Ramatis O Sublime Peregrino Hercilio Maes PDF
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O SUBLIME PEREGRINO
Obra mediúnica
ditada pelo espírito
RAMATÍS
ao médium
HERCÍLIO MAES
1
O SUBLIME PEREGRINO
RAMATÍS / HERCÍLIOMAES
2
OBRAS DE RAMATIS .
16. Evangelho , psicologia , ioga America Paoliello Marques ? Ramatis etc Freitas Bastos
17. Jesus e a Jerusalém renovada America Paoliello Marques ? Ramatis Freitas Bastos
18. Brasil , terra de promissão America Paoliello Marques ? Ramatis Freitas Bastos
19. Viagem em torno do Eu America Paoliello Marques ? Ramatis Holus
Publicações
20. Momentos de reflexão vol 1 Maria Margarida Liguori 1990 Ramatis Freitas Bastos
21. Momentos de reflexão vol 2 Maria Margarida Liguori 1993 Ramatis Freitas Bastos
22. Momentos de reflexão vol 3 Maria Margarida Liguori 1995 Ramatis Freitas Bastos
23. O homem e a planeta terra Maria Margarida Liguori 1999 Ramatis Conhecimento
24. O despertar da consciência Maria Margarida Liguori 2000 Ramatis Conhecimento
25. Jornada de Luz Maria Margarida Liguori 2001 Ramatis Freitas Bastos
26. Em busca da Luz Interior Maria Margarida Liguori 2001 Ramatis Conhecimento
3
A Rui Ferreira da Luz
Hercílio Maes
4
ÍNDICE
Biografia de Ramatis 6
Algumas palavras 11
Preâmbulo de Ramatís 13
Mapas 254
5
RAMATIS
Uma Rápida Biografia
A ÚLTIMA ENCARNAÇÃO DE RAMATIS
SWAMI SRI RAMATIS
(3 partes)
Parte I
Na Indochina do século X, o amor por um tapeceiro hindu, arrebata o coração de uma
vestal chinesa, que foge do templo para desposa-lo. Do entrelaçamento dessas duas almas
apaixonadas nasce uma criança. Um menino, cabelos negros como ébano, pele na cor do
cobre claro, olhos aveludados no tom do castanho escuro, iluminados de ternura.
Foi instrutor em um dos muitos santuários iniciáticos na Índia. Era muito inteligente e
desencarnou bastante moço. Já se havia distinguido no século IV, tendo participado do ciclo
ariano, nos acontecimentos que inspiraram o famoso poema hindu "Ramaiana", (neste poema
há um casal, Rama e Sita, que é símbolo iniciático de princípios masculino e feminino;
unindo-se Rama e atis, Sita ao inverso, resulta Ramaatis, como realmente se pronuncia em
Indochinês) Um épico que conte todas as informações dos Vedas que juntamente com os
Upanishades, foram as primeiras vozes da filosofia e da religião do mundo terrestre, informa
Ramatis que após certa disciplina iniciática a que se submetera na china, fundou um pequeno
templo iniciático nas terras sagradas da Índia onde os antigos Mahatmas criaram um ambiente
de tamanha grandeza espiritual para seu povo, que ainda hoje, nenhum estrangeiro visita
aquelas terras sem de lá trazer as mais profundas impressões à cerca de sua atmosfera
psíquica.
6
as próprias formas objetivas. Rama o nome que se dá a própria divindade, o Criador cuja
força criadora emana ; é um Mantram: os princípios masculino e feminino contidos em todas
as coisas e seres. Ao pronunciarmos seu nome Ramaatis como realmente se pronuncia,
saudamos o Deus que se encontra no interior de cada ser.
Parte II
O templo por ele fundado foi erguido pelas mãos de seus primeiros discípulos. Cada
pedra de alvenaria recebeu o toque magnético pessoal dos futuros iniciados. Nesse templo ele
procurou aplicar a seus discípulos os conhecimentos adquiridos em inúmeras vidas anteriores.
Na Atlântida foi contemporâneo do espírito que mais tarde seria conhecido como Alan
Kardec e, na época, era profundamente dedicado à matemática e às chamadas ciências
positivas. Posteriormente, em sua passagem pelo Egito, no templo do faraó Mernefta, filho de
Ramsés, teve novo encontro com Kardec, que era, então, o sacerdote Amenófis.
O templo que Ramatis fundou, foi erguido pelas mãos de seus primeiros discípulos e
admiradores. Alguns deles estão atualmente reencarnados em nosso mundo, e já
reconheceram o antigo mestre através desse toque misterioso, que não pode ser explicado na
linguagem humana.
Em virtude de estar a Europa atingindo o final de sua missão civilizadora, alguns dos
discípulos lá reencarnados emigrarão para o Brasil, em cujo território - afirma Ramatis - se
encarnarão os predecessores da generosa humanidade do terceiro milênio.
7
A Fraternidade da Cruz e do Triângulo, foi resultado da fusão no século passado, na
região do Oriente, de duas importantes "Fraternidades" que operavam do Espaço em favor dos
habitantes da Terra. Trata-se da "Fraternidade da Cruz", com ação no Ocidente, divulgando os
ensinamentos de Jesus, e da "Fraternidade do Triângulo", ligada à tradição iniciática e
espiritual do Oriente. Após a fusão destas duas Fraternidades Brancas, consolidaram-se
melhor as características psicológicas e objetivo dos seus trabalhadores espirituais, alterando-
se a denominação para "Fraternidade da Cruz e do Triângulo" da qual Ramatis é um dos
fundadores.
Seus membros, no Espaço, usam vestes brancas, com cintos e emblemas de cor azul
claro esverdeada. Sobre o peito trazem delicada corrente como que confeccionada em fina
ourivesaria, na qual se ostenta um triângulo de suave lilás luminoso, emoldurando uma cruz
lirial. É o símbolo que exalta, na figura da cruz alabastrina, a obra sacrificial de Jesus e, na
efígie do triângulo, a mística oriental.
Parte III
Os Espíritos orientais ajudam-nos em nossos trabalhos, ao mesmo tempo em que os da
nossa região interpenetram os agrupamentos doutrinários do Oriente, do que resulta ampliar-
se o sentimento de fraternidade entre Oriente e Ocidente, bem como aumentar-se a
oportunidade de reencarnações entre espíritos amigos.
8
reencarnatórios" e que se reproduzem periodicamente nos veículos etéricos. Ao mesmo
tempo, os fraternistas da "Cruz", conforme nos informa Ramatis, preferem operar com as
correntes alaranjadas, vivas e claras, por vezes mescladas do carmim puro, visto que as
consideram mais positivas na ação de aliviar o sofrimento psíquico.
Eles sabem que a eliminação rápida da dor pode extinguir os efeitos, mas as causas
continuam gerando novos padecimentos futuros. Preferem, então, regular o processo do
sofrimento depurador, em lugar de sustá-lo provisoriamente. No primeiro caso, esgota-se o
carma, embora demoradamente; no segundo, a cura é um hiato, uma prorrogação cármica.
Para alguns iniciados, Ramatís se faz ver, trajado tal qual Mestre Indochinês do século
X, da seguinte forma, um tanto exótica:
Uma capa de seda branca translúcida, até os pés, aberta nas laterais, que lhe cobre uma
túnica ajustada por um cinto esmeraldino. As mangas são largas; as calças são ajustadas nos
tornozelos (similar às dos esquiadores).
Os sapatos são constituídos de uma matéria similar ao cetim, de uma cor azul
esverdeado, amarrados com cordões dourados, típicos dos gregos antigos.
Na cabeça um turbante que lhe cobre toda a cabeça com uma esmeralda acima da testa
ornamentado por cordões finos e coloridos, que lhe caem sobre os ombros, que representam
antigas insígnias de atividades iniciáticas, nas seguintes cores com os significados abaixo:
Esta é uma característica dos antigos lemurianos e atlantes. Sobre o peito, porta uma
corrente de pequenos elos dourados, sob o qual, pende um triângulo de suave lilás luminoso
emoldurando uma cruz lirial. A sua fisionomia é sempre terna e austera, com traços finos,
com olhos ligeiramente repuxados e tês morena.
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Muitos videntes confundem Ramatís com a figura de seu tio e discípulo fiel que o
acompanha no espaço; Fuh Planu, este se mostra com o dorso nu, singelo turbante, calças e
sapatos como os anteriormente descritos. Espírito jovem na figura humana reencarnou-se no
Brasil e viveu perto do litoral paranaense. Excelente repentista, filósofo sertanejo, verdadeiro
homem de bem.
Ele nos adverte sempre de que os seus íntimos e verdadeiros admiradores são também
incondicionalmente simpáticos a todos os trabalhos das diversas correntes religiosas do
mundo. Revelam-se libertos do exclusivismo doutrinário ou de dogmatismos e devotam-se
com entusiasmo a qualquer trabalho de unificação espiritual.
O que menos os preocupa são as questões doutrinárias dos homens, porque estão
imensamente interessados nos postulados crísticos.
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ALGUMAS PALAVRAS.
Prezados leitores.
Cabe-nos dar algumas breves explicações & respeito desta obra intitulada "O Sublime
Peregrino". Não se trata propriamente de uma história de Jesus em absoluta cronologia com
todos os seus passos na Terra. Calcula-se que já ultrapassam 7 000 as obras escritas sobre sua
existência, e todas elas fundamentadas ou baseadas nos relatos evangélicos de Mateus, Lucas,
João e Marcos, que são a única fonte biográfica de referência oficial da passagem do Mestre
Cristão entre os homens. Em conseqüência, achamos que seria desperdício de tempo
tentarmos com Ramatís mais uma "Vida de Jesus", nos moldes das biografias já existentes, as
quais nos apresentam tantos aspectos dele, que até nos parecem tratar-se de centenas de
indivíduos diferentes!
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então é o Jesus que precisamos sentir permanentemente em nós mesmos, porque ultrapassa o
"tempo" e o "espaço", e significa a Fonte inesgotável, o "caminho, a verdade e a vida" de
nossa ventura espiritual!
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PREÂMBULO DE RAMATÍS
Meus irmãos.
Esta obra prende-se a algumas lembranças do contato que tivemos com Jesus de
Nazaré, na Palestina, e de indagações que fizemos a alguns dos seus próprios discípulos
naquela época, e a outros, aqui no Espaço. Alguns quadros ou configurações de sua infância,
adolescência e maturidade, pudemos revivê-los recorrendo aos arquivos ou "registros
etéricos", fruto das vibrações das ondas de luz, ao Éter ou "Ákase" dos orientais, que
fotografa desde o vibrar de um átomo até a composição de uma galáxia (1).
Não defendemos "tese", nem pretendemos firmar pontos doutrinários nos relatos sobre
"O Sublime Peregrino"; tentamos apenas revelar-vos algumas atitudes e estados de espírito do
Mestre Jesus, que se ajustam realmente à sua elevada contextura espiritual. Cabe ao leitor
achar justo, certo ou inverossímil o texto desta obra, o que, sem dúvida, será de conformidade
com o seu próprio grau espiritual. Em verdade, todos nós descobrimos, dia a dia, que ainda
sabemos muito pouco sobre a natureza sideral de Jesus, e, possivelmente, só depois de alguns
milênios poderemos conhecê-la em sua plenitude! Uma vez que não nos move a vaidade
insensata de querermos contentar a todos os homens, desde já asseguramos o nosso respeito e
a nossa compreensão diante de qualquer opinião sobre esta obra.
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gestação. Crisna, Lao-Tse, Zo-roastro, Buda, Salivahana e outros instrutores espirituais
nasceram de virgens e através de fenômenos ou processos extraterrenos. Jesus, portanto,
devido à sua elevada hierarquia sideral, também não escaparia de vir à luz do mundo sem
alterar a virgindade de Maria e ser concebido "por obra e graça do Espírito Santo"!
Ainda existem outras preocupações quanto a certos acontecimentos, tais como se José
e Maria realmente se movimentaram para atender ao recenseamento ordenado pelos romanos.
Se isso aconteceu, só poderia ter ocorrido no reinado de Quirinus, após a queda de Arquelau.
Mas se Jesus nasceu sob o poder de Herodes, conforme asseguram os dois evangelhos , então
a viagem de José e Maria rumo a Jerusalém não se realizou, porquanto no regime de Herodes
não houve qualquer recenseamento.
Jesus, embora fosse um anjo exilado do Céu, viveu junto dos terrícolas, lutando na
vida, humana com as mesmas armas, sem privilégios especiais e sem recorrer a interferências
extraterrenas para eximir-se das angústias e dores inerentes à sua tarefa messiânica. O seu
programa na Terra destinou-se a libertar tanto o sábio e o rico, como o iletrado e o pobre; por
isso enfrentou as mesmas reações comuns a todos os homens, suportando as tendências
instintivas e os impulsos atávicos, próprios de sua constituição biológica hereditária, embora
lhe atribuíssem uma linhagem excepcional da estirpe de Davi . O Mestre mobilizava todos os
recursos possíveis para evitar sua desencarnação prematura, cujo corpo de carne se ressentia
do potencial elevado das vibrações sidéreas emitidas pelo seu Espírito angélico. Vivia, em
alguns minutos, os pensamentos, as emoções, angústias e ansiedades que os terrícolas não
conseguiam viver em uma existência. O ritmo do metabolismo de sua vida espiritual
ultrapassava o limite áurico de toda a humanidade terráquea, e os seus raciocínios
transbordavam fora do tempo e do espaço, exaurindo-lhe o cérebro.
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No seu hercúleo esforço para situar-se a contento, na carne, Jesus assemelhava-se a
um raio de sol tentando acomodar-se numa vasilha de barro! A sua mente vivia hipertensa,
cujo impacto se descarregava sobre os plexos nervosos, oprimiam-lhe o cérebro, os nervos, o
sangue e os vasos capilares, resultando, então, perigosos hiatos na rede circulatória. O
turbilhão de pensamentos criadores vibrava e descia da superconsciência; ele então recorria
aos jejuns periódicos, a fim de o seu espírito conseguir maior liberdade nessas fases pré-
agônicas de desafogo da matéria. Outras vezes, o próprio organismo mobilizava recursos
biológicos de emergência e vertia suor e sangue, compensando, com essa descarga imediata
de humores, a perigosa tensão "psicofísica", fruto do fabuloso potencial de energia espiritual a
lhe prensar a carne frágil(5) !
E' bem mais fácil e cômodo despojarmo-nos dos trajes enlameados e tomarmos um
banho refrescante, do que vestirmos roupas pesadas e descermos a um fosso de lodo repulsivo
e infeccionado, onde se debatem criaturas necessitadas de nosso auxílio.
Paz e Amor.
Ramatís
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(3) Mateus,II ─v.I. LucasI ─v.5.
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Capítulo I
CONSIDERAÇÕES SOBRE
A DIVINDADE E EXISTÊNCIA DE JESUS
PERGUNTA: — Que dizeis a respeito do dogma católico, que afirma ter sido
Jesus o próprio Deus encarnado, feito homem para salvar a humanidade?
RAMATIS: — Em verdade, Jesus é o Espírito mais excelso e genial da Terra, da
qual é o seu Governador Espiritual. Foi também o mais sublime, heróico e inconfundível
Instrutor entre todos os mensageiros espirituais da vossa humanidade. A sua encarnação
messiânica e a sua paixão sacrificial tiveram como objetivo acelerar, tanto quanto possível, o
ritmo da evolução espiritual dos terrícolas, a fim de proporcionar a redenção do maior número
possível de almas, durante a "separação do joio e do trigo, dos lobos e das ovelhas", no
profético Juízo Final já em consecução no século atual.
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reencarnação, os espíritos devidamente ajustados ao Evangelho de Jesus, no simbolismo das
"ovelhas", do "trigo" e dos "direitistas".
PERGUNTA: — Qual uma idéia mais ampla, quanto a Jesus ser o "Salvador"
dos homens, conforme aludistes há pouco?
RAMATíS: — As profecias do Velho Testamento sempre se referiram a um
Messias, eleito de Deus, "Salvador" da humanidade terrena e libertador do Povo de Israel,
cativo dos romanos. Mas os profetas não explicaram qual seria a natureza dessa "salvação".
nem deixaram quaisquer indicações que pudessem esclarecer os exegetas modernos. No
entanto, a humanidade do século XX já está capacitada para entender o sentido exato do
vocábulo "Salvador", e também qual é a natureza da tarefa de Jesus junto aos homens.
O seu Evangelho, como um "Código Moral" dos costumes e das regras da vida
angélica, proporciona a "salvação" do espírito do homem, libertando-o dos grilhões do
instinto animal e das ilusões da vida material. Essa "salvação", no entanto, ainda se amplia
noutro sentido, porque os redimidos ou "salvos" dos seus próprios pecados também ficam
livres da emigração compulsória para um planeta inferior, cujo acontecimento já se processa
na vossa época, simbolizado pelo "Fim dos Tempos" ou "Juízo Final"!
Os evangelizados ou "salvos" das algemas das paixões da animalidade devem
corresponder ao simbolismo do "trigo", da -'ovelha" ou da "direita" do Cristo, a fim de
ficarem desobrigados de uma emigração retificadora para outro orbe inferior, sendo-lhes
permitido reencarnar-se na Terra, participando da humanidade sadia e pacífica predita para o
Terceiro Milênio (3). Em conseqüência, a humanidade futura será composta dos "escolhidos"
à "direita" do Cristo e perfeitamente integrados no seu Evangelho redentor.
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Deus jamais precisaria encarnar-se na Terra para despertar os terrícolas, quanto aos
objetivos superiores da vida imortal. A revelação espiritual não se faz de chofre; ela é
gradativa e prodigalizada conforme o entendimento e o progresso mental dos homens. Assim,
em épocas adequadas, baixaram à Terra instrutores espirituais como An túlio, Numu, Orfeu,
Hermes, Crisna, Fo-Hi, Lau Tse, Confúcio, Buda, Ma-harshi, Ramacrisna, Kardec e Ghandi,
atendendo particularmente às características e aos imperativos morais e sociais do seu povo.
Jesus, finalmente^ sintetizou todos os conhecimentos cultuados pelos seus precursores, e até
por aqueles que vieram depois dele. O seu Evangelho, portanto, é uma súmula de regras e de
leis do "Código Espiritual", estatuído pelo Alto, com a finalidade de promover o homem à sua
definitiva cidadania angélica.
Aliás, é Jesus quem nos comprova não ser ele o próprio Deus, porquanto do alto da
cruz, num dos seus momentos inais significativos, exclamou: — "Pai! Perdoai, pois eles não
Babem o que fazem"! Por conseguinte, é absolutamente lógico e evidente que a sua súplica ao
Pai, rogando pelos seus algozes, demonstra a existência na cn^z do martírio de um "filho
espiritual", feito homem e não o próprio Deus!
Se Jesus fosse o próprio Céus feito carne, por que então ele se dirigiu a um Pai que,
sem dúvida, estava nos Céus? (4)
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divulgar a "Boa Nova" ! Em vez de recrutar os seus discípulos entre os doutos e os ricos,
escolheu-os entre os pescadores rudes e Ignorantes, porém honestos e sinceros. Espírito
magnânimo e sábio, embora humilde, ninguém poderia superá-lo ou vencê-lo no ambiente
terráqueo, pois sua aura excelsa, radiante de luz, embora imperceptível aos sentidos dos que o
cercavam, traçava fronteiras defensivas contra as más intenções e os maus pensamentos dos
seus detratores.
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não os tivesse vivido em si mesmo! Justamente por ele ter sofrido do mesmo mal, então
conhecia o medicamento capaz de curar a enfermidade moral da humanidade terrena! ... Jesus,
alhures, já foi um pecador como qualquer homem do mundo; porém, ele venceu as ilusões da
vida carnal, superou a coação implacável do instinto animal e seu coração transbordante de
Amor envolve todos os cidadãos da Terra!
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convivência pacífica e jubilosa! Se Jesus fosse fruto da fantasia religiosa, então teríamos de
concordar com a inversão de todos os valores do conhecimento humano, a ponto de não
distinguirmos o fantasioso do real! Que força poderosa alimentou a vivência desse Mestre
Cristão "imaginário", fazendo-nos reconhecer-lhe um porte moral e espiritual do mais alto
quilate humano? Qualquer homem pode negar a existência de Jesus; porém, jamais há de
oferecer ao mundo conturbado e corrupto uma solução mais certa e mais eficaz do que o seu
Evangelho!
PERGUNTA: —Sob a vossa opinião, quais são as fontes não históricas, mas
autênticas, para informarem sobre a existência de Jesus?
RAMATíS: — Sem dúvida, a fonte mais autêntica não histórica é a narrativa dos
quatro evangelistas, apesar de interpolações e dos retoques que sofreu, inclusive também
quanto a algumas contradições existentes entre os próprios narradores. Mas é fonte idônea,
porque manteve a unidade psicológica e os propósitos messiânicos do espírito de Jesus. Entre
os quatro evangelistas, dois deles foram testemunhas oculares dos acontecimentos ali
narrados; e, por isso, mostram-se vivos e naturais nos seus relatos; os outros dois interrogaram
minuciosamente as testemunhas que presenciaram as atividades de Jesus ou delas
participaram na época. Superando as interpolações perceptíveis a uma analisa percuciente os
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quatro evangelistas se mostram imparciais, singelos e seguros, pois eles narram os fatos
diretamente, sem muitas divagações.
Há nos seus relatos um grande espírito de honestidade e de certeza absoluta naquilo
que foi a vida de Jesus. Certamente existem algumas diferenças quanto à movimentação da
pessoa do Mestre nos escritos dos quatro evangelista*, mas não há dúvida alguma no tocante
à sua existência real. Outras provas da evidência são as cartas ou epístolas atribuídas a Paulo,
as quais possuem a força comunicativa das suas atividades cristãs e transmitem o odor
refrescante da "Boa Nova" e do "Reino de Deus" apregoados por Jesus! (6)
Evidentemente, os historiadores não se preocupam em focalizar a pessoa de Jesus, por
achá-la de pouca importância na época, pois se tratava de um simples carpinteiro, arvorado
em rabino, e a pregar estranha moral num mundo conturbado pelas mais violentas paixões e
vícios! A história jamais poderia prever no seio da comunidade de tantos rabis insignificantes
da Palestina, que um deles se tornaria o líder de milhões de criaturas nos séculos vindouros,
pregando somente o amor aos inimigos e a renúncia aos bens do mundo, cm troca de um
hipotético "reino celestial".
