Estagio Supervisionado Nas Licenciaturas
Estagio Supervisionado Nas Licenciaturas
Estagio Supervisionado Nas Licenciaturas
v.8, n.15
UNIVERSIDADE FEDERAL
DA GRANDE DOURADOS
Coordenadoria Editorial
Semestral
ISSN 1984-4018
UNIVERSIDADE FEDERAL
DA GRANDE DOURADOS
Coordenadoria Editorial
Editores
Adair Vieira Gonçalves e Wagner Rodrigues Silva
Revisão
A revisão gramatical é de responsabilidade dos(as) autores(as).
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................7
LETRAMENTO
1. O estágio supervisionado e a voz social do estagiário / Trainees’ social voice in a teaching
internship program........................................................................................................... 13
Marília Curado Valsechi (UNICAMP/CAPES)
Angela Bustos Kleiman (UNICAMP/CNPq)
2. A professora regente disse que aprendeu muito: a voz do outro e o trabalho do professor
iniciante no estágio / The school teacher said she learned a lot: voice of the other and prospective
teacher´s work in the practicum......................................................................................... 33
Carla Lynn Reichmann (UFPB)
3. Projeções como práticas acadêmicas de citação na escrita reflexiva profissional de
relatórios de estágio supervisionado / Projections from academic citation practices in the
professional reflective writing of supervised teacher training reports....................................... 45
Lívia Chaves de Melo (UFT)
Adair Vieira Gonçalves (UFGD/CNPq)
4. Investigação científica na docência universitária: reescrita como uma atividade
sustentável na licenciatura / Scientific research in undergraduate teaching: rewritten as a
sustainable activity in teacher training course...................................................................... 71
Wagner Rodrigues Silva (UFT)
Janete Silva dos Santos (UFT)
Aliny Sousa Mendes (UFT/CAPES)
PRÁTICA ESCOLAR DE LINGUAGEM
5. Mobilizando olhares de estagiários em letras sobre as aulas de português e literatura
na escola / Mobilizing the views of teacher trainees in letras about portuguese and literature
classes in school................................................................................................................. 97
Clara Dornelles (UNIPAMPA)
6. Olhares sobre as práticas de linguagem na aula de língua inglesa em contexto de
estágio supervisionado............................................................................................. 117
Cristiane Carvalho de Paula Brito (UFU)
7. Estágio de docência supervisionado: um caminho para desenvolvimento da
compreensão leitora e da consciência textual / Supervised teaching practice: a way to reading
comprehension and textual consciousnes development......................................................... 135
Vera Wannmacher Pereira (PUC/RS)
Leandro Lemes do Prado (PUC/RS)
POLÍTICA DE FORMAÇÃO INICIAL
8. Diálogo entre teoria e prática: a pesquisa em estágio / Dialogue between theory and
practice: the research in teacher training .......................................................................... 155
Antonio Francisco de Andrade Júnior (UFRJ)
9. Estabelecendo parâmetros enunciativos para a avaliação de Relatórios de Estágio
Supervisionado em Língua Portuguesa / Establishing enunciative parameters to Portuguese
Supervised Stage reports................................................................................................... 175
Silvana Silva (UNIPAMPA)
10. Textos de estagiários e o professor observado: relações entre um ser genérico e um
profissional efetivo / Texts of trainees and the teacher observed: relations between an idealistic
and an effective professional............................................................................................. 191
Luzia Bueno (USF)
11. Estágio supervisionado e ensino de língua portuguesa: reflexões no curso de Letras/
português da UFPB / Supervised practice and portuguese language teaching: Reflections in the
letters/portuguese course in UFPB.................................................................................... 205
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
Josete Marinho de Lucena (UFPB)
Daniela Segabinaz (UFPB)
TECNOLOGIA NO ENSINO
12. O mundo lá fora, o da escola: interação em fórum digital no estágio supervisionado
sob a perspectiva da sociossemiótica / The world out there, the school’s one: interaction in
digital forum on supervised internship in the perspective of sociosemiotic............................. 227
Luiza Helena Oliveira da Silva (UFT/CAPES)
13. A formação pré-serviço do professor de língua estrangeira em curso de licenciatura:
crenças e reflexões em experiências de estágio supervisionado em diferentes contextos
(sala de aula e teletandem) / Pre-service education of foreign language teachers: beliefs and
rflections in initial teaching practices in different contexts (classroom and teletandem)......... 249
Marta Lúcia Cabrera Kfouri Kaneoya (UNESP/S.J.Rio Preto)
INCLUSÃO
14. Estágio supervisionado em educação de surdos na perspectiva da educação inclusiva:
relato de experiência / Teacher training in deaf education from the perspective of inclusive
education: experience report............................................................................................. 267
Michelle Nave Valadão (UFV)
Carla Rejane de Paula Barros Caetano (UFV)
Juliana da Silva Paula (UFV)
15. Estágio supervisionado e a docência indígena: um caso Karajá / Supervised traineeship
and the indigenous teaching: a Karajá case....................................................................... 283
Caroline Pereira de Oliveira (UFMS)
Rogério Vicente Ferreira (UFMS)
Universidade Federal da Grande Dourados
APRESENTAÇÃO
ESTÁGIO SUPERVISIONADO NAS LICENCIATURAS
A organização deste volume da Revista Raído, destinado ao Estágio Supervisionado
nas Licenciaturas, mostrou-nos a consolidação deste periódico no domínio acadêmico
nacional e a configuração dos estágios supervisionados como uma área emergente de
estudos científicos em Linguística Aplicada (LA)1. Esses fatos são evidenciados a partir
da quantidade de artigos com os quais trabalhamos na organização do periódico: 47
(quarenta e sete) artigos foram recebidos em resposta à chamada amplamente divul-
gada para o volume temático; 15 (quinze) artigos foram aprovados, aproximadamente
32% dos textos recebidos; 24 (vinte e quatro) artigos não foram selecionados, ou seja,
52% dos trabalhos recebidos; 8 (oito) artigos foram enviados fora da temática, perfa-
zendo 17% de textos não avaliados por nossos pareceristas.
Foram recebidos artigos de todas as regiões do Brasil, o que pode ser ilustrado pe-
las universidades aqui representadas (PUC/RS; UFPB; UFG; UFGD; UFMS; UFT;
UFU; UFV; UNESP; UNICAMP; UNIPAMPA; USF), sendo os autores dos traba-
lhos reunidos em cinco seções intituladas, conforme o enfoque de pesquisa apresenta-
do nos artigos: Letramento; Prática Escolar de Linguagem; Política de Formação Inicial;
Tecnologia no Ensino; Inclusão. Esses títulos evidenciam que os estágios supervisio-
nados funcionam como pontes mais seguras para as pesquisas científicas alcançarem
as salas de aula do Ensino Básico, o que, conforme já revelaram inúmeras pesquisas
acadêmicas (cf. LÜDKE CRUZ, 2005; LÜDKE e BOING, 2012), configura-se como
um enorme desafio para diferentes disciplinas ou campos do conhecimento que lidam
com o ensino e a formação de professores, a exemplo da LA2.
Todos os artigos divulgados neste volume trazem pesquisas desenvolvidas nas Li-
cenciaturas em Letras, envolvendo o ensino e a formação de professores de línguas,
o que nos deixa em débito com o leitor no tocante às pesquisas a respeito de usos
da linguagem em outras licenciaturas, o que fora focalizado em trabalhos recebidos,
mas, lamentavelmente, não selecionado para publicação. Como área de investigação
na LA, as pesquisas a respeito dos estágios das diferentes licenciaturas possibilitam a
construção de objetos de pesquisa diversos, envolvendo a escola e a universidade (cf.
SILVA, 2012; SILVA; BARBOSA, 2011). É nos estágios supervisionados obrigatórios
das licenciaturas que tais instituições de ensino inevitavelmente se encontram, po-
1
Provavelmente, há leitores que apresentarão restrições ao fato de reunirmos todos os trabalhos aqui sob o guarda-chuva da
Linguística Aplicada. Nossa opção se configura como uma resposta à antiga prática de situar as pesquisas em Linguística
Aplicada como uma subárea da Linguística. Nesta situação, por que o inverso não seria uma resposta audível dos linguistas
aplicados aos linguistas que, oportunamente, vislumbram percorrer caminhos não comumente por eles trilhados?
2
Na década de 1990, Moita Lopes (1996, p. 32) já destacava que uma “questão de grande interesse na comunidade brasileira
de LA tem sido a da formação do professor. Acredita-se que os desenvolvimentos teóricos e práticos dos programas de LA
não conseguiram ir além do mundo acadêmico e alcançar o mundo relativamente distante da sala de aula de línguas, onde a
prática de ensinar e aprender línguas se desenvolve”.
REFERÊNCIAS
LÜDKE, Menga; BOING, Luiz A. Do trabalho à formação de professores. In: Cader-
no de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. v. 42, n. 146, p. 428-451, 2012.
_____; CRUZ, Giseli B. da. Aproximando universidade e escola de educação básica
pela pesquisa. In: Caderno de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas. v. 35,
n.125, p. 81-109, 2005.
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Oficina de Linguística Aplicada. Campinas: Mercado
de Letras, 1996.
PEREIRA, Bruno G. Professores em formação inicial no gênero relatório de estágio
supervisionado: um estudo em licenciaturas paraenses. Dissertação de Mestrado. Pro-
grama de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura. Araguaína: UFT,
2014 (em andamento).
SILVA, Wagner R. Escrita do gênero relatório de estágio supervisionado na formação
inicial do professor brasileiro. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Belo Horizon-
te: UFMG/ALAB, v. 13, n. 1, p. 171-195, 2013.
_____. (O rg.). Letramento do professor em formação inicial: interdisciplinaridade no
estágio supervisionado da licenciatura. Campinas: Pontes Editores Editores, 2012.
We analyze the discourse of two official documents and the oral texts produced by one
trainee in classroom interaction and in an interview with the supervisor of the internship
program. The analysis shows that both the text in the documents and the trainee´s spe-
ech reveal the historical evaluative response to guided internship programs in academic
contexts and the negation of the trainees’ potential for social agency.
Keywords: internship program for language teachers; literacy studies; teacher educa-
tion; evaluative accent.
INTRODUÇÃO
Na área de pesquisas voltadas para a formação do professor, parte-se do pressupos-
to de que o estágio curricular supervisionado é de extrema relevância para a formação
docente, por ser considerado o lugar privilegiado para a almejada articulação teoria e
prática na formação inicial. Em decorrência, é consensual também a ideia de que o
estágio não se constitui como a “parte prática” da licenciatura em detrimento de refle-
xões teóricas, realizadas em disciplinas consideradas “teóricas”; por essa razão também
o estágio não pode mais ser considerado como o único componente responsável pela
formação do docente para a efetiva prática em sala de aula. Na literatura da área da
Educação, alguns pesquisadores o concebem como “atividade teórica instrumenta-
lizadora da práxis” (cf. PIMENTA e LIMA, 2011); outros o definem como “ponto
nevrálgico no processo de formação de nossos futuros professores” (LÜDKE, 2009).
Por muito tempo objeto das pesquisas da Educação, o estágio supervisionado
passou a ser, mais recentemente, objeto de investigação da Linguística Aplicada (cf.
BUENO, 2007; MACHADO, 2007; MELO, 2011; REICHMANN, 2012; SILVA,
2013), campo em que esta pesquisa se insere.
A centralidade na linguagem, a sua relevância social, o compromisso ético com
os participantes, a transdisciplinaridade definem nosso trabalho como uma pesquisa
em Linguística Aplicada. Gostaríamos também de ter um impacto na realidade social
de modo a transformá-la (FABRÍCIO, 2006), porém, considerando as rígidas normas
(quase leis) impostas pela tradição na universidade brasileira, sabemos ser isso ainda
uma utopia, pois, como Kleiman (2013, p. 56) afirma em relação aos complexos
problemas da universidade, todos eles “viram insignificantes, de fácil solução, frente à
questão de mudanças curriculares que não obedeçam ao cânone estabelecido ao longo
de décadas de tradição ‘científica’”.
A transformação da ‘disciplina’ do estágio certamente depende de uma transfor-
mação anterior à organização disciplinar fragmentada, que separa os saberes práticos
dos analíticos e teóricos. Entretanto, como mostraremos neste artigo, essa continua
sendo a concepção dos cursos de licenciatura, mesmo daqueles comprometidos com a
mudança, e de seus alunos, sujeitos históricos responsivos a essa concepção.
Para poder participar dessa prática social letrada, o estagiário deve atender a várias
demandas decorrentes do estatuto do estágio como exigência curricular acadêmica
obrigatória: procedimentos burocráticos (como a solicitação de termos de compromis-
so, devidamente assinado por alguns agentes envolvidos), preparo teórico-prático a ser
realizado na instituição de ensino superior, trabalho pedagógico (no tratamento dos
conteúdos que serão ensinados aos alunos, por exemplo), vivência na escola dentro e
fora da sala de aula. No seu desenvolvimento, tanto a universidade quanto a escola es-
tão envolvidas: os estagiários desenvolvem relações sociais com o formador acadêmico,
os professores supervisores do estágio da escola, o coordenador pedagógico, os alunos
da Educação Básica. Em se tratando de uma prática situada, as formas específicas de
interação com os sujeitos envolvidos e os significados que serão construídos nessas in-
terações se dão de maneira particular, de acordo com a forma de inserção do estagiário
nessa prática que é, simultaneamente, acadêmica e profissional e que, como Kleiman e
Reichmann (2012, p. 159) afirmam, “reflete, reforça e transforma os valores culturais
e ideológicos da esfera em que essa prática se desenvolve”.
Entretanto, para que o estágio possa colaborar para o letramento profissional do
professor, que contempla não só os “conteúdos” da disciplina a ser ministrada, mas
“parte das atividades dessas disciplinas, teórica, por assim dizer, será desenvolvida em
sala de aula e figurará, portanto, na grade horária do curso” e, mais adiante, “o cum-
primento da parte restante, prática, por assim dizer” remete a uma antiga concepção
dicotômica da relação teoria e prática, por um lado, e a uma concepção tradicional,
elitista, sobre a produção do saber, por outro: o que se faz no espaço da aula universi-
tária (excetuando a disciplina de estágio, ‘por assim dizer’?) é sempre teórico, ao passo
que a prática é aquilo que se faz nas escolas-campo (“estágio de observação, de regên-
cia, de visita a escolas, minicursos etc.”).
É interessante destacar que, com a reestruturação curricular, houve um acréscimo
no prazo mínimo de integralização do curso noturno da Licenciatura em Letras, que
passou de quatro para cinco anos, justamente para possibilitar mais tempo ao aluno
para cumprir suas atividades acadêmicas fora de sala de aula. Não obstante, mudanças
na grade curricular de modo a ter “espaço garantido na grade horária” do curso no-
turno para o cumprimento da realização dos estágios nas escolas não são previstas no
documento, que parece desconsiderar as condições que impedem sua plena realização.
Obstáculos temporais e locais são ignorados, como a dificuldade em conciliar o horá-
rio disponível na grade horária para ida à escola e o desenvolvimento do estágio com
as demais disciplinas acadêmicas do curso. O escasso tempo (duas horas no total) para
realizar o estágio durante o período de estudo universitário de fato inviabiliza a sua
realização no mesmo período das aulas acadêmicas4.
No documento Projeto de Estágio (PE) é definida a estrutura e organização dos
estágios supervisionados do referido curso de Licenciatura em Letras, inclusive a carga
horária. De autoria da professora responsável pelas disciplinas de Estágio Supervisio-
nado na área de língua materna e assinado por ela e pelo coordenador de curso da
época de produção do documento (2008), o projeto foi apresentado ao Conselho de
Curso para fins de normatização do estágio na Licenciatura em Letras da instituição.
Encontramos dois enunciadores no documento, na voz do corpo docente responsável
pela formação do professor de Letras e naquela dos diretamente responsáveis pela dis-
ciplina do estágio, que coincide com a voz do autor do texto. O documento não tem
como destinatário o estagiário, que desconhece o texto por não ter acesso a ele.
Trata-se de um documento de 14 páginas, dividido em seis seções: uma introdu-
ção, seguida da definição do conceito de estágio, distribuição e organização da carga
horária, coordenação e supervisão dos estágios, distribuição e carga horária dos estágios,
avaliação das atividades e coordenação geral, suporte e apoio às atividades de estágio. O
documento finaliza com as referências bibliográficas, data e local (cidade) de produção
do texto e os nomes e assinaturas da autora do PE e do coordenador do curso.
4
A grande maioria dos universitários do curso noturno de Letras depende de transporte coletivo.
5
Parecer CNE/CP nº 1/2002(cinco vezes citado); Parecer CNE/CP nº 2/2002 (4 vezes citado); Parecer CNE/CP nº 27/2001
(4 vezes); Parecer CNE/CP nº 9/2001 (1 vez); Resoluções CNE 1 e 2/ 2002 (1 vez); Resolução da Universidade (2 vezes citada).
6
Consta no PE que, caso haja impossibilidade de o licenciando participar de tais projetos, poderia ser combinado com o
professor de estágio a substituição desta atividade por análise de material didático. Após a proposta de um professor do
Departamento de Estudos Linguísticos e Literários de realização de um trabalho interdisciplinar entre as disciplinas “ECSII:
língua materna” e “Semântica da Língua Portuguesa”, envolvendo análise de material didático e elaboração de planos de aula,
passou-se a utilizar essa carga horária para o desenvolvimento desse trabalho.
Esses usos, quando são contrapostos à recorrente posição de objeto das ações rea-
lizadas pelos docentes universitários (os agentes, de fato, na tríade estagiário – profes-
sor supervisor – docente universitário) e à seleção lexical usada para construir noções
ao longo desse eixo de sentido (dar embasamento, estabelecer planos, acompanhar
desenvolvimento, efetivar, avaliar, supervisionar, instruir, monitorar, encarregado res-
ponsável) constituem pistas linguísticas claras da voz do estagiário na tríade: poucas
vezes caracterizado como um agente humano (aquele que faz ou causa as ações, e que
segundo a gramática de casos ocuparia o papel de sujeito da frase)7. Logo, a palavra
“estagiário” não ativa os eixos de sentido associados ao conceito de agente social (AR-
CHER, 2000), especificamente, o de um agente de letramento capaz de articular in-
teresses partilhados pelos aprendizes, organizar uma turma na escola para a ação cole-
tiva, auxiliar na tomada de decisões sobre determinados cursos de ação, interagir com
outros agentes (neste caso, o docente universitário e o professor supervisor na escola),
adaptar seus planos de ação segundo as necessidades (KLEIMAN, 2006).
No documento, a descrição das ações do estagiário se limita ao cumprimento da
carga horária dos estágios e à realização e entrega dos instrumentos de avaliação solici-
tados (relatórios, projeto de minicurso, artigo, apresentação de seminários). O concei-
to corresponde àquele de aluno, que tem de cumprir com suas obrigações acadêmicas,
orientado por um professor. Não há referência explícita ou implícita a um agente que,
ao atuar na escola básica, tente experimentar ou levar contribuições para os professores
dessa esfera, com metodologias inovadoras ou com diferentes perspectivas na compre-
ensão de problemas escolares. Nem poderia, porque, como já apontamos, a sua agên-
cia na escola não é cogitada. A relação entre estagiário e professor da escola campo não
é contemplada no documento, nem como parceria nem como relação entre aprendiz
iniciante e experiente mestre do ofício.
Tendo em vista que os leitores do documento são os membros do conselho de
curso, a valoração do papel do professor acadêmico pode ser compreendida como
7
Teoria proposta por Fillmore (1968); ver descrição para fins de formação do professor em Kleiman e Sepulveda (2012).
14 Osmar: é um pessoal que trabalha bastante, é um pessoal que muitos aqui se não
15 trabalhar não tem o que comer, então como é que você chega no seu serviço e fala
16 assim “olha, eu preciso de QUARENTA HORAS para dar um estágio”, mas aí
17 você resolve uma matéria
18 Profa: uh-hum uh-hum
19 Osmar: e você tem que resolver outra e outra e outra e outra e outra...
20 [Transcrição11 da roda de discussão realizada com a turma de Estágios Curriculares
21 Supervisionados II no dia 13/08/2012]
texto do PPP, mas que é, de certa forma, esperado nas entrelinhas do texto do PE,
conforme análise na seção anterior.
A fala do estagiário dialoga com as réplicas do texto do PE que denunciam o
jogo de forças em que o estágio supervisionado está envolvido. Da mesma forma que,
no discurso do PE, o movimento de valorização da agência do professor de estágio
evidencia que o componente “acadêmico” era considerado mais relevante pelo des-
tinatário do documento, também a fala do estagiário revela que o estágio também é
posicionado em lugar subordinado na grade curricular tendo que competir por espaço
ou tempo de realização com as demais disciplinas acadêmicas.
Assim, a condição histórica de desvalorização do estágio supervisionado (ou dos
profissionais envolvidos com essa prática) e a ausência de agência do estagiário é rea-
centuada em ambos os textos – PE e fala do estagiário – ainda que de modos diferentes.
A fala de Osmar também parece remeter a algum discurso dos oprimidos, denun-
ciando o conflito social existente entre a realidade do aluno da Licenciatura em Letras,
que precisa trabalhar para se sustentar (linhas 14-15), e a estrutura curricular do curso,
que ignoraria os limites que essa realidade impõe ao estagiário. Entretanto, não há dis-
curso de resistência em construção. O sentido ativado pela palavra “trabalho” no seu
texto está baseado em noções de trabalho como necessidade para uma sobrevivência
mínima: o grupo de alunos trabalhadores “é um pessoal que trabalha bastante, é um
pessoal que muitos aqui se não trabalhar não tem o que comer”. Constrói-se, ainda,
certo distanciamento do grupo de colegas trabalhadores, pelo uso dos pronomes de 3ª
pessoa e do discurso citado “então como é que você chega no seu serviço e fala assim
‘olha, eu preciso de QUARENTA HORAS para dar um estágio’”.
Um semestre após ter cumprido as atividades de estágio e se formado em Letras,
numa entrevista em resposta à pergunta da pesquisadora se o relatório de estágio era
visto como uma atividade propiciadora de reflexão, Osmar pondera:
1 Osmar: só que não era o mais importante pra mim então isso tem uma dif/ isso
2 DÁ um contraste muito grande porque quando você enxerga e num quer muito
3 enxergar você tem que ((faz estalo com os dedos indicando pressa)) passar é... você
4 não tem tempo hoje que você é de certa forma obrigado a vivenciar, obrigado
5 a fazer não com obrigação como uma coisa ruim sabe? mas como parte do
6 processo é:: você talvez é, volta aquela conversa, de se posicionar melhor de poder
7 perguntar algumas coisas, sabe assim? porque é:: como é parte do processo você
8 não escapa e não é não é ruim elaborar, você VAI elaborar, só que a elaboração
9 depois pós-form/ depois que a gente tá formado em uma escola, ela não tem
10 pressão COmo a gente tem na matéria que a gente tem prazo na matéria, a gente
11 tem que cumprir e tem que fazer e o prazo é cu::rto e... eu sei lá eu acho que pra
12 mim particularmente foi um PARto dar todas essas aulas porque a minha vida é
13 mu::ito corrida e a gente deixou lá pro finalzinho /.../ então foi tudo de uma vez,
14 é... pensado muito rápido de uma maneira muito assim, vamo cumprir isso aqui,
15 temos que cumprir então às vezes eu acho que a matéria ela tem sido vista com
16 esses olhos sabe assim? ter que cumprir e enquanto que às vezes devi/ deveria ser
17 uma matéria um pouco mais disse::minada ao longo de mais anos assim /.../
18 /.../ por quê? porque aí você dá mais tempo pra fazer eu não sei se ia resolver mas eu
19 acho que ia ser visto como mais:: ((pequena pausa)) com mais nitidez assim ia mais
20 claro na cabeça do aluno por exemplo assim o que que eu tenho de muito claro desse
21 processo pouca coisa percebe por quê? porque eu tinha um milhão de coisas pra
22 fazer
23 /.../ hoje eu posso hoje talvez eu possa falar assim ah eu vou voltar pra graduação, eu
24 vou fazer mais com calma, eu vou per/ pensar... perguntar... sabe? eu vou refletir o
25 processo porque eu eu acho que uma das propostas do do estágio é refletir
26 /.../ ((rindo)) que você menos faz é refletir, e o que você mais faz é cumprir tabela
27 sabe assim? (...)
[Trecho da entrevista, realizada em 3 de julho de 2013]
cumprir”, “ter que cumprir”. É interessante salientar que a sugestão trazida por Osmar
a fim de modificar a visão que se tem da disciplina de estágio leva em consideração uma
redistribuição do estágio ao longo do curso (“deveria ser uma matéria um pouco mais
disse::minada ao longo de mais anos assim”), que acreditamos ser necessária, mas não
questiona as demais disciplinas acadêmicas, que, numa perspectiva que toma o estágio
supervisionado como o eixo da licenciatura, teriam que sofrer modificações. Esse po-
sicionamento parece ser resultante de uma licenciatura distante das questões de ordem
prática que acabam aparecendo especificamente nos estágios supervisionados.
Por outro lado, a vivência atual, isto é, a experiência como professor, é acentuada
positivamente no discurso do ex-estagiário, e a reflexão nesse período da vida do pro-
fessor é construída positivamente, como “parte do processo”, porque permite “se posi-
cionar melhor”, “perguntar”; “elaborar essa reflexão”. Na modalização avaliativa desse
processo construída pelo enunciador, a experiência “não é ruim” porque “não tem
pressão”. Mesmo a palavra “reflexão” é ressignificada quando é usada para se referir a
atividades no momento atual. Apesar de ter sido tematizada no estágio, para Osmar, a
atividade reflexiva realizada na esfera profissional, quando se assume definitivamente
o papel de professor da sala de aula, é inerente à atividade profissional, faz parte de
uma rotina da qual não se escapa, que é “obrigado a fazer não com obrigação como
uma coisa ruim”.
Um terceiro eixo de ativação de sentidos é o conceito de tempo, desta vez não ao
longo do eixo contrastante passado versus presente, mas como um objeto maleável,
que pode passar lenta ou rapidamente. Essa forma de conceber o tempo (uma metáfo-
ra cognitiva, segundo Lakoff and Jonhson, 1980) traz para o enunciado as noções de
encurtamento do tempo decorrente das exigências das disciplinas do curso, inclusive
da disciplina de estágio: existência de “pressão”, cumprimento de “prazo curto”, di-
ficuldade de dar aulas por causa da “vida muito corrida”, resultado que foi “pensado
muito rápido”, devido à quantidade de trabalho com “milhões de coisas para fazer” e
à procrastinação “a gente deixou lá pro finalzinho”. Também os gestos do enunciador
ajudam a construir a noção de pressa e tempo curto, como os repetidos estalos com
os dedos. Uma vez que o curso de Letras noturno é constituído por alunos que geral-
mente trabalham em período integral, a crítica de Osmar está relacionada novamente
à oposição entre as condições reais do licenciando em Letras do período noturno e a
quantidade de exigências acadêmicas curriculares que devem ser cumpridas.
O objetivo do relatório de estágio era justamente fomentar a reflexão, mas, para
o enunciador, a reflexão só acontece quando se vivencia a situação profissional atual –
quando se é professor. Os sentidos atribuídos à experiência e aos textos produzidos no
contexto do estágio evidenciam que a produção dos relatórios de reflexão ficou “longe
de funcionar como instrumentos mediadores entre as práticas de letramento acadê-
mico e as práticas de letramento profissional” (KLEIMAN; REICHMANN, 2012,
p.161). Não há potencial viabilizador do reposicionamento do estagiário enquanto
agente do processo em que se encontra inserido, pelo processo de reflexão sobre a sua
visão de mundo, sua concepção de ser professor e os processos de ensino e aprendiza-
gem. O entrelugar que a experiência de estágio propiciaria – lugar privilegiado que per-
mitiria, em princípio, mobilizar, atualizar e participar de práticas letradas acadêmicas
e escolares, não se concretiza na experiência do estagiário, cuja identidade, nessa fase,
continua a de um aluno iniciante, com pouca maturidade, com limitadas possibilida-
des de assumir-se agente de sua própria formação.
Esta observação é corroborada em outro contexto estudado por Bueno (2007,
p.150). Em relação aos gêneros elaborados no estágio, a autora argumenta que en-
quanto os dispositivos utilizados para a formação forem os mesmos de avaliação do
estagiário, o estágio continuará sendo visto como “mais uma disciplina da graduação
em que se atribui uma nota”.
A possibilidade de ampliação dos horizontes de dizer do enunciatário, por meio
da interação com um destinatário real, o docente pesquisador, que traz outras vozes, a
partir de outras posições enunciativas, com outras apreciações valorativas, não se con-
cretiza, pelas razões socio-históricas já discutidas. A alteridade construída na interação
não chega a prevalecer sobre outros significados socioculturais já construídos. Daí que
a identidade socioprofissional do professor, a ser constituída no diálogo e na alterida-
de, não consiga emergir nesses enunciados, que trazem vozes, concepções de mundo
continuamente convocados ao longo dos cinco anos da Licenciatura em Letras. Ela só
será reorganizada quando outras teias de significações são instituídas, ou acentuadas,
mesmo que provisoriamente, como em toda construção identitária, na escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O recorte de dados da tese aqui analisado sugere um processo de refração dos va-
lores culturais implícitos no sistema ideológico da universidade no discurso do estagiá-
rio, que valoriza as disciplinas da esfera acadêmica em detrimento de outras atividades.
Se, por um lado, o estágio supervisionado contribui para o letramento profissional
do professor, inclusive para o seu desenvolvimento como agente; por outro, a desva-
lorização da prática de estágio, simultaneamente acadêmica e profissional, dificulta a
concretização do potencial reconfigurador de identidades, do ser, sentir e agir aluno
para o ser, sentir e agir professor. Isso é particularmente evidente quando o estagiário
está inserido na cadeia comunicativa do curso universitário, que apaga a sua agência
nas relações sociais com membros envolvidos no estágio.
Por outro lado, há movimentos discursivos que buscam romper com as assime-
trias de poder da instituição, que posicionam desfavoravelmente o trabalho do docen-
te universitário responsável pelo estágio. Essa resistência representa uma importante
luta, na arena discursiva, para melhorar o estágio e reposicionar os profissionais que aí
exercem suas atividades.
Por isso, para além da mudança na grade curricular, como já efetuada na uni-
versidade que forneceu o contexto da pesquisa, e que não parece, como os dados
parciais sugerem, ter representado mudanças significativas na concepção do estágio
supervisionado, acreditamos ser necessário o redimensionamento da avaliação axio-
lógica do estágio supervisionado e dos agentes envolvidos, principalmente o estagi-
ário, que acaba carregando as marcas históricas de sua situação. Assim, as mudanças
na grade curricular seriam decorrentes dessa mudança maior e, acreditamos, surtiria
efeitos mais positivos nas apreciações valorativas dos estagiários sobre essa atividade
essencial na formação.
Isso não é tarefa fácil. Uma das grandes dificuldades do processo de transformação
dos cursos na universidade brasileira é a rigidez desta para adaptar-se a uma sociedade
em constante mudança e para aceitar formas de construir conhecimentos que não
sejam aquelas validadas por anos de tradição, mesmo quando se constata uma ruptu-
ra de diálogo com o aluno e um defasado ou insuficiente preparo para o mundo do
trabalho. Momentos de subjetividade como os permitidos pela docente pesquisadora
dão acesso a identidades e sistemas de valores e conhecimentos geralmente apagados
na aula universitária.
As pesquisas do grupo a que pertencemos visam melhorar o ensino e a formação
do professor. Pesquisas críticas como esta, em que o objeto de pesquisa não é apenas
objeto de observação e análise, mas é reacentuado por compromissos éticos e políticos
com sujeitos cujas histórias não são ouvidas, constituem um passo importante para
admitir a pluralidade de vozes, romper os arcaicos monopólios do saber, intervir na
realidade social e, talvez, um dia, mudá-la.
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*
Professora Associada da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: carlareichmann@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo geral investigar o trabalho do professor iniciante no âmbi-
to do estágio supervisionado em Letras, com foco especial na voz do outro que ressoa em tex-
tos empíricos escritos por professores estagiários. Voltado para a formação inicial do professor
de língua inglesa no ensino superior, cabe frisar que o presente recorte decorre de um projeto
de pesquisa mais amplo situado na Linguística Aplicada, aliando os Estudos do Letramento,
o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e as Ciências do Trabalho1.
Levando em conta que o estagiário se encontra literalmente na fronteira, ou seja, em
trânsito entre diversas instâncias vinculadas à universidade e à escola-campo, o estágio é
aqui entendido como um entrelugar socioprofissional que permite letramentos híbridos
(KLEIMAN e REICHMANN, 2012). Considero o estágio supervisionado como “um pon-
to nevrálgico da licenciatura” (LÜDKE, 2009), enfatizando que a perspectiva do “estágio
como campo de conhecimentos e eixo curricular central nos cursos de formação de profes-
sores possibilita que sejam trabalhados aspectos indispensáveis à construção de identida-
de, dos saberes e das posturas específicas ao exercício profissional docente” (PIMENTA e
LIMA, 2009, p.61).
No Curso de Letras Estrangeiras da UFPB, foi a partir da reforma curricular de 2006
que o eixo do estágio curricular obrigatório na licenciatura em Letras-Língua Inglesa passou
a ser responsabilidade dos professores de inglês; desde então, o trabalho docente por mim de-
senvolvido tem se direcionado, principalmente, ao trabalho do professor iniciante no estágio.
Neste recorte, voltado para uma disciplina de estágio que ministrei em 2011 (direcionada ao
ensino médio em uma escola pública federal em João Pessoa), discutirei especificamente a voz
de ‘profissional professor’ que permeia os textos empíricos produzidos pelos estagiários e que
incide na a voz do professor iniciante, visibilizando a suma relevância do professor colabora-
dor na experiência vivida pelo estagiário, como já apontado por Lüdke (2009).
