2116 Libras
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2116 Libras
LIBRAS
PÓS-GRADUAÇÃO
NECESSIDADE EDUCACIONAL ESPECIAL
MARINGÁ-PR
2011
Reitor: Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor: Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva Filho
Presidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi
Av. Guedner, 1610 - Jd. Aclimação - (44) 3027-6360 - CEP 87050-390 - Maringá - Paraná - www.cesumar.br
NEAD - Núcleo de Educação a Distância - bl. 4 sl. 1 e 2 - (44) 3027-6363 - ead@cesumar.br - www.ead.cesumar.br
“As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites PHOTOS.COM e SHUTTERSTOCK.COM”.
LIBRAS
Professora Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira
Professora Esp. Marília Ignatius Nogueira Carneiro
Professora Esp. Beatriz Ignatius Nogueira
APRESENTAÇÃO
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos.
A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades
para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de
sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós
e pelos nossos fará grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Cesumar – Centro Universitário de Maringá – assume o compromisso de democratizar
o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento,
formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e
solidária” –, o Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência
social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração
com a sociedade.
Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de referência regional
e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos
ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão
acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com
o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos,
incentivando a educação continuada.
Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o seu processo
de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, determinadas pelo
Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas necessidades, dispomos de uma
equipe de profissionais multidisciplinares para que, independente da distância geográfica que você esteja,
possamos interagir e, assim, fazer-se presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.
Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente, você
construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada especialmente no
ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do material produzido em
linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de estudo, enfim, um mundo de
linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para a sua aprendizagem. Assim sendo, todas
as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu processo de formação, têm por intuito possibilitar o
desenvolvimento de novas competências necessárias para que você se aproprie do conhecimento de
forma colaborativa.
Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os textos, fazer
anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos fóruns, ver as indicações
de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados, pois tais atividades lhe possibilitarão
organizar o seu processo educativo e, assim, superar os desafios na construção de conhecimentos.
Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe estendo o convite para que caminhe conosco na
Comunidade do Conhecimento e vivencie a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de
aprendizagem e membro de uma comunidade mais universal e igualitária.
Antes de apresentarmos este texto, entendemos que é importante que você conheça um pouco de nós,
as autoras. Afinal, vamos conviver por algum tempo, por meio deste livro e queremos que você conheça
alguns aspectos de nossa vida, que muito mais do que nossos títulos acadêmicos nos credencia a assumir
a importante função de orientar sua caminhada no intrigante mundo surdo.
Pelo nosso sobrenome, você já deve ter percebido que nós três somos parentes! É verdade. Somos mãe
(Clélia) e filhas (Marília e Beatriz). A mãe é ouvinte e as filhas são surdas e nós vivenciamos um período
muito difícil na educação do surdo brasileiro. Um período em que os professores não aprendiam a se
comunicar com seus alunos e mais, os próprios surdos eram proibidos de usar sinais e as famílias eram
aconselhadas a não deixar que elas tivessem contato com adultos surdos e assim, os únicos adultos que
elas conheciam eram ouvintes. Isso era tão grave que a Marília, quando tinha 8 anos, perguntou para a
mãe se os surdos morriam quando cresciam!
Esse período foi muito difícil e isso acontecia porque as pessoas, incluídas aí os professores e a família,
acreditavam que aprender falar oralmente era a única forma de o surdo – que naquela época era designado
por deficiente auditivo – se integrar à sociedade.
Atualmente, muita coisa mudou, até a maneira de se referir aos surdos, e nós vivenciamos intensamente
estas mudanças. Por exemplo, quando nós, mãe e filhas, “enfrentamos” a Educação Básica, não era
permitido o uso da língua de sinais? Bem, a filosofia educacional que orientava a educação dos surdos
naquela época (20 anos atrás) era o oralismo.
As pessoas que defendiam o oralismo acreditavam que o mais importante de tudo é a integração da
criança surda no mundo dos ouvintes, e que isso só é possível com o desenvolvimento da língua oral, o
Português, no caso do Brasil.
Mas, ensinar e aprender a falar não são tarefas fáceis e exige muita dedicação da família e da escola,
além de muito esforço da parte da criança, e o que é pior, nem sempre dá certo.
Vamos descrever aqui um depoimento de outro membro da nossa família surda, o Vitor, para você entender
melhor como era a “logística” dessa “aprendizagem” da fala:
Apesar de ouvinte, faço parte da comunidade surda1 pois possuo duas irmãs (gêmeas) surdas,
1
Uma comunidade surda é um grupo de pessoas que vivem em um determinado local, partilham os objetivos comuns de seus membros e
que, por diversos meios, trabalham no sentido de alcançarem estes objetivos. Uma comunidade surda pode incluir pessoas que não são
elas próprias Surdas, mas que apoiam ativamente os objetivos da comunidade e trabalham em conjunto com as pessoas Surdas para os
Esse depoimento ilustra um pouco o complexo processo de ensinar a língua falada aos surdos, processo
este que, na maioria das vezes, fracassava, mesmo com o auxílio da tecnologia.
Então, os profissionais que trabalhavam com a educação de surdos foram sentindo necessidade de mudar
e começaram a perceber que os sinais facilitavam muito a comunicação dos surdos, tanto entre si, como
com os ouvintes. Só que é muito difícil partir de uma coisa que se acredita, na oralização do surdo, para
outra, bem oposta: aceitar o uso da língua de sinais! Daí houve um período em que ficou muito forte outra
filosofia educacional: a Comunicação Total, que utilizava tanto sinais, quanto a fala.
Atualmente, a filosofia educacional que está valendo é o bilinguismo. A palavra bilinguismo significa a
utilização de duas línguas. Por exemplo, no sul do Brasil, temos muitas colônias de alemães e as pessoas
dessas colônias falam sempre alemão quando estão entre si e utilizam a Língua Portuguesa em todas as
situações fora da sua comunidade.
É essa a principal ideia do bilinguismo na educação de surdos. Só que neste caso, a língua principal é a
língua de sinais, que no caso do Brasil é a Libras, e a Língua Portuguesa é considerada a segunda língua,
que o surdo aprende na modalidade escrita.
Mas, para que isto realmente seja efetivado é preciso que a Libras seja difundida. Que cada vez mais
pessoas a utilizem, principalmente na escola.
Pense nisso. Nós sabemos que a realidade da Educação Básica brasileira deixa a desejar, e que a
alcançar (PADDEN e HUMPHRIES, 2000, p.5).
2
Entidade mantenedora do Colégio Modelo de Maringá, escola de Educação Básica especial para surdos.
No caso de uma criança surda, ou com qualquer outra necessidade especial, como a interação com o
meio em que vive é prejudicada, todo acesso à informação depende da escola e, portanto, seu sucesso no
futuro só vai acontecer POR CAUSA DA ESCOLA. E, neste caso, quem faz isso acontecer é o professor.
É o que você escolheu ser na vida.
Finalizamos esta apresentação com uma frase atribuída a um surdo francês que viveu no século XIX,
que extraímos do livro de Gesser (2009): “O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A
verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente” (Ferdinand Berthier, surdo francês, 1854).
As autoras
Dentre os alunos com necessidades educativas especiais que encontram maiores dificuldades nesse
processo de inclusão estão os surdos, pois o processo de ensinar e aprender ainda se sustenta quase que
exclusivamente na comunicação oral, que é sensivelmente prejudicada, nesses educandos.
Atualmente existem no Brasil cerca de 5.700.000 pessoas surdas e, segundo dados do MEC - Ministério
da Educação, em 2001, existiam 50 mil estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental, a maioria
deles em classes comuns, em escolas inclusivas.
Apesar dessa grande quantidade de alunos surdos matriculados no ensino regular, poucos conseguem
sucesso, principalmente porque a principal maneira de ensinar ainda é a explicação oral e daí o surdo não
entende nada, por conta da dificuldade de comunicação entre professores e alunos.
Muitas foram as ações governamentais na tentativa de mudar essa realidade de fracasso educacional que
os alunos surdos vivem, e neste cenário de reformas e propostas educacionais temos o Programa Nacional
de Apoio à Educação de Surdos que foi o resultado de uma proposição da Secretaria de Educação Especial
O Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos buscava atender aos 50 mil estudantes surdos
matriculados no Ensino Fundamental naquele momento e era composto de 3 metas:
1. Organizar cursos de capacitação para profissionais da educação – subdividida em 3 etapas; a pri-
meira, a ser realizada em Brasília, consistia no curso de instrutores surdos); a segunda, a ser realiza-
da nos estados, consistia no curso de língua de sinais para professores da rede pública e no curso de
língua de sinais para novos instrutores, e a terceira, a ser realizada no INES, em curso de intérprete
de línguas de sinais para professores da rede pública (a curto prazo).
2. Implantar o centro de apoio à capacitação dos profissionais e à educação de surdos CAP a ser cum-
prida em médio prazo.
3. Modernizar as salas de recursos para atendimento dos surdos (a médio prazo).
Outra medida fundamental adotada pelo Governo Federal foi o Decreto Federal n. 5626 de 22 de dezembro
de 2005, que tornou obrigatório o ensino de Libras - Língua Brasileira de Sinais - em todos os cursos de
formação de professores e também de fonoaudiologia do Brasil, além de instituir cursos de licenciatura
em Letras/Libras em nove universidades federais, já a partir de 2006.
Porém, como esses profissionais só começaram a ser formados em 2010 e também foi só a partir de 2010
que a maioria das instituições de Ensino Superior introduziram a disciplina de Libras em seus currículos,
a formação de profissionais para atuação nos CAP, previstos no Programa Nacional de Apoio à Educação
de Surdos e para atuação como intérpretes3 em sala de aula, é feita em cursos de pós-graduação ou
em cursos livres de Libras. Porém, em ambos os casos, para assumir a função de intérprete, tradutor ou
professor de Libras, sem formação específica, é necessário ter proficiência em Libras, atestada pelo MEC.
O exame de proficiência em Libras deve ser realizado por banca examinadora de amplo conhecimento em
Libras, constituída por docentes surdos e linguistas de instituições de educação superior. O Decreto 5626
também estabelece que o ProLibras tenha caráter temporário, com duração máxima de 10 anos, para ter
professores de Libras até que os cursos de licenciatura em Libras comecem a formar profissionais.
Certamente, não será apenas com esta disciplina que você estará apto a prestar um exame de proficiência
em Libras. Afinal, este não é um curso de Especialização em Libras, mas um curso de Especialização
3
Atualmente existem em funcionamento no Brasil, 14 cursos de bacharelado para a formação de intérpretes e tradutores de Libras/
português na modalidade de educação a distância. A sede é a Universidade Federal de Santa Catarina e as instituições parceiras (polos)
são: UFBA, UFC, UNB, CEFET/GO, INES/RJ, UFRGS, UFPR, UFMG, UFES, UNICAMP, UEPA, UEPE, UFGD, e CEFET/RN.
Este é o principal objetivo desta disciplina. Apresentar o mundo surdo a você para convencê-lo da
importância de todo professor conhecer a Libras, apresentar os aspectos gerais da Libras para que você
consiga estabelecer uma comunicação funcional em sala de aula com um eventual aluno surdo e, quem
sabe, despertar seu interesse em se aprofundar no estudo desta fascinante língua.
Assim, traçamos um panorama sucinto do momento atual vivenciado pela educação de surdos, a partir das
mudanças iniciadas na década de 1980 até chegarmos à concepção atual de surdez, como “experiência
visual”; destacamos as filosofias educacionais e as principais legislações e políticas públicas brasileiras
destinadas à educação de surdos e abordamos questões importantes como a cultura(s) e identidade(s)
surdas. Finalizamos a Unidade I, na mesma direção de Gesser 4(2009) e Reily5(2004), discutindo crenças
e equívocos sobre surdos e surdez. O objetivo desta Unidade I é convencer você da importância da Libras
no desenvolvimento cognitivo, psicológico e social do surdo, sendo, portanto, imprescindível o professor
da escola inclusiva conhecer esta língua.
A segunda Unidade que intitulamos “Libras? Que língua é essa?”, adotamos parte do título do livro de
Gesser (2009) por entender que ele explicita exatamente o que pretendemos na Unidade II, na qual
pretendemos apresentar a Libras exatamente como o que ela é: uma língua! Para isto, iniciamos com
o estabelecimento de um paralelo entre a Libras e a Língua Portuguesa; abordamos os parâmetros
primários e secundários da Libras e também alguns aspectos gramaticais, notadamente o uso do espaço,
a modulação e os classificadores. Esta apresentação da Libras tem a dupla função de apresentar, ainda
que resumidamente, para quem não conhece esta língua, as suas principais características e a de servir
como recordação para quem a conhece, sendo fundamental para o desenvolvimento da Unidade III.
Os diálogos foram elaborados pela autora Marília Ignatius Nogueira Carneiro, com a colaboração da
4
GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo:
Parábola editorial, 2009.
5
REILY, Lúcia. Escola inclusiva: linguagem e mediação. Campinas, SP: Papirus, 2004.
Para finalizar a Unidade III, apresentamos noções básicas da Escrita de Sinais ou Sign Writing, com o
objetivo de mostrar que as Línguas de Sinais não são línguas ágrafas, embora até há pouco tempo fossem
consideradas uma língua sem escrita.
Todo nosso texto se apoia teoricamente em Lúcia ReyLy (2004); Ronice Müller de Quadros e Lodenir
Becker Karnopp (2004); Lucinda Ferreira-Brito (1995); Audrei Gesser (2009), Tanya Amaral Felipe (2009)
e Marianne Rossi Stumpf (2004), além do texto-base de nossa própria autoria6.
Para orientar seus estudos, ao final da leitura de cada texto que compõem cada unidade:
1. Elabore um texto com no máximo 15 linhas, com um resumo do que foi lido, destacando o que você
entendeu como o mais importante da leitura realizada.
2. Destaque uma dúvida que surgiu durante a leitura e que você conseguiu resolver. Escreva a dúvida
em forma de pergunta e, em seguida, responda-a.
3. Escreva uma dúvida que surgiu e você não encontrou a resposta nos textos apresentados e que te
motive a pesquisar mais sobre o assunto.
Leia atentamente o que trazemos na seção REFLITA! e procure discutir com seus colegas, amigos e
familiares, afinal, a melhor maneira de se aprender algo é conversando a respeito. Consulte também o
que recomendamos na seção SAIBA MAIS e faça e refaça, quantas vezes julgar necessário, as atividades
de autoestudo.
Consulte nossos vídeos e lembre-se: a construção do conhecimento é uma atividade solitária. Você é o
sujeito de sua aprendizagem!
6
NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius; NOGUEIRA, Beatriz Ignatius e CARNEIRO, Marília Ignatius Nogueira. Língua Brasileira de Sinais.
Maringá-Pr: CESUMAR/NEAD, 2010.
CONTEXTUALIZANDO O ASSUNTO..................................................................................................... 20
UNIDADE II
UNIDADE III
DIÁLOGO 1............................................................................................................................................. 82
DIÁLOGO 2............................................................................................................................................. 84
DIÁLOGO 3............................................................................................................................................. 86
DIÁLOGO 4............................................................................................................................................. 88
DIÁLOGO 5............................................................................................................................................. 91
DIÁLOGO 6............................................................................................................................................. 93
DIÁLOGO 7............................................................................................................................................. 94
DIÁLOGO 8............................................................................................................................................. 96
DIÁLOGO 9............................................................................................................................................. 98
DIÁLOGO 11...........................................................................................................................................102
DIÁLOGO 15..........................................................................................................................................110
CONCLUSÃO.........................................................................................................................................123
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................125
UNIDADE I
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Compreender como uma criança aprende falar e qual a importância da linguagem para o desenvolvimento
cognitivo do ser humano têm despertado o interesse de muitos estudiosos desde a época de ouro
dos gregos. Até o século passado se acreditava que a linguagem oral era a única responsável pelo
funcionamento cognitivo humano e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como
quase impeditiva do desenvolvimento de seus pensamentos.
Assim, durante quase todo o século XX, a Educação dos Surdos teve o oralismo como Ideologia Dominante.
A abordagem de enfoque oralista se coloca radicalmente contra o uso da Língua de Sinais ou de
qualquer código gestual pelo entendimento de que, sendo a dimensão gestual-visual a mais cômoda
para o surdo, esse não irá despender o esforço necessário para aprendizagem de uma língua na
modalidade oral, que exige um trabalho difícil, diligente, intenso e muitas vezes enfadonho (SÁ,
1999, p.82).
Porém, outros estudos sobre cognição e linguagem como os efetivados dentro de teorias de
aprendizagem mais conhecidas, como o behaviorismo, que tem em Frederic Skinner (1904 – 1990) um
de seus mais importantes representantes; o construtivismo genético de Jean Piaget (1896 - 1980) e o
sociointeracionismo, representado por Lev Vygotsky (1896 a 1934), entre outras, além da neurociência,
e de teorias marcadamente linguísticas como a abordagem gerativista, que tem em Noam Chomsky seu
principal representante, mostraram que o que é importante para o desenvolvimento do pensamento é a
comunicação e não a língua que se usa.
Não existem, ainda, quantitativamente falando, os mesmos estudos sobre como uma criança surda
aprende a sinalizar, que os referentes a como uma criança ouvinte aprende a falar, entretanto, são diversas
as pesquisas que demonstram que as línguas de sinais não somente possuem o mesmo status linguístico
das línguas orais, como desempenham papel semelhante ao destas, no desenvolvimento cognitivo do
surdo.
Os estudos atuais das línguas de sinais sob o ponto de vista linguístico tiveram início com o norte-
-americano Willian Stokoe, na década de 1960. Esses estudos, entre outros resultados igualmente
importantes, comprovaram que, assim como da combinação de um número limitado de fonemas (sons)
são produzidas inúmeras palavras (unidades com significado), combinando-se um número limitado de
queremas (unidades gestuais mínimas) também podem ser criados inúmeros sinais com significado.
Somente a partir da década de 1980 é que foi entendida a necessidade de reconhecer o verdadeiro
valor da cultura e da linguagem surda para o desenvolvimento cognitivo e da identidade dos surdos,
isto porque foi nesta década que foram iniciadas as discussões sobre bilinguismo no Brasil, o que foi
caracterizado por Sá (1998) como uma “Virada linguística”. De acordo com Felipe (1989), foram os
linguistas, professores e estudantes de Letras (graduandos e pós-graduandos), isto é, os membros da
academia, que introduziram novos paradigmas para a Educação de Surdos, mediante a realização de
eventos com apresentação de pesquisas de acadêmicos, monografias, dissertações e teses contendo
propostas e relatando experiências.