Além disso, Jesus era filho da Galiléia, uma terra de homens ignorantes e rudes,
coletividade de gentios, indignos de figurarem na história. No entanto, malgrado essas defi-
ciências, Jesus projetou-se além dos séculos testemunhado ps!os homens que o conheceram e
pelos discípulos integrados em sua vida messiânica. Ninguém duvida da existência de Pedra e
Paulo de Tarso; nem dos encontros do próprio Paulo com Pedro, Tiago e João. As próprias
divergências e <-lumes existentes nas relações desses apóstolos, competindo para se
mostrarem mais dignos do Mestre Jesus, já desencarnado, chegaram até o vosso século sem
perder a sua autenticidade! Paulo refere-se à última ceia e à crucificação de Jesus, como se
tivesse realmente participado de tais acontecimentos tão dramáticos para a humanidade (7).
Enfim, as contradições encontradas entre os próprios evangelistas são apenas de
minúcias, pois não modificam a inexistência das narrativas, e ali Jesus permanece de um
modo fiel e coerente. E' inadmissível que no curto espaço de uma geração, homens
ignorantes, rudes e iletrados, pudessem inventar uma personalidade tão viva e inconfundível
em sua contextura moral, como foi Jesus! Em verdade, a força do Amor e o espírito de
confraternização manifestos na sua mensagem influíram sobre milhares de criaturas até aos
nossos dias, impondo a existência lógica e indiscutível de Jesus, ou então outro homem deve
substituí-lo! Afaste-se Jesus da autoria do Evangelho, por que ele não figura na história
profana de modo convincente, e a humanidade terá de criar outro "mito", ou outro homem,
para então justificar esse "Código Moral" de profunda beleza espiritual!
De todos os acontecimentos narrados pela própria História, Jesus ainda é a figura mais
fascinante e convincente para nos condicionar a uma vida espiritualmente elevada. Jamais
houve qualquer lenda ou narrativa a consumir tantas páginas em milhares de obras, capaz de
atrair tanto interesse e admiração à consciência do homem terreno.
Indubitavelmente, quanto mais os ateus e outros nega-dores se empenham em
"extinguir" ou apagar a figura do Jesus, mais ele se impõe acima de todas as dúvidas, sobre-
puja a própria História e mais vibra no coração dos crentes. Por conseguinte, é vã e tola
qualquer pretensão de negar a sua existência, pois a despeito de todas as negativas, ele sempre
ressurge irradiando luz e amor, na tela viva da consciência humana!
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sim 11 cioso! Jamais o Mestre Cristão desejou alguma coisa do mundo material, cuja
vida terrena foi centralizada exclusivamente em torno dos bens imperecíveis do espírito
eterno Ele viveu trinta e três anos na face da Terra sem ater-se a quaisquer interesses
mundanos; e ninguém poderá inculpá-Io de um só fato ou empreendimento egoísta, que lhe
tenha dado relevo pessoal no ambiente político ou sacerdotal do mundo. Nasceu e
desencarnou extremamente pobre, encerrando seus dias heróicos sem valer-se dos favores ou
conluios com os poderosos da época.
O homem sedicioso é sempre um rebelde, um inconformado, pois é criatura ávida do
poder temporal e da exaltação sobre os seus conterrâneos. Os grandes sediciosos ou
Indisciplinados que a a História nem sempre registra com carinho e gratidão, chamaram-se
Davi, Átila, Gengis-Kan, Asoka, Alexandre, Aníbal, Tito, César, Carlos Magno, Ivã o
Terrível, Napoleão, Kaiser, Stalin, Hitler, Mussolini e outros, os quais, juntamente com certas
qualidades excepcionais, como a obstinação, capacidade de comando, arrojo, ambição e
estratégia, manifestaram também os pecados do orgulho, da crueldade, pilhagem, vingança ou
libidinosidade!
Sem dúvida, alguns desses homens foram gênios ou heróis; outros, apenas loucos ou
paranóicos. Não contestamos que tenham influído ou modificado os destinos dos povos no
transcorrer de uma época, pois a Suprema Lei faz surgir o bem dos destroços do próprio mal,
aproveitando a impetuosidade, paixão selvagem, cobiça, ambição e o arrojo dos sediciosos,
para efetuar as grandes transformações histórica e sociais no mundo. Escravos dos desejos de
glórias ou de riquezas, muitas vezes eles abriram as comportas da dor e do sofrimento para os
seus próprios comparsas das vidas passadas, agindo como os carrascos implacáveis nas provas
de resgate cármico do pretérito. Examinando as tropelias sangrentas narradas no Velho
Testamento, podemos certificar-nos do imenso número de soldados, comparsas e aventureiros
judeus, que naquela época praticaram as mais bárbaras atrocidades. No entanto, sob o gládio
da justiça divina, eis que eles retornaram à carne travestidos ainda na figura de judeus, porém,
humilhados e vítimas dos nazistas nos famigerados campos de concentração e em mortes
cruéis, para resgatar os débitos clamorosos do pretérito! (8).
Mas a Lei aproveita esses homens atrabiliários e cruéis e os mobiliza como matéria-
prima para trazer o Bem pelo Mal, pois eles aproximam povos, fundem fronteiras, derrubam
tiranias, extinguem feudos seculares, sacodem o pó das velhas dinastias, abrem clareira para
novas relações humanas, proporcionando o ambiente eletivo para novos ensaios políticos e
sociais de vida entre os sobreviventes. Durante a revolução francesa cometeram-se as mais
bárbaras atrocidades e injustiças sob o slogan esperançoso de "Liberdade, Fraternidade e
Igualdade". A pilhagem foi organizada e oficializada pelos poder es dominantes; dela não se
beneficiaram apenas os pobres e os injustiçados, mas também os oportunistas, os delinqüentes
e os facínoras, espécie de corvos adejando sobre a carniça! Mas, paradoxalmente, desse movi-
mento sangrento e sarcasticamente amparado pelos próprios conceitos da moral superior,
nasceram os princípios que depois consolidaram urna jurisprudência mais digna e a soberania
popular pela doutrina da Democracia!
Quantas vezes surgem da ralé, indivíduos inexpressivos, que se projetam no furor dos
empreendimentos e das tropelias sangrentas, ávidos de gloríolas mundanas e festejados pelas
multidões tolas, dominados pelo cabotinismo e pela paranóia perigosa? Servis, incultos,
temerosos, enfermiços., frustrados, miseráveis e impotentes, depois se tornam monstros,
bárbaros, impiedosos, cínicos, irascíveis, brutos e orgulhosos, quando são guindados ao poder
absoluto, passando a desforrar-se dos mínimos vexames e ressentimentos que acumularam
durante os seus dias inexpressivos e desfavoráveis? (9)
No entanto, Jesus sempre foi criatura pacífica, de atitudes claras e honestas,
esclarecendo que o seu "reino não era deste mundo", e cuja conduta não era dúbia, nem
capciosa, jamais se assemelhando a qualquer sedicioso do mundo Nunca praticou em sua vida
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qualquer ato de rebeldia, desforra ou crueldade que pudesse nivelá-lo à conduta dos
homens despóticos e belicosos! O seu bom senso sempre aconselhava aos homens "dar a
César o que é de César; e a Deus o que é de Deus"; a sua autoridade espiritual merece o culto
de todas as escolas espiritualistas do mundo; que lhe cultuam a memória na conta de um
elevado Mestre! Os esoteristas, teosofistas, rosa-cruzes e iogas reconhecem Jesus como
entidade já liberada do Jugo do Carma, um "Avatar" ou Instrutor Espiritual de alta estirpe;
enfim, um "eleito" de elevada categoria sideral e de amplitude cósmica. Ele foi um eleito que
trouxe à Terra o Bem pelo Bem, e não apenas um "escolhido" que pode semear o Bem pelo
Mal (10).
4 Nota do Revisor:─ Vide Epístola aos Gaiatas, cap. IV,vers. 4: "Mas quando veio
o cumprimento do tempo, enviou Deus o seu filho, nascido de mulher,nascido sujeito à
lei”. É evidente que Paulo de Tarso, nessa epistola, deixa bem claro que Jesus não é
Deus.E se o Mestre foi nascido de mulher e sujeito à lei, é óbvio que nasceu com um corpo
carnal e de modo comum e humano, como os demais homens. A citação de Paulo não
admite outra conclusão.
(5)O retrato de Jesus feito por Públio Lentulo foi publicado pela “Revista
Internacional do Espiritismo” e também se encontra na introdução da obra “A vida de
Jesus ditada Por Ele mesmo”.
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(8) Nota do Médium: — Segundo certo comunicado mediúnico por entidade de
reconhecido critério espiritual, Hitler, no passado, foi o rei Davi e comandou inúmeras
vezes as hecatombes sangrentas registradas amiúde, na Bíblia. Mas, de acordo com a lei
de "quem com ferro fere, com ferro será ferido", o seu espírito retornou à Terra, na
Alemanha, e, sob a injunção do Carma, abriu as comportas do sofrimento redentor para os
seus próprios comparsas e soldados que comandou outrora e lhe cumpriram fielmente as
ordens bárbaras. Assim, os mesmos judeus que ele trucidou neste século, nos campos de
concentração, já tinham vivido com ele e eram os mesmos soldados e comparsas
impiedosos, afeitos aos massacres dos povos vencidos. Como exemplo a esmo, das
barbaridades cometidas pelo rei Davi e seus exércitos, no passado, eis o que si
encontra em "Reis, Livro 2.°,cap. XII ,Vers.31 “ e transcrevemos: “E trazendo os seus
moradores, os mandou serrar; e que passassem por cima deles as carroças ferradas; e que
os fizessem em pedaços com cutelos; e os botassem em fornos de cozer tijolos; assim o fez
com todas as cidades dos amonitas; e voltou Davi com todo o seu exército para Jerusalém”.
(9) Nota do Revisor: — E' ainda o caso do Hitler, que, em sua juventude, foi
indivíduo enfermiço, ignorante, taciturno e pobre, mal sucedido com os amigos e
sustentando-se mediante trabalhos rudes e humildes, tais como limpar ruas, carregar
bagagens, servir de pedreiro, puxar terras ou remover neve, conseguindo, a muito custo,
a divisa de cabo na cozinha do exercito alemão. No entanto, quando assumiu o poder na
Alemanha, então, ele vingou-se furiosamente de todas as mágoas e ressentimentos
que sofrera na juventude, por parte da sociedade, dos militares e dos Judeus
especuladores. Dominado pela megalomania de profunda exaltação, de um misticismo
egocêntrico e mórbido, que o fazia supor-se um predestinado para dominar e dirigir o
mundo, extravasou o seu furor paranóico e atrabiliário, a sua perversidade e vingança.
Causando a catástrofe guerreira de 1939, onde foram organizados os diabólicos campos de
concentração e as câmaras de gás para extinguir e assassinar os judeus.
(10) Vide a obra “Do País da Luz”, cap.IV,1º vol., psicografia de Fernando de
Lacerda, na qual o espírito de Napoleão diz o seguinte:
─”O eleito é sempre escolhido; mas o escolhido não é eleito. O eleito foi escolhido
por Deus para fazer o Bem pelo Bem; o escolhido pode ser para fazer o Bem pelo Mal. O
eleito foi Jesus. Eu fui escolhido.”
Nesta comunicação. Napoleão compara sua existência turbulenta e ambiciosa com a
missão terna e pacífica de Jesus.
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Capitulo 2
27
intermediários entre si e a crosta terráquea, ele precisaria de longo prazo para, na sua descida,
atravessar as faixas ou zonas decrescentes dos planos de que já se havia libertado. E então,
para alcançar a matéria na sua expressão mais rude, teve de submeter-se a um processo de
abaixamento vibratório perispiritual, de modo a ajustar-se ao metabolismo biológico de um
corpo carnal. Jesus não poderia ligar-se, de súbito, à substância grosseira da carne, antes que a
Ciência Divina lhe proporcionasse o ensejo favorável e as providências indispensáveis para
uma graduação de ajuste à freqüência comum da Terra.
28
vibração harmoniosa e incomum no coração dos homens 4.
Em verdade, cumprira-se a profecia; o "Avatar", o Messias, entrevisto tantas vezes
pelos profetas do Velho Testamento, atingira a crosta material depois de um inconcebível
esforço de auto-redução, despendido em alguns séculos, a fim de iniciar sua romaria sacrificial
para a redenção dos terrícolas.
29
RAMATIS: — A vida de Jesus não foi um automatismo, nem conseqüência de
deliberação do Alto, impondo o Cristianismo de qualquer modo; mas os acontecimentos
principais foram esquematizados dentro de um plano de sucesso espiritual, em que não fosse
tolhida a vontade, o pensamento e o sentimento de todos os seus participantes encarnados ou
desencarnados. Espíritos eleitos, escolhidos e convidados participaram desse programa
messiânico de benefício coletivo, sob a égide do Messias, mas nenhum deles foi cerceado no
seu livre-arbítrio.
Os apóstolos, discípulos e seguidores de Jesus, ao servi-lo para o êxito de sua sublime
missão, também buscaram sua própria renovação espiritual e imolaram-se para a flo -
rescência de um ideal superior, liquidando velhas contas cármicas assumidas no
pretérito. O sangue cristão, derramado para alimentar os fundamentos do Cristianismo,
também lavou as vestes perispirituais dos seus próprios mártires. Pedro foi crucificado,
Estêvão lapidado, João foi torturado e Paulo degolado; tudo em favor da abençoada idéia
de libertação espiritual, cujos destinos cármicos foram acertados sob a bússola de
Jesus, resplandecendo no holocausto messiânico dá Era Cristã.
No entanto, Jesus, o aluno menos necessitado do banco escolar terreno, foi
justamente o mais sacrificado, pois ele descera à matéria esperançado de melhorar o
padrão espiritual dos seus queridos pupilos.
30
a árvore do Evangelho na gleba terrena.
A atividade de Jesus foi prevista com segurança e êxito no mundo físico e sem
quaisquer preocupações antecipadas dos Mestres Siderais, porque o seu padrão
angélico era garantia suficiente para profetizar a sua verdadeira conduta, no
testemunho sacrificial da cruz.
31
Abandonando os píncaros formosos do seu reino de glória, imergiu lentamente no oceano de
fluidos impuros e agressivos, produzidos pelas paixões violentas dos homens da Terra e dos
desencarnados no Além.
Embora se tratasse de um anjo do Senhor, a Lei Sideral obrigava-o a dobrar suas asas
resplandecentes e percorrer solitariamente o longo caminho da "via interna", até vibrar na face
sombria do orbe terráqueo e entregar pessoalmente a sua Mensagem de Amor. O Sublime
Peregrino descido dos céus lembra o mensageiro terreno que, após exaurir-se no tormento da
caminhada de muitos quilômetros, deve entregar a"carta de libertação" a infelizes prisioneiros
exilados de sua Pátria.
Assim, os 33 anos de vida física de Jesus significam apenas o momento em que ele faz a
entrega da mensagem espiritual do Evangelho, pois o processo espinhoso e aflitivo até imergi-lo
nos fluidos terráqueos durou um milênio do calendário humano. Essa operação indescritível de
sua descida sacrificial em direção à Terra é, na realidade, sua verdadeira "Paixão", pois só os
anjos, que o acompanhavam distanciando-se cada vez mais, por força da diferença vibratória, é
que realmente podiam compreender a extensão do heroísmo e sofrimento de Jesus, quando
deixou o seu mundo rutilante de luzes e prenhe de beleza, para então habitar um corpo de carne
em benefício dos terrícolas.
Após ajustar o seu corpo mental e reativar o mecanismo complexo do cérebro
perispiritual, em seguida, Jesus desatou o corpo astralino para vibrar ao nível das emoções
humanas. Atingindo o limiar do mundo invisível e do material, então fez o seu estágio final,
incorporando-se no Éter Físico ectoplásmico, para compor o "duplo etérico" e os centros de
forças conhecidos por "chacras", 6 que deveriam se desenvolver e estruturar-se durante a
gestação carnal. Em seguida, integrou-se definitivamente na atmosfera do mundo físico,
corporificando-se, mais tarde, no mais encantador menino que a Terra já havia conhecido!
A descida vibratória do Mestre para atingir o vosso plano físico foi apenas uma fase à
qual ele se ajustou por amor ao vosso mundo, reduzindo o padrão de suas funções angélicas
para desempenhar, com sucesso absoluto, a sua missão de salvador da humanidade. Não
podeis subestimar as fronteiras vibratórias que separam e disciplinam as várias manifestações
da vida cósmica. É muito longa a faixa ou distância existente entre o anjo e o homem. E Jesus,
sendo a mais alta entidade presente no vosso mundo, obviamente, com sua poderosa vontade,
mobilizou os espantosos recursos necessários para executar fielmente o Divino Mandato da
sua tarefa messiânica.
Na impossibilidade de requintar ele a matéria ou elevar o padrão vibratório dos planos
intermediários entre si e a Terra, o único recurso viável do cientificismo cósmico teria de
consistir na sua "auto-redução" aos veículos que deveria incorporar gradativamente, quais
elos de ligação dos planos subangélicos até à carne. O escafandrista, ao descer ao fundo dos
mares, embora permaneça senhor de sua consciência, fica circunscrito ao meio líquido, à sua
fauna e densidade; a sua capacidade normal, do meio externo, fica reduzida. Tal descida
exige-lhe uma técnica especial e uma prévia adaptação às leis naturais do plano aquático onde
vai fixar-se e agir.
Jesus, qual andorinha a debater-se no lodo viscoso de um lago, deixou-se submergir no
"mar" da vida humana, ajustando-se heroicamente às contingências sombrias do planeta. Se
ele pudesse fixar-se, instantaneamente, no corpo físico, na fase de sua gestação, seria o
mesmo que alguém conseguir, de um golpe, aprisionar um raio de sol num vaso de barro.
O Messias, cuja aura é imenso facho de luz a envolver a Terra — do que a sua
transfiguração no Tabor nos dá uma pálida idéia — teve que transpor densas barreiras
fluídicas e enfrentar terríveis bombardeios mentais, inferiores, suportando os efeitos da
viscosa névoa magnética do astral inferior a envolver a sua aura espiritual. Vapores sádicos
atingiram-lhe o campo emotivo-angélico, no turbilhão de vendavais arrasantes produzidos
pelas paixões tóxicas da humanidade ainda dominada pelos instintos animalizados.
32
Em sentido inverso, após o seu sacrifício no Calvário, o seu retorno ao mundo celestial
foi um desafogo, uma libertação dos liames grosseiros que o retinham na Terra.
Se Jesus não suportou sofrimentos acerbos na sua descida para a matéria, só por tratar-
se de um espírito angélico, é óbvio que ele também teria sido insensível às reações
contundentes da vida carnal e jamais sofreria em sua existência messiânica. A alma sublime, à
medida que ingressa nos fluidos mais grosseiros dos mundos materiais, para aí viver e se
manifestar, ela também sofre os impactos, os efeitos e as reações próprias desse ambiente
hostil, pois não pode eximir-se da ação e reação das leis físicas criadas por Deus na dinâmica
dos mundos materiais.
A descrença dos espíritas e suas dúvidas de Jesus gastar quase mil anos no esforço
sublime de baixar à Terra talvez resulte desse longo período tão impressionável para os
homens. Um milênio do calendário humano avulta na mente do homem, pois ele mal atinge a
média de 60 ou 80 anos de idade na sua vida terrestre. Para quem coordena sua existência pela
contagem do calendário humano, é demasiadamente extenso, e até inverossímil, que Jesus
tenha consumido mil anos para a descida vibratória e apenas vivido 33 anos na face da Terra.
Contudo, a mesma medida milenária capaz de produzir tanta impressão no cérebro humano,
não passa de um fugaz minuto no relógio da Eternidade, pois os espíritos vivem fora do
espaço e do tempo das convenções terrenas. A descida milenária de Jesus foi somente uma
etapa prevista pela Técnica Sideral, quando ele reduziu o seu poder e a sua consciência
angélica por amor à humanidade, a fim de comparecer pessoalmente à"escola primária"
terrena e entregar a mensagem salvadora. Mas a sua peregrinação do Céu à Terra foi-lhe
dolorosa e sacrificial, lembrando o príncipe que deixa o seu palácio resplandecente para
descer aos charcos onde vivem cancerosos, réprobos e leprosos, junto aos quais ele não se
livra de aspirar-lhes as emanações empestadas, nem mesmo evita de sofrer alguns danos em
sua veste fidalga. Aliás, conforme diz o velho provérbio popular, "no meio do espinheiro,
rasga-se mais facilmente o traje de seda do que a veste de couro"!
Malgrado a dúvida suscitada por protestantes, católicos e espíritas, eles não podem
anular a diferença vibratória existente entre o mundo angélico e o mundo humano. Caso Jesus
resolvesse encarnar-se novamente na Terra, então já de há muitos anos ele teria iniciado a sua
descida vibratória, obediente às mesmas leis imutáveis que lhe disciplinaram a encarnação
messiânica há dois mil anos.
Se a descida angélica da Mente Divina até a fase-matéria, que forma o mundo das
formas exteriores, é disciplinada por leis fixas que regulam essa expansão do Espírito de Deus
para fora de Si Mesmo, por que a manifestação de Jesus na carne humana deveria contrariar o
ritmo cósmico da Criação?
33
PERGUNTA.. — Dissestes há pouco que até certas almas sem grandes
credenciais psíquicas podem encontrar dificuladades na sua descida para a carne.
Poderíeis assinalar qualquer obra medir-mica, ditada por Espíritos de confiança e através
de médiuns criteriosos, capaz de ajudar-nos a associar acontecimentos semelhantes com a
descida sacrificial de Jesus por entre os fluidos densos do nosso planeta?
RAMATÍS: — Embora reconhecendo a excelente bibliografia espírita que já
existe a esse respeito, citaremos algumas obras mediúnicas de nossa confiança, de preferência
através da psicografia de Chico Xavier. Na obra"Voltei", ditada pelo espírito de Irmão Jacó, à
pág. 127, o autor menciona uma centena de espíritos singularmente iluminados, em profunda
concentração, e assim explica: "Aqueles são vanguardeiros da pureza e da sabedoria, que
fornecem fluidos para materializações de ordem sublime." Em "Libertação", André Luiz,
outro espírito, à pág. 41, alínea 11, registra idêntica cena: "Os doadores de energia radiante,
médiuns de materializações em nosso plano, se alinhavam, não longe, em número de vinte."