Em relação à identidade socioprofissional, questão que norteou o referido projeto de
pós-doutorado, na contemporaneidade, entende-se a identidade como um construto descen-
trado, instável e situado, como asseveram Hall ([1992] 2011) e Moita Lopes (2006), entre
outros. Adoto a definição de identidade como uma condição transitória e dinâmica, constru-
ída na interação, segundo Kleiman (1998, p.280) e proponho que a identidade social do pro-
fessor estagiário se constitui por meio de um coro de vozes de outros (interiorizadas) e de si
(internas) que ressoam em seus textos empíricos, escritos na esfera do estágio supervisionado.
Nesse sentido, o presente artigo, focalizando a voz do outro, dialogará com a seguinte questão
norteadora: o que revelam as vozes docentes que emergem em textos empíricos escritos por
professores estagiários?
1999, 2006, 2008). Por fim, tecerei algumas considerações a respeito da voz do outro
e construção identitária do professor iniciante no âmbito do estágio supervisionado.
ANCORAGEM TEÓRICA
Neste estudo, considero a escrita situada como elemento identitário de formação
(KLEIMAN, 2007), a centralidade da linguagem para a ciência do humano e que
as práticas linguageiras situadas (os textos) são os instrumentos principais do desenvolvi-
mento humano (BRONCART, 2006), como também considero o ensino como traba-
lho (MACHADO, 2004).
Em consonância com os Estudos do Letramento, de acordo com Street (2003,
p.79), práticas de letramento “referem-se à ampla concepção cultural sobre as manei-
ras particulares de se pensar sobre e fazer leitura e escrita em contextos culturais”. À
luz dessa perspectiva, Kleiman (1995, p.11), esclarece que há múltiplas formas de usar
a escrita, atreladas a variadas práticas socioculturais e históricas, também ressaltando
(2007, p.5) que “uma situação comunicativa que envolve atitudes que usam ou pres-
supõem uso da língua escrita – um evento de letramento – não se diferencia de outras
situações da vida social”, pois tal evento “envolve uma atividade coletiva, com vários
participantes que têm diferentes saberes e os mobilizam (em geral cooperativamente)
segundo interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns” (KLEIMAN,
2007, p.5). Nessa direção, e alinhando-me a Kleiman e Matêncio (2005), Gonçalves
et. al (2011) e Silva (2012), vale esclarecer que na disciplina de estágio em foco foram
desenvolvidos eventos de letramento específicos que geraram atividades e gêneros situ-
ados no âmbito da formação docente, como será visto na próxima seção.
Em relação ao ensino como trabalho (MACHADO, 2004), apresentarei a seguir
os aspectos mais pertinentes a este estudo. Voltadas para uma análise discursiva do tra-
balho docente, pesquisas nesta linha (CRISTÓVÃO, 2004; MACHADO et. al, 2011;
BUENO et al, 2013, entre outros) têm se debruçado sobre textos na esfera da ativi-
dade educacional a partir do quadro do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) alia-
do às Ciências do Trabalho. Como Machado e Bronckart (2009) asseveram, diversas
vertentes teóricas pertinentes foram envolvidas, tais como a Filosofia da Linguagem,
a Linguística e a Psicologia do Trabalho. Fundadas nessa perspectiva, as investigações
conduzidas pelo grupo de pesquisa GELIT-UFPB (MEDRADO e PÉREZ, 2011;
FREUDENBERGER e PEREIRA, 2012; REICHMANN, 2012, entre outros), foca-
lizam o agir humano em situação de trabalho levando em conta o papel fundador da
linguagem, que se materializa em textos orais ou escritos produzidos pelos próprios
trabalhadores (antes, durante ou após a atividade de trabalho). Em outras palavras, é
de especial interesse o que se revela acerca de textos produzidos no e sobre o trabalho
docente, por meio da investigação linguístico-enunciativa voltando-se, por exemplo,
para a constituição do professor e seu agir profissional.
(iii) Fase de regência: a etapa final envolveu uma série de encontros presenciais
na universidade, antes e depois da regência – tanto para se preparar para a
ministração de aulas, como também para discutir e problematizar o relatório,
promovendo uma análise reflexivo-crítica da prática.
2
Vale dizer que as autorizações para a análise foram devidamente concedidas e que os nomes adotados são fictícios.
3
A referida numeração das três fases da disciplina é retomada no quadro.
1. Quando tirei as fotos na visita à escola na qual estudei durante o ensino médio, tive uma
breve lembrança do tempo que vivi por lá e pouca coisa me veio à cabeça no tocante à
memória escolar, porém no momento em que apresentei à turma, tive uma visão melhor
da minha vida escolar e pude compartilhar o que pareceu um pouco diferente dos demais.
Achei interessante ressaltar detalhadamente como na verdade funciona o ensino nas escolas
públicas, os problemas encontrados nelas, principalmente problemas envolvendo seguran-
ça, falta de professores, falta de compromisso por parte dos diretores, e todos envolvidos
no processo de educação. Uma das memórias mais marcantes desse período está ligada ao
professor H, um ex-aluno dessa mesma escola, que dava a melhor aula de português, sempre
conscientizando a turma de não deixar de estudar, a fim de obter um futuro melhor. (João,
relato fotobiográfico).
4
Ou seja, esta análise não investiga o olhar crítico do estagiário para a própria prática profissional.
2. Essa ótima fluência das aulas de inglês na escola me surpreendeu bastante, tendo em
vista que as minhas aulas de inglês no ensino médio se resumiam a 1 hora semanal, onde o
professor dificilmente conseguia realizar alguma atividade e os alunos pouco se importavam
com a aula. E mesmo quando o professor finalmente conseguia fazer algo, a aula já estava
se encaminhando para o final, com isso ele acabava dando as respostas do exercício que
estávamos resolvendo "A número 1 é letra a; a número 2 é letra b..." (trágico). (Pedro, relato
pós-observação no blog).
3. [A professora] começou a aula falando aos estudantes que ela os chamaria, uma dupla de
cada vez, para mostrar as notas da prova que tinham feito na semana anterior. Ela também
disse que ela daria um retorno a eles durante esse processo. Começou a fazer isso e em um
momento os alunos estavam bagunçando e ela disse em uma voz meio alta “Vocês deveriam
falar baixo, este é um momento importante, é importante para vocês terem esse retorno”.
Achei que essa foi uma estratégia interessante. Fiquei espantada com a maneira que os alu-
nos realmente a ouviram nesse momento. (Lina, relato pós-observação no blog).
Ecoa a voz de personagem ‘profissional professora’ que começou a aula falando aos
estudantes, os chamaria, disse que ela daria um retorno a eles. É perceptível a surpresa
da estagiária ao constatar que há diálogo entre a professora e seus alunos, sugerindo
que os pré-construídos sobre a relação professor-aluno divergem daquilo que observa
na aula de inglês. A estagiária fica espantada com o fato de que os alunos realmente
ouvem, como a avaliação ressalta. Lina avalia positivamente os dizeres da professora
(trecho aspeado), que esclarece aos alunos as razões para seu agir. Em função da voz do
outro configurada neste fragmento, mais uma vez gostaria de ressaltar a importância
do professor colaborador no estágio: é uma voz que pode contribuir para o trabalho do
professor estagiário, desestabilizando pré-construídos, por exemplo, e suscitando uma
rearticulação do gênero profissional do professor iniciante.
Os próximos dois fragmentos, extraídos dos relatórios de Gabi e de Eva (que
trabalharam em parceria), se referem à mesma professora-colaboradora. A questão das
interações professor-aluno e professor-estagiário é saliente nos excertos e configura-se
a voz de personagem ‘profissional professora’ inscrita como ‘professora regente’, ‘pro-
fessora da turma’ e ‘ela’, por exemplo:
4. A professora regente apreciou tanto nossa aula que decidiu repensar sobre o fato de os
alunos também produzirem, elaborou um trabalho bem parecido com o nosso para aprofun-
dar o gênero com os alunos. A professora regente disse que aprendeu muito, principalmente
em relação à produção e ao fato de observar que o barulho que os alunos às vezes causam
faz parte da produção. (Gabi, Relatório de Estágio).
Ao dizer que aprendeu muito [com os estagiários], a voz de personagem ‘profissional pro-
fessora’ se refere a dois aspectos identitários, a saber, simultaneamente professora regente e
professora colaboradora: é mencionada a questão do barulho dos alunos na sala de aula, que
antes considerava apenas como desinteresse; também é assinalado que sua própria maneira de
trabalhar se transformou, pois resolveu dar continuidade à regência dos estagiários, com foco
na produção textual. A estagiária Gabi frisa que a professora-colaboradora passa a considerar
atividades educacionais que não realizava e que pretende adotar, ou seja, também se renova
o gênero profissional da professora na escola. Dessa forma, podemos perceber a importância
da rede de professores atuando no estágio, engatilhando a transformação em contextos de
formação inicial e continuada. Neste caso, é perceptível a apropriação do entrelugar socio-
profissional por parte do professor iniciante: é criada uma via de mão dupla, dinâmica, onde
todos aprendem e rearticulam conjuntamente o gênero profissional docente.
Por fim, no fragmento a seguir, configura-se a voz de personagem ‘profissional profes-
sora’ que explicou, conversava conosco, mencionou que também aprendeu, como pode ser veri-
ficado a seguir:
5. Uma das coisas que me marcou no trabalho da professora regente, momento que serviu
de aprendizagem para a minha formação, foi a forma de avaliação que ela usou. Após a rea-
lização da prova, como alguns alunos não tinham atingido a nota necessária, ela deu a opor-
tunidade para eles refazerem a prova. Ela explicou que o objetivo principal era a formação
deles e não a nota. Não havia pensado nessa possibilidade antes. Isso pude aprender com
a professora da turma. [...] Outro fato que merece destaque foi o acolhimento da professora
regente. Acredito ser essencial nessa relação entre escola e universidade. Normalmente, ao
final de suas aulas ela conversava conosco a respeito de suas dificuldades e progressos. Das
tentativas de realizar suas atividades e os resultados que produzia. O interessante é que ela
mencionou que também aprendeu com a nossa aula, pois de fora como observadora ela
pode perceber que barulho não significa bagunça, pois o barulho que havia na aula demons-
trava o interesse dos alunos na atividade. (Eva, relatório de estágio).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos textos produzidos por professores iniciantes no complexo entrelugar consti-
tuído pelo estágio, uma miríade de vozes podem se constituir – vozes sociais, vozes de
personagem, voz de autor. Esta pesquisa investigou o trabalho do professor iniciante
no estágio com um foco especial na voz de personagem ‘profissional professor’ que é
configurada em textos empíricos escritos por professores estagiários em uma discipli-
na de estágio voltada para o ensino médio. Ao detectar e analisar os dizeres de vozes
docentes inscritos nos textos, verificou-se a importância do professor colaborador no
processo de constituição identitária e genérica: nesse sentido, vale salientar o papel da
academia na construção de parcerias colaborativas universidade-escola, pois é a partir
do nosso agir como professores formadores que a entrada na escola-campo e a interlo-
cução com o professor colaborador são forjadas.
Arrisco afirmar que os vestígios de vozes docentes constituídos nos textos sinali-
zam “aspectos indispensáveis à construção de identidade, dos saberes e das posturas
específicas ao exercício profissional docente” (PIMENTA e LIMA, 2009, p.61), como
já dito; verificou-se que a voz do outro, permeando os textos e incidindo na voz do
professor estagiário, dinamiza o processo identitário na formação inicial. Em con-
clusão, ressalto a importância da perspectiva do estágio como prática de letramento
acadêmico–profissional, mobilizando atividades e gêneros situados que catalisam a
construção identitária do professor estagiário por meio da escrita situada.
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Recebido em 31/03/2014.
Aprovado em 13/04/2014.
tions by them outside in these documents. We also analyzed the projections of other
voices that underlie the clausal complexes in this writing and their implications for
academic literacy of the teacher in initial training. We take on the qualitative research
approach to characterize the treatment given to the researched documents. We dem-
onstrate that the enunciators of those investigated documents use the resources of the
projection system primarily for: maintaining impartiality with its own mean, abating
arguments, introducing points of view, or even avoiding imposition of viewpoints,
conferring authority to the writing, validating sayings and thoughts, pointing discov-
eries and beliefs, making explicit authorial intervention.
Keywords: writing; teacher training; literacy; Systemic Functional Linguistics
INTRODUÇÃO
Situado no campo transdisciplinar da Linguística Aplicada, no presente trabalho,
utilizamos perspectivas teórico-metodológicas advindas de outras áreas do conheci-
mento para investigarmos relatórios escritos, elaborados por professores em formação
inicial, aqui denominados alunos-mestre, no contexto de instrução formal do estágio
supervisionado da Licenciatura em Letras, com habilitação dupla em Língua Inglesa e
Língua Portuguesa, pertencente à Universidade Federal do Tocantins (UFT), Campus
Universitário de Araguaína.
Analisamos as projeções de práticas acadêmicas de citação de literaturas científicas
e não científicas nos relatórios de estágio, considerando as funções por elas exercidas
nesses relatórios. Também analisamos as projeções de outras vozes que perpassam os
complexos oracionais nessa escrita e as suas implicações para o letramento acadêmico
do professor em formação inicial.
As discussões teóricas que sustentam este trabalho baseiam-se principalmente
(i) no sistema lógico-semântico de projeção de citação, pertencente à Linguística
Sistêmico-Funcional (doravante LSF), que nos permite compreender as implicações
das vozes alheias na elaboração dos diversos registros escritos; (ii) nos esquemas lin-
guísticos do discurso citado, alicerçados na noção dialógica dos estudos bakhtinia-
nos; por fim, (iii) nos estudos do letramento, por entendermos os relatórios escritos
como eventos de letramento.
1
O termo conceitual transposição didática advém da didática do francês, mais especificamente de Chevallard que atua no
campo da didática da matemática. Esse conceito foi reapropriado pela equipe de Didática de Línguas da Universidade de
Genebra, filiada ao Interacionismo Sociodiscursivo, e refere-se a um conjunto de rupturas, deslocamentos, transformações,
adaptações de conhecimentos científicos, descontextualização do saber “sábio” (saber acadêmico), transpostos ao objeto social
de ensino. Em outras palavras, são os conhecimentos didatizados (CHEVALLARD, 1989; GONÇALVES e BARROS, 2010).
O processo de transposição didática é composto por dois níveis: externo e interno. A transposição didática externa refere-se à
passagem dos saberes científicos aos saberes a ensinar. A transposição didática interna envolve a passagem dos saberes a ensinar
aos objetos ensinados, e a criação de ferramentas para mediar a aprendizagem (cf. BARROS, 2012), tais como memória de
aula, handouts, notas feitas no quadro, relatórios de estágios, por exemplo, que, na formação inicial docente, é idealizada
para potencializar a prática crítica reflexiva.
aqui caracterizada como reflexiva profissional, considerada inovadora, criativa, mais fle-
xível, maleável, dinâmica, fluida, com estilo individual (cf. BAKHTIN, [1929] 1986;
[1952-1953], BHATIA, 2004). Portanto, a escrita reflexiva profissional configura-se
como uma característica do registro relatório de estágio, ou seja, uma escrita diferen-
ciada da produzida na academia. Essa escrita é bastante comum e cada vez mais uti-
lizada nos cursos universitários de formação docente, por ser uma estratégia didática
que encoraja a prática reflexiva a respeito das ações docentes. Portanto, salientamos a
relevância de uma caracterização mais profunda desta escrita em investigações futuras.
LSF, estes mesmos processos são recursos do sistema de projeção, denominados res-
pectivamente de processo verbal de projeção e processo mental cognitivo de projeção.
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochinov apresentam o dis-
curso reportado como um dos temas centrais. Para os autores, os esquemas linguísticos
do discurso citado, os quais marcam a transmissão das palavras/enunciações do outro
ocorrem por meio do discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre.
Acreditamos que um fenômeno assim altamente produtivo, “nodal” mesmo, é o
discurso citado, isto é, os esquemas linguísticos (discurso direto, discurso indireto,
discurso indireto livre), as modificações desses esquemas e as variantes dessas
modificações que encontramos na língua, e que servem para a transmissão das
enunciações de outrem e para a integração dessas enunciações, enquanto enunciações
de outrem, num contexto monológico coerente. [...](BAKHTIN/VOLOCHINOV,
[1929] , p. 143).
[1929] 2002),, p. 144). Em outros termos, quando fazemos referência às palavras dos
outros em nossas palavras, é como se reproduzíssemos as palavras nas palavras. Ao nos
apropriarmos das palavras dos outros, essas palavras tornam-se “minha palavra” alheia,
no “meu discurso”. No discurso citado, no contexto acadêmico especificamente, ao
mobilizarmos a voz do outro, geralmente não se utilizam disfarces, já que o discurso
do outro, no “meu discurso”, em muitas situações, é ressignificado cada vez que for
enunciado e reproduzido em diferentes contextos de uso da linguagem.
visuais nas cidades são exemplos disso: cartazes, outdoors, placas, sinais de trânsito, gra-
fites, anúncios, etc., são formas de comunicação, com propósitos específicos (cf. BAR-
TON e HAMILTON, 2012). No contexto universitário, mais especificamente nas dis-
ciplinas de estágios supervisionados, não é diferente. Múltiplas práticas de letramentos
que envolvem os usos da leitura e escrita são empregadas como estratégias didáticas para
organizar as ações desse contexto. Os relatórios escritos de estágios, elaborados por uma
mistura de vários outros registros, investigados neste trabalho, são exemplos de prática
de letramento, culturalmente construído e dominante nesse contexto.
Nesses documentos, entendemos os usos das citações como práticas de letramen-
tos comuns na instituição universitária, presente numa escrita que é resultado das
práticas letradas do local do trabalho. A escrita dos relatórios são práticas de letramen-
tos, idealizada para a formação reflexiva do professor e a construção de sua identidade
sócio-profissional. Pelos registros, podemos compreender os diversos aspectos huma-
nos e não humanos que envolvem as atividades de estágios supervisionados e algumas
demandas da formação inicial docente.
Concordando com Bhatia (2004), ao referir-se à importância das práticas de cita-
ção, destacamos que, para se tornar aceitável na comunidade de pesquisadores, o dis-
curso acadêmico escrito deve ser relacionado aos conhecimentos acumulados de outros
pesquisadores, no campo do conhecimento da área de estudo abordada. O diálogo com
outras literaturas por meio das práticas de citação para embasar teoricamente os saberes
enunciados, garantir e justificar dizeres torna-se uma atividade importante no repertó-
rio dos pesquisadores. Nesse sentido, Amsterdamska e Leydesdorff (1989, p. 451 apud
BHATIA, 2004, p. 190), ao discutirem sobre o registro artigo acadêmico, destacam:
Em um artigo científico ‘o novo encontra o velho’ pela primeira vez. Este encontro
possui significado duplo desde artigos que não somente justificam o novo, mostrando
que o resultado é garantido por experimento ou observação, ou teorias prévias, mas
também estabelece e integra inovações em contextos de conhecimento ‘velho’ e
aceito… Referências que aparecem em textos são as formas mais explicitas em que os
argumentos apresentados no artigo são retratados como conexão a outros textos, e,
portanto, como um corpo particular do conhecimento13. (tradução nossa).
13
“In a scientific article ‘the new encounters the old’ for the first time. This encounter has a double significance since articles
not only justify the new by showing that the result is warranted by experiment or observation or previous theory, but also
place and integrate innovations into the context of ‘old’ and accepted knowledge… References which appear in the text are
the most explicit manner in which the arguments presented in the article are portrayed as linked to other texts, and thus also
a particular body of knowledge”.
dos relatórios, não basta somente buscar fontes confiáveis, é necessário saber citá-las
adequadamente para não se distanciar do ethos acadêmico, dos registros praticados na
universidade. O uso significativo das práticas da linguagem escrita é uma preocupação
frequente não só dos estudantes de graduação, mas também de pós-graduação, educa-
ção básica, e até mesmo, no cotidiano de escritores experientes.
15
Por documentos, estamos compreendendo qualquer suporte que contenha informação registrada em material escrito e não
escrito de natureza iconográfica, sonora e cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho que registre os objetos do
cotidiano, tais como filmes, vídeos, slides, fotografias ou pôsteres, dentre inúmeros outros. Tudo o que é vestígio do passado,
tudo o que serve de testemunho, é considerado como documento ou ‘fonte’ de investigação. Em outras palavras, documentos
são enunciados simbólicos reconhecíveis em gêneros diversos, responsáveis por registrar informações/conhecimentos específicos
em sistemas específicos. (SÁ-SILVA et al, 2009; BAZERMAN, 2012).
alheio pelo sistema de projeção de uma citação direta da literatura científica para con-
ferir autoridade, validar dizeres e pensamentos de um enunciador comum.
Em outro exemplo, reproduzido adiante, na passagem textual 02, retirada da se-
ção conclusão de um dos relatórios de estágios investigados, observamos que o enun-
ciador aluno-mestre interioza a voz de si, situada nas lembranças do passado, dos
tempos da escola, enquanto ex-estudante da educação básica, para salientar aspectos
que não eram identificados por ele como aluno, mas que foram visualizados no pre-
sente, em função das atividades de observação, enquanto profissional do ensino em
formação, tais como: alguns conflitos deste meio; a desmotivação dos docentes; alunos
indisciplinados, entre outros.
Passagem textual 02:
Embora tenhamos passado boa parte de nossas vidas na instituição escolar, não
fomos capazes de perceber quantas questões estão envolvidas nesse meio. Conflitos
intermináveis. Professores desmotivados. Alunos descompromissados e Instituições
movidas por regras estabelecidas por seres que não conhecem a prática da realidade
escolar. Assim, na função de observadores e futuros profissionais da educação, tivemos
a oportunidade de conhecer e avaliar por outro ângulo o que se passa dentro de uma
instituição responsável pela formação de cidadãos.
O Estágio Supervisionado I nos permitiu ter uma visão mais ampla do sistema
educacional, além de nos fazer acreditar que a educação ainda pode, sim, alcançar
o seu melhor. Pois, apesar de todas essas deficiências detectadas, ainda há alunos
comprometidos com o ensino e professores empenhados com a docência. Como
disse Roberto Leão, “a escola pública brasileira se sustenta hoje muito mais pela
solidariedade dos profissionais da educação que atuam nela, do que por conta das
políticas públicas que deveriam fazê-la funcionar direito”.
Entre os fatores que contribuíram para o bom desempenho do referido estágio,
podemos destacar as experiências trocadas com nossos próprios colegas pelo Moodle16
disponibilizado no site da Universidade, uma ferramenta que nos permitiu dialogar
em tempo real e contar nossas experiências durante o período de observações nas
escolas. Foi um instrumento enriquecedor para todos nós.
Enfim, finalizamos o presente relatório com as palavras de Rubem Alves, quando ele
afirma que “Professores há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se
define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E
toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.” (Informante 02,
Estágio I, 2012.2 - LP,– Conclusão completa do relatório). Grifos nossos.
17
A escola pública brasileira: uma realidade dura. Entrevista com Roberto de Leão. Revista semanal do Instituto Humanitas
Unisinos – IHU. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos, 2009.
Muitas outras vozes aparecem perpassadas nestes dois primeiros parágrafos des-
tacados, vozes que podem ser percebidas, dependendo dos gestos de interpretação
dos diferentes sujeitos pesquisadores. Salientamos, por exemplo, as próprias normas
que orientam as ações do espaço escolar, as quais, segundo o aluno-mestre, são esta-
belecidas por sujeitos que não têm noção de como realmente funciona esse ambiente
(Instituições movidas por regras estabelecidas por seres que não conhecem a prática
da realidade escolar), como os políticos, ou mesmo outros indivíduos, os quais esta-
belecem vários projetos e leis para o bom funcionamento das instituições de educação
básica, mas que não funcionam, pois não são dadas aos professores, boas condições de
trabalho. Aqui, possivelmente, o estagiário assume os próprios discursos e desconten-
tamentos dos professores-colaboradores do estágio.
No terceiro parágrafo da passagem reproduzida, encontramos uma projeção ex-
pressa na construção verbal podemos destacar, na oração Entre os fatores que contribuí-
ram para o bom desempenho do referido estágio, podemos destacar as experiências trocadas
com nossos próprios colegas pelo Moodle disponibilizado no site da Universidade18. Nesta
construção, apesar de preservar a força original em termos materiais, a projeção é re-
presentada metaforicamente, em termos de um processo mental cognitivo destacar, o
que é possível em LSF, conforme aponta Thompson (2014, p.121, 252)19. Para o au-
tor, muitos processos mentais de cognição são expressos em processos materiais. Neste
exemplo, a projeção possui função de relato.
Neste mesmo parágrafo, chamamos a atenção para o uso das seguintes projeções
que acontecem por meio dos processos verbais: dialogar ([o] Moodle disponibilizado no
site da Universidade, uma ferramenta que nos permitiu dialogar [...]) e contar ([o] Moo-
dle disponibilizado no site da Universidade, uma ferramenta que nos permitiu contar
[...]). Destacamos ainda o uso de uma projeção que pode ser recuperada na construção
[o] Moodle [é] uma ferramenta que (...). Nesta construção, temos um processo relacio-
nal é, que aparece através de uma elipse ([o] Moodle disponibilizado no site da Univer-
sidade [é] uma ferramenta que [...]). Todas essas projeções possuem a função de relato
e são formas de o aluno-mestre fazer uma intervenção autoral explícita, ao reconhecer
como um software livre, de apoio à aprendizagem, executado num ambiente virtual,
avaliado e intensificado por ele mesmo como instrumento enriquecedor, colaborou para
o sucesso das atividades de observação. A própria expressão o bom desempenho do está-
gio, não é uma escolha aleatória, mas mesmo inconscientemente, o enunciador infor-
ma que o estágio foi um sucesso, sendo assim, o aluno-mestre pode ser bem avaliado.
18
A plataforma Moodle, neste caso, serviu de suporte para a transposição didática interna e de desenvolvimento da deontologia,
nos termos defendidos por Araújo e Dieb (2012), principalmente ao serem os alunos-mestres solidários entre si no momento
de capitalizar e socializar experiências do momento de observação de aulas no contexto escolar.
19
(…) Similarly, many cognitive mental processes are expressed in material terms: for example, ‘grasp’, ‘take in’, ‘a thought
crossed my mind’, ‘reach a decision’, ‘it struck me that’. These are deal metaphors, but in comparison with ‘understand’,
‘think’, or ‘decide’ they still preserve some of their original material force, and allow a speaker to represent cognition as drama
(THOMPSON, 2014, p. 121).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o desenvolvimento desta pesquisa, assumimos a perspectiva transdisciplinar
da LA. Buscamos aportes teórico-metodológicos do sistema lógico-semântico de pro-
jeção da LSF, dos estudos bakhtinianos acerca de vozes utilizadas para a elaboração do
relatório de estágio, compreendido por nós como um evento de letramento dominante
para a disciplina de estágio supervisionado na Universidade, além de considerações es-
pecíficas a respeito dos letramentos desenvolvidos pelos estudos dos novos letramentos.
No português brasileiro, apesar de ainda não termos uma GSF, já existem alguns estudos que focam os recursos do siste-
20
ma de projeção, principalmente no nível da metafunção ideacional, especialmente no discurso jornalístico. (cf. ARAÚJO,
2007; OLIVEIRA, 2009; FUZER, 2012a e 2012b; CABRAL e BARBARA, 2012; SOUZA e MENDES, 2012; NININ e
BARBARA, 2013; ).
REFERÊNCIAS
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brasileiro: uma descrição sistêmico-funcional orientada para os estudos linguísticos da tra-
dução. 2007. 133 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) - Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, 2007.
ARAÚJO, J. C.; DIEB, M. Autoria e deontologia: mediação de princípios éticos e práticas
de letramento na escrita acadêmica em um fórum virtual. Revista Brasileira de Linguística
Aplicada, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 83-104, 2013.
BAKHTIN, M. (VOLOSHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel
Lahud e Yara Frateschi Vieira. 10ª ed. São Paulo: Editora HUCITEC, [1929] 2002.
______. Estética da criação verbal. Tradução de Maria Ermentina Galvão. 3ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, [1952-1953] 2000.
______. Speech Genres & Other Late Essays. Translated by Vern W. Mcgee. Austin:
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análise de discurso: um panorama introdutório. Cadernos de Linguagem e Sociedade.
Brasília: UNB, v. 10, n. 1, p. 89-107, 2009.
BARROS, E. M. D. Transposição didática externa: a modelização do gênero na pesquisa
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BHATIA, V. K. Worlds of written discourse: a genre-based view. Continuum, London, 2004.
CABRAL, S. R. S.; BARBARA, L. Processos verbais no discurso jornalístico: frequ-
ências e organização da mensagem. Revista de Documentação e Estudos em Linguística
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CHEVALLARD, Y. On didactic transposition theory: some introductory notes. 1989.
Disponível em: <http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/rubrique.php3?id_rubri-
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FIAD, R. S.; SILVA, L. L. M. da. Escrita na formação docente: relatos de estágio.
Revista Acta Scientiarum. Language and Culture. Maringá: EDUEM, v. 31, n. 2, p.
123-131, 2009.
ANEXO
Introdução completa do relatório 01:
As atividades de estágio supervisionado são essenciais e de grande importância
para complementar os estudos de profissionais em fase de formação. Na área da edu-
cação, faz se imprescindível a presença de tal etapa para que os futuros educadores
estejam em contato com o lado prático da profissão, na maioria dos casos, é a primeira
oportunidade do acadêmico de aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos na uni-
versidade, à realidade apresentada pelo meio social e educacional em que vive. Assim,
(...) é preciso que o estágio propicie ao estudante através de um conhecimento
científico e teórico sólido oportunidades de vivenciar o cotidiano de uma escola
pública e nesse momento buscar uma formação política, através de uma informação
crítica, que o leve a buscar uma articulação com os seus interesses profissionais, que
não permita mais a sua expropriação, nem a sua desvalorização.
(GUERRA, texto digital, [s.d.])
As orientações para o estágio são recebidas na universidade por meio de aulas teó-
ricas para que em seguida os acadêmicos realizem a parte prática em escolas que devem
pertencer à rede pública. O Estágio Supervisionado é uma exigência da LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional) Lei número 9394, de 20 de dezembro de
1996 (LDB 9394/96).
O Estagio Supervisionado I consiste em observação da prática pedagógica no
ensino fundamental em escolas da rede pública, é uma preparação para a regência e
possui uma carga horária de 15 horas aliadas a aulas teóricas que possuem carga horá-
ria de 30h. Com base nisso, este relatório é fruto de observações realizadas no primeiro
semestre de 2012 em uma escola da rede estadual de Araguaína – TO, que oferece
ensino fundamental (6° a 9° ano) nos turnos matutino e vespertino e a modalidade
EJA (Educação de Jovens e Adultos) no noturno. Foi observada em grande parte da
carga horária, uma turma de 8° ano, e com menor frequência, turmas de 6°, 7°, e 9°
ano, todas no período vespertino. As aulas de língua inglesa nessa escola são oferecidas
duas vezes por semana.
Seguindo as recomendações teóricas que partiram da universidade, durante todas
as observações foram escritos diários que abordavam os acontecimentos da aula, como
o tema, o conteúdo ensinado pela professora, os métodos e recursos utilizados por ela,
as formas de avaliação, o desempenho dos alunos, entre outras peculiaridades. Os di-
ários são essenciais para uma observação eficaz, é o ponto de partida para a reflexão a
respeito da prática pedagógica observada, além de propiciar um contato mais próximo
entre o acadêmico e o meio educacional, é também uma forma de refletir sobre o con-
texto escolar e seus problemas. É importante ressaltar que a prática de escrever sobre o
ambiente escolar não deve necessariamente se restringir ao estágio, mas também estar
presente no decorrer da vida docente do educador, já que isso pode ajudá-lo a aperfei-
çoar seus métodos, a respeito disso, “Zabalza, (1994) assume que o professor, ao es-
crever sobre sua prática, aprende e reconstrói, pela reflexão sua atividade profissional.”
(ZABALZA, 1994 apud GALIAZZI e LINDEMANN, 2003, p. 137).
É através do Estágio Supervisionado I que o acadêmico, em muitos casos, tem seu
primeiro contato com as situações do contexto escolar, percebendo-as já com olhar de
educador, é o ponto inicial para aliar o conhecimento teórico à pratica docente e uma
preparação para a regência, onde se tem a oportunidade de fazer de forma diferente o
que foi visto com olhar de reprovação durante as observações. (Informante 01 – Está-
gio em Ensino de Língua inglesa I, 2012.1 – introdução completa do relatório).
Parágrafo introdutório da seção desenvolvimento do relatório 0221:
“– Como você define o perfil da escola pública no Brasil?” “– É uma escola que
passa por enormes dificuldades, e é frequentada, em sua maioria, por pessoas de pou-
cas posses, de classe média baixa, isto é, pessoas que estão em situação econômica
problemática. É a escola que o povo frequenta e que passa hoje por dificuldades de
estrutura, de funcionamento, etc. A escola pública brasileira se sustenta hoje muito
mais pela solidariedade dos profissionais da educação que atuam nela, do que por con-
ta das políticas públicas que deveriam fazê-la funcionar direito”, disse Roberto Leão,
presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, em entrevista
à IHU On-Line, revista produzida mensalmente pelo Instituto Humanitas Unisinos.
(Parágrafo introdutório da seção desenvolvimento do relatório - Informante 02, Está-
gio I, 2012.2 - LP).
21
Apesar de alguns equívocos linguísticos na transcrição da entrevista, por parte do aluno-mestre, não realizamos correções
no trecho reproduzido. Entrevista completa está disponibilizada em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/23636-a-escola-
-publica-brasileira-uma-realidade-dura-entrevista-com-roberto-de-leao. Último acesso: 14/10/2013.
*
Docente da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: wagnerodriguesilva@hotmail.com
**
Docente da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: janetesantos35@yahoo.com.br
***
Mestre em Ensino de Língua e Literatura pela Fundação Universidade Federal do Tocantins.
E-mail: alinymendes.uft@gmail.com
INTRODUÇÃO
A epígrafe deste artigo remete-nos à autonomia universitária ameaçada na socie-
dade contemporânea. Essa autonomia pode ser descrita pela “ideia de um conheci-
mento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto
de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão” (CHAUI, 2003, p.