A educação dos surdos no Brasil mudou muito depois da adoção do bilinguismo como abordagem
educacional. As mudanças ficam claras no Decreto 5626 de 2005 que, entre outras coisas, diz que o
estudo da língua brasileira de sinais é obrigatório para os cursos de pedagogia, fonoaudiologia e todas
as licenciaturas. Tudo isso está acontecendo porque mudou a concepção das pessoas sobre a surdez.
Atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma deficiência que torna o surdo
alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é entendido como diferente do ouvinte, porque todos os seus
mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem
como experiência visual. Isso tem como consequência uma maneira especial de processamento cognitivo
(como os surdos pensam, aprendem etc). Os surdos se orientam a partir da visão, mesmo quando possuem
restos auditivos ou usam aparelhos.
Assim, a definição mais atual para a surdez é a de “experiência visual”, isto é, as experiências vivenciadas
pelos surdos são muito mais experiências de visão do que de não audição. O surdo é então a pessoa que
compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais manifestando sua cultura pelo uso
da língua de sinais. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a
experiência visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos.
Essa mudança de concepção, realizada em tão curto espaço de tempo, quando se pensa em educação,
encontrou e ainda encontra fortes resistências entre profissionais, familiares e sociedade, resistências
que se sustentam quase que exclusivamente no desconhecimento sobre o assunto que acaba gerando
equívocos e preconceitos.
Situar a surdez e os surdos de maneira cientificamente adequada e assim contribuir para a desconstrução
de crenças e mitos é o principal objetivo desta primeira unidade, mediante a apresentação do contexto
atual em que vive o surdo brasileiro, traduzido pelas concepções de surdez; legislação e políticas públicas
brasileiras referentes à educação de surdos; abordagens educacionais e pelas culturas e identidades
surdas.
CONTEXTUALIZANDO O ASSUNTO
Na década de 1980, as discussões sobre qual seria a melhor abordagem para a educação de surdos
percorria todo o Brasil, evidenciando que, além das questões didático-pedagógicas, o grande embate
estava nas concepções acerca da surdez. Para os defensores do Oralismo, a surdez era vista como
uma deficiência, quase que uma patologia que necessitava ser “normalizada”. A concepção de surdez,
subjacente à Comunicação Total, era de uma marca, como significações sociais. Para o Bilinguismo, a
surdez é muito mais uma diferença do que deficiência. É, no entender de Skliar (1998), uma “experiência
Aconteceram, também, nesta década de 1980, motivados pela promulgação pela ONU do Ano
Internacional da Pessoa Deficiente (1981), diversos eventos que contaram com a participação dos surdos.
Os surdos começaram a se interessar em pesquisar sua língua, ensiná-la de maneira mais pedagógica,
a fazer teatro e poesia em Libras, a assumirem a sala de aula como Instrutores, monitores e professores,
começaram a exigir mudanças, intérpretes, legenda para noticiários e outros programas de televisão, por
meio do Closed Caption, Telefonia para Surdos (TDD), começaram a apresentar trabalhos e debater, em
eventos, novas alternativas para a Educação de Surdos.
Foi também nesta época que os então chamados “deficientes auditivos” passaram a ser denominados
surdos. A palavra “surdo” é a mais adequada porque permite compreender melhor a surdez, tanto no
que se refere à sua condição orgânica como social. Além disso, é a autodenominação escolhida pelos
próprios surdos, que desejam ser aceitos não como pessoas deficientes, ou seja, como “ouvintes” que
têm ausência da audição, mas como pessoas igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por
desenvolverem sua linguagem utilizando recursos de natureza visomotora.
A seguir, apresentamos um resumo das principais iniciativas no Brasil e no mundo que certamente
interferiram na mudança paradigmática da educação de Surdos: a Resolução 45/91 da Organização das
Nações Unidas – ONU – que destaca uma Sociedade para Todos e coloca o ano 2010 como sendo o
limite para que as mudanças necessárias ocorram. Em 1992 o Programa Mundial de Ações Relativas às
Pessoas com Deficiência propôs que a própria sociedade mude para que as pessoas com deficiência
possam ter seus direitos respeitados.
A partir de 1994, com a Declaração de Salamanca (UNESCO) sobre necessidades educativas especiais,
acirrou-se o debate sobre “Sociedade Inclusiva” que é conceituada como aquela sociedade para todos, ou
seja, a sociedade que deve se adaptar às pessoas e não as pessoas à sociedade. Em 1995, continuando
nessa perspectiva de uma sociedade para todos, na Declaração de Copenhague sobre Desenvolvimento
Social e no Programa de Ação da Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, a ONU afirma que para
ser inclusiva a sociedade precisa respeitar os direitos humanos e liberdades fundamentais, a diversidade
cultural e religiosa entre outros. Em 1996, nas Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para
Pessoas com Deficiência, a ONU institui que todos os portadores de necessidades especiais “devem
receber o apoio que necessitam dentro das estruturas comuns de educação, saúde, emprego e serviços
sociais”.
No Brasil, só recentemente passamos a ter legislação destinada especificamente aos surdos. A maioria da
legislação brasileira referente às garantias de direitos à educação, saúde, trabalho, acessibilidade etc. não
contemplam diretamente os surdos, mas sim a totalidade das pessoas com deficiência, independentemente
de suas particularidades, muitas vezes gerando tensão entre os diferentes segmentos que constituem
esse conjunto de pessoas.
Lei n. 7.853 de 1989: nesta lei há previsão de matrícula compulsória (obrigatória) em cursos regulares
de estabelecimentos públicos e particulares de pessoa portadora de deficiência capaz de se integrar no
sistema regular de ensino.
Lei 9.394 de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira: essa lei define as diretrizes para
educação nacional brasileira e, no que se refere aos educandos com necessidades especiais, estabelece
que o estado Brasileiro garantirá atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino.
Lei Federal n. 10.098, de 2000: estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão
de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma
de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação. Portanto, para esta Lei, acessibilidade não
se refere apenas ao direito de ir e vir, mas, também, ao direito à informação e comunicação. Ela é que
garante as transcrições em Braille e o direito ao intérprete de Libras.
Lei Federal n. 10 436, de 24 de abril de 2002: esta lei oficializou a Língua Brasileira de Sinais – Libras.
A partir dessa lei, não mais se escreve a palavra Libras com todas as letras maiúsculas como se fazia
anteriormente, quando ela representava uma sigla: LIngua BRAsileira de Sinais – Libras. Nessa lei
também estão estabelecidas as condições que caracterizam uma escola inclusiva para surdos e é
estabelecido que a Libras não substitui a Língua Portuguesa em sua modalidade escrita.
Decreto Federal n. 5.626 de 2005: para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por
ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando
sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras. O Decreto 5.626 estabelece o
que é preciso fazer para que a abordagem bilíngue seja adotada nas escolas públicas e particulares do
país. Também é este Decreto que torna obrigatório o ensino de Libras para os futuros professores e para
os fonoaudiólogos.
Política Nacional de Educação Especial de 1994: nesse documento, aparecem, pela primeira vez
de forma explícita, propostas de apoio à “utilização da Língua Brasileira de Sinais (Libras), na educação
de alunos surdos” e “incentivo à oficialização da Libras”. Atualmente, mediante a Política Nacional de
Lei n. 10.172/01 – Plano Nacional de Educação: o Plano Nacional de Educação de 2001 apresenta como
meta capacitar pessoas para dar atendimento aos educandos especiais e como meta n. 11: implantar,
em cinco anos, e generalizar, em dez, o ensino da Língua Brasileira de Sinais para alunos surdos e,
sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal da unidade escola, mediante um programa de
formação de monitores, em parcerias com organizações não governamentais.
Todas essas conquistas, certamente aconteceram em decorrência de muita luta de todos os envolvidos
com a causa da surdez, mas o que as sustentou foram as mudanças de concepção sobre a surdez.
A mudança registrada nos últimos anos não é, e nem deve ser, compreendida como uma mudança
metodológica dentro de um mesmo paradigma de escolarização. O que está mudando são as
concepções sobre o sujeito surdo, as descrições em torno de sua língua, as definições sobre as
políticas educacionais, a análise das relações de saberes e poderes entre adultos surdos e adultos
ouvintes, etc. (SKLIAR, 1998, p.7).
Assim, atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma deficiência que torna
o surdo alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é entendido como diferente do ouvinte, porque todos
os seus mecanismos de processamento da informação e todas as formas de compreender o mundo se
constroem como experiência visual.
Assumir a surdez como uma “experiência visual” é compreender que as experiências vivenciadas pelos
surdos são muito mais experiências de visão do que de não audição. O surdo é então a pessoa que
compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais manifestando sua cultura pelo uso
da Libras. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a experiência
visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos.
No que se refere à educação, a principal questão da educação dos surdos, desde seu início, sempre foi
se os surdos deveriam desenvolver a aprendizagem utilizando a língua de sinais ou a língua oral. E essa
decisão, durante muito tempo, foi tomada pelos ouvintes. Só recentemente, os surdos estão podendo
dizer como preferem ser educados e a maioria decidiu que o melhor para eles é a língua de sinais.
Como não é possível viver no mundo dos ouvintes sem o conhecimento da língua pátria, os surdos
defendem que a língua de sinais (no caso do Brasil, a Libras) deve ser considerada sua primeira língua
e depois devem aprender o português, de preferência na modalidade escrita. Esta é a forma como a
educação de surdos vem acontecendo atualmente no Brasil e na maior parte dos países do mundo, sendo
conhecida como bilinguismo ou abordagem bilíngue.
O bilinguismo começou a ganhar força a partir da década de 1980 e, no Brasil, a partir de 1990. Na Suécia,
essa filosofia já é adotada há bastante tempo. No Uruguai e na Venezuela, o bilinguismo é adotado
de maneira oficial, ou seja, nas instituições públicas, a exemplo do que está ocorrendo atualmente no
Brasil. Todavia, assim como a inclusão, a adoção do bilinguismo nas escolas públicas brasileiras ainda é
incipiente, apesar dos esforços governamentais.
De acordo com essa filosofia, a criança surda deve adquirir, o mais cedo possível e inicialmente, a língua
de sinais, considerada a sua língua natural. Essa aquisição deve ser feita com a comunidade surda.
Somente como segunda língua deveria ser ensinada, na escola, a língua oficial do país, de preferência em
sua forma escrita. Apenas quando as condições forem favoráveis deve ser ensinada a Língua Portuguesa.
na modalidade oral.
Para alguns estudiosos do bilinguismo, a criança surda deve adquirir a língua de sinais e aprender a
língua falada, de maneira separada (com pessoas e em locais diferentes), o mais cedo possível e, só
depois, deve aprender a língua escrita. Para outros, o que importa é o desenvolvimento cognitivo, social
e emocional do surdo, o que só seria possível mediante a consolidação da língua de sinais. Assim, nesse
último caso, a criança deve adquirir inicialmente a língua de sinais e depois, no momento adequado, ser
alfabetizada, não se ensinando a língua falada.
O bilinguismo entende a surdez como diferença linguística, e não como uma deficiência a ser normalizada
pela reabilitação como no oralismo. E assim, os surdos constituiriam uma comunidade particular, com
cultura e língua próprias, como veremos no próximo texto.
Os surdos, por mais que não dominem uma língua oralizada, convivem com uma comunidade que a usa
e, assim, têm, necessariamente, que desenvolver certas habilidades ligadas à percepção da leitura e da
escrita e, por isso, os documentos legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras
também são categóricos ao afirmarem que a mesma não poderá substituir a modalidade escrita da Língua
Portuguesa.
Muitas das conquistas dos surdos como por exemplo, a legenda em programas televisivos, não se configura
como efetivamente um benefício, pela pouca competência em leitura que eles possuem. Uma vez que
a legendagem apresenta texto fragmentado, condicionado pela velocidade e ritmo do texto audiovisual,
este exige um grande esforço de leitura seletiva e de memória, exigindo da pessoa com surdez uma boa
capacidade de leitura.
Assim, a leitura de textos em português é de importância fundamental não apenas para a escolarização
do surdo, mas, e talvez principalmente, para a sua inserção na comunidade ouvinte. Por outro lado,
embora existam diversas pesquisas que demonstrem que os surdos não apresentam dificuldades para
decodificar os símbolos gráficos e estudos que enfatizem a importância da língua de sinais para o
desenvolvimento cognitivo e acadêmico do surdo, são poucas as investigações que analisam a leitura
interpretativa de indivíduos surdos que fazem uso da Libras. Os poucos estudos indicam que os surdos
possuem entendimento sobre o mecanismo da leitura, mas não a compreensão do que leem.
É por essas razões que, atualmente, dá-se tanta importância ao fato de o professor ouvinte conhecer e
usar a Língua de Sinais, no caso do Brasil, a Libras. A comunicação adequada entre professores ouvintes
e alunos surdos é a condição primeira para uma escola realmente inclusiva.
A presença de surdos nas instituições escolares inclusivas ou especiais, sendo educados em sua língua
natural, tem contribuído muito para desconstruir a imagem de que a surdez compromete o desenvolvimento
cognitivo e linguístico do indivíduo. Essa crença, segundo Gesser (2009), está fortemente ligada ao
discurso médico.
O surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver outro impedimento)
ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os âmbitos sociais em que transita. Não
é a surdez que compromete o desenvolvimento do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua
(GESSER, 2009, p.76).
Para podermos compreender o que é “cultura surda”, é preciso estabelecer o que estamos considerando
como “cultura”. De acordo com o senso comum, existiria “A” cultura, no singular e esta cultura se refere às
manifestações artísticas e às tradições de um povo, representadas (e contadas) em lendas, festas, trajes
típicos, ritos, comida e língua.
Atualmente, os estudiosos admitem a existência de múltiplas culturas interagindo entre si, sendo possível
a multiplicidade de manifestações e grupos culturais de naturezas diferentes, ampliando o conceito de
cultura e permitindo falar de cultura no plural.
Outro uso da palavra cultura está relacionado à agricultura, ao cultivo da terra. Falamos em “cultura da
cana-de-açúcar”; “cultura de milho” etc. O termo cultura está tão relacionado à lavoura, que compõe
literalmente o termo agriCULTURA. Considerando este outro uso para a palavra cultura, Strobel (2008,
p.18) afirma que “o cultivo da linguagem e da identidade são, então, elementos fundamentais de uma
cultura”.
Mas não é fácil definir o que é cultura surda. Para entender a cultura surda é necessário enxergar o surdo
como diferente e não deficiente.
Se não é fácil definir o que é a cultura surda, podemos mostrar que ela existe e a sua presença pode ser
confirmada pelas transformações culturais e cotidianas dos surdos. Percebe-se que o sujeito surdo está
descentrado da cultura dominante e possui outra cultura.
Ainda de acordo com Perlin (2004), cultura surda é a diferença que contém a prática social dos surdos e
que comunica um significado. É o caso de ser surdo homem, de ser surda mulher, deixando evidências
de identidade, o predomínio da ordem como, por exemplo, o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e
de transmitir cultura, a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para com os achados surdos do
passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia etc.
Para Karin Strobel, outra pesquisadora surda, “Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo
e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com suas percepções visuais, que
contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas” (STROBEL,
2008, p.24).
Mas a existência da cultura surda depende da língua de sinais. A aquisição da Libras pelo surdo é de extrema
importância para o desenvolvimento de uma identidade pessoal surda. Para acontecer a construção de
nossa identidade, como somos seres sociais, precisamos identificar-nos com uma comunidade social
específica e, com ela, interagir de modo pleno, ou seja, precisamos de uma identidade cultural e, para isso,
não basta uma língua e uma forma de alfabetização, mas sim um conjunto de crenças, conhecimentos
comuns a todos.
Já vimos que a partir do Congresso de Milão e durante quase todo o século XX, a Educação dos Surdos
teve o oralismo como Ideologia Dominante, pensando no surdo pelo modelo médico, no qual ele é tratado
como deficiente, não se pensando na sua diferença linguística.
A educação oferecida aos surdos dava muita importância à oralização, e os educadores ficavam tão
ocupados ensinando os surdos a falarem que não percebiam a importância da formação da Identidade e
Cultura Surda para o Surdo. Assim, a educação não formava os surdos como cidadãos críticos e muito
pouco se discutia sobre a importância de se buscar a igualdade sem, entretanto, eliminar a diferença.
Os surdos educados no oralismo não se reconheciam como surdos, mas como não ouvinte, não normal.
Eram vistos e obrigados a se verem a partir da perspectiva do que não podiam fazer, e toda tentativa de
formação de identidade cultural era considerada como uma tentativa de formação de guetos e segregação,
sendo, portanto, desprezada e mesmo proibida.
Quando se fala em identidade e em cultura surda, estamos pensando na surdez como uma diferença.
Primeiro, é preciso entender que diferença não é o contrário de igualdade. O contrário de igualdade
é desigualdade. A diferença não deve ser entendida como uma coisa que é contrária à normalidade.
Entender a surdez como diferença significa que uma minoria linguística que faz uso de outra língua –
Língua de Sinais – e constituem uma comunidade específica.
Entender o surdo como deficiente auditivo é considerar que ele tem uma patologia e necessita de
especialista para aprender a falar e ficar o mais parecido possível com o ouvinte. Assim, o que se faz
é não reconhecer o direito do surdo de ser diferente, é não aceitar a Língua de Sinais, a Cultura e a
identidade surdas.
Durante muito tempo se acreditou que a linguagem oral era a única responsável pelo funcionamento
cognitivo humano e a dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como quase impeditiva
do desenvolvimento do pensamento. A língua de sinais, durante muito tempo, foi confundida com mímica
e, assim, estaria presa ao mundo concreto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos. Porém,
a partir do reconhecimento de que a língua de sinais desempenha para o desenvolvimento cognitivo dos
surdos o mesmo papel que a língua oral representa no dos ouvintes, veio também a compreensão de
que a surdez não torna a criança um ser que tem possibilidades a menos, ou seja, ela tem possibilidades
diferentes e não menores.
