Resumo, História II (Arrighi)

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Resumo: O Fim do Longo Século XX

Beverly Silver & Giovanni Arrighi

Há pouco tempo era comum ouvirmos falar a respeito de um “Segundo Século


Americano”. Isso se dava, certamente, devido ao crescente desenvolvimento econômico
dos EUA desde o início do século XX e, sobretudo, a hegemonia global adquirida ao
longo destes anos. Alguns acontecimentos, porém, contribuíram para o enfraquecimento
desta previsão.
Primeiro, tem-se a explosão da bolha do mercado de ações americano em 2000 e
2001; segundo, os insucessos da administração de George W. Bush; terceiro, a crise
financeira de 2008 cujo estopim foi a explosão da bolha imobiliária americana e, por fim,
o rápido — e exorbitante — crescimento econômico da China. Todos esses fatores unidos
levantam uma nova especulação onde a China surge como a nova potência que,
inevitavelmente, ocuparia o papel exercido pelos EUA.
Mas, certamente, essas previsões e especulações não se sustentam em cima do nada.
Se é possível realizar a previsão de um fenômeno, isto se dá porque um fenômeno
semelhante já aconteceu anteriormente. Arrighi e Silver propõe que “uma comparação
com períodos passados que são amplamente análogos com o presente” pode nos ajudar
a dissipar, nas palavras de Hobsbawm, o “nevoeiro global” que nos rodeia.
Inicialmente temos de considerar os “períodos de financeirização”, ou seja,
períodos em que ocorre um predomínio do setor financeiro (Bolsa de Valores, operações
de crédito, títulos, bancos centrais, corretoras) sobre o capital empresarial (indústria,
comércio e serviços). Braudel já havia identificado — ainda na década de 1970, ou seja,
antes do início da última fase de financeirização — três períodos onde isto ocorreu: em
Gênova durante o século XVI; na Holanda durante o século XVIII e no Reino Unido
durante o século XIX.
Todos esses períodos foram seguidos por um longo período de expansão material
da economia, ou seja, o fluxo de capital escoava do setor financeiro diretamente para o
capital empresarial (industrial e comercial). Tanto Gênova quanto Holanda, Reino Unido
e EUA ocuparam os papéis de lideranças globais justamente por essa expansão material
— não necessariamente geográfica. Acontece que, atingido o limite dessa expansão
material ocorre justamente o inverso, ou seja, um novo período de financeirização.
Segundo os autores, a este processo — fase de expansão material seguida por uma
fase de expansão financeira — damos o nome de século longo ou ciclo sistêmico de
acumulação (CSA). Ao todo, são quatro o número de períodos que assim podemos
identificar: (1) o genovês-ibérico, do século XV até o início do século XVII; (2) o
holandês, do final do século XVI até o final do século XIX; (3) o britânico, da metade
do século XVIII até o início do século XX e, por último, (4) o norte-americano, do final
do século XIX até os dias de hoje. Nesses três primeiros ciclos, Braudel já havia percebido
um ressurgimento de curta duração do poder e da prosperidade nas respectivas lideranças
desses ciclos (Gênova, Holanda e Reino Unido). A transferência de capital empresarial
para o setor financeiro significava, em cada um destes ciclos, que a expansão material
havia chego em seu outono e que era, portanto, tempo de colheita.
Comparando os acontecimentos dos últimos anos com os acontecimentos ocorridos
nestes ciclos do passado somos levados, assim como os autores, a questionar se de fato o
mesmo está se passando com a hegemonia mundial americana. O capital dos EUA, da
mesma maneira que em Genova, Holanda e Reino Unido também mudou sua forma
gradualmente; a expansão material criada pelo fordismo-keynesianismo — cujo ápice
ocorreu na década de 1980 — conduziu o capital americano para o setor financeiro,
atraindo, assim, capitais de todos os continentes.
De maneira resumida, podemos dizer que durante os períodos de expansão
financeira o que ocorre é uma transição hegemônica onde surge uma nova liderança que,
por sua vez, estabelece o cenário para o desenvolvimento de “uma nova expansão
material em escala mundial.” Em outras palavras, os períodos de expansão financeira
marcam não somente o “outono” da hegemonia existente, mas, ao mesmo tempo, a