5). Em oposição à autonomia idealizada, está a fragmentação competitiva das práticas
sociais, em sintonia com demandas mercadológicas que afligem a universidade1.
Quais seriam “os poderes de apropriação dogmáticos e injustos” que, de alguma
forma, estariam desvirtuando a universidade das práticas para ela idealizadas? Uma
resposta possível para o questionamento elaborado pode ser encontrada num outro
questionamento, dessa vez, elaborado pelo próprio Derrida (2003, p. 21): “em que
medida a organização da pesquisa e do ensino deve ser sustentada, ou seja, direta ou
indiretamente controlada, digamos de maneira eufemística ‘patrocinada’, visando a
interesses comerciais e industriais?”.
O enfoque deste artigo recai mais diretamente sobre a prática de pesquisa na
Linguística Aplicada (LA), concebendo o trabalho com a linguagem nos estágios su-
pervisionados obrigatórios das licenciaturas brasileiras como contexto investigativo de
interesse desse campo do conhecimento. Informada pela abordagem transdisciplinar
de pesquisa, a construção de objetos investigativos complexos é apresentada como
“resistência crítica” a pesquisas científicas informadas por práticas do tipo das contra-
postas na epígrafe deste capítulo. O enfoque assumido sobre a pesquisa universitária
alcança as atividades de ensino e extensão, considerando o tripé de atividades acadê-
micas sobre o qual está alicerçada a universidade brasileira.
Nessa lógica do fomento à pesquisa e, também, do reconhecimento pela comu-
nidade acadêmica ou, até mesmo, não acadêmica, da relevância do trabalho científi-
co produzido, inúmeras pesquisas desenvolvidas no âmbito dos estudos linguísticos
parecem ganhar o rótulo de pesquisas aplicadas. A demanda social pela apresentação
de produtos, resultados diretamente aplicáveis a problemas cotidianos, parece alcan-
çar a ciência linguística, que, mais recentemente, vê-se coagida a apresentar respostas
precisas, por exemplo, para os desafios do ensino de língua nas escolas brasileiras de
educação básica.
1
Este artigo contribui para as investigações científicas desenvolvidas dentro dos seguintes grupos de pesquisa: Linguagem,
Educação e Sustentabilidade – LES (UFT/CNPq) e Práticas de Linguagens em Estágios Supervisionados – PLES (UFT/
CNPq), vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura (PPGL), na Universidade
Federal do Tocantins (UFT), Campus de Araguaína.
Essa demanda pela aplicação dos resultados também se configura como resposta
ao paradigma positivista de pesquisa científica2. Nas humanidades, percebe-se um es-
forço entre os pesquisadores em se distanciar desse paradigma. Ao discutirem a cons-
trução de práticas de ensino e pesquisa interdisciplinares na pós-graduação em Letras,
contexto de produção desta investigação, mais precisamente no Estado do Tocantins,
onde funciona o único programa brasileiro de mestrado e doutorado da área de Le-
tras/Linguística voltado diretamente para pesquisas sobre o ensino e a formação do
professor de língua e literatura, Silva e Pinho (2011, p. 58) pontuam “dois desafios
imbricados nas pesquisas desenvolvidas”: (i) “tensão entre o alcance teórico e a deman-
da da prática pedagógica”; (ii) “distância espacial, não necessariamente física, entre as
instituições de ensino superior e básico”. Tais desafios são caracterizados pelos autores
como respostas à “tradição positivista da prática científica”. Em função desses desafios,
ainda nos termos de Silva e Pinho (2011, p. 58), resta, “quase que exclusivamente, à
universidade, a responsabilidade pela produção do conhecimento científico, esperan-
do-se dessa instituição, portanto, contribuições significativas para o aprimoramento
dos diferentes níveis de ensino”.
Esse cenário brevemente desenhado faz-nos retomar a tese trabalhada por Derrida
(2003, p. 21), ao destacar que “as Humanidades são com frequência reféns dos depar-
tamentos de ciência pura ou aplicada que concentram os investimentos supostamente
rentáveis de capitais estrangeiros no mundo acadêmico”. Nessa perspectiva, inúmeras
perguntas sobre o fazer científico na LA nos sobrevêm, dentre as quais elencamos al-
gumas: o caminho para a libertação das ciências humanas seria a assunção das práticas
de pesquisa dos “departamentos de ciência pura ou aplicada” a que se refere Derrida
(2003)? Haveria outros caminhos para as práticas científicas da LA, os quais não des-
virtuariam esse campo de estudos do conhecimento da Universidade, diferentemente
das “instituições de pesquisa que estão a serviço de finalidades e de interesses econô-
micos de todo tipo”, dispondo-se “da independência de princípio da Universidade”?
Nas próximas seções deste artigo, elaboramos alguma resposta para as perguntas
apresentadas, além de descrever um percurso investigativo sobre a prática de reescri-
ta por professores em formação inicial, aqui denominados de alunos-mestre, numa
Licenciatura em Letras, na Região do Norte do Brasil3. O olhar direcionado sobre
as práticas de linguagem, desenvolvidas na universidade e orientadas pelos próprios
docentes, que também são pesquisadores, configura-se como uma resposta alterna-
2
Em linhas gerais, o paradigma positivista de pesquisa científica, idealizado pelo filósofo francês Auguste Comte, é carac-
terizado pelo aspecto observacional de investigação. Tem a objetividade como referência para análises preferencialmente
quantitativas. Daí sua preocupação com a regularidade de dados estatísticos, anulando ou minimizando o peso de aspectos
subjetivos envolvidos no processo de apreensão da realidade investigada (objeto de pesquisa). Qualquer realidade ou objeto
investigado é visto como sempre o mesmo para qualquer observador-pesquisador. Nesse paradigma, predomina a crença na
ideia de neutralidade por parte do investigador, ao delimitar e/ou ao analisar os fenômenos investigados.
3
Parte desta investigação recebeu a premiação de 1º lugar na grande área de Ciências Humanas, Sociais Aplicadas e Letras,
no VIII Seminário de Iniciação Científica da Universidade Federal do Tocantins (UFT), realizado em dezembro de 2012, em
Palmas – TO. O trabalho foi apresentado por Aliny Sousa Mendes, sob a orientação do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Silva. Esta
pesquisa contou com a colaboração do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, a partir
dos seguintes projetos: “Formação Inicial de professores mediada pela escrita” (CNPq/CAPES 400458/2010-1) e “Implicações
dos relatórios de estágio supervisionado para a formação inicial de professores” (CNPq 501123/2009-1).
SILVA, 2009; CONCEIÇÃO, 2011; MELO, 2011; DINIZ, 2012; GUERRA, 2012;
KLEIMAN e REICHMANN, 2012; TAVARES, 2011; só para citar alguns).
Nosso interesse pelos estágios também se justifica pelos conflitos instaurados
quando a articulação entre teoria e prática se torna inevitável, após alguns anos iniciais
de protelação da articulação desejada pelos alunos-mestre. Ao investigar as operações
linguísticas realizadas por alunos-mestre, no processo de (re)escrita de relatórios de
estágio, Conceição (2011, p. 124), por exemplo, menciona a existência de proposições
de diferentes formas de reflexão sobre a prática pedagógica nas licenciaturas, mesmo
havendo fortes indícios de que “a reflexão tem sido realizada de forma dissociada da
prática, de modo que o ponto de partida e o de chegada tem sido sempre a teoria”.
Ainda nos termos da autora:
quando a interação entre teoria e prática é relegada à responsabilidade dos alunos,
ficando apenas o professor de estágio com toda a responsabilidade de criar as
condições e de garantir a interação entre as duas extremidades que caminham, ao
longo da graduação, paralelamente, o resultado tende a ser problemático.
4
Nossa ênfase nas escolas públicas se justifica pelo nosso comprometimento político e, também, ético em fortalecer grupos menos
favorecidos da sociedade por meio de ações desenvolvidas na universidade. Lamentavelmente, os alunos das escolas públicas
continuam apresentando menor desempenho, quando comparados à clientela dos estabelecimentos privados de educação básica.
Nessa perspectiva, não compartilhamos do seguinte “consenso tácito”, denunciado por Paiva (2005, p. 46) ao discutir algumas
questões éticas na LA: “quem não ‘paga’ pelos seus estudos teria mais obrigação de aceitar a presença de um pesquisador em sua
escola”. Ainda segundo a autora, “há, também, um preconceito generalizado contra as escolas públicas e um desejo de expor suas
deficiências”. Não duvidamos que “apontar as falhas no ensino público sem trazer nenhum retorno para os pesquisados apenas
contribui para desestabilizar o que já está fragilizado, o que é, no mínimo, irresponsável e não solidário”.
A filósofa discute ainda as concepções que separam uma instituição social de uma
organização social. Contrapõe as duas perspectivas da seguinte maneira:
A instituição social aspira à universalidade. A organização sabe que sua eficácia e
seu sucesso dependem de sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a
sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a
organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição
com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. Em outras palavras,
a instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma
universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições,
impostas pela divisão. Ao contrário, a organização pretende gerir seu espaço e tempo
particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos pólos da divisão
social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com
seus supostos iguais (CHAUÍ, 2003, p. 6).
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Os enunciados produzidos em diferentes modalidades linguísticas são produtos
da interação pela linguagem, são proferidos por alguém e dirigidos a outras pessoas,
numa cadeia enunciativa e dialógica ininterrupta (BAKHTIN, M./VOLOCHÍNOV,
[1929] 2002). Tem-se então, como afirma Brait (1997, p. 98), “o dialogismo como o
8
Segundo Signorini (2006, p. 8), gêneros catalisadores são formas linguístico-discursivas que “favorecem o desencadeamento
e a potencialização de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto
de seus aprendizes”.
PERÍODO
Correções Linguísticas 55 25
2. TRAZER AS QUESTÕES PARA O CORPO DO SEU TEXTO ESTÁ MUITO DESCRITIVO. PRO-
RELATÓRIO E ANALISÁ-LAS CUREM REFLETIR CRITICAMENTE SOBRE AS
SITUAÇÕES VIVENCIADAS NO ESTÁGIO.
4. Vocês precisam apresentar alguma propos- SEJAM MAIS CRÍTICAS SOBRE AS AULAS DE
ta ou exercício didático utilizado em sala de VOCÊS. COMO AS AULAS PODERIAM SER ME-
aula e analisar neste relatório! Quais são as LHORADAS, VOCÊS FARIAM ALGO DIFEREN-
contribuições do estágio para a formação de TE HOJE? QUAIS AS EXPECTATIVAS PARA OS
vocês como professores de língua materna? E PRÓXIMOS ESTÁGIOS?
quais as contribuições da produção deste rela-
tório para a formação de vocês?
Sendo assim, o estágio Seria bom discutir essas Sendo assim, o estágio
constitui-se em impor- questões de forma situa- constitui-se em impor-
tante instrumento de da no estágio que realiza- tante instrumento de
conhecimento e de inte- ram, não de forma gené- conhecimento e de inte-
Exemplo 1
gração do aluno à reali- rica: teoria pela teoria. gração do estágio à reali-
dade social, econômica e dade social.
do trabalho em sua área
profissional.
Indicação de
Exemplo Primeira Versão Segunda Versão
Reescrita
Nesse texto, apesar da Por que a reescrita Apesar de termos pedido aos
aluna ter faltado no dia não funcionou? alunos que reescrevessem os
da pesquisa sobre o gê- textos, não vimos mudança,
nero musical preferido talvez pelo fato dos alunos não
do aluno, achamos inte- estarem acostumados com esse
ressante a opinião dela tipo de trabalho. Por mais que
em relação ao tema pro- nós os orientássemos e que a
posto. Contudo ela não ideia deles em relação ao assun-
soube conectar as ideias, to fosse boa, eles não fizeram as
Exemplo 3
mesmo utilizando-se de mudanças necessárias para que
alguns conectores, até os textos pudessem ter uma es-
mesmo repetindo-os al- trutura organizada do início ao
gumas vezes em um tex- fim. Talvez se esses alunos pu-
to tão pequeno. Todavia dessem ter a oportunidade ou
podemos compreender então pudessem trabalhar mais
o texto, embora apresen- com produções textuais, prova-
te algumas lacunas. velmente as produções deles
melhorariam bastante.
Essa abordagem de reescrita, mesmo com algumas limitações, por conta dos na-
turais desencontros entre sentidos pretendidos e efetivados nas trocas enunciativas,
mormente a distância como ocorre comumente na comunicação escrita, é uma forma
eficaz de se contribuir para que o futuro professor se exercite em seu processo de es-
crita e aproprie-se de formas textual-discursivas prestigiadas na esfera em que atua. É
também uma forma de vivenciar e de se apropriar de modos pedagógicos de agir, pos-
teriormente efetivando-os, também, em sua atividade de sala de aula, como professor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, discutimos alguns pontos que se configuram como elementares para
o fomento sustentável da pesquisa nas licenciaturas e na pós-graduação desenvolvida
na Região Norte do Brasil, em consonância com o estatuto solidário dos princípios que
norteiam as pesquisas em LA, bem como enfatizamos as reivindicações da perspectiva
atual da LA quanto à conduta democrática e ética reclamada aos pesquisadores, ao li-
darem com problemas situados de linguagem de modo a diminuir o peso da opressão
vivida pelos mais desfavorecidos. Discutimos, outrossim, a relação do trabalho escolar
e do trabalho acadêmico com a linguagem. Em outras palavras, analisamos o esforço
de práticas pedagógicas que possibilitam ao aprendiz, seja o escolar, seja o acadêmico,
apropriar-se de gêneros textuais que integram sua ação pela linguagem na vida social,
visto que também a universidade espelha molduras da sociedade.
Por fim, acreditamos que o caminho percorrido até aqui, iluminado pelas ressal-
vas de Derrida, transcritas na epígrafe deste artigo, possibilitou-nos marcar posição
prático-discursiva em meio aos conflitos por que passa a universidade brasileira, hoje,
quanto ao tripé que a sustenta: ensino, pesquisa e extensão, visto que a exigência
por resultados de pesquisas e quantitativos excessivos de publicações em muito pouco
tempo acaba relegando ao ensino status secundário, invertendo o peso e a ordem das
colunas-base da instituição. Nas licenciaturas precisamos, sem dúvida, avançar nas
pesquisas, mas sem desmerecer o impacto que carecemos de promover também no en-
sino para a formação robusta e sustentável do cidadão-profissional-crítico, apesar das
maléficas imposições mercadológicas que a visão contemporânea vem fazendo sobre o
trabalho intelectual.
Na Região Norte, a sustentabilidade na promoção de pesquisas e no esforço de
um trabalho relevante das licenciaturas, através dos estágios obrigatórios, pede não
apenas o comprometimento dos profissionais com o desenvolvimento da região, mas
a manutenção de políticas afirmativas que agreguem valor não apenas à pesquisa e à
divulgação científica, como também e, com o mesmo impacto, ao ensino de qualida-
de, que se fortalece com a formação consistente de docentes para a atuação ainda na
educação básica.
REFERÊNCIAS
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RESUMO: Este artigo traz resultados de uma discussão piloto, ainda em fase inicial
de elaboração, organizada em torno da reflexão sobre as relações entre a abordagem
etnográfica e o letramento profissional, e suas implicações para a formação de profes-
sores de língua portuguesa e de suas literaturas. Ao focalizar o texto de estagiários sobre
a escola, buscamos produzir contextos para analisar um problema que nos tem pre-
ocupado há algum tempo no campo aplicado de estudos da linguagem: o da relação
entre teoria e prática. Interessa-nos, pois, contribuir para a análise dos processos tensos
e contraditórios imbricados nessa relação que consideramos ser chave na formação de
professores. Os dados gerados provêm de artigo sobre a observação da prática docente,
elaborado durante o componente de Estágio supervisionado I, no primeiro semestre
de 2009, por duas estagiárias do curso de Letras de uma universidade pública no in-
terior do Rio Grande do Sul.
Palavras-chave: aulas de língua portuguesa e literatura; letramento profissional; pers-
pectiva etnográfica.
ABSTRACT: This paper brings results of a pilot discussion, still in early stages of
drafting, organized around the reflection about the relations between the ethno-
graphic approach and professional literacy, and its implications for the training of
Portuguese teachers and its literatures. This article presents a pilot study, in its initial
phase of elaboration, about the reflection on the relationship between the ethno-
graphic approach and professional literacy, and its implications for the formation of
Portuguese and literature teachers. When focusing on the text of the trainees about
the school, we seek to produce contexts to analyze a problem that has been concerned
for some time on the field of applied language studies: the relationship between
theory and practice. It interests us, therefore, to contribute for the analysis of tense
and contradictory processes imbricated on this relationship we believe to be the key
in teacher training.As we focalize the text of trainee students about school, we try to
produce contexts to analyze a problem that has worried us for some time in the field
of applied linguistics: that of the relation between theory and practice. It is our inter-
*
Docente da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). E-mail: claradornelles@gmail.com
est to contribute for the analysis of contradictory and tense processes articulated in
this relation that we consider central for teacher training. The generated data come
from papers about the observation of teaching practice, drawn up during the Super-
vised traineeship I course component on the first semester of 2009, by two trainees
from the Languages course of a public university in the countryside of Rio Grande
do Sul. The data generated is from a paper written by two students trainee during
a curricular component called Teacher Training I, in 2009. The paper focuses on
teacher’s practice in school and the authors were students of the Letras course in a
public university, in the interior of Rio Grande do Sul.
Keywords: Portuguese and literature classes; professional literacy; ethnographic
perspective.
INTRODUÇÃO
Na esteira das reformas curriculares, desde a década de 1970, o ensino de língua
portuguesa tem sido alvo de críticas de estudiosos da linguagem, sob a alegação de que
as práticas tradicionais dos professores de português não contribuem para a formação
de sujeitos críticos e reflexivos (ANTUNES, 2003), ou para a promoção dos letra-
mentos necessários para o exercício da cidadania (ROJO, 2009). Tratando o “ensino
tradicional” como uma prática descontextualizada e ahistórica (ANGELO, 2005), os
textos de referência sobre o ensino de língua portuguesa, e as próprias diretrizes ofi-
ciais, têm contribuído, nos cursos de Letras, para a produção de avaliações negativas
e generalizantes a respeito do trabalho do professor. As práticas em que esses textos se
inspiram são práticas abstratas, uma vez que a maioria de seus autores não apresenta
dados empíricos para corroborar suas asserções. De caráter fortemente argumentativo,
esses textos convencem o leitor pela ênfase que dão à necessidade de mudança de prá-
ticas “já ultrapassadas” (cf. PIETRI, 2003).
Os estudantes de Letras e seus formadores são os leitores privilegiados dos textos
de referência e das diretrizes oficiais e, não raro, aderem sem muitos questionamentos
aos discursos que, de um lado, criticam práticas de ensino tradicionais e, de outro,
propõem práticas inovadoras legitimadas pelos saberes da ciência (cf. DORNELLES,
2008). Entendemos que a adesão acrítica a esses discursos é prejudicial aos processos
de letramento acadêmico e profissional do futuro professor, uma vez que promove a
constituição de uma atitude prescritivista e cientificista a respeito do que se “deve”
fazer na escola, obscurecendo a complexidade dos processos em andamento em situa-
ções específicas de uso da linguagem.
Por assumirmos uma visão dialógica da linguagem (BAKHTIN, [1952-1953]
1992), discordamos de encaminhamentos metodológicos que subsidiam leituras que
desconsideram os contextos em que as práticas pedagógicas se desenvolvem. Defende-
mos que a reflexão crítica no que tange ao ensino de língua portuguesa deve se dar
mediante análises de cunho aplicado que busquem apreender de maneira situada os pro-
cessos e práticas constituintes da instituição escolar e, por conseguinte, da sala de aula.
No texto que segue, argumentamos que a orientação etnográfica de pesquisa se
apresenta como uma abordagem relevante para a formação de professores, pois mobi-
liza os olhares na esfera do cotidiano escolar e possibilita aos futuros professores desen-
volver seu letramento profissional, isto é, as capacidades de participação em práticas e
exigências específicas de letramento no local de trabalho (KLEIMAN, 2003; SILVA,
2012). Nossa análise focalizará os efeitos da orientação etnográfica na (re) textualiza-
ção de observações e reflexões de estagiários em Letras acerca da prática docente em
aulas de português e de literatura na educação básica.
Este artigo traz resultados de uma discussão piloto, ainda em fase inicial de elabo-
ração, organizada em torno da reflexão sobre as relações entre a abordagem etnográfica
e o letramento profissional, e suas implicações para a formação de professores. Ao fo-
calizar o texto de estagiários referindo-se à escola, buscamos produzir contextos para
analisar um problema que nos tem preocupado há algum tempo no campo aplicado de
estudos da linguagem: o da relação entre teoria e prática. Interessa-nos, pois, contribuir
para a análise dos processos tensos e contraditórios imbricados nessa relação que consi-
deramos ser chave no processo de formação de professores. Os dados gerados provêm
de artigo elaborado a partir da observação da prática docente em uma escola pública,
e foi produzido em conjunto, no primeiro semestre de 2009, por duas estagiárias do
curso de Letras de uma universidade pública no interior do Rio Grande do Sul1.
ABORDAGEM ETNOGRÁFICA
E LETRAMENTO PROFISSIONAL
A análise do processo de letramento profissional de professores requer a proble-
matização do que se entende por discurso didático. O discurso didático envolve ope-
rações discursivas de reformulação (MATENCIO, 2001), categorização, especificação
ou exemplificação e se distancia, em certa medida, das operações da conversa cotidiana
(KLEIMAN, 2003). Seu principal objetivo seria o de “ajudar o aluno a construir co-
nhecimento” (KLEIMAN, 2003, p. 52). Kleiman adverte que a ausência, na sala de
aula, das operações características do discurso didático torna mais difícil para o aluno
apropriar-se do conhecimento e generalizá-lo para outras situações.
1
O artigo analisado faz parte das produções da primeira turma de estágio supervisionado em língua portuguesa e literatura
na referida universidade e compõe o acervo em organização e análise pelo Grupo de Estudos Linguagem e Currículo (GELC/
CNPq), cujas pesquisas têm sido fomentadas com recursos da própria universidade e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Além de agradecer às instituições citadas pela concessão de bolsas a graduandos
que participam do GELC, agradeço profundamente aos graduados do curso de Letras da Unipampa/Bagé, sobretudo às turmas
formadas em 2012 e 2013, que não apenas foram provocadas pelas minhas reflexões, mas me provocaram também com as suas.
A etnografia pode, assim, ser tomada como orientação aliada para o letramento
profissional dos estudantes nos cursos de Letras. A inserção do graduando no mundo
da escola envolve o reconhecimento das práticas sociais em que se articula o objeto de
ensino das áreas específicas. Nossa trajetória de quinze anos com a formação inicial de
professores2, bem como experiências recentes no Programa de Iniciação à Docência
2
Destes 15 anos, há 12 como orientadora de estágio supervisionado.
(PIBID) (cf. DORNELLES; IRALA 2013) nos permite afirmar que a tentativa de
vivenciar as práticas sociais da comunidade escolar pode minimizar o distanciamento
entre teoria e prática sobre/na sala de aula, já que, diferentemente das abordagens dis-
ciplinares prescritivistas focalizadas “no que deve ser ensinado”, visa à aproximação de
perspectivas que “teorizam a prática” a partir do ponto de vista de quem a promove.
Isso possibilita ao professor em formação desenvolver as capacidades de letramento
relevantes para o exercício profissional, ou seja, para sua compreensão e participação
das/nas ações levadas a cabo no cotidiano institucional da escola.
Além de poder identificar o que é rotineiro nas práticas escolares, a orientação et-
nográfica permite apreender as ações “submersas”, isto é, aquelas que nem sempre são
evidentes para os próprios atores que as desempenham, ou que não têm legitimidade
para perderem a “invisibilidade” característica das ações marginais. Mas a orientação
etnográfica não pode também ser tomada em uma acepção acrítica, que negligencia
as hierarquias institucionais entre atores, práticas e conhecimentos e toma os achados
etnográficos como “revelações”. É pressuposto básico da etnografia a necessidade de
“triangular” fontes de dados e confrontar pontos de vista, o que faz do texto etnográfi-
co uma construção discursiva e plurivocal. Como afirma Duranti (1997, p. 87):
[…] Escrever etnografia implica a compreensão de muitos pontos de vista, às vezes,
contraditórios, às vezes complementares. Uma etnografia de sucesso, então, não é um
método de escrita em que o observador assume uma perspectiva – seja ela “distante”
ou “próxima” –, mas um estilo em que o pesquisador estabelece um diálogo entre
diferentes pontos de vista e vozes, incluindo aquelas do grupo estudado, do etnógrafo
e das suas preferências disciplinares e teóricas (nossa tradução)3.
4
Essa fora a primeira turma de estágio na área de Letras na universidade em questão. Nessa época, a disciplina introdutória de
estágio fazia parte do 6º semestre. Com a reforma curricular, dois anos depois, o Estágio I foi antecipado para o 5º semestre.
5
Em função de nossa experiência com o estágio de observação, e, juntamente a outros docentes de estágio, ajustamos o currículo
da graduação para que o estágio inicial em língua portuguesa e literatura incluísse o planejamento e desenvolvimento de uma
atividade didática, com o intuito de tornar possível que os estagiários não apenas observassem os professores na escola, mas
também se colocassem em seu lugar. Experiências posteriores nos mostraram o quanto esta vivência é relevante para o ama-
durecimento da identidade, autonomia e autocrítica docente dos professores em formação inicial (cf. DORNELLES, 2012).
6
Para a maioria dos alunos, este foi o primeiro artigo acadêmico produzido, o que talvez explique a dificuldade em expressar o
relato das aulas observadas de uma forma mais analítica. A análise de fato acabou sendo incluída na parte chamada “Discussão”.
ao mesmo tempo sequencial e paralelamente (cf. excertos 03 e 08). As ações são nu-
meradas em ordem sequencial, e aquelas em relação direta de continuidade, isto é,
que ocorreram como respostas a ações anteriores, são apontadas pelo uso do sinal de
“subscrito”. Cabe observar que, embora para nossa análise tenhamos reorganizado a
formatação de algumas partes do artigo final, não houve alteração no conteúdo, nem
na escrita em nenhum dos excertos, permanecendo, em todos, sua forma original9.
Nossa intenção foi observar o dia a dia do ambiente escolar, buscando identificar possíveis
falhas, pensando sobre nossa prática futura e refletindo quanto as nossas possíveis colabora-
ções para melhoria desta realidade.
Dessa forma, nosso objetivo é pensar sobre a prática pedagógica a partir da rea-
lidade local, refletindo [sobre] as contradições presentes no conhecimento científico
adquirido nas academias e as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas locais.
A modificação do item lexical “reflexão” para “pensar” permite retextualizar um
dos itens no ementário da disciplina como um objetivo e estabelece uma relação coe-
siva com o verbo no gerúndio que inicia a oração subsequente (“refletindo”). A coesão
indica uma associação entre as duas ações, mas situa o verbo “refletir” de forma encai-
xada nessa relação, indicando que a segunda oração torna mais específico o objetivo
expresso na primeira: a prática pedagógica será objeto de reflexão, focalizando-se as
“contradições” entre o conhecimento produzido na universidade e “as práticas peda-
gógicas desenvolvidas nas escolas locais”. Nesse mesmo movimento de especificação, a
“realidade local” é retextualizada como “escolas locais”.
Contudo, antes de apresentarem e retextualizarem os objetivos oficiais da dis-
ciplina, as alunas indicam qual foi sua “intenção” com a observação nas escolas.
Os objetivos que aparecem nessa primeira textualização apontam para a busca por
“identificar possíveis falhas” sobre as quais se pensará na relação com sua “prática
futura” e se refletirá quanto a “possíveis colaborações para melhoria” da realidade
vivenciada no ambiente escolar. Os termos sublinhados funcionam como recursos
9
Alguns excertos apresentam problemas de ortografia, pontuação ou correção gramatical, porém optamos por manter a
forma original.
que aconteceu nas aulas observadas. O caráter argumentativo das sequências é marca-
do pelo uso de operadores argumentativos, conforme terminologia adotada por Koch
(2004), a partir de Ducrot.
As estagiárias argumentam que as aulas das duas professoras observadas são di-
ferentes, o que se evidencia pela identificação das operações discursivas das quais as
docentes lançam mão em situação pedagógica. A professora de língua portuguesa cos-
tuma pedir para uma aluna (sempre a mesma) passar atividades do livro no quadro
para os demais alunos copiarem, assim, a maioria dos alunos participa copiando. Para
evidenciar essas ações, as estagiárias apresentam, no artigo final, imagens do livro e do
caderno de um aluno:
6 _e esta simplesmente o
ignora.
10
Ao chamarem a professora de “titular”, as alunas parecem se orientar para a sua própria identidade profissional, pois apontam
para uma relação hierárquica entre a professora regente e as professoras em formação (elas próprias). Contudo, faltam-nos
elementos para aprofundar a análise desta questão.
11
Ao chamarem a professora de “titular”, as alunas parecem se orientar para a sua própria identidade profissional, pois apontam
para uma relação hierárquica entre a professora regente e as professoras em formação (elas próprias). Contudo, faltam-nos
elementos para aprofundar a análise desta questão.
A professora reconhece a capacidade dos alunos, elogia-os seguidamente, porém não apro-
veita essa sede de conhecimento que os discentes possuem. Acredita que sua maneia de dar
aula está sendo realmente útil para os alunos e que o livro didático é fundamental para o
desenvolvimento de suas aulas. É observado, também, que ela assume a visão de que o con-
teúdo da disciplina, pode ser visto como uma forma de punição para os alunos. O que mais
chama a atenção é a premiação com pontos por atividades que não estão relacionadas à
disciplina (como por exemplo levar materiais de limpeza, participação em eventos da escola)
e aquisição de conhecimento.
No que se refere a observação no ensino médio, pode-se dizer que embora siga o livro di-
dático, a titular faz sempre uma contextualização do assunto que será abordado, ou seja,
ela traz os conteúdos para o dia a dia dos alunos, é preciso ressaltar que este livro didático é
realmente muito bom e atual (fotos em anexo). Ao trazer os conteúdos para o cotidiano dos
alunos, a professora os incita a compreender as “entrelinhas” presentes nas escolas literárias,
contribuindo assim para a formação crítica e reflexiva dos alunos, atendendo inclusive, as
concepções de ensino apregoadas pelo P.P.P da escola. É notável o entusiasmo da professora
ao ensinar, mais de uma vez ela expressa sua paixão pela profissão [...]
É notável o entusiasmo da professora ao ensinar, mais de uma vez ela expressa sua paixão
pela profissão e a satisfação que sente “ao fazer” com que alunos que não gostam de litera-
tura, mudem de ideia, e ao mesmo tempo expressa aprofunda tristeza que sente ao vivenciar
a dificuldade de mobilizar os alunos, que em sua maioria são adolescentes e estão na escola
porque seus pais ou responsáveis os obrigam e veem literatura como uma disciplina chata,
cansativa e que não terá utilidade futura.
Por meio do quadro de excertos a seguir, podemos observar cenas das ações da
professora de literatura e de seus alunos. Essas cenas se constituem como sequências
narrativo-argumentativas, pois funcionam, no artigo final, como evidências para as
asserções realizadas sobre a aula dessa disciplina na escola.
Figura 2: Ações dos participantes na aula de literatura no ensino médio
2 _Apesar da empolgação
17/04 da professora os alunos
Excerto 10 estão desmotivados, rea-
lizando outras atividades_
13 _Neste momento, um
aluno sugere que tenham,
um dia, aula na praça (que
fica ao lado da escola), na
qual um colega levaria o
violão, outro o chimarrão
e um terceiro cantaria._
Cópia escaneada das páginas do livro didático utilizadas nas aulas observadas,
ANEXOS
fotos da professora escrevendo no quadro.
[...] Deste modo, indiscutivelmente para que os objetivos pré-definidos pelos PCN’s e pre-
sentes nos P.P.P’s das escolas, é preciso que todos nós alunos de graduação, professores,
diretores, gestores e etc. paremos para refletir que tipos de profissionais queremos ser, que
tipo de alunos queremos formar e como podemos contribuir significativa e relevantemen-
te para melhoria do sistema educacional, uma vez que para mudar o mundo é necessário
mudar as maneiras de fazer o mundo, a maneira como olhamos o mundo que não se res-
tringe a nós mesmos. Definitivamente, não basta ser “inovador” se o professor não tiver um
bom embasamento teórico como apoio para que a prática seja relevante e a aprendizagem
dos alunos permanente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho, buscamos mostrar, a partir de dados gerados por meio de
perspectiva etnográfica em contexto de estágio supervisionado, a relevância de fazer
da prática de estágio um espaço de reflexão crítica e argumentativa. Ao buscarem
evidências para suas asserções a respeito do ensino observado na escola, duas estagi-
árias em Letras mobilizaram seus olhares para as ações dos diferentes atores sociais e
também para os diferentes artefatos socioculturais e práticas relevantes no contexto de
seu mundo de trabalho, neste caso, a escola. Além disso, cruzaram sua experiência de
observação com sua vivência na academia e conseguiram compreender a complexida-
de da sala de aula e o papel fundamental da teoria na visibilização e compreensão do
discurso didático e das práticas de ensino.
Nesse sentido, a perspectiva etnográfica não dialogou apenas com as práticas de
ensino e pesquisa da professora orientadora, mas também foi importante para pro-
mover novas percepções das professoras em formação acerca da “aula”, um espaço
tão conhecido, mas que era preciso estranhar para que o ponto de vista de alunas se
articulasse ao de professoras. Notamos, ainda, o quanto foi importante a intervenção
da orientadora no desafio a visões estereotipadas expressas nos primeiros relatos de
observação de aulas na escola, e a relevância de aliar reflexão à argumentação, no que
chamamos de sequências narrativo-argumentativas, durante o processo de (re)textuali-
zação das observações realizadas. Do mesmo modo, percebemos ser relevante orientar
para a produção de instrumentos de geração de dados multimodais (anotações, foto-
grafias, entrevistas) que não focalizem estritamente a construção do objeto de ensino
disciplinar, mas a compreensão “do que acontece no aqui e agora” da sala de aula.