É daí que entra em questão um novo fator, pois, junto com uma língua distinta para os surdos, surge
também uma nova cultura, ou seja, junto ao bilinguismo, veio o biculturalismo, revelando um processo
antes ignorado, que é o processo de construção da identidade cultural surda, uma vez que o surdo tem
contato com dois grupos culturais distintos, o ouvinte e o surdo.
Somente a partir da década de 1980, é que foi entendida a necessidade de reconhecer o verdadeiro valor
da cultura e da linguagem surda para o desenvolvimento cognitivo e da identidade dos surdos.
Existem muitas formas de definir identidade, mas o melhor significado para o caso dos surdos é o da
busca pelo direito de ser surdo. Para Perlin ( 2004), a influência do poder ouvintista prejudica a construção
da identidade surda. Ela também fala que a oralização foi imposta aos surdos pelos ouvintes.
Na educação oralista, as crianças surdas eram proibidas de ter contato com surdos adultos que sinalizavam
e, como a maioria das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, por vontade da família ou mesmo por
vontade própria, os surdos tentavam oralizar e mesmo surdos profundos falavam que ouviam. Não existia
uma identidade definida.
Com o bilinguismo e com o reconhecimento da Libras como uma língua oficial do Brasil, há contato
No oralismo, é desenvolvido no surdo o desejo de ouvir e, como tanto o processo de aquisição da fala,
quanto o de treinamento auditivo são complexos, o surdo sofre muito e fica sempre se sentindo deficiente
e incapaz. Na educação oralista, também se praticava a integração escolar, com os surdos estudando
em salas comuns, sem apoio algum, gerando uma situação de não aprendizagem. O surdo, então, não
apenas se sentia um fracassado, mas também tinha a construção da sua identidade prejudicada, pois o
modelo ideal a ser seguido era o do ouvinte.
Assim, o surdo construía sua identidade em um mundo no qual se via como diferente das outras pessoas,
com o estigma de incapacidade e de deficiência. O surdo ficava transitando em dois mundos e não se
sentia parte de nenhum. Não fazia parte do mundo ouvinte, porque não sabia se comunicar bem e também
não participava de um mundo surdo porque eram proibidos de usar a língua de sinais. O estudioso de
surdos, Carlos Skliar, chama esse processo de identidade flutuante.
Felizmente, alguns surdos conseguiram sobreviver a toda essa relação de poder, e, lutaram muito para
estabelecer e defender a cultura surda que é fundamental para a construção da identidade surda. Para
isso, no mundo todo, o Movimento Surdo criou Associações de Surdos como uma resistência contra a
cultura dominante, contra a ideologia ouvintista. Existe uma história de lutas na qual se procura marcar,
entre os próprios surdos e na sociedade em geral, discussões sobre a língua de sinais, a cultura e as
identidades surdas. Essa luta e as conquistas alcançadas têm permitido que a cultura surda se fortaleça
e, por causa disso, identidades surdas são construídas.
Para Perlin (1998, p. 52), a identidade é algo em questão, em construção, uma construção móvel que
pode frequentemente ser transformada ou estar em movimento, e que empurra o sujeito em diferentes
posições. A construção da identidade depende de modelos e da forma como o outro enxerga o sujeito.
Assim, é de fundamental importância defender a cultura surda porque é dentro dela que se constrói a
identidade surda.
Não podemos separar a noção de cultura da de grupo e classes sociais, pois cultura é o espaço no qual
se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões sociais. Talvez seja por isso, por exemplo,
que podemos falar de uma cultura surda. É dentro desse espaço que os sujeitos surdos passam a se
identificar como sujeitos culturais.
O estudo acerca dos surdos mostra que as capacidades do homem de linguagem, pensamento,
comunicação e cultura não se desenvolvem de maneira automática, não se compõem apenas de funções
biológicas, mas também têm origem social e histórica; essas capacidades são, como diz Sacks (1998), um
presente - o mais maravilhoso dos presentes - de uma geração para outra, o que reforça a importância do
grupo, da cultura surda para a construção da identidade e desenvolvimento cognitivo do surdo.
Apesar da luta constante da comunidade surda pelo respeito e aceitação como grupo cultural distinto,
ainda há uma dificuldade muito grande de desenvolvimento da inclusão dos surdos com base no respeito
a suas diferenças. Há que se considerar, por exemplo, que a maioria das crianças surdas (mais de 90%)
possui pais ouvintes, o que causa maiores dificuldades na construção das identidades, pois os modelos
não estão dentro de casa. Além disso, a dificuldade de comunicação entre pais e filho surdo causa, às
vezes, problemas de ordem social e cognitiva. Esses problemas poderiam ser minimizados se houvesse,
por parte dos familiares ouvintes, disposição em assumir formas de comunicação e intervenção que
considerassem mais as particularidades da surdez do que as dificuldades inerentes à ausência de audição.
Partindo disso, é fundamental que instituições escolares, os pais, enfim, todos que estão perto da criança
surda preocupem-se em entender o modo pelo qual ela se comunica para que as trocas possam existir
de forma satisfatória para ambas as partes.
Assim, em função da existência de barreiras na comunicação entre o mundo surdo e o mundo ouvinte,
existem dificuldades para o desenvolvimento cultural; por isso, é necessário que, para que se construam
meios especiais para a sua realização, os ouvintes conheçam a Libras, por exemplo.
Para entender um pouco sobre como uma cultura domina a outra, um bom exemplo é do Brasil, que foi
colonizado por Portugal. Durante a colonização, o Brasil foi submetido às mais duras pressões políticas
e ideológicas no que se refere à exploração econômica, cultural e, inclusive, linguística, uma vez que,
anteriormente à Língua Portuguesa, a língua tupi-guarani era falada pelos primeiros brasileiros, os
índios. Dentro desse contexto, com a colonização portuguesa no Brasil, foi necessária a batalha pela
Independência em busca do direito a ser uma Nação livre e dona do seu próprio destino.
O mesmo aconteceu com os surdos. Existe ainda a colonização do ouvinte sobre o sujeito surdo e, para
que tenha sua independência, os ouvintes precisam deixar de pensar em termos de deficiência auditiva e
parar com a imposição da Língua Portuguesa para o sujeito surdo, entendendo que é possível ser normal
mesmo sem ouvir. Ouvir é uma necessidade de quem ouve.
Atualmente, podemos perceber o fortalecimento da cultura surda pelas transformações que estão
acontecendo na sociedade, como a pedagogia de surdos, o atual ensino de língua de sinais, a existência
do professor de língua de sinais e do professor surdo, as pesquisas de surdos, os pesquisadores surdos,
o modo de vida das famílias surdas, o estilo de vida surda, o aumento de mulheres surdas que residem
sozinhas etc.
Há, ainda, as novas tecnologias, como centrais telefônicas, celular digital, porteiros luminosos, facilidades
para a vida dos surdos. Em algumas cidades, raros lugares estão fora do alcance da cultura surda e
É preciso e necessário, para um adequado desenvolvimento tanto físico quanto psíquico dos surdos, que
os ouvintes deixem de se considerar modelo de normalidade e percebam que diferença não significa
inferioridade.
Atualmente, buscamos relacionar o processo educacional às experiências culturais dos surdos, para que
seu desenvolvimento alcance maior êxito. Como consequência, a discussão sobre as formas de atenção
às pessoas e aos grupos surdos tem sido deslocada do campo da educação especial para o campo
antropológico, pois a educação deveria dar acesso aos bens culturais de acordo com as características
singulares decorrentes da surdez.
Por isso, a inclusão escolar dos surdos precisa ser bem discutida, pois a relação da surdez com as
sociedades culturalmente ouvintes é constituída pelas barreiras de comunicação e participação. Assim,
o campo da surdez pode ser comparado a uma situação de pobreza, havendo falta de acesso a uma
educação de qualidade, a condições dignas de vida, informações adequadas e ao respeito por sua língua,
cultura e identidade.
Importa salientar a diferença das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nômades, negras,
brancas... Importa deixar os surdos construírem sua identidade, assinalarem suas fronteiras em
posição mais solidária do que crítica.
A educação, ainda que já esteja saindo do domínio do oralismo, tem que desaprender um grande
número de preconceitos, entre eles o de querer fazer do surdo um ouvinte.
Novas hipóteses podem ser levantadas, novos achados são necessários. Entre eles sobressai a
urgência de dizer que o surdo é sujeito surdo (PERLIN, 1998, p.72).
Além disso, embora seja compreensível que os surdos afirmem a existência de “uma” cultura, como
forma de afirmação coletiva, e é mesmo comum ouvirmos discursos de oposição à dominação ouvintista
defendendo a existência de uma homogeneidade cultural surda, autores como Skliar (1998) e Gesser
(2009) defendem que existem identidades e culturas surdas.
Pensar o surdo no singular, com uma identidade e uma cultura surda, é apagar a diversidade e o
multiculturalismo que distingue o surdo negro da surda mulher, do surdo cego, do surdo índio, do
surdo cadeirante, do surdo homossexual, do surdo oralizado, do surdo de lares surdos, do surdo
gaucho, do surdo paulista, do surdo de zonas rurais ... (GESSER, 2009, p.55).
Com a promulgação da Lei Federal n. 10.098, de 2000, a lei da Acessibilidade; da Lei Federal n. 10.436, de
24 de abril de 2002, que oficializou a Língua Brasileira de Sinais – Libras – e do Decreto Federal n. 5.626
de 2005, que dentre outras determinações importantes estabelece que o surdo é o indivíduo que tem
dificuldades para ouvir e, portanto, interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando
sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras, esta língua passou a integrar
o cotidiano do povo brasileiro. E ainda mais, parece que de repente, os surdos adquiriram visibilidade e
Os licenciandos, que se sentem coagidos a aprender tão exótica língua, os demais universitários, as
crianças ouvintes e seus familiares, que passam a conviver com a presença do surdo e seu intérprete em
sala de aula, os professores da escola inclusiva, enfim, toda a comunidade foi tomada de surpresa, em
função da rapidez com que as mudanças aconteceram.
Porém, o desconhecimento sobre o assunto ainda é grande e assim, especulações a respeito dessa
diferente comunidade surgem especulações que, associadas ao longo período de hegemonia do oralismo,
estabeleceram o que Reily (2004) denominou de “mitos” e Gesser (2009) identificou como crenças e
preconceitos acerca da surdez, do surdo e da Libras e que, infelizmente, correspondem de fato ao que a
maioria das pessoas pensa.
Além dos equívocos decorrentes do desconhecimento a respeito do que é uma língua de sinais, a mudança
de concepção acerca da surdez (de patologia, no oralismo, para diferença linguística e experiência visual,
no bilingüismo), que precedeu todo movimento que culminou com o reconhecimento da língua de sinais
em diferentes países, também provocou dúvidas e incertezas em profissionais e familiares que convivem
com a surdez.
Muitas das questões acerca da surdez e dos surdos já foram abordadas no texto CONTEXTUALIZANDO O
TEMA. Neste texto, que começa com um resumo da legislação e políticas públicas brasileiras referentes à
educação de surdos, destacamos a mudança de concepção sobre a surdez, que culminaram nessas leis e
políticas, também abordamos o que entendemos como a principal consequência social desta mudança: o
reconhecimento da existência de culturas surdas, que proporcionam a construção de identidades surdas.
Essas questões, todavia, podem estar longe da compreensão da maioria das famílias, cujas dúvidas estão
ligadas às dificuldades que seu familiar surdo enfrenta no seu cotidiano.
Muitas dessas dúvidas existem também entre professores e demais profissionais que atuam com surdos,
afinal, depois de mais de um século de oralismo, é natural indagar se o surdo precisa ser oralizado para
se integrar ao mundo ouvinte ou se a língua de sinais atrapalha a oralização, por exemplo.
De fato, o pensamento da pessoa ouvinte tem som! Basta pensarmos no nosso nome, por exemplo, e este
nome se apresenta em nossa mente, de maneira sonora. No caso do surdo, como ele organiza visualmente
seu pensamento, este se efetiva por imagens, como em uma projeção de slides. No entanto, para estudar,
raciocinar ou meditar, é comum que eles “falem com as mãos”, em um espécie de tricô invisível. Algumas
vezes, ao realizarem uma caminhada solitária, o surdo fica “sinalizando”, falando sozinho, da mesma
forma que os ouvintes falam sozinhos e muitas vezes, falando alto!
Apesar de aparentemente não ter importância a denominação ou a palavra escolhida para designar um
único ou um grupo de indivíduos, o modo como designamos um indivíduo revela nossa concepção da
pessoa, grupo ou fenômeno a que nos referimos. Usar corretamente os termos técnicos não é uma
questão sem importância, se desejamos falar ou escrever construtivamente em uma perspectiva inclusiva
sobre seres humanos. A terminologia correta é especialmente importante quando falamos de assuntos
que envolvem pessoas com deficiência, as quais, tradicionalmente, sofrem preconceitos.
O maior problema decorrente do uso de termos incorretos é que podemos, mesmo sem intenção, reforçar
ou mesmo perpetuar conceitos ultrapassados, ideias equivocadas e informações inexatas. É comum
entre as pessoas, por exemplo, a utilização da expressão surda-muda para designar a pessoa surda.
Quando se refere ao surdo, a palavra muda não corresponde à realidade desse sujeito, pois ele não é
mudo, no sentido de possuir comprometimentos no sistema fonoarticulatório, mas, a maioria das vezes,
a pessoa surda ou com deficiência auditiva não fala porque não consegue aprender, pois não possui o
feedback auditivo.
A palavra “surdo” é a mais adequada porque permite compreender melhor a surdez, tanto no que se refere
à sua condição orgânica como social. Além disso, é a autodenominação escolhida pelos próprios surdos,
que desejam ser aceitos não como pessoas deficientes, ou seja, como “ouvintes” que têm ausência
da audição, mas como pessoas que têm muito mais de igual do que de diferente, pessoas igualmente
capazes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua linguagem utilizando recursos de
natureza visomotora.
Infelizmente, o povo surdo tem sido encarado em uma perspectiva exclusivamente fisiológica (déficit
de audição) dentro de um discurso de normalização e medicalização, cujas nomeações, como todas
as outras, imprimem valores e convenções na forma como o outro é significado e representado.
Cabe ressaltar, por outro lado que não é apenas a escolha acertada de um termo que elimina os
preconceitos sociais. Os preconceitos podem estar disfarçados nos discursos que dizem assumir a
diferença e a diversidade. Mas o deslocamento conceitual é preciso e urgente, e vem ocorrendo em
primeira instância na reflexão e problematização dos conceitos de que fazemos uso ao nomear o
outro (GESSER, 2009, p.46).
Da mesma forma que um ambiente físico não adaptado, sem rampas ou elevadores, pode aumentar a
deficiência de um cadeirante, não é, em geral, a limitação biológica e sim as relações sociais e culturais
que determinam a limitação de uma pessoa com deficiência, ou, de acordo com Laborrit (1994), é a
sociedade que torna os indivíduos deficientes.
Dessa forma, olhada pelo viés cultural, a surdez definitivamente não é uma deficiência. “A surdez como
deficiência pertence a uma narrativa assimétrica de poder e saber: uma ‘invenção/produção’ do grupo
Alguns sim, mas este é um longo e complexo processo para aqueles com uma perda auditiva severa.
Vamos estabelecer aqui a definição e classificação de surdez segundo o modelo médico, para que
possamos compreender as dificuldades inerentes ao processo.
Podemos classificar a surdez de acordo com o tipo: condutiva (quando ocorre na orelha externa e/ou
média), neurossensorial (quando afeta a cóclea e/ou nervo auditivo) e mista (quando envolve os dois tipos
anteriores); quanto à época de instalação (congênita, pré-lingual e pós-lingual) e quanto ao grau (leve,
moderada, severa e profunda).
Surdez leve/moderada: perda auditiva de até 70 decibéis que dificulta, mas não impede a pessoa de se
expressar oralmente, bem como de perceber a voz humana com ou sem a utilização de um aparelho
auditivo. Se a perda for de até 40 decibéis, a pessoa já não percebe os fonemas da mesma forma,
isto altera a compreensão das palavras; voz fraca e distante não é ouvida. A criança é considerada
desatenta, e vai apresentar dificuldade na aquisição da linguagem, na leitura e na escrita. Precisa de
acompanhamento, e sua tarefa pode ser facilitada com o uso de aparelhos de amplificação sonora
individual, os AASI. Se a perda se situar entre 40 e 70 decibéis o surdo percebe a voz humana com certa
intensidade, pode ocorrer atraso na linguagem e alteração articulatória. Discriminação difícil em lugares
ruidosos e necessita de AASI.
Surdez severa/profunda: perda auditiva acima de 70 decibéis, o que impede a pessoa de entender, com
ou sem aparelho auditivo, a voz humana, bem como de adquirir, naturalmente, o código da língua oral,
pois não há feedback auditivo. Precisa de pistas visuais e de métodos, recursos didáticos e equipamentos
especiais para correção e desenvolvimento da fala e da linguagem.
Assim, o trabalho para a aquisição da fala deve ser iniciado assim que se descobre a surdez da criança.
Atualmente, com o “teste da orelhinha”, seria desde o seu nascimento. A educação oral deve começar
no lar, exigindo a dedicação de todas as pessoas que convivem com a criança, especialmente a mãe,
durante todas as horas de cada dia do ano. O trabalho de aquisição da fala ou educação oral necessita
de fonoaudiólogos e pedagogos especializados para atender ao aluno, orientar e acompanhar a ação da
família. A educação oral requer equipamentos especializados como o aparelho de amplificação sonora
individual.
Entretanto, as pesquisas apontam que crianças com perda auditiva profunda, mesmo atendendo à risca
as orientações para aprender a falar, realizando incansavelmente exercícios de voz e de articulação, em
sua grande maioria, não conseguem desenvolver a fala com fluência.
Enfim, a aquisição da Língua Portuguesa oral depende do grau e natureza da perda auditiva, do bom
uso dos resíduos auditivos proporcionados pelo AASI e do apoio de profissionais e da família. No
entanto, também os AASI não são “mágicos”, isto é, não basta protetizar a criança (colocar o aparelho).
