.
• Para impressão: Inserir numeração no texto, correspondente à numeração das páginas
para facilitar a localização. Configurar o tamanho, estilo e destaques de fonte do texto.
Destacar títulos e subtítulos para facilitar a localização. Os traços de figuras impressas
podem ser reforçados com caneta.
Não foi possível esgotar todas as alternativas, sendo que inúmeras outras funções
podem surgir para as diferentes ferramentas apresentadas. O intuito é demonstrar que as
possibilidades são muito extensas e que é na interação com os alunos e na busca constante por
parte do professor que essas inovações tornam-se práticas, atendendo às necessidades que
surgem efetivamente.
PARTE II – ALUNOS COM CEGUEIRA
1
Curso desenvolvido pela Universidade Federal do Ceará por meio do Programa de Formação Continuada de
Professores na Educação Especial do Ministério da Educação.
Pessoas extremamente dependentes para comer, caminhar, fazer compras e viver,
com capacidade para exercer apenas algumas funções;
Sentia piedade e uma grande vontade de ajudá-la e fazer as coisas por ela;
A criança com cegueira não deveria estar em sala de aula com crianças normais;
Sentia pena e pensava que suas vidas eram muito difíceis;
Acreditava que executar o trabalho em sala de aula regular com esse aluno era uma
missão impossível;
Pensava que uma criança com cegueira simplesmente não avançava em sua
aprendizagem;
Imaginava que para elas a vida não tinha mais sentido, que eram pessoas tristes,
amargas e muito dependentes;
O cego dificilmente poderia exercer uma profissão e concluir uma faculdade;
Pessoas cegas não deveriam freqüentar a escola ou permanecer nela, pois, em função
da cegueira, não teriam condições de exercer uma profissão e todo esforço nesse
sentido seria um sacrifício inútil;
O aluno cego deveria ser alfabetizado em escolas especializadas e ali receber o
ensino, não poderia estudar na sala comum, devido aos conteúdos escolares
privilegiarem a visualização em todas as áreas do conhecimento;
Acreditava que cegos possuíam os sentidos do tato e audição mais acentuados de
forma a compensar a falta de visão;
Considerava-os limitados e incapazes de aprender até mesmo o básico;
Não imaginava como as pessoas cegas tinham a idéia de cor e sempre achei que
seria uma ironia usar palavras ou verbos como “Você viu?”;
Achava que tinha que carregar as pessoas cegas;
Julgava que os sentidos deles eram muito aflorados, permitindo assim uma super
sensibilidade;
Supunha que apresentavam dificuldades de aprendizagem, déficit intelectual e
incapacidade de executar qualquer tipo de trabalho;
Para mim, a falta da visão afetava o cérebro, comprometia a inteligência e os cegos
deveriam ser tratados como coitadinhos;
Acreditava que os cegos não conseguiam aprender pelo fato de não associarem o
nome ao objeto;
Imaginava que o suporte para a educação do aluno cego se limitaria ao Braille e a
atividades que estimulem o tato e a audição.
2
O termo cegueira “adventícia” tem sido adotado em substituição ao termo cegueira adquirida.
“É preciso carecer de um sentido a fim de conhecer as vantagens dos símbolos
destinados aos que restam”. [Denis Diderot, 1713-1784].
A cegueira congênita pode ser causada por lesões ou enfermidades que comprometem
as funções do globo ocular. Dentre as principais causas, destacam-se a retinopatia da
prematuridade, a catarata, o glaucoma congênito e a atrofia do nervo óptico. Trata-se de uma
condição orgânica limitante que interfere significativamente no desenvolvimento infantil.
A criança com cegueira não tem as mesmas possibilidades de comunicação e interação
de uma criança que enxerga para entrar em contato com objetos, seres e os diversos apelos
3
Sentidos à Flor da Pele. Documentário dirigido por Evaldo Mocarzel, 2008.
4
Assim Vivemos. Programa exibido por http://tvbrasil.assimvivemos.com.br/ em 26 de abril de 2008.
visuais do ambiente porque a visão favorece a mobilidade, a localização, integra e organiza as
informações provenientes dos outros sentidos de forma abrangente e simultânea.