No entanto, essas providências técnicas transcendentais não se referiam ao
nascimento na carne, mas apenas para se materializarem Espíritos no próprio mundo
astral adjacente à Terra, a fim de poderem efetuar curtas preleções na colônia
designada pelo nome de "Nosso Lar". Malgrado ainda se tratarem de acontecimentos
exclusivos do plano espiritual, assim mesmo eles requeriam complexos recursos e a
mobilização de energias superiores de sustentação de um campo vibratório acessível às
entidades comunicantes de natureza superior. Imaginai, então, o dispêndio de forças e
as indescritíveis atividades siderais mobilizadas pelo Alto, a fim de que Jesus pudesse se
reduzir no seu comando espiritual e na sua aura refulgente, para poder vestir o opressivo
escafandro de carne depois da sacrificial descida vibratória!
34
todo o lugar desenvolve-se o auxílio da esfera superior, desde que se encontre em
jogo o trabalho da Vontade de Deus. Entretanto, devemos considerar que, em tais circuns-
tâncias, as atividades de auxílio são verdadeiramente sacri ficiais. As vibrações
contraditórias e subversivas das paixões desvairadas da alma em desequilíbrio
comprometem os nossos melhores esforços..."7
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ou encobrem a "descida" de Jesus da maneira como a explicais? Aliás, o Mestre só é
conhecido a partir do seu nascimento e finda-se no sacrifício do Calvá rio, onde situam o
ponto máximo de sua dor e sofrimento. Os católicos, no entanto, crêem na sua
ressurreição e ascensão ao céu em "corpo e alma", mas não se referem à "descida". Que
dizeis?
RAMATÍS: — A Igreja Católica não admite o exercício e a divulgação da
mediunidade, conforme o aceitam e cultivam o Espiritismo e outros movimentos espiritualistas;
obviamente, ela também não pode recepcionar e entender as elucidações sobre a estóica descida
de Jesus à carne. Apegada ainda ao"milagre", crê na história absurda e ingênua de Jesus subir aos
céus em "corpo e alma", embora isso desminta a própria disciplina e imutabilidade das leis siderais
que regem as relações do espírito com a matéria. Como admitir-se Jesus subestimando o traje
refulgente de sua alma angélica, para depois substituí-lo pela opacidade de um corpo físico no seu
retorno ao reino celestial? Por que ele iria transportar para o Céu um organismo de carne, cuja
alimentação e exigências fisiológicas dependeriam exclusivamente da Terra? Ou então
buscar o ventre materno de Maria para gerar-se, nascer, crescer e depois de adulto
arrasar as leis comuns da vida humana, pela sua absurda ascensão ao Céu, em corpo e
alma? Se ele pudesse efetuar tal milagre, então poderia ter-se materializado na Terra, já
em figura de adulto, em vez de recorrer ao processo dificultoso da gestação humana!
Os crentes dessa ascensão instantânea, em que o Mestre Cristão eliminou todos os
óbices e impedimentos sensatos criados pela estrutura do Cosmo, também não podem com-
preender nem admitir a sua descida vibratória sucedida num milênio do calendário terreno,
pois se foi tão fácil a subida, deveria ser bem mais fácil a descida. E os religiosos dogmáti -
cos, que ainda consideram Jesus como sendo o próprio Deus materializado na Terra, não
vêem motivos para ele não poder triunfar sobre as próprias leis do Universo.
Assim como a criança, embevecida na contemplação da lâmpada elétrica, custa a
compreender o mecanismo prosaico da Usina que lhe dá a luz, esses religiosos
excessivamente místicos e ainda afeitos ao sobrenatural, também sofrem imensamente ao
admitir a perspectiva de Jesus se enquadrar no mecanismo de uma técnica sidérea,
para só então lhe permitir a manifestação na Terra.
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1 — Vide a obra de Ramatís, "Mensagens do Astral", cap. "Os Engenheiros
Siderais e o Plano da Criação", que dá uma idéia aproximada da "Administração
Sideral". Trecho extraído da obra "A Caminho da Luz", de Emmanuel, por Chico
Xavier: "Rezam as tradições do mundo espiritual que, na direção de todos os fenô -
menos do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo
Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida
de todas as coletividades planetárias".
4 — Nota do Revisor: — Vide a obra "Boa Nova", ditada pelo espírito de Hum -
berto de Campos ao médium Chico Xavier, na qual ele também assinala essa
influência benfeitora sobre a Terra durante o advento de Jesus: "Como se o mundo
pressentisse uma abençoada renovação de valores no tempo, em breve, todas as
legiões se entregavam, sem resistência, ao filho do soberano assassinado. O grande
império do mundo, como que influenciado por um conjunto de forças estranhas,
descansava numa onda de harmonias e de júbilo, depois de guerras seculares e
tenebrosas."
6 — Vide as seguintes obras que abordam assunto semelhante: "Os Chacras", "O
Plano Astral" e "O Plano Mental", de C. W. Leadbeater: "O Duplo Etérico", de Powell,
obras editadas pela Editora Teosófica Adyar S.A. e Editora Pensamento, e "Elucidações do
Além", de Ramatís, editada pela Editora do Conhecimento.
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8 — No "Anuário Espírita de 1964", pág. 38 de "Entrevistando André Luiz", os
diretores dessa revista fizeram a seguinte pergunta ao espírito em questão: 'Reencarnações
de espíritos de ordem superior, presididas por espíritos elevados, em meio inferior, estão
sujeitas a represálias por parte de organizações espirituais interessadas na ignorância
humana?"A resposta de André Luiz ajusta-se perfeitamente aos dizeres de Ramatís
sobre o assédio dos espíritos das sombras na "descida" de Jesus, quando ele assim
responde: "Natural que assim seja. Recordemos o próprio Jesus."
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CAPÍTULO 3
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palpita no âmago de toda criatura. Sem dúvida, essa emi gração de anjos decaídos ou
de espíritos rebeldes, de um orbe superior para outro inferior, evita o perigo da
saturação satânica no ambiente astralino das humanidades, por que a carga nociva
alijada faz desafogar a vida espiritual superior, tal qual as flores repontam mais vivas
e belas nos jardins que se livram das ervas malignas.
Em conseqüência, tem fundamento a lenda bíblica da "queda dos anjos", embora, às
vezes, alguns a confundam com o processo da "descida angélica", o que é bem diferente e
refere-se a quando Deus cria os mundos planetários e se manifesta exteriormente, no ciclo
de um novo Grande Plano criador. 1
40
campo áurico de luz e a emanação crística de Jesus ainda alentam e purificam os seres mais
ínfimos que lhe tomam contato, mas não o hostilizam como seria na Terra. Mas na sua descida
espiritual até a matéria, ele teve de nivelar-se às vibrações contundentes das faixas retardadas e
próprias de cada plano inferior em que se manifestava.
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CAPÍTULO 4
C on si de r aç õe s so br e o
"Grande Plano" e o Calendário Sideral
42
a conquistarem também sua própria Ventura Imortal.
A consciência espiritual do homem, à medida que cresce esfericamente, funde os limites
do tempo e do espaço para atuar noutras dimensões indescritíveis; abrange, então, cada vez mais, a
magnificência real do Universo em si mesma, e se transforma em Mago a criar outras
consciências menores em sua própria Consciência Sideral.
A criatura humana, que vive adstrita ao simbolismo de tempo e espaço, precisa de ponto
de apoio para firmar sua mente e compreender algo da criação cósmica e da existência de Deus.
Os Grandes Iniciados têm amenizado essa dificuldade compondo diagramas especiais e
graduado as diversas fases da descida do Espírito até a expressão maté ria, como no
caso dos"Manvantaras" ou Grandes Planos, em que avaliam os ritmos criadores mais
importantes para auxiliar o entendimento do homem e fazê-lo sentir o processo
inteligente de sua própria vida. É uma redução acessível ao pensamento humano,
embora muito aquém da Realidade Cósmica, mas é a expressão gráfica mais fiel possível.
Os hermetistas, hinduístas, taoístas, iogues, teosofistas, rosa- cruzes e esoteristas têm
norteado os seus estudos com êxito sob esses gráficos inspirados pelos Mentores
Siderais desde a extinta Atlântida. 4
Da mesma forma, os Mestres Siderais necessitam de alicerçar os eventos da Criação dentro
de um programa de previsão disciplinada, para que os acontecimentos de maior
importância, a ocorrerem nos orbes planetários, como a descida de Instrutores Espirituais,
efetuem-se em perfeita concordância com as fases evolutivas das humanidades encar -
nadas. Assim, embora a vida angélica possa transcorrer acima da idéia ou do
simbolismo de "tempo" e "espaço" da convenção humana, o Alto precisa cingir-se a um
esquema de controle sideral, quanto às suas relações e determinações cármicas ou evolutivas
com os mundos materiais. Em conseqüência, o prosaico calendário da humanidade
terrena, que lhe disciplina as atividades baseado na translação e rotação do planeta
Terra em torno do Sol, nada mais é do que uma decorrência do "calendário sideral" fixado
pelo Alto para controlar os fenômenos do próprio Cosmo.
43
controlando os acontecimentos principais que se sucedem e se desdobram no decorrer
de um "Grande Plano".
Os diretores do Sistema Solar, ou do berço da Terra, também precisam
situar-se na idéia de "tempo" e "espaço" para interferir no momento justo das
necessidades de reajuste planetário e intensificação espiritual das humanidades dos
orbes sob sua direção.
Eis, pois, o sentido da Astrologia! Ela é o calendário sideral e a marcação cósmica
de que se serve a AdminisI ração Sideral do orbe para assinalar os eventos excepcionais em
perfeita concomitância com o próprio calendário do homem. A ciência acadêmica zomba dos
acontecimentos previstos nos esquemas zodiacais, mas ainda ignora o mecanismo que
disciplina o processo astrológico. Até a Idade Média a Astrologia foi considerada uma
Ciência; no entanto, quando o Clero se apoderou de suas bases científicas e as deixou
misturar-se com as lendas miraculosas tão comuns às fórmulas das religiões em crescimento,
então ela se deturpou no seu verdadeiro sentido e interpretação. A Astrologia, em verdade, é o
espírito da Astronomia, que se manifesta pela sua influência fluídica e magnética na
composição de signos, situações de astros e conjunções planetárias. Aliás, não nos
referimos ao comércio de horóscopos a domicílio, que assinalam os dias favoráveis para
os "bons negócios" ou os dias aziagos para os seus consulentes, em concorrência com a
"buena dicha" dos ciganos.
Ela é o calendário sideral, cujos "signos" significam os dias comuns, sucedendo-
se no mesmo ritmo limitativo e semelhante à marcação da folhinha humana; as conjunções,
no entanto, seriam as datas excepcionais, os marcos mais importantes e menos freqüentes. A
Astrologia, como um calendário sideral, que limita um "tempo" dentro do mesmo ciclo de
Criação e dissolução do Cosmo material, facilita aos Diretores do Sistema Solar prever o
momento em que se efetuam as modificações da estrutura dos orbes e os eventos
evolutivos ou expiativos de suas humanidades. Por isso os ocultistas, iogues e os astrólogos
orientais conhecem que o tempo exato de um "Manvantara", o "Grande Plano", do calendário
sideral, compreende exatamente 4.320.000.000 anos terrestres, em processo disciplinado em
torno da Terra pela sucessão de signos e de Conjunções astrológicas. 5
Assim, quando a Terra se colocou sob a influência suave do signo de Pisces e da
conjunção de Saturno, Júpiter e Marte era o momento exato de Jesus nascer, determinado e
escolhido pelos Mentores Siderais, assim como podeis situar o Natal para a realização de algum fato
de importância em vossa vida. O certo é que não houve deslocação de uma"vírgula" no esquema
sideral do Universo para Jesus nascer sob signo de Pisces e da conjunção de Saturno, Júpiter e
Marte. Tudo já estava previsto nos planos da Engenharia Sideral e na sucessão do atual Grande
Plano em que viveis.
44
antecedência, o "tempo" exato da descida de Jesus à Terra, a qual, por uma sábia disposição
cósmica, deveria ser paraninfada pelo signo de Pisces.6
Portanto, a conjunção dos três planetas seria inevitável, mesmo sem a descida de Jesus,
porque era uma decorrência natural do próprio esquema sideral e mecanismo cósmico sob a
regência de leis que regulam os ciclos, as aproximações e as revoluções dos astros no
Cosmo.
Igualmente se dá com o nosso exemplo acima, em que o dia 24 de dezembro
surgiria na marcação da folhinha humana de qualquer forma, com ou sem o casamento
de vossa filha, mas escolhido apenas por ser mais agradável aos vos sos sentimentos ou
objetivos. Insistimos em dizer-vos que não houve encomenda especial da conjunção
planetária de Saturno, Júpiter e Marte no signo de Pisces, para presidir fatalmente a "descida"
de Jesus à Terra. Esse evento astronômico fora previsto e escolhido no tempo do
calendário sideral astrológico para atender as bases do acontecimento mais importante do
passado e do futuro da humanidade terrena — a Era Cristã! Dentro do esquema
evolutivo da Terra, quando o signo de Pisces ou Peixes foi visitado pelo famoso trio de
planetas, seria também a época determinada, ou o "momento divino", em que a Luz do Cristo
Planetário, pelo sublime medianeiro Jesus, iria aflorar ao orbe através do seu sacrifício e
modelar o Código Moral mais perfeito para a redenção dos homens — o Evangelho!
45
PERGUNTA: — Como poderíamos entender que do campo magnético ou
astrológico produzido pela conjunção de Saturno, Júpiter e Marte tivesse resultado uma
influência favorável ao nascimento de Jesus na Terra?
RAMATíS: — As influências astrológicas "predispõem" o temperamento ou as
iniciativas das criaturas, mas não determinam nem "impõem" destinos, pois estes já estão
traçados de há muito tempo. Eles se sucedem ao surgir de tal astro ou sob certo signo
astrológico, porque foram marcados e previstos.
Não são as combinações planetárias, como o ascendente, o descendente ou a
dominante de alguns astros e signos astrológicos, que criam os "bons" ou os "maus"
presságios na navegação marítima, no transporte rodoviário, aéreo ou ferroviá rio, os
eventos felizes ou as perturbações trágicas nas famílias e nos agrupamentos humanos. Eles
só marcam e predispõem os acontecimentos de há muito tempo já delineados sob a dis-
ciplina da Lei do Carma. Não é a visita de tal ou qual astro ou o efeito de certa conjunção
planetária que desata os fatos indesejáveis, mas é a imperícia, imprudência, estultícia ou
embriaguez dos dirigentes dos veículos terrestres, marítimos ou aéreos, quase sempre os
responsáveis por isso. Aliás, embora os acontecimentos trágicos vos pareçam
ocasionais ou imprevistos, eles podem ter sido traçados pela Administração Sideral devido a
uma coincidência cármica. Então ali se escolhem e se agrupam, justamente, criaturas cuja
ficha moral as condiciona a um determinado fato, ocorrência ou acidente de resgate
coletivo, ensejando-lhes a liquidação dos débitos das existências passadas. 7
Sob qualquer aspecto planetário de boa ou má influên cia astrológica, Jesus
sempre revelaria o mesmo caráter impoluto e a mesma capacidade de renúncia aos
bens da vida humana, porquanto essas qualidades eram próprias de sua alma evoluída e
não das interferências benfeitoras de astros e signos. Portanto, a conjunção planetária de
Saturno, Júpiter e Marte, esposada sob o suave signo de Pisces, já fora escolhida e prevista
no calendário sideral para o advento de Jesus. A boa influência astrológica, pela presença
de um fluido sedativo e simpático, seria então um estímulo ou um convite para despertar
os melhores sentimentos da humanidade terrena. Enfim, foi um feliz evento astrológico que
catalisou sentimentos amorosos e pensamentos mais ternos e pacíficos nos homens,
criando-lhes uma predisposição salutar para o melhor êxito da Era Cristã.
Naquela época, em torno do orbe terráqueo, expandiu-se um magnetismo de
natureza superior, que ativou as boas ações nas criaturas eletivas para isso. Os espíritas e os
ocullistas sabem que a Vida é resultante do potencial de forças manifestas do mundo oculto
para o exterior. A matéria compacta para os sentidos humanos é somente um aglomerado
de elementos invisíveis, como as moléculas e os átomos, os quais ainda se subdividem em
elétrons, pósitrons, radiações, ondas, nêutrons, mésons, prótons etc. Há bilhões e bilhões de
átomos numa simples gota d'água, pois se ela fosse amplia da até ficar do tamanho da
Terra, cada um dos seus átomos não seria maior do que uma bola de futebol. Atualmente,
os cientistas mais capacitados já admitem a existência de"campos mentais", formados de
energia distinta e superior, e dotada de impulsos inteligentes. Aquilo que os velhos hindus,
há milênios, explicavam nos seus compêndios esotéricos sobre a imortalidade da mente após
a desintegração do corpo carnal, os cientistas modernos já aceitam como evidente,
afirmando que o campo mental do homem sobrevive.
Em conseqüência, os planetas, quando tomam determinadas posições nos signos
astrológicos, constituem-se em verdadeiros condensadores de forças ocultas que se atritam,
encorpam-se, elevam-se, expluem-se e arremessam-se em seu potencial para todos os
sentidos e direções. Obviamente, a humanidade de um orbe físico sofre na sua contextura
etérica, astral e mental a ação de uma carga semelhante, que for emitida pela humanidade
do mundo que lhe está mais próximo. E conforme seja o estado espiritual dos habitantes
46
desse orbe mais próximo, é evidente que também se poderá acusar os seus bons ou maus
estímulos magnéticos. Independente da distância física existente entre os astros, eles
estão interligados ocultamente pelas forças que emanam de todo o Universo e fluem em
todos os sentidos.
Por conseqüência, se o planeta Júpiter, durante sua aproximação astronômica,
projeta boa influência magnética sobre a Terra, porque a sua humanidade vibra emoções e
pensamentos de elevado padrão moral, é evidente que os jupiterianos, em sentido contrário,
hão de sofrer um impacto violento da carga desagradável emitida pelos recalques
mentais dos três bilhões de terrícolas.
A conjunção Saturno, Marte e Júpiter, cujo rio planetá rio transporta uma carga
humana moralmente superior à da Terra, então produziu um acasalamento de fluidos bons,
que embeberam o vosso mundo de salutar influência e predispôs os terrícolas a
sentimentos mais elevados. Assim, os homens bons, amorosos e pacíficos, sob a influência
planetária benfeitora do manto suave do signo de Pisces, tornaram-se mais predispostos à
bondade, paz de espírito, ternura e mansuetude, compondo na atmosfera da Galiléia um
campo psíquico favorabilíssimo para o advento da Era Cristã. E, evidentemente, os maus, os
belicosos e os irascíveis, sob tão boa influência, sentiram-se estimulados a melhorar os
seus impulsos animalizados.
47
durante os 365 dias do ano. Há os que durante os quatro dias de entrudo se desfor ram
das mágoas e dos insultos, dos sofrimentos e das decepções vividos durante o ano. O
álcool, servido a granel, ativa o instinto inferior do ser e o ajuda a expelir para o cenário do
mundo a torpeza, a malícia e a libidinosidade acumula das pelas convenções sociais. No
Carnaval, a"má influência" do dia estimula no homem o acervo herdado do animal, em
contraste com a "boa influência" do Natal, que sublima e amaina a própria tara
indesejável, porque vibra somente emoções de caráter espiritual. O Carnaval é o
catalisador psíquico dos piores desejos e recalques do homem; é o nivelador das
fronteiras sociais; confunde o palhaço inato com o cidadão de bons costumes, pois ambos
se disfarçam sob a mesma fantasia. É, em verdade, a festa da carne, enquanto o Natal é
a festividade do Espírito.
Transportando o nosso exemplo singelo para o campo sideral, também poder-se-
ia dizer que a Administração Sideral escolheu o Signo de Pisces e a conjunção de
Saturno, Júpiter e Marte para marcar o advento de Jesus à Terra, porque essa feliz
combinação astrológica e planetária proporcionava uma influência benfeitora sobre a
humanidade. Finalmente, assim como não escolheríeis o Natal para a realização de
acontecimentos trágicos e detestáveis, os Mentores Espirituais também situam no seu
calendário sideral os eventos bons sob as influências astrológicas benfeitoras e os maus sob
as combinações aziagas.
48
Alto situou-o num campo vibratório astronômico mais favorável à sensibilização psíquica
dos seus alunos terrícolas.
Aliás, o puro e o impuro na concepção humana são apenas duas palavras que
tentam definir circunstâncias relativas, cuja existência não depende de tais palavras. Que
são as palavras, senão uma tentativa do homem em definir as coi sas que já existem antes
de suas próprias palavras?
49
Expansão", de Mendél Creitchinann, publicado no jornal "O Estado do Paraná", de
domingo, dia 17 de janeiro de 1965, cujo trecho de interesse transcrevemos a seguir:
"UNIVERSO EM EXPANSÃO — A solução de Friedman, matemático russo, das
equações de Einstein acerca do universo, conduziu à possibilidade de um Universo em
expansão ou contração. Como relatamos em capítulo anterior, esse matemático
descobriu um engano na solução final das equações sobre o universo elaboradas por
Einstein. Um dos tipos de Universo que as equações indicam é o que chama Gamow de
pulsante.
Admite este modelo que, quando o universo atingisse uma certa expansão
máxima permissível, começaria a contrair-se. A contração avançaria até que sua
matéria tivesse sido comprimida até uma densidade máxima, possivelmente a do
material nuclear atômico, que é uma centena de milhões de vezes mais denso que a
água. Que começaria então novamente a expandir-se, e assim por diante através do
ciclo até o infinito."
Hosanas, pois, aos velhos mestres do Oriente, que há mais de 4.000 anos vêm
ensinando o "Universo Pulsante" através dos Manvantaras, da Grande Respiração ou
Pulsação de Brahma, ou Deus, cuja diástole e sístole cósmicas correspondem exatamente à
concepção de um Universo em expansão e contração, da nova teoria científica dos
astrônomos modernos. Pouco a pouco desvendam-se os símbolos da escolástica hindu, e
graças à cooperação da própria ciência acadêmica, ergue-se o "Véu de ísis" e surge o
ensinamento ocultista oriental em todo o seu preciosismo e exatidão científica.