Pesquisas futuras que visem articular letramento profissional docente e etnogra-
fia poderiam ampliar os instrumentos de geração de dados (incluindo, por exemplo,
filmagens), bem como mobilizar olhares para outros aspectos culturais da sala de aula
(questões de gênero, etnia, formação escolar, entre outras)12. Enquanto docente pesqui-
sadora/orientadora, nosso intuito principal durante o período de supervisão de estágio
foi contribuir para que as estagiárias lessem criticamente generalidades acadêmicas et-
nocêntricas sobre a escola e o professor. Ainda que nesse vai- e- vem entre diferentes
perspectivas novas generalidades sejam construídas, acreditamos que estudos que visem
mobilizar nossas crenças e confrontá-las com outras tragam uma modesta, porém rele-
vante contribuição para a formação inicial e continuada de professores. Como docentes
universitários, também precisamos (re) aprender constantemente o que é a escola, e os
estudos acadêmicos ou produtos finais das disciplinas de estágio não podem ser nossa
única fonte de conhecimento. Se assim for, contribuiremos para aumentar o abismo
entre teoria e prática, entre universidade e escola, e para fazer do estágio supervisionado
um lugar apenas para o cumprimento de uma exigência burocrática. Espero que este
12
Estes não são temas novos e foram já discutidos em etnografias escolares publicadas no Brasil, porém não temos conheci-
mento de estudos em que a perspectiva etnográfica tenha sido tomada como metodologia no desenvolvimento dos estágios
supervisionados da forma como propomos no presente artigo.
artigo possa dar pistas do que aprendem os docentes universitários com seus alunos
estagiários, quando o estágio se materializa como espaço de construção colaborativa de
conhecimento. E que essas pistas possam de algum modo incentivar a reflexão crítica
sobre os modos de fazer diálogo (com a escola) na universidade.
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*
Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: ccpbrito@hotmail.com
O discurso como que vive na fronteira do seu próprio contexto e daquele de outrem.
(BAKHTIN, [1975] 2010, p. 92).
INTRODUÇÃO
Entendemos que investigar as práticas de linguagem propostas por professores em
formação, em disciplinas de estágio supervisionado, pode permitir-nos repensá-las não
apenas nesse contexto, mas também em outros ambientes de ensino-aprendizagem
de línguas, uma vez que a formação abarca uma pluralidade de saberes, dizeres e me-
mórias constituídas em múltiplos espaços sociais. Nesse sentido, este trabalho visa
delinear representações de linguagem e de ensino-aprendizagem de língua inglesa (LI),
construídas por professores em formação inicial, por meio da análise de atividades di-
dáticas desenvolvidas em seus planos de aula, bem como discutir o olhar do professor
acerca dessas atividades, com base nas percepções registradas em diários reflexivos.
Nossas considerações são fruto dos trabalhos (BRITO, 2012a; 2012b; BRITO et
al, 2012) que temos desenvolvido no grupo de pesquisa PLES (Práticas de Linguagens
em Estágio Supervisionado)1, a partir de um lugar teórico que contempla a Linguís-
tica Aplicada em interface com a Análise do Discurso de linha francesa e em diálogo
com a perspectiva bakhtiniana de linguagem. Esse entremeio nos possibilita pensar a
formação de professores e os processos de ensino-aprendizagem de línguas, ancorados
em uma noção de língua(gem) marcada pela incompletude e heterogeneidade e em
uma visão de sujeito cindido, fragmentado, constituído sempre na relação com o(s)
outro(s)/Outro. Sob esse viés, defendemos que
‘ser professor de línguas’ ou ‘saber uma língua’ é – mais do que um conjunto de
saberes ou competências possuídos por um sujeito – um processo contínuo de (des)
inscrição em discursos sócio-historicamente constituídos, de (des)identificações com
memórias discursivas, na e pela linguagem. Processo esse que se (des)atualiza na
enunciação. Nesse sentido, a AD, por meio de conceitos, tais como os de sujeito,
discurso, sentido, memória discursiva, dialogismo e polifonia – e, enfim, sua
própria noção de linguagem –, pode oferecer suporte às reflexões sobre os processos
de formação docente e de ensino-aprendizagem de línguas, áreas tão caras à LA.
(BRITO e GUILHERME, 2013, p. 25-26).
1
O grupo está cadastrado no CNPq/UFT, sob a coordenação do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Silva (UFT).
2
Há de se ressaltar, todavia, que programas como o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) tentam
suprir essa lacuna, promovendo a articulação teoria-prática, nas licenciaturas, ainda nos períodos iniciais.
3
Tomadas aqui no sentido de formações imaginárias, tais como formuladas por Pêcheux ([1969] 1997), a saber: como o jogo
de representações que designam o lugar que os interlocutores atribuem a si mesmos e aos outros.
6
As informações referentes ao minicurso (resumo, período de matrícula, número de vagas etc) foram divulgados no site da
Coordenação de Extensão e Educação Continuada em Letras (CECLE - http://www.cecle.ileel.ufu.br/).
seu dia; em uma publicação em uma rede social, dentre inúmeras outras. De qualquer
forma, o que parece ser escamoteado, na proposta desse tipo de atividade, são as con-
dições de produção de linguagem, as quais são, por sua vez, inevitavelmente marcadas
por um contexto social. Nesse sentido, esvaziada de qualquer propósito de interação
verbal, a atividade torna-se mero exercício escolar, em que o que interessa é mostrar ao
outro (no caso, o professor) que se aprenderam as regras do jogo.
Ao refletir acerca da aula ministrada, P1 aponta, no diário reflexivo presente no
relatório de estágio supervisionado, que
(Ex.1)8: em relação ao conteúdo da aula, acredito que as primeiras aulas fugiram
um pouco do tema, um pouco focada na gramática ao invés do tema do minicurso,
pois este estágio foi uma experiência diferente das outras, sendo que nunca havíamos
trabalhado este tema e confesso que no começo foi muito trabalhoso.
A nosso ver, ainda que o uso de segmento de um filme possa apontar para o desejo
de se distanciar das práticas de ensino meramente estruturais, de modo a abrir espaço
para que olhares outros sobre os textos e dizeres venham à tona, provocando desar-
ranjos subjetivos e arranjos significantes (SERRANI-INFANTE, 1997), entendemos
que P1 parece ter dificuldade de sustentar uma posição – teoricamente fundamen-
tada – acerca de sua própria prática, utilizando-se de argumentos vagos, que pouco
contribuem para problematizar o fazer docente, tais como os expressos nos sintagmas:
atividade muito proveitosa, aula foi de certa forma proveitosa, cresci como profissional, e
na suposta aprovação dos alunos em relação à aula.
Essas expressões assumem o caráter de um discurso pronto – espécie de jargões
pedagógicos – por meio do qual se tenta construir uma imagem positiva perante o
interlocutor, associando o conceito de ‘boa aula’ (ou ‘aula proveitosa’) unicamente à
satisfação pessoal dos alunos, sem consideração, por exemplo, pelo contexto mais am-
plo em que se realizam os complexos processos de ensino-aprendizagem.
8
‘Ex.’ refere-se aos respectivos excertos retirados dos diários.
senti que não teve o mesmo efeito, os alunos não conseguiram perceber facilmente
que poderiam usar o que tinham aprendido na aula para fazer a discussão proposta.
P3 propõe, no plano, iniciar a aula com uma breve revisão do conteúdo passado.
Para introduzir o tema, propõe realizar um brainstorming, por meio das seguintes
perguntas: Do you like food which contains chicken? Do you know any recipe of a food
which has chicken as one of the ingredients? How do you prepare it?. P3 sugere, então:
exibir um vídeo sobre duas receitas que utilizam carne de frango; pedir aos alunos que
respondam perguntas de compreensão; e revisar alguns aspectos do gênero (caracte-
rísticas típicas da receita culinária e verbos no imperativo). Pela descrição do plano,
P3 dá continuidade à aula com a explicação do vocabulário e, posteriormente, entrega
o script das receitas aos alunos para que, em duplas, façam perguntas a respeito dos
ingredientes da receita do colega, utilizando how much e how many. Passa-se à expla-
nação, por meio de exemplos, dos conectivos típicos de uma receita culinária e pede-se
que os alunos repitam uma receita em que tais conectivos são utilizados. Os alunos
deverão fazer leitura da receita de um dos pratos favoritos do cantor Elvis Presley e as-
sociar as ações do texto a imagens. Para finalizar, propõe-se que realizem uma atividade
em que têm de colocar frases em ordem, com base em uma receita de barbecued kebab,
e acrescentar os conectivos correspondentes.
Percebemos, pelo plano, a tentativa de P3 de promover o ensino da língua além
da mera prática de exercícios estruturais, ainda que seja por meio de atividades mais
ou menos diretivas e controladas. A língua aparece, pois, como instrumento de comu-
nicação e o ensino-aprendizagem como processo de interação, no intuito de construir
e produzir sentidos.
Na releitura acerca da referida aula, no diário reflexivo, P3 registra:
(Ex. 4) Na minha própria concepção, a aula 14 do minicurso foi uma das aulas mais
interessantes que planejei durante o mesmo e foi a que mais tive o prazer de ministrar.
(Ex. 5) Outro aspecto importante do meu planejamento foi o fato de que eu preparei
uma aula menos estrutural: sem exposição de conteúdos gramaticais. Eu preparei
mais exercícios práticos relacionados à parte da língua que eu queria explorar, que é
justamente a questão do how much/how many e a questão dos conectivos. Acredito
que essa aula fez parte das primeiras em que passei a mudar minha concepção de
linguagem, deixando um pouco o lado estrutural de lado. Até mesmo nos exercícios
não houve preenchimento de lacunas em frases descontextualizadas e quebradas, tal
como já havia feito em lista de exercícios.
(Ex. 6) Por fim, acredito que foi uma aula crucial para mim, pois apresentou atitudes
minhas mais amadurecidas como professora, pois modifiquei de certa forma meu
modo de dar aulas.
... nada se diz ou por nada nos interessamos que, de alguma maneira, já não esteja lá,
no inconsciente, isto é, que não tenha sido internalizado; assim, só há identificação
possível com um fato, objeto exterior ou com outro sujeito, quando este encontra eco
no inconsciente que o reconhece ou identifica sem necessariamente o consentimento
do consciente. (CORACINI, 2003, p. 253).
10
Dentre as inúmeras críticas ao modelo PPP, Ellis (2006 apud NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 6) ressalta que há outras formas
– além da apresentação e prática – de se ensinar gramática, tais como: apresentação de regras sem a prática controlada ou a
prática sem a apresentação explícita; exposição dos aprendizes a amostras da língua em que ocorrem as formas gramaticais
em questão; ou o ensino por meio do feedback aos erros cometidos por alunos durante tarefas comunicativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso gesto de leitura em relação aos planos de aula, propostos por professores es-
tagiários, permitiu-nos entrever que a língua(gem) é basicamente delineada ora como
sistema abstrato de formas e itens vocabulares, ora como instrumento de comunica-
ção. O ensino-aprendizagem, por sua vez, é tido como processo controlado de exer-
cícios de vocabulário e gramática ou de atividades que abrem mais ou menos espaço
para a construção/produção de sentidos, supostamente culminando no engajamento
do aprendiz em situações comunicativas, por meio da língua alvo.
No que concerne às práticas de linguagem propostas nesse contexto específico de
estágio supervisionado, achamos pertinente salientar dois pontos. O primeiro diz res-
peito à produção de materiais e o segundo se refere à formação do professor. A produ-
ção de materiais configurou-se como experiência nova tanto para os estagiários quanto
para a professora orientadora, visto que, até então, eram adotados livros didáticos de
língua inglesa, nos minicursos oferecidos à comunidade. Pode-se argumentar que os
materiais sejam mais organizados do que os produzidos pelos estagiários, resultando
um aglomerado de atividades ou propostas disponíveis em outras fontes. E nesse senti-
do seria até mais interessante fazer uso dos materiais já prontos e amplamente difundi-
dos e aceitos no mercado de ensino de línguas. Todavia, esse processo de organização/
elaboração/adaptação, o qual demanda tempo significativo, apresenta-se como possi-
bilidade de ressignificação e construção de saberes, representações e concepções acerca
da prática pedagógica de ensino de línguas estrangeiras, abrindo espaços para deslo-
camentos discursivos. É um momento que exige do professor decisões, por exemplo,
quanto ao que fazer ou não, no momento da aula, ou acerca de quanto tempo gastar
em determinada atividade. Escolhas aparentemente banais, mas nem sempre simples
para os que estão no início de sua vida profissional.
Kumaravadivelu (2003), ao postular aquilo que denomina de ‘pedagogia pós-
-método’, argumenta que o conceito de método – entendido como um conjunto de
princípios teóricos (oriundos de diversas disciplinas) e de um conjunto específico de
procedimentos na sala de aula (técnicas de ensino e aprendizado) usados no intento
de alcançar os objetivos do ensino/aprendizagem – parece ser central em cursos de
formação de professores de LE.
Para esse autor, tal conceito esbarra em limitações como a idealização, isto é, o
fato de os métodos serem idealmente concebido para contextos idealizados e de serem
inadequados e limitados para explicar satisfatoriamente a complexidade das operações
de ensino de língua ao redor do mundo (relação entre conhecimento do professor,
percepção do aluno, necessidades sociais, contextos culturais, demandas políticas, res-
trições econômicas e institucionais etc.). O autor propõe, então, que se pense em uma
‘pedagogia pós-método’, que consistiria não em um método alternativo, mas em uma
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school students learning, the academic preparation and the school and academy
teachers planning are developed.
Keywords: reading comprehension; textual consciousness; final years of junior high
school; supervised teaching practice; interfaces.
COMENTÁRIOS INICIAIS
Todos que de alguma forma estão próximos de estudantes do Ensino Fundamental
reconhecem suas dificuldades em compreender textos, até mesmo dos que, frequentes
no ambiente, evidenciam larga função social, portanto relevância nas interações.
Esse reconhecimento, apesar de alguns avanços nas orientações oficiais e nas ca-
pacitações proporcionadas, tem mantido alguns desconfortos: os pais preocupados
com o potencial competitivo dos filhos, aquém do desejável; os alunos com medo
do fracasso; os professores confusos com as incompatibilidades entre alguns livros
didáticos do mercado editorial, as determinações programáticas de algumas escolas, as
orientações teóricas da academia e sua própria história como aprendizes; o poder pú-
blico frustrado pelo insucesso de determinadas iniciativas; a academia perplexa diante
da correlação negativa entre o esforço de ensino realizado e o benefício de aprendizado
alcançado; e os acadêmicos, em seus momentos finais de curso, inseguros diante das
responsabilidades com o Estágio Docente Supervisionado (EDS) que se avizinha.
Com o objetivo de contribuir para o entendimento dessa situação e, se possível,
para a redução desses desconfortos, o presente artigo elege como eixo o desenvolvi-
mento da compreensão leitora e da consciência textual de alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental no contexto do EDS de Letras/Língua Portuguesa, na interação
universidade/escola. Nessa escolha, os professores universitários, os professores das
escolas, os acadêmicos de Letras e os alunos desses estagiários estão entrelaçados, de-
sempenhando importantes papéis na construção de paradigmas de interfaces em que
caminhos de ensino possam ser produtivos.
Para isso, no presente artigo, é feita, primeiramente, uma análise dessa situação, a
seguir, são desenvolvidos fundamentos relevantes para a perspectiva assumida, após, é
apresentado um caminho construído no âmbito das relações com os estagiários e as es-
colas (professores e alunos de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamen-
tal) e, por último, são feitas considerações sobre a produtividade dessas construções.
A SITUAÇÃO DO ENSINO E DO
APRENDIZADO DA LEITURA
Uma vez que o objetivo deste artigo é disponibilizar um caminho de ensino da
compreensão leitora e da consciência textual, é necessário antes que se observe como
se encontra o panorama de ensino no Brasil. Assim, tem-se que analisar os resultados
de avaliações feitas nos diversos níveis de ensino da Educação Básica com o intuito de
examinar a qualidade da aprendizagem na escola.
É possível observar que há mecanismos medidores da situação da aprendizagem no
Brasil tais como: IDEB, Prova Brasil, PISA entre outros. Esses instrumentos indicam a
necessidade de o ensino brasileiro passar por uma reorganização educacional que reavalie
em todos os níveis de ensino o papel da escola como formadora de cidadãos capacitados.
Não se pode negar que a origem social do estudante afeta o desempenho escolar,
porém as políticas educacionais não podem ser feitas levando-se em conta somente os
problemas sociais, até porque eles também são encargos de outros setores governamen-
tais. Não se nega que a Educação seja o caminho para a libertação do indivíduo, mas,
sozinha, não dá ao indivíduo todas as condições de subsistência.
Hoje, discute-se a universalização do acesso ao ensino como uma forma de ga-
rantir a todos o acesso à escola e, por conseguinte, ao conhecimento. No entanto, há
lacunas na Educação que suscitam discussões sobre os investimentos nessa área. A
Educação precisa ser prioridade ao se pretender melhorar o desempenho na compre-
ensão leitora dos estudantes na Educação Básica.
No final da década de 70, a UNESCO sugeriu a adoção do conceito de alfabe-
tismo funcional, competência atribuída à pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita
para fazer frente às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para
continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida (RIBEIRO et al., 2002).
No entanto, deve-se levar em conta que, em todo o mundo, a modernização das so-
ciedades, o desenvolvimento tecnológico, a ampliação da participação social e política
colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita.
No que diz respeito à leitura, Ribeiro et al. (2002) definem três níveis de alfabe-
tismo além daquele que seria o analfabetismo absoluto. No nível 1 de alfabetismo, o
leitor localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou
chamada de capa de revista, por exemplo. No nível 2, o leitor consegue localizar uma
informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo
que seja necessário realizar inferências simples. E, finalmente, no nível 3 de alfabetis-
mo, é possível localizar mais de um item de informação em textos mais longos, com-
parar informação contida em diferentes textos, estabelecer relações entre informações
(causa/efeito, regra geral/caso, opinião/fato) e reconhecer a informação textual mesmo
que contradiga o senso comum.
1
Sistema da Avaliação da Educação Básica. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/saeb/aneb-e-anresc>. Acesso em: 30/03/14.
2
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado>. Acesso em: 30/03/14.
3
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Disponível em: <http://ideb.inep.gov.br/resultado>. Acesso em: 30/03/14.
também com um trabalho com gêneros textuais com pouca consistência e um certo
abandono do texto literário. Encontra ainda um trabalho em que a leitura está disso-
ciada das reflexões linguísticas e da produção escrita. Situações como essas são encon-
tradas, embora a existência de iniciativas importantes como a do Programa Nacional
do Livro Didático, que disponibiliza diretrizes para elaboração dos livros didáticos
com perspectiva de ensino de língua mais atualizadas nas quais a gramática descontex-
tualizada perde força, a diversidade textual é estimulada, o texto literário é valorizado
e a análise e a reflexão linguística são recomendadas.
O professor recém saído da academia ou em processo de saída se depara com uma
escola desenvolvendo caminhos de ensino da leitura já vistos com reservas por essa aca-
demia. Cabe ressaltar que também os órgãos oficiais não preconizam esses caminhos.
A prova disso é que os instrumentos que avaliam a Educação Básica são norteados por
uma ênfase na compreensão da leitura e nos processos reflexivos sobre a linguagem. Os
dados de insucesso acima descritos estão de certo modo vinculados a essa dissociação
entre as recomendações baseadas na Linguística e as baseadas na prática escolar.
Não é de se estranhar que, nesse quadro, haja uma redução da busca da profissão
de professor, como mostra o relatório de 2006 da Organização para Cooperação e De-
senvolvimento Econômico (OCDE). Nele há um conjunto de dados de realidades de
diferentes países, revelando duas grandes inquietações relacionadas à carreira docente:
a escassez de professores, especialmente em algumas áreas; e o perfil do profissional em
termos de conhecimentos e habilidades (TARTUCE et al., 2010). Além disso, não po-
demos esquecer que a preocupação não é só de atrair as pessoas para a carreira em licen-
ciatura, mas também, e talvez a maior delas, manter os professores na profissão docente.
Como é possível observar, com a discussão feita até este ponto do texto, a reali-
dade do ensino no Brasil ainda demonstra a necessidade de se investir mais na quali-
dade do ensino, colocando a leitura efetivamente como foco, conforme demonstram
pesquisas e instrumentos de avaliação nessa direção. Na próxima sessão, esse tópico é
examinado mais detalhadamente, focalizando a compreensão leitora e seu processa-
mento e a consciência textual.
CAMINHO LINGUÍSTICO-PEDAGÓGICO
DE ENSINO DA LEITURA
A perspectiva assumida neste artigo se evidencia já nos autores – um professor
orientador de EDS de Letras/ Língua Portuguesa da PUCRS, e um professor de Lín-
gua Portuguesa de escola de Ensino Fundamental. O primeiro, coordenador de pes-
quisas sobre aprendizado e ensino da leitura e da escrita, e o segundo, participante de
uma dessas pesquisas, como professor de escola, e orientando de doutorado do primei-
ro, desenvolvendo tese sobre as relações entre leitura e escrita. Assim, o texto busca, na
especificidade de ângulos da escola e da universidade, o liame entre essas duas institui-
ções, constituindo-se o EDS em momento privilegiado para esse propósito.
O caminho linguístico-pedagógico é proposto neste tópico com base nessa pers-
pectiva e nos fundamentos expostos, construído na prática dessa disciplina do Currí-
culo de Letras, que se desenvolve sucessivamente nos seguintes momentos:
• debate sobre o plano de trabalho, as normas administrativas e a documenta-
ção comprobatória do estágio;
• aprofundamento dos fundamentos teóricos sobre compreensão e processa-
mento da leitura, produção escrita e suas relações com a leitura, organização
e funcionamento da linguagem e consciência textual;
• discussão do paradigma linguístico-pedagógico;
• demonstração das possibilidades de transposição didática do paradigma;
• definição e busca das escolas;
• orientações para o planejamento das aulas e as relações com as escolas;
• realização e registro de observações das aulas da turma da docência;
• elaboração dos planos de aula (seleção dos textos e organização das atividades
de ensino e avaliação);
• realização da pré-avaliação dos alunos;
• desenvolvimento da docência;
• realização da pós-avaliação dos alunos;
• análise dos dados das avaliações;
• elaboração do relatório das ações de ensino e avaliação;
• elaboração de um ensaio sobre tópico relevante identificado ao logo do EDS;
• apresentação do trabalho desenvolvido em seminário da turma.
COMENTÁRIOS FINAIS
Ao fechar este artigo, cabe a realização de alguns comentários sobre o tema que
o norteou – compreensão leitora e consciência textual nos anos finais do Ensino
Fundamental no ambiente das relações entre universidade e escola no ESD de Le-
tras/Língua Portuguesa.
Esses comentários abrangem o contexto pedagógico, a escolha teórica e a perspec-
tiva de ensino proposta, em seus pontos essenciais.
A observação do momento atual do ponto de vista pedagógico, conforme exposto
anteriormente, evidencia a existência de variáveis políticas e econômicas no ensino,
constituindo um corpo de condições pouco favoráveis ao aprendizado dos estudantes.
No caso do desempenho em leitura, especificamente, a análise dos dados decor-
rentes da aplicação das provas oficiais coloca os jovens estudantes de anos finais do En-
sino Fundamental em situação de desvantagem devido à baixa competitividade tanto
na dimensão nacional como na internacional. Essa situação, de complexa influência
no que se refere aos aspectos globais, vem contando para sua alteração com a prepara-
ção dos professores e com a contribuição dos pesquisadores para isso.
Nesse quadro, as relações entre a universidade e a escola ganham importância e
o ESD de Letras/ Língua Portuguesa, com seus estagiários, constitui-se numa porta
aberta promissora, na medida em que paradigmas consistentes criados nesse âmbito
são discutidos e socializados. No caso do aqui exposto, apresenta por si uma possibi-
lidade teórica e metodológica a mais por ter seu nascedouro em áreas da Linguística
vocacionadas para o aprendizado e o ensino – a Psicolinguística em suas interfaces
com a Linguística do Texto e as Neurociências. Os fundamentos desse paradigma
constituem-se numa seleção dos tópicos que explicitam o aprendizado da leitura e
possibilitam a proposição de caminhos para o seu ensino.
Os fundamentos teóricos utilizados indicam a existência de relações entre a com-
preensão da leitura de texto e a consciência textual. A primeira se realiza como proces-
samento cognitivo, que, por sua vez, conta com o uso de estratégias cognitivas e meta-
cognitivas de leitura. A segunda consiste no direcionamento da atenção do leitor para os
constituintes linguísticos do texto e para o processo de compreensão por ele realizado,
com vistas ao sucesso no entendimento e à explicitação dos procedimentos utilizados.
A consciência textual focaliza a superestrutura do texto, a coerência e a coesão. Há
que ressaltar, no entanto, que esse nível de consciência, por ter o texto como objeto de
observação e reflexão, necessita transitar por todos os planos linguísticos e suas corres-
pondentes unidades constituintes.
Isso significa que, para o desenvolvimento da consciência textual e da compreen-
são leitora nos anos finais, é necessário que o estagiário/professor encaminhe ativida-
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ESTÁGIO E PESQUISA
O curso de Letras Português-Espanhol da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) tem se dividido, classicamente, em duas modalidades – bacharelado e licen-
*
Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: antonioandrade.ufrj@gmail.com
1º semestre 2º semestre
2
O próprio autor deste texto é o docente responsável pelas disciplinas Didática Especial e Prática de Ensino de Português/
Espanhol da Faculdade de Educação da UFRJ desde o primeiro semestre de 2010.
3
Todos os estudantes que participaram desta atividade autorizaram a utilização de suas produções manuscritas, impressas ou
digitais para fins de pesquisa.
1- Capa: deve conter cabeçalho (UFRJ / FE / FL), título, aluno, menção ao tipo de avaliação de-
senvolvida como critério parcial de aprovação na disciplina Prática de Ensino de Português/
Espanhol, professor, data (semestre e ano);
2- Introdução: deve conter a delimitação do tema e do problema da pesquisa. É aconselhável
destacar uma pergunta que sirva como guia de desenvolvimento do trabalho;
3- Justificativa: deve explicitar o motivo que levou o estudante/pesquisador a escolher o
tema e o enfoque de investigação;
4- Objetivos: devem delimitar com clareza o objetivo geral e os objetivos específicos da pes-
quisa, lembrando que o geral é o foco da investigação e os específicos constituem questões
adjacentes ao problema principal que não podem ser ignoradas pelo pesquisador ao longo
da sua trajetória de análise. Atenção: tais questões só devem ser formuladas como objetivos
específicos na medida em que auxiliem a reflexão sobre o objetivo geral;
5- Fundamentação teórica: deve desenvolver conceitos teóricos que permitirão o aprofun-
damento da reflexão sobre o(s) objeto(s) de pesquisa. É importante neste ponto demonstrar,
de maneira clara e coerente, a filiação a uma determinada linha teórica ou o modo como o
projeto quer relacionar autores e questões teóricas de bases diferenciadas. Atenção: a funda-
mentação teórica deve ser adequada ao objetivo central da pesquisa;
OBS 1: O texto deve ter no mínimo 7 laudas. A capa, a bibliografia e os anexos não
entram nesta contagem de laudas. Formatação: Times New Roman, 12, entre linhas
1.5, papel A4, margens (superior/inferior/esquerda/direita) de 2,5 cm. As páginas
devem estar numeradas a partir da introdução.
OBS 2: As referências feitas no corpo do texto devem vir entre parênteses, com o
sobrenome do autor, ano da publicação e página.
mento na teoria sem considerar sua pertinência para a análise de contextos específicos
vivenciados na sala de aula, ora o estabelecimento de estatísticas ou o alongamento de
relatos das situações de estágio – no intuito de manter a “objetividade” da pesquisa –
desprovidos, contudo, de uma base teórica que os auxiliasse na percepção de aspectos
que fossem além do senso comum.
Por isso, seria interessante destacar aqui os resultados obtidos por alguns trabalhos
desenvolvidos no estágio da licenciatura em Espanhol, os quais demonstraram mais
abertura às questões específicas da língua e da cultura estrangeiras, em suas distintas (e
às vezes problemáticas) inserções no contexto real dos processos de ensino-aprendiza-
gem ocorridos na escola pública, e que assim puderam suscitar, ao longo do processo
de investigação e de (re)escrita, formas produtivas de reposicionamento discursivo de
seus autores: que, não sem atropelos e tensões, se moveram do lugar de espectadores
passivos da prática docente ou de pesquisadores objetivos e distanciados em direção
ao de participantes ativos do cotidiano escolar – professores em formação que, ao
mesmo tempo, estavam aprendendo a ser pesquisadores da atividade pedagógica. Tal
movimento exige, ou deveria exigir, evidentemente, a reapropriação/reconformação
de certas tradições investigativas e, consequentemente, dos modelos genéricos de con-
figuração de pesquisa vigentes.
No trabalho “O ensino de línguas estrangeiras no Brasil”, por exemplo, o proces-
so de desenvolvimento da pesquisa passou por uma nítida evolução qualitativa, obtida
através do esforço de orientação, que respondeu criticamente ao tom prescritivo e
generalizante mantido pelo licenciando nas primeiras versões do trabalho. Veja-se o
seguinte fragmento:
O presente trabalho visa mostrar as diferentes formas de ensino de língua estrangeira
(espanhol) nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro [...]. Buscaremos as
diferentes abordagens em relação ao material didático para que possamos incluir ou
excluir opções para um melhor aproveitamento dos mesmos. (Trabalho 1 - 2ª versão)6.
institucionalmente”, atitude esta que cultiva “uma postura passiva no aluno”, visto
como receptor de conhecimentos inquestionáveis, o licenciando começou a problema-
tizar o seu próprio lugar de observador distanciado que não se envolve com os sujeitos
participantes da pesquisa e que aparentemente contém a receita para a melhoria do
trabalho pedagógico. Essa posição assumida pelo pesquisador seria igualmente res-
ponsável pela manutenção da figura do professor da escola num lugar de passividade
em relação às estratégias didáticas renovadoras. Por isso, na última versão do trabalho,
o autor modaliza seu discurso e se reposiciona, entendendo-se agora como o agente
propiciador de uma reflexão cujo coenunciador principal são os profissionais da escola
campo de estágio, ainda que nutra a ambição de pintar um panorama totalizante de
modo a alcançar a figura abstrata de uma certa comunidade acadêmica:
[...] este trabalho tem como objetivos entender como é realizado o processo de
ensino de língua espanhola em turmas do ensino médio de um colégio estadual da
cidade do Rio de Janeiro [...], compreender as dificuldades encontradas e mostrá-las
aqui. A professora e os alunos serão nossa fonte de pesquisa e por intermédio dos
mesmos buscaremos os fatores que influenciam positiva ou negativamente o ensino
do Espanhol como língua estrangeira no Brasil. (Trabalho 1 - 5ª versão)
algo infinitamente repetível nos mais diversos gêneros e textos –, ratificado pela
análise do licenciando, diminui, em parte, a abrangência crítica de sua discussão.9
Apesar disso, os resultados obtidos não deixam de considerar a relação entre os pro-
blemas socioeducacionais e as habilidades linguísticas, o que demonstrou ser um viés de
reflexão profícuo para as discussões empreendidas na turma de Prática de Ensino. Ao
estabelecer, por exemplo, a relação entre os índices de assiduidade e de desempenho,
em questões da avaliação bimestral do colégio relativas à compreensão textual e ao co-
nhecimento dos itens lexicais, de turmas dos turnos da tarde e da noite de uma escola
estadual da zona sul do Rio de Janeiro, o estagiário chegou ao seguinte resultado:
[...] salta à vista a média de frequência muito reduzida no horário noturno, em que
só 1/4 dos aprendizes apresentam mais de 60% de frequência às aulas. Comparando
à média de frequência no horário da tarde, em que 2/3 dos aprendizes frequentaram
mais de 80% das aulas do semestre, e também ao desempenho em ambos os horários,
se vê como algo proporcional a frequência às aulas e o desempenho efetivo nas
habilidades de compreensão leitora e lexical de LE.10 (Ibid. - tradução livre).
Aproveita-se para assinalar, a partir desse trabalho, que uma das marcas dos arti-
gos produzidos no âmbito do curso de Prática de Ensino é a incorporação das políticas
públicas de ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil como justificativa fundamental
para a formulação de problemas pertinentes à pesquisa em estágio. Tal inter-relação,
em diversas outras esferas da pesquisa acadêmica em Letras e Linguística, não se faz ne-
cessária devido aos próprios recortes e enquadramentos teóricos adotados pela tradição
científica da área – responsável, em grande parte, pelo silenciamento das discussões
sobre a profissionalização docente:
É sabido que ao entrar em contato com a língua estrangeira, o aluno percorrerá
novamente o processo sociointeracional de construir conhecimento linguístico
e aprender a usá-lo, percurso que já foi experienciado no desafio de aprender sua
língua. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a aprendizagem de
uma língua estrangeira proporcionará, em linhas gerais: I) aumento do conhecimento
sobre a linguagem que o aluno construiu sobre sua língua materna, por meio de
comparações com a língua estrangeira em vários níveis; e II) possibilidade de o aluno,
ao se envolver nos processos de construção de significados nessa língua, constituir-se
em um ser discursivo no uso de uma língua estrangeira.
Assim a partir do tema proposto pretende-se analisar como se dá essa relação entre
língua materna e estrangeira, observando até que ponto aquela pode contribuir como
uma experiência enriquecedora no processo de aprendizagem desta, e/ou em que
medida a LM pode “ofuscar” a LE, desde que o papel desta não esteja bem esclarecido/
definido para o aluno, ou seja, se o mesmo ainda a vê como uma mera conversão de
palavras à sua LM [...] ou se já a vê como um sistema linguístico próprio. Entende-se,
dessa forma, a aprendizagem de uma LE como expansão da capacidade discursiva do
aluno [...]. (Ibid.)