O movimento de busca e exploração, a autonomia e independência para brincar,
correr, pular, participar de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas ficam comprometidos pela
ausência da visão que restringe o movimento do corpo no espaço e a possibilidade de controle
do ambiente. Por isto, a criança com cegueira tem mais dificuldade para estabelecer relações
entre sons, vozes, ruídos, formas e outros estímulos de modo espontâneo e natural. Neste
sentido, é necessário provocar o interesse e a curiosidade dela e orientar suas atividades para
que possa conhecer e identificar fontes sonoras, mover e localizar o corpo no espaço, aprender
o nome, o uso e a função das coisas, usar o tato para identificar forma, tamanho, textura, peso,
consistência, temperatura, dentre outras propriedades dos objetos.
Durante o desenvolvimento da criança com cegueira, se não houver uma mediação
adequada no sentido de estimular e criar outras formas de comportamento exploratório por
meio do contato físico e da fala, com base em um referencial perceptivo não visual, as lacunas
ocasionadas pela falta da visão podem ser preenchidas por comportamentos e por outras
manifestações que fogem dos padrões visuais socialmente esperados. Um dos fenômenos
geralmente observado entre cegos congênitos, que se assemelham ao apresentado pela criança
com autismo, diz respeito às estereotipias de comportamento, maneirismos, mutismo, tiques,
verbalismo, perseveração, ecolalia, dentre outros.
Os comportamentos estereotipados, maneirismos e tiques caracterizam-se por
movimentos involuntários, artificiais, repetidos e descontextualizados, como, por exemplo,
movimentos rotativos das mãos, balanço e manipulação do corpo, inclinação da cabeça,
tamborilo e compressão dos olhos.
O verbalismo é a tendência de usar palavras, expressões ou termos
descontextualizados, sem nexo, desprovidos de sentido e de significado, porque a falta da
visão colabora para que a criança use as palavras para substituir aquilo que não enxerga.
Muitas crianças com cegueira apresentam ecolalia, isto é, têm o hábito de falar na terceira
pessoa e de repetir o que ouvem como um eco da fala do outro. Além disso, costumam repetir
de forma automática e perseverante uma idéia ou frase simplesmente para preencher o vazio
da falta de contato e de interação.
Estes fenômenos, geralmente observados nos primeiros anos de vida, não são
causados pela cegueira e são mais acentuados em crianças com cegueira provenientes de
contextos nos quais prevalecem a superproteção, o isolamento ou o abandono.
Neste contexto, a cegueira não deve ser concebida como a causa de alterações
cognitivas, motoras e psicológicas, embora seja um fator preponderante no desenvolvimento
infantil, quando se observam algumas limitações e dificuldades em relação aos seguintes
aspectos: possibilidade de imitação, permanência de objeto, coordenação motora, mobilidade,
afetividade, controle e interação com o ambiente.
Uma das conseqüências da cegueira congênita é a ausência de imagens visuais, o que
revela um outro modo de perceber e construir imagens e representações mentais. Uma pessoa
cega congênita constrói imagens e representações mentais na interação com o mundo que a
cerca pela via dos sentidos remanescentes e da ativação das funções psicológicas superiores.
A memória, a atenção, a imaginação, o pensamento e a linguagem são sistemas funcionais
dinâmicos que colaboram decisivamente para a organização da vida em todos os seus
aspectos.
5
Sentidos à Flor da Pele. Documentário dirigido por Evaldo Mocarzel, 2008.
A ausência da visão é uma condição que não deve ser concebida como fator ou indício
de dependência ou de tutela. A superestimação da cegueira como déficit, falta ou
incapacidade, e a supremacia da visão como referencial perceptivo por excelência são
barreiras invisíveis que travam ou dificultam o desenvolvimento da independência, da
autonomia, da confiança, da autoestima e de segurança. Portanto, é preciso acreditar e
compreender que a pessoa com cegueira e a que enxerga têm potencialidades para conhecer,
aprender e participar ativamente da sociedade.
O ser humano atribui sentido e significado às coisas por meio da ação e interação
mediadas pela linguagem, um sistema simbólico primordial na relação da criança com o
mundo que a cerca. O conhecimento não se baseia apenas em enunciados verbais e hipóteses,
sendo necessário associar conhecimento e conteúdo às experiências de vida. O convívio e a
socialização são muito importantes para que a criança tenha oportunidade de confrontar suas
hipóteses, organizar seu pensamento e tirar conclusões.