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CAPITULO 5
51
mitológicos, que presidiam os fenômenos da Natureza ou se imiscuíam na vida dos seus
devotos. No entanto, ainda existe diversidade da própria fórmula espi ri Lista, em confronto
com outras explicações iniciáticas do ocultismo oriental. Em verdade, essa idéia da
pluralidade divina foi-se atenuando com a própria evolução do homem na esfera da
Filosofia e no campo da Ciência; porém, se isto lhe facultou maior assimilação da Realidade
do Criador, aumentou-lhe, no entanto, a sua responsabilidade espiritual. Quando o religioso
tradicional tem de abandonar o seu velho mito ou modificar sua idéia formal da Divindade,
acariciada há tanto tempo e infantilmente sob a proteção do sacerdócio organiza do, ele
então sofre na sua alma; e, da mesma forma, sofrem os adeptos de doutrina como o
Espiritismo, ante a concepção de que Jesus é uma entidade à parte e o Cristo, o Logos ou
Espírito planetário da Terra.
Todavia, o mais importante não reside, propriamente, nas convicções da crença de
cada um, na caminhada da sua evolução mental e espiritual, mas no seu comportamento
humano, quando o homem atinge um discernimento mais exato e real quanto às suas
responsabilidades e à forma de se conduzir perante o Deus único, cuja Lei Divina abençoa
os que praticam o Bem e condena os que praticam o Mal. Os homens mais se aproximam
da Realidade à medida que também se libertam das crenças, pois estas, quer sejam
políticas, nacionais ou religiosas, separam os homens e os deixam intoleran tes, tanto
quanto se digladiam os torcedores pelo demasiado apego a uma determinada associação
desportiva. Vale o homem pelo que é, o que faz e o que pensa, pois a crença, em geral, é
mais uma fuga da realidade.1
Os próprios espíritas, em sua maioria, embora já possuam noções mais avançadas da
realidade espiritual, ainda se confrangem, quando se lhes diz que o Cristo é um Arcan jo
Planetário e Jesus, o Anjo governador da Terra. O anjo é entidade ainda capaz de atuar no
mundo material, cuja possibilidade a própria Bíblia simboliza pelos sete degraus da
escada de Jacó; mas o arcanjo não pode mais deixar o seu mundo divino e efetuar
qualquer ligação direta com a matéria, pois já abandonou, em definitivo, todos os veículos
intermediários que lhe facultariam tal possibilidade. O pró prio Jesus, Espírito ainda
passível de atuar nas formas físicas, teve de reconstruir as matrizes perispirituais
usadas noutros mundos materiais extintos, a fim de poder encarnar-se na Terra.
52
os intuitivos e os inspirados, às vezes identificam essa "voz oculta" a lhes falar
silenciosa e ternamente nas belezas edênicas, que os aguardam após o desenlance do corpo
carnal. Assim, o Logos, o Verbo ou o Cristo do planeta Terra, em determinado
momento passou a atuar diretamente pelo seu intermediário Jesus, anjo corporificado
na figura humana, transmitindo à humanidade a Luz redentora do Evangelho.
No entanto, o Cristo planetário não podia reduzir-se ao ponto de vibrar ao nível
da mentalidade humana ou habitar a precariedade de um corpo de carne. Alguém
poderá colocar toda a luz do Sol dentro de uma garrafa?
53
alcança a condição beatífica de Arcanjo, ele é então chamado o "Filho Sideral"; é um
Cristo, cujo estado espiritual absoluto é o Amor, como a "Segunda Manifestação de Deus" ou
a "Segunda Pessoa da Santíssima Trindade", ainda tão mal compreendida entre os católicos e
os protestantes, e injustamente criticada pelos espíritas ortodoxos.
Assim, o Logos ou Cristo planetário da Terra é realmente a Entidade Espiritual
que, atuando na consciência global de toda a humanidade terrícola, alimenta e atende a
todos os sonhos e ideais dos homens. É a Fonte Sublime, o Legado Sideral de Deus
doando a Luz da Vida; o "Caminho, aVerdade e a Vida", em ação incessante através da "via
interna" de nossa alma. Não é evidente que a lâmpada elétrica de vosso lar busca sua luz e
força no transformador mais próximo, em vez de solicitá-la à Usina distante? Deus, como
"Usina Cósmica" e alimentador do Universo, legou aos seus Arcanjos, transformadores
divinos de Luz e Vida, o direito e a capacidade de atenderem às necessidades humanas nas
crostas terráqueas, doando-lhes a energia devidamente dosada para a suportação e bene-
fício espiritual de cada ser. Não há desperdício energético no Cosmo; jamais a Divindade
oferece um tonel de água para quem só pode suportar o conteúdo de um copo.
Os homens perdem-se pelos escaninhos dos raciocínios obscuros, buscando a
Verdade e a Glória através de processos complexos e escravizando a Razão às formas
transitórias, enquanto, junto de si, continua o copo de água refres cante do Evangelho,
capaz de saciar toda sede humana. Mal sabem eles que Jesus codificou, em linguagem simples
e de execução fácil, o Pensamento e a Glória do próprio Cristo Planetário.
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Quando chega a época de"Fim de Tempo", ou de limpeza astralina de um orbe, então
emigram os espíritos trevosos e rebeldes que lhes infestam a aura e reduzem a freqüência
vibratória da luz crística provinda do interior. Depois de afastados da aura do orbe
higienizado, é óbvio que este também se mostra menos denso na sua contextura astralina e
por isso aflora maior quantidade de Luz do seu Cristo planetário ao ambiente selecionado.
Essa operação de técnica sideral, João enuncia no Apocalipse, ao dizer que"o poder do seu
Cristo foi restabelecido após a expulsão de Satanás". Usando de exem plo rudimentar,
diríamos que a simples providência de se espalar uma lâmpada obscurecida pelo pó, permite-
lhe maior projeção de sua luz em torno. É por isso que a"Segunda vinda do Cristo" será
exclusivamente pela via interna do espírito do homem, e não conforme descreve a mitologia
religiosa, pois quanto mais se sensibiliza o ser, mais ele poderá absorver a luz espiritual do
seu Cristo.
Em conseqüência, o divino Logos ou Cristo já atuou através de Moisés,
Krishna, Isaías, Zaratrusta, Zoroastro, Buda, Maomé, Confúcio, Fo-Hi, Anfión,
Numu e muitos outros instrumentos humanos. Mas Jesus foi o mais fiel intérprete
do Cristo planetário, na Terra; ao completar 30 anos de idade física, quando lhe
baixa sobre a cabeça a pomba simbólica do Espírito Santo, durante o batismo efe -
tuado por João Batista, Jesus passou a viver, minuto a minuto, as fases messiânicas
do plano espiritual, traçado pelo seu elevado mentor, o Cristo ou Arcanjo do orbe.
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1 — Transcrevemos da obra de Krishnamurti, "A Primeira e última Liberdade", em
seu capítulo XVI, "Sobre a Crença em Deus", o seguinte trecho que coincide bastante com
o pensamento de Ramatís: "Há muitas pessoas que crêem; milhões crêem em Deus e
encontram consolo nisso. Em primeiro lugar, por que credes? Credes porque isso vos dá
satisfação, consolo e esperança; e dizeis que essas coisas dão sentido à vida. Atualmente
vossa crença tem muito pouca significação, porque credes e explorais, credes e matais,
credes em um Deus universal e assassinai-vos uns aos outros. O rico também crê em
Deus; explora impiedosamente, acumula dinheiro e depois manda construir uma
igreja e se torna filantropo. Os homens que lançaram a bomba atômica sobre Hiroshima
disseram que Deus os acompanhava; os que voavam da Inglaterra para destruir a
Alemanha, diziam que Deus era seu co-piloto. Os ditadores, os primeiros-ministros, os
generais, os presidentes, todos falam de Deus e têm fé imensa em Deus. Estão
prestando algum serviço, estão tornando melhor a vida do homem? As mesmas pessoas
que dizem crer em Deus devastaram a metade do mundo, e o deixaram em completa
miséria. A intolerância religiosa, dividindo os homens em fiéis e infiéis, conduz a
guerras religiosas. Isso mostra o nosso estranho senso político."
2 — Vide a obra "A Fraternidade dos Anjos e dos Homens", de George Hogd -
son. Obra editada pela "Livraria Editora O Pensamento".
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CAPÍTULO 6
57
equilibra, no tráfego do "reino do céu", quando ambas estão perfeitamen te iguais ou
uniformes, porquanto a asa direita simboliza o intelecto ou a razão, e a esquerda o coração
ou o sentimento. A angelitude ou perfeição exige completo e absoluto equilíbrio entre
o Amor e a Sabedoria. Por isso, quem vive na Terra, humilhado e submetido às provas
cruciantes da carne, desenvolve a paciência, o amor, a resignação e a ternura. E, em
futuro próximo, há de voltar à Terra ou a outro orbe, tantas vezes quantas forem
necessárias para desenvolver a asa direita, ou seja, a Sabedoria da razão pura.
Em conseqüência, embora a "esfera dos Amadores" congregue espíritos angélicos,
cuja característica fundamental é o Amor e a Renúncia da própria vida, para o bem do
próximo, não é a única nesse gênero, pois todos os espíritos angelizados e já libertos das
encarnações planetárias obrigatórias, embora sejam sábios, também são amorosos.
Mas o amor também pode ser manifestado de vários modos e con forme a índole
psíquica de cada ser, seja um homem ou um anjo. Os Amadores, portanto, são um tipo
de espíritos que depois de eleitos para qualquer missão nas crostas planetá rias, jamais
se prendem aos bens do mundo onde atuam. E além do seu amor incondicional para
servir e ser útil em tarefas de alta responsabilidade, a pobreza é a principal característica de
suas vidas. Eles não vacilam em suas lutas messiânicas, pois as enfrentam desde o
princípio com uma decisão heróica e absoluta renúncia pelo ideal superior que esposam e
divulgam. Esse é o tipo dos espíritos peculiares da "esfera dos Amadores".
Embora o amor incondicional e absoluto seja, realmente, no futuro, uma qualidade
comum de toda a humanidade cósmica, tal sentimento toma características peculiares da
índole e do temperamento de quem o manifesta.
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conformidade com a índole de cada ser. Muitas vezes o sábio, o gênio ou o cientista
principiam aquecendo o amor em si mesmos, numa satisfação ainda ególatra. No entanto, eis
que transborda esse amor além das necessidades e da contenção do ser, para se transformar
em doação ao mundo e em benefício da humanidade.
É indubitável que os guias espirituais precursores de Jesus também serviram à
humanidade e a ensinaram para o Bem, porque eram de índole amorosa; mas há
diferença entre as formas de pregar esse Amor, se compararmos Jesus a Confúcio,
Krishna, Buda, Moisés, Zoroastro, Maomé, Gandhi e outros. Só ele, enfim, o mais pobre
dos homens, também foi o mais rico de Amor!
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indagações, porque teríamos de esmiuçar-vos matéria de complexa tipologia sideral. Quando
mais tarde compreenderdes a verdadeira significação da paixão de Jesus, na Terra, então
podereis aquilatar o sentido exato da terminologia psicológica desses vários grupos de Espíritos,
os quais, apesar de sua maneira de agir, não só se congregam para o mesmo fim espiritual, como
ainda atendem às convocações dos Instrutores Espirituais em suas missões de sacrifício nas crostas
planetárias.
Cada grupo sideral é aproveitado conforme sua índole e talento, pois enquanto certa parte
fica no Espaço, intuindo e guiando os encarnados para a maior receptividade dos ensinamentos e
revelações do Instrutor situado na matéria, em época devidamente prevista, como aconteceu a
Antúlio, Hermes, Krishna, Buda, Jesus ou Kardec, outros encarnam-se na Terra como antenas
vivas propagadoras dos novos conceitos espirituais. Então se pode observar, no mundo
material, que as grandes transformações e os renascimentos operados nas esferas musicais, da
pintura, da ciência, da política ou da religião, não se cingem exclusivamente ao indivíduo que
expõe e divulga a nova mensagem, mas, em seguida, aderem a ela discípulos, seguidores e
simpatizantes atraídos pela natureza do mesmo ideal. No entanto, essa adesão absoluta e
jubilosa em torno de igual mensagem de renovação no mundo, é sempre fruto de um plano
inteligente, sensato e evolutivo a se desdobrar na matéria e controlado pela sabedoria dos
Mentores Siderais, assim como ocorreu na propagação do Cristianismo.
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CAPÍTULO 7
PERGUNTA: — Mas não seria razoável que Jesus tivesse um corpo fluídico,
considerando-se a sua elevada hierarquia espiritual?
RAMATÍS: — Não contestamos que o seu grau angélico faça jus e possa compor
um corpo fluídico ou diáfano, idêntico aos já existentes em mundos superiores de outras
constelações; porém, o cabal desempenho da missão de Jesus no ambiente do vosso
planeta exigia-lhe um corpo igual ao de todos os seus habitantes. Teria de ser um organismo
tão compacto e vigoroso quanto o reclamavam os imperativos do meio onde deveria viver.
Aliás, em face da revelação científica agora aceita, de que a matéria é energia
condensada, não se justificam essas preocupações quanto à natureza fluídica ou material do
corpo de Jesus. Ante a sua alta espiritualidade — e isto é o que mais importa — o seu corpo
nada significa por ter sido mais ou menos denso, ou seja, composto de energia condensada em
maior ou menor dose. Essa contingência de"mais"ou"menos" densidade material não seria
favorável nem prejudicial a Jesus, pois o seu sacrifício máximo não decorreu das obras
físicas que ele teria de suportar no ato de sua crucificação. O seu holocausto mais acerbo
consistiu na sua luta de abaixamento vibratório, no sentido de ajustar-se à matéria densa do
mundo inferior, em atrito com as vibrações morais do seu padrão angélico. Semelhante
descida foi um calvário de angústias que se prolongaram durante mais de um milênio de vosso
calendário. Infelizmente, as limitações de vossa sensibilidade moral ainda não vos permitem
avaliar a renúncia espiritual de Jesus, decidindo abandonar o seu paraíso celestial para descer
aos charcos de um mundo animalizado.
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dispensar o escafandro para descer ao fundo dos mares. Que aconteceria a um fidalgo do
vosso ambiente civilizado, indo ao Pólo enregelado onde moram os esquimaus e lá se
apresentasse com a indumentária de camisa de seda e um terno de linho?
Essa preocupação quanto ao corpo de Jesus resulta de uma análise que se atém a
superfícies. Buda foi um inspirado sublime e os milhões de budistas jamais discutiram a
natureza física do seu elevado mentor. Certamente, a índia estaria abalada espiritualmente,
dividida sob divergência religiosa, se uma parte dos crentes afirmasse que a santida de de
Buda exigia um corpo esguio e elegante, enquanto outros achassem natural o corpo obeso
e nutrido do grande iluminado.
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apenas um homem incomum, vivem de maneira tão dignificante a sua existência terrena,
que podem ser consideradas à conta dos seus verdadeiros discípulos.
No Espaço não existem agrupamentos partidários de um Jesus físico ou fluídico, mas
apenas consciências felizes ou infelizes consoante o seu padrão moral. Se Jesus exigisse um
corpo fluídico, semelhante privilégio implicaria a condenação do mecanismo da procriação,
mediante a qual Deus proporciona o benefício da vida humana no vosso orbe.
A lei divina da preservação da espécie é um fenômeno tão sublime e digno de respeito
como os demais fenômenos ou maravilhas do Universo. O seu aspecto deprimente em face do
conceito humano é produto exclusivamente da mentalidade animalesca do próprio
homem, que subverte a ordem natural de uma técnica criadora em atos condenáveis de
lubricidade.
63
fluídico. Aliás, ele mesmo afirmou que "não viera destruir a Lei, porém cumpri-la".
Além de sua atribuição de Legislador Evangélico, Jesus estava incumbido de outras
tarefas determinadas pela Ciência Cósmica, algo conhecidas dos Devas, no Oriente. Assim
como o Espiritismo é a síntese iniciática mais acessível à mente do homem comum, o
Evangelho estruturado por Jesus constitui também a súmula mais compreensível da Ciência
Cósmica, para a mente do homem terrícola. Quando os adeptos do Espiritismo penetram cada
vez mais no seu âmago, surpreendem-se com as revelações que descobrem, identificadas com
todas as ciências ocultas e os ensinos iniciáticos. Na intimidade do Evangelho, as singelas
máximas pregadas por Jesus identificam-se com todas as leis que regem o próprio
Cosmo. 1
O Messias, além de Legislador Espiritual, foi o mais avançado cientista encarnado na
Terra. Rompendo a fronteira cósmica para a salvação do Homem, proporcionou-lhe a aquisi-
ção de luz planetária, no sentido da libertação definitiva da vossa humanidade. Essa é a razão
por que o Velho e o Novo Testamento afirmam: "O Messias é o Salvador dos Homens."
PERGUNTA: — Diz o Evangelho (Lucas; 24:39-43) que Jesus, logo após sua
morte, apareceu a dois discípulos na estrada de Emaús e falou com eles, surgindo, também,
entre os apóstolos, quando Tomé lhe tocou as chagas das mãos para eliminar sua dúvida.
Semelhantes aparições do Mestre foram fenômenos de materialização ou apenas vidência
desses discípulos?
64
RAMATÍS: — Jesus não viera destruir a Lei; por conseqüência, todos os
acontecimentos ocorridos em sua vida são frutos de condições lógicas e naturais. Quando ele
apareceu aos discípulos, na estrada de Emaús, ou na reunião dos apóstolos, em que Tomé
exigiu-lhe a prova do "toque físico", isso foi possível graças à presença de médiuns poderosos
entre eles, os quais lhe proporcionaram o ectoplasma necessário para a sua materialização. Em
ambos os casos, Jesus materializou-se, porque "todos o viram e lhe falaram". E se assim não
fora, só os videntes o teriam identificado e então a dúvida permaneceria entre os apóstolos
destituídos da faculdade mediúnica da vidência. Idêntico fato ocorreu no monte do Tabor,
quando Elias e Moisés se materializaram em torno do Mestre Jesus, graças à presença desses
discípulos e anciãos essênios, que podiam doar ectoplasma da melhor qualidade para o êxito
do fenômeno.
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CAPÍTULO 8
66
menores: Matias, Cléofas, Eleazar, Jacó e Judas, estes dois últimos falecidos bem cedo. À
exceção de Jesus, que era um missionário eleito, os demais filhos de José e Maria eram
espíritos comprometidos por mútuas responsabilidades cármicas do passado, cuja existência
em comum serviu para amenizar-lhes as obrigações espirituais recíprocas.
Maria era um espírito amoroso, terno e paciente, completamente liberta do
personalismo tão próprio das almas primárias e sem se escravizar à ancestralidade da
carne. Possuía virtudes excelsas oriundas do seu elevado grau espiritual. Cumpria seus
deveres domésticos e se devotava heroicamente à criação da prole numerosa, tão
despreocupada de sua própria ventura como o bom aluno que aceita as lições de alfabetização,
mas não se escraviza à materialidade da escola. Oferecia de si toda ternura, paciência,
resignação e humildade, sem quaisquer exigências pessoais.
Na época de Jesus, as escolas se multiplicavam em Jerusalém e mesmo pelas cidades
adjacentes, pois ensinava-se em casa, nas ruas e nas sinagogas. No entanto, o ensino se parti-
cularizava por uma imposição religiosa, pois tanto as crianças como os adultos assim que
aprendiam a ler devotavam-se a interpretar tudo o que se reportava à religião judaica. Eram
estudos do culto, das concepções religiosas quanto às profecias e aos salmos, que
transformavam cada alfabetizado em um novo cooperador intelectual e pessoal para o Templo.
Sem dúvida, existiam estabelecimentos superiores, tais como as escolas rabínicas, na maioria
filiadas à Escola de Hilel e preferida pelos fariseus, que ensinavam botânica, medicina, agri-
cultura, higiene, direito, arquitetura etc. Mas as mulheres, afora o conhecimento primário para
um entendimento razoável, eram destituídas de cultura geral. Maria, no entanto, era
muitíssimo considerada em Nazaré, por ser exímia em bordados, costuras, tecelagem de tapetes
de lã e cordas, cujo ofício aprendera durante a sua estada entre as virgens de Sião, no Templo
de Jerusalém. Ela aproveitava todos os instantes disponíveis para contribuir com suas prendas
e confecções no orçamento da família, que era precário em face do trabalho modesto de José,
na oficina de carpintaria.
Embora mulher meiga e amorosa, anjo exilado na Terra, em face de sua modesta
cultura e falta de conhecimentos profundos da psicologia humana, Maria vivia o imediatismo
das reações emotivas e sem as complexidades do intelecto. Mas era tão dadivosa ao próximo,
assim como a fonte de água pura renova-se à medida que a esgotam; como a rosa que doa
incondicionalmente o seu perfume, ela jamais se preocupava em saber qual o mecanismo
que transforma o adubo do solo em fragrância tão odorante.
67
humildade, o amor e a paciência de Maria puderam transformar a intriga e o falatório
tempestuoso de alguns, na brisa inofensiva da cordialidade. O seu sorriso angélico desfazia o
ressentimento mais duro e abrandava o coração mais tirânico. Ela contornava com tal doçura
os enredos de inveja e de ciúmes a lhe rondarem o aconchego do lar amigo, que conseguia
desarmar os intrigantes mais capciosos e renitentes.
A Galiléia não era um mundo de criaturas santificadas só porque ali vivia Jesus, o
Messias, pois não é o tipo de raça, a latitude geográfica ou a tradição histórica de um
povo o que imprime na alma humana o selo da espiritualidade. Isso é obra da transformação,
do apuro de sentimentos e da maturidade espiritual, efetuado no seio da alma, e não de
acordo com a mudança do ambiente. A alma vil e inferior tanto é própria do povo chinês,
polaco ou judeu, como do egípcio ou hindu. E o povo judeu, na época, a par de suas virtudes
tradicionais e fé religiosa, era cúpido, fanático, avaro e rixento. Às vezes, o animal ou a ave
inocente pagava com a vida o fim da discussão violenta que os seus donos empreendiam por
"cima da cerca". Doutra feita, a rixa entre as crianças assumia tal dramaticidade, que mobi-
lizava os pais para a troca de imprecações e insultos na defesa das tradições e dos
preconceitos da familia. E à semelhança do que ainda hoje acontece nos cortiços, às vezes,
motivos sem importância terminavam em violento pugilato.