É necessário ensiná-la a ouvir. E de novo se precisa de recursos, métodos e profissionais especializados
para realizar o treinamento auditivo. Um aparelho auditivo que é colocado sem o devido treinamento,
mesmo que esteja dentro das especificidades das necessidades da criança, pode inclusive prejudicar
a criança, que vai passar a receber uma intensidade de estímulos sonoros simultâneos que precisam
ser inicialmente identificados para que em seguida ela selecione aqueles aos quais vai direcionar sua
atenção auditiva. Portanto, nem sempre o uso do aparelho auditivo permite que a criança escute a voz
humana, mesmo que a escute e que faça o uso correto desta informação, pois “os aparelhos não atuam
na decodificação instantânea da linguagem apenas ao serem agregados ao ouvido, do mesmo modo que
uma pessoa completamente cega, por exemplo, não passa a enxergar utilizando óculos ou lentes de grau”
(GESSER, 2009, p.75).
O implante coclear, muitas vezes apresentados pela mídia em matérias carregadas de emoção, ainda
é visto com muita desconfiança pelos surdos, familiares e profissionais, pois a recuperação da surdez
não depende apenas do sucesso da intervenção cirúrgica, mas de inúmeras variáveis, como a idade do
surdo, tempo de surdez, condições do nervo auditivo, época de instalação da surdez, adaptação anterior
ao AASI, trabalho com fonoaudiólogo etc.
Mas o que é preciso ficar claro é que os surdos, mesmo com surdez profunda, podem apresentar uma
comunicação oral funcional, desde que se submetam aos procedimentos adequados e, principalmente, se
assim o desejarem, pois de acordo com Gesser (2009, p.56):
O grande problema herdado da filosofia oralista é o efeito colateral que se instaurou na comunidade
surda, ou seja, o sentimento de indignação, frustração, opressão e discriminação entre usuários
dos sinais, uma vez que, durante as sessões de fala e treinos repetitivos pregados pelo oralismo do
passado, a língua de sinais foi banida e rejeitada em prol do uso exclusivo da língua oral.
Quanto às causas, só as hereditárias são mais de 70 tipos diferentes; existem as congênitas (rubéola,
sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose, anomalias craniofaciais); as perinatais (hipóxia, herpes materno) e
pós-natais (meningite bacteriana, sarampo, medicações ototóxicas etc.).
Gesser (2009) alerta, todavia, que não devemos nos basear unicamente nos tipos e graus de surdez para
estabelecer a abordagem educacional mais adequada ao indivíduo surdo.
Um surdo profundo, por exemplo, pode não se identificar com a língua ou culturas dos surdos e optar
exclusivamente pela oralização, da mesma forma que um surdo com surdez leve ou moderada pode
demonstrar uma relação contrária: uma profunda identificação com os traços culturais dos surdos
sinalizantes (GESSER, 2009, p.73).
Assim, não podemos correr o risco de cair em uma simplificação excessiva entendendo todos os surdos
Por exemplo, uma criança que ainda não foi diagnosticada e é classificada como desatenta, hiperativa,
emburrada, nervosa, briguenta, solitária etc, pode apresentar problemas de audição. O que também pode
acontecer com aquela criança que perde parte do que é dito em aula, principalmente quando existem
ruídos ou mais pessoas falando ao mesmo tempo e que muitas vezes é classificada como tendo déficit
de atenção.
Engana-se quem pensa que a leitura labial é uma capacidade inerente ao surdo. Pelo contrário, da
mesma forma que para desenvolver a fala são necessários treinos exaustivos e árduos, adquirir a leitura
labial também depende de treinos semelhantes. Por não ser uma técnica adquirida naturalmente, ela é
aprendida mediante o auxílio de profissionais especializados, como o fonoaudiólogo, e é uma habilidade
que leva anos para ser adquirida e aprimorada. São poucos os surdos que realizam leituras labiais como
os “surdos do Fantástico”.
Todos os estudos referentes à leitura labial estão vinculados aos treinamentos fono-articulatórios e
é nesse sentido que poderíamos afirmar que não se trata de uma habilidade natural de linguagem,
como é a habilidade para o desenvolvimento de sinais, por exemplo. Essa é, entretanto, uma crença
muito recorrente entre ouvintes, e vários surdos com quem conversei relatam que uma das perguntas
mais freqüentes quando estão entre ouvintes que não sabem sinais, em um primeiro contato, é se
sabem ler os lábios (GESSER, 2009, p.61).
Esta crença de que todo surdo faz leitura labial é muito forte entre os professores da escola inclusiva. A
maioria deles, pelo desconhecimento do assunto, acredita que todo aluno surdo faz leitura labial e então,
ministra normalmente suas aulas, deixando ao aluno surdo a responsabilidade de acompanhar o seu
discurso. No entanto, apenas uma minoria dos surdos é constituída de hábeis leitores labiais.
Num contexto de aula expositiva, mesmo aqueles que foram bem treinados perdem entre 30% e
40% do que foi dito. Quando há muitas pessoas na sala e muita distrações, a concentração na
articulação se torna ainda mais penosa. [...] Mesmo quando o aluno surdo acompanha o assunto
que está sendo exposto, quando conhece o contexto que está sendo apresentado, os equívocos na
interpretação da leitura dos lábios pode chegar a 60%. É possível ler o formato do lábio, mas não a
posição da língua dentro da boca, assim, um mesmo formato de lábios e posição de língua servem
para emitir o som de t e d, ou r, l e n, por exemplo, provocando muitas dúvidas de interpretação
(REILY, 2004, p.127).
Mesmo surdos que são habilidosos para a leitura labial (aqui também, podemos ter surdos que apresentam
mais dificuldades que outros, independentemente de sua dedicação aos treinos), podem ter dificuldade
quando se deparam com pessoas desconhecidas, com sotaque ou dialetos; homens de bigode, ou
que estejam distantes, ou, ainda, o surdo sentado e o ouvinte em pé, enfim, são inúmeros fatores que
dificultam a leitura labial, sem contar no caráter quase caricato da postura de ouvintes que dependem da
leitura labial para se comunicar com os surdos:
Finalmente, devemos mencionar ainda, o desgaste físico de um aluno surdo ao tentar acompanhar, com
o recurso da leitura labial uma aula. O aluno ouvinte se está cansado ou entediado, pode se espreguiçar,
fechar os olhos, se sentar em diferentes posições, que ainda permanece conectado ao professor e à aula
pela via da audição. Esses pequenos momentos de alívio ou descanso podem fazer com que o surdo
perca o que o professor está dizendo e não consiga mais acompanhar a aula.
Entre os alunos com necessidades educativas especiais que encontram maiores dificuldades no processo
de inclusão estão os surdos, pois o processo de ensinar e aprender ainda se sustenta quase que
exclusivamente na comunicação oral.
Não. A língua de sinais não é inata no surdo, da mesma forma que a língua oral não o é para o ouvinte.
A criança ouvinte aprende a falar pela interação com o meio em que vive. O ideal seria que o mesmo
acontecesse com a criança surda, isto é, que ela adquirisse a sua primeira língua na interação com
usuários dessa língua, inserida no meio familiar e não mediante situações artificiais promovidas pela
escola.
Assim, a criança surda deve ser exposta o mais cedo possível a contatos com surdos sinalizadores, para
que ela adquira a língua de sinais, que é a sua primeira língua (L1) de forma espontânea. Além disso,
como os surdos vivem em um país que tem como dominante uma outra língua, que no caso do Brasil é
a Língua Portuguesa, “os documentos legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras
também são categóricos ao afirmarem que a mesma não poderá substituir a modalidade escrita da Língua
Portuguesa” (CHAIBUE, 2010, p.79).
Como o desenvolvimento da primeira língua influencia na aprendizagem de uma segunda língua (L2) cujo
aprendizado não acontece de forma natural, necessitando de um trabalho sistemático, é fundamental que
o surdo adquira a Libras o mais cedo possível, para então poder aprender o português escrito, devendo
Entretanto, segundo Quadros (2005), o contexto dos surdos no Brasil é totalmente atípico, pois eles
aprendem a língua de sinais tardiamente, sendo essa língua a sua primeira língua (L1) ou língua natural
e vivem em uma país em que a língua oficial é a sua segunda língua (L2). Esse fato faz com que muitos
surdos aprendam quase que simultaneamente a Libras e a Língua Portuguesa escrita, dificultando ambas
as aprendizagens.
Defendemos que o surdo não é mudo porque não tem comprometimentos no aparelho fonoarticulatório
e que, portanto, não fala porque não teria o feedback auditivo que lhe permita adquirir a língua oral de
maneira natural. Também já abordamos que é possível o surdo aprender a língua oral, embora dificilmente
se tornem fluentes nesta língua.
Os surdos que tem perda auditiva profunda podem (se assim desejarem!) produzir fala inteligível:
basta estarem com seu aparato vocal intacto. A prova disso é o grande número de surdos que falam
a língua majoritária oral, por exemplo. Para tanto é necessário treinamento junto aos profissionais de
fonoaudiologia (GESSER, 2009, p.56).
Mas podemos ampliar essa discussão para além das questões técnicas e avançarmos no terreno
socioantropológico.
Ora, se essa perspectiva está presente entre os linguistas, com muito mais força ela está presente na
sociedade que, de maneira geral, entende a fala como uma produção vocal-sonora. Nesse sentido, o
surdo não fala.
No entanto, se entendermos por fala a troca simbólica entre indivíduos de uma mesma espécie, o surdo
fala. De uma maneira diferente, fala com as mãos, em sua língua de sinais. Adotar essa concepção de fala
exige a ampliação deste conceito. “É necessário, entretanto, expandir o conceito que temos de línguas
humanas, e também redefinir conceitos ultrapassados para enxergar outra dimensão na qual conceber a
língua – o canal viso-gestual” (GESSER, 2009, p.55).
Os surdos fazem parte de um mundo ouvinte que utiliza a língua falada e, assim, têm, necessariamente,
que desenvolver certas habilidades ligadas à percepção da leitura e da escrita para poderem nele
conviver. Assim, a Lei que reconhece a Libras como língua oficial brasileira (Lei Federal n. 10 436, de
24 de abril de 2002) estabelece, também, que a mesma não poderá substituir a modalidade escrita da
Língua Portuguesa
Com o advento do bilinguismo, a produção escrita dos surdos e suas dificuldades ganharam relevo e,
junto com este destaque, ganhou força uma crença dos tempos do oralismo, a de que o surdo escreve
mal porque não utiliza a língua oral. Bem, essa crença, além de falsa é prejudicial. Mesmo não sendo
oralizado, o surdo poderia escrever bem o português como fazem muitos estrangeiros, por exemplo,
porque escrita e fala são processos distintos. A língua oral é diferente da língua escrita, o que acarreta
problemas para a produção textual até mesmo entre ouvintes, sendo que a escola precisa rever essa
relação entre língua falada e escrita.
A escrita é uma habilidade cognitiva que demanda esforço de todos (surdos, ouvintes, ricos, pobres,
homens, mulheres...) e geralmente é desenvolvida quando se recebe instrução formal. Entretanto,
o fato de a escrita ter uma relação fônica com a língua oral pode e de fato estabelece outro desafio
para o surdo: reconhecer uma realidade fônica que não lhe é familiar acusticamente (GESSER,
2009, p.57)
Outro aspecto prejudicial decorrente desta crença tem a ver com ideais linguísticos que rejeitam a maneira
de falar de minorias desprestigiadas, como imigrantes, indígenas e os próprios surdos. Ao estigmatizar
tanto o português escrito como o oral de que o surdo faz uso, se reforça também a ideia de que o surdo
tem mais dificuldades que os ouvintes na aprendizagem dos conteúdos escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho que trilhamos nesta primeira unidade começou com a contextualização do tema. Para isso,
discutimos as transformações ocorridas na Educação dos Surdos, particularmente depois da década de
1980, decorrentes da mudança de concepção acerca da surdez, que, de patologia, como era entendida na
época da hegemonia oralista, passou a ser concebida como uma “diferença linguística”, uma “experiência
visual”.
Esperamos, com esta unidade, termos demonstrado a importância da língua de sinais, no nosso caso
da Libras, para o desenvolvimento cognitivo e social dos surdos, além da desconstrução de crenças e
preconceitos a respeito dos surdos e da surdez.
E mais, que a utilização da Libras não apenas favorece o desenvolvimento cognitivo e social do aluno, como
sua produção escrita, sendo também falsa a ideia de que fazer uso de sinais seria um fator complicador
para a aprendizagem da língua oral.
As ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande medida,
atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm abolido a visão exposta, ao
afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento
e a aprendizagem de outras línguas pelo surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo
profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de
sinais é imprescindível para assegurar condições mais propícias nas relações intra e interpessoais
que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres
humanos (GESSER, 2009, p.59).
Apresentamos, a seguir, artigo de autoria de uma das autoras deste livro, elaborado como requisito parcial para
a aprovação em Curso de Especialização em Educação Especial, que retrata as transformações por ela viven-
ciadas em sua etapa de escolarização. Vale ressaltar que ela já concluiu a Licenciatura em Letras/Libras e hoje
atua tanto como professora de Artes, em uma escola de surdos, como professora de Libras e de SignWriting em
cursos de pós-graduação. É um depoimento que certamente provoca interessantes reflexões!
Introdução
O interesse para realizar este trabalho faz parte da minha história de vida. Eu nasci surda, mas a minha mãe
descobriu apenas quando eu já tinha um ano e meio. Sou trigêmea e tenho mais dois irmãos. Somos cinco.
Meus irmãos não são surdos, mas minha única irmã, trigêmea comigo (o outro é um irmão) é surda profunda, e
eu severa.
Para essa classificação eu usei o critério da Organização Mundial da Saúde – OMS –, que considera que a
surdez é a ausência, dificuldade, ou inabilidade para ouvir sons específicos (tons puro), ambientais (ruídos fami-
liares) e os sons da fala humana (tons complexos), e a deficiência auditiva é a perda total ou parcial, congênita
ou adquirida da capacidade de compreender a fala através do ouvido. Manifesta-se como:
• Surdez leve a moderada: perda auditiva de até 70 decibéis, que dificulta, mas não impede a pessoa
de se expressar oralmente, bem como de perceber a voz humana com ou sem a utilização de um
aparelho auditivo.
• Surdez severa a profunda: perda auditiva acima de 70 decibéis, que impede a pessoa de entender,
com ou sem aparelho auditivo, a voz humana, bem como de adquirir, naturalmente, o código da língua
oral.
Nosso caso é bem interessante porque nós três nascemos juntos, e meu irmão não tem surdez. Para saber por
que eu e minha irmã nascemos surdas e o meu irmão não, fizemos exames genéticos e o diagnóstico foi que
Desde o diagnóstico, minha mãe lutou muito para nos educar e principalmente para aprendermos o português.
Para nós foi muito difícil, pois nós fomos educadas na abordagem oralista.
A abordagem de enfoque oralista se coloca radicalmente contra o uso da Língua de Sinais ou de
qualquer código gestual pelo entendimento de que, sendo a dimensão gestual-visual a mais cômo-
da para o surdo, este não irá despender o esforço necessário para aprendizagem de uma língua
na modalidade oral, que exige um trabalho difícil, diligente, intenso e muitas vezes enfadonho (SÁ,
1999, p.82).
Eu tive muitas dificuldades, não queria ir à fonoaudióloga e não queria estudar na escola comum. Minha irmã era
mais forte do que eu. Ela ia sempre à fonoaudióloga e quis estudar na escola comum desde cedo. Isso a ajudou e
ela aprendeu rápido a lutar sozinha para melhor se comunicar com os ouvintes. Eu demorei muito para conseguir
me comunicar com os ouvintes, até hoje para mim é difícil, os ouvintes não entendem o que eu digo, minha voz
parece esquisita e tenho ainda dificuldades em ler os lábios de pessoas que eu não conheço bem.
Minha comunicação começou a melhorar quando eu já tinha 14 anos e, o mais interessante é que isso não acon-
teceu na escola, nem na fonoaudióloga. Eu só fui conseguir superar minha dificuldade de comunicação quando
comecei a frequentar as aulas de judô. O professor de judô, que não tinha especialização, mas também não
tinha preconceito, entendia meus sentimentos e usava o que estava ao seu alcance para se comunicar comigo:
desenhos, gestos, mímica. Nesse caso, a inclusão aconteceu fora da escola comum. Isso me ajudou muito para
conseguir superar o meu trauma de enfrentar o mundo dos ouvintes.
Ser aceita no mundo dos ouvintes, por causa do judô, me ajudou a ter mais vontade de estudar. Minha mãe
lutava muito, porque queria que eu estudasse e como eu era meio preguiçosa, ela me ensinou a gostar de gibis.
Ela estimulava muito para eu ler os gibis, desde os 5 anos, primeiro aprendi a ver as figuras, depois aos 9 anos
aprendi a ler as palavras e frases no português. Isso fez eu gostar de ler e diminuiu minha solidão, por causa dos
gibis, das revistas, dos livros, eu não me sentia mais sozinha e pelo menos com isso eu me comunicava. Acho
que foram os gibis e a possibilidade de me comunicar pelo desenho que me fizeram estudar Artes Visuais. Hoje
sou professora de Artes em uma escola de surdos e procuro ensinar meus alunos a se expressarem através
do desenho e da arte. Foi preciso muita paciência da minha mãe e das minhas professoras, porque como eu
não conseguia me comunicar, sempre fui uma pessoa muito complicada para entender, mas, agora, podendo e
sabendo usar Libras, eu me sinto feliz, na verdade eu adoro ser surda.
Minha experiência no bilinguismo
Sei que comecei a frequentar clínicas de fonoaudiologia desde que minha mãe descobriu que eu era surda, mas
minhas lembranças são de quando eu tinha seis anos e tinha duas ou três sessões por semana para aprender
falar. Eu não gostava de ir, porque a fono segurava minhas mãos e nunca aceitava usar sinais, fiquei traumatiza-
da e nunca mais quis aprender falar perfeitamente e nem uso mais aparelhos auditivos. Eu prefiro usar sinais, a
Libras. Essa é a minha língua, o meu idioma, ela faz parte da minha identidade.
Mas não foi fácil aprender Libras, porque na época do oralismo era proibido para as crianças surdas conviverem
com os surdos adultos. Afinal, na década de 1980 a educação de surdos se caracterizava pelo predomínio de
modelos clínicos, nos quais não existia muita preocupação para que nós aprendêssemos conteúdos escolares, o
objetivo era aprender falar. Nós, os alunos, éramos os pacientes e os professores eram os terapeutas.