Como se percebe neste trabalho, ao que parece, nas melhores produções resultan-
tes da experiência de pesquisa em estágio, nota-se não só uma consistente apropria-
ção do discurso político-pedagógico contemporâneo, mas também o desdobramento
argumentativo desse discurso – o que não deveria excluir, é claro, a possibilidade de
sua relativização crítica – em um trajeto equilibrado de constituição de recortes, pro-
blemas e corpora, de eleição de estratégias metodológicas significativas, de aprofunda-
mento das bases teóricas da reflexão em paralelo ao cuidado com as análises de dados
e à produção de conclusões.
CONCLUSÃO
Para finalizar a presente reflexão, ressalta-se a importância de se adotar a pesquisa
em estágio, no formato de estudos etnográficos de cunho qualitativo, como uma estra-
tégia simultânea de avaliação e acompanhamento de professores em formação inicial,
pelo fato de a perspectiva etnográfica servir como instrumento para se compreender
práticas escolares rotineiras e, por isso mesmo, já muito naturalizadas, o que pode
indicar com mais clareza para os licenciandos necessidades reais de mudanças no que
diz respeito às atividades docentes e aos processos educacionais. No prefácio ao livro
Etnografia e educação: relatos de pesquisa, Erickson confirma, por exemplo, a produtivi-
dade da leitura de textos resultantes de pesquisas etnográficas realizadas no espaço da
escola, uma forma de, segundo ele, começarmos a desvendar problemas silenciados ou
vistos como um “beco sem saída”, seja por professores, alunos ou gestores:
Por meio da atenção à pesquisa observacional e à descrição os autores são capazes de
nos mostrar as práticas cotidianas que produzem resultados educacionais. Marx, ao
falar sobre a pesquisa acadêmica, afirmou que “o problema não é o de compreender
o mundo, mas mudá-lo.” No entanto, antes que possamos mudar um aspecto
do mundo, primeiro temos de ser capazes de vê-lo. A etnografia em ambientes
educacionais, tornando visível a conduta habitual dos “procedimentos operacionais
padrão”, mostra-nos os pontos estruturais dos processos educacionais que precisam
mudar.13 (ERICKSON, 2009, p. 8 - tradução livre).
13
Texto original escrito em inglês: “Through close observational research and description the authors are able to show us the
everyday practices that produce educational outcomes. Marx said of scholarly inquiry “the problem is not to understand the
world but to change it”. However, before we can change an aspect of the world we first have to be able to see it. Ethnography
in educational settings, by making visible the habitual conduct of “standard operating procedures”, shows us the structure
points in educational processes that need change”.
REFERÊNCIAS:
AMORIM, Marilia. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São
Paulo: Musa, 2004.
AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. A encenação da comunicação no discurso de divul-
gação científica. In: ___________. Palavras incertas. Campinas: Ed. Unicamp, 1998,
p. 107-131.
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHÍNOV, V. N.). Marxismo e filosofia da linguagem.
São Paulo: Hucitec, [1929] 2002.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.
ERICKSON, Frederick. Foreword. In: MATTOS, Carmen Lúcia Guimarães de e
FONTOURA, Helena Amaral da (Org.). Etnografia e educação: relatos de pesquisa. Rio
de Janeiro: Eduerj, 2009, p. 7-8.
GONZÁLEZ, Neide Maia. Reflexiones en torno a la experiencia de haber hecho
un diccionario. Hispanismo 2004: Língua Espanhola. ABH/UFSC, Florianópolis/SC,
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GRIGOLETTO, Marisa. Processos de significação na aula de leitura em língua es-
trangeira. In: CORACINI, Maria José (Org.). O jogo discursivo na aula de leitura:
língua materna e língua estrangeira. Campinas, SP: Pontes Editores, 2002, p. 103-111.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIO-
NÍSIO, Ângela Paiva et al. (Org.). Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2002, p. 19-36.
PIMENTA, Selma Garrido et al. (Org.). Pesquisa em educação: alternativas investigati-
vas com objetos complexos. São Paulo: Loyola, 2006.
_____ .; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2008.
PINTO, Maristela da Silva. Transferências prosódicas do Português do Brasil/LM na
aprendizagem do Espanhol/LE: enunciados assertivos e interrogativos totais. 2009. Tese.
(Doutorado em Letras Neolatinas). Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2009.
Recebido em 29/03/2014.
Aprovado em 20/04/2014.
(Letras, língua portuguesa; Letras, literatura; Letras, língua inglesa, Matemática, His-
tória e Geografia) em universidades de diversos Estados do Brasil (Tocantins, Goiás,
Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul). Dentre estes onze trabalhos,
interessa-nos mais detidamente aqueles em que entrevemos critérios de avaliação do
supervisor de estágio e que estejam mais voltados para a área de linguagem/ensino de
língua(s). Selecionamos três artigos: Dornelles (2012); Gonçalves e Ferraz (2012) e
Brito (2012).
Os artigos serão apresentados de forma a que se tente responder às seguinte ques-
tão: 1) como distinguir experiências de estágio bem e mal-sucedidas?; 2) que critérios
de avaliação subjazem a esta distinção?
No capítulo ‘Desafios da Didatização da Escrita e da Gramática no Estágio Su-
pervisionado em Língua Materna’, de Clara Dornelles, pretende-se investigar o modo
como uma estagiária de Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Pampa (UNI-
PAMPA) didatiza a escrita e a gramática em aulas do 9º ano do Ensino Fundamental.
Conclui a autora, também supervisora de estágio, que “os resultados indicam que a
principal dificuldade enfrentada pela aluna foi de ordem metodológica e ocorreu no
momento de orientação dos alunos para a reescrita”. (2012, p. 79). Observa, além
disso, que a estagiária reproduziu algumas formas tradicionais de ensino de escrita, tais
como o recurso do sublinhado nos textos, bem como também tentou algumas novas
formas de ensino de gramática e escrita, a saber, valorização dos debates orais previa-
mente às atividades de escrita e percepção de que o conteúdo gramatical estava sendo
aprendido paulatinamente nas atividades de escrita e não somente nas atividades de
análise linguística. Uma citação é importante, pois indica, para nós, claramente, o
método de leitura de Dorneles do relatório de estágio da aluna:
Encontramos, no relatório da estagiária, alguns ‘sinais’ que demonstram que ela
apreende a complexidade da escola; por exemplo, após as aulas de observação que
precederam a regência, percebeu que muito do que planejara, ‘em teorias’, precisaria
ser ‘modificado e adequado às novas realidades’ (p.5) Essas novas realidades se referem
ao (re)conhecimento da sua turma e das dinâmicas desse universo escolar específico:
os alunos têm diferentes níveis de maturidade, interessam-se por diferentes temas
típicos da faixa etária; gostam de falar em situações espontâneas; estão acostumados
com práticas e objetos tradicionais de ensino na aula de Língua Portuguesa; sua maior
dificuldade na escrita é começar a escrever; tem dificuldade na leitura de textos longos;
a leitura de textos com temáticas sociais pode suscitar a emergência de situações
delicadas em sala de aula; (...) Reconhecendo esta complexidade da escola/sala de
aula, a estagiária reconhece também que há outros elementos estruturantes da prática
de ensino além da competência técnica. (DORNELLES, 2012, p. 69, grifos nossos).
mento e (re) conhecimento de ‘sinais’ por parte do estagiário da realidade escolar bem
como de reconhecimento e (re)conhecimento de ‘sinais’ do supervisor no relatório de
estágio são características que conduzem positivamente à reflexão avaliativa da prática
do estágio. No entanto, não percebemos no texto de Dornelles (2012) critérios lin-
guísticos para o que chama de ‘sinais’.
No capítulo ‘Teoria acadêmica e prática profissional na Licenciatura em Letras’,
de Adair Vieira Gonçalves e Mariolinda Romera Ferraz, é analisada a relação entre o
Estágio Supervisionado e a Grade do Currículo do Curso de Letras da Universidade
Federal da Grande Dourados (UFGD). Constata-se que o ‘ensino’ é muito pouco
abordado na grade teórico-prática do curso. A seguir, analisam relatórios de estágio.
Para analisar os relatórios, os autores partem do referencial teórico do interacionismo
sociodiscursivo postulado por Bronckart (2006). As categorias analíticas fundamentais
do relatório são as seguintes: “1) autor: pessoa física – aluno-mestre da licenciatura em
letras; 2) enunciador: pessoa social – aluno-mestre concludente da licenciatura em le-
tras/professor em formação inicial; 3) destinatário: pessoa física – formador responsá-
vel pela disciplina de estágio supervisionado; 4) interlocutor: pessoa social – formador
responsável pelo estágio supervisionado; 5) objetivo do texto: relatar ações desenvol-
vidas durante o estágio de observação e de regência, na educação básica. Comprovar
o cumprimento do regulamento do estágio para obtenção do título de licenciado em
letras. 6) circulação: esfera acadêmica; 7) conteúdo temático: exposição de aspectos
teórico-metodológicos do estágio”. Observamos que Gonçalves e Ferraz são mais ob-
jetivos do que Dornelles (2012) no reconhecimento de ‘sinais’ que conduzem à avalia-
ção do trabalho estagiário. A seguir, os autores analisam uma atividade de transposição
didática em três (3) relatórios de estágio. Vejamos a forma como os autores analisam
duas atividades práticas de um dos relatórios:
“Encontramos a seguinte situação no relatório de estágio.
Hoje explicamos para eles o que são ‘tipos e gêneros textuais”, e trouxemos de
exemplos um texto informativo. Foi explicado o que é um acróstico e pedimos para
ele produzir um com a Copa do Mundo com Exemplo (relatório 1)
Entendemos que o conhecimento da distinção entre tipos e gêneros textuais nem
sempre seja um conteúdo necessário ao aluno da educação básica. A nosso ver,
enfatizar essa diferença é, na verdade, a manutenção de um ensino tradicional em
que conceitos são mais importantes que o uso em si.
Outra situação destacada no Relatório 1 foi o trabalho realizado com o gênero
Charge. Apresentamos o relato:
Hoje trabalhamos com o gênero Charge, explicamos o que é, o que aborda e para
fazer interpretação de uma. Depois para descontrair, trouxemos uma Cruzadinha
sobre a Copa do Mundo (Relatório 1)
Do relato depreende-se que as atividades realizadas com o gênero Charge enfatizam
o contexto de produção. Elas desenvolvem a capacidade de ação dos alunos; estes
passam a ter domínio de situações comunicativas em que a charge se torna um gênero
producente: contexto de crítica, de sátira, relativas a situações sociopolíticas; por
exemplo, as quais, para produzirem efeito, precisam estar no conhecimento prévio
do leitor. Logo, pensamos, uma atividade adequada após a leitura de uma charge
seria a produção de um texto do gênero argumentativo (artigo de opinião, carta
argumentativa, por exemplo), em que o aluno pudesse expor sua opinião sobre o
tema da charge. Todavia, os alunos-mestre utilizaram, em seguida, uma cruzadinha,
gênero que, potencialmente, não contribui para a reflexão/argumentação provocada
pelo primeiro gênero. Portanto, revela-se, na transposição didática, uma deficiência
no entendimento dos objetivos do gênero bem como do trabalho nessa perspectiva”.
(GONÇALVES e FERRAZ, 2012, p. 124-125).
Então chegara o dia de dar aula sozinha.... e ainda dar aula de inglês! E para
completar a professora avaliando. Com certeza não é uma situação tão confortável
né? Os slides ficarão tão lindos! Como uma boa teacher também pensei no
homework! rsrsrs (Diário 2)
Hoje darei minha primeira aula. Tudo certo com a preparação, a unidade é fácil, os
exercícios também. Preparei atividades extras e para casa. Tecnicamente estou pronto
exceto pelo fato de estar super nervoso e ansioso com a situação. Acho que é por que
fica aquela preocupação de ‘será que vão gostar da aula?’, ‘cumpri os objetivos e fui
bem?’ (diário 1).
O outro parece ser representado por alguém próximo, familiar, com quem se teria
intimidade suficiente para não usar uma linguagem formal. Ocorre, portanto, o
apagamento da imagem do outro avaliador, que exerce poder sobre o professor em
formação inicial e o coloca numa situação não ‘tão confortável’, já que, afinal, está
ali para ensinar o que é ser uma boa teacher. Apaga-se o outro avaliador e se projeta
um outro ‘eu’ do sujeito, como se o professor estagiário falasse consigo mesmo (à
semelhança dos diários pessoais, por exemplo). Assim, o interlocutor é o outro do eu”.
(BRITO, 2012, p. 146-147).
Oferecendo uma resposta provisória para a questão inicial deste item, qual seja,
como os estagiários singularizam suas escritas dos relatórios de estágio convertendo-se em
professores em formação inicial ou como ‘banalizam’ suas escritas permanecendo na condi-
ção de ‘estagiários’?, é possível dizer que devemos localizar os índices específicos de pessoa,
tempo e lugar e os procedimentos específicos de recursos sintáticos em cada ato enunciativo
que constitui os relatórios de estágio e reconhecer, nesse sistema de indicação, se eles
apontam tal escrita no sentido de um relatório autônomo, coerente, formal, inovador
ou no sentido de um relatório dependente, incoerente, informal e tradicional, ou na
direção da mescla de algumas dessas características.
Com o objetivo de esclarecer a delimitação de unidades de análise e a relação entre
indicação de subjetividade e domínio de aplicação, apresentamos breve retomada do
artigo ‘A forma e o sentido na linguagem’ (Problemas de Linguística Geral I). Como
Benveniste percebe a noção de ‘forma’? Em A forma e o sentido da linguagem (Proble-
mas de Linguística Geral II), atribui um ‘duplo sentido’ ao termo (no sentido mais
literal de ‘duplo sentido’, qual seja, o de indecibilidade de único posicionamento):
1) forma no sistema semiótico; b) forma no sistema semântico. Benveniste (1989, p.
221) faz um alerta: “ a presente exposição é um esboço para situar e organizar estas
noções gêmeas de sentido e forma, e para analisar suas funções fora de qualquer pres-
suposto filosófico”. Para o autor, ‘forma e sentido são noções gêmeas’, isto é, noções
que nascem juntas mas que percorrem caminhos diferentes.
Em virtude da impossibilidade de enumerar, a priori, as funções da linguagem,
Benveniste parte da noção de signo. Considerando a forma do signo, a saber, o signi-
ficante, Benveniste distingue dois planos: a análise fonêmica (significante) e a análise
semiótica (significante em relação ao significado). Sobre a análise semiótica, atrelada
ao plano do significado, basta dizer que a língua está sujeita a análises da estrutura
formal do significante. Interessa-nos sobretudo o signo no plano do significado, “é no
uso da língua que um signo tem existência; o que não é usado não é signo; e fora do
uso o signo não existe. Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora
da língua” (PLG II, 1989, p. 227). Logo, no sistema semiótico, é suficiente dizer que
a ‘forma’ do signo está sujeita à análise de sua estrutura formal e que o ‘sentido’ do
signo é determinado por sua existência ou inexistência no uso feito ou ignorado pela
comunidade falante. Considerando que ‘forma e sentido’ são noções gêmeas, Benve-
niste parece nos informar que uma análise da estrutura formal só tem sentido quando
determinados signos são aceitos pela comunidade falante. Em nosso caso específico,
a relação interlocutiva entre professor e aluno em situação de ensino de escrita, as
‘palavras’ ou ‘signos’ utilizados pelo professor só fazem sentido de serem analisados se
estiverem sendo usados para estabelecer uma alocução com os alunos.
Benveniste, a seguir, afirma que “há para a língua duas formas de ser língua no
sentido e na forma. Acabamos de definir uma delas: a língua como semiótica; é ne-
cessário justificar a segunda, que chamamos de língua como semântica”. (PLG II, p.
229). Essas duas formas indicam as “modalidades fundamentais da função linguística,
aquela de significar para a semiótica, aquela de comunicar para a semântica”. (PLG II,
p. 229). Assim, embora seja impossível definir a priori as funções da linguagem, é pos-
sível dizer que as duas modalidades fundamentais, significar e comunicar, são ambas
imprescindíveis para o emprego da língua. Para o autor, é apenas no nível semântico
que se pode pensar a sociedade, pois “o funcionamento semântico da língua permite a
integração da sociedade e a adequação ao mundo, e por consequência a normalização
do pensamento e o desenvolvimento da consciência”. (PLG II, p. 229). Se é no âmbito
da semiótica que a indicação da subjetividade deve ser analisada, descrita; é somente
no âmbito da semântica que ela pode servir para orientar o desenvolvimento da escrita.
Se a unidade do semiótico é o signo, qual é a unidade da semântica? A frase. Se-
gundo Benveniste (1989, p. 229), trata-se do ‘intencionado, do que o locutor quer
dizer, da atualização linguística do pensamento (...) a semântica resulta da atividade
do locutor que coloca a língua em ação”. (Benveniste, 1989, p. 229-30). Ono (2007,
p. 70), ao fazer um estudo da palavra ‘frase’ em diversos textos de Benveniste, constata
que há três ‘noções associadas’ a ela, a saber, atualização, predicação e realização. Escla-
rece, com base no artigo de 1966, ‘A forma e o sentido na linguagem’, ora em exame,
que sintagmatização, predicação e atualização são operações realizadas ao mesmo tempo
pelo locutor (ONO, 2007, p. 70). A realização depende do tempo linguístico, isto é, é
da conversão da língua em discurso; logo, sintagmatização, predicação e atualização são
operações necessárias para a realização da frase. A partir dessas afirmações, é possível
fazer uma reflexão sobre as noções de ‘forma’ e ‘sentido’. A forma da frase é o sintagma;
o sentido da frase é a ideia que exprime, ou seja, “a frase é cada vez um acontecimento
diferente (...) ela não pode, sem contradição de termos, comportar emprego; ao con-
trário, as palavras que estão dispostas na cadeia e cujo sentido resulta precisamente da
maneira em que são combinadas não tem senão empregos”. (BENVENISTE, 1989,
p. 231). Daí constatamos que a ‘forma’ da frase está a serviço do ‘sentido’ da frase, ou,
em outras palavras, que a ‘forma’ da frase é o ‘sentido’ da frase.
Como apreender o ‘sentido’ da frase, esta unidade de análise semântica? É im-
portante explicitar dois conceitos correlatos: agenciamento e apropriação. Após a ex-
plicitação destes dois conceitos, acreditamos ter estabelecido um arcabouço teórico
suficiente para compor a metodologia de análise de relatórios de estágio. Vejamos:
Agenciamento.
Definição: processo de organização sintagmática pelo sujeito.
Nota explicativa: Através do agenciamento, o sujeito organiza as formas da língua
para transmitir a ideia a ser expressa em seu enunciado.
Termos relacionados: apropriação, referência, sintagmatização.
(FLORES et. al, 2009, p. 47)
Apropriação.
Definição: processo de uso da língua pelo sujeito por meio da enunciação.
Nota explicativa: Benveniste ressalta que o processo de apropriação ocorre com a
tomada, por inteiro, da língua. É o estabelecimento pelo sujeito de relações com as
formas da língua, de modo a selecionar aquelas que forem compatíveis com a ideia
a ser expressa. (...)
Termos relacionados: atualização, língua, subjetividade.
(FLORES et. al, 2009, p. 49)
ANÁLISE
O relatório de Estágio Supervisionado em análise refere-se ao componente curri-
cular chamado Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa II e pertence à Gabrielli
Dias3, aluna da Universidade Federal do Pampa, campus Bagé, Rio Grande do Sul. A
aluna realizou seu Estágio na cidade de Pinheiro Machado, Rio Grande do Sul, em
turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite. O relatório contém
93 páginas (incluindo anexos), intitula-se O valor das raízes: gramática, língua e cultura
do Rio Grande do Sul e apresenta a seguinte estrutura: 1) Conteúdo/Assunto; 2) Eixos
articuladores; 3) Apresentação; 4) Objetivos gerais do Projeto de Ensino; 5) Série; 6)
Materiais; 7) Dinâmica; 8) Possibilidades de modificação no plano inicial; 6) Referên-
cias bibliográficas; 7) Diários reflexivos das observações das aulas da professora regen-
te; 8) Descrição da escola com fotos; 9) Planos de aula (contendo data, escola, série,
2
O segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto critérios, a saber, percepção da complexidade da escola, formalidade da escrita, coerência
entre plano e aula, independência do supervisor e atendimento das expectativas do supervisor não serão analisados neste texto.
3
A aluna assinou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. De qualquer forma, o nome apresentado é de caráter fictício.
historia do Sul do Brasil, por temas ao longo dos anos. A sequencia didática
será apresentada aos alunos no primeiro dia de aula.
5. A poesia das letras servirão para explorar os Verbos na Música e poesia e em
contra partida da cultura, as rixas entre nativismo e Tchê Music e observação
na linguagem regional das letras das canções.
6. Ensaiar e apresentar trovas a comunidade escolar do noturno como produto
final da valorização da cultura do sul, desenvolvendo a oralidade do grupo da
turma de EJA.
Neste texto, localizamos 6 frases. Em cada uma delas, localizamos índices especí-
ficos de pessoa-tempo-espaço bem como procedimentos sintáticos específicos.
Na primeira frase, os índices de pessoa são apresentados ‘em ausência’, trazendo
um enquadre da ordem da não pessoa, no caso, o sociolinguista Marcos Bagno. Nesta
frase, há o procedimento sintático da negação (Perceber que não é a língua que muda
com o tempo) seguido da afirmação (é os falantes que em sociedade que mudam a língua
com o passar do tempo). Logo, o sintagma ‘os falantes’ é colocado em destaque.
Na segunda frase, há alguns índices de pessoa-tempo- espaço, ao longo da frase:
‘Estágio II’, ‘atenção especial’, ‘abordagem simples’ e ‘maior entendimento da turma’.
Observamos que há, na linearidade sintagmática da frase, uma progressiva aproxima-
ção do redator do relatório com seu próprio dizer (passagem do ‘ele’ ao ‘eu’). Quanto
aos procedimentos sintáticos, observa-se que os dois primeiros períodos são constituí-
dos de frases asseverativas curtas e o terceiro período é constituído de duas frases com
o conector mas, cuja presença assegura a presença do ‘eu’.
Na terceira frase, há um retorno às formas ‘em ausência’, trazendo enquadre da
ordem da não pessoa. Nessa posição, o estagiário, que já revelara uma preocupação
com ‘a turma’, neste momento, volta sua preocupação para o ‘conteúdo’. Esta pre-
ocupação transparece até o final da ‘Apresentação’, na quarta, quinta e sexta frases.
No final da quarta frase, observamos um movimento de aproximação ao ‘eu-tu’, no
seguinte trecho “A sequência didática será apresentada aos alunos no primeiro dia de
aula”. No final da frase seis, há uma ampliação do ‘tu’, isto é, o interlocutor, pois se
observa a passagem da denominação ‘alunos’/’turma’ para ‘turma de EJA’. Além disso,
há um desdobramento na frase seis da díade eu-tu em duas díades, que passa da relação
professor-alunos da turma para alunos da turma-alunos de outra turma. Neste desdobra-
mento, o ‘tu’ inverte-se em ‘eu’.
Quanto aos procedimentos acessórios, relativos às funções sintáticas, observamos
o uso de frases asseverativas curtas. Em especial nas frases cinco e seis, há um esforço
de concisão e objetividade ainda maior, chegando quase ao uso da frase nominal, por
meio de um sujeito marcado por verbo na forma infinitiva impessoal. Segundo Flores
et. al (2008, p. 98-99, grifos nossos), “diz Benveniste que a frase nominal: 1) liga-se
sempre ao discurso direto; 2) serve sempre a asserções de caráter geral, sentenciosas. A
frase nominal quer convencer, propõe uma relação intemporal, por isso permanente,
agindo com um argumento por autoridade; supõe o discurso e o diálogo, mas não
comunica um dado de fato”. Ainda que se tenha como resultado a construção sintática
de ‘frase fragmentada’, o efeito enunciativo gerado é o da preocupação de mostrar que
se está trabalhando com ‘a linguagem regional’ (frase 5) com consequente ‘valoriza-
ção da cultura do sul’ (frase 6), conforme enunciado na frase 1. Assim, a ‘quase’ frase
nominal (frase 6) está vinculada a um ‘suposto’ discurso direto tal como enunciado
na frase 1 (citação do sociolinguista Marcos Bagno). A estagiária coloca sob a forma
de premissa impessoal, inquestionável o aparato teórico da sociolinguística, marca da
qualidade de inovação metodológica.
Os mecanismos de enunciação de não pessoa (‘ele’) marcados de forma alternante
e mais enfática do que os mecanismos de enunciação de pessoa subjetiva (‘eu’) servem
para um duplo propósito: 1º) garantir a presença do elemento ‘terceiro’, qual seja, a
aula, a apresentação, a cultura; 2º) servir de lastro para a ampliação da dimensão do in-
terlocutor, que parte de um ‘tu’ restrito à presença do ‘eu-estagiário’ passando a ‘vocês,
turma do EJA’. Em linhas gerais, a ‘Apresentação do Relatório de Estágio II’ garante a
característica da inovação metodológica, pois, como sabemos, as práticas tradicionais de
ensino de língua são voltadas para uma relação restrita de ‘aprendizagem’ da língua ba-
seada na relação restrita eu-tu. De certa forma, a aluna compreende que trabalhar em
perspectiva sociolinguística também é uma forma de atingir a inovação metodológica.
No entanto, para que se possa ratificar a qualidade de inovação metodológica far-se-ia
necessário analisar outras seções do Relatório de Estágio, em especial os Diários Refle-
xivos das Observações e os Diários Reflexivos das Práticas4.
lativos às funções sintáticas, cremos ser prematuro fazer qualquer afirmação de natureza
categórica. Seria necessário analisar outras seções do Relatório de Estágio, tarefa que
deve ser executada posteriormente. De qualquer forma, considerando as grandes fun-
ções sintáticas, a saber: asseveração, injunção e interrogação, percebemos que a forte
presença da asseveração, alternando movimentos de expansão em frases com conectores e
de redução em frases nominais é um indicativo de qualidade do Relatório de Estágio.
Gostaria de encerrar este artigo dizendo que as relações entre as áreas da Linguís-
tica da Enunciação e da Linguística Aplicada/Letramento do Professor estão em fase
de criação. Nossa tese de doutoramento (Silva, em preparação), em fase de finalização,
será, talvez, um dos frutos dessa articulação que, a nosso ver, está apenas começando.
REFERÊNCIAS:
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de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. UFRGS. (em preparação).
ZABALZA, M. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissio-
nal. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Recebido em 19/11/2014.
Aprovado em 19/04/2014
RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir como o professor observado aparece
em diferentes textos produzidos por estagiários e refletir sobre a validade do emprego
de diferentes gêneros no processo de formação do futuro professor. Essas produções
foram coletadas para a pesquisa de doutorado, de 2004 a 2007, e para uma pesquisa
institucional que dava continuação à anterior, realizada no período de 2008 a 2012, em
uma universidade particular do interior do estado de São Paulo. Para a fundamentação
teórica, baseamo-nos no quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo (BRON-
CKART, 1999, 2004, 2008) e na análise das figuras interpretativas do agir, conforme
Bulea e Fristalon (2004) e também de acordo com pesquisas do Grupo ALTER (MA-
ZZILO, 2006, BUENO, 2009). Como resultados, constatamos que cada gênero apre-
senta um conjunto de figuras, possibilitando ao estagiário construir diferentes represen-
tações do professor que ora aparece de modo idealizado e ora de modo mais próximo
ao observado nas práticas de estágio. Esses resultados permitiram reflexões que geraram
alterações no modo de conduzir o trabalho de formação de professores.
Palavras-chave: figuras interpretativas do agir; trabalho do professor; textos de estagiários.
ABSTRACT: This paper aims to discuss how the observed teacher appears in different
texts produced by trainees and reflect upon the validity of the use of different genres in
the training of future teachers’ process. These productions were collected for doctoral re-
search, from 2004 to 2007, and an institutional research that led to the previous sequel,
conducted from 2008 to 2012, in a private university in the state of São Paulo.. For the
theoretical grounds, we base ourselves on the theoretical framework of sociodiscursive
interactionism (BRONCKART, 1999, 2004, 2008) and on the analysis of acting inter-
pretive figures, according to Bulea and Fristalon (2006) and also according to researches
from ALTER Group (MAZZILO, 2006 BUENO, 2009). As results, we verified that
each genre shows a set of figures, making possible to the trainee to build different repre-
sentations of the teacher who sometimes appears in an idealized mode and sometimes in
a closest mode to the observed in the practices training These results allowed reflections
which generated changes in the mode of conducting the work of teachers training.
*
Docente da Universidade São Francisco.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo discutir alguns resultados de uma pesquisa1 maior
sobre trabalho docente e produção textual em disciplinas de estágios, grupos de for-
mação de professores e atividades do PIBID, no período de 2010 a 2012. Neste arti-
go, nos centraremos nas representações do trabalho docente construídas em textos de
diferentes gêneros empregados na disciplina de Estágio Supervisionado para os cursos
de Letras e Pedagogia em uma faculdade particular do interior de São Paulo.
Essa pesquisa vem sendo realizada a fim de que possamos refletir sobre os diferentes
gêneros empregados na formação docente e sobre como podemos tratá-los para conse-
guirmos contribuir com uma formação cada vez melhor de nossos alunos de licenciatura.
Para isso, em nossa análise, procuramos depreender como o professor aparece, em
textos de estagiários, nas diferentes figuras interpretativas do agir, as quais mobilizam
elementos do agir humano e criam, assim, “cenas” nas quais os profissionais são pos-
tos atuando com elementos diversos ora de modo ativo e ora de modo passivo, como
poderemos observar na exposição que faremos.
Nossa exposição está organizada em três seções: na primeira, explicitamos a con-
cepção de trabalho docente e de estágio que adotamos; na segunda, retomaremos bre-
vemente a nossa fundamentação teórica alicerçada no Interacionismo Sociodiscursivo
(doravante ISD), conforme Bronckart (1999, 2004, 2008) e na discussão das figuras
interpretativas do agir; na terceira, apresentaremos os textos que selecionamos e os re-
sultados da análise realizada; finalizando, com a quarta seção, em que teceremos nossas
considerações finais.
2
O grupo LAF é um grupo de pesquisa da Universidade de Genebra, coordenado pelo professor Jean-Paul Bronckart. O
grupo ALTER, no período de 2002 a 2012, foi coordenado pela professora Anna Rachel Machado; a partir de 2013, como
o falecimento desta professora, passou a ser coordenado pela professora Eliane Lousada, continuando a atuar em parceria
com o grupo LAF.
Vejamos as figuras do agir, conforme detectadas por Mazzillo (2006), que ressal-
tou que as figuras interpretativas do agir, além de expor um modo de dizer, podem
mostrar os modos de agir típicos de uma dada categoria profissional. Para verificar
esses modos de agir, é preciso atentar-se aos predicados e, assim, chega-se a três tipos
de agir: um agir linguageiro, um agir com instrumentos e um agir cognitivo.
O agir linguageiro foi identificado nos predicados que apresentavam verbos de
dizer. Ex.: “Solicitou a participação” ou “A professora chamou sua atenção”;
O agir com instrumentos foi verificado quando há o emprego de verbos que
trazem embutidos em si mesmos a ideia de instrumento (projetar, escrever, etc.) e
verbos que implicam o uso de um instrumento simbólico ou material (ler, separar,
etc.). Ex.: “colava no quadro uma foto”; “fez uma transparência de leitura” (grifos
de MAZZILLO, 2006, p. 113);
O agir cognitivo envolve atividade mental ou capacidade das professoras. Exem-
plo de agir cognitivo: “A professora se surpreendeu”; “A Luci se preocupou em trazer
mais explicações”. Exemplo de capacidade: “A professora não cria, não oferece nenhu-
ma atividade interessante”; “Tem mais técnica para ensinar”.
A junção dos dois tipos de figuras, figuras de ação e figuras do agir, pode nos
apontar mais detalhes da análise do trabalho do professor pelo estagiário, já que a
identificação dessas figuras pode nos ajudar a compreender tanto o modo de dizer o
agir utilizado pelo enunciador quanto o modo de agir de um actante de uma dada ca-
tegoria profissional, contribuindo, dessa forma, para que possamos depreender melhor
os modelos de agir, como poderemos ver na análise a seguir que fizemos de quatro
grupos de textos produzidos por estagiários.
GRUPO I: OS PROJETOS
Analisamos 10 projetos de intervenção5 produzidos por estagiários de um curso
de Letras. Nestes, havia um estagiário escrevendo para o seu professor-supervisor com
o objetivo de cumprir a sua tarefa de estágio e, consequentemente, ser bem avaliado.
Os textos tinham em média 8 páginas e constatamos que eles seguiam as prescrições
da universidade, apresentando a formatação pedida (capa, tamanho de letras, seções
internas, etc.) e procurando utilizar-se de uma linguagem científica, predominando
o discurso teórico em quase todos os textos, fato esperado já que estávamos em um
ambiente universitário, produzindo textos que seriam avaliados. Mas um fato que nos
surpreendeu ocorreu ao verificarmos os actantes colocados em cena nos projetos, pois
em vez de encontrarmos o professor observado pelos estagiários, vimo-nos diante de
um professor genérico, retomado de teorias ou discussões de aulas, dominando todos os
projetos de intervenção. Nesses textos, encontramos o professor observado rapidamen-
te em 8 projetos, e o professor genérico, os alunos, os estagiários em todos os textos.
Nos poucos momentos em que se trata do professor observado, não há a recor-
rência a uma das figuras de ação, dessa forma, notamos que nos projetos não há um
modo típico de dizer o agir desse professor. No entanto, fica clara uma crítica ao agir
linguageiro dirigido ao aluno e ao agir com instrumentos, demonstrados nos predi-
cados sobre esse professor, que é visto sempre a partir do que pode causar nos alunos:
Eles só fazem a leitura do que o professor indica e que, conseqüentemente, será
cobrado na prova. Após a leitura de um texto, os alunos não conseguem contar para
alguém de que se trata o material lido e não apresentam argumentos para discutir
sobre o tema.