Felizmente, José, embora homem severo e intransigente, sabia amainar essas
tempestades emotivas, aliando-se à meiguice de Maria para sobrepairar acima dos mexericos
perigosos. Malgrado tratar-se de uma família numerosa, aquele lar pobre, mas honesto,
sustentou o clima psíquico adequado à eclosão das forças espirituais do Menino-Luz. Isto
evitou desperdício de tempo e qualquer desvio na marcha messiânica do Mestre Amado.
Enquanto José se assemelhava ao carvalho vigoroso, sob cuja sombra protetora
Jesus pôde crescer tranqüilo, Maria era como o sândalo a perfumar o machado da male-
dicência, intriga e mesquinharia humana, que às vezes tentava ferir-lhe o lar.
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RAMATÍS: — Nem sempre os rasgos de genialidade e os arroubos extraordinários
dos filhos incomuns são motivos de ventura para os pais. Às vezes confundem arrebatamentos
de sabedoria com excentricidades inexplicáveis. O certo é que Jesus, embora fosse um menino
dócil, respeitoso e algo tímido, era um Espírito de estirpe sideral muito acima do mais alto
índice de inteligência e capacidade do homem terreno. Por isso, mesmo no período de sua
infância, ele não se submetia aos padrões e preconceitos comuns da época, porque suas reações
mentais e emotivas ultrapassavam as convenções comuns e o provincianismo do povo judeu. Ele
não só causava espanto, mas até constrangimento entre os próprios companheiros de folguedos
e as pessoas adultas, pois expunha idéias e conceitos bem mais avançados que o comum em
seu tempo.
Em sua maneira pessoal de interpretar ou julgar as coisas de sua terra e de seu povo, o
menino Jesus tinha respostas agudas e inteligentes, porém, honesto no seu falar e jamais
contemporizando com a malícia, capciosidade, hipocrisia ou perversidade. Não era ofensivo,
nem petulante; respondia a todos com singeleza, respeito e até com timidez; mas ninguém
conseguia modificar-lhe o modo franco e sincero de dizer as coisas, pois era inimigo de
evasivas, rodeios ou acomodações interesseiras. Obediente ao seu inconfundível espírito de
justiça, ele até seria contra a família e em favor do adversário, caso este tivesse razão.
Afeiçoava-se facilmente a todos os seres e criaturas e os servia com o mesmo espírito de
fraternidade e amor, pouco lhe importando a situação social ou humana. No entanto, suas
atitudes francas e corajosas punham em choque até o espírito compreensivo de seus pais e
semeavam indecisões entre os rabinos da Sinagoga. Muitas vezes, os adultos ficavam
confusos ante a solução inesperada, de um nível de justiça acima do entendimento comum,
que o menino Jesus expunha em suas dissertações vivas e eloqüentes.
Semelhante situação confundia os seus familiares mais íntimos, ainda imaturos e
incapazes de entenderem a fala do anjo e do sábio sideral, que não se disfarça sob as sutilezas
capciosas e próprias dos homens empenhados na luta pelos interesses humanos. O menino
Jesus, genial e franco, jamais podia enquadrar-se no esquema prosaico da criança
comum, cujas emoções e pensamentos são um reflexo dos costumes e preconceitos da sua
época. Evidentemente, Maria e José não podiam entrever naquele filho singular o fulgor e a
têmpera do Messias, quando ele causava críticas e despertava censuras alheias pelos seus
modos excêntricos ou estranhos. Ambos ainda não estavam capacitados para compreenderem
uma conceituação moral tão pura e tão impessoal do ser humano, contrária às tradições
seculares da vida do povo judeu.
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família. Felizmente, meses depois, soube que Jesus chefiava um grupo de discípulos
constituído por pescadores, camponeses, homens do povo e algumas mulheres devotas que o
seguiam incendidas por um entusiasmo religioso contagiante. Maria não se surpreendeu com
tais notícias e sentiu-se tranqüila por ver seu filho devotado à tarefa pacífica de rabi itinerante
e participando da inspiração religiosa do seu povo. Isso o ajudaria a suavizar aquela
inquietação estranha, o misticismo exagerado e a rebeldia aos costumes e tradições comuns.
Maria sentiu-se grata ao Senhor pelo ensejo de seu filho preferir a profissão liberal e
religiosa de interpretar entre os seus conterrâneos as regras e o repositório da sabedoria de
Moisés. Mas os irmãos de Jesus, afora Eleazar, filho de José e Débora, e mais tarde Tiago, o
menor, não lhe apreciaram devidamente a tarefa de rabi das estradas, pois isso não contribuía
de modo algum para o orçamento precário da família. Acoimavam-no de chefe de uma corte
de malandros e curiosos, que sonhavam entusiasticamente com um reino cômodo e próspero
sem ficar devendo obrigações. Matias, Cléofas, conhecido por Simão, Eleazar e Elisabete já
haviam casado e cooperavam na receita financeira e ajudavam Maria, já com 47 anos
de idade mas ainda se mostrando sadia e moça. No entanto, ela não, escondia a sua afeição
incondicional por Jesus, Espírito a que se sentia afeiçoada no imo da alma há muitos
milênios. Por isso, o desculpava e o defendia, malgrado as intrigas e a maledicência geradas
pelos despeitados, a seu respeito.
Mas, à medida que se aproximava o término da missão de Jesus, embora ela ignorasse
isso em vigília, uma estranha melancolia e esquisito sofrimento lhe invadia a alma. Súbito,
sua alegria se transformava em temor; uma incontida dor lhe tomava o peito e desejaria
espantar de si uma visão oculta que receava enfrentar na realidade. Inconscientemente,
Maria se preparava para testemunhar os quadros mais dolorosos de sua vida, que seriam o
martírio e a crucificação do seu querido filho, isento de culpa e de maldade. Alguns o
chamavam de profeta de Israel, outros de Libertador do povo judeu; porém, havia os que o
diziam um louco ou imbecil, enquanto o Sinédrio espionava, tentando conhecer-lhe os
projetos aparentemente sediciosos. Era, pois, um santo para uns ou perigoso anarquista para
outros.
Obviamente, não havia razões plausíveis e justificações capazes de convencer Maria
quanto à gloriosa missão espiritual de seu extremado filho, assim como a família do príncipe
Sáquia-Múni jamais previu que o seu descendente seria Buda, o Iluminado Instrutor moral da
Ásia. Enfim, Jesus talvez não passasse de um modesto Rabi da Galiléia, entusiasmado pela
obstinação de salvar os homens e redimir os pecados do mundo, conduzindo-os para um
fantasioso reino semelhante à pátria de Israel. No entanto, quando ele, humilde e dócil
como um cordeiro, aceitou o seu destino cruento sem mover os lábios na mais silenciosa
queixa, Maria, então, pôde reconhecer ali no sacrifício da cruz o Messias — o Salvador dos
homens!
70
CAPÍTULO 9
71
PERGUNTA : — Apreciaríamos saber se, além da elevada emotividade
espiritual despertada pela presença do Espírito de Jesus e seus anjos, Maria também revelou
alguns dos fenômenos peculiares às gestantes terrenas?
RAMATÍS: — Cumprindo o ciclo fisiológico da gestação do corpo de Jesus, Maria
também viveu os fenômenos próprios de certas parturientes, tais como a depressão sangüínea, o incômodo
respiratório e a fadiga devido à nutrição de mais uma vida em seu seio. Até os "desejos excêntricos",
manifestos comumente nas gestantes, ela os revelou algumas vezes. No entanto, a presença do sublime Jesus
sensibilizou de tal modo o seu sistema endócrino, que Maria passou a sentir profunda repugnância por
qualquer alimento carnívoro e seus derivados. O paladar apurou-se e a sua preferência era por alimentos
delicados, como os pãezinhos de centeio com mel de figo, sucos de frutas e de cerejas, que coincidiu do
Mestre Jesus também preferir em sua vida terrena.
As suas amigas e vizinhas esmeravam-se em atender-lhe o gosto nutritivo, procurando até frutas "fora
do tempo", para fazerem os gostosos xaropes e caldos das polpas frutíferas.
72
sejam adequados à alimentação à base de leite.
Eis por que durante a composição do seu organismo etéreo-físico, Jesus também
associou os elementos e as substâncias do mundo material de que já se havia servido no
pretérito, projetando, então, na mente de sua futura mãe as imagens nutritivas simpáticas e
familiares à sua preferência. Aliás, eram alimentos que condiziam também com a contextura
espiritual de Maria, embora ela estivesse familiarizada com uma nutrição mais pesada.
73
Eis por que a mãe que é vegetariana sente-se aflita se durante a gestação do seu
futuro filho se lhe despertam desejos carnívoros; ou então outra surpreende-se ao verificar
que passa a detestar a carne e a preferir a nutrição de frutas e vegetais. A verdade é que o
corpo carnal da mulher na fase gestativa se transforma em convergência e na revelação dos
desejos e das preferências da alma encarnante, que se esforça para impor o seu comando
instintivo desde o primeiro contato com a matéria.
1 — "E conceberás em teu ventre e darás à luz um filho a quem chamarás Jesus. Este será
grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi,
e ele reinará no futuro sobre a casa de Jacó e seu reino não terá fim." (Lucas, 1:31-
33).
74
CAPÍTULO 10
75
eliminando cargas magnéticasmaléficas, a fim de proteger o nascimento de Jesus sob cir-
cunstâncias satisfatórias.
Depois de casada, certa vez, achando-se em profundo recolhimento, sob o doce enlevo
de uma prece, Maria, dominada por estranha força espiritual, sentiu-se fora do organismo
carnal e situada num ambiente de luzes azuis e róseas rendilhadas por uma encantadora
refulgência de raios safirinos e reflexos opalinos; e então, com grande júbilo, ela reconheceu,
de súbito, o seu devotado anjo de guarda, que a felicitou, dizendo que o Senhor a escolhera
para ser mãe de iluminado Espírito, o qual aceitaria o sacrifício da vida humana para redimir
os pecados dos homens. Envolvida por um halo de perfumes, misto de doçura do lírio e da
fragrância do jasmim, sentindo-se balsamizada por suave magnetismo, viu seu guia apontar-
lhe alguém, a seu lado, dizendo-lhe que se tratava do Espírito do seu futuro filho. Maria
vibrou de júbilo e quis postar-se de joelhos, quando percebeu a sublime entidade recortada
num halo de luz esmeraldina, claríssima, cuja aura se franjava de tons róseos e safirinos
respingados de prata, a sorrir-lhe docemente. Então a entidade que seria Jesus, o Enviado do
Cristo à Terra, chamou-a sob inconfundível ternura e pelo seu "nome sideral", recordando a
Maria o compromisso de fidelidade espiritual assumido antes de ela encarnar-se. No recesso
de sua alma, ela evocou o passado, sentindo-se ligada ao magnífico Espírito ali presente, e
clareou-se-lhe a mente ante a promessa que também fizera de recebê-lo no seu seio como
filho carnal.
O maravilhoso contato espiritual com Jesus fez Maria reavivar todas as recordações do
pretérito e recrudescer-lhe a saudade do seu mundo paradisíaco. Enquanto uma sombra de
angústia lhe invadia a alma, ao assumir novamente o comando do corpo carnal, ela sentiu
prolongar-se na sua consciência física aquele êxtase de Paz e Amor, que a envolvera ante a
presença do ente sublime e amoroso a encarnar-se como o seu primeiro filho. Embora sem
poder definir claramente o acontecimento tão singular, Maria narrou a José o impressionante
quadro que lhe despertara a mais sublime emoção espiritual, e a certeza de vir a ser mãe de
um formoso anjo descido dos céus. José, homem de senso prático e prudente, avesso a sonhos
e a fantasias improváveis em sua vida tão pobre, fitou a jovem esposa e apenas sorriu, certo de
que todas as mães só esperam príncipes, como filhos, e não homens comuns.
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PERGUNTA: — Porventura o fato bíblico de Jesus ter nascido da
"linhagem" de Davi não teria sido arranjo dos evangelistas, para justificarem a profecia
de Isaías? (Isaías, 9:6,7).
RAMATÍS: — Em face do avançado metabolismo espiritual de Jesus e pelo fato de
ser um missionário, em vez de alma sob retificação cármica de existências passadas, ele merecia
o comando de um organismo da melhor linhagem biológica carnal, proveniente de ancestrais
zelosos de sua espécie. Esse organismo carnal, além de tudo, deveria possuir um cérebro
fisico capaz de resistir sem se desintegrar, quando atuado pelo fabuloso potencial do Espírito de
Jesus até o prazo messiânico cronometrado pelo Alto. A sua sensibilidade incomum e a
capacidade de visão panorâmica sobre a via cósmica faziam-no merecedor de um equipo
carnal da mais apurada genealogia entre as melhores estirpes humanas da Terra.
Há muitos séculos os psicólogos siderais já investigavam as linhagens e as
gerações judaicas, quanto à sua resistência biológica ancestral, a fim de garantir o êxito do
Messias na Terra e proporcionar-lhe um instrumento carnal à altura do seu merecimento e
natureza de sua missão. Em conseqüência, foram selecionadas diversas famílias hebréias e
feita a apuração do seu coeficiente de rigidez no exame de suas gerações. Disso resultou que,
tanto a descendência de Hilel, quanto a de Davi apresentavam os gens mais saudáveis e de
melhor vitalidade. Em seguida, os Mestres Siderais optaram pela estirpe hereditária de Davi
como fundamento ancestral do organismo de Jesus, embora ele tenha sido um famigerado
devastador de povos e desencarnado seriamente comprometido em espírito. O certo é que os
seus descendentes, por orgulho de raça ou por inspiração superior, há muitos séculos vinham
preservando a sua linhagem carnal, mantendo-a sadia e com um equipo nervoso de alta
sensibilidade, adequado para as atividades do Messias, na Terra. Os últimos remanescentes de
Davi não só eram vegetarianos, como avessos às especiarias, tóxicos, condimentos, álcool e
vícios que afetam o perfeito equilíbrio da saúde.
77
Jesus não era um malfeitor ou um estigmatizado por crimes pretéritos; mas sim, um
espírito em missão sacrificial, que abdicava de sua mansão celestial para orientar a criatura
humana, ainda escrava dos grilhões da animalidade. Por conseqüência, ele merecia o
"melhor", no sentido de ser-lhe facultado um corpo biologicamente equilibrado.
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da Vida e alterar o processo da genética humana, para encarnar-se no seio da humanidade. Tanto o anjo
quanto o espírito inferior, só podem ingressar na carne terrícola através da porta do ato sexual, que não é
nada aviltante, mas apenas um processo estabelecido por Deus para o advento do homem. Qualquer outra
explicação ou escusa não passa de fantasia ou arranjo subjetivo, incapaz de encobrir a verdade. Conforme
já dissemos anteriormente, enquanto o espírito primitivo se encarna instintivamente arrastado para o ventre
materno, Jesus, devido à sua natureza excepcional, despendeu um milênio do calendário humano, na sua
descida da espiritual, a fim de acasalar-se à carne. Obviamente, não seria o modo de ele nascer
na carne, o que, realmente, lhe comprovaria a supremacia espiritual, mas, acima de tudo, o
imenso sacrifício para ele atingir a matéria e a sua morte heróica e serena, em holocausto à
humanidade pecadora.
Ainda hoje existem, no vosso mundo, famílias de zonas rurais cuja higidez de raça e
de metabolismo orgânico é isenta de enfermidades luéticas, vícios ou paixões aviltantes da
vossa civilização, que também poderiam fornecer um corpo sadio a Jesus sem desmerecê-
lo na sua elevada natureza espiritual. Se, através de maravilhoso quimismo, Deus transforma
monturos de estrume em rosas e cravos perfumados, por que Jesus, tão Sábio e Excelso, não
poderia manifestar, por um corpo de carne, gerado pelo processo comum, a mensagem do
Amor e da Paz entre os homens?
Quando os evangelistas se referem a Jesus, nos seus Evangelhos, eles deixam
patenteada a sua condição de filho de Maria e de José, como um fato concreto e indiscutível
na época, e sem qualquer alusão ao Espírito Santo. O evangelista Marcos é muito claro,
quando diz: "Olha, tua mãe, teus irmãos e irmãs estão lá fora à tua procura" (Marcos, 3:32).
O evangelista João também o confirma no seguinte: "Depois disto, vieram para Cafarnaum;
ele e sua mãe e seus irmãos e seus discípulos" (João, 2:12). Mateus, apesar de responsável
pela idéia de Jesus descender do Espírito Santo, também alude à exata filiação de Jesus no
seu evangelho, explicando: "Porventura não é este o filho do oficial (carpinteiro), não se
chama sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?" (Mateus, 13:55). E
acrescenta, no versículo 56: "E tuas irmãs, não vivem entre nós?"
Em suma, todos os evangelistas são acordes em confirmar que Jesus era irmão de Tiago,
José, Simão e Judas, Ana e Elisabete, mas filho de José, o carpinteiro; de onde se deduz que
não era conhecido como gerado pelo Espírito Santo.
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historiadores, quando resolverem biografar os seus ídolos religiosos? De acordo com a
história sagrada do vosso orbe, a maioria dos legisladores religiosos sempre nasceu de virgens
e por obra de forças extraterrenas, ou de misteriosos esponsalicios independente do
mecanismo natural do sexo e da gestação. Os livros dos assírios, dos hindus, dos caldeus, dos
chineses e dos árabes são unânimes em assinalar nascimentos provindos de virgens e sob
condições miraculosas. A tradição masdeísta conta que um raio da glória divina penetrou na
mãe de Zoroastro, o notável legislador persa. Krishna nasceu de uma virgem e também Lao-
Tse; a mãe de Buda teve um sonho em que o elefante branco (símbolo do espírito puro) entrou
em seu seio e ela concebeu o Salvador da Ásia; Salivahana, da escolástica hindu, também foi concebido
por uma virgem, que o recebeu em seu seio como a encarnação divina. O próprio Gengis-Khan,
turbulento invasor da China, também era tido por filho de um raio solar descido sobre uma virgem eleita
pelo Senhor dos Mundos. Dentro de alguns anos é possível que Mahatma Gandhi, assassinado a tiros, na
índia, também termine glorificado por um nascimento misterioso, em que um raio do céu o tenha gerado no
ventre imaculado de uma virgem.
80
Após o seu advento, o nascimento do homem glorificou-se pela marca angélica recebida de tão alta
entidade, e ainda se tornou mais digno de toda devoção, uma vez que não foi desprezado, nem pelo Messias, o
Salvador dos homens!
81
do Messias à face da Terra, e mesmo no seu nascimento não se verificassem fenômenos
miraculosos, o certo é que todos os moradores na adjacência do lar de Maria e José sentiam um
júbilo estranho e deliciosa esperança que lhes tomavam a alma num sentimento indefinível.
Pairava no ar algo de excelso e de temo, flutuando numa ansiedade espiritual; e um suave
magnetismo penetrava no espírito dos seus moradores. Os seres, nesses dias, passaram a
entender-se pacificamente; ninguém reclamava em juízo quaisquer direitos, mostrando-se
indiferentes aos litígios. A avareza e a ganância humana se enfraqueciam sob a força dessa
influência desconhecida e salutar, que punha todos os interesses humanos em situação
secundária.
Eis o motivo por que os religiosos criaram lendas e milagres em tomo do nascimento do
menino Jesus, na Terra, associando-lhe as mesmas fantasias atribuídas a outros instrutores
espirituais da humanidade. Nenhuma estrela se moveu no céu, guiando reis magos até Nazaré,
embora Melchior, Baltazar e Gaspar tivessem realmente procurado identificar o local onde se
encarnara o Avatar prometido para aquela época. Eram velhos magos e experimentados
astrólogos, que pela disposição extraordinária dos astros no signo de Pisces e além de sua
profunda sensibilidade mediúnica, certificaram-se de que uma Entidade de alta estirpe
espiritual teria nascido na Terra, naqueles dias proféticos para os conhecedores da Astrologia.
Em conseqüência, devido aos seus cálculos astrólogicos e à sua habilidade esotérica, puderam
identificar que a posição conjuncional de Saturno, Marte e Júpiter marcava uma data sideral
de suma importância para as atividades espirituais. Era um indício perfeito do clima vibratório
favorável aos acontecimentos espirituais mais excelsos, pois o magnetismo suave e inspirativo
do signo de Pisces, balsamizando o campo astrológico sobre a Judéia, e a presença simbólica
da estrela assinalada há milênios, como o sinal incomum do Messias, compreendido na
conjunção de Saturno, Júpiter e Marte, deram aos tradicionais magos a certeza do nascimento
de Alta Entidade na superfície da Terra. A natureza sublime de Jesus e suas hostes amigas
irradiando a luz angélica sobre a atmosfera terrena, bafejava os corações dos homens e das
mulheres mais sensíveis, despertando-lhes um sentimento de confraternização e convergência
mental para os ideais superiores. Na verdade, consumado o nascimento do excelso menino no
plano físico, os anjos, os mestres e os auxiliares espirituais do Senhor, então se prosternaram,
felizes, embora exaustos da inconcebível tarefa de ajustar o poderoso Espírito de Jesus no
corpo vibrátil do "beija-flor" humano, que surpreendia as criaturas mais pacatas e comovia as
mais endurecidas. Em seguida, todos ergueram seus cânticos ao Magnânimo Autor da Vida e
Lhe renderam graças pelo sucesso feliz do Messias despertar na carne humana, livre de
defeitos ou lesões orgânicas, superando os objetivos malignos do comando das Trevas.
Mas a delicadeza orgânica do menino Jesus, dali por diante ainda passou a exigir
rigorosa vigilância e proteção do Alto, pois os espíritos trevosos continuavam a investir
tenaz e obstinadamente no sentido de abalar o seu corpo carnal. Eles haviam mobilizado os
recursos mais astuciosos e ofensivos para impedir o advento de Jesus na Terra, uma vez que a
mensagem crística do Evangelho terminaria roubando-lhes inúmeras criaturas ainda
escravas dos vícios e das paixões terrenas, e vítimas para saciar-lhes os desejos mórbidos e
atender-lhes os eventos pecaminosos do astral inferior. Com sua sanha diabólica, os inimigos
da luz tentaram perturbar os próprios ascendentes biológicos de José e Maria, decididos a
enfraquecer o organismo carnal planejado pelos Biólogos Siderais, e que deveria servir como
instrumento messiânico na jornada redentora de Jesus.