Considerando o contexto educacional, trata-se de compreender como se realiza o
processo de aprendizagem na dinâmica das relações entre educadores e educandos e entre os
colegas da turma. Estas relações devem basear-se no diálogo, na troca de informações, na
negociação e respeito ao pensamento divergente e às diferenças. Além disso, o ensino deve
ser planejado e organizado tendo como referência o conhecimento das necessidades
individuais dos alunos e as características da turma. É preciso reconhecer as diferenças dos
alunos, questioná-las e valorizá-las.
6
FARIA, Sérgio. Como eu vejo e como os outros acham que eu não vejo. Rede Saci, 2003. Disponível em
<http://saci.org.br>. Acesso em 26 de maio de 2009.
informações fica fácil montar a imagem. É como num livro. O autor descreve as
imagens, e você viaja junto com ele.
A discriminação tátil é uma habilidade básica que deve ser desenvolvida em crianças
com cegueira de forma contextualizada e significativa. O tato é uma via alternativa de acesso
e processamento de informações que não deve ser negligenciada na educação. O sistema
háptico é composto por receptores cutâneos e cinestésicos pelos quais as informações
provenientes do meio são conduzidas ao cérebro para serem interpretadas e decodificadas.
Deste modo, o frio ou calor e a dor e o prazer são sensações involuntárias e conscientes que
podem ser reguladas ou controladas mediante artifícios e condições exteriores, enquanto o
tato em movimento pode ser dirigido e orientado, voluntariamente, para detectar estímulos e
informações sobre as características de um objeto.
O tato fornece informações sobre tamanho, forma, peso, consistência, espessura,
densidade, textura, dentre outras, e possui propriedades importantes e diferentes das
propriedades da visão no que concerne à percepção de um objeto. Enquanto o tato analisa as
partes para configurar o todo, a visão é imediata, global e simultânea. Uma criança com
cegueira levará mais tempo para conhecer ou reconhecer as coisas ou objetos porque
manuseia e analisa palmo a palmo o objeto, enquanto a criança que enxerga percebe de uma
só vez a sua totalidade.
O tato tem acesso às informações de forma limitada, uma vez que os movimentos
exploratórios são feitos gradualmente, e o reconhecimento de um objeto é processado de
modo seqüencial e lento. Considere-se, ainda, que nem tudo está ao alcance das mãos. Em
contraposição, a visão é capaz de perceber cores, formas, tamanhos e outras características de
um objeto ao mesmo tempo e identificá-los à longa distância. Assim, a visão é abrangente e
capaz de perceber detalhes ou minúcias. Mas nem tudo pode ser percebido pelo olho humano.
Além disso, nem o tato, nem a visão trabalham sozinhos ou de forma isolada na atividade de
processamento de informações e de formação de conceitos. Do mesmo modo que o tato, a
visão não é suficiente para definir e compreender as características e as funções de um objeto.
Batista (2005, p.13) recorre ao exemplo de Ferrel (1996) para mostrar como uma
criança identifica e reconhece um gato. Ao explorar o animal, a criança toca em sua cabeça,
no corpo, nas pernas, sente suas garras, percebe a maciez do pelo, ouve seus miados, sente o
cheiro e, ao mesmo tempo, visualiza a imagem do gato todo a qualquer momento. Isso é
diferente do caso da criança com cegueira, que pode passar por várias experiências isoladas
(ouvir um miado, tocar uma parte do corpo do gato, levar um arranhão, entre outras) sem ter a
facilidade de integrar todas essas experiências como provenientes de um gato.
Uma criança não vai ter a noção de gato por ver um gato, mas por integrar os dados
sensoriais e explicações verbais que lhe permitam identificar e descrever um gato,
estabelecer distinções entre gato, cachorro e rato, e, no processo de educação formal,
adquirir noções cada vez mais profundas e complexas sobre seres vivos e suas
propriedades (BATISTA, 2005, p. 13).