(projeto 2, Introdução)
5
A análise completa dos 10 projetos de intervenção pode ser vista em Bueno (2007), pesquisa de doutorado desenvolvida na
PUC-SP e financiada pela CAPES.
Deste modo, percebe-se que é o professor que impõe o que todos os alunos lerão e estes
têm que aceitar a visão do professor sobre o texto, concordando ou não com a mesma.
(Projeto 2, Introdução)
Nota-se, assim, que o professor genérico aparece com dois diferentes estatutos: o
de um professor existente e merecedor de críticas e o de um professor idealizado a ser
imitado. Partindo das críticas e idealizações, ao autoprescrever um conjunto de aulas
a serem desenvolvidas na regência, o estagiário, usando as figuras de ação ocorrência e
ação canônica, evita o agir dos professores observado e genérico existente, preferindo
adotar o agir prefigurado para o genérico idealizado. Com esses resultados, verificamos
que nos projetos, mais que procurar trazer a sua visão sobre o trabalho do professor
observado nas horas práticas do estágio, o estagiário procura reproduzir o que dizem os
teóricos. Essa situação nos obriga, enquanto professores-supervisores de estágio, a re-
pensar que modelos de agir estamos oferecendo aos nossos estagiários, pois, de acordo
com os projetos, parece-nos que nossos alunos estão tomando a disciplina de estágio e
os textos nela produzidos como meros e tradicionais exercícios escolares de avaliação,
nos quais o importante é satisfazer o professor, reproduzindo o que se leu nos teóricos
a fim de ser bem avaliado.
A análise desses projetos realizada durante o nosso doutorado nos levou a inserir
outros gêneros textuais na disciplina de Estágio Supervisionado a fim de que pudésse-
mos ter outras instâncias de diálogos com os estagiários e também mais possibilidades
de contribuir para a sua formação enquanto professor. Para isso, seria necessário trazer
gêneros que exigissem que o estagiário trouxesse mais a sua experiência frente ao está-
gio que a reprodução dos teóricos lidos. Foi com essa expectativa que introduzimos os
diários e os decálogos, dos quais passaremos a tratar nas próximas seções.
dos primeiros diários com que trabalhamos em 2007. No total, foram produzidos 17
diários, em 2007, mas somente 6 alunos permitiram que usássemos os seus textos em
nossa pesquisa, apesar de terem deixado o professor-supervisor de estágios lerem-nos
na íntegra no decorrer da disciplina de Estágio Supervisionado.
Os diários foram escritos em cadernos, em sua maioria, havendo dois deles que
foram digitados. No PIBID, todos fizeram os diários em cadernos. Os textos estavam
organizados por datas e traziam tanto relatos do estágio quanto anotações sobre as lei-
turas feitas na disciplina de estágio, relacionando-as com as observações que estavam
sendo feitas nas aulas na universidade e nas aulas do professor observado. Dessa forma,
verificamos nos diários o emprego das figuras de ação evento passado, tratando do que
foi visto na sala, e ação ocorrência, enfatizando as reflexões do estagiário no tempo
presente. Com ambas as figuras, o foco é o actante principal desses textos: o professor
observado. Em relação ao agir desse professor, há uma ênfase na observação do seu agir
linguageiro e do seu agir com instrumentos:
A professora começou um trabalho com o gênero árvore genealógica, onde ela
propunha a classe uma busca das origens dos seus descendentes estrangeiros
principalmente. (Diário 1, meio do estágio)
Nesses diários, é possível perceber que elementos do trabalho do professor são vis-
tos como mais relevantes pelo estagiário: a relação com o aluno e os materiais empre-
gados no espaço da sala de aula. Não se encontram nos diários registros que busquem
compreender o trabalho do professor fora desse espaço. Logo, esses resultados preci-
sam ser discutidos com os estagiários para que redimensionem a atividade docente.
A leitura e análise cuidadosas dos diários contribuem para que o professor-supervi-
sor possa interferir e tornar mais produtivas as discussões que são feitas com os estagi-
ários sobre as suas observações, além de poder também levantar os medos e ansiedades
pelas quais passa o estagiário, uma vez que os diários funcionam muitas vezes como
espaço de confissões, como se pode observar no seguinte trecho de um dos relatos:
Ufa...Depois desse turbilhão de reclamações fiquei mais ainda preocupada de como
conseguirei fazer uma intervenção. Parece IMPOSSÍVEL! (Diário 5, meio do estágio)
trabalho do professor. Esse “eu” olha, questiona e conversa com o professor, ora con-
cordando, ora discordando de suas posições, seja em relação à organização da sala para
uma dada atividade, seja em relação aos conteúdos e atividades desenvolvidas. Nessas
ações, o estagiário vai refletindo sobre o seu agir e o do professor que está observando:
Depois disso, na organização da rotina, no primeiro item da pauta, a professora
escolhe, com as crianças, o ajudante do dia. O critério é a ordem alfabética, e quem
mais uma vez, tem a tarefa de descobrir quem é, são os alunos. Kate perguntou
qual a letra do ajudante e as crianças recordaram que era o M, com isso disseram
todos os nomes que começam com M na sala enquanto a professora os escrevia na
lousa (a maioria são Maria, Maria Eduarda, Maria Heloisa, etc), depois solicitou que
definissem, de acordo com a ordem alfabética. Foi bastante demorada a escolha pois
as crianças entravam em conflito sobre qual era a próxima letra e a professora não
dava a resposta imediatamente, deixava-os entrarem em um acordo antes de intervir.
Pra ser sincera, a paciência dela com toda essa espera estava me angustiando, mas
conclui que dessa forma, as crianças raciocinam mais do que simplesmente dar
a resposta. (Como eu estava prestes a fazer).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos quatro grupos de textos, produzidos em momentos e por grupos
diferentes, permitiram- nos constatar que cada gênero parece encerrar modos de dizer
diferentes, já que as figuras de ação mudam conforme os gêneros.
Cada um dos gêneros possibilitou a construção de textos que apresentaram di-
ferentes representações sobre o trabalho docente e simultaneamente diferentes vozes
gerenciando o agir do professor que foi apresentado. Assim, nos projetos, houve a
reprodução da voz dos teóricos e/ou documentos oficiais expondo a representação
de professores generalizados ou idealizados; nos diários, decálogos e relatórios mais
recentes, houve a voz dos estagiários e a tematização do que foi observado na prática,
expondo professores ativos com suas singularidades, ou seja, representaram-se nos tex-
tos seres que poderíamos encontrar em uma sala de aula.
A produção de diferentes gêneros textuais no estágio obriga o estagiário a olhar
para o trabalho docente de diferentes ângulos, saindo de uma posição passiva de aluno
que elabora textos apenas para ser avaliado. A diversificação dos textos leva a ver, a
pensar e a registrar o trabalho docente, tendo em vista várias formas e destinatários:
ora, ele próprio; ora, o professor-supervisor; ora, os colegas estagiários. Esse outro,
conforme Vigotski, nos ajuda a nos construir, enquanto seres humanos; no espaço do
estágio, nos ajuda a nos tornarmos professores reais.
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6
O PIBID na USF é realizado a partir de um projeto apresentado à CAPES e financiado por essa instituição.
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir a relação entre Estágio Su-
pervisionado e ensino de Língua Portuguesa no curso de Letras/Português da Uni-
versidade Federal da Paraíba. Para a realização deste objetivo, empreendemos uma
análise qualitativa no Projeto Político Pedagógico do curso e em relatórios de estágio.
Constatamos que o estágio supervisionado não é apenas o locus para identificarmos
dificuldades no ensino da Língua Portuguesa, mas tem o potencial de registrar o per-
curso formativo do futuro professor de português.
Palavras-chave: estágio supervisionado; ensino de língua portuguesa; curso de Letras.
ABSTRACT: This paper aims to discuss the relationship between Supervised Trainee-
ship and teaching of Portuguese language in the course of Languages/Portuguese from
the Federal University of Paraíba. To accomplish this goal, we undertook a qualitative
analysis on the Political Pedagogical Project of the course and in traineeship reports.
We verified that the supervised traineeship is not only the locus to identify difficulties
in the teaching of Portuguese, but it also has the potential to register the formative
path of the future teacher of Portuguese
Keywords: supervised traineeship; portuguese language teaching; languages course.
<?>
Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: sclaudiats@gmail.com.
<?>
Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: lucenatoc@yahoo.com.br
<?>
Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: dani.segabinazi@gmail.com
Ser professor não é fácil, mas ir às escolas depois de quase dois anos de teoria torna
a missão ainda mais difícil. Os estágios são importantes para uma única função: iden-
tificar (julgar diversas vezes), pois o que vamos fazer em sala é o que nos foi imposto,
porque a escola quer, e se queremos “comer”, obedecemos. (Graduanda de Letras/
Português UFPB, turno manhã)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A epígrafe acima revela algumas das problemáticas vivenciadas pelos graduandos
dos cursos de licenciatura em Letras quando se deparam com a realidade da “prática
de ensino”, dentre elas: ausência de relação entre teoria e prática no currículo do curso,
estágios como espaços apenas para a prática de um “criticismo vazio”, falta de parceria
entre universidade e escola, dentre outros.
Na academia, o estágio supervisionado tem se constituído campo de investiga-
ção para muitas pesquisas. Especificamente em Linguística Aplicada, identificamos
estudos como o de Silva (2012) que descreveu o gênero textual relatório de estágio
supervisionado em diferentes licenciaturas, o de Reichman (2012) que discutiu a rela-
ção entre as práticas de letramento e a formação identitária no estágio supervisionado
em ensino de língua inglesa, o de Silva e Melo (2008) que investigaram o processo de
formação do professor e a construção de objetos de ensino na disciplina de Estágio
Supervisionado em ensino de Língua Portuguesa, dentre outros.
Dando continuidade a esse veio de pesquisas, o presente trabalho tem como obje-
tivo discutir a relação entre Estágio Supervisionado e ensino de Língua Portuguesa no
curso de Letras/Português da Universidade Federal da Paraíba (doravante UFPB), ex-
plorando os limites e possibilidades deste componente curricular em nossa realidade.
Nesse sentido, partimos dos seguintes questionamentos: qual o papel desempenhado
pelos componentes curriculares do Estágio Supervisionado no curso de Letras/Portu-
guês da UFPB e que tipo de relações tem sido estabelecido entre o Estágio Supervisio-
nado e o ensino de Língua Portuguesa?
Para atingirmos o objetivo pretendido, inicialmente, realizamos uma discussão a
respeito das concepções de estágio supervisionado, fundamentando-nos em Leahy-Dios
(2001) e Pimenta e Lima (2012); em seguida, defendemos a tese de que o estágio super-
visionado se constitui em espaço para o conhecimento e transformação da realidade do
ensino de Língua Portuguesa; depois, descrevemos e analisamos como se constituem os
estágios no Projeto Político Pedagógico (doravante PPP) do curso de Letras/Português
na UFPB; por fim, examinamos a relação entre estágio supervisionado e ensino de Lín-
gua Portuguesa a partir de relatórios de estágio supervisionado elaborados no período de
2009 a 2011. Afora as considerações iniciais e finais, a discussão teórica deste trabalho
foi desenvolvida na primeira e segunda seções deste artigo, enquanto as discussões sobre
a prática dos estágios supervisionados foram realizadas na terceira e na quarta seções.
Esses e outros discursos têm construído uma imagem negativa dos estágios; por
isso, precisamos entender e estender o conceito desse componente curricular para uma
visão que esteja em convergência com a concepção sociointeracionista do ensino de
Língua Portuguesa. Assim, emprestaremos algumas concepções do que é o campo de
estágio, das autoras Pimenta e Lima (2012, p. 55-56), as quais, após longa discussão e
reflexão, apoiadas em demais teóricos, concluem:
Em pesquisa mais recente, Segabinazi (2011) destaca que, apesar das alterações
do novo Projeto Político Pedagógico dos cursos de Letras, que ampliou a carga horária
dos estágios para 400 (quatrocentas) horas, subsistem as contradições e falhas nesse
componente curricular. Inclusive, em sua tese, a autora demonstra que os estágios
no curso de Letras da UFPB separam-se, entre teóricos e práticos, ou seja, o próprio
PPP viabiliza a ruptura entre esses conhecimentos que deveriam associar-se. Isso por-
que estão definidos sete estágios, sendo os três primeiros com ementas que preveem
conteúdos teóricos e os quatro últimos de conteúdos práticos. Entretanto, apesar do
descompasso, das lacunas existentes na formação docente de Letras, parece-nos que
estamos em busca de alternativas para encontrar possibilidades de corrigir o proble-
ma; já constatamos em algumas publicações a presença de discussões e sugestões para
equacionar a situação (cf. LEAHY-DIOS, 2001; PAIVA, 2005; FARIA, 2008), o que
indica a preocupação de um processo de formação mais integrado.
A fusão gramática e texto deu-se de forma progressiva, nesse período, como não
poderia deixar de ser, se se considera que ela vinha alterar uma tradição que datava, na
verdade, do sistema jesuítico. É uma progressão que pode ser claramente identificada
nos livros didáticos publicados nos anos 1950 e 1960. Assim, é que, nos anos 1950,
já não se tem mais a conveniência com autonomia de dois manuais, uma gramática
e uma seleta de textos, nas aulas de português: agora, gramática e textos passam a
constituir um só livro. Entretanto, guardam ainda, nesses anos 1950, uma relativa
autonomia: em geral, estão graficamente separados, a gramática apresentada numa
metade do livro, os textos na outra metade [...]. (SOARES, 2004, p. 168).
Soares (2004) ainda destaca que houve uma primazia da gramática em relação
ao texto. Diferentemente, nos anos 70, sob a égide da ideologia do regime militar, o
estudo da Língua Portuguesa é visto como um instrumento de comunicação a serviço
do desenvolvimento. Há, portanto, uma mudança na denominação e no conteúdo da
disciplina que passa a ser chamada de Comunicação e Expressão nas séries iniciais e
Comunicação em Língua Portuguesa nas séries terminais. Essa alteração se explica pela
influência da teoria da comunicação no ensino de língua materna. Para Soares (2004,
p. 169), “já não se trata mais do estudo sobre a língua ou estudo da língua, mas de
desenvolvimento do uso da língua”. Os textos não são mais selecionados pelo critério
literário, mas pela sua presença nas práticas sociais.
Na segunda metade da década de 80, por sua vez, há um retorno à denominação
“Português”, já que houve questionamentos sobre os resultados obtidos no desempe-
nho dos alunos no período anterior e ausência de respaldo da concepção de língua
como instrumento tanto no contexto político e ideológico quanto no contexto cien-
tífico. Nesse período, as teorias desenvolvidas na Linguística começam a adentrar as
salas de aula de Língua Portuguesa da educação básica, embora nos cursos de Letras
essas teorias já tenham sido introduzidas desde os anos 60.
O desenvolvimento de teorias linguísticas promoveu mudanças nas concepções
de ensino de língua e fomentou a necessidade de uma política linguística oficial que
embasasse essa nova visão. A publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em
1997, é um exemplo da presença das teorias linguísticas nesse “discurso de mudança”
sobre o ensino de português. Segundo Marcuschi (2001), é possível identificar con-
teúdos linguísticos nos parâmetros, tais como: o acolhimento da noção de variedade
linguística e de gêneros textuais, a adoção de uma concepção de língua que privilegia
os aspectos sociais e históricos, a definição do texto como unidade básica de ensino,
dentre outros.
Considerando as transformações pelas quais passou a disciplina de português, é
crível supor que as concepções de língua, sujeito, leitura e escrita, por exemplo, vigentes
em cada uma das diferentes etapas acima destacadas interfiram na forma de compre-
ender e intervir na realidade de ensino de língua. Como ilustração, quando houve um
predomínio da perspectiva formalista no ensino de português, a “prática de ensino”
fundamentava-se, por exemplo, nas didáticas e nas metodologias de ensino de língua.
Essa percepção deixa claro que a realidade do ensino de Língua Portuguesa não é imu-
tável e sofre influências decisivas de fatores macro sociopolíticos e epistemológicos.
Sobre essa questão, Surdi da Luz (2009) dá um passo adiante quando afirma que
há uma conjunção entre os saberes da Linguística e os saberes do ensino ao analisar
a presença da Linguística em um curso de Letras, voltado à formação de professores.
Para a autora:
O contexto sócio-histórico em que é construído o projeto do Curso de Letras é
determinante para que se compreendam suas especificidades, uma vez que ele será
afetado pela constituição do discurso da mudança no ensino de língua (Pietri, 2003)
que emerge nos anos finais da década de 70 e início da década de 80. Nessa época,
tomam corpo os discursos sobre a necessidade de se repensar os rumos do ensino
de língua materna e do papel da Linguística nessa reformulação. E é após essa
emergência que o curso se configura, sendo, pois, afetado e determinado por
tal contexto ou, nos termos da AD1, pelas condições de produção. (SURDI DA
LUZ, 2009, p. 180). (Grifo nosso).
todas elas está subjacente a concepção de que teoria e prática estão umbilicalmente
ligadas. Nesse sentido, fazemos nossas as palavras de Pimenta e Lima (2012, p. 45)
que afirmam: “[...] o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, funda-
mentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis”. Em outras
palavras, é o contexto da sala de aula de português o locus onde a prática se realiza e
não o Estágio Supervisionado.
Considerando essa discussão teórica entre estágio supervisionado e ensino de
Língua Portuguesa, na seção a seguir, abordaremos tal questão a partir da análise do
Projeto Político Pedagógico do curso de Letras/Português e de relatórios de estágio
elaborados pelos estudantes, buscando responder as seguintes questões: qual o papel
desempenhado pelos componentes curriculares do Estágio Supervisionado no curso
de Letras/Português da UFPB e que tipo de relações os alunos estabelecem entre o
Estágio Supervisionado e o ensino de Língua Portuguesa?
fazer algumas intervenções e relatar depois essa prática. Não havia, portanto, de certo
modo, relação dessa prática com as disciplinas teórico-práticas do curso.
Em decorrência das mudanças sociais e das novas perspectivas do ensino básico,
implementadas, sobretudo, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a ne-
cessidade de uma formação continuada para os professores em exercício, urgia uma
reformulação principalmente no tocante a novas atribuições que o futuro docente
precisa ter para se inserir no contexto escolar. Como afirma Segabinazi (2011, p.183),
[...] o perfil indica que a formação deve proporcionar ao futuro docente, além da
profissionalização, o compromisso com a cidadania e com a ética, exigindo uma
atuação social que se estenda para além dos muros escolares. Ou seja, não podemos
mais constituir currículos que atendam apenas a conteúdos mínimos para a formação
teórica e científica dos nossos professores. São necessárias atitudes e atividades que
desenvolvam ações de crescimento pessoal e social, que conscientizem nosso aluno
a pensar e tomar para si a responsabilidade de participação e compromisso com a
sociedade em que está inserido.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO IV
Ementa: Iniciação à docência e intervenção no cotidiano escolar: aplicação de
conteúdos básicos de Língua Portuguesa em sala de aula do Ensino Fundamental (lei-
tura, produção de texto e análise linguística).
Pela ementa descrita acima, podemos observar o viés prático imputado a esse
componente curricular, descrito, sobretudo, por meio da palavra “aplicação”, o que
significa dizer que o graduando vai à sala de aula como o propósito apenas de levar as
teorias linguísticas para sua prática em sala. Aspecto este já questionado há muito tem-
po pelos estudiosos da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006; PAIVA, SILVA
e GOMES, 2009).
Em 2009.2, tivemos as primeiras turmas do novo currículo, o qual trazia em
sua composição os componentes curriculares de Estágio Supervisionado IV e V, que
têm em suas ementas a exigência de realizar a prática em Língua e Literatura na sala
de aula de Ensino Fundamental II, o que não ocorria nos estágios anteriores. Com o
início dessas novas atividades curriculares no DLCV, começam outros desafios, pois
a inserção do graduando nas escolas do ensino básico requer não só o cumprimento
das leis, mas a tarefa de relacionar as teorias vivenciadas à época no curso à realidade
encontrada nas escolas do Ensino Fundamental.
Aliada a essas dificuldades, acrescenta-se a aceitação do graduando nas escolas
municipais que, em sua maioria, já contam com um número expressivo de estagiários
do Apoio Pedagógico às Atividades de Língua Portuguesa (Leitura e Escrita), Mate-
mática, Ciências e Inglês2. Além desse aspecto, aparecem questões relacionadas à con-
cepção desse estágio obrigatório e não remunerado para a comunidade escolar, bem
como para os professores da graduação em Letras/Português e, consequentemente, o
próprio graduando que considera os componentes curriculares de Estágio Supervisio-
nado pouco relevantes para a sua atuação profissional.
2
Projeto de parceria entre a Secretaria Municipal de João Pessoa e a UFPB, através do qual os graduandos de Letras/Português
podiam realizar o estágio remunerado e não obrigatório e atuar como monitores na disciplina de Língua Portuguesa nas
escolas municipais. Esse projeto teve vigência até o ano de 2012.
Esse fato nos faz visualizar o afastamento entre universidade e escola, mesmo
diante da possível parceria que é feita entre essas instituições na formação inicial. Des-
ta forma, a inserção da universidade ainda não é suficiente para favorecer a compreen-
são necessária à visão mais ampla do ensino de Língua Portuguesa. Podemos também
atribuir essa dependência ao ensino de gramática normativa, ao fato de a proposta
sociointeracionista, na educação brasileira, tão presente em geral nos Projetos Políticos
Pedagógicos das escolas, ainda não ter sido realmente entendida. O que observamos é
que parece haver um desencontro entre os discursos da universidade, dos documentos
oficiais e da escola. Nessa perspectiva, até que ponto os componentes curriculares do
curso de Letras/Português, eminentemente teóricos, têm dialogado com a prática na
sala de aula de português e de literatura?
Retomando a questão da supremacia da gramática normativa em detrimento do
ensino voltado ao texto, remetemo-nos ao currículo atual da nossa licenciatura em Le-
tras. Segundo o PPP de 2006, a licenciatura em Letras/Português tem o seu currículo
composto de 2880 horas como está descrito no quadro 02.
Por outro lado, mesmo diante das dificuldades, é possível levar o graduando a
perceber elos que integram os componentes curriculares do curso de Letras com a sua
prática em sala de aula. Dessa forma, o licenciando em Letras tem oportunidade du-
rante o curso de vivenciar componentes curriculares que o auxiliam na estruturação do
3
Disciplinas de conteúdos básicos profissionais: Língua Latina I, História da Língua Portuguesa, Fonética e Fonologia da
Língua Portuguesa, Morfologia da Língua Portuguesa, Sintaxe da Língua Portuguesa, Semântica, Leitura e Produção de Texto
I, Leitura e Produção de Texto II e Pragmática.
estagiário consiga aplicar uso e reflexão de tudo o que vem/foi trabalhado ao longo da
graduação. (Relatório de Estágio Supervisionado IV, 2010.1).
Embora tenhamos observado entraves e lacunas que podem obliterar as funções
do Estágio Supervisionado na licenciatura em Letras, a análise ainda nos permitiu
identificar que o papel desempenhado pelo estágio é fundamental para ampliar o diá-
logo, a troca de ideias, informações e experiências entre docentes do ensino superior e
básico e graduandos na perspectiva de criar possibilidades para o desenvolvimento de
um trabalho pedagógico e de pesquisa. Por fim, o Estágio Supervisionado se constitui
em espaço para o fortalecimento da ressignificação das práticas docentes na área de
Língua Portuguesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a refletir a relação entre Estágio Supervisionado
e ensino de Língua Portuguesa no curso de Letras/Português da UFPB, explorando
os limites e as possibilidades deste componente curricular em nossa realidade. Para a
realização deste objetivo, inicialmente apresentamos uma concepção de estágio super-
visionado que se caracteriza por possibilitar ao graduando uma formação integral, em
que as discussões teórico-práticas realizadas ao longo do curso estejam em consonância
com a proposta de intervenção pedagógica que se pretende realizar na escola. Essa in-
tervenção, por sua vez, deve ter um cunho investigativo de ação-reflexão-ação, ou seja,
durante a práxis do estágio se retorne a teoria e se revejam novas ações.
Em seguida, defendemos a ideia de que o estágio pode se constituir em espaço
para o conhecimento e transformação da realidade da prática de ensino de Língua
Portuguesa. Fundamentamo-nos nos argumentos de que o estágio supervisionado
deveria apresentar uma relação dialógica com diferentes componentes curriculares,
constituindo-se momento de reflexão sobre a prática pedagógica dos professores da
escola e da universidade e dos graduandos e momento de construção de saberes teóri-
cos e práticos.
A análise do Projeto Político Pedagógico do Curso nos permitiu observar que a
almejada relação entre a teoria e prática na formação docente esbarra na própria estru-
tura curricular do curso, que divide esses campos, conforme a leitura das ementas das
disciplinas. Também foi possível observar os entraves dessa relação nos relatórios dos
graduandos, na crença de que a gramática normativa representa o universo do ensino
de Língua Portuguesa, seja por parte da escola e de seus professores, seja por parte dos
próprios estudantes de Letras.
Com base nas análises realizadas, podemos afirmar que o Estágio Supervisionado
não é apenas o locus para identificarmos dificuldades, seja em relação à desvalorização
desse componente curricular por parte de alunos e de professores da própria gradua-
ção, seja pela falta de articulação entre o estágio e as outras disciplinas do curso. Por
outro lado, o Estágio Supervisionado tem o potencial de fotografar o percurso for-
mativo do futuro professor de português, avaliando a adequação ou inadequação do
currículo do curso de Letras, indicando percursos teóricos e práticos que precisam ser
abandonados, fortalecidos e/ou construídos. Dentre os limites e desafios identificados,
acreditamos que as discussões teóricas e empíricas realizadas neste artigo fomentaram
as reflexões sobre o currículo dos cursos de Letras, o processo de formação para a do-
cência e a prática pedagógica de Língua Portuguesa.
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“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a
luta.” Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto,
das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do
amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema
dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais
sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da
vitalidade na influência de um novo clima rigoroso”.
Raul Pompéia, O Ateneu.
RESUMO: Este trabalho tematiza a interação em um gênero da esfera digital, o fó-
rum, empregado em situação de ensino-aprendizagem, como apoio a atividades de
uma turma de estágio supervisionado de uma licenciatura em Letras. Apresenta uma
análise das postagens dos acadêmicos, mobilizando como ferramenta teórica a socios-
semiótica, a partir das questões que suscita com relação aos regimes de interação e de
sentido e, ainda, à noção de prática. A concepção de saber que orientou a atividade é a
de que o saber, mais do que um objeto valor, tal como o concebe a semiótica standard,
pode ser pensando na perspectiva do ajustamento e, desse modo, como resultante
de partilha e construção conjunta. Muitas vezes partindo de imagens idealizadas da
escola, o que o estágio permite aos acadêmicos é o aprendizado por uma vivência que
o obriga a refletir sobre a reorganizar os sentidos anteriormente assentados. Parte-se,
pois, da significação estanque e preestabelecida, para o sentido ainda por ser produzi-
do, movimento que se faz solitária ou dialogicamente.
Palavras-chave: fórum digital; estágio supervisionado; sociossemiótica; ajustamento.
ABSTRACT: This work thematizes the interaction in a genre of digital sphere, the
forum, employed in teaching-learning situation, as a backup to a class of supervised
*
Professora do Programa de Pós-graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura da Universidade Federal do Tocantins
E-mail: luiza.to@uft.edu.br.
INTRODUÇÃO
Nas frases iniciais do romance “O Ateneu”, temos anunciada a narrativa dos mui-
tos dissabores que enfrentará o narrador Sérgio. Afastado bem jovem do convívio da
família para ingressar num colégio interno, o que o personagem anuncia é o sofrimen-
to que se seguiria à despedida do lar, do amor e dos cuidados até então experimenta-
dos. Os mimos maternos só fariam com que a dor da solidão e do abandono diante
do mundo que se abria à sua experiência fosse mais intensamente sentida, tornando-o
mais sensivelmente vulnerável “à impressão do primeiro ensinamento”.
Por estranha que possa parecer a relação, essa preciosa passagem do romance de
Raul Pompéia serve de mote para nossas reflexões sobre as vivências do estágio super-
visionado em uma licenciatura. De certo modo, os acadêmicos que se lançam ao uni-
verso escolar, principiando sua experiência docente, poderiam se aproximar do jovem
Sérgio. Tendo nas mãos (ou nas mentes) um tanto de teorias, advindas de disciplinas
que muitas vezes pouco ou nada dizem respeito diretamente a implicações para o ensi-
no, ou ainda dotados de saberes de ordem prática como a elaboração de planos de aula
do ponto de vista estritamente formal, o que o acadêmico então encontra pela frente
é um universo que amedronta e diante do qual muitas vezes se vê como que a deriva,
no mar revolto das dinâmicas da vida profissional. “Vais encontrar o mundo”, dizemos
aos nossos alunos. “Coragem para a luta”. Se tal realidade angustia os mais experientes
e audazes, esses novos marinheiros parecem impotentes para manusear as bússolas e as
cartas, interpretar as correntes, ler os astros. É sempre pouco, aquém do necessário, o
que a teoria obtida na academia fornece como instrumento. Trata-se de um saber que
é de ordem prática: há antecipações, preparações, cuidados, atenções, mas é necessário,
enfim, lançar-se ao mar, com um aprendizado só possível nesse exercício, com os riscos
de dor e a alegria que isso implica.
Neste artigo, é essa práxis que é tematizada, esse saber que se adquire na medi-
da em que se vive o fazer docente, no que ele tem de precisão e de acaso. Para isso,
tomamos como objeto de análise postagens de acadêmicos estagiários em um fórum
digital abrigado na plataforma Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning
Environment), utilizada como recurso para diferentes atividades num curso de licen-
ciatura em Letras, em regime presencial. No referido curso, atuamos como docente
de disciplinas teóricas da área da linguística, em alguns momentos, dedicando-nos à
orientação de estágios. O fórum em questão relaciona-se a uma das atividades que
propusemos a uma das turmas em 2012, tendo como principal objetivo a criação
de um espaço no qual fossem compartilhadas e problematizadas as experiências dos
acadêmicos na sua primeira etapa de estágio1. Essa fase, conforme previsto no projeto
pedagógico do curso (TOCANTINS, 2009), destina-se à observação de aulas nas
escolas-campo, realização de registros diversos, elaboração de projetos de docência,
além de estudos sobre diferentes aspectos vinculados ao ensino da língua e literatura,
que vão sendo recortados pelos professores orientadores.
Além da criação desse espaço de reflexão, a proposta do fórum orientou-se por
razões como a de buscar garantir que fossem vivenciados usos de recursos digitais em
práticas de ensino, familiarizando os alunos com usos e potencialidades. Como um
dos conteúdos tematizados nas aulas teóricas no âmbito da universidade dizia respeito
ao letramento digital, os usos do fórum forneceriam elementos para pensar o lugar da
interação mediada por computadores na prática pedagógica. A isso se somava nosso
interesse em observar em que sentido nossas hipóteses iniciais a respeito da interação
encontrariam relevantes ou inexpressivos resultados.
Em princípio, as impressões sobre a vivência nas escolas, do ponto de vista de
registros escritos, restringia-se aos diários de campo ou ao relatório final, ambos ser-
vindo para atestar a realização dos estágios e possibilitar a aferição de nota pelo profes-
sor orientador, leitor privilegiado dessas produções. Ainda que disponibilizados para
consulta e pesquisa no CIMES2, trata-se de produções precariamente partilhadas pelos
docentes em formação e, em muitos desses relatos, nem sempre encontram-se elemen-
tos que ultrapassem a descrição. Não há, enfim, resposta ao que ali se diz, a não ser as
considerações do professor orientador. O fórum possibilitaria, assim, que a dinâmica
de ida às escolas fosse sendo acompanhada, que tanto o orientador como os demais
colegas da turma discutissem a prática que ia ganhando forma, negociando sentidos
para o que se percebe e se interpreta. Diferente do efeito de acabamento do relatório
final, o fórum se abriria a reflexões sobre o processo, possibilitando que os sentidos
pudessem ser negociados, que perspectivas pudessem ser revistas, ganhando em den-
sidade na medida em que o dizer se abre a questionamentos advindos dos interlocu-
1
O fórum se organizou em dois momentos, no início das atividades de observação e, posteriormente, ao final. Em função de
uma greve dos professores federais, houve uma interrupção nas discussões, com um intervalo de aproximadamente três meses.
Acreditamos que essa interrupção teve efeito sobre os resultados, caracterizando uma quebra no debate inicialmente proposto.
2
A sigla refere-se ao Centro de Memória dos Estágios Supervisionados, da Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaína.
Pesquisas de iniciação científica, dissertações e teses têm tomado os documentos ali organizados como objeto de investigação.
tores. A maior informalidade prevista pelo gênero também contribuiria para que não
se reproduzisse ali o efeito de objetividade e distanciamento que podem acentuar uma
certa inexpressividade e alheamento diante do que se diz que, embora possam ser até
previstos pelo gênero relatório, silenciam ou obscurecem outras possibilidades.
Partimos do pressuposto de que há conhecimentos que podem ser coletivamente
produzidos, não estando dados em algum lugar de antemão como um objeto a ser ad-
quirido em sua totalidade. Há certamente conteúdos que vão sendo apreendidos pela
repetição, saberes adquiridos na leitura de um manual, construídos pelo emprego de
processos já considerados irrefutáveis, seguindo o passo a passo como no caso de uma
receita de bolo. Mas há conhecimentos que resistem a certezas, que estão por ser cons-
truídos e, dentre eles, está o saber que se liga à docência, dadas as complexidades que
envolve e a diversidade de perspectivas com que pode ser analisado, compreendido,
atualizado. A sala de aula da licenciatura e os espaços como o de um fórum na Internet
são lugares que favorecem, assim, essa construção coletiva. Não há verdades absolutas
e as verdades provisórias não se edificariam apenas por assumir de modo competente
as referências teóricas e aplicações relativas a aspectos metodológicos do como ensinar,
ainda que muito solidamente alicerçadas.