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entanto, alguns iniciados de Alexandria, Índia, Arábia e dos santuários essênios situados
nos montes Moab, no Carmelo e Monte Hermon, na Judéia, também conseguiram
identificar que um acontecimento de alta significação espiritual se dera na face do orbe,
marcando, talvez, a descida de um Avatar. Isaías e Miquéias, os profetas que previram a vinda
do Messias, no Velho Testamento, foram então lembrados, enquanto os astrólogos, iniciados e
magos, consultando as cartas astrológicas e as posições raras dos astros, confirmaram,
realmente, que se iniciava nova era de transformação moral e espiritual da humanidade,
graças à presença de um Espírito poderoso no seio da carne humana.
Já dissemos, alhures, que uma estranha alegria e emoção paradisíaca envolveram
as criaturas de bons sentimentos ante a presença de Jesus e dos seus anjos junto à Terra, tal
qual na primavera as macieiras, as cerejeiras e os pessegueiros floridos, iluminados à luz do
Sol e sob o azul sidérico do céu, também despertam em nossas almas emoções mais temas
e as sentidas saudades de um mundo desconhecido, mas vivo no imo de nossa alma. A Terra
ficou impregnada de fluidos sedativos e esperançosos, que amainavam as tempestades e as
aflições humanas, enquanto se purificava o cenário triste do mundo material. Sob essa
influência amorosa e pacífica, consolidaram-se fórmulas de paz e de construtividade entre os
governantes e floresceram as artes; concretizaram-se projetos benfeitores e se multiplicaram
iniciativas de amparo aos deserdados. Reis e chefes de tribos belicosas, movidos por um
sentimento de magnanimidade, indultavam seus prisioneiros, alforriavam escravos e cessavam
empreendimentos belicosos. Enfraqueciam-se as demandas violentas, multiplicavam-se a
tolerância e a ternura nos corações dos homens, superando facilmente os impulsos
destrutivos e violentos do instinto inferior.
Embora Jesus sempre tivesse permanecido em Espírito junto dos homens, durante a
sua encarnação terrena, ele manifestou-se pessoalmente no seio da comunidade humana e
envolveu-a diretamente com sua excelsa vibração sideral e vivência mais íntima com o Cristo
Planetário. Em verdade, as potências angélicas haviam derrotado fragorosamente as legiões
satânicas e Jesus atingira a carne terrícola, protegido e recebendo um organismo físico de
genética sadia e de ótima contextura cerebral. Malgrado as investi das diabólicas do
Comando das Trevas, ele pudera configurar-se num menino formoso e lúcido, que iniciaria a
sua peregrinação física para entregar à humanidade terrena a mensagem de sua libertação
espiritual.
Em tomo do seu berço as potestades angélicas haviam colocado poderosas barreiras de
luz, a fim de dissociarem qualquer carga de magnetismo nefasto ali projetado, com intenção
de impedir-lhe a sublime missão crística. Jesus, realmente, vencera Satanás; e a Luz sublime
do Anjo triunfara sobre o reino das Trevas!
83
Alguns rabis puros de coração, mais tarde, confirmaram que haviam pressentido ondas
de luz e de perfumes durante o ofício na sinagoga, no momento presumível do nascimento do
menino Jesus. Enquanto isso, pastores e camponeses, simples e bons, juraram ter visto sobre a
casa de Sara, onde Jesus nascera, súbitas refulgências que pareciam cintilações à luz do Sol
surgindo detrás das nuvens. Em verdade, as hostes angélicas projetavam suas luzes profiláticas
e desintegradoras no ambiente onde Jesus deveria nascer, a fim de eliminarem as substâncias
pestilentas, os detritos e petardos magnéticos, que eram projetados pelos espíritos das Trevas
desejosos de impedirem o sucesso do advento do Messias.
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rabis, vendeiros, escribas, amigos de José e as jovens do templo de Jerusalém,
enternecendo-se diante do menino-luz, que lhes atraía as emoções mais ternas numa
convergência adorativa. Alguns o presenteavam com cordeirinhos, cabras, aves; outros
traziam sacos de trigo e cereais, bilhas com xaropes de frutas, pães de centeio ou bolos de
aveia, mel de figo ou de abelha, para os pais. Os vendedores ambulantes, velhos fornecedores
da casa e da carpintaria de José, deixavam fraldas, lençóis, cobertores e diminutas sandálias
para o formoso menino.
Malgrado a tradição bíblica fantasiosa, não se registraram junto ao berço de Jesus
quaisquer fenômenos insólitos que pudessem derrogar as leis da física humana, pois o seu
nascimento processou-se conforme o de outros meninos israelitas ou árabes, de sua época. Na
hora delicada da delivrança, Maria também ficou a cargo da "mulher competente", ou da
parteira tradicional entre os hebreus, em cujo momento as apreensões dos familiares foram
amenizadas por meio de preces e rogativas ao Senhor. Embora em humilde berço de
palha estivesse repousando o corpo tenro do glorioso Messias, Salvador dos homens, a família
já se mostrava felicíssima só pelo êxito tão comum de nascer um filho em seu lar.
Mas era no Espaço que se manifestavam os júbilos venturosos e as emoções
arrebatadoras, onde os mensageiros espirituais se sentiam aliviados do pesado encargo de
amparar o Espírito de Jesus até a carne e ajudá-lo a nascer na face do planeta sombrio da
Terra. O certo é que o coração de Maria transbordava de um intenso amor por tudo que a cer-
cava, pois o seu carinho se estendia incondicionalmente a todos os seres, e aos próprios
insetos venenosos, batráquios repulsivos ou víboras perigosas. Às vezes, ela se quedava,
comovida, diante das flores que pendiam das hastes e formavam verdadeiros bordados
coloridos; doutra feita, umedeciam-lhe as faces pelas lágrimas saudosas que derramava ante a
figura da ave que sulcava o céu azul e limpido, e que lhe parecia um vôo feliz, em busca de
um mundo feliz. Em certos momentos ela se erguia, embaraçada e surpresa, convicta de ouvir
vozes angélicas, melodias estranhas e cânticos festivos parecidos com os salmos de Davi.
2 — Nota do Médium: — No Brasil, isso acontece com o culto censurável a Lampião e seu bando de
cangaceiros cruéis, cada vez mais "redimidos" pela cinematografia brasileira, que o transforma num
herói cuja vida sangrenta e pródiga de vinganças bárbaras é romanceada sob o objetivo de obter o
maior êxito de bilheteria! Em Portugal, o facínora José do Telhado tornou-se figura simpática e
injustiçada; nos Estados Unidos, os bandidos Jesse James e Dick Turpin são aplaudidos pela juven-
tude moderna, graças à propaganda do cinema interesseiro. Gengis-Khan, Átila, Cor-tez e Tamerlão,
em vez de serem apontados como flagelos sanguinários que trucidavam mulheres, velhos e crianças
como se tritura o trigo nos moinhos, são vividos atualmente pelos galãs cinematográficos como
heróis fabulosos.
3 — Vide no capítulo "Os Charcos de Fluidos Nocivos do Astral Inferior", pág. 309 da 1"
edição, ou 202 da 2a' edição, em que o espírito de Atanagildo descreve, com minúcias, o sofrimento
das "fazedoras de anjos" no mundo astral, na obra "A Vida Além da Sepultura", em co-
participação com Ramatís.
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CAPITULO 11
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d'água da moça encabulada resultou, mais tarde, num esponsalício feliz.
E o menino Jesus, sempre serviçal e atencioso, principalmente com os velhos e
doentes, prestava toda sorte de favorecimentos ali junto ao poço, movendo-se alegre e jubi-
loso entre bilhas, jarras e vasilhames de todos os tipos e moldes. Ele se regozijava de
encher o cântaro dos mais velhos, lavava as jarras, ajudava os cães a mitigar a sede. Às
vezes, tudo terminava em inesperados banhos de água, em conseqüência das travessuras de
outros meninos seus conterrâneos. Retornava alegre e brincalhão depois de ajudar junto à
fonte; e jamais desmentia o seu espírito de justiça e respeito ao próximo, pois jamais
carregava a jarra de água da moça, antes de servir a mulher idosa.
Quando José faleceu, vítima de um insulto cardíaco e Jesus alcançava os vinte e três
anos, Maria assumiu definitivamente a direção do lar e manteve junto de si, como a ave ciosa da
prole, os menores, enquanto José, que atingia vinte anos, ajudado por Tiago, com onze anos, se
devotavam aos serviços de carpintaria herdada do pai. Efrain, com vinte e dois anos,
demonstrando desde cedo um espírito especulador, pertinaz e ambicioso, já se fazia
intermediário em alguns negócios de fornecimento de víveres e suprimentos para os grandes
negociantes hebreus e fornecedores dos romanos. Alguns anos depois, a sua situação financeira
era bastante desafogada e respeitada. Enquanto Andréia prestava alguns serviços aos vizinhos
e caravaneiros nos entrepostos, Ana e Elisabete ajudavam nos bordados que Maria lhes
ensinava como frutos de seu aprendizado entre as jovens de Sião, de Jerusalém. Os enteados,
Eleazar, Matias e Cléofas, também conhecido por Simão, filho de José, jamais mostraram
qualquer ressentimento ou queixas contra aquela mulher heróica, que os amparara desde a
meninice sob o afeto puro de mãe adotiva.
Assim transcorreu-lhe a vida até que João, o Evangelista, levou-a para Éfeso, já
bastante idosa, onde mais tarde desencarnou, depois de ter atendido a todas as criaturas,
transmitindo-lhes os mais puros sentimentos de ternura e amor em homenagem ao filho
querido sucumbido na cruz para redimir o homem. Em tomo dela reuniram-se os tristes, os
desamparados e doentes, ainda esperançosos da presença espiritual do Amado Mestre e da
cura dos seus males. Maria, boníssima e leal no seu amor a Jesus, lamentava-se por vezes,
pelo fato de não ter compreendido há mais tempo a sublime e heróica missão de seu filho.
Entre os discípulos e seguidores do Cristo-Jesus, velhinha e exausta, certo dia descansou,
libertando-se da matéria opressiva.
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merecedores de presentes e auxílios dos forasteiros que eram benquistos e preferiam o
aconchego de uma família pobre, mas sadia e honrada, do que as hospedarias dos entrepostos
de estradas, onde se fazia a mais censurável mistura de homens de todas as raças, condutas,
enfermidades e todos os vícios.
Durante os dias secos e ensolarados, quando o céu era límpido, cozinhava-se fora, pois
o combustível para o fogão consistia em galhos secos de ciprestes e cedros, cujo calor era
habilmente conservado com estrume de camelo, ressequido e misturado com serragem
produzida no serviço da carpintaria. O fogão, grande e bojudo, descansava num tripé de ferro,
sendo recolhido, nos dias chuvosos, para dentro de casa, cuja fumaça enegrecia as paredes
por falta de ventilação apropriada.
Em torno da casa havia uma cerca de tapumes feita de retalhos de tábuas e ripas, na
qual se entrelaçavam cipós florescidos com florinhas miúdas. Aqui e ali repontavam
alguns tufos de margaridas transplantados das margens do Jordão e que exigiam muita
umidade. Pequenos canteiros circundados de pedras, obra indefectível do menino Jesus,
protegiam algumas roseiras que emergiam do punho vermelho vivo e afogueado das papoulas.
José e Maria possuíam alguns cabritos, galinhas e marrecos, que lhes forneciam o leite e ovos,
além do tradicional burrico dócil e pacífico, que servia para as andanças do ofício de
carpinteiro e a entrega dos serviços de menor porte.
O observador arguto reconheceria naquele cenário pobre, simples mas emotivo, o
toque mágico das mãos do menino Jesus; aqui, as pedras arrumadas com um agradável senso
estético, delineavam os contornos do jardim modesto; ali, ripinhas de todos os tipos e
tamanhos firmavam papoulas chamejantes, íris e narcisos, e tirinhas de couro guiavam os
cipós floridos e as trepadeiras para o trânsito na ponta das cercas; acolá, a areia fina e
dourada da beira das encostas das pedreiras, cobria os caminhos por onde Maria deveria
estender as roupas ou atender as aves. E ali se via ainda o arremate do menino artista pelos
pincéis e os vasilhames de cobre sujos de tinta, que haviam servido para a pintura nova dos
alicerces da casa, das guarnições da porta, dos cochos de alimento dos animais e das aves.
A sua iniciativa benfeitora tornara a casa de Maria e José a mais simpática e admirada do
subúrbio pobre, pois se ele era incapaz de ficar agrilhoado ao horário draconiano de
obrigações inadiáveis, jamais se cansava quando o seu espírito criador e construtivo se
decidia a produzir algo de agradável aos outros. Rebelde à imposição alheia, era um
escravo dócil e desinteressado sob a força do seu próprio impulso criador.
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CAPÍTULO 12
89
a realidade humana.
90
figura daquele ser, com a intenção de turbar-lhe os sentidos nervosos e o comando
cerebral.
Então, a sua respiração tornava-se aflitiva e o seu coração se afogueava; o sistema
hepatorrenal apressava-se a eliminar qualquer tóxico que se materializasse decorrente de
condensação de fluidos ferinos. O menino Jesus, num impulso instintivo, corria, célere, para
longe do bulício dos seus companheiros e se deitava, exausto, sobre a relva macia, ou à beira do
regato, debaixo das figueiras, ou ainda entre os arbustos umedecidos, como se o orvalho e o
perfume das florinhas silvestres pudessem lhe refrigerar a mente incandescida.
Mas em tais momentos ele era alvo dos cuidados e atenções do anjo Gabriel e de suas
falanges, que então o aconselhavam a buscar o refúgio no seio da Natureza amiga durante
suas crises emotivas ou opressões astralinas. Ali, esses sublimes amigos podiam manipular
extratos vitalizantes e fluidos protetores apanhados dos duplos etéricos do regato, das flores e
dos arvoredos benfeitores, que se transformavam em energias terapêuticas, imunizando-o
contra os dardos ofensivos dos espíritos trevosos. 1 Em breve se fazia o desejado desafogo
espiritual e o menino voltava tranqüilo a retomar os brinquedos, sem poder explicar aos
companheiros o motivo de suas fugas intempestivas.
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hostilizava. As trevas vigiavam-no incessantemente para desfechar o ataque perigoso à sua
delicadíssima rede neurocerebral, a fim de lesá-lo no contato sadio com a matéria, e isto só
era impedido graças aos seus fiéis amigos desencarnados. Jamais alguém, no Espaço ou na
Terra, poderia ofender ou lesar a contextura espiritual de Jesus, tal a sua integridade sideral,
mas não seria impossível atingir o seu equipo carnal.
Não há dúvida de que os bons só atraem os bons fluidos e acima de tudo ainda
merecem a companhia e a proteção dos bons espíritos, mas é conveniente meditarmos em que,
nem por isso, estamos livres da agressividade dos espíritos maléficos, que não se conformam
em sofrer qualquer derrota espiritual.
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cenário do mundo e na responsabilidade na carne. Aliás, é de senso comum que as crianças são
"inocentes" até os sete anos, porque a voz popular pressente que o espírito encarnado ainda
não conta com o veículo emocional para expressar suas emoções sob o controle espiritual. Até
essa idade domina apenas o instinto puro e os ancestrais hereditários, sem obedecer ao
comando do Espírito.
Assim, conforme a própria lei do cientificismo cósmico, daquela idade em diante Jesus
começava a consolidar mais fortemente a sua consciência humana, enquanto o seu Ego
Sideral se punha em maiores relações com os fenômenos da matéria. O seu raciocínio
desenvolvia-se rápido, mas as preocupações prematuras substituíam-lhe, pouco a pouco, a
alegria espontânea por um halo de melancolia e tristeza.
Embora menino, já se achava imbuído das inquietações e dos problemas próprios
dos adultos, algo preocupado em solucionar as vicissitudes da humanidade tão confusa. A
idéia mais prosaica sofria dele vigorosa análise e lhe provocava reflexões sérias, se nisso
estava envolvida a ventura alheia. E os velhos rabis da Sinagoga então se punham a dizer,
meneando a cabeça com ar censurável: "São idéias impróprias para um menino de sua idade!"
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fiapo de nuvem que passava célere pelo céu, não lhe era difícil antever o fragor da
tempestade.
Com o tempo, o próprio mestre-escola habituou-se com as fugas mentais do filho de
José e Maria, cujo temperamento meigo, por vezes inquieto, casava perfeitamente com o seu
perfil angélico e prodigamente amoroso para com todos. Algumas vezes ele despertava,
surpreso, como se fosse arrebatado das nuvens, sob a voz imperiosa do professor pedindo-lhe a
lição do dia. No entanto, nenhum homem no mundo assimilou tão rapidamente tantos
conceitos de filosofia, lendas, narrativas, parábolas e conhecimentos do mundo, através da
escola viva das relações humanas como o fez Jesus. Sua alma, de transparente sensibilidade,
era um cadinho efervescente, em que de um punhado de vocábulos, sob a"química" do seu
espírito, formava a síntese de lições eternas.
94
lidade de acomodar-se ao meio terráqueo, como o faziam os seus contemporâneos adstritos
aos problemas simplissimos de digerir, procriar e cumprir as exigências fisiológicas do
organismo humano. Não é demonstração de enfermidade a aflição das pombas debatendo-se
no pântano viscoso, só porque ali os crocodilos se mostram eufóricos e tranqüilos.
Jesus não era enfermo psíquico, embora tivesse de refugiar-se amiúde no seio da mata
ou das clareiras silenciosas, quando se sentia afogueado pela tensão do seu próprio espírito ou
alvejado pelos fluidos perniciosos. Em verdade, havia profundo contraste entre o seu
temperamento angélico de avançado entendimento moral, ao pôr-se em choque com os
interesses mesquinhos, a vulgaridade, má-fé e ignorância dos homens que lhe cumpria
esclarecer e salvar.
PERGUNTA: — Quais outros detalhes que ainda nos podeis oferecer sobre a
vida do menino Jesus, pois tem sido tão contraditória a narrativa de sua infância?
RAMATS: — A fim de poderdes avaliar o verdadeiro temperamento, as virtudes
e os contrastes do menino Jesus com os demais garotos de sua época, dar-vos-emos um qua-
dro de algumas minúcias de sua vida, e que servirá para o mais claro entendimento de vossa
pergunta. Em resumo: era um menino que jamais guardava ressentimento de alguém,
mostrando-se absolutamente imune às ofensas e aos insultos alheios. Imparcial e sincero em
suas amizades, ele não diferenciava nenhum companheiro, por mais deserdado ou subversivo;
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não traía, não intrigava, não zombava nem humilhava. Ninguém o viu usar qualquer meio
para ferir um pássaro, destruir um réptil, inseto ou batráquio. Curvava-se para o solo e colhia
o verme repelente na folha do vegetal, pondo-o fora do alcance das pisaduras humanas. Sob o
espanto dos próprios adultos, ele deliciava-se com as carreiras de formigas supercarregadas
de partículas de alimentos ou folhas tenras; com os retalhos de madeira da carpintaria de
José, construía túneis para livrá-las de serem esmagadas pelas criaturas que ali cruzassem
os caminhos. Muitas vezes, perdia longo tempo tentando repor no lombo das formigas a
carga que lhe fora desalojada ou lhes trazia restos de cereais só para vê-las carregarem. Os
meninos da vizinhança, rudes e daninhos, então contavam a seus pais as esquisitices do filho
de Maria, provocando deles o conceito de que "esse menino não é bem certo da cabeça".
Certas vezes, Maria e José mortificavam-se dolorosamente, ao encontrar Jesus
conversando animadamente com as aves e os animais, que, em verdade, pareciam entendê-lo.
Advertia, censurava e aconselhava patos, cães, marrecos, galinhas, cordeiros e cabritos,
apontando-lhes as imprudências e os perigos do mundo. Enxotava-os para longe nos dias de
matança, pois jamais alguém pôde matar qualquer ave ou animal na sua presença, cujo
espetáculo doloroso o deixava febril e o fazia fugir do lugar. Qualquer ave ferida ou cão
maltratado recebia dele o máximo carinho e tratamento; e um júbilo intenso, uma alegria
sem limite tomava-lhe o rosto radioso, quando os seus "doentes" se punham a voar ou a
caminhar. Batia palmas, satisfeito, de euforia espiritual, enquanto, às vezes, o sarcasmo dos
perversos lhe feriam os ouvidos desapiedadamente. Curtiu noites de insônia, depois que viu,
estarrecido, os bois tombarem um atrás do outro com a goela vomitando sangue e feridos
mortalmente pela lança dos magarefes. Mesmo depois de adulto, ele custava a se dominar
diante dos quadros lúgubres do Templo de Jerusalém, onde os sacerdotes oficiavam a Jeová
respingados pelo sangue dos animais e das aves inocentes.
Jamais podia compreender sua culpa, quando ouvia severas admoestações de José e
os apelos insistentes de Maria, para que não arriscasse sua vida preciosa nos arvoredos
envelhecidos, onde subia, afoito, para proteger os ninhos perigosamente pensos dos galhos
rotos. Mas eram inúteis tais censuras ou conselhos; em breve, tomavam a encontrá-lo
novamente trepado nos galhos das árvores e entre os pássaros, que em vôos efusivos pareciam
aliar-se ao seu riso cristalino, gratos pelo carinho dispensado aos filhotes implumes. Durante os
brinquedos e folguedos cotidianos, qualquer perversidade cometida contra os seres inferiores
deixava-o silencioso e severo. A censura no olhar era tão veemente que os meninos mais
culpados se afastavam temerosos.
Em conseqüência, Jesus não era um menino mórbido, excêntrico ou propriamente
rebelde; porém, manifestava uma linha de conduta angélica prematura entre os demais Deres;
e por isso semeava constrangimentos nos hipócritas, atemorizava os cruéis, que o censuravam,
zombando das suas comiserações pelos insetos, vermes ou répteis.
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visitada algumas vezes por um Espírito radioso que lhe previu a sublime maternidade de
seu filho Jesus?