Neste ponto, convém lembrar o exemplo e a descrição das imagens presentes no relato
de Sérgio Faria para entendermos que a visão de uma fotografia ou de uma pintura por si só
não são suficientes para a formação de conceitos ou apropriação do conhecimento. É
necessário considerar as vivências pessoais, as noções e os conhecimentos anteriores dos
alunos que remetem aos conceitos cotidianos aos quais se agregam novas informações e
definições aprimoradas para a formação dos conceitos científicos no contexto da escola.
Nesta perspectiva, Camargo (2008) chama atenção para os fenômenos de natureza
microscópica que não podem ser vistos, uma vez que a visão é capaz de observar somente
eventos macroscópicos. De acordo com seus estudos, a deficiência visual desponta como
possível vantagem para o conhecimento de alguns fenômenos físicos. Para ele:
A criança com cegueira precisa ter acesso e liberdade para explorar, manusear, tocar,
bem como receber explicações verbais a respeito dos conceitos tateáveis, parcialmente
tateáveis, não tateáveis e abstratos que a cercam, para que consiga apropriar-se
adequadamente destes conhecimentos na escola e fora dela. Assim, os conteúdos escolares
são os mesmos para os alunos cegos que necessitam de recursos didáticos adequados e
condizentes com as vias de percepção não visual.
Mateus tem dez anos, é cego congênito e foi alfabetizado em uma escola pública de
ensino regular. Durante os primeiros anos de escolarização, os educadores suspeitavam que se
tratava de uma criança com autismo porque ele era arredio, apresentava maneirismos e
comportamentos estereotipados. Ele adora ler e apresenta um ótimo domínio do Braille.
Mateus foi convidado a participar de uma atividade de leitura compartilhada para a
gravação de um documentário sobre um livro infantil editado em tinta e em Braille7. Ele e sua
irmã Laura liam em voz alta quando Mateus deparou com a expressão “dona garça” e
perguntou: “O que é garça? Ela morde?”.
No local havia uma exposição, na forma de reálias, de todos os bichos que apareciam
na história, e ele explorou com as mãos a figura da garça em relevo para perceber suas
características. Assim, descobriu que se tratava de uma ave com um grande bico para bicar, e
não para morder.
Uma garça pode ser identificada e reconhecida visualmente pelas crianças que
enxergam na gravura de um livro, em um zoológico, em um filme e em outras oportunidades,
o que colabora para a compreensão de que a garça é uma ave com determinadas
características que a diferenciam de outras aves semelhantes. Do ponto de vista da experiência
visual, é menos provável que estas crianças perguntem se a garça morde.
A mesma pergunta foi feita para João Lucas, um garoto de dez anos, aluno da quinta
série, que convive com tios cegos, e ele respondeu: “é uma ave grande, pescoçuda, com um
7
O Livro de Duas Escritas: um livro para todas as crianças de autoria de Elizete Lisboa. Documentário dirigido
por Alexandre Pimenta, Belo Horizonte, 2008.
bico longo e as pernas compridas. É parecida com o flamingo, que é diferente dela porque tem
uma cor mais avermelhada. A garça fica de pé numa perna só, e a outra fica levantada e
dobrada para trás”.
Não raro, o tema das cores na vida das pessoas com cegueira é suscitado em situações
cotidianas e em atividades de formação como objeto de curiosidade e de questionamentos.
Muitas vezes, é necessário responder as mesmas perguntas para diferentes interlocutores:
Como você identifica as cores? Como faz para combinar suas roupas? Como você sabe que
esta blusa é listrada? Quem escolhe as cores para você? Quem separa suas roupas?
As pessoas com cegueira congênita ou adventícia desenvolvem habilidades e
esquemas de organização pessoal para se vestir, cuidar de seus pertences e para realizar outras
tarefas de rotina com independência e autonomia. Neste caso, a experiência de lidar com
cores é da ordem do significado em um plano conceitual, e a percepção de cores pela via do
tato é uma noção errônea, fruto do imaginário e das crenças sobre a cegueira.
As cores podem ser associadas aos modelos, às texturas, às formas, ao tamanho e a
outros detalhes que ganham relevância como pistas ou referências, para se identificar uma
peça de roupa, um sapato ou uma bolsa. Assim, estas pessoas usam diversos critérios e
recursos para escolher o vestuário e definir estilos próprios, de acordo com suas vivências e
preferências.