Segundo Zanquetta (2005), persistia a aplicação de inúmeros métodos oralistas, geralmente estrangeiros, bus-
cando estratégias de ensino que pudessem transformar em realidade o desejo de ver o surdo falando e ouvindo,
No 2º semestre de 1996, os professores e funcionários da escola onde eu estudava iniciaram as leituras sobre
bilinguismo. De acordo com Zanquetta (2005), os estudos foram centrados principalmente na Libras7, reconhe-
cendo-a como a 1ª língua do surdo, que deve ser adquirida e usada tanto pelos alunos, quanto pelos profissio-
nais. Naquele ano, foi contratada a primeira instrutora surda, com a função de ensinar a língua de sinais para os
funcionários e alguns alunos da escola.
Em 1997, deu-se continuidade ao trabalho escolar numa proposta bilíngue. Eu, que já sabia a língua de sinais
porque participava das reuniões da ASUMAR com os surdos adultos, com a contratação da professora surda e
os estudos que foram realizados, melhorei meu conhecimento e pude aprender não apenas a falar Libras, mas
reconhecer como um idioma.
A proposta bilíngue para surdos adultos não oralizados, língua de sinais como primeira língua e português escrito
como segunda língua, não privilegia uma língua, mas quer dar direito e condição ao leitor surdo de poder utilizar
duas línguas, não se trata de negação, mas de respeito, o sujeito surdo escolherá a língua que irá utilizar em
cada situação linguística em que se encontrar.
É necessário compreender que as línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das línguas
orais: são espaço – visuais, ou seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através da visão e da utiliza-
ção do espaço. A diferença na modalidade determina o uso de mecanismos sintáticos especialmente diferentes
dos utilizados nas línguas orais (QUADROS, 1997, p.46)
Terminei minha Educação Básica segundo a abordagem bilíngue e depois cursei faculdade, Curso de Artes
Visuais, contando com intérprete, remunerada pelos meus pais, pois, àquela época, ainda não era obrigatória a
presença de intérpretes de Libras em sala de aula, como é atualmente, pois, está disposto no Decreto n. 5.626,
7
Libras – língua brasileira de sinais – é o modo como a FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS
(FENEIS) resolveu se referir à língua de sinais dos surdos brasileiros. Essa denominação foi estabelecida em Assembleia convocada
pela FENEIS, em outubro de 1993, tendo sido adotada pela Wordl Federation of the Deaf, pelo MEC, por pesquisadores, educadores e
especialistas (SOUZA,1998, p.1)
A conquista mais importante, sem dúvida, foi o Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta
a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000.
De todos os importantes aspectos abordados por esse decreto, sem dúvida o mais importante é a inclusão da
Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magisté-
rio, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino públicas e privadas, do
sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Para poder atender à demanda gerada por esse Decreto, o Ministério da Educação – MEC –, instituiu cursos de
licenciatura plena em Letras: Libras, ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, e eu estou
tendo a oportunidade de estar cursando o último ano desse curso na Universidade Federal de Santa Catarina.
Para mim, a oportunidade de cursar um curso superior na minha língua materna, de entender tudo que é “falado”
e, principalmente, de poder dar conta de minhas obrigações sem a necessidade da ajuda de algum ouvinte é
maravilhoso. Eu me sinto uma pessoa completa, e que apesar de já possuir diploma universitário, só agora, eu
realmente sinto que estou cursando uma faculdade!
Das muitas coisas interessantes que aprendi e estou aprendendo sobre Libras, a principal novidade para mim foi
a existência de um sistema de escrita próprio da Libras, o SignWriting.
As línguas de sinais existentes no mundo são comumente conhecidas em sua modalidade sinalizada, poucos
países adotaram uma forma de registrá-la graficamente e, para tal registro, utilizam um sistema de escrita cha-
mado de SignWriting.
Os primeiros estudos brasileiros sobre a escrita da língua de sinais, mais precisamente sobre o SignWriting,
tiveram início com o Dr. Antônio Carlos da Rocha Costa, Marianne Stumpf (Surda) e a Professora Márcia Borba,
na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, em 1996 (QUADROS, 2004).
O SignWriting completa a Libras como idioma. O SignWriting é a escrita própria da língua do surdo. Os símbolos,
Você pode ter acesso à Biblioteca Virtual do INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos pelo endereço:
<www.ines.gov.br/Paginas/biblioteca.asp> e clicar em pesquisas bibliográficas. Lá, você encontra muitas infor-
mações acerca de todo o conteúdo dessa disciplina e muito mais a respeito dos surdos, sua educação e sua
cultura. Para conhecer e compreender melhor o mundo surdo, você pode acessar <www.ines.gov.br/Paginas/
mundo.asp> e clicar em depoimento, por exemplo.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
1. Pesquise acerca das principais abordagens educacionais para surdos da atualidade: Oralismo, Co-
municação Total e Bilinguismo. Estabeleça a concepção de surdez subjacente a cada uma delas.
2. A partir do conteúdo estudado, argumente sua opinião sobre qual abordagem é mais indicada para a
educação de surdos e estabeleça as diferenças entre as concepções de surdez dos defensores do
oralismo, da comunicação total e do bilinguismo.
3. Em sua opinião, é importante para o professor de uma escola inclusiva conhecer Libras? Por quê?
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Não ouvir faz o surdo criar uma maneira própria de se comunicar, mas não o impede de adquirir uma
língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação. Isso provavelmente envolve mecanismos
mentais, diferentes dos mecanismos mentais da pessoa ouvinte. Todavia, a comunicação com as mãos
não teve início com os surdos e nem é exclusividade deles.
De fato, a língua de sinais não começou com os surdos, pois, de acordo com Vygotsky, os homens
pré-históricos se comunicavam por meio de gestos e apenas quando começaram a utilizar ferramentas,
ocupando as mãos, é que começaram a utilizar a comunicação oral e, portanto, antes de utilizarem a
palavra, os seres humanos utilizavam as mãos para interagir, demonstrando a naturalidade da comunicação
por sinais. Podemos então dizer que o processo inverso, isto é, a passagem da língua oral para a manual
foi reinventado pelo homem, sempre que necessário e não apenas no caso dos surdos.
Você sabia que existem várias linguagens manuais criadas em diversos momentos da história
da humanidade, para uso em contextos variados, tendo em vista possibilitar a comunicação e a
interação em situações em que a fala era inviável, proibida ou impossível?
Mergulhadores, por exemplo, criaram um sistema de códigos gestuais para se comunicar debaixo
d´água, onde a fala não é possível. Considerando os riscos de uma comunicação equivocada em
circunstâncias perigosas, fica evidente o quanto essa comunicação deve ser bem assimilada durante
os cursos de mergulho para garantir a segurança no meio líquido (REILY, 2004, p.113).
No Brasil, Lucinda Ferreira Brito iniciou seus estudos linguísticos em 1982 sobre a Língua de Sinais dos
índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira, após um mês de convivência com os mesmos,
documentando em filme sua experiência, Lucinda Brito constatou que a mesma se tratava de uma legítima
Língua de Sinais. O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da aldeia
“falam” a Língua de Sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto que os surdos se restringem à Língua
de Sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues.
De acordo com Reily (2004), os indígenas do planalto americano também desenvolveram uma língua
de sinais para estabelecer uma comunicação entre tribos distintas, que não falavam a mesma língua e
precisavam de uma forma convencional de comunicação. Assim, desenvolveram, ao longo do tempo, um
conjunto de sinais bastante eficiente, com o qual conseguiam realizar alianças e comércios.
Um sistema de sinais também foi desenvolvido no período medieval por monges nos mosteiros europeus,
que faziam o voto do silêncio, sendo que mesmo atualmente, algumas comunidades de monges
comunicam-se por gestos em suas atividades cotidianas no mosteiro.
Veja como se concebia a função do silêncio no período monástico, segundo regras registradas por São
Basílio Magno, a palavra só poderia ser utilizada em caso de necessidade e estando as mãos ocupadas
com algum trabalho, o que permite inferir que a comunicação gestual por eles utilizada era bastante
eficiente.
É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua, darão simultaneamente
boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos que sabem usar da palavra, com
concisão e firmeza, como convém perguntar e responder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra
Assim, a Língua de Sinais é uma língua com condições de proporcionar não apenas a comunicação efetiva
entre os surdos como, também, a expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão
filosófica, enfim, um idioma completo. Porém, talvez, principalmente devido às suas características
icônicas (uma representação da realidade, por ícones) e pela forte influência da língua oral tanto na
estrutura gramatical quanto lexical, são muitas as interpretações equivocadas sobre as línguas de sinais,
em geral, e sobre a Libras em particular.
Ora, mas as pesquisas apontam que cerca de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes
que pouco ou nenhum conhecimento possuem acerca da surdez e da língua de sinais e que, muitas
vezes, não resgataram a serenidade emocional certamente abalada pelo imprevisto da chegada de uma
criança surda. Tal ambiente, certamente é terreno fértil para que surjam inúmeras dúvidas acerca das
consequências sociais da surdez e da adoção de uma língua diferente da falada pela família e pela
comunidade da criança.
Como o professor é, na maioria dos casos, o único profissional ao qual a família tem acesso, é da
responsabilidade do professor a orientação sobre a atuação da família em toda a vida do filho surdo, daí
a necessidade de o professor conhecer muito bem as implicações sociais da adoção do modelo bilíngue
de educação dos surdos.
Este é o objetivo principal desta segunda unidade: desvelar a língua de sinais mediante a discussão das
principais dúvidas sobre esses assuntos, já estabelecidas por Reily (2004) e Gesser (2009)8 e confirmadas
por nós, em nossa caminhada pela interface dos mundos surdo e ouvinte.
Mas por que insistir tanto nesta questão, ou seja, a de que a Libras é uma língua? Afinal, o que isto
significa? Língua e linguagem é a mesma coisa? O surdo “fala” em Libras?
Por linguagem, designamos o sistema abstrato, articulado, fenômeno universal, independente da situação
cultural, que diferencia o ser humano das demais espécies. Chamamos de língua, ao sistema abstrato,
articulado utilizado por um grupo ou uma comunidade específica, por exemplo, a Língua Portuguesa O
modo particular e individualizado de exercitar a língua é o que denominamos de fala. “A fala é o exercício
material da língua levado a cabo por este ou aquele indivíduo pertencente a uma comunidade linguística
específica” (BASTOS e CANDIOTTO, 2007, p.15).
De acordo com Bastos e Candiotto (2007, p.15), a linguagem é a capacidade do ser humano de comunicar-
-se com os semelhantes por meio de signos. É ao mesmo tempo física, psicológica e social e é realizada
sempre dentro do âmbito de uma língua, “inseparável de um contexto cultural específico, particular, de
uma comunidade linguística”.
Considerando então só o que estabelecemos anteriormente, é possível admitir que a Libras é uma língua,
porque permite que uma comunidade linguística particular, a comunidade surda, exerça sua capacidade
de comunicação, e ainda mais, se a fala é o modo de um elemento de uma comunidade linguística
exercitar sua língua, o surdo fala em Libras.
Mas, não foram considerações simplistas como as que fizemos aqui que permitiram afirmar, em bases
científicas, que a Libras é uma língua, sendo que este reconhecimento linguístico tem início com os
estudos descritivos do linguista americano William Stokoe em 1960. Antes disso, as línguas de sinais não
eram vistas como uma língua verdadeira, com gramática própria.
No Brasil, os primeiros estudos sobre a Libras foram realizados na década de 1980, por Lucinda
Ferreira Brito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Tanya Mara Felipe, da Universidade Federal
de Pernambuco e da FENEIS – Federação Nacional de Escolas e Instituições de Surdos, entidade
representativa máxima dos surdos brasileiros.
Atualmente, conta-se no Brasil com estudos sobre os aspectos gramaticais e discursivos da Língua
Brasileira de Sinais, produzidos principalmente pela Universidade Federal de Santa Catarina, pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Instituto Nacional de Educação e Integração dos
Surdos (INES).
Em 2001, foi lançado em São Paulo o Dicionário Enciclopédico Ilustrado de Libras, em um projeto
coordenado pelo Professor Doutor (Instituto de Psicologia/USP) Fernando Capovilla e, em março de
2002, o Dicionário Libras/Português em CD-ROM, trabalho realizado pelo INES/MEC e coordenado pela
Professora Doutora Tanya Mara Felipe.
LIBRAS | Educação a Distância 51
Os estudos que seguiram o trabalho pioneiro de Stokoe revelaram que as línguas de sinais eram
verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos que a linguística de então colocava
para as línguas orais como, por exemplo, os níveis de articulação da linguagem: fonológico, semântico,
morfológico e sintático.
Dito de outra forma: para poderem chegar à conclusão de que as línguas de sinais constituem-se em
um idioma, foram feitos muitos estudos, sustentados quase sempre na parte da linguística que faz a
comparação entre duas ou mais línguas, que é denominada de linguística contrastiva. A linguística
contrastiva é uma parte da linguística geral, que estuda as similaridades e diferenças estruturais entre a
duas línguas. Essa comparação é feita nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico.
Fonológico: estuda os fonemas que são a menor unidade distintiva da palavra – por exemplo, na palavra
fala a letra f representa o fonema /f/ (fê), se refere aos sons em uma língua oral.
Morfológico: estudo da forma das palavras, como elas são construídas. Sua unidade mínima é o morfema
que é a unidade mínima significativa. Por exemplo: estud/ei; estud/amos e estud/ante. A identidade de
significado das três formas é devido ao morfema estud, que é igual nas três palavras.
Sintático: estuda como as palavras são organizadas em uma frase. Isto é, sabemos que as palavras são
combinadas, segundo regras determinadas, para formar frases e orações. Por exemplo: eu estudei muito
ontem.
Semântico: estuda o significado ou sentido das palavras dentro de uma organização textual (e contextual).
A Libras também possui suas unidades mínimas distintivas, os queremas (que na língua oral são os
fonemas), que combinados produzem unidades significativas, os sinais, que obedecem a regras para
constituírem frases, que combinadas produzem contextos. Utilizamos aqui, propositadamente a palavra
contextos, porque a Libras é uma língua falada e a palavra texto remete à produção escrita.
Os estudos de Stokoe (1968) mostraram que os sinais não eram apenas imagens, mas símbolos abstratos
complexos, com uma complexa estrutura interior.
Foi Stokoe (1968) quem estabeleceu que cada sinal é composto por três parâmetros básicos: a configuração
das mãos (CM); o movimento das mãos (M) e o ponto de articulação (PA) ou Locação (L), que é o lugar
do espaço onde as mãos se movem.
A partir da década de 1970, o foram aprofundados os estudos fonológicos sobre a Língua de Sinais
Americana (American Sign Language – ASL) dos quais resultou a descrição de um quarto parâmetro: a
orientação (O). Um parâmetro básico ou primário são componentes de uma palavra (no caso das línguas
orais) ou de um sinal, que, se for alterado, altera o significado da palavra ou sinal.
Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em linguística, o
nome de “par mínimo”. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se diferenciam significativamente
pela alteração de um único fonema: a substituição do /p/ por /r/. No nível lexical, temos em Libras
pares mínimos como os sinais grátis e amarelo (que se opõem quanto à CM), churrascaria e provocar
(diferenciados pelo M), ter e Alemanha (quanto à L) (GESSER, 2009, p.15).
As unidades mínimas podem ser produzidas simultaneamente, e a variação de uma delas pode alterar
o significado do sinal. Elas não têm significado isoladamente. Um sinal é constituído por mais de uma
unidade mínima, por exemplo, o sinal de “televisão” envolve, simultaneamente, configuração de mão,
ponto de articulação, movimento e a orientação de mão.
TELEVISÃO
Alguns estudiosos consideram ainda, como parâmetros da Língua de Sinais, aspectos não manuais, as
expressões faciais e corporais que são muito utilizadas pelos surdos para produzir informações linguísticas.
No caso das línguas de sinais, as expressões faciais (movimento de cabeça, olhos, boca, sobrancelhas,
bochechas) não servem apenas para complementar informações, são elementos gramaticais que
compõem a estrutura da língua.
Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma análise linguística da Língua Brasileira de Sinais. De acordo
com esse estudo, alguns dos aspectos fonológicos da Língua Brasileira de Sinais são:
• As línguas de sinais são visual-espaciais (ou espaço-visual), pois a informação linguística é recebida
pelos olhos e produzida pelas mãos.
• Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais são processados simultaneamente e não
linearmente como ocorre na língua oral.
• Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movimentam no espaço em
frente ao corpo e articulam sinais em determinadas locações nesse espaço. Entretanto, os movimen-
tos do corpo e da face também desempenham funções.
• Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No caso de uma mão, a articulação ocorre pela
mão dominante.
• Um mesmo sinal pode ser produzido pela mão esquerda ou direita.
Assim, a Libras tem sua estrutura gramatical organizada a partir de alguns parâmetros que estruturam
sua formação nos diferentes níveis linguísticos: a Configuração da(s) mão(s)-(CM), o Movimento - (M), o
Ponto de Articulação - (PA) e a Orientação das mãos (O) e as componentes não manuais, que são as
expressões faciais e corporais.
Configuração de mão (CM): as configurações de mãos têm sido coletadas nas principais capitais
brasileiras, nas comunidades de surdos. A configuração de mão é o ponto de partida da articulação
do sinal. Uma mesma configuração de mão possibilita a produção de vários sinais. Por exemplo, a
configuração mão em “L” está presente nos sinais de “televisão”, “trabalho”, “papel”, “educação”, entre
outros. Ferreira-Brito (1995) propõe 46 configurações de mão. Atualmente, o dicionário digital de Língua
Brasileira de Sinais organizado pela Acessibilidade Brasil (disponível em: <www.acessobrasil.org.br>)
apresenta 73 configurações.
F G H I
J K L M N
O P Q R S
Y Z Ç
A Libras não se resume a escrever as palavras utilizando o alfabeto digital. A escrita datilológica, que é
como é denominado esse tipo de escrita, só é utilizada para nomes próprios ou para palavras que ainda
não possuem um sinal ou que não pode ser facilmente representada por um classificador icônico. Outro
aspecto a se destacar é que a escrita datilológica não é a escrita de sinais, isto é, se utiliza a escrita
datilológica na fala, em conversas. A datilologia é uma forma de comunicação em Libras fundamentada
essencialmente no alfabeto datilológico e é diferente da soletração.