Como fundamentação teórica para guiar a análise do corpus, mobilizamos as con-
tribuições da semiótica, considerando sobretudo as produções da sociossemiótica, com
os trabalhos de Eric Landowski. Dedicada à problemática geral da significação, não
se limita a uma orientação para leitura de textos, mas, atendendo a uma formulação
primeira da semiótica, indaga-se sobre o “sentido da vida” (GREIMAS, 1971, p.12;
LANDOWSKI, 2012, p 129). Nos últimos anos, a sociossemiótica elegeu como um
de seus principais objetos de investigação as questões relativas aos regimes de intera-
ção e de sentido deles decorrentes. Interessam-nos aqui mais de perto as questões que
o sociossemioticista preconiza em relação às práticas como instâncias produtoras de
sentido, seja o caso dos usos e práticas dos objetos, seja no que diz respeito à relação
intersubjetiva, consideradas as “práticas do outro” (LANDOWSKI, 2005, 2009). A
isso se somam suas reflexões sobre o imaginário (LANDOWSKI, 2011).
Inicialmente, serão discutidas aqui questões relativas aos regimes de interação na
perspectiva da sociossemiótica. Na segunda parte, após as reflexões sobre o conceito de
imaginário, apresentamos nossa análise referente ao fórum com os acadêmicos.
PRÁTICAS DO OUTRO
Em março de 2014, Landowski apresentou uma conferência no seminário inti-
tulado “La représentation de l’autre”, jornada temática realizada na Université de Li-
moges (França). Sua comunicação intitulou-se “Représentations de l’un, pratiques de
l’autre” e, já num primeiro momento, suas discussões se deram no sentido da rejeição
ao termo “representação”, pelo que implica enquanto alusão a um referente encontra-
dos, o que resulta num grau de absoluta previsibilidade quanto ao que pode advir na
relação. Os sujeitos, nesse caso, encontram-se a tal modo condicionados que o risco
de que algo perturbe a ordem estabelecida parece praticamente ausente. Remete, as-
sim, a relações expressamente controladas, que podem resultar, em caso extremo, no
esvaziamento do sujeito enquanto tal. Do ponto de vista dos objetos, é o que nos
permite usá-los, certos de seu funcionamento previamente fixado. A programação da
ação, contrária às práticas de sentido, permite que interajamos com as coisas com
conhecimento de causa, indispensável, portanto, na medida em que não podemos
reinventar tudo o tempo todo. O fazer, assim, se equilibra entre o dado e o novo, entre
o estabilizado e o instável, sendo este o criador de novas relações. O dado é o lugar da
segurança e do conforto, enquanto o novo é o chamamento para a experimentação. O
dado permite o planejamento das ações com resultados mais precisos; o novo é o lugar
do risco e da possibilidade do equívoco. É o que prevê uma interação sem surpresas de
qualquer tipo, como lugar da segurança. Pelo grau de previsibilidade, pela noção de
repetição que encerra, a programação age na direção da dessensibilização. Ganhamos
em termos de segurança, de tranquilidade em relação a imprevistos, protegidos pela
previsibilidade, mas perdemos em termos de sentido (LANDOWSKI, 2005).
Por mais estranho que possa ser, uma aula pode ser reduzida a uma programação,
o que poderia acontecer por sua extrema ritualização e pelo controle. É o que prevalece
nos regimes totalitários, nos quais a liberdade ou a divergência não são permitidos e,
por isso mesmo, há mecanismos que os tornariam impensáveis. Não se pode, contudo,
considerá-los quando se trata de interação efetiva, uma vez que o docente, que não
pode se restringir a um pleno programador, necessita do outro, o aluno, abrindo-lhe
espaço para ser, agir, pensar, concordar, divergir. Desse modo, por mais rigoroso que
seja o plano de aula, a interação permite sua deriva.
O regime seguinte seria o da manipulação, privilegiado pela sintaxe narrativa ca-
nônica. Na semiótica standard, as relações entre sujeitos se dão sempre mediante troca
de objetos. Para que um sujeito entre em conjunção com um dado objeto, é necessá-
rio que um outro seja dele despossuído. Essa visão “econômica” das interações reduz
toda intersubjetividade a um dar e a um receber, enquanto a relação com os objetos se
definiria por uma forma de posse (junção). Analisemos esses dois aspectos e os proble-
mas que suscitam. Um primeiro, relativo aos objetos, refere-se à noção de conjunção.
Mesmo no momento anterior ao da conjunção, o da disjunção, sujeito e objeto se
acham relacionados, de algum modo predestinados um ao outro por suas característi-
cas particulares ou desejos mútuos, tendo estabelecidas entre si uma forma de “prise”
(LANDOWSKI, 2009, p. 13). O termo de difícil tradução fala de uma espécie de
abertura para o outro. Sob a perspectiva da “prise”, sujeito e objeto se movem um em
direção ao outro, não estando limitados a uma mera justaposição.
A outra questão, relativa à intersubjetividade, é a redução à mediação pelos obje-
tos, edificada pela sintaxe narrativa tradicional. Para Landowski, as relações entre su-
jeitos devem ser pensadas fora dos quadros da troca, dessa mediação, o que expande a
como produto das relações entre os sujeitos, que conjuntamente o constroem (SILVA,
2013). Desse modo, há um saber que emerge na prática, nas práticas do outro, com
o outro, o parceiro. É, para nós, o que mais pode produzir sentido para os sujeitos
envolvidos e mais promissor quando se pensa a sala de aula, ou outros espaços de in-
teração, como os da esfera virtual, chat ou fórum, em que podem servir de locus para
uma troca significativa que resulte num saber em processo de construção, não apenas
apreendido, memorizado, repetido e dessubstancializado, nas práticas que, no limite,
esvaziam toda significação e gosto por aprender.
O quarto dos regimes propostos por Landowski é o do acidente, o do risco e da
imprevisibilidade absolutos. Pode tratar-se de uma bem-aventurança, de um aconteci-
mento feliz, como os acidentes estéticos, sobre os quais discorre Greimas (2003), mas
também os relativos a um acaso infeliz, para infortúnio do sujeito que o sofre. Não há,
aqui, possibilidade de controle: diz respeito ao acaso: a interação é imprevista, surpre-
endendo o sujeito a ponto de lhe causar modificações sensíveis que podem alterar seu
modo de ser no mundo. Como uma espécie de ruptura, do encontro com o inusitado
da vida, é rico de sentidos. Remetendo ao máximo de risco, é o que encerra a possibi-
lidade última de relação com o outro, no limite da surpresa do encontro. No âmbito
da escola, diria respeito ao que escapa ao planejamento, ao que pode ser previsto e
que pode ir fazendo com que, na prática da docência, o inusitado nos inquiete e lance
novos desafios. O outro, afinal, resiste, na sua diferença.
Partindo do que vimos apresentando, a proposta do fórum atende ao princípio
do ajustamento. Ainda que a assimetria professor-aluno não se dilua, a pluralidade de
vozes que se somam ao dizer muitas vezes solitário do professor em classe favoreceria
uma construção conjunta, até porque o que estaria em questão seria a experiência de
cada um a ser compartilhada. São os estagiários que partem para o enfrentamento do
mundo, o da escola, enquanto nós, aguardamos seu retorno e suas impressões. Nesse
sentido, nós discutimos as perspectivas que foram sendo assumidas diante do vivido,
problematizando-as conforme discorremos a seguir.
ANTECIPAÇÕES DA SIGNIFICAÇÃO;
A EXPERIÊNCIA DO SENTIDO
Quando o pai se despede do personagem Sérgio à porta de casa, dizendo-lhe que
iria encontrar o mundo, apresentam-se pelo menos dois aspectos a merecer atenção.
Há inicialmente uma objeção que pode ser feita, tendo em vista que o lar se situa
no mundo, participando de sua historicidade, não alheio nem independente a ele.
Ao mesmo tempo, podemos concluir, pelo que anuncia logo em seguida o narrador-
-personagem nessa primeira passagem do romance, que o lar se constituía como um
universo particular, com especificidades que garantiam uma certa configuração capaz
de blindá-lo às ameaças da exterioridade, traduzido como “estufa de carinho que é o
regime do amor doméstico”. Há ainda a segunda questão: a da promessa de sentido.
O pai adverte que haverá luta, para a qual é necessário munir-se de coragem. O modo
como o sujeito parte, então, para o enfrentamento do mundo é feito mediante adver-
tências, que antecipam a certeza dos riscos, ainda que de modo impreciso.
Se tomarmos a referida passagem do texto literário como uma espécie de metáfora
do momento de estágio, podemos encontrar algumas semelhanças. Assim como a casa
parecia uma estufa a proteger a infância de Sérgio, também a universidade, ainda que
ligada ao mundo e inserida nas suas dinâmicas, configura-se como um sistema que,
como tal, guarda suas especificidades, sua dinâmica de funcionamento, como uma
totalidade que de algum modo a distingue da exterioridade. Dela deve migrar o estu-
dante para o enfrentamento do que está além de seus muros: o mercado de trabalho, a
docência, as exigências da vida profissional. Do mesmo modo ainda, há antecipações
como significações previamente dadas, promessas quanto ao que há de vir, relativas
à “luta” que se anuncia. Estas se constituem como que direções que o estudante leva
consigo, imagens sobre o universo escolar construídas mediante sua experiência como
aluno, atravessadas pelas reflexões teóricas da vida acadêmica e ainda figurativizações
socialmente construídas e partilhadas sobre o que é ser professor. A questão que se
apresenta, pois, é partir da significação para o sentido. A significação prende-se ao pre-
visto, às etiquetas, a uma estabilização, enformada, categorizada, previamente dada.
O sentido, ao contrário, constrói-se nas relações, na experiência do vivido, estando,
pois, em aberto, a ser construído pelo sujeito nas relações com o outro, com o mundo,
nas práticas que não se encerram na realização do já previsto, mas na potência da sua
perpétua reinvenção, como “práxis heurística” (LANDOWSKI, 2009).
Inicialmente, vamos nos ater a essas figurativizações3, que remetem ao plano da
significação, contrapondo-as aos sentidos que vão emergindo.
Conforme Greimas e Courtés (2008), o papel temático se produz por uma re-
dução a um único percurso figurativo, relacionado a um agente, o ator, fixando uma
isotopia na qual se inscreve, a despeito de outras possíveis. Analisando as implicações
do papel temático, Landowski exemplifica com as narrativas em que um rei é tão e so-
mente um rei, não fazendo senão governar, não se constituindo jamais como um sujeito
na sua totalidade e complexidade; ou o pescador que, cumprindo sua missão, pesca.
papéis temáticos que não apenas delimitam semanticamente esferas de ação
particulares, mas, ademais, em certos contextos, são também capazes de antecipar
detalhadamente os comportamentos que se podem esperar dos atores (humanos ou
não) que se encontram deles investidos. Assim ocorre em particular no universo do
conto popular, onde a identidade de todo ator, concebida de maneira radicalmente
substancialista, se reduz à definição de um papel temático-funcional do qual, por
construção, quer se trate de uma coisa ou de uma pessoa, não poderá escapar de
modo algum. Se um personagem é definido como “pescador”, apenas pescará; se
outro é “rei”, atuará sempre como rei: cada qual se limita, em suma, a “recitar sua
lição”. (LANDOWSKI, 2005, p. 17)4.
Se essas formas de definir sujeitos se prestam bem aos contos populares, certa-
mente não servem à complexidade dos sujeitos de carne e osso. Há, contudo, por
força do imaginário social, uma orientação para o que é um professor, a ponto de
“todo mundo” parecer já saber, como algo que não se põe em questão, o que cabe a
ele fazer ou ser, como se o sujeito então se reduzisse à realização de um dado papel,
já estabelecido e aceito consensualmente. O professor é então o que ensina, porque
domina o conhecimento (1), figura de autoridade. Por isso mesmo, se considerada a
aula na perspectiva de uma narrativa, impondo-se como uma espécie de destinador,
na medida em que determina, orienta, controla, fazendo com que todos queiram fazer
o que se deve: aprender o que este pretende ensinar, motivando os desinteressados,
comandando o tempo, inovando para atrair os desatentos (2):
(1) Tamara5
É realmente complicado, pois os alunos ficam nos testando o tempo, todo nos
enchendo de perguntas quando a professora sai da sala! Aí fica complicado quando a
gente não tem certeza da resposta. Kkk
Quando essa situação chega a mim e se eu tô confusa, ou não tenho certeza da
resposta, eu falo que não posso ficar dando respostas ainda, só no próximo estágio!
(2) Alana
Observei também vários pontos negativos a começar pelo desperdício de tempo nas
aulas. Todas as aulas que tive a oportunidade de observar tiveram inicio com atraso
muitas vezes pequeno e inúmeras vezes absurdos sem restar quase tempo algum para
o mais importante a aula em si. Falta de controle da turma também era bem freqüente
e a falta de novidades nas atividades propostas. Tudo era bem repetitivo sempre o
texto era trabalhado da mesma maneira seguido de um exercício de interpretação (
coisa que para o aluno é bem chato e cansativo) nada de atrativo para o aluno era
levado para sala.
4
As citações de textos franceses contam com nossa tradução.
5
Utilizamos aqui pseudônimos, preservando a identidade dos acadêmicos envolvidos na pesquisa.
mundos em confronto, mas de duas diferentes formas de criar ou recriar o real, haja
vista que, para a semiótica, o real não entra como causa em questão, uma vez que não
se filia a uma perspectiva ontológica. São, portanto, duas formas de falar do mundo,
acolhendo distintas figurativizações que produzem efeitos sentidos distintos. Ao final,
Landowski declara que propor uma semiótica do imaginário seria, certamente, uma
tautologia, a remeter à totalidade da cultura, não se distinguindo o projeto assumido
até aqui pela teoria. O que cabe, enfim, ao trabalho do semioticista está no cuidado de
não tomar as figuras isoladamente,
mas por suas relações, não por sua relação com alguma “realidade” supostamente
unívoca e tomada como critério de avaliação do grau de racionalidade ou de
irracionalidade de construções do espírito, mas pelas relações internas que as unem
e a maneira pela qual essas relações fazem sentido por si mesmas: em poucas palavra,
ele se esforçaria por compreender a lógica que, articulando em profundidade todos
esses elementos, produz uma visão de mundo que tem sua coerência e sua razão
próprias. (LANDOWSKI, 2011, p. 75).
Toda essa discussão visa apontar para o fato de que o acadêmico que parte para
a escola não chega a seu destino desprovido de antecipações, como a de um dado
imaginário (ou figurativização, se rejeitarmos o termo) de professor que o atravessa. A
experiência, o vivível não se aparta de uma grade cultural que se interpõe. Mas entre
a crença e a experiência, há movimentos e possibilidades. Visando atender ao que
orienta Landowski, não nos interessa fazer uma caracterização da figura do professor
espalhada aqui e ali nos textos, mas considerar suas implicações, a lógica na qual se
assenta. Se o imaginário parece congelar os sentidos, a experiência pode ressignificá-
-los. Quando diferentes percepções entram em jogo, a complexidade vai se sucedendo
ao que antes poderia ser apenas simplificação e redução:
(3) Lindinalva
Antes de darmos início às observações, não sei por que, eu tinha uma visão meio
que utópica sobre o ensino público, achando que tudo seria maravilhoso e que
dependeria apenas do meu esforço para que as aulas pudessem render, MAS percebi
que o descaso dos alunos desestimula muito o professor. Se ele não tiver pulso firme
para lidar com eles, torna-se impossível iniciar a aula. Em uma aula de apenas 50
minutos, o professor passa 30 chamando atenção de alunos desordeiros. É por isso
que muitos acadêmicos comentam que o estágio é como uma peneira do curso, pois,
ao se deparar com a realidade do ensino público, muitos acabam desistindo, e só
conclui quem realmente deseja lutar por uma melhoria.
(4) Lívia
Toda vez que as meninas falam das suas experiencias nos estágios, fico pensando nas
minhas alternativas: me deparar com uma excelente profissional, na qual poderei me
inspirar... ou uma pessoa que vou sempre questionar: o que ela esta fazendo lá?...
então, espero.... que seja a primeira... Sei que ninguém é perfeito, mas espero
encontrar alguém que pelo menos se esforce.... Isso é que eu espero... Alguém que
tente, no minimo, se esforçar... afinal, ninguém sabe de tudo. Mas, se esforçar não é
impossível. Esse é o tipo de professor que quero encontrar...
6
O termo relativo à metalinguagem da semiótica remete a uma avaliação negativa. “Disfórico” contrapõe-se a “eufórico” (positivo).
(6) Laura
Wilson, viu como você e a Aparecida têm visões diferentes do mesmo grupo? Mas é
mais fácil para as pessoas generalizarem tudo e dizer que à noite ninguém quer nada
e deixar por isso mesmo. Pretexto.
(7) Bianca
Exatamente! Tb7 percebi que os dois têm pontos de vista diferentes sobre o mesmo
tipo de turma...daí podemos concluir que cada um tem uma maneira de ver a sala de
aula e de lidar com ela...apesar dessa generalização que vc disse, Laura.
(8) Maura
Gente, é impressionante como cada experiência é única, cada escola, cada turma,
cada professor....Esse desafio é maravilhoso. Adooooro!!!!!
B) REPETIR O JÁ SABIDO
Um risco que poderia esvaziar a proposta do fórum é de que o diálogo fosse des-
qualificado, o que ocorre, por exemplo, quando o estagiário apenas se limita a dizer o
que já seria supostamente tomado como verdade, não se afastando de uma certa obvie-
dade. Isso se dá seja pela citação de autores que falam da docência, mas sem maior cri-
ticidade nessa incorporação, seja pelo grau de generalidade das afirmações. Ocorrên-
cias dessa natureza foram identificadas quando solicitamos que, tendo sido realizadas
as atividades na escola, fossem apresentadas as conclusões, aquelas que levariam para o
relatório final. Assumindo, então, características do outro gênero (o relatório), surgem
citações que produziriam efeitos de autoridade para os argumentos apresentados (9):
7
Mantivemos na transcrição as abreviaturas comuns à escrita em diferentes gêneros da esfera digital.
(9) Maria
Bom dia a todos. Durante o período de estágio, pude perceber que a interação entre
professor-aluno não foi satisfatória, pois, infelizmente, a turma não permitia esse
contato mais próximo. Pretendo fazer o melhor possível para os meus futuros alunos.
Segundo Simões (2003), a atividade de docente é magnânima. Do professor do
terceiro milênio exige-se muito mais do que em qualquer época: vocação, competência
e aptidões emocionais, habilidade e consciência pessoal e relacional para possibilitar
o desenvolvimento cognitivo de seus alunos.
Espero que eu consiga ser uma boa professora.
A postagem de Maria (9) nos fornece muitos elementos para reflexão, mas nos
ateremos a alguns aspectos. A primeira observação que fazemos é de que há uma quebra
entre os enunciados. O efeito de subjetividade produzido pelas projeções de 1ª pessoa
(pude, pretendo, espero) pela saudação inicial (bom dia a todos) é interrompido pela cita-
ção de um possível teórico da educação, “Simões”. O dizer alheio, nesse sentido, parece
estar apenas justaposto, como uma necessidade de caráter argumentativo, mas pouco
incorporada ao todo do texto, com ausência de elementos que garantiriam a coesão. A
informalidade e o efeito de subjetividade abrem e fecham a postagem, e a afirmação to-
mada como verdadeira (em terceira pessoa e com um vocabulário mais técnico) fica um
tanto à deriva, com suas afirmações que exageram as capacidades que seriam “exigidas”
para o referido “professor do terceiro milênio”. Essa caracterização idealizada e recor-
rente em textos que tematizam educação contemporânea aponta uma direção precisa,
dada pela mudança de paradigma educacional em função de um mundo outro, com
novos paradigmas, à espera de um professor que a ele se adéque. Não vamos aqui discu-
tir as implicações dessa concepção, mas, a despeito de tudo o que as postagens vinham
trazendo de elementos, esse professor se apresenta com uma caracterização alheia a do
vivido durante as observações; ideal, imaginada, ainda que construída como evidente
pelos que a defendem. Assim, ao se buscar aproximação com a noção de relatório, o
dizer, rico com relação a angústias e impressões, vai sendo esvaziado.
Um outro caso desse esvaziamento encontramos em (10), também relativo à fase
final do estágio, quando a acadêmica faz uma espécie de síntese que pouco traz do que
foi discutido anteriormente. O gênero fórum prevê enunciados curtos, mas aqui a sín-
tese pretendida atua no sentido da generalização, em pouco atestando para a riqueza
das experiências anteriormente partilhadas:
(10) Tamara
Observando as aulas, pude perceber o quanto é árdua a carreira do professor. Estive
analisando como as turmas se comportavam e a metodologia usada pela professora.
Os conteúdos ministrados e sua sequência a cada aula. Observei ainda, de uma forma
geral, o comportamento de todos dentro do ambiente escolar.
Para mim, foi uma experiência muito válida, pois tudo que pude ver durante o estágio
serviu muito e ainda vai servir para a carreira docente. Foi o momento das descobertas,
o primeiro contanto direto com uma sala de aula como futura professora. Considero
como o momento crucial do curso. É exatamente neste período que o aluno descobre
Tamara foi uma das mais presentes no fórum, mas, nesse momento, escreve de
um modo que o resultado seria possível mesmo para quem não tivesse vivenciado ex-
periência alguma, apenas repetindo o já pressuposto: que o momento é relevante para
a formação do futuro professor etc. Isso possivelmente se explique pela contaminação
do gênero, pressupondo que um relatório deva necessariamente ter um tom mais ge-
neralizante e impessoal. Essa impessoalidade não sofre danos mesmo pelo emprego
da projeção de 1ª pessoa (pude, estive etc.) a que se somam outras projeções, a de 3ª
pessoa (É exatamente neste período...) ou de 1ª pessoa do plural (vamos), que concorrem
para o efeito de generalização. Afastando-se disso, também nessa fase de finalização das
discussões, encontramos o texto de Luís (11):
(11) Luís
Tive minha experiencia de observação no mesmo colégio em que minha mãe é
professora. Antes de iniciar, ela me avisou sobre o que estava por vir em relação
aos alunos. As reações e fatos ocorridos na sequência não me surpreenderam,
pois eu já esperava aquilo dos alunos que tinham como maiores dificuldades: A
DESMOTIVAÇÃO, A FALTA DE INTERESSE DAS FAMÍLIAS DOS ALUNOS
E A FALTA DE ESTRUTURA DO COLÉGIO. Minha única surpresa foi quanto
à desvalorização dos professores que tinham de se esforçar para planejar e executar as
aulas, lidar com as situações desfavoráveis em termos de estrutura e muitas vezes fazer
o papel dos próprios pais dos alunos.
Algumas vezes tive de tomar a frente das aulas enquanto a professora tinha de subir aula
em outras salas e notei que os alunos não se importavam, principalmente por saberem
que se a professora não os aprovasse eles seriam aprovados pela secretaria de educação
ou algum pedagogo iria até o colégio para reclamar e obrigar o colégio a aprová-los.
Como todos sabem, não tenho intenção de ser professor e não serei, estou aqui
apenas para ter um diploma, mas devo confessar que são totalmente absurdas as
condições de trabalho dos professores que têm de trabalhar na escola e em casa e
muitas vezes exercer funções que não correspondem a suas habilidades.
sujeitos externos à sala de aula, mas cujo poder terminaria por incidir sobre a perda de
autoridade do professor (“secretaria de educação”, “pedagogos”). A isso se acresce a ne-
cessidade de que os docentes realizem ações que ultrapassam o previsto para seu “papel”
profissional, “exercendo funções que não correspondem a suas habilidades”.
Luís aqui toma partido dos docentes, relacionando os problemas inerentes às es-
colas (anunciados pela mãe) e os vividos no momento do estágio (desvalorização).
Outras postagens, no entanto, reduzem-se a concentrar suas críticas na figura do pro-
fessor, ignorando aspectos contextuais que relativizariam a autonomia do docente
frente a sua performance. Nesse caso, a motivação, atendendo a uma lógica interna do
sujeito, seria do âmbito de uma decisão que parte da sua interioridade, de um querer
que não precisa de uma causa exterior, mas nasceria naturalmente, por um esforço
individual. A desvalorização, ao contrário, situa o olhar sob uma dimensão social,
política, observando a existência de outros atores em cena. Para tornar mais clara essa
oposição, vejamos um fragmento das postagens a seguir:
(12) Marisa
Minha experiência com o estágio está sendo bastante proveitosa, mas rodeada de
problemas também. Percebo que colégio em que eu estou estagiando não é diferentes
dos outros. A professora aparenta estar muito cansada e desmotivada. Isso faz com
que os alunos se desmotivem. Mas, para mim ainda existe um motivo a mais para
queremos mudar essa realidade. Se observamos mais os nossos alunos, aguçá-los a
aprender de forma satisfatória eles vão querer sim aprender. (...)
(13) Bianca
Chego em casa triste mesmo, com o coração doendo...pensando em como a realidade
é triste... Fico me lembrando da carinha dos alunos, tentando imaginar algum futuro
para eles... Não sei qual a história da professora, não sei o que ela já enfrentou na
vida, mas, neste momento, ela é completamente ausente, não faz questão alguma de
tentar ao menos dar aula! Acreditem...ela praticamente não dá aula!
(14) Tamara
Tudo isso é reflexo da escolha de uma profissão não desejada.
Marisa (12), Bianca (13) e Tamara (14) analisam aqui o comprometimento dos
docentes na escola. Conforme defendem, os alunos se desmotivam pelo aprendiza-
do por encontrar o docente também desmotivado para ensinar. Marisa reconhece o
cansaço da docente e a consequente desmotivação, mas não problematiza razões que
poderiam tê-la levado a esse estado. Avalia as consequências e declara querer ser dife-
rente, propondo-se a agir para “mudar essa realidade”. Tudo estaria, nesse sentido, nas
mãos do professor, no seu querer: “Se observamos mais os nossos alunos, aguçá-los
a aprender de forma satisfatória eles vão querer sim aprender”. Assume, então, que
quer, o que resultará em bons resultados quando assumir a sala de aula. Bianca reage
com certa indignação e considera que pode haver uma história por trás do quadro
que presencia, mas que também desconhece: “Não sei qual a história da professora,
não sei o que ela já enfrentou na vida, mas, neste momento, ela é completamente
8
A referência a Landowski aqui se dá unicamente pela apropriação do termo “contágio”, não porque esse teórico discuta as
problemáticas da ação pedagógica ou porque a visão aqui comentada fosse justificada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não discutimos aqui nossas intervenções no fórum, realizadas ainda por um mes-
trando que atuava conosco como um monitor, também tomando como objeto de pes-
quisa de sua dissertação o mesmo fórum (COELHO, 2013). Nossa atuação se dava no
sentido de provocar os estagiários a serem mais específicos, a repensarem suas conclu-
sões e, sobretudo, de um modo mais geral, para que se evitasse a pressa em culpabilizar
os docentes pelos possíveis insucessos considerados. Ressaltamos ainda que não nos
ativemos a considerar aspectos específicos relativos ao ensino que foram tematizados no
fórum (o trabalho com a leitura, os gêneros textuais, as aulas de gramática, etc.), res-
tringindo-nos a questões da interação e suas implicações para o ensino-aprendizagem.
Como já vimos analisando em relatórios em anos anteriores, há fatores na uni-
versidade que parecem favorecer um olhar sancionador, na medida em que a prática
(escola) não atende ao que prevê a teoria (universidade) (LIMA, 2011). Tanto nas au-
las presenciais quanto no fórum, insistimos que entre teoria e prática há intersecções e
lacunas e tanto prática quanto teoria se encontram dos dois lados, ainda que cada uma
das esferas privilegie uma ou outra.
O que temos aqui são, enfim, relatos de um processo de construção de conhe-
cimento que se orienta para a prática. Os sujeitos da pesquisa, então estagiários e
agora licenciados, partem nesse momento efetivamente para o exercício da docência.
Vão certamente assumir outras vozes, outras perspectivas, não estando prontos, na
medida em que o sujeito vai se constituindo como tal ao longo da vida. Nossa in-
tervenção se deu no sentido de que experimentassem a lógica de que o saber se pode
construir mediante diálogo e reflexão, em constante inacabamento, como partilha e
troca. Ao mesmo tempo, reiteramos que universidade e escola não estão apartadas,
que podem e devem seguir juntas, tendo em vista objetivos comuns. Não há uma
instância que sabe tudo e determina o fazer (destinador) sobre uma outra que deve
assumir cegamente o que deve fazer (destinatário). Podem ser parceiros, fazendo
juntas, por negociações e ajustamentos.
Inicialmente resistindo ao interesse pelo fórum, os estagiários aos poucos a ele se
dedicam e, ao final, os relatórios que tivemos em mãos mostraram-se mais ricos do que
os de semestres anteriores, a despeito de se limitarem apenas ao que foi vivenciando
como observação, cumprindo as orientações da referida etapa de estágio. Como um
texto coletivo, aberto, em movimento, o fórum possibilitou que muitos que estariam
silentes nas discussões da sala de aula aí encontrassem lugar de se expor, confirmando,
contestando ou reconfigurando pontos de vistas dos demais. Se acreditamos que há
um aprendizado que se faz com o outro, o recurso do fórum pode, portanto, mostrar-
-se produtivo nesse sentido. Não temos aqui indicadores de uma complexa construção
de natureza cognitiva, mas uma experiência de partilha. Não foram discutidas no
fórum teorias sobre o ensino, não havendo ao final um resultado que se caracterizasse
por um sólida ou inédita produção coletiva, mas uma orientação para um modo de
ensinar e aprender.
Finalizando, retomamos uma das questões que aqui mereceram atenção. Longe
de reduzir os docentes a performances encerradas num papel, pensemos que, como
sujeitos, resistem a figurativizações e imagens congeladas, ainda que não desprezemos
seu pertencimento a um grupo profissional, os condicionamentos históricos, as obri-
gações contratuais, as orientações metodológicas. Há muito para considerar do ponto
de vista das associações e semelhanças, mas, como diz o poeta Carlos Drummond de
Andrade, em “Igual-Desigual”, num aparente paradoxo diante de todas as experiên-
cias que relaciona como “igualíssimas”,
o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho
ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar (DRUMMOND, 1985, p. 537)
É isso que nos permite antever o encontro do inesperado (GREIMAS, 2004), nas
histórias que vão se fazendo.
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Recebido em 31/03/2014.
Aprovado em 20/04/2014.
RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar resultados de um projeto de pes-
quisa institucional em Linguística Aplicada, no qual se busca compreender como ocor-
re a prática inicial docente em contextos diversamente configurados de ensino/apren-
dizagem de língua estrangeira (presencial e virtual), bem como de que maneira esses
contextos podem se favorecer mutuamente e favorecer a formação reflexiva e crítica do
professor de línguas, em/para um mundo contemporâneo. É possível perceber a atitu-
de reflexiva de quatro professores brasileiros de língua estrangeira (espanhol, inglês e
italiano) em formação inicial, especialmente quanto a alguns aspectos relacionados ao
processo de ensinar/aprender línguas, tais como papéis dos participantes; relevância
da interação significativa; culturas envolvidas; ensino de uma língua estrangeira e en-
sino da língua materna como estrangeira; ensinar e aprender línguas tipologicamente
próximas; constituição do lugar de aprender/ensinar. Os resultados indicam que a
experiência de vivenciar a dinâmica de um contexto didático convencional de ensino
de línguas (sala de aula), ao lado da experiência de ensinar e aprender em um contexto
de configurações didáticas virtuais (teletandem), foi especialmente importante para
a formação crítica dos futuros professores de línguas e para a conscientização sobre a
prática de ensinar línguas em tempos de inovação tecnológica.
Palavras-chave: formação de professores de línguas; ensino/aprendizagem de línguas;
contextos presencial e virtual.
ABSTRACT: This article aims to show the results of an institutional research in Ap-
plied Linguistics, which tries to comprehend how the initial teaching practice occurs
in diversely figured contexts of foreign language teaching-learning (on-site and vir-
*
Professor Assistente Doutor do Instituto de Biocências Letras e Ciências Exatas/UNESP/São José do Rio Preto.
E-mail: mlkfouri@ibilce.unesp.br.
tual), as well as how such contexts may mutually favor and encourage reflective and
critical training of the language teacher in/for a contemporary world. It´s possible to
notice a reflective attitude of four Brazilian foreign language (Spanish, English and
Italian) teachers in initial training, especially regarding some aspects related to the
teaching-learning languages process, such as roles of the participants; relevance of
meaningful interaction; engaged cultures; teaching of a foreign language and mother
tongue teaching as foreign one; teaching and learning typologically similar languages;
constitution of the place to learn-teachIt´s possible to notice a reflective attitude of four
Brazilian foreign language (English, Italian and Spanish) teachers in pre-service edu-
cation, especially about some aspects of language teaching and learning process, such
as the role of the participants; the relevance of significant interactions; the involved
cultures; the teaching of a foreign language and the teaching of the mother tongue as
a foreign language; the teaching of similar languages as Portuguese and Spanish; and
the constitution of the place of teaching and learning languages. The results indicate
that the experience of experiencing the dynamics of a conventional didactic context
of language teaching (classroom), alongside to the experience of teaching and learning
in a context of virtual educational settings (teletandem), it was especially important
for the critical training of the future language teachers and to the awareness about the
practice of teaching languages in times of technological innovation.
Keywords: language teacher training; languages teaching-learning; on-site and
virtual contexts.
INTRODUÇÃO
O contexto brasileiro de pesquisas em Linguística Aplicada (LA) tem-se ocupado
de diversos estudos em torno da temática de formação de professores de língua es-
trangeira (LE), enfatizando estudos que analisam as formas de desenvolvimento e as
reflexões envolvendo práticas de ensino em contextos de formação inicial docente em
sala de aula (VIEIRA-ABRAHÃO, 2004; GIL et al., 2005; PIMENTA e GHEDIN,
2002; MAGALHÃES, 2004).