O desenvolvimento destas habilidades começa em casa, passa pela escola e continua
pela vida afora.
8
Filme dirigido por Cristiano Bortone, 2006.
M – São lindas
F – Qual é a sua predileta?
M – O azul
F – Como é o azul?
M – É como quando ando de bicicleta... E o vento bate na sua cara ou também é como
o mar. O marrom... Sinta isto. É como a casca desta árvore. Sente como é áspera?
F – Muito áspera. E o vermelho?
M – O vermelho é como o fogo, como o céu no pôr-do-sol.
Quais são os conceitos presentes neste diálogo? Como estes conceitos foram
construídos?
O conceito de beleza transparece quando Mirco responde que as cores são lindas. Ele
recorre às sensações agradáveis do vento no rosto e ao mar para explicar o azul, sua cor
predileta, e compara o vermelho com o fogo, cuja incandescência gera calor e luz com
diferentes intensidades que podem ser experimentadas por uma sensação física consciente.
Mirco usa a imagem do pôr-do-sol, um fenômeno natural, visível e não tateável, que
ficou gravada em sua memória visual para exprimir a tonalidade do vermelho. Além disso,
Mirco associa a aspereza da casca da árvore ao marrom, quando Felice demonstra ter
familiaridade com esta textura. Se o diálogo não fosse interrompido, Mirco poderia usar as
folhas das árvores para explicar como é o verde e as frutas para se referir à variedade de cores.
Felice tinha consciência de sua cegueira e curiosidade acerca das cores que faziam
parte de seu universo, o que motivou sua pergunta. Para ele, as cores são objeto de
significado, e não de percepção. Pode-se inferir que Felice se valeu de um conhecimento
anterior porque sabia da existência do azul, do vermelho e do marrom, mas queria aprimorar
seu conceito ao indagar como é cada uma destas cores. Em outras palavras, este conhecimento
ainda não era suficiente para ele conseguir estabelecer relações e atribuir sentido e significado
ao uso das cores. Provavelmente, Felice não teve esta experiência em casa ou na escola talvez
porque o saber sobre cores não fosse valorizado por se tratar de uma criança com cegueira
congênita.
Mirco também se baseia em suas experiências anteriores para levar Felice a
compreender a noção de cores. Neste sentido, a evidência das cores na vida de Mirco é fruto
da experiência visual, enquanto Felice constrói esse conhecimento no plano conceitual em
termos dos diversos usos e aplicações práticas das cores em sua vida.
As cores são valorizadas e estão presentes na fala, em símbolos, em sinais, em
conteúdos escolares, em jogos, em competições, em convenções sociais, no lazer e
entretenimento, na arte, na literatura, na natureza e em uma infinidade de manifestações
humanas como objeto de apreciação, contemplação ou utilidade. Por isto, o conhecimento e a
compreensão do conceito de cores é muito importante para todas as crianças,
independentemente da presença ou da ausência da visão.
O diálogo entre Mirco e Felice pode ser compreendido como uma fonte de inspiração
para orientar o ensino de cores para alunos cegos. Os educadores podem aprender com esta
experiência e buscar diferentes estratégias para escolher aquelas que melhor se aplicam à
situação de aprendizagem destes alunos, de forma contextualizada, tendo como referência os
conceitos espontâneos, as vivências e as vias de percepção não visuais. Desta forma, podem
recorrer aos elementos da natureza, às texturas, às notas musicais, à variação de temperatura,
aos perfumes, dentre outras possibilidades.
Nesta perspectiva, as pessoas com cegueira congênita aprendem a estabelecer critérios
e convenções para empregar adequadamente as cores em diferentes contextos e situações do
cotidiano. Além disso, são influenciadas pelas predileções e julgamentos de pessoas que
enxergam em um vínculo de confiança e afetividade que se amplia e se propaga para as
interações sociais e culturais ao longo da vida.
As Figuras 2 e 3 representam a expressão da experiência estética de Lothar Antenor
Bazanella, analista de sistemas, músico e artesão, um cego congênito que desenvolveu
habilidades e talento para combinar formas e cores na confecção de artigos de artesanato em
macramé.
Figura 2 – Caminho de mesa com franjas e listras verticais brancas, azuis, amarelas, laranjas e verdes.