A soletração é feita em Libras, letra por letra, da mesma forma que na Língua Portuguesa, por exemplo,
soletrando com a mão, o nome Maria (escrita ou fala) – M-a-r-i-a (soletração),
M A R I A
A datilologia difere da soletração porque não reproduz todas as letras da palavra, mas, dito de maneira
simplificada, soletra um resumo da palavra para agilizar a comunicação. Por exemplo, PAI, em fica
datilologia P-I, sem o A. Observe os exemplos a seguir:
Nesse exemplo, o que distingue a datilologia da palavra VAI (VI) da soletração da palavra VI é o contexto
em que ocorre a conversação.
Os nomes podem ser transmitidos por datilologia, quando o surdo está alfabetizado, mas a
comunidade surda prefere a prática de atribuir um sinal que identifica cada pessoa. Esse sinal
adjetiva características físicas da pessoa. Por isso, dois meninos chamados Jonatas, por exemplo,
podem ter sinais diferentes um do outro, porque um tem uma covinha no queixo e o outro tem o
cabelo encaracolado. Também pode acontecer de dois alunos de nomes diferentes terem o sinal
parecido (REILY, 2004, p.132).
Movimento (M): o movimento é uma importante unidade mínima. Além de participar ativamente na
produção do sinal, ele dá graça, beleza e dinamismo a essa língua.
As pessoas ouvintes ao usarem a língua de sinais o fazem, normalmente, de maneira mais estática.
Isso ocorre porque o movimento, embora seja uma parte integrante da língua, é realizado com mais
propriedade pelos surdos, que são visuais, mais fluentes em relação aos ouvintes e conhecem a língua
profundamente.
Sabe-se que associar à produção do sinal aspectos como o movimento e as expressões não manuais não
é algo simples para os ouvintes. Essa habilidade exige muita competência e fluência na língua, além de
uma boa coordenação motora, domínio do movimento e orientação no espaço.
Cabe destacar, então, que para que haja movimento é preciso haver espaço. Portanto, o movimento é
indissociável do espaço. As variações do movimento servem para diferenciar itens lexicais como, por
exemplo, nome e verbo, para indicar a direcionalidade do verbo, por exemplo, o verbo “olhar” (e olhar para)
e para indicar variação em relação ao tempo dos verbos como, por exemplo, olhe para, olhe fixo, observe,
olhe por um longo tempo, olhe várias vezes. Os movimentos se diferenciam pela direcionalidade, tipo e
orientação das mãos.
Quanto à direcionalidade o movimento pode ser: unidirecional (proibir e mandar); bidirecionais (discutir,
julgamento) e multidirecionais (incomodar, pesquisar). Em relação ao tipo, os movimentos podem ser
retilíneos (encontrar, estudar); helicoidal (macarrão, azeite); circular (brincar, preocupar), semicircular
(surdo, coragem); sinuoso (Brasil, navio) e angular (raio, difícil).
Orientação das mãos (O): é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção do sinal. É
possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão em Libras: para cima, para baixo, para
o corpo, para frente, para a direita e para a esquerda. Também pode ocorrer a mudança de orientação
durante a execução de um sinal como, por exemplo, no sinal para montanha.
Ponto de Articulação (PA): o ponto de articulação é a segunda principal unidade mínima. É o lugar
do corpo onde será realizado o sinal. Os sinais podem ser produzidos envolvendo quatro pontos de
articulação: tronco, cabeça, mão e espaço neutro e subespaços (nariz, boca, olho etc.). Muitos sinais
envolvem um movimento indo de um ponto de articulação para outro. Mesmo assim, cada sinal tem
apenas um ponto de articulação, mesmo que ocorra um movimento de direção. Se dois sinais possuem
a mesma configuração de mão e mesmo movimento, mas pontos de articulação diferentes, eles são
diferentes como, por exemplo, os sinais para amar, ouvir, aprender e laranja, diferem entre si apenas pelo
ponto de articulação.
Além desses parâmetros, a Libras conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão
facial e o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar significados entre sinais. As
expressões não manuais envolvem movimento da face, dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão
facial e a corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando mais sentido à
Libras e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal.
Os sinais são executados em Libras dentro de um espaço bem definido, que abrange a área delimitada
pelos quadris e o topo da cabeça. É a manipulação dos sinais no espaço que estabelecem as relações
gramaticais na Libras. A informação gramatical se apresenta simultaneamente com o sinal e é produzida
por mecanismos espaciais que envolvem dois aspectos: a incorporação, usada, por exemplo, para
expressar localização, número, pessoa; e o uso de sinais não manuais, como movimentos do corpo e
expressões faciais.
Há várias maneiras de estabelecer os pontos no espaço, a mais comum é a apontação explícita envolvendo
referentes presentes (apontação feita à frente do sinalizador direcionada para a posição real do referente)
e não presentes (apontam-se pontos arbitrários no espaço). Todos os referentes estabelecidos no espaço
ficam à disposição do discurso para serem referidos novamente.
É o uso adequado do espaço que permite, por exemplo, que sejam feitas narrativas em Libras.
Usuários de sinais da comunidade surda são ótimos contadores de história. A expressividade da
face e dos movimentos corporais, aliada às configurações de mão, cria a dinâmica do relato que o
ouvinte produz com a cadência da voz. Quem domina a Libras é capaz de materializar a imagem do
pensamento diante dos olhos do seu interlocutor. Diferentemente do ouvinte, que usa a modulação
da voz e a gramática, as modalidades para produzir sentidos em sinais são visuais, espaciais e
rítmicas (REILY, 2004, p.132).
Além da apontação, a direção do olhar e a posição do corpo também servem para estabelecer referentes,
por exemplo, no sinal de “entregar para alguém”, o olhar acompanha o movimento da mão ativa.
Como exemplo, temos a fala de um surdo: “Menina não olhar igual eu olhar para ela”. Aqui tem-se o verbo
olhar usado duas vezes, o que tornaria o texto redundante em Língua Portuguesa, mas correto em Libras
A intenção era de comunicar a distância entre o olhar indiferente da menina (aspecto pontual – sinal de
olhar) e o olhar apaixonado de seu admirador (sinal de olhar longamente), com isso o indivíduo usou o
mesmo verbo por duas vezes, mas com modulação nos sinais.
As frases em Libras, a exemplo da Língua Portuguesa, podem ser afirmativas, exclamativas, interrogativas
e negativas. Como não existe entonação (ou modulação) em Libras, que é o que especifica as diferenças
entre frases afirmativas, exclamativas, imperativas e interrogativas na Língua Portuguesa (a modulação
do som), são as expressões faciais e corporais que estabelecem os diferentes tipos de frases em Libras.
Assim, as expressões faciais são essenciais para determinar o tipo de frase, isto é, se a frase é afirmativa,
a expressão facial é neutra. Para frases exclamativas, as sobrancelhas devem ficar levantadas e
acompanha um ligeiro movimento da cabeça inclinando-se para cima e para baixo.
AFIRMATIVA EXCLAMATIVA
Em uma frase imperativa, a ordem é dada pelo sinal convencional acompanhado de expressão séria ou
zangada: Cala a boca!
IMPERATIVA
INTERROGATIVA
As frases negativas podem ser expressas de mais de uma maneira: alterando o parâmetro movimento (por
exemplo: ter e não ter) ou incorporando a expressão facial ao sinal sem alterar nenhum parâmetro, mas
em qualquer tipo de negativa, a expressão facial é importante, como sobrancelhas levemente franzidas.
Negação sem alterar nenhum parâmetro: com o rosto balançando ou o dedo (significando não), por
exemplo: conhecer e não conhecer; pensar e não pensar; casar e não casar
E/OU
Alterando parâmetros: o sinal já tem a negação como, por exemplo: ter e não ter; gostar e não gostar;
querer e não querer. Não precisamos falar NÃO VER porque o sinal é diferente. Observe:
Outro aspecto importante para o qual é preciso chamar a atenção, é que sinais não são gestos! Os
gestos são considerados traços paralinguísticos ou extralinguísticos das línguas orais, isto é, movimento
ou expressão que complementa a palavra falada (como no caso da linguagem corporal, os gestos que um
professor utiliza para deixar mais claro o que deseja explicar para seu aluno), ou mesmo permite que se
tenha uma mínima comunicação, contextualizada e quase sempre referente a coisas concretas, como a
que ocorre entre pessoas que não falam a mesma língua. No caso dos sinais, eles permitem expressar
sentimentos, argumentos científicos, filosóficos, políticos, literários, artísticos etc.
Para finalizar esta apresentação dos aspectos gerais da Libras, resta tratarmos dos Classificadores (CLs),
que são estruturas visuais fortemente icônicas.
CLASSIFICADORES - C L
Os Classificadores ou Classificador (CL) em Língua de Sinais Brasileira – LSB – são morfemas que
existem em línguas orais e línguas de sinais. Entre as primeiras, as línguas orientais são as que mais
No caso específico da Libras, o classificador visual é um auxiliar da língua de sinais para determinar
as especificidades e “dar vida” a uma ideia ou de um conceito ou de signos visuais. Isto significa que o
Classificador representa forma e tamanho dos referentes, assim como características dos movimentos
dos seres em um evento, tendo, pois a função de descrever o referente dos nomes, adjetivos, advérbios
de modo, verbos e locativos.
A nomeação Classificadores (CLs) para esses “auxiliares”, importantíssimos para as línguas de sinais, foi
atribuída pela comunidade de linguistas para comparar com as funções da língua falada ou oral e suas
estruturas gramaticais. Para os pesquisadores surdos, essa estrutura gramatical da Libras ainda está à
procura de uma definição adequada para nomeá-la de acordo com as perspectivas viso-espaciais.
Na Libras, os classificadores são formas representadas por configurações de mão que podem vir junto
de verbos de movimento e de localização para classificar o sujeito ou o objeto que está ligado à ação do
verbo.
Muitos classificadores são icônicos em seu significado pela semelhança entre a sua forma ou o tamanho
do objeto a ser referido. Como os classificadores, obedecem a regras de construção e são representados
sempre por configurações de mãos específicas associadas a expressões faciais, corporais e à localização,
isto é, aos parâmetros da Libras, apesar de serem icônicos, não podem ser considerados como mímica.
Exemplos: árvore, forte, carro, telefone, borboleta, mesa, revolver, sorriso, triste, pensar, beijo, vestir.
VESTIR
Esses sinais são muito parecidos com as coisas que estão representando, mas não é mímica porque usa
configuração de mãos, movimento, orientação, ponto de articulação e expressões não manuais.
O fato de a Libras utilizar classificadores icônicos e mesmo de possuir um grau elevado de sinais
icônicos não significa dizer que a Libras é mímica, pois “a iconicidade é utilizada de forma convencional e
sistemática” (FERREIRA BRITO, 1995, p.108).
Em uma interpretação ou aula, existem algumas palavras que não possuem um sinal próprio e é aí que
são usados os classificadores icônicos, ou que possuem semelhança com o que estão descrevendo. No
contexto escolar os classificadores são importantes em todas as disciplinas, principalmente na Física ou na
Matemática. Sabemos que para essas matérias muito dos conteúdos não têm sinais correspondentes aos
termos utilizados, mas a explicação pode ser compreendida se usarmos os classificadores corretamente.
A expressão facial e a corporal são muito importantes para os classificadores.
Dito de outra forma, classificador é uma representação da Libras que mostra claramente detalhes
específicos, permitindo a descrição de pessoas, animais e objetos, bem como sua movimentação ou
localização. Os classificadores são muito importantes, pois ajudam construir a estrutura sintática da Libras.
Mais exemplos:
PRATOS EMPILHADOS
JANELA
BOTÕES MOEDA
OPEROU O CORAÇÃO
OPEROU OS OLHOS
BOMBA ATÔMICA
GATO ANDANDO
COMER MACARRÃO
COMER MAÇÃ
Embora no texto anterior nossa principal preocupação tenha sido apenas a de descrever a Libras em seus
aspectos gerais, algumas crenças já foram “destruídas”, como a de que as línguas de sinais não possuem
gramática. A Libras tem gramática própria e se apresenta estruturada nos mesmos níveis das línguas
orais, a saber: fonológico, morfológico, sintático e semântico, não podendo, portanto, ser considerada
Para demonstrar que a língua de sinais não é mímica, foram realizadas diversas pesquisas em que
pessoas que não conheciam nenhuma língua de sinais para demonstrar, usando gestos, algumas palavras.
A principal constatação foi a de as mímicas utilizadas pelos não sinalizadores eram muito mais detalhadas
(porque pretendiam representar o objeto) do que os sinais que as representavam. “A pantomima quer fazer
com que você veja ‘o objeto’, enquanto o sinal quer fazer com que você veja o símbolo convencionado
para esse objeto” (GESSER, 2009, p.21).
Outra constatação importante a que já chegamos é a de que a língua de sinais não é o alfabeto
digital. Vimos que este é um recurso utilizado pelos surdos sinalizadores para soletrar manualmente as
palavras (soletração e datilologia). Assim, apesar de possuir uma importante função na interação entre
sinalizadores, o alfabeto digital não é uma língua, e sim apenas um código para a representação manual
das letras alfabéticas. Detalhe importante: a soletração só é possível entre interlocutores alfabetizados.
É nesse sentido que as crianças surdas, ainda em processo de alfabetização da escrita oral, poderão
ter também dificuldade com essa habilidade. Mais uma prova para desconstruir a crença de que a
língua de sinais pudesse ser o alfabeto manual/datilologia, afinal, para ser compreendido e realizado
o abecedário precisa ser ensinado formalmente (GESSER, 2009, p.33).
O alfabeto digital da Libras não é o mesmo que é utilizado pelos surdos-cegos que precisam pegar na
mão do interlocutor para nela produzir o sinal.
Outro aspecto que abordamos, e recorremos a Vigotsky para isso, foi o de que a comunicação manual
é algo inerente ao ser humano e já existia entre os hominídeos pré-históricos, sendo, portanto, natural.
Dizemos que uma língua é artificial, quando é construída por um grupo de indivíduos com um objetivo
específico, como o caso do “esperanto”, língua criada pelo russo Ludwik Zamenhof em 1887, com o objetivo
de estabelecer uma comunicação internacional fácil. De maneira semelhante, foi criado o Gestuno, com
a intenção de ser uma língua de sinais universal e que foi apresentado pela primeira vez em 1951 no
Congresso Mundial da Federação Mundial dos Surdos, mas que não conseguiu aceitação plena entre os
surdos, por ser inventada. Portanto, a língua de sinais não é artificial!
A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve origem na sistematização
realizada por religiosos franceses, desenvolvida a partir de 1760, particularmente pelo abade L´Épée, que
foi o primeiro a reconhecer a necessidade de usar sinais como ponto de partida para o ensino.
L’ Épée se interessou pelos surdos quando teve de dar prosseguimento à educação religiosa de duas
irmãs gêmeas surdas, que estavam sendo educadas utilizando gravuras. Decidiu mudar a metodologia
utilizada anteriormente, porque achava que desta forma a compreensão das meninas ficaria restrita ao
significado físico da imagem, sendo impossível transmitir por figuras o sentido mais profundo da fé.
Resolveu ensinar linguagem pelos olhos, em vez de pelos ouvidos, apontando os objetos com uma
mão e escrevendo o nome correspondente numa lousa, com a outra. [...] logo as meninas estavam
lendo e escrevendo os nomes das coisas. No entanto, esse sistema não permitia maiores avanços,
porque não contemplava nenhuma gramática, nem sentidos abstratos, essenciais para o ensino
religioso, restringindo-se à nomeação de objetos presentes, visíveis, perceptíveis pelos sentidos. [...]
L´Épée aprendeu os sinais com suas alunas surdas, adaptou-os e acrescentou outros, desenvolvendo um
método para aproximar os sinais da língua francesa, os quais ficaram conhecidos como Sinais Metódicos.
Em 1775, De L’Epée fundou uma escola para surdos, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, na
qual professores e alunos usavam os chamados sinais metódicos. A proposta educativa da escola era que
os professores deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os surdos; eles aprendiam com os
surdos e, com essa forma de comunicação, ensinavam o francês falado e escrito.
Diferente de outros professores que escondiam seus métodos, L’Epée divulgava seus trabalhos em
reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual
divulgava suas técnicas. Seus alunos usavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o
lugar de professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos puderam destacar-se e ocupar
posições importantes na sociedade de seu tempo, além de haverem escrito vários livros falando de suas
dificuldades de comunicação e dos problemas causados pela surdez.
A escolarização do surdo brasileiro teve seu início ainda no período imperial, em 1855, com a chegada
do professor surdo francês Ernest Huet. Ele veio para cá a convite do imperador D. Pedro II, para iniciar
um trabalho de educação de duas crianças surdas. Estas tinham bolsas de estudo que eram pagas pelo
governo.
Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional
de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais. Esta língua de sinais que deu origem à
Libras, constitui-se, naturalmente, pela interação da Língua de Sinais francesa (LSF), já constituída em
seus aspectos gramaticais, com conjunto de sinais utilizados pelos surdos brasileiros.
Com este breve histórico mostramos que a língua de sinais não é universal, isto é, existe diferença
entre as línguas de sinais utilizadas em países diferentes. No caso do Brasil, a língua brasileira de sinais é
denominada Libras e é, portanto, brasileira, não podendo ser considerada como uma língua estrangeira.
A Libras é considerada uma língua nativa, de falantes nativos e brasileiros, que é utilizada em todo território
nacional ao lado da língua oficial – o Português – e ao lado de outras línguas também praticadas no país,
como as diferentes línguas das comunidades indígenas. Assim, a Libras é a língua materna e constitutiva
do falante surdo, estruturante do seu inconsciente e de fundamental importância para a construção da sua
subjetividade e identidade. Estudos linguísticos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros confirmam
que a Libras é uma língua que, como qualquer outra, tem uma sintaxe, uma semântica, uma morfologia
e uma gramática própria, não se tratando, absolutamente, de um conjunto de gestos, mímica ou de
Português sinalizado.
Já comentamos, mas é importante destacar que as línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem
todas as funções de uma língua natural, mesmo assim ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas
diante das línguas orais, sendo consideradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como
Além das características icônicas, alguns preconceitos a respeito das línguas de sinais fortalecem a
ideia de uma língua de sinais única como, por exemplo, considerar que a comunicação por gestos é
intuitiva e espontânea e, portanto, a língua de sinais deveria ser a mesma para todos os surdos. Ora,
primeiro, já mostramos que gestos e sinais são coisas diferentes. Os gestos podem ser associados à
mímica e, portanto, uma comunicação intuitiva. Já os sinais são símbolos e, portanto, arbitrários, porém
convencionados por seus usuários.