RAMATÍS: — O Alto já havia suspendido a freqüência das visões mediúnicas
de Maria e dos seus familiares, a fim de evitar neles qualquer superexcitação transcendental e
inoportuna, que os viesse perturbar em sua vida cotidiana e até dificultar a vida do próprio
menino Jesus. Aliás, diz velho provérbio oriental, que "na casa onde nasce um santo, toda a
família só vive do seu encanto!" Era conveniente, então, a parentela de Jesus não se
convencer prematuramente de que ele era realmente o Messias tão esperado.
Aliás, a memória humana é fraca e esquece facilmente aquilo que o homem só percebe
em profundidade no mundo espiritual. Maria, pouco a pouco, deixou-se convencer de que
as revelações recebidas do seu anjo de guarda, em vésperas de esposar José e de nascer
Jesus, talvez não passassem de visões próprias da sua imaginação exaltada da
juventude. Ademais, seu filho desabrochava no mundo sem provocar qualquer fenômeno mais
insólito além do seu caráter, que trazia muita gente em "suspense". E também nada lhe fazia
comprovar sua natureza altiva e própria de um profeta ou salvador de homens, um líder ou
comandante capaz de denotar os romanos e libertar o povo judeu. Embora severo
contra a maldade, a tirania e o farisaísmo, noutro extremo era excessivamente místico, avesso
à violência e fujão. E conforme a Lei Sideral, que disciplina o equilíbrio emotivo dos seres,
justamente Maria, tão sensível e mística, privou-se de um contato transcendental para não
exorbitar das obrigações fatigantes de seu lar, enquanto outras criaturas mais rudes do
que ela se sentiam sacudidas pelo chamamento do mundo oculto.
Depois de cessadas as suas visões mediúnicas, a vida de Maria e José ingressou no
ritmo da existência prosaica das demais famílias judaicas, nada transparecendo de que eram
realmente responsáveis pelo sublime esponsalício de um anjo com a carne humana. De
modo algum podiam suspeitar que o menino Jesus tão difícil de enquadrar-se nos costumes da
época e sem qualquer senso de propriedade pelos bens do mundo, poderia desempenhar
missão tão elevada e difícil, como o Velho Testamento atribuía ao Messias, o Salvador dos
homens.
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Saltitava pelos campos, rolando encostas e, só mais tarde, quando chamado ao acerto de contas
com Maria, surpreendia-se das moedas que havia lançado de bolsa ajustada à camisola.
Um velho mago da Fenícia e amigo de José, e que lhe devia relativo favor, mandara,
de presente, ao menino Jesus valiosa ave-rei coroada de magnífico penacho cor de ouro e
munificente plumagem purpurina, rendilhada de um azul sedoso e manchas opalinas,
aprisionada em bela gaiola de grades banhadas a prata. José e Maria e os demais irmãos de
Jesus deliciavam-se antecipadamente com a alegria e a surpresa que deveria dominá-lo ao
retornar da escola e receber o régio presente. Porém, para surpresa dolorosa de todos e o
confrangimento de verem a perda de coisa tão valiosa, eis que o menino Jesus, em sua falta de
senso dos bens do mundo, soltou a ave num gesto feliz e exclamação jubilosa. E riu tomado
da mais ampla satisfação ao vê-la mover-se entontecida e alçar um vôo majestoso sob o fundo
azulíneo do céu ensolarado.
Qual seria o futuro que a família de José poderia augurar para aquele menino tolo e
desprendido, embora correto, bom e obediente, mas julgando a vida um espetáculo tão
natural, como devem julgá-la os pássaros, os peixes e os animais? Evidentemente os seus
contemporâneos também não podiam prever oculto ali naquele ser de maravilhosa espon-
taneidade e absoluta confiança na contextura da vida criada por Deus, o mestre que, mais
tarde, assim recomendaria: "Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem
fazem provimentos dos celeiros; e contudo vosso Pai celestial as sustenta. Porventura não sois
vós muito mais que elas?" (Mateus, 6:26-34).
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cristalina de sua alma angélica pairando acima das hipocrisias e convenções do mundo,
rompiam as convenções tradicionais do homem comum. Qualquer artificialismo ou burla de
última hora fazia-o desatar um rosário de indagações nevrálgicas que, às vezes, punham em
pânico os adultos.
Quando atingiu os doze anos tornou-se incômodo entre os rabis conservadores e
apoucados da Sinagoga, pois insistia nas premissas inoportunas, que descobriam à luz do
mundo a insânia e o absurdo dos dogmas religiosos da Lei de Moisés e das práticas
devocionais excêntricas. Seria mais fácil congelar a luz do Sol do que acomodar o menino
Jesus às iniqüidades do mundo, pois a sua natureza superior espiritual e intuição incomum
opunham-se veementemente a qualquer contrafação da Verdade. À noite, junto da família,
choviam-lhe conselhos incessantes, de seus pais e irmãos, que procuravam ensiná-lo a viver
de modo a não turbar as relações humanas. Advertiam-no da imprudência de sua indagação,
muito antecipada, sobre coisas que não eram práticas e só causavam confusão ou diminuíam
os outros pela impossibilidade de uma solução satisfatória. Que precisava adaptar-se às
circunstâncias do meio, agir cautelosamente com habilidade e diplomacia entre os homens.
Então o menino Jesus arregalava os olhos, surpreso, e na sua pureza cristalina indagava,
altivo: "Por que devo agir assim? Por que devo esconder a minha sinceridade e alimentar a
hipocrisia?"
José e Maria, espíritos benfeitores, mas emoldurados no cenário convencional de sua
raça e seu povo, pressentindo, por vezes, a justeza do modo de agir de seu filho Jesus, que era
certo no falar e digno no agir, mas impossibilitados de convencê-lo com os argumentos do
próprio mundo onde viviam, então se contentavam em dizer-lhe, à guisa de solução: "Meu
filho! Assim é o mundo, e nós não podemos reformá-lo!" E o menino Jesus, um palminho de
gente, retirava-se para um canto silencioso e ali ficava a meditar nos seus equívocos
cotidianos, confuso pelos motivos que lhe pareciam tão justos e nobres, mas lançavam a
desconfiança no próximo.
Porém, vencida a etapa mais instintiva ou impulsiva da puberdade, ele mesmo
reconheceu que eram prematuras as suas indagações ou soluções incomuns diante do seu
povo. Recolheu-se mais fortemente ao âmago de sua própria alma e buscou ali os recursos de
que precisava para reformar os homens, antes de verberar-lhes os pecados. No entanto, apesar
de amainar a tempestade emotiva que o lançava corajosamente no oceano das indagações
intermináveis; de guardar silêncio onde poderia agastar; de aceitar as imposições do meio
onde nascera, como a cota de sacrifício para o êxito
O Sublime Peregrino
de sua obra messiânica, ele jamais pôde fundir-se descolori-(lamente no rebanho da
humanidade cobiçosa e insaciável. E por isso o mataram na cruz.
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cabra, de camela, ou então o vinho campestre, porém muito ácido. Eram exímios na
produção de mel de figo, xaropes, caldos e sucos de frutas e vegetais escolhidos, que depois
costumavam guardar em vasos de barro vitrificado, no seio da terra, e revestidos de areia
porosa, que sugava a umidade do subsolo e assim proporcionava uma refrigeração natural.
Eram refrescos deliciosos, tradicionalmente servidos com pãezinhos de centeio, de trigo ou
bolinhos de polvilho refinado e cozidos das sobras dos moinhos. A agricultura ou a lavoura,
apesar de fornecer o essencial para o consumo das famílias, era precária, pois a abundância
de peixes, que infestavam os lagos e os rios da Galiléia, toma-
100
céleres para casa, agitando em suas mãos as figuras confeccionadas por Jesus, que
então ria feliz, como um príncipe dadivoso.
Naquela época a escultura de barro era inferior, feita às pressas e de caráter
exclusivamente comercial, somente de enfeite nos lares mais pobres, porquanto as obras de
arte de natureza mais fina provinham do Egito, da índia e de Tiro, a pedido de romanos e
hebreus ricos. As mãos do menino Jesus davam um toque de tal beleza e meiguice nos seus
produtos esculturais, o que era fruto de sua inspiração angélica ainda incompreensível, que os
artesãos mais primorosos não temiam de colocá-los a par das ourivesarias mais finas e de
bom gosto. Durante o seu trabalho de arte na argila, Jesus mostrava-se sério e
compenetrado, os lábios contraídos e um vinco de alta inspiração cruzava-lhe a fronte angé-
lica até o término do seu trabalho. Quando se dava por satisfeito e finalizava sua obra, a sua
fisionomia se desafogava e
seu rosto abria-se numa expressão da mais infantil alegria.
No entanto, depois desse labor, jamais ele se ligava à sua obra, nem se preocupava com
o seu valor ou posse. O que saía de suas mãos já não lhe pertencia e o dava facilmente ao
primeiro que o pedisse. Menino ainda, já revelava a contextura do Mestre, que mais tarde
recomendaria: "Não queirais entesourar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça
os consome e onde os ladrões os desenterram e roubam. Mas entesourai para vós tesouros no
céu, onde não os consome a ferrugem nem a traça e onde os ladrões não os desenterram nem
roubam. Porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração".4
Mas ele também se entregava às brincadeiras comuns da época, como o jogo de
bolas de pano e de barro, que eram atiradas sobre obstáculos de madeira, derrubando-os; às
travessuras com cães, cabritos e cordeiros ou à construção de diques e lagos artificiais, cujas
barcas de pesca ele as construía de gravetos e restos de madeira sobejados da carpintaria de
José e os guarnecia de remos feitos de palitos de cedro. As velas dos barquinhos, enfunadas,
traíam a contribuição de Maria com retalhos de linho e algodão de suas costuras. As frotas de
galeras romanas então navegavam nas enseadas de água suja para gáudio da gurizada
sempre atenta às iniciativas e surpresas do menino Jesus, cujo espírito enciclopédico jamais
encontrava dificuldades para sair-se bem de suas empreitadas infantis. Eram estradas, pontes,
rios, lagos e cascatas ou portos de carga e descarga, barracas coloridas para caravaneiros,
cujos camelos e elefantes de barro descansavam à sombra de palmeiras improvisadas e sob
os bosques feitos de barbas de arvoredos. Ainda havia jardins suspensos como os da
Babilônia, faróis queimando torcidos de cordas untadas de azeite, à noite, para guiar as
galeras retardadas que eram puxadas a barbante pelos fiéis peritos sob as ordens de Jesus
menino. Enfim, era um mundículo feérico, divertido e contagioso, que reunia a gurizada da
redondeza. Os próprios adultos davam uma espiada à furtadela, quando precisavam
arrastar os filhos para o repouso noturno. Muitas vezes, Maria sentia-se dominada por
estranhas emoções e as lágrimas escorriam-lhe pelas faces, vendo aquele menino como
um reizinho venturoso, um deusinho criador dirigindo o seu mundo rico de novidades e
surpresas. Ele era o centro de atrações da criançada buliçosa, que entre gritos de alegria e de
espanto movia-se obediente às diretrizes por ele traçadas e no intuito de preservar os
brinquedos até o término dos divertimentos. Eram pequenos vassalos, louros como a espiga do
milho novo, ruivos e a cabeça metida num fogaréu ou escuros como ébano, filhos de etíopes
emigrados, sardentos, pálidos e corados, sujos e limpos, confortavelmente vestidos ou
esfarrapados, ali se confundiam nos limites do mundo elaborado e movimentado pelo genial
menino Jesus. Era um clã de meninos que, pouco a pouco, se integrava nas disposições
temperamentais emotivas dele, pois exigia bom comportamento para o ingresso na sua
"maçonaria" infantil. Então, reduzia-se a maldade para com os pássaros e os animais e
diminuía-se também a traquinagem maliciosa e destruidora. Jesus inventava sempre coisas
novas — do barro argiloso e da areia umedecida compunha castelos e reis, príncipes e forta-
101
lezas, que reproduziam as histórias ouvidas de Maria, à noite, do folclore hebraico. Por
isso, os próprios meninos ressentidos retornavam breve e submetiam-se à férrea disciplina de
dominar o instinto daninho e os impulsos cruéis para não perderem dádivas tão atraentes.
102
homens.
Os seus contemporâneos não podiam compreender o desafogo espiritual do menino
Jesus diante da violência da Natureza pejada de água, raios e trovões, que amainava-lhe o
potencial sidéreo atuante no seu cérebro tão frágil. Eram reações emotivas brotadas de uma
alegria sã e inofensiva; um estado de espírito de absoluta confiança nos fenômenos
grandiosos da própria Vida. Entregava-se à força desabrida da tormenta, buscando a
compensação terapêutica psíquica, em que, sob a lei de que os "semelhantes curam os seme-
lhantes", o magnetismo eletrificado da atmosfera ajustava-lhe a mente superexcitada. O seu
riso explodia cristalino na atmosfera densa e lavada pela chuva. Até o coro dos batráquios e o
pio triste das aves encharcadas pareciam participar do quadro surpreendente, em que ele era
o tema fundamental. Indubitavelmente, todas as crianças sentem-se alegres e buscam a água
como um imperativo gostoso à sua própria natureza humana. No entanto, o menino Jesus
exorbitava de toda e qualquer contemporização no caso, pois se entregava incondicionalmente
à hostilidade da Natureza endurecida, vendo nela uma vibrante manifestação da própria vida
em sublime oferenda à Divindade.
No entanto, essa extroversão da infância de Jesus transformou-se, pouco a pouco,
naquela silenciosa dor que o absorveu quando ele, na maturidade, se viu diante da maldade,
da hipocrisia e do egoísmo humanos. Os pecados e os sofrimentos da humanidade pesavam-
lhe no ombro e roubavam-lhe a alegria, porque sendo Jesus o mais sensível e amoroso
dos homens, era quem mais sofria diante dos seus irmãos desgraçados e sem esperanças.
1 — Vide cap. L, "Cidadão de Nosso Lar", da obra "Nosso Lar", em que o espírito de
Narcisa manipula extratos fluídicos do eucalipto e da mangueira em favor de um enfermo. Idem cap.
XLI, "Entre as Árvores", "Os Mensageiros", de André Luiz
2 — Mateus, 4:1-11.
4 — Mateus, 6:19,20,21.
103
CAPITULO 13
104
ambiente de sua família ou simpatia. Muitas vezes, detrás da figura antipática do
vizinho ou de algum estranho desagradável, pode se encontrar justamente um
espírito nosso amigo de vidas passadas. No entanto, entre os nossos mais íntimos
familiares, às vezes, estão encarnados espíritos algozes, que nos torturaram outro ra e a
Lei Cármica os reuniu para a necessária liberação dos laços de culpa ou do perdão recíproco.1
O imenso amor de Jesus pela humanidade é que o afastou do compromisso de
constituir um lar. Não foi somente sua elevada qualidade espiritual, o motivo dele conservar-
se ligado a todos os homens e desprendido de um afeto exclusivo à família humana; mas sim,
a piedade, a ternura e a compreensão do sofrimento de todas as criaturas. Em verdade, ele não
condenou os direitos da família consangüínea, mas apenas advertiu quanto aos perigos do
afeto egocêntrico, que se gera no meio do lar, embotando o sentimento do amor às demais
criaturas. Por isso, ao recomendar a terapêutica do "Amai-vos uns aos outros como eu vos
amei", ele mesmo já havia demonstrado esse amor incondicional, que abrange a Família-
humanidade.
Isso era um cunho intrínseco de sua alma, pois aos doze anos de idade já respondia
dentro do conceito da família universal. Interrompido no seio de uma reunião por alguém que
lhe diz: "Eis que estão lá fora a tua mãe e teus irmãos que te querem falar", o menino Jesus
surpreende a todos, quando assim responde: — "Quem é minha mãe? E quem são meus
irmãos?" Em seguida, ergue-se e movendo a mão num gesto acariciante, que abrange amigos,
estranhos, mulheres, velhos, crianças e jovens, concluiu a sua própria indagação: "Eis aqui
minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus,
esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe!"
105
casa, a fim de obterem o sustento ou conseguirem o diploma acadêmico. Em breve, surge o
namoro, o noivado e então ligam-se a outras criaturas estranhas ao conjunto da sua família
para seguirem novos destinos e conseqüente "abandono" natural entre os dos mesmos laços
consangüíneos. Doutra feita, a irascibilidade, avareza, hostilidade e ciúme, ódio ou egoísmo,
chegaram a separar os membros da mesma família e a afastá-los em caminhos ou destinos
opostos. Filhos, pais, sogros, genros, irmãos e demais parentes, por vezes, se
incompatibilizam e cortam relações devido a interesses materiais adstritos a heranças,
provando a fragilidade do amor de sangue. Paradoxalmente, a família mais unida é justamente
aquela cujos membros são tolerantes e amorosos para com todos os seres, pois a bondade e a
paciência constituem um traço de união e boa convivência em todos os ambientes. Por
conseguinte, os parentes separados por discórdias domésticas mais se uniriam se atendessem
ao apelo de Jesus, pois abandonando o amor exclusivamente ao sangue da família também
desapareceria o amor-próprio na fusão de um sentimento universalista.
Jesus não recomendou ao homem o abandono impiedoso de seus familiares, fazendo-
os sofrer dificuldades pela sobrevivência cotidiana. Porém, advertiu "que não seria digno
dele quem amasse mais o pai, a mãe, o irmão e a irmã, do que ao próximo". Deste modo, o
homem precisa renunciar à sua personalidade, ao sentimentalismo, ao amor-próprio, à opinião
patética da família de sangue e mesmo opor-se a ela, quando os seus membros o repudiem por
esposar idéias e sentimentos crísticos. Foi no campo das idéias e dos sentimentos
universalistas que Jesus concentrou sua advertência, ao dizer que "quem amar a mim mais do
que à família receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna", ou seja, amando toda a
humanidade, a criatura livra-se das purgações próprias dos contínuos renascimentos das
vidas físicas.
Então passa a viver apenas nos mundos espirituais superiores, entre as almas afetivas e
libertas do conjunto egoísta da família carnal, onde o verdadeiro amor estiola oprimido pelas
afeições transitórias do mundo reduzido do lar. Quem ama o próximo como a si mesmo, ama o
Cristo e assim desaparece o amor egoísta de casta, raça e de simpatia ancestral da matéria. Em
troca surge o "amor espiritual", que beneficia todos os membros da mesma parentela e se exerce
acima de quaisquer interesses da vida humana isolada, pois diz respeito à vida integral do
Espírito Eterno.
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CAPITULO 14
107
prostravam de joelhos, diante de Jesus, clamando perdão para os seus erros, quan do
esmagados pelos pecados erguiam-se aterrorizados ante a voz imperiosa que lhes dizia: —
"Vai e não peques mais."
No seio da massa heterogênea diante do Mestre, o curioso estava junto ao
discípulo atento e o cínico ensaiava os seus motejos para perturbar o discurso.
Mas o olhar de Jesus, quanto aos que ali estavam com más intenções, penetrava-lhes a
alma, devassando-lhes os turvos pensamentos à luz de sua divina compaixão. Então, os
perturbadores assalariados pelo Sinédrio retiravam-se apreensivos ou mantinham-se em
silêncio, baixando a cabeça ao defrontarem o fulgor daquele olhar tão sereno, mas
severamente interrogativo e flamejante quando atingia uma consciência subvertida.
108
PERGUNTA: — Em face da tradição religiosa, fica-se com a impressão de
que o Mestre Jesus tinha uma vida excêntrica, absolutamente introspectiva, sendo avesso a
qualquer emotividade do mundo. Estaremos equivocados a esse respeito?
RAMATÍS: — Jesus era dotado de um temperamento sereno e equilibrado no contato com
as criaturas humanas, pois embora vivesse sobre profunda tensão espiritual interior, em face do potencial
angélico que lhe oprimia a carne, sabia contentar-se e ninguém pôde-lhe apontar gestos e atitudes de cólera por
sentir-se ofendido ou desatendido. Era um homem excepcional, porém sujeito a todas as necessidades fisiológicas
do corpo físico, mas de uma vida regrada inconfundível.
Ele não se negava às relações sociais e comuns com o mundo exterior, nem verberava a alegria e
o divertimento humanos. Participava gentilmente das festividades e tradições religiosas do seu povo,
mas o fazia sem os exageros entusiásticos das almas infantis. Expressava o suave sorriso de Maria nos
júbilos domésticos ou nos reencontros afetivos, mas jamais se excedia na gargalhada descontrolada ou no
choro compungido do sentimentalismo humano. Ante as cenas humorísticas, mas cheias de simplicidade das
festas regionais de sua terra natal, sua fisionomia era tomada de um sorriso tolerante e, por vezes, travesso.
Mas diante das cenas cruéis, como as das crianças escravizadas, cegas e vítimas de queimaduras nos trabalhos
escravos das fundições de Tiro, a piedade fazia-lhe estremecer o corpo delicado ou então se angustiava,
batido pelo vendaval agressivo da maldade humana. O suor, umedecia-lhe a fronte e a palidez tomava-
lhe as faces ao contemplar o panorama aflitivo das misérias e das atrocidades do mundo.
PERGUNTA: — Alguns investigadores da vida de Jesus dizem que ele era algo
enfermo, mesmo sujeito a alucinações. E que adotava rigorosa dieta alimentar. Há funda-
mento nessa afirmativa?
RAMATÍS: — Embora não tenham fundamento os exagerados jejuns de quarenta dias no
deserto que também lhe foram atribuídos, ele realmente socorreu-se, algumas vezes, do jejum absoluto, como
delicadíssima terapêutica para conservar seu espírito no comando da carne. Não se tratava de nenhuma
prática iniciática ou obrigação religiosa, era apenas um 'recurso sublimado e admissível em entidade tão
excelsa como Jesus, cuja consciência angélica ultrapassava os limites da suportação comum de um
organismo humano. O jejum desafoga a circulação sangüínea dos tóxicos produzidos nas
trocas químico-físicas da nutrição e assimilação, debilita as forças agressivas do instinto
inferior, aquieta a natureza animal, clareia a mente e o sistema cérebro-espinhal passa a ser
regado por um sangue mais límpido.
Durante o repouso digestivo, a natureza renova suas energias, restaura os órgãos
enfraquecidos, ativa o processo drenativo das vias emunctórias, por onde se expulsam todos
os tóxicos e substâncias prejudiciais ao organismo. É óbvio que o jejum enfraquece devido à
desnutrição, mas compensa porque reduz o jugo da carne e desafoga o espírito, permitindo-lhe
reflexões mais lúcidas e intuições mais certas.