Em relação à formação de docentes em nível superior, Celani (2000) aponta ser
fundamental questionarmos até que ponto a Universidade vem preparando futuros
professores a lidarem com a linguagem enquanto elemento socialmente construído, a
partir de subsídios oferecidos pelo campo da LA. Na visão da autora, tal compreensão
é essencial para o trabalho do professor em sala de aula e, acrescentamos, em qualquer
ambiente de ensino/aprendizagem. É necessário, pois, que o futuro professor comece
a refletir, desde os anos iniciais do curso de licenciatura, sobre questões que envolvam
seu próprio processo de aprendizagem e seu trabalho futuro com a linguagem na cons-
trução de contextos sociais de ensino de línguas. Nesse sentido, poderá assumir posi-
cionamentos críticos e participativos no estabelecimento de políticas sociais relevantes
para o reconhecimento do valor da tarefa de ensinar línguas.
1
Este estudo caracterizou-se como projeto de pesquisa de minha autoria, relativo ao triênio 2010-2012, cujo título original
é A formação pré-serviço do professor de língua estrangeira em curso de licenciatura: crenças e reflexões em experiências de estágio
supervisionado em contexto presencial (sala de aula) e mediado pelo computador (teletandem). Agradeço aos participantes da
pesquisa apresentados neste artigo, cujos nomes reais foram preservados, pela disponibilidade em participar do estudo e em
ceder os dados registrados.
2
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de
licenciatura, de graduação plena.
4
O termo língua estrangeira é atribuído ao português ensinado como outra língua, de acordo com a SIPLE – Sociedade
Internacional de Português Língua Estrangeira.
em alemão, italiano, francês, espanhol, latim e grego. Lorena salientou que, como
interagente de Alex, teve oportunidades para melhorar sua fluência na LE, além de ter
aprendido mais vocabulário e compreendido aspectos culturais do país do interagente,
a partir de uma visão mais crítica e menos idealizada sobre os fatos.
Em relação à motivação e à autonomia para ensinar e aprender LE, Lorena valori-
zou a afetividade (paciência e amizade mútuas) presente nas interações, aspecto que cer-
tamente contribuiu positivamente para o processo de ensino/aprendizagem das línguas
e culturas (inglês e português) em meio virtual. A escolha de conteúdos em parceria e de
estratégias de aprendizagem com as quais ambos mais se identificavam também propor-
cionou maior autonomia em relação às línguas aprendidas. Quanto à contribuição en-
tre contextos diversamente configurados (o presencial e o virtual), Lorena afirmou que,
ao contrário do que ocorria nas interações em teletandem, as aulas de regência tiveram
como ponto de referência os conteúdos dos cadernos da proposta curricular paulista
para o ensino de inglês, material distribuído nas escolas, embora a estagiária pudesse
complementar livremente as atividades, desde que as cumprisse, tal como a orientou
a professora responsável da escola-campo de estágio. Essa diversidade de configuração
de contextos foi analisada pela participante como um aspecto propulsor em relação às
possibilidades de contribuição de um contexto pelo outro, levando-a a agir pedagogica-
mente em busca desse diálogo nos contextos nos quais atuou, e contribuindo, no exer-
cício do estágio curricular supervisionado, para sua formação reflexiva e crítica como
futura professora de línguas. Além disso, a temática das aulas presenciais impulsionava
a interação em teletandem, gerando enriquecimento linguístico-comunicativo e cultu-
ral, tanto para a brasileira quanto para seu interagente estadunidense.
Por fim, Lorena refletiu sobre ter vivenciado um significativo crescimento em sua
formação inicial na universidade, já que a experiência das interações em teletandem
melhorou seu desempenho oral enquanto aluna de língua inglesa, aumentou sua au-
toestima e diminuiu a timidez em relação à prática da LE, além de ter ampliado seus
conhecimentos de mundo para a apresentação de seminários obrigatórios em discipli-
nas. A participante também relatou que as interações tiveram um significado especial
quanto ao fato de ter podido apresentar a Alex alguns poetas brasileiros, alvos de sua
pesquisa de iniciação científica na universidade.
No caso de Marcela, licencianda de português-espanhol, a experiência desenvolvi-
da durante a pesquisa deu-se de forma distinta da de sua colega, pois Marcela estagiou
em ambiente específico de ensino de LE, um centro de estudos de línguas, projeto da
rede estadual paulista direcionado a alunos matriculados a partir do 6º ano do ensino
fundamental, que podem optar pela língua que desejam cursar, gratuitamente, no cen-
tro (neste caso, as línguas oferecidas são o espanhol, o francês e o italiano). Os cursos
têm duração de seis semestres.
Em relação ao teletandem, a estagiária conseguiu interagir com dois parceiros
mexicanos, Juan e Ariel, que já estudavam português e tinham interesses gerais na
hábitos de uma jovem falante de outra língua e reconhecer neles muito de seus próprios
hábitos, criando-se, assim, uma identificação mútua. O trabalho da professora da escola
campo de estágio também foi beneficiado, tal como ocorreu no caso de Marcela, no
que diz respeito ao uso real da língua em sala de aula, a partir de aspectos como entona-
ção, pronúncia, vocabulário, expressões comunicativas e valores culturais.
Por terem tido a companhia da interagente italiana por algum tempo no Brasil, os
estagiários também contaram com a possibilidade de receber uma tutoria em relação
às possíveis dúvidas sobre o conteúdo que tinham de tratar nas regências, vista como
outro benefício nesse contexto. Tal fato colaborou para um ensino da LE mais eficien-
te e atrativo para os alunos, na sala de aula, já que a professora da turma não interferiu
nas escolhas metodológicas feitas pelos estagiários, apenas direcionou-os em relação
aos conteúdos que teriam de cumprir. Nesse sentido, Roberto e Silvana apontaram um
ganho para sua formação linguístico-comunicativa, cultural e acadêmica (sessão de visio-
namento), promovido, especialmente, pelas trocas linguísticas e culturais realizadas
entre estagiários e interagente italiana em teletandem, antes de ela vir ao Brasil, bem
como as possibilidades para que essas trocas se intensificassem em tandem presencial,
durante sua estada no país.
Entretanto, diferentemente das outras participantes, os estagiários de português-
-italiano apontaram um aspecto problemático na interação com a parceira estrangeira,
ocorrido especialmente com Roberto. Tratou-se de um entrave de ordem afetiva, já que,
ao vir para o Brasil e estabelecer um contato mais próximo de seus interagentes brasi-
leiros, Alessandra acabou se declarando interessada afetivamente por Roberto, que não
correspondeu ao sentimento, inclusive para preservar, segundo ele, a relação acadêmica
de ensino/aprendizagem de LE proposta pelo projeto Teletandem Brasil (sessão de visiona-
mento). A partir desse momento, a relação entre a interagente italiana e os interagentes
brasileiros, estagiários e participantes desta pesquisa, foi interrompida, e, da mesma
forma, a possibilidade de irem a Itália, naquela ocasião. Roberto e Silvana acreditam
que esse foi um aspecto negativo da proximidade com a interagente, já que, em sua
opinião, nem todos os interagentes conseguem, talvez por falta de orientação adequada,
ter a mesma percepção dessas experiências, ou seja, a do envolvimento estritamente aca-
dêmico e investigativo proporcionado nas parcerias institucionais, o que acaba gerando
desentendimentos e compreensões equivocadas nesse tipo de relacionamento virtual.
Retomando as perguntas de pesquisa propostas para o estudo, vimos que a pos-
sibilidade de aprimorar, em um ambiente virtual de ensino/aprendizagem de línguas,
conhecimentos sobre a língua e a cultura estrangeiras na qual seriam em breve habili-
tados, atribuiu à formação inicial docente dos quatro licenciandos participantes uma
significação renovada, à medida que promoveu também um aumento de sua autoes-
tima, tanto como futuros professores de línguas quanto como alunos universitários
de LE. As interações igualmente lhes garantiram impulso para o estudo de questões
de língua que puderam ser mais bem compreendidas quando vistas pela ótica de um
falante proficiente que está de fato disposto a ensinar sua língua, a partir de sua in-
serção em um contexto linguístico-cultural específico. Apontamos, ainda, um aspecto
comum na experiência dos quatro estagiários participantes, e que se remete ao ensino
do PLE promovido nas interações em teletandem. Todos se sentiram motivados a
favorecer o parceiro a aprender sua língua de proficiência, o que fez a situação de inte-
ração ser uma troca, na qual um ajudava o outro a melhorar suas habilidades na língua
que queriam aprender, ao mesmo tempo em que lhes deu oportunidades de refletir
sobre o ensino de sua própria língua como estrangeira e sobre o ensino das LEs de ha-
bilitação para alunos da rede escolar oficial. Por outro lado, ficou claro para todos que
a habilitação para ensinar PLE não é contemplada no curso de licenciatura, no sentido
de que não há formação adequada para essa atuação, nem mesmo a direcionada aos
interagentes brasileiros em teletandem. Portanto, essa é uma das limitações sobre as
quais nos pusemos a refletir a partir desta pesquisa, em relação a como se caracteriza a
formação pré-serviço desses alunos. A análise dos dados nos mostrou que é necessário
nos encaminhar a r um trabalho de formação docente nesse sentido.
No que se refere às crenças e expectativas dos participantes, notamos, claramente,
que houve um encontro entre o que eles esperavam sobre atuar virtualmente no ensino
de LE e o que de fato ocorreu, no sentido de que as experiências foram muito positivas
e motivadoras para todos. Houve também uma confirmação de expectativas sobre a
contribuição de um contexto para o outro, ao se refletir sobre os ganhos obtidos tanto
ao ensinar em sala de aula quanto ao ensinar em teletandem. Ao aproveitar as expe-
riências trazidas de um contexto para o outro, houve possibilidade de os estagiários
trabalharem de forma mais adequada aspectos gramaticais e de vocabulário, principal-
mente, mas também aspectos culturais das línguas envolvidas. Outras questões impor-
tantes e que foram alvo de reflexão acentuada da parte dos estagiários remeteram às
crenças sobre o ensino da própria língua para um estrangeiro, especialmente quando
se tratou de línguas próximas, como no caso do português-espanhol e à importância
da compreensão do lugar da afetividade nas relações de ensino/aprendizagem, como
nos casos de português-inglês e português-italiano.
Os resultados nos mostraram, ainda, que a inserção de ambientes virtuais de en-
sino/aprendizagem de línguas em espaços convencionais de ensino trazem benefícios
mútuos e atingem positivamente professores em formação e já em atuação e alunos,
que passam a ter a oportunidade de interagir com estrangeiros e a encontrar mais sen-
tido nas relações entre as línguas e culturas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa institucional sobre for-
mação inicial de professores de línguas, na perspectiva da LA, tendo como foco a
formação reflexiva de estagiários a respeito de suas crenças e expectativas quanto ao
REFERÊNCIAS
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sição do espanhol (língua muito próxima). In: SIMÕES, A. R. M.; CARVALHO, A.
M.; WIEDMANN, L. (Orgs.). Português para falantes de espanhol/ for Spanish speakers.
Campinas: Pontes Editores, 2004, P.183-191.
*
Professora Adjunta da área de LIBRAS do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa - UFV.
E-mail: michellenave@yahoo.com
**
Especialista em Psicopedagogia e em LIBRAS. Tradutora-Intérprete LIBRAS/Língua Portuguesa: carlarpbcaetano@gmail.com
***
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Viçosa - UFV. E-mail: juliana.paula@ufv.br
INTRODUÇÃO
A Língua Brasileira de Sinais – Libras ‑ vem sendo alvo de pesquisas em Linguísti-
ca Aplicada, quando se trata de discutir questões e problemas referentes ao seu proces-
so de aquisição como segunda língua por ouvintes e como língua materna por surdos,
alfabetização e letramento de surdos, direitos em relação ao seu uso e formação de
professores. Na perspectiva da linguagem como elemento processual, as investigações
na área de Libras apoiam-se nas concepções de Grabe (2002) ao recomendar estudos
que enfatizem as noções de conscientização linguística envolvidas na aprendizagem de
línguas, os padrões existentes na interação professor-aluno, a aprendizagem a partir de
interações dialógicas e o papel do professor como pesquisador.
No relato aqui apresentado, o foco é ampliado para as questões educacionais no
sentido de refletir acerca dos conflitos comunicativos relacionados à língua de sinais,
interpretando-os de maneira a contribuir para novas possibilidades de atuação que vi-
sem à melhoria da qualidade social da educação ofertada às pessoas surdas. A iniciativa
é consequência das recentes discussões vivenciadas no Brasil, no campo das políticas
públicas voltadas para a surdez. Nessa conjuntura, algumas conquistas foram alcança-
das como a Lei no 10.432, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002), que reconheceu
a Libras como meio de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira; e
o Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), que, entre outras
providências, instituiu a obrigatoriedade do oferecimento da disciplina de Libras aos
cursos de formação de professores.
Ao adentrar os espaços de ensino superior, a disciplina de Libras proporcionou
mudanças no processo de formação inicial dos professores, desencadeando reflexões
acerca da prática docente no contexto da educação das pessoas surdas. Por causa disso,
verificou-se a urgência de se constituírem propostas que estabelecessem uma interlo-
cução entre a formação acadêmica e a atuação profissional sob a orientação das de-
mandas da sociedade. O estágio supervisionado em educação de surdos, na perspectiva
da educação inclusiva, torna-se um importante processo para a formação acadêmica de
licenciandos que visualizam uma atuação nessa perspectiva.
Essa modalidade de estágio amplia as estratégias de formação do futuro professor,
além de aproximar universidade e sociedade com vistas ao desenvolvimento de uma
educação que abarque as diversidades presentes na escola, podendo ser oferecida com
qualidade e equidade. Nessa conjuntura, o professor precisa ser preparado para ofe-
recer, inclusive aos alunos com surdez, um ensino que possibilite o desenvolvimento
pleno e global de todas as suas potencialidades, entendendo as singularidades envol-
vidas nessa condição. O momento histórico atual revela que, para os alunos surdos, a
qualidade social da educação só será possível se for pautada na abordagem bilíngue,
ou seja, abrangendo o uso da Libras como língua de instrução, e metodologias de en-
sino que atendam às especificidades dos alunos surdos para o aprendizado da segunda
língua, a Língua Portuguesa.
larização básica. Por isso, poucos foram os surdos que ingressaram no ensino superior
e alcançaram melhores postos de trabalho.
O cenário oralista persistiu aproximadamente até meados de 1960 e começou a
mudar a partir dos estudos de Stokoe (1960), linguista americano, que descreveu a
estrutura da Língua Americana de Sinais, comprovando que a língua atendia a todos
os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade
de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Stokoe observou que os sinais não
eram mímicas, pantomimas ou gestos, mas símbolos abstratos complexos, com uma
estrutura interior.
O reconhecimento do valor linguístico das línguas de sinais permitiu uma nova
maneira de conceber a surdez para além da visão patológica: a visão cultural. A nova
concepção, segundo Gesser (2009), vem quebrar o paradigma da deficiência ao enxer-
gar as restrições e potencialidades de ambos: surdos e ouvintes. A compreensão cul-
tural reconhece a surdez como apenas mais um aspecto das infinitas possibilidades da
diversidade humana, abordando aspectos não limitados e não determinísticos de uma
pessoa ou de outra. É uma visão multicultural do mundo: um jeito ouvinte de ser, com
a cultura da audição, e um jeito surdo de ser, com a cultura da visão. Precursor dessa
visão cultural da surdez, Skliar afirma:
É possível aceitar o conceito de Cultura Surda por meio de uma leitura multicultural,
em sua própria historicidade, em seus próprios processos e produções, pois a Cultura
Surda não é uma imagem velada de uma hipotética Cultura Ouvinte, não é seu revés,
nem uma cultura patológica (SKLIAR, 1998, p. 28).
linguístico que se utiliza dos corpos, das expressões corporais e faciais, dos braços, das
mãos, dos dedos, dos pés e das pernas em uma semiótica imagética.
Para os surdos, os aspectos visuais são fundamentais no processo de aprendizagem.
Concepção também defendida por Viana e Barreto (2011) ao discutirem a importân-
cia do uso de recursos visuais na educação de surdos. Elas propõem o uso de jogos
como ferramenta favorável à construção de conceitos pelos alunos surdos. Pautadas na
Pedagogia Visual, tais autoras se utilizam de diferentes elementos visuais como aliados
ao processo pedagógico.
Ainda acerca da Pedagogia Visual, Campello (2007) afirma que ela se sustenta
sobre os pilares da visualidade, ou seja, tem, no signo visual, seu maior aliado no pro-
cesso de ensinar e aprender. Segundo ela, essa pedagogia desempenha uma função fun-
damental no processo educacional, pois permite ao aluno surdo compreender, intervir
e reagir ao meio. A autora assegura que a percepção desenvolvida através de uma ima-
gem visual permanece mais tempo na cognição do que o discurso oral, proferido em
aulas tradicionais. De maneira similar, encontramos em Singer (1980 apud VIANA
e BARRETO, 2011, p. 20) a afirmação de que “as pistas visuais mantêm a atenção
do aprendiz por mais tempo se comparadas aos elementos verbais, melhorando, por
consequência, o seu aprendizado”.
Após observação e interação com o corpo docente da escola, iniciou-se a fase de
regência. Nessa etapa, em conjunto com a escola, optou-se pelo sistema de bidocência
que, de acordo com Beyer (2005, 2006), tem, como eixo norteador, um trabalho
de parceria entre o professor da classe regular e um professor com conhecimentos
específicos na área. As ações são compartilhadas entre ambos os professores e
disponibilizadas a todos os alunos em sala de aula.
dos gêneros textuais como objeto de ensino da mesma. Por esse motivo, apoiamo-
-nos nos argumentos de autores que congregam as orientações dos PCNs (BRASIL,
1997), como Schneuwly e Dolz (2004), e defendem que o ensino da língua deve ser
pautado em diferentes gêneros textuais. Esses teóricos argumentam que os gêneros são
importantes por se constituírem a partir de atividades de linguagem desenvolvidas em
contextos históricos e sociais e, por isso, refletirem o funcionamento da língua e da
linguagem em determinada sociedade. Tais concepções corroboram as defendidas por
teóricos como Beaugrande (1997) que tratam os textos como eventos comunicativos
que, para serem compreendidos, necessitam do conhecimento do leitor sobre a socie-
dade e sobre a língua nas quais tais eventos estão inseridos.
Importa lembrar que, geralmente, tais recomendações são voltadas apenas para o
texto oral e para o escrito e não apontam perspectivas para um trabalho que também
inclua o texto em Libras nos processos de aprendizagem vivenciados por alunos sur-
dos. Devido a essa lacuna, foi necessário atribuir novos significados às recomendações
supracitadas para o desenvolvimento de práticas de ensino da Língua Portuguesa na
modalidade escrita a partir de gêneros textuais que abarcassem a Libras e a Língua
Portuguesa nos mais variados contextos comunicativos.
Dentre diversas práticas desenvolvidas, destacaremos uma que enfatizou os do-
mínios sociais de comunicação relacionados à cultura literária ficcional, com objetivo
de priorizar as capacidades de linguagem relacionadas à narrativa. Para tal prática, foi
eleito o gênero conto. O trabalho seguiu as orientações de Schneuwly e Dolz (2004)
no que tange ao desenvolvimento de sequências didáticas. Então, a apresentação do
gênero foi realizada de maneira gradual, por meio de atividades planejadas, ordenadas
e relacionadas entre si a fim de articular os conhecimentos iniciais com novos conheci-
mentos a serem adquiridos. A prática iniciou com um momento de discussão sobre o
gênero eleito, visando a uma análise dos conhecimentos prévios que os alunos traziam
acerca do mesmo. Em seguida, foi realizada a apresentação de um conto em Libras.
Todos os alunos, surdos e ouvintes, foram instigados a observar os aspectos da sua
composição e, em seguida, a responder perguntas como, por exemplo: Quem era o
narrador? De que maneira a história foi narrada? O narrador era personagem da histó-
ria? Quais as personagens? O que aconteceu? Qual foi o conflito? Qual foi o desfecho?
Em que tempo e espaço a história se passou?
Somente após densa discussão acerca do conto em Libras, o texto foi apresenta-
do em Língua Portuguesa na modalidade escrita. Nesse momento, os alunos foram
questionados sobre as diferenças e semelhança entre os contos e levados a refletir sobre
os aspectos que diferenciam as modalidades de língua, sejam elas oral, escrita ou em
sinais. Depois dessas análises, o trabalho foi direcionado aos aspectos morfossintáticos
da Libras e da Língua Portuguesa. Nessa etapa, os alunos realizaram atividades relacio-
nadas, por exemplo, à identificação de substantivos e de verbos em ambas as línguas.
Também elaboraram um glossário Libras/Língua Portuguesa, onde registraram, atra-
vés de escrita, desenhos e figuras, as correspondências entre o léxico das duas línguas.
Por fim, foi proposta uma produção coletiva de novas versões para o conto. Os alunos
tiveram a flexibilidade de produzi-las em Libras e em Língua Portuguesa. Importa
informar que em todos os momentos, foram priorizadas as interações comunicativas
entre surdos e ouvintes. As interações foram assistidas por meio da mediação de um
profissional intérprete Libras/Língua Portuguesa, funcionário da escola.
Todas as atividades desenvolvidas foram conduzidas com base nos pressupostos
do bilinguismo, ou seja, além da construção dos recursos visuais, enfatizou-se o uso
da Libras como língua de instrução. Nessa proposta, a língua de sinais vem favorecer
o desenvolvimento linguístico e cognitivo do aluno surdo, colaborando para o pro-
cesso de aprendizagem e servindo de apoio para a leitura e compreensão da Língua
Portuguesa. Para Viana e Barreto (2011), a proposta bilíngue apresenta uma ampla
contribuição para o desenvolvimento da criança surda, pois reconhece a Libras como
primeira língua, a língua que dará a base linguística para aquisição da língua majo-
ritária do país como segunda língua. Segundo os pressupostos da abordagem bilín-
gue, os textos foram primeiramente apresentados em Libras, em seus mais diversos
gêneros, como poesias, notícias, receitas e narrativas. Somente depois de reconhecida
a função comunicativa do texto em Libras, o trabalho com o texto em Língua Por-
tuguesa escrita era iniciado. Todo o trabalho foi amparado em paradigmas já bem
estabelecidos na linguística aplicada, nos quais o texto é concebido como objeto de
ensino da Língua Portuguesa, o qual se faz presente a partir das práticas de letramen-
to socialmente estabelecidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, consideramos que a disciplina de Libras, criada via determi-
nação do Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), foi con-
cebida como fundamental no despertar do interesse dos licenciandos na busca de
uma formação destinada à atuação na perspectiva da inclusão educacional e social dos
alunos surdos. Embora seu papel seja vital na formação de professores, não deve ser
compreendida como o único espaço de reflexão desses licenciandos. Nesse sentido, o
estágio supervisionado constituiu-se em um elemento essencial na ampliação dos sa-
beres acerca do tema e na continuidade da construção dos conhecimentos a partir de
uma atuação teórica e prática.
Do oferecimento da disciplina originou-se o estágio supervisionado, que, por sua
vez, proporcionou uma gama de ações que ultrapassaram os muros da universidade e
adentraram os espaços da educação básica. Tais ações foram promotoras de uso e di-
vulgação da Libras no contexto escolar, além de proporcionar o (re) pensar pedagógico
de outros professores que, muitas vezes, não foram contemplados com essas discussões
em suas trajetórias acadêmicas. Na posição de professora-pesquisadora, a estagiária
pode desenvolver reflexões acerca das práticas de formação de professores nas diversas
áreas do conhecimento, em um processo de busca por melhores condições de aprendi-
zagem para alunos surdos. Além disso, suscitou condições de interação comunicativa
em Libras, necessária a todos os envolvidos no ambiente escolar. Os resultados são
satisfatórios para surdos e ouvintes, não só no quesito educacional, mas na articulação
desses alcances em outras esferas sociais.
Em relação à acadêmica, o estágio supervisionado favoreceu à licencianda do cur-
so de Pedagogia uma formação destinada à atuação na perspectiva da inclusão educa-
cional e social dos alunos surdos. Evidenciou-se a necessidade de elaboração de novas
metodologias, bem como de dar novas significações às já existentes, preconizando o
aprendizado significativo para todos os alunos. Ressalta-se, ainda, a construção de
uma reflexão crítica em relação à educação de surdos na perspectiva do bilinguismo,
contemplando a Libras em todo o processo educacional.
Quanto à bidocência, a prática foi considerada um desafio, pois ambos os educa-
dores tiveram que desenvolver um trabalho colaborativo com vistas a possibilitar um
processo educacional inclusivo no atendimento das especificidades do aluno surdo,
sem, contudo, deixar de envolver os alunos ouvintes. Os professores trabalharam na
mediação do desenvolvimento das potencialidades dos alunos, respeitando as diver-
sidades presentes no espaço escolar. A respeito das interações entre surdos e ouvintes,
acreditamos que os processos inclusivos só serão possíveis se pautados nas relações
entre os mesmos. Para isso, as relações precisam ser constantemente mediadas e esti-
muladas pelos profissionais da educação.
Finalizamos pontuando que os aspectos referentes à formação de professores de-
vem ser continuamente contemplados em discussões futuras, já que estão intimamen-
te relacionados às transformações dos processos educacionais dos alunos surdos. A esse
respeito, as universidades brasileiras têm ampliado seus espaços de discussões e o al-
cance de suas ações. Na UFV, a área de Libras do Departamento de Letras estende sua
atuação por meio de projetos de ensino, pesquisa e extensão que são desenvolvidos em
parceria com as instituições da rede básica de ensino do município de Viçosa - MG.
Nessas propostas, os alunos surdos têm sido contemplados de modo significativo. É
inegável, porém, que tais iniciativas ainda são incipientes e os resultados pretendidos
só serão alcançados em longo prazo. Entretanto, propostas como a aqui apresentada
servem de estímulos para o surgimento de outras ações que contribuam para uma
formação inicial e continuada de profissionais da educação atentos à inclusão em di-
ferentes âmbitos.
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E-mail: olivcaroline@gmail.com
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Professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: rogmatis@gmail.com
ticas e socioculturais, além de, é claro, incorporar em cada comunidade distintas visões
e conhecimentos tradicionais de cada um dos povos envolvidos.
Nesse sentido, podemos inferir ao menos três distintos objetivos da EBI, sendo
eles o objetivo da igualdade, como condição de melhoria de aprendizagens; objetivo
de diversidade, almejando o fortalecimento cultural e linguístico dos povos indígenas
e o objetivo de justiça social, próprio do diálogo cultural em prol da convivência hu-
mana (CASTRO, 2006).
A EBI é, portanto, a concepção que envolve a educação como algo próprio do ser
humano conforme sua realidade. Nesta concepção de ensino, o aluno não permanece
alheio ao que o circunda, ao contrário, ele descobre, questiona, busca. É imprescindí-
vel que tal concepção seja construída com as comunidades indígenas, e não fique so-
mente em esferas governamentais e acadêmicas. Para isso, é preciso que os professores
indígenas também tenham direito à formação superior pautada nessa concepção de
ensino, na qual a universidade e comunidades indígenas sejam parceiras.
Para que seja possível a prática da EBI nas escolas indígenas, é imprescindível que
os professores que ali atuam sejam formados a partir dos princípios básicos desse tipo
de educação. Nesse contexto, há a necessidade de oferta de cursos de Educação Inter-
cultural de Formação Superior de Professores Indígenas, como o da Universidade Fe-
deral de Goiás, reivindicado pelos povos indígenas da região Araguaia-Tocantins. Essa
região abrange os Estados do Tocantins, Goiás, parte de Mato Grosso e o Maranhão,
local onde vivem povos indígenas que falam línguas do Tronco Linguístico Macro-Jê:
Karajá, Karajá/Xambioá, Javaé, Gavião, Xerente, Apinajé, Krahô, Canela e Krikati; e
de línguas do Tronco Tupi: Guajajára, Tapirapé, Guarani, Avá-Canoeiro, e, ainda, os
Tapuio, remanescentes de alguns povos Macro-Jê. De todos esses povos, excetuando-
-se os Avá-Canoeiro, já há alunos indígenas, professores em seus territórios, no Curso
da Universidade Federal de Goiás.
no ensino por meio de temas contextuais. Ou seja, por meio de estudo que permita a
relação das ciências, dos conhecimentos tradicionais dos indígenas, da realidade cul-
tural, da história de vida, do compartilhamento de experiências, da visão de mundo, e
da produção coletiva de saberes.
A escolha dos temas contextuais para os trabalhos de estágio de L. L. Karajá e de
seus colegas universitários residentes em Santa Isabel foi a mesma nas etapas de está-
gios I e II. Os locais de pesquisa, no entanto, foram diferentes, L. L. Karajá pesquisou
em sua comunidade. Vejamos, então, suas ações em seu Estágio I com o tema contex-
tual Pintura Corporal.
L. L. Karajá aponta em seu caderno de estágio, assim como nos disse em comu-
nicação pessoal, que os alunos ficaram bastante entusiasmados em ver na escola os
conhecimentos tradicionais de seu povo sendo tratados como algo de importância,
como algo que merecesse atenção do professor. Tal reconhecimento ainda não havia
sido vivido por eles até então em sua escola.
As razões para a escolha do tema contextual em questão são diversas, dizemos isso
apoiando-nos nas falas dos próprios universitários que escolheram este conhecimento
para suas ações pedagógicas de estágio, dentre elas o anseio pela valorização dos sa-
beres culturais, a tentativa de envolver os jovens que já não mais querem fazer uso da
pintura ou que até mesmo não a entendem como importante/necessária. Diante disso,
destacamos aqui os objetivos de Leandro para com o trabalho sobre o tema escolhido:
“[...] o objetivo é para os alunos compreenderem a diferença das pinturas e para eles
conhecerem as várias maneiras de usar a pintura no corpo e nos artesanatos”.
Além da palestra proferida por Lawabiru para os alunos na Escola Krumarè, L.
L. Karajá promoveu discussões com eles, debates sobre como manter a arte de pintura
Iny em JK. Outra atividade proposta por ele foi a confecção de cartazes com desenhos
previamente discutidos com os alunos. A documentação da feitura dos cartazes, bem
como do momento em que os alunos foram pintados e alguns, inclusive, aprenderam
a pintar os colegas, não pôde ser realizada por falta de instrumentos de registro, porém
L. L. Karajá registrou em seu caderno de estágio os desenhos utilizados/discutidos nesta
aula. Os desenhos/pinturas foram Txuxonoheraru, Hãru e Ãoti2, como expomos abaixo.
2
Txuxonoheraru, Hãru e Ãoti são tipos de traçados utilizados na pintura corporal ou mesmo no adorno de artesanatos. Esses
traçados são pautados em itens da natureza.
O dia a dia da matemática usada por nós, o meio ambiente que nos envolve, a nossa
geografia, como o limite do nosso território, a história de nosso antepassado, [...]
tudo isso tem que estar na escola, ensinando na sala de aula, enquanto isso o atual
professor se perde com outras culturas, que não tem nada a ver com a realidade dos
alunos (L. L. KARAJÁ, 2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste curso, o estágio pedagógico surge como um momento fundamental de dis-
cussão de educação bilíngue intercultural, conjugando-se a isso fatores importantes a
serem considerados na formação e no desenvolvimento do professor, nomeadamente
o contato do estagiário com a proposta de ensino contextualizado, tendo como refe-
rência central a ação educativa transdisciplinar que se sustenta no sistema próprio de
ensino indígena, mas também em estudos em que se apresenta essa concepção como
passaporte de um saber maior.
A autonomia do professor enquanto profissional da educação também tem espaço
no processo vivido por cada um dos alunos indígenas que se encontram em fase de Es-
tágio Pedagógico no Curso. O fazer autônomo de materiais didáticos, o entendimento
da necessidade em se trabalhar assuntos da realidade dos alunos, a percepção política
em torno do ensino e uso da língua portuguesa e língua étnica dentro da escola, a
amplitude de discussões sobre acontecimentos que interferem na vida cotidiana das
comunidades. Todas essas ações levam, por meio da escola e, principalmente, via pro-
fessor e educação, a autonomia que as populações indígenas reivindicam.
Alunos atentos ao seu mundo e ao mundo que os rodeia, professores questio-
nadores e independentes apontam para uma nova realidade de educação em meio às
populações indígenas. O exemplo de ação pedagógica exposto neste trabalho trata
desta libertação.
Os acadêmicos indígenas, em especial neste trabalho L. L. Karajá, apontam para a
percepção de mudança em relação à suas práticas pedagógicas. L. L. Karajá, por exem-
plo, afirmou que depois de sua experiência entende o distanciamento do ensino na es-
cola de sua aldeia para com a realidade vivida dos alunos e dos próprios professores. A
escola ainda se pauta em conhecimentos alheios, nada articulados com as necessidades
da comunidade e isso gera, dentre outros motivos, o afastamento de muitos jovens Iny
(Karajá) da escola. A própria comunidade deixa de ver na escola um lugar de diálogo,
mas sim de imposição daquilo que seria considerado necessário para a formação esco-
lar de crianças, jovens, jovens adultos e adultos indígenas, como se eles mesmos não
fossem capazes de exercer e criar metodologias que envolvessem seus interesses.
A prática pedagógica é, portanto, o cerne das discussões e preocupações dos uni-
versitários indígenas e suas comunidades, bem como nossa, seus professores e orien-
tadores, uma vez que é por meio dela que será possível a efetiva transformação da
educação escolar em meio a comunidades indígenas visando uma educação bilíngue
intercultural de fato, não apenas aquela resguardada constitucionalmente.
A abertura por parte das escolas indígenas para os conhecimentos das comuni-
dades não pode ser mantida apenas no momento do estágio dos universitários indí-
genas, mas sim durante todo o processo de ensino e aprendizagem dos membros da
comunidade – crianças e adultos. Desta mesma forma, nós, membros da sociedade
majoritária, no ambiente de nossas escolas, precisamos devolver a este espaço a carac-
terística principal de libertadora, de amplificadora de direitos dos alunos a manterem,
valorizarem e vivenciarem no espaço escolar traços de sua cultura.
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