Mas existe uma diferença importante entre as línguas de sinais e as orais. Quando surdos de diferentes
nacionalidades se encontram, mesmo um não conhecendo a língua de sinais do outro, acabam se
comunicando com mais facilidade que os ouvintes.
Isso se deve, de acordo com Felipe (2009, p.20), “à capacidade que as pessoas surdas têm em desenvolver
e aproveitar gestos e pantomimas para a comunicação e estarem atentos às expressões faciais e corporais
das pessoas”. Outra coisa que facilita essa comunicação é o fato dessas línguas terem muitos sinais que
se assemelham às coisas representadas.
Os linguistas que estudaram as línguas de sinais de diferentes países concluíram que, embora haja
semelhanças entre as línguas de sinais e as orais, os chamados “universais linguísticos” permitem
identificá-las como línguas e não linguagens como as utilizadas pelos animais em suas comunicações,
elas apresentam diferenças consideráveis entre si, e essas diferenças não dependem das línguas orais
utilizadas nesses países. Por exemplo: Brasil e Portugal possuem a mesma língua oral oficial, o português,
mas as línguas de sinais destes países são muito diferentes. A mesma coisa acontece com os Estados
Unidos e a Inglaterra. Isto significa que a língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do
país. As línguas de sinais são completamente independentes das línguas orais dos países em que
são produzidas. Também acontece que países diferentes usem a mesma língua de sinais, como é o caso
da língua de sinais americana que é utilizada pelos Estados Unidos e Canadá.
Da mesma forma que acontece com as línguas faladas oralmente, quando algumas possuem as mesmas
raízes como, por exemplo, o Português, o Espanhol e o Italiano, existem correspondências entre as línguas
de sinais de diferentes países. A Libras e a Língua Americana de Sinais (ASL) possuem as mesmas
raízes, pois são derivadas da LSF – Língua de Sinais Francesa. Além disso, existem igualmente variações
dentro das mesmas, assim como há regionalismos e dialetos em línguas orais. Essas variações se devem
a culturas diferentes e influências diversas no sistema de ensino, por exemplo.
Dessa forma, é fundamental que você se conscientize de que não é possível falar em Libras e em
português ao mesmo tempo. A Libras é falada de boca fechada! As pessoas ouvintes, que não são
fluentes em Libras, costumam misturar as duas línguas na comunicação com surdos e acabam por utilizar
os sinais da língua de sinais, mas com a estrutura da Língua Portuguesa. Normalmente, o surdo não
compreende essa mistura de línguas, pois a construção de sentido depende da estrutura e, portanto, da
fidelidade à gramática da língua de sinais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta unidade, discutimos os aspectos gerais da Libras. Não abordamos neste curso, por ser
uma disciplina de pós-graduação e entendermos que muitos de vocês já cursaram esta disciplina na
graduação, a construção de vocabulário em Libras. Nosso objetivo, conforme explicitamos na introdução,
era apresentar/recordar os aspectos gerais da Libras e desvelar a língua de sinais mediante a discussão
das principais dúvidas sobre estes assuntos já estabelecidas por diferentes autores e vivenciadas por nós,
em nossa caminhada pela interface dos mundos surdo e ouvinte.
• As línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções de uma língua natural,
mesmo assim ainda sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, sendo consi-
deradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais
icônicos.
• A língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As línguas de sinais são com-
pletamente independentes das línguas orais dos países onde são produzidas.
• Não é possível falar em Libras e em português ao mesmo tempo. A Libras é falada de boca fecha-
da!
• Sempre que possível tente falar em Libras com seus colegas e estude em casa.
Apresentamos, a seguir, um parágrafo do livro de Gesser (2009, p.77) que possibilita uma interessante reflexão
sobre o surdo e a importância da Língua de Sinais.
“É comum ouvirmos as pessoas falarem que o surdo é muito irritado, agressivo, nervoso e até débil mental. O
fato é que esses estereótipos são construídos com base em paradigmas inapropriados, criados por aqueles que
insistem em educar os surdos através da língua oral, uma língua totalmente alheia a sua forma visual de perceber
e de se expressar no mundo. Quando os surdos são abordados e educados através da língua de sinais, nenhum
desses “problemas” de ordem social se apresenta. Sacks (1990: 11) ilustra vários casos de surdos que sofrem
por conta da barreira lingüística que tinham de enfrentar, isto é, a educação via língua oral, mesmo dotados
da capacidade natural para construir e adquirir conhecimentos. Da perspectiva dos ouvintes, a interação entre
surdos e ouvintes é limitada, truncada e emocionalmente problemática, dado o tipo de educação e de língua que
lhes são impostos. Então, os surdos estão longe de serem estúpidos ou deficientes mentais, pois viveram (e
vivem?) uma situação que os põe em desvantagem em relação ao ouvinte em todos os aspectos, especialmente
no tocante à proibição e à falta de uso da língua de sinais na vida escolar” (GESSER, 2009, p.77).
Como o surdo não consegue adquirir a língua oral de maneira natural ele vai conhecer o mundo pela visão, en-
contrando na Língua de Sinais, a maneira de se inserir no mundo em que vive e de organizar o seu raciocínio. An-
tes das pesquisas desenvolvidas a partir da década de 1960, a concepção reinante sobre as línguas de sinais era
a de que elas não seriam como as línguas orais, talvez por causa da forte característica icônica dessas línguas.
Você pode aprender muito mais sobre Libras fazendo o download do livro Educação Especial Língua Brasileira
de Sinais: série atualidades pedagógicas 4 - volume III no endereço: <www.dominiopublico.gov.br>.
Você encontrará muitas informações acerca da Libras, referências bibliográficas, links importantes, pesquisas
atuais etc., em <www.dicionarioLibras.com.br> e em <www.aprendoLibras.blogspot.com>.
1. Estude o alfabeto manual. Faça cada configuração de mãos em frente ao espelho. Lembre-se: o
sinal deve ser feito “virado” para o seu interlocutor, e não para você. Assim, olhando no espelho você
deve enxergar o sinal tal como se apresenta no texto. Soletre cada uma das seguintes palavras:
CASA, PAULO, ÁRVORE, CARRO, LIQUIDIFICADOR, SÃO PAULO, MARIA, ANA MARIA, COM-
PORTAMENTO.
2. Em sua opinião, existem mais semelhanças ou diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa?
Justifique.
3. Escreva com suas próprias palavras o que você entendeu acerca dos parâmetros primários (CM, M,
PA) e secundários (expressão facial e corporal) da Libras.
4. Tente “criar” alguns classificadores. Imagine a situação como realmente aconteceria e faça sinais
icônicos. Mostre para alguém e veja se a pessoa consegue entender o que você está tentando co-
municar. Alguns exemplos de situações são apresentados a seguir, mas você pode imaginar outras.
No vídeo, estaremos representando corretamente, mas só recorra ao vídeo depois que você tentou
criar seus próprios classificadores. Compare suas “criações” com os classificadores adequados.
Objetivos de Aprendizagem
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
Em uma língua oral ou escrita, sabemos que os fonemas dão origem aos morfemas que, combinados,
constituem as palavras, as quais, por sua vez, constituem as frases que irão formar os parágrafos que
compõem o texto ou discurso. Para cada uma dessas etapas, existem regras, ou seja, embora todas
as línguas, sejam elas orais ou de sinais, apresentem a produtividade como característica, o que torna
possível combinar fonemas, morfemas ou palavras de várias formas para a produção de novos conceitos,
existem regras que determinam a posição que cada elemento pode ocupar.
Podemos dizer ou escrever as quatro primeiras frases, porque estão de acordo com as regras da Língua
Portuguesa, enquanto que as duas últimas não poderiam ser ditas ou escritas, porque as normas não
permitem. O mesmo acontece com a Libras.
Observemos então a frase número 1. Ela está construída obedecendo ao modelo: Sujeito (S) Verbo (V)
Objeto (O), que é resumido por SVO; na frase 2, a ordem é OSV e na terceira, o modelo é SOV e na frase
4, VOS. Os dois primeiros modelos são os mais usuais na Língua Portuguesa, a ordem da frase 3, já não
é tão usual e a da frase 4, praticamente só é utilizada na língua culta.
Em relação à ordem das frases na Língua Brasileira de Sinais, de acordo com Quadros e Karnopp
(2004), a construção SVO (sujeito – verbo – objeto) é a mais comum, embora sejam encontradas também
construções do tipo SOV e OSV.
Os advérbios temporais e de frequência não podem interromper uma relação entre o verbo e o objeto. Os
advérbios temporais podem estar antes ou depois da oração (por exemplo: João comprar carro amanhã ou
Amanhã João comprar carro). Os advérbios de frequência podem estar antes ou depois do complemento
(por exemplo: Eu bebo leite algumas vezes ou Eu algumas vezes bebo leite).
No que se refere aos advérbios de tempo, de frequência e de modo, a Libras, assim como outras línguas
orais e de sinais, modula o movimento dos sinais para distinguir entre os aspectos pontual, continuativo
O aspecto pontual se caracteriza por se referir a uma ação ou evento que aconteceu e terminou em algum
momento bem definido no passado. Por exemplo, em português, quando dizemos que “ele falou com você
ontem”, sabemos que a ação de falar aconteceu no passado, no momento “ontem”. Em Libras também é
parecido: “ELE FALAR VOCÊ ONTEM”.
O aspecto durativo ou continuativo (frequência) se refere a uma ação que continua, que não para no
tempo. Por exemplo: “Ele fala sem parar na aula”. A Libras não usa o mesmo sinal que usou para a frase
“ELE FALAR VOCÊ ONTEM”. A Libras tem um sinal diferente para FALAR SEM PARAR. Então é um sinal
para FALAR e um para FALAR SEM PARAR. Mas são sinais parecidos, o que muda é a intensidade e as
expressões faciais e corporais. FALAR SEM PARAR é derivado de FALAR por meio da adjunção da mão
esquerda e do alongamento dos movimentos.
A mesma coisa acontece com o verbo OLHAR. O sinal usado para indicar o aspecto pontual (sinal de
olhar) é mudado em um ou mais parâmetros e então vai representar o aspecto durativo. Por exemplo:
OLHAR VOCÊ ONTEM, VOCÊ NÃO ENXERGAR (usa o sinal de olhar só com o indicador), ELE OLHAR
LONGAMENTE FILHO (usa uma modificação do sinal de olhar – quatro dedos esticados).
Outra situação para o verbo olhar, no aspecto durativo, é a frase ELA PASSAR TODOS-OLHAR-
CONTINUAMENTE, indicando que todos olharam continuamente quando ela passou. Nesse caso, o sinal
de olhar, a configuração de mão e o ponto de articulação mudam. Com isso temos a formação de outra
palavra, com sentido durativo.
O aspecto iterativo é quando a ação ou evento acontece muitas vezes. Por exemplo: MARCELO VIAJAR
CURITIBA ONTEM é aspecto pontual e o sinal é o de viajar. Para dizer que MARCELO VIAJAR MUITAS
VEZES, o sinal é modificado em alguns parâmetros.
A Libras não pode ser estudada tendo como base a Língua Portuguesa, porque ela tem gramática
diferenciada, independente da língua oral. A ordem dos sinais na construção de um enunciado obedece
a regras próprias que refletem a forma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção
visual-espacial da realidade.
Assim, esta última unidade apresenta 15 diálogos contextualizados que, além de permitir que você recorde
o vocabulário básico da Libras e seus principais aspectos gramaticais, favorecem a conversação, que
nem sempre é privilegiada em cursos de curta duração em Libras.
Para cada diálogo, estabelecemos o tema, o contexto, o vocabulário e o tipo de frase envolvido. Você
deve procurar pelo vocabulário e o tipo de frase e, se não tiver um colega para realizar a conversação,
treine sozinho, com auxílio de um espelho. O importante é que você “converse”!
Só depois de você ter pelo menos tentado reproduzir os diálogos é que você deve consultar os vídeos que
estão disponibilizados com a gravação dos diálogos.
Uma observação: como na Libras não existem flexões de gênero, na transcrição de sinais utilizamos o
símbolo @, isto é, o símbolo @ é utilizado para representar sinais que, diferentemente do português, não
possuem marca para gênero (masculino/feminino). Assim, o sinal traduzido por fei@, por exemplo, pode
tanto ser usado para feio ou feia.
Finalizamos esta unidade com um texto que estabelece como é possível a escrita de sinais utilizando o
sistema SignWriting.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: saudações cotidianas.
Vocabulário: oi – boa tarde – tudo bem – qual – quem – nome – idade – sinal – meu – seu – dela – eu –
você – ela – família – mãe – pai – irmão – irmã - surda – certo – verdade – ter – querer- conhecer – viver
– morrer – mais – já – obrigado - Deus – que legal.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: cores.
Utiliza apontação.
Vocabulário: amarelo – cinza – preto – vermelho – branco – laranja – rosa- roxa – verde – marrom – prata
– ouro – azul – escuro e claro – carro – portão – casa – blusa – xadrez – gostar – jaqueta – obrigado – pai
– almoço – esposa – mulher – casar – fazer – macarrão – carne – molho – delicioso – atrasado – bolsa
– material – escola – usar – trabalhar – morar – ter – quem – de quem – qual – aquela – seu – meu – eu
– você – ela – irmã – essa – lá – já – agora – bonito – também – almoçar.
Fonte: PHOTOS.COM
Tema: família.
Vocabulário: legal – chato – bom – ruim – quieto – bagunça – educado – mulherengo – triste – coragem
– medo – alegre – feliz – mágoa – zangado – sério – gentil – honesto – falso – inteligente – burro –
estudioso – trabalhador – cuidar – ensinar – estudar – solteiro – casado – curto – comprido – paciência –
nervoso – preocupada – alto – baixo – gordo – magro – bonito – feio – cabelo (liso, enrolado, crespo, curto,
branquinho) – avô – avó – neto – namorado – sentir – jeito – tudo bem – onde – lanchonete – conhecer
– ok – conversar – bate-papo – convidar – duração – obrigado – gêmeos.
Fonte: PHOTOS.COM
Tema: espaço físico, móveis e eletrodomésticos residenciais.
Contexto: residência.
Utiliza apontação.
Vocabulário: construir – casa – sobrado – apartamento – própria – aluguel – financiar – tijolo – madeira
– janela – porta – telhado – lâmpada – esgoto – ferro – cimento – cal – gosta – verdade – jardim – flor –
árvore – piscina – bonito – chique –banheiro – quarto casal – quarto solteiro – sala tv – sala visita – sala
jantar – escritório – suíte – cozinha – churrasco – lavanderia – fique à vontade – conhecer – mostrar –
conhecer – fogão – geladeira – televisão – microondas – liquidificador – máquina de lavar – computador
– telefone – batedeira – ferro de passar – mesa – cadeira – cama.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: alimentação.
Vocabulário: supermercado – mercado – leite – bolo – manteiga – higiene – farinha de trigo – fermento
– açúcar – óleo – fubá – compras – papel – bolsa – alimentos – bebidas – material – higiene pessoal
– limpeza – sozinha – demorar – pressa – sempre – junto – precisar – cansada – demorar – farmácia –
correio – escolher – pegar – certo – ter – chegar – comprar – receita – xícara – colher de sopa – ovos
– assadeira – forno – esperar – desligar – esfriar – gastar – caro – durar – mês – agora – fazer – cozinhar
– aprender – ir – achar – o que – olhar – misturar – liquidificador – espalhar – ficar dourado – deixar –
crescer – colocar – depois.
Unte uma assadeira com manteiga, polvilhe farinha e despeje a massa. (COLOCAR MANTEIGA, DEPOIS
COLOCAR FARINHA SACUDIR ASSADEIRA. TIRAR LIQUIDIFICADOR COLOCAR ASSADEIRA.)
Assar em forno à temperatura de 180°, durante 50 minutos ou até crescer e dourar. (DEIXAR FORNO
180C 50 MINUTOS OU ESPERAR BOLO CRESCER FICAR DOURADO)
Retire do forno e deixe esfriar. (DESLIGAR FOGO TIRAR FORNO ESPERAR FICAR FRIO)
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: profissões.
Vocabulário: procurar – emprego – sentar – vaga – por favor – marcar – entrevista – professor –
substituto – técnico de informática – matemática – secretária – bancário – telefonista – produção – auxiliar
– administrativo – banco Itaú – empresa – entrevista – perto – boa sorte.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: profissões.
Vocabulário: precisar – atestado – vômito – enjoo – febre – gripe – pressão alta/baixa – examinar – fraco
– repouso – descansar – ter – plano de saúde – cartão – secretária – inchar – remédio – dores – atestado
– trabalho – por favor – quanto tempo – acontecer – exames – sangue – deixar – grátis – tio – irmão –
irmã – filha – esposa – arquiteto – administrador de empresas – advogado – juiz de direito – professor de
Libras – jornalista – enfermeira – engenheiro civil – profissão.
Fonte: PHOTOS.COM
Vocabulário: caixa – vendedor – pagar – vender – desconto – promoção – verdade – é mesmo – quantos
– ajudar – o que – por favor – desculpe – gostar – não gostar – adorar – dinheiro – cartão – cheque –
parcela – sentar – obrigada – de nada – volte sempre – blusa – verde – vermelho – cor escura – cor clara
– experimentar – jeans – bordado – levar – comprar – perfeita – tamanho – caixa – mesmo – gostar – não
gostar – loja – sua – à vista – troco – sacola – querer.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Utiliza apontação.
Observação: Nesta situação temos dois diálogos diferentes: o primeiro se dá na escola, entre o aluno e
a coordenadora. Representamos a coordenação da escola por C e o aluno por A. Na segunda parte, o
aluno retorna para casa e conversa com sua mãe. Representamos a mãe por M e o filho por F.
Vocabulário: sala de professor – banheiro – biblioteca – cantina – sala de aula, reunião – coordenador
– diretoria – estacionamento – quadra – campo de futebol – faculdade – universidade – formar – reprovar
– aprovar – ensinar – aprender – professor – aluno – mensalidade – privada – pública – estudar – estudos
– sempre – amar – pagar – lutar – futuro – até – doutorado – esforçar – gostar – conhecer – querer –
espaço – escola – grande – bonita – verdade – orgulho – nunca – mãe – filho.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: lugares públicos.