Figura 3 – Duas mãos tecendo um echarpe branco.
Embora tenha perdido a visão aos 5 anos de idade, sempre atentei para a combinação
de cores, inicialmente alertado pela minha irmã que me orientava na escolha das
roupas e, mais tarde, por pessoas amigas e da minha confiança quanto à estética.
Antes de começar um trabalho em macramé, técnica mais usada por mim na
confecção de bolsas, tapetes, toalhas de mesa, cachecóis, cintos, etc., visualizo
mentalmente o desenho que será formado pela trama dos fios. Para isso, é
imprescindível que os fios não mudem a combinação inicial e, para não confundi-
los, quando a textura não for suficiente, eu os diferencio com nós nas pontas. Por
exemplo, se trabalharei com 3 cores, os fios de uma delas ficarão sem nó, os de
outra, com um nó e os da outra, com dois nós. Já fiz trabalhos em tear. Nesse caso,
como se trabalha sem cortar os fios previamente, é interessante fazer a marcação nos
novelos. Sempre me valho da opinião de alguém em quem confio para a escolha das
cores.
Ela cultiva na memória a lembrança das cores que serve de referência para orientar sua
produção artística, o que fica evidenciado em seu relato:
A minha cegueira não é uma cegueira escura ou opaca. Eu vejo constantemente
pontos coloridos na minha frente como se fossem pontos se movendo. Mas isso preservou a
minha memória de cores. Comecei a perceber que eu podia usar isto e projetar mentalmente
as cores com as quais vou trabalhar e harmonizá-las. Demorei muitos anos para acreditar
que meu trabalho era bom porque, como não tenho a condição de julgar o trabalho, eu ficava
pensando: Será que presta? Ou será que as pessoas dizem que é bonito porque foi uma
pessoa cega que fez? Fiz meu primeiro tapete em 74, mas eu fui fazer a minha primeira
exposição de tapetes em 1994, porque aí eu já tinha certeza de que meus tapetes, minhas
peças, minhas coisas existiam por elas próprias, independente de quem as tenha feito. Antes
de vir para a escultura, comecei a trabalhar com relevos nos tapetes. Quando eu senti que os
simples relevos não me satisfaziam, eu vim para a escultura. Eu gosto de fazer coisas que eu
não conheça e que surjam realmente da minha imaginação. Eu gosto das coisas que vêm de
dentro para fora, e não que eu tenha que executá-las de fora para dentro. Como eu não tenho
referências visuais, não tenho como criar coisas baseadas no que eu vi ou no que eu vejo. Eu
crio coisas baseadas no que sinto. As pessoas têm uma preocupação muito grande com
aquilo que a gente não vê. Não existe isso. Eu curti desenhar aquele tapete. Não é o que o
artista viu. O mais importante é o que o outro vê.
A produção artística de Lothar e Virgínia são frutos de uma laboriosa atividade
intelectual. Neste processo, ambos visualizam, projetam e elaboram mentalmente a
configuração do produto final, definem critérios e estratégias para a seleção das cores e a
organização do material. Os dois relatos são valiosos para a compreensão das cores no plano
conceitual como objeto de significado em um complexo de construtos e abstrações que
ampliam as possibilidades de apropriação do conhecimento em uma rede de conexões
intelectuais e interações sociais.
Mais uma vez, o filme Vermelho como o céu é oportuno para mostrar a importância
das vias perceptivas não visuais que atuam ativamente no processo de construção do
conhecimento. Mirco (M) encontra-se pouco à vontade diante da cegueira e de sua nova
realidade na escola especial. Na sala de aula, o professor (P) procura encorajá-lo e estabelece
com ele o seguinte diálogo:
P – Por que não está interessado em fazer o que seus colegas estão fazendo?
M – Não preciso. Eu enxergo.
P – Eu também enxergo, mas não é o suficiente. Quando vê uma flor, não quer cheirá-
la? Ou quando neva, não quer andar sobre a neve branca? Tocá-la, senti-la, derreter nas mãos?
Vou lhe contar um segredo, algo que notei vendo os músicos tocarem. Eles fecham os olhos.
Sabe por quê? Para sentir a música mais intensamente, pois a música se transforma, torna-se
maior, as notas ficam mais intensas como se a música fosse uma sensação física. Você tem
cinco sentidos. Por que usar só um deles?