“primavera” da expansão material de uma nova liderança.
Mergulhando ainda mais fundo nesta maneira de interpretar as transições
econômicas mundiais, os autores identificam, além de tudo aqui já dito, outras constantes
— ou tendências — que nos ajudam a compreender mais claramente como ocorre este
processo. Da República de Gênova aos EUA, o que percebemos é um aumento gradual
no tamanho, poder e complexidade do capital-Estado dominante ao longo dos séculos.
Gênova, por exemplo, era um estado pequeno e fraco militarmente, dependendo,
inclusive, de monarcas ibéricos que eram “comprados” justamente para garantirem sua
segurança. Quanto a Holanda isto não ocorria. Ainda que geograficamente pequena a
Holanda tinha todas as condições necessárias para produzir seus próprios meios de
segurança; ou seja, internalizaram seus custos de produção, ao contrário de Gênova, que
os havia externalizado. O Reino Unido, tal como a Holanda, não tinha a necessidade de
buscar proteção vinda de fora; não somente “produzia” sua própria proteção como —
indo ainda mais além — internalizava também suas próprias manufaturas, necessitando
cada vez menos de importações. Os EUA — dominante no longo século atual — foi ainda
mais longe que o Reino Unido e internalizou, por meio das multinacionais, os mercados
dos quais dependia a autoexpansão do seu capital.
Segundo os autores, baseando-se nesses padrões de evolução poderíamos prever
que, se realmente houver um novo capital-Estado que governará o próximo longo século
este será, certamente, um capital-Estado de tamanho, poder e complexidade ainda maiores
do que a dos EUA. Mas, no caso específico da — possível — transição presente, ou seja,
entre EUA e China (ou Leste Asiático) há, segundo os autores, algo de peculiar.
Para Arrighi e Silver trata-se de uma anomalia que consiste na “bifurcação sem
precedentes na localização geográfica dos poderes financeiro e militar.” Mesmo Marx já
havia observado o padrão histórico “em que os centros em declínio transferem capital
excedente para os centros em ascensão.” Os EUA, ainda que representem este centro em
declínio, continuam a ser a maior potência militar do mundo — e este fato somente Kim
Jong-um parece discordar —, no entanto, já não possuem os recursos financeiros capazes
de suportar este aparato militar.
De acordo com o padrão histórico observado pelos autores, podemos prever que
num cenário futuro o próximo capital-Estado teria acesso ao excedente global que hoje
se encontra no Leste Asiático — e que antigamente pertencia ao Ocidente. Arrighi e Silver
consideram esta específica transição uma anomalia pois todas as transições do passado
sempre ocorreram no interior do Ocidente (Genova, Holanda, Reino Unido e EUA),
enquanto está última, ao que parece, está ocorrendo na região do Leste Asiático.
Entre os países ali compreendidos é a China que surge como um possível
“candidato” para assumir esta liderança. Os autores rebatem as críticas daqueles que
consideram isto uma ilusão devido a crise financeira ocorrida no Leste Asiático em
1997/1998, além de previsões atuais que apontam para uma nova crise que eclodirá na
China. Para os autores a ocorrência de uma crise não é uma negação do padrão histórico,
mas uma confirmação. Basta lembrar das crises financeiras experimentas pelos países
emergente durante os períodos de transição como Londres em 1772 e Nova York em 1929.
É provável que, dito todas essas coisas, talvez tenhamos mais perguntas do que
respostas. Naturalmente, trata-se de uma nova perspectiva, uma nova maneira de
interpretar os acontecimentos na era da globalização. Para os autores, é certo que estamos
deslizando para o fim do longo século XX e, consequente, para um período de caos
sistêmico que marcará o fim definitivo de um período e o início de outro. Isto, segundo
Arrighi e Silver, é inevitável. Porém, não é inevitável que este fim ocorra sob um fundo
catastrófico ao estilo Mad Max. As guerras entre potências, as bombas de hidrogénio, de
pulso eletromagnético e atômicas, a fome, revoluções, enfim; tudo isto ainda podemos
evitar se agirmos com urgência. Para Arrighi e Silver é esta a principal tarefa de todos
nós.

Pablo Santos Ferreira


Sábado, 25 de Novembro de 2017

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