Durante o enfraquecimento orgânico pelo sofrimento, ou jejum, as faculdades psíquicas
se aceleram e a lucidez espiritual se torna mais nítida, conforme se verifica em muitas criaturas
prestes a desencarnar, pois recuperam sua clareza mental e rememoram os mais longínquos
fatos de sua existência humana, desde a infância. A queda das energias físicas costuma
proporcionar maior liberdade à consciência do espírito. Há uma tendência inata de fuga da alma
para fugir do seu corpo físico, assim que ele se enfraquece. Diz o vulgo que as criaturas, no
auge da febre, costumam "variar", isto é, são tomadas de alucinações, chegando mesmo a
identificar conhecidos que já desencarnaram, assim como vêem figuras grotescas, insetos ou
coisas estranhas, que não são do mundo material.
Assim, o jejum também era para Jesus o recurso benéfico com que contemporizava a
excessiva tensão do seu próprio Espírito na carne. Sua fabulosa atividade mental provocava
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excessivas saturações magnéticas na área cerebral. Seu corpo, embora sensibilíssimo e hígido
em todo o seu sistema orgânico, era acanhadíssimo veículo para atender às exigências de sua
extensa consciência sideral. Os neurônios e centros sensoriais permaneciam continuamente
num estado de alta tensão, assim como a lâmpada modesta ameaça romper-se pela energia
demasiadamente vigorosa que lhe vem da usina.
O Anjo é a entidade mais aproximada dos atributos de Deus, como sejam a Sabedoria,
o Poder, aVontade e o Amor. Em conseqüência, possui qualidades superiores às do tipo
espiritual ainda reencarnável na Terra. O organismo físico não lhe oferecia os recursos
necessários para permitir-lhe uma relação perfeita entre o mundo angélico e o material.
Mesmo que ele não houvesse sido crucificado aos 33 anos, não teria sobrevivido por muito
tempo, pois o seu corpo carnal já se mostrava exaurido e incapacitado para atender-lhe o alto
grau de suas exigências mentais.
O Mestre Jesus foi, indiscutivelmente, a entidade de mais alta estirpe sideral que já
desceu ao vosso orbe. A sua consciência ampla e poderosa lutava assombrosamente para
firmar-se no comando de um cérebro humano. Era um divino balão cativo preso por
delicadíssimos fios de seda. Seu Espírito, superativo e em permanente vigília, envidava
heróicos esforços para abafar as energias estuantes de vida animal, que se multiplicam na
esfera instintiva e tentavam dominá-lo tanto quanto ele as repelia. Inegavelmente, tratava-se
de uma consciência angélica de sereno conteúdo espiritual, que deveria proporcionar euforia à
carne, mas a sua força, sabedoria e poder extravasavam pelas fronteiras da consciência
humana.
Aliás, a tradição religiosa terrena sempre pintou o anjo como a entidade
resplandecente, de fulgores ofuscantes. Satanás, como símbolo do instinto animal, dobra os
joelhos diante de Miguel Arcanjo, quando é chicoteado pelo excesso de luz que o enfrenta.
Embora o Sol seja um potencial criador e benéfico, debaixo dos seus raios ardentes até o
"iceberg" se aniquila. Muitos homens célebres do vosso mundo, como poetas, escritores,
músicos, escultores e filósofos, têm apresentado fases anormais, mostrando-se perturbados
ante a tensão muito acentuada do seu espírito sobre o sistema neuro cerebral. 1 Aliás, tanto a
notícia trágica, como a surpresa e o júbilo da fortuna inesperada podem afetar o cérebro
humano ante a carga sem controle que o espírito lança sobre a massa cinzenta.
O dinamismo espiritual fabuloso do Espírito de Jesus, atuando incessantemente sobre
a fragilidade do seu cérebro físico, quase o levava à clássica "surmenage", além de exigir-lhe
os mais dificultosos e vigilantes esforços para manter-se no mecanismo vivo da carne. O
homem moderno hoje reconquista ou compensa as suas funções mentais e o gasto excessivo
de energias no processo fatigante das elucubrações cerebrais, socorrendo-se das
medicações energéticas e vitaminadas, principalmente à base de fósforo ou ácido glutâmico.
Porém, Jesus, após a exaustão cerebral, sob a tensão mental incomum do seu Espírito só
obtinha equilíbrio e socorro orgânico através da prece e dos fluidos energéticos, que lhe eram
ministrados do mundo oculto pelos seus fiéis e devotados amigos espirituais.
A fadiga transparecia-lhe cada vez mais funda no semblante angélico, à medida que
se sucediam os anos de sua vida física. Por vezes, descoloriam-se as faces e o suor aljo-
frava-lhe à fronte, enquanto sob intensa sensibilidade o corpo perdia temperatura e
parecia açoitado por um vento gélido. Inúmeras vezes os seus discípulos temeram vê-lo cair
sem vida, pois o seu generoso coração arfava perigosamente e o corpo estremecia sob o alto
potencial angélico.
No entanto, espírito corajoso e vivendo exclusivamente para o Ideal redentorista do
terrícola, Jesus tudo fazia para suportar o fardo da carne e continuar em atividade no cenário
da Terra, rogando ao Pai que o mantivesse em condições de ultimar sua obra abençoada. O seu
espírito, preso por um fio de linha ao diminuto mundo da carne, parecia mil raios de sol
convergindo sobre a lente do cérebro precário e atuando sob vigorosa voltagem. Que
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seria do frágil motor elétrico, construído para suportar a carga máxima de 120 volts, caso de
súbito recebesse o potencial de 13.000 volts, diretamente da usina elétrica?
Anjo exilado na matéria, o Alto então lhe oferecera a encantadora moldura feita de
luz, cor e poesia de Nazaré para amenizar-lhe um pouco a condição aflitiva de permanecer
algum tempo segregado na carne, no desempenho generoso e sacrificial a serviço da criatura
humana.
111
sabia, sem ter sido visto a estudar". A sua mente, como poderoso catalisador, num ápice de
segundo solucionava as equações mais complexas e concluía sensatamente sobre as premissas
mais difíceis da psicologia e filosofia humanas. De um punhado de idéias, era como um
jardineiro genial, que de um buquê de flores conseguisse descrever o aspecto formoso e o
perfume encantador de todo o jardim policrômico.
Jamais Jesus precisou seguir os mesmos métodos didáticos dos homens terrenos, pois
sua alma, como divina esponja sidérea, abrangia a síntese da vida terrena em toda sua
força e manifestação educativa. Sabendo e podendo acumular em si mesmo o "quantum" da
vida "psicofisica" que o cercava nos dois planos, o oculto e o material, logo desenvolveu-se
nele a força e a capacidade para ser o guia inconfundível dos homens ainda cegos pela sede de
ouro, violência e ardor das paixões. Por isso, logo afirmou com segurança e o fez com êxito:
"Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" e "Quem não for por mim, não irá ao Pai que está nos
céus".
Jesus, em verdade, anjo e sábio, formava o mais avançado binômio sidéreo no mundo
material. Não existe, jamais existiu filósofo, lider religioso ou Instrutor Espiritual sobre a Terra,
que tenha vivido em si mesmo uma realização tão integral como ele a viveu. Ninguém poderá
igualá-lo em fé, coragem, renúncia e amor, pois além do seu desprendimento aos bens do mundo,
dominou completamente as paixões humanas.
O Cristo-Jesus, portanto, ontem, hoje e amanhã, será sempre o Mestre insuperável,
porém, o homem sadio e perfeito, não o enfermo classificado pela patologia médica ou o
espírito sob o rigor da retificação cármica.
PERGUNTA: — Certos estudiosos da vida de Jesus chegam a afirmar que ele era
analfabeto, motivo por que nada deixou escrito nem se sabe se ele escreveu algo. Há qualquer
fundamento nessa afirmação?
RAMATIS: — Se até Pedro, que era um rude pescador, sabia ler e escrever, como
não o saberia Jesus? O Mestre era escorreito na linguagem e, quando escrevia, estereotipava
na precisão dos caracteres gráficos a exatidão do seu pensamento e a poesia do seu
sentimento. Exato, lógico e parcimonioso na sua grafia, não empregava uma vírgula além do
necessário. Se um grafólogo moderno examinasse os seus escritos, teria descoberto o homem
perfeito, em que a retidão, a sinceridade, o espírito de justiça e o amor absoluto se mostrariam
harmonizados na tessitura das frases límpidas de atavismos ou artifícios supérfluos.
A grafia de Jesus era um tanto nervosa, mas revelando altíssima sensibilidade e sem
perda do domínio mental os caracteres claríssimos, distintos e alinhavados em perfeito
equilíbrio. Tanto no falar como no escrever, Jesus era avesso à verborragia, à logomaquia
peculiar dos pseudo-sábios ou políticos terrícolas, que tecem exaustivos circunlóquios para
expor, mas se perdem pela dramaticidade das idéias mais prosaicas. Jesus escrevia
pouquíssimo, e por uma razão simples: sabia dizer em meia dúzia de vocábulos aquilo que a
complicação do pensamento humano só o pode fazer esgotando páginas extensas. Reto no
pensar, no falar e no escrever, um ponto tirado à sua escrita lembrava uma parede afastada do
seu prumo. Basta observarmos a precisão do Sermão da Montanha, a composição do "Ama o
próximo como a ti mesmo" ou "Buscai e achareis", para se verificar que tais conceitos
evangélicos dispensam qualquer novo acréscimo de adjetivos ou ornamento para sua maior
valhosidade, assim como jamais podem dispensar uma letra de sua estrutura vocabular.
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divina mão traçou na areia as palavras de censura, reveladora das mazelas daqueles
escribas e fariseus que queriam apedrejá-Ia (João, 8:3-11): "O que de vós outros está sem
pecado, seja o primeiro que a apedreje." Silenciosamente, enquanto alguns dos mais ousados
perseguidores da adúltera fizeram mensão de atirar-lhe pedras, o Mestre apanhou uma
vara frágil e traçou no solo as palavras"trapaceiro","hipócrita" e "perjuro", o que fez recuar a
turba dos julgadores.
Jesus vivia o que pensava e pensava o que vivia, por isso não precisou deixar
compêndios doutrinários. Antevendo o sofisma e a astúcia do homem — inescrupuloso
quando procura garantir os seus exclusivos interesses — o Mestre preferiu deixar que outros
escrevessem para a posteridade.
Antes a confusão sobre o que ele possivelmente teria dito, em vez da confusão
sobre o que teria escrito. Qualquer testemunho escrito que tivesse deixado serviria de pretexto
para justificar a paternidade de outras milhares de mistificações espalhadas sob o seu augusto
nome.
113
PERGUNTA: — Finalmente, qual era a disposição emotiva do jovem Jesus
para com os demais moços de sua época?
RAMATÍS: — Jesus quedava-se, por vezes, recostado na coluna do pórtico da
Sinagoga e punha-se a examinar as fisionomias, os gestos e as expansividades ou faceirices
dos seus conterrâneos metidos nos trajes domingueiros, como um bando álacre de criaturas
felizes. Mas, senhor de maravilhoso dom de empatia, 3 ele então avaliava os sonhos, as
angústias, as esperanças e os ideais dos seus contemporâ neos. Via nos jovens
despreocupados a figura batida e cansada do futuro velho, cujas rugas, como linhas gráficas,
marcariam a estatística do sofrimento da vida material. Era a tortura e o desengano dos sonhos
desfeitos da mocidade; a exaustão da existência física, na qual o espírito abate-se do seu vôo
feliz, para situar-se nos grilhões superexcitantes da carne. A chama ardente que via nos olhos
dos moços, mais tarde se apagaria, soprada pelos ventos das desilusões, infidelidade e dores,
que formavam o cortejo e a cota de sacrifício onerosa para o espírito habitar o mundo carnal.
Quando os olhares cobiçosos femininos lhe caíam sobre o rosto sereno e de encanto
ascético, ele os devassava a fundo, descobrindo-lhes as ansiedades, mas identificando-
lhes também os desígnios e as desilusões no futuro, quando dos pesados encargos de família.
Jesus, o "belo nazareno", como o conheciam, vivia cercado de jovens casadoiras, mas em face
de sua impossibilidade de devotar-se efetivamente a um só ente e da lealdade fraterna para
com todos os seres, não podia alimentar qualquer responsabilidade conjugal. Os desenganos
sucediam-se amiúde nos corações femininos e as jovens hebréias não podiam compreender por
que o jovem filho de José, o carpinteiro, não acendia no seu coração o desejo ou a paixão
humana de escravidar-se a uma só criatura ou mesmo a uma só família.
2 — "E veio-lhe um suor, como de gotas de sangue, que corria sobre a terra" (Lucas,
22:44). Aliás, a própria medicina, até certo tempo, considerava a sangria excelente terapêutica
para os casos de síncope e apoplexia.
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CAPÍTULO 15
PERGUNTA: — Não opomos dúvida quanto ã eleição do povo judeu para ser o
fermento vivo na missão de Jesus. No entanto, estranhamos a sua formação moral e social
quando compulsamos a sua Bíblia tão contraditória. Que dizeis?
RAMATÍS: — A Bíblia é um conjunto de antigos livros, que descreviam a vida e
os costumes de vários povos. Mais tarde foram agrupados e atribuídos a uma só raça,
conhecida por hebréia. Em verdade, é uma revelação religiosa. E os espiritualistas não podem
nem devem desprezar a Bíblia, porquanto, apesar de apresentar incongruências e contradições
com a moral do vosso século, representa um esforço máximo feito pelos Espíritos no passado,
no sentido de se comprovar a glória, o poder e as intenções de Deus.
E óbvio que não se pode atribuir ao seu texto o caráter vertical de "Palavra de Deus",
porquanto as entidades espirituais que naquela época produziram as mensagens bíblicas
tiveram que apresentar a revelação como provinda diretamente da"Voz de Jeová". Mas isto não
quer dizer que proviesse realmente da mente de Deus. A mentalidade dos povos daquela época
e o seu modo de vida exigiram que as revelações não ultrapassassem a sua capacidade de
entendimento.
A Bíblia é ainda de grande proveito, sob todos os pontos de vista, porque, escoimada de
suas figuras alegóricas e das incongruências naturais da moral daquela época, ser-vos-á
possível distinguir, no seu todo, as duas ordens distintas que disciplinam as revelações
posteriores. A Bíblia, como repositório que é das comunicações espirituais mescladas com
acontecimentos da vida profana dos judeus, torna-se obra muito incoerente quando
examinada por outras raças como a vossa. O Velho Testamento, entretanto, desvencilhado do
simbolismo exigível para a época em que foi escrito, é ainda a matriz tradicional da revelação
divina. Em seu fundamento assentam-se todos os esforços posteriores e o êxito no sentido de
haver sido compreendida a unidade de Deus, que Moisés consolidou no Monte Sinai.
115
moderna, que vos permite devorar o suíno, o boi ou o carneiro, é profundamente imoral para a
humanidade superior, dos marcianos, que ficaria escandalizada se lhe oferecessem um
rim no espeto ou uma costela de porco assada. Em certos povos do Oriente, a poligamia é de
boa moral. Entretanto, no vosso país tal prática seria punida com prisão. Algumas tribos
asiáticas, menos evoluídas do que vós, tachariam de imoralidade o fato de os ocidentais, após
o falecimento de um dos cônjuges, permitirem que o sobrevivente se case outra vez. A moral
cristã que Jesus pregou há dois mil anos, e que hoje considerais de ordem superior, foi o que o
levou a ser crucificado, porque essa moral era considerada subversiva e contrária à moral da
época, que era a de abocanhar tudo e não renunciar a coisa alguma.
A Bíblia historia a vida do povo judeu, com seus costumes e sistemas, que diferem
profundamente da ótica ocidental moderna. No entanto, nenhuma outra nação do mundo foi
tão pura em sua fé para com Deus e tão preocupada com o reinado espiritual da alma.
Conforme já lembramos, Abraão, quando decide matar seu próprio filho, apenas porque
Deus assim ordenara, representa, alegoricamente, a submissão incondicional que a raça
hebréia manifestava ao seu Criador. Embora vos pareçam submissões absurdas e até
condenáveis pelo espírito liberal e científico da vossa época, atestam elas a inigualável
fidelidade e o sentimento daquela gente para com os poderes superiores. Nenhum povo
poderia reproduzir aqueles pescadores iletrados e camponeses rudes que saíram pelo mundo a
pregar uma nova ética contrária à sua própria moral racista e tradicional quando,
paradoxalmente, a vossa humanidade, tão evoluída, não conseguiu ainda assimilar tão alto
padrão nem o Evangelho que eles pregavam. A raça que apresentou um Isaías, um Jesus de
Nazaré, um Pedro, um Paulo de Tarso, um Timóteo ou Maria de Magdala, e a plêiade de
mártires trucidados depois nos circos romanos, embora tenha misturado a sua vida profana
com a divina e atribuído suas insanidades à própria "palavra de Deus", pode ter pregado
estranha moral e até aberrativa, na Bíblia, mas doou a maior contribuição à humanidade, pois
foi o berço do Salvador do Mundo.
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de Deus para proteger exércitos simpáticos ou para abençoar armas criminosas, destinadas às
guerras fratricidas. O povo judeu, quando compôs o seu livro sagrado — O Velho Testamento
— como fundamento religioso de sua vida, mesclou-o de fatos condenáveis, mas assim o fez
por excesso de Fé e de submissão ao Criador. No entanto, o homem do século XX pratica os
mesmos desatinos e alardeia emancipação espiritual, com a agravante de já ter conhecido
Jesus.
Apesar da promiscuidade de Deus, na Bíblia, com a censurável moral judaica, tudo foi
uma revelação honesta, sincera e até ingênua, sem os artifícios comuns dos povos astutos,
modernos, que costumam cultuar duas morais maquiavélicas — uma para uso interno e outra
para o público. Se a vossa civilização pretendesse escrever a sua Bíblia, adotando a mesma
franqueza e simplicidade com que o povo judeu escreveu a sua, redigiria o mais imoral e
bárbaro tratado de história humana, pois relataria mazelas bem piores e ignomínias praticadas
em nome de Deus, de fazerem arrepiar os cabelos.
A Bíblia, repleta de incongruências atribuídas a desígnios de Deus, mas sincera,
estóica e ingênua, é o livro que revela as condições espirituais de um povo profético e tenaz
em sua fé. Entretanto, maior pânico vos causaria se fosse escrita por qualquer povo da época,
que não fosse o judeu, cuja moral mais comum se alicerçava na rapinagem, na escravidão e
nas orgias sem limites. Eram nações onde os deuses pululavam para todos os gostos, mesmo
para as práticas fesceninas e que sancionavam todas as bestialidades humanas, inclusive a
queima de tenras crianças para o sacrifício pagão. 1 A simples descida de Jesus ao povo
israelita para servir de sede à sua missão, indica-o como o mais credenciado espiritualmente
para a glória do Messias. E a sua própria Bíblia merece, portanto, um pouco de afeição dos
outros povos, porque é o rude alicerce do edifício eterno do Cristianismo.
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CAPÍTULO 16
A influência benéfica do
povo galileu na obra de Jesus
PERGUNTA: — Alhures, dissestes que os galileus eram menos apegados aos ritos e
às obrigações religiosas. Não é assim?
RAMATÍS: — Realmente, isso era verdade. Aliás, a Galiléia ficava ao norte de
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Jerusalém e por isso os seus habitantes não podiam freqüentar tão assiduamente o Templo,
como os judeus que ali moravam. Essa dificuldade enfraquecia-lhes o gosto ou o dever das
oferendas constantes, relaxando-lhes o compromisso religioso tão arraigado entre os jerusale-
mitas. Pouco a pouco, descuravam de suas obrigações para com o Templo e à medida que
Jesus lhes incutia no espírito a natureza espiritual do "reino de Deus", afastavam-se das
observâncias exteriores das leis e das prescrições mosaicas, apegando-se cada vez mais aos
rabis itinerantes.
Os galileus jamais poderiam assistir a qualquer cerimônia privada no Templo. Eram
condenados pelos fariseus, porque lhes faltava o espírito de nacionalidade judaica e ainda
admitiam dúvidas ou novas interpretações sobre os ensinos de Moisés, considerados
imutáveis. De outro lado, sofriam os apodos e as críticas dos saduceus porque, além de lhes
faltar a aristocracia judaica, enfraquecia-lhes a confiança nos sacerdotes e se apegavam mais
propriamente aos seus rabis empoeirados. Os galileus, na realidade, consideravam sua religião
como pura emotividade de espírito e não como ferrenho código moral.
Eis aí alguns rápidos traços do povo galileu que, em sua peculiaridade afetiva, sua crença
religiosa de amor a Jeová, seu temperamento amoroso e hospedeiro, o fizeram a moldura viva
da obra messiânica de Jesus. Assim como o fermento leveda a massa de farinha e lhe favorece
o crescimento, o povo galileu também foi o fermento humano que deu força iniciática e
divulgou o Evangelho do Mestre Jesus, o qual jamais encontraria tanta afetividade,
compreensão e amor para o sucesso dos seus ensinamentos. Ele não teria nenhum êxito se os
pregasse, de início, entre os saduceus orgulhosos e os fariseus intrigantes, que se apegavam à
letra da Lei como o carrapato ao couro do animal. O povo gali leu, alegre, ativo, buliçoso,
rixento, sincero na sua fé e puro na sua amizade, foi realmente o verdadeiro ensaio para o
advento do Cristianismo.
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Jesus meditava sobre a natureza humana ainda tão animalizada e ignorante na sua
insatisfação, avareza, crueldade, cupidez, no seu amor-próprio e orgulho de raça. Essas
paixões e os desejos incontrolados eram realmente os motivos responsáveis pelos
desentendimentos entre os homens, os quais, assim como os animais, só se mostravam
inofensivos quando bem alimentados, fartos, gozando saúde e satisfação no seu instinto
sexual.
E o Mestre entristecia-se verificando que o homem precisava tão pouco para ser feliz,
bastando-lhe somente amenizar o desejo cúpido e domesticar as paixões violentas para ele ser
mais venturoso e substituir os prazeres transitórios da carne pelos prazeres duradouros do
espírito. Então se propunha ensinar a criatura humana, transmitindo-lhe um pouco da ventura
espiritual, que era o seu estado normal de alma