Ao abordar o tema das quatro estações do ano, o professor solicita, para a próxima
aula, que os alunos realizem a tarefa de descrever o que acontece na mudança de uma estação
a outra. Empenhados na realização da tarefa, Mirco e Felice usam a imaginação e um
gravador para produzir efeitos sonoros correspondentes aos eventos predominantes em cada
uma das estações.
As duas crianças entram no banheiro. Felice abre a torneira do chuveiro e Mirco grava
o barulho da água caindo, enquanto ele aumenta o volume de água. Mirco abre a mão
esquerda e com o indicador da mão direita bate pausadamente na palma da mão aberta para
simular gotas de água caindo. Na cozinha, Mirco pega uma bandeja de alumínio com as duas
mãos e sacode para representar o trovão. Pega uma garrafa, leva bem próximo da boca e
sopra; Felice entreabre uma janela lentamente em um movimento contínuo para imitar o
chiado do vento. No pátio da escola, Felice imita o zumbido de abelhas, enquanto Mirco
aproxima e afasta o gravador de sua boca para captar as modulações do som.
Desta forma, Mirco produz uma mixagem com os sinais sonoros que representam os
fenômenos da natureza observados em cada uma das quatro estações em uma bela
combinação de efeitos sonoros. A iniciativa e a criatividade de Mirco são contagiantes, e ele
consegue envolver todos os alunos da escola em atividades de dramatização de histórias
infantis. Mais do que isto: Mirco consegue promover uma transformação radical na escola.
A criança, desde o berço, interage com o meio no qual está inserida, o que possibilita
múltiplas experiências de conhecimento e de aprendizagem de forma natural. O mundo que a
cerca é impregnado de componentes atrativos como cores, formas, imagens e ilustrações
presentes em uma variedade de situações e objetos do cotidiano. Antes mesmo de aprender a
falar, a criança associa as palavras às coisas, aprende a mostrar e a buscar com os olhos ou
com as mãos aquilo que quer pegar. Engatinha, anda, pula, corre, brinca, fala sozinha e
estabelece uma relação real ou imaginária com tudo que se encontra ao seu alcance. A todo
instante, ela é estimulada a mover-se e a explorar o ambiente, guiada pelo sentido da visão.
As crianças com cegueira devem ser igualmente estimuladas para que possam brincar,
pular, dançar, cantar e participar plenamente de todas as situações e dos movimentos próprios
da infância, pois têm as mesmas potencialidades de desenvolvimento e de aprendizagem.
Para estas crianças, um ambiente favorável à alfabetização deve provocar a exploração
dos sentidos remanescentes, notadamente o tato e a audição, porque elas não têm as mesmas
possibilidades de entrar em contato direto, casual e espontâneo com a leitura e com a escrita.
É preciso compreender, no entanto, que a alfabetização não depende unicamente da
integração dos sentidos. O fato de poder ver por si só não é condição suficiente para aprender
a ler e escrever, pois um contingente de crianças dotadas de visão não consegue alfabetizar-se
no tempo esperado.
Neste caso, o que se observa entre os educadores é a tendência de buscar em
diagnósticos psicológicos ou neurológicos a confirmação de alguma incapacidade ou déficit
intelectual que justificaria as dificuldades de aprendizagem, do mesmo modo que consideram
estas dificuldades como se fossem inerentes à limitação visual, quando se trata de alunos
cegos e com baixa visão. Em outras palavras, estes educadores estabelecem uma relação
direta de causa e de efeito entre a ausência da visão e os “atrasos” no processo de
aprendizagem.
Usualmente, a tarefa de alfabetizar alunos cegos é delegada aos professores de escolas
especiais ou de salas de AEE. Equivocadamente, os professores entendem que o Sistema
Braille é um método de alfabetização e que o tato substitui a visão. Nesta perspectiva, nota-se
a forte vinculação entre o ver e o conhecer, o reducionismo do processo de alfabetização e
uma visão de ensino centrada nas dificuldades ou na deficiência. Contudo, as dificuldades de
compreensão, assimilação e formação de conceitos ou de construção do conhecimento,
observadas em crianças com cegueira, não podem ser confundidas com dificuldades de
aprendizagem, déficit intelectual ou conseqüência natural da ausência da visão.