Neste diálogo estão envolvidas três pessoas: pai (P), mãe (M) e filho (F).
Vocabulário: viajar – passagem – rodoviária – ônibus – aeroporto – avião – Brasil - região – norte – sul
– sudeste – centro-oeste – RS – SC – PR – SP – MS – MT – MG – ES – RJ – BA – MA – TO – GO – AM
– AC – RO – RM – AP – PA – MA – CE – RN – PE – PI – PA – AL – DF – estado – país – capital – Curitiba
– Florianópolis – Campo Grande – Cuiabá – Belo Horizonte – excursão – passeio – trabalho – férias –
visitar – família – clima – chover – calor – frio – turismo – turista – guia – praia – montanhas – cidade –
decidir – orçamento - enviar.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: países do mundo.
Vocabulário: viajar – turista – guia de turismo – morar – conhecer – só – único – futebol – Copa do
Mundo – enviar – e-mail – avião – guardar dinheiro – pacote turístico - Europa – França – Itália – Portugal
– Espanha – Alemanha – Suíça – Suécia – Noruega – Inglaterra – Polônia - Áustria - Ásia – China - Índia
– Rússia – Japão – Coreia do Norte – Coreia do Sul - África – Egito – África do Sul – Arábia – América
do Norte – EUA – México – Canadá – América Central – Cuba – América do Sul – Venezuela – Colômbia
– Brasil – Bolívia – Peru – Paraguai – Argentina – Chile – Uruguai – Oceania – Austrália.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: passeio no Zoológico - classificadores sobre animais em geral.
Contexto: zoológico.
Utiliza apontação.
Vocabulários: animais domésticos – cavalo – boi – vaca – porco – cachorro – gato – aves – tucano
– papagaio – pato – arara – beija-flor – animais selvagens – leão – onça-pintada – onça-preta – tigre –
elefante – rinoceronte – hipopótamo – zebra – búfalo – veado – alce – macaco – gorila – jacaré – cobra
– urso –– aquário – tubarão – golfinho – baleia – foca – pinguim – polvo – siri – caranguejo – tartaruga
– ostra.
Fonte: SHUTTERSTOCK.COM
Tema: dia do seu aniversário.
Vocabulário: anos – ano – hora – horas – ontem – hoje – amanhã – fim de semana – 2 semanas – 3
semanas – 4 semanas – 8 semanas – mês – 1 mês – 2 meses – 3 meses – 4 meses – 5 meses – 6 meses
– segunda-feira – terça-feira – quarta-feira – quinta-feira – sexta-feira – sábado – domingo – todos dias.
Observações: existem diferentes sinais para ano (idade), ano (duração), ano determinado (exemplo ano
de nascimento, este ano); ano que vem, ano passado. Também os sinais para hora mudam, quando o
sentido é duração (viagem de 4 horas) ou hora determinada (4 horas da tarde).
Fonte: PHOTOS.COM
Tema: meses do ano – datas comemorativas – estações do ano.
Vocabulário: janeiro – ano novo – fevereiro – carnaval – março – outono – abril – Páscoa – Tiradentes
– dia do índio – maio – dia das mães – dia do trabalho – junho – dia dos namorados – festas juninas –
julho – festa julina – inverno – agosto – dia dos pais - setembro – dia da pátria – independência do Brasil
– primavera – outubro – dia das crianças e dia dos professores – novembro – finados – dezembro – natal
– verão – calor – frio – flores – frutas – folhas – vento – primeiro – segundo – terceiro – quarto – quinto –
sexto – sétimo – oitavo – nono – décimo – décimo primeiro – décimo segundo.
De acordo com Gesser (2009, p.42), a escrita de qualquer língua verbal é um sistema de representação,
uma convenção da realidade extremamente sofisticada, que se constitui em um conjunto de símbolos e
de regras. Durante muito tempo, a língua de sinais foi considerada ágrafa, isto é, uma língua sem escrita,
porém, vários estudos têm sido feitos a fim de comprovar sua possibilidade e validade como código de
registro.
A ideia de representar graficamente as línguas de sinais teve origem em um sistema para escrever
passos de dança, criado pela coreógrafa americana Valerie Sutton, que acabou despertando, em 1974,
o interesse de pesquisadores da Língua de Sinais dinamarquesa que estavam procurando uma forma de
escrever os sinais.
A transição dos “sinais da dança” para a “escrita dos sinais” inicia-se a partir do contato dos
pesquisadores da Universidade de Copenhagen com a colaboração de Valerie com base em seus
registros gravados. Decorre dessa ação o primeiro encontro de pesquisadores, nos Estados Unidos,
organizado por Judy Shepard-Kegl, e dele um grupo de surdos adultos aprende a escrever os sinais
de acordo com o “SignWritting” (GESSER, 2009, p.43).
Embora não tenha sido o primeiro sistema de escrita para línguas gestuais, o SignWriting foi a primeira
que conseguiu representar adequadamente as expressões faciais e as nuances de postura do gestuante,
ou a incluir informações como, por exemplo, se a frase é longa ou curta. É o único sistema que é usado
em base regular, por exemplo, para publicar informações universitárias em ASL etc.
Pelo computador, o SignWriting começou a tornar-se muito mais popular nos Estados Unidos. O sistema
evoluiu ao longo dos anos, não mais tendo a forma como foi criado, em 1974.
Em Portugal, faz parte do programa escolar da Escola Superior de Educação de Coimbra, do curso
de LGP, vertente de formação. No Brasil, também existe esta disciplina no curso de Letras-Libras, na
Universidade Federal de Santa Catarina:
[...] o SignWriting, que pode registrar qualquer língua de sinais sem passar pela tradução da língua
falada. O fato do sistema representar unidades gestuais faz com que ele possa ser aplicado a
qualquer língua de sinais do mundo. Para usar o SW, é preciso saber bem uma língua de sinais.
Cada língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia (STUMPF, 2004).
O Sign Writing pode registrar qualquer língua de sinais do mundo sem passar pela tradução da língua
falada. Cada língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia.
Segundo Quadros (2004), a escrita de sinais é um sistema de representação gráfica das línguas de
sinais que permite, utilizando símbolos visuais, representar as configurações das mãos, seus movimentos,
Além disso, o Sign Writing possui um alfabeto que pode ser comparado ao alfabeto usado para escrever
qualquer língua verbal que seja expressa no alfabeto romano.
Os primeiros estudos brasileiros sobre a escrita da Língua de Sinais, mais precisamente sobre o SignWriting,
tiveram início com o Dr. Antônio Carlos da Rocha Costa, Marianne Stumpf (Surda) e a Professora Márcia
Borba, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, em 1996.
Para exemplificar como se processa esta escrita, reproduzimos a seguir, alguns slides de uma aula de
Marianne Stumpf sobre Escrita da Língua de Sinais – ELS, ministrada no curso de Licenciatura Letras/
Libras da universidade Federal de Santa Catarina, cursada por uma das autoras. Na falta de como
referenciar o trabalho, reproduzimos o primeiro slide.
Escrita de Sinais I
Importância da escrita de
língua de sinais para a
Comunidade Surda
Documento realizado por:
Marianne Rossi Stumpf
Punho Fechado
Punho Aberto
Mão Plana
Mão Indicadora
Mão - D
Mão Aberta
Um dedo para
cima com o
punho
fechado
Ponto de Vista
Palma da Mão
Dorso da Mão
Lado da Mão
Carro
Sábado
Lavar
Orientação da Palma
Plano da Parede
Visão de Frente
Um
Surdo
Não
TEMPO (FUTEBOL)
CASA
APLAUDIR (OUVINTE)
Tocar Bater
Papai
Pagar
Escovar Entre
Entrar Voltar
Esfregar Pegar
Brabo Maravilha
Reto para
frente ou para
trás
Para o lado e
para frente
Para o lado e
para frente e
para o lado
Para o lado e
diagonal e
para o lado
Diagonal para
frente e para
trás
Apesar do esforço da comunidade de pesquisadores e da comunidade surda que permitiu todos estes
avanços, a Libras ainda é considerada uma língua ágrafa no Brasil, porque sua escrita não foi reconhecida
oficialmente e é utilizada por um número ainda restrito de pessoas.
De acordo com Stumpf (2004), a introdução de uma escrita para a língua de sinais nas escolas de surdos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Língua Brasileira de Sinais é uma língua que tem ganhado espaço na sociedade em função da contínua
luta dos movimentos surdos em prol de seus direitos. Uma luta que vem desde muito tempo, mas que se
concretiza, no Brasil, particularmente depois da criação da Federação Nacional de Educação e Integração
dos Deficientes Auditivos – FENEIDA, em 1986, entidade que, já no ano seguinte, em 1987, adotando o
modelo das suas congêneres em ouros países, muda seu nome para Federação Nacional de Educação
e Integração dos Surdos – FENEIS.
Essa instituição foi criada com o objetivo de preencher a lacuna no contexto político, social, cultural e
educacional que se apresentava (e se apresenta, ainda), aqui no Brasil, no campo da política dos Surdos.
Capitaneada pela FENEIS, há muitos anos o povo surdo luta contra os padrões de cidadão impostos pela
sociedade majoritária. É uma luta de muitos anos pelo reconhecimento de que o povo surdo é um povo
com cultura e língua própria, possuidor de especificidades linguísticas, sociais e culturais.
Atualmente, o povo surdo conquistou o direito de usar sua língua que possibilita não só a comunicação,
mas também sua efetiva participação na sociedade.
Mas, para que essa mudança se efetive, é necessário que cada vez mais pessoas conheçam e utilizem
a Libras.
Recorremos novamente a Gesser (2009, pp.78 - 80) para motivar suas reflexões.
Embora defendamos a legitimidade da língua de sinais, convém não negar os vários arranjos e formas de usos
lingüísticos estabelecidos nas interações surdo-ouvinte, uma vez que o interesse e a vontade do surdo de travar
uma conversa com o ouvinte extrapolam as barreiras lingüísticas. De qualquer forma, o elo que aproxima ou-
vintes e surdos é o da língua de sinais, e desde sempre ela foi banida e rejeitada. Muitos pais a rejeitam porque
não sabem como lidar com seus filhos; são vitimas, da mesma forma que alguns educadores. Todavia, se algo
há para ser mudado, é a prática do distanciamento entre pais / professores ouvintes e seus filhos / alunos surdos
provocada pelo medo e pelo desconhecimento da surdez. Esse estranhamento é dramatizado pelos surdos na
peça teatral My Third Eye, 1973:
[ator surdo reportando um episódio entre filho surdo e mãe ouvinte]
[...]perguntei novamente onde nós estávamos indo, mas ela não me respondeu. Pela primeira vez,
eu comecei a ter um sentimento de medo e um pressentimento. Eu lancei um olhar para sua face,
mas ela estava imóvel e os seus olhos estavam fixos em um lugar não avistado em alguma parte
no além. Nós andamos por um longo período, e então paramos e nos defrontamos com um edifício
enorme[...] Caminhamos na direção do edifício e, já dentro, fiquei imediatamente preso por um
A cena é comovente, mas é necessário tomá-la como um tratamento de choque. O trecho da peça provoca em
nós um sentimento de indignação; mas também nos sensibiliza para entender os dramas a partir das perspecti-
vas do filho surdo resignado – no seu papel de obediência – e da mãe impotente e frustrada diante da surdez do
filho. O fragmento encenado serve de ilustração para nós, pais e professores, repensarmos o legado que esta-
mos deixando para os surdos, e a que custo. Afinal, que educação queremos defender e que papéis ocuparemos
na história da educação dos surdos das próximas gerações?
Você pode aprender muito mais sobre SignWriting nos seguintes sites: <http://www.signwritting.org> que é re-
ferente à escrita de sinais da ASL – Língua de Sinais Americana – e também no site <http://rocha.ucpel.tche.br/
signwritting>.
ATIVIDADE DE AUTOESTUDO
2. Amplie seu vocabulário procurando nos sites indicados ou nos vídeos disponibilizados sinais relacio-
nados aos temas abordados nos diálogos.
3. Os desafios que se lançam a nós, educadores, em relação ao aluno surdo, em qualquer modelo
de instituição em que atuemos, ainda são diversos. Vivemos, no entanto, especialmente após a
legislação sobre Libras como língua primeira do surdo, um tempo de fertilidade no sentido de buscar
alternativas criativas para aprimorar a educação desses alunos. Contudo, ainda temos muito que
caminhar para conceder a todos os surdos a possibilidade de receber uma educação de qualidade,
de forma que favoreça sua integração social ao máximo, desde seus primeiros contatos com o am-
biente escolar (COSTA, 2010, p.81). Considerando o que você aprendeu sobre o surdo, a surdez e a
Libras, apresente pelo menos três alternativas que favoreça um contexto de educação de qualidade
aos surdos.
Começamos nossa jornada chamando sua atenção para o fato de que dentre os alunos com necessidades
educativas especiais que participam do processo inclusivo, os que encontram maiores dificuldades
são os surdos, pois o processo de ensinar e aprender ainda se sustenta quase que exclusivamente na
comunicação oral, que é sensivelmente prejudicada nesses educandos.
Você talvez pensasse que são poucos os surdos no Brasil, talvez até você não conheça nenhum, por
isso destacamos que atualmente existem no Brasil cerca de 5.700.000 pessoas surdas e, segundo dados
do MEC - Ministério da Educação - em 2001, existiam 50 mil estudantes surdos matriculados no Ensino
Fundamental, a maioria deles em classes comuns, em escolas inclusivas.
Como esses surdos não conseguiam quase nenhum sucesso em sua escolarização, foram muitas as
ações governamentais na tentativa de mudar essa realidade de fracasso educacional e destacamos para
você algumas delas, como o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, que foi o resultado de
uma proposição da Secretaria de Educação Especial do MEC (SEESP/MEC) e Secretarias de Estado da
Educação e Secretarias Municipais de Educação das capitais dos estados brasileiros, visando à melhoria
da educação de alunos surdos matriculados no Ensino Fundamental. Um de seus focos de trabalho foi a
formação de professores ouvintes para o uso da Libras. Também comentamos com você sobre as leis de
acessibilidade e de reconhecimento da Libras, além do importante Decreto 5626.
Em função da complexidade da Libras, certamente, não será apenas com esta disciplina que você estará
apto a ser um sinalizador. Afinal, este não é um curso de Especialização em Libras, mas um curso de
Especialização em Educação Especial, destinado à atuação na educação inclusiva, preparando você para
ser um bom professor para TODAS as crianças.
Considerando esse importante momento que é vivenciado pelo surdo, em função das mudanças que
estão sendo empreendidas, consideramos que o principal objetivo desta disciplina seria apresentar o
mundo surdo a você para convencê-lo da importância de todo professor conhecer a Libras, apresentar
os aspectos gerais da Libras, para que você consiga estabelecer uma comunicação funcional em sala de
aula com um eventual aluno surdo e, quem sabe, despertar seu interesse em se aprofundar no estudo
dessa fascinante língua.
Foi o que procuramos fazer, durante as três unidades deste texto. Assim, traçamos um panorama sucinto
do momento atual vivenciado pela educação de surdos, a partir das mudanças iniciadas na década de
1980 até chegarmos à concepção atual de surdez, como “experiência visual”; destacamos as filosofias
educacionais e as principais legislações e políticas públicas brasileiras destinadas à educação de surdos
e abordamos questões importantes como a cultura(s) e identidade(s) surdas, buscando desconstruir
crenças e equívocos sobre surdos e surdez. Na unidade II, nosso foco foi a Libras, em seus aspectos
gerais.
A Língua Brasileira de Sinais é uma língua que tem ganhado espaço na sociedade em função da contínua
Para apresentar a Libras, não nos preocupamos em tornar você um usuário da Língua de Sinais, pois este,
conforme já comentamos, não era nosso objetivo. Nossa intenção foi apresentar a Libras, exatamente
como o que ela realmente é: uma língua! Para isto, iniciamos com o estabelecimento de um paralelo
entre a Libras e a Língua Portuguesa; abordamos os parâmetros primários e secundários da Libras e
também alguns aspectos gramaticais, notadamente o uso do espaço, a modulação e os classificadores.
Esperamos que alguns preconceitos em relação à Libras, que você eventualmente pudesse ter, tenham
sido derrubados.
Os diálogos foram elaborados pela autora Marília Ignatius Nogueira Carneiro, com a colaboração da
autora Beatriz Ignatius Nogueira, e refletem a maneira surda de se relacionar, com perguntas que os
ouvintes podem considerar indiscretas e que provavelmente não fariam parte de um diálogo natural entre
ouvintes, mas que são comuns entre surdos.
Enfim, esperamos ter convencido você de que a língua de sinais é imprescindível para o desenvolvimento
cognitivo e social do surdo, sendo importantíssimo que a criança aprenda a língua de sinais bem cedo,
para que seu desempenho escolar seja equivalente ao de crianças ouvintes. Portanto, é indispensável
que a família esteja completamente envolvida neste processo.
Como cerca de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, que pouco ou nenhum conhecimento
possuem acerca da surdez e da língua de sinais, a família precisa ser atraída para esta tarefa, precisa
estar convencida da necessidade e da importância de que eles aprendam esta língua tão estranha para
ela. Conforme já afirmamos anteriormente, é você, o professor, o profissional ao qual a família tem acesso
mais facilitado, o responsável por essa orientação.
Dessa forma, nosso objetivo fundamental foi fornecer subsídios para que você possa convencer aqueles
que ainda tenham restrições ao uso da Libras, sejam familiares, profissionais ou mesmo surdos, da
importância da adoção desta língua para o desenvolvimento cognitivo, psicológico e social do surdo.
Afinal, atualmente, o povo surdo conquistou o direito de usar sua língua, o que possibilita não só a
comunicação, mas também sua efetiva participação na sociedade, entretanto, muito ainda necessita ser
feito para que essa mudança se efetive. Seja um professor que faz a diferença na vida de seus alunos
surdos! Faça a sua parte!
BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTTO, Kleber B.B. Filosofia da Linguagem. Petrópolis: Vozes, 2007.
BOTELHO, Paula. Linguagem e letramento na educação dos surdos: ideologias e práticas pedagógicas.
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GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da
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