As crianças com cegueira e as que enxergam podem aprender a ler e a escrever. A
cegueira engendra condições particulares no que diz respeito ao desenvolvimento de
habilidades táteis e verbais no processo de alfabetização e no de outras aprendizagens.
O Sistema Braille, criado por Luis Braille (1809-1852), é constituído por 64 sinais em
relevo cuja combinação representa as letras do alfabeto, os números, as vogais acentuadas, a
pontuação, as notas musicais, os símbolos matemáticos e outros sinais gráficos. Baseia-se em
uma matriz ou símbolo gerador, a cela Braille, constituída por seis pontos em relevo,
dispostos em duas colunas verticais, com três pontos à esquerda (pontos 1, 2 e 3) e três à
direita (4, 5 e 6), ordenados de cima para baixo. A disposição dos pontos na cela gera uma
variedade de configurações específicas para representar o alfabeto e a grafia Braille aplicada a
todas as áreas do conhecimento.
Figura 7 – Tabela com o desenho de pontos negros para representar a disposição universal dos 63 sinais simples
do Sistema Braille.
O suporte manual para a escrita Braille é uma reglete com um punção. A reglete é uma
régua de plástico ou de metal, constituída por um conjunto de celas vazadas, dispostas
horizontalmente em linhas paralelas, ajustada a uma base retangular compacta. O punção é
uma haste de madeira ou de plástico com ponta de metal, em diversos formatos, usado para a
perfuração dos pontos nas celas Braille.
Figura 8 – Prancheta de plástico com uma reglete de metal e um punção azul.
A máquina de escrever Braille é um equipamento mecânico ou elétrico com um grupo
de três teclas paralelas de cada lado para representar a cela Braille, uma barra de espaço no
centro e um dispositivo para ajustar a folha de papel.
As crianças com cegueira devem contar com a mediação dos familiares e dos
educadores para orientar suas atividades de exploração e de interação com o entorno por meio
do contato físico, da fala e de outras estratégias não visuais, uma vez que a ausência da visão
compromete a capacidade de imitação, a mobilidade, o sentido de localização e distância e a
orientação do corpo no espaço.
Os educadores devem buscar diferentes formas de participação e de realização das
tarefas escolares para que a criança com cegueira possa expor suas idéias, seus conhecimentos
prévios e seus pontos de vista, tanto quanto seus colegas da turma. Para isto, devem modificar
sua forma de comunicação oral, rever procedimentos, adotar novas atitudes e posturas,
considerando as peculiaridades decorrentes da ausência da visão. Nesta perspectiva, devem
construir novos conhecimentos para organizar atividades pedagógicas de acordo com as
necessidades, os interesses e diferentes modos de aprender dos alunos.
4.4. Considerações Gerais
O AEE aos alunos com deficiência visual, deve ser realizado em uma sala de recurso
multifuncional. A partir do estudo de caso, o professor elabora o Plano de AEE, no qual
devem constar os recursos de acessibilidade a serem utilizados no âmbito da escola e da
comunidade, tendo em vista o desenvolvimento da autonomia e independência.
Na escola, alguns obstáculos podem dificultar o processo de aprendizagem dos alunos
com deficiência visual: a dificuldade de identificação; a concepção de que a deficiência
ocasiona dificuldade de aprendizagem; a falta de acesso ou adaptação de conteúdos escolares;
a ausência de acessibilidade arquitetônica, nos materiais didático-pedagógicos e demais
recursos de tecnologia; e o não reconhecimento das necessidades educacionais específicas e
das potencialidades destes alunos.
O conhecimento de recursos tecnológicos disponíveis que favoreçam o funcionamento
visual e a acessibilidade é imprescindível no processo de escolarização dos alunos com
deficiência visual. Além de conhecê-los, o professor do AEE deve saber utilizá-los e orientar
os professores do ensino comum quanto ao uso desses recursos na sala de aula e fora dela.
Dessa forma, compete aos educadores, gestores e demais profissionais da escola
preparar o ambiente, criando condições para o acesso, participação e aprendizagem dos alunos
com deficiência visual.
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BENGALA LEGAL
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http://www.braillevirtual.fe.usp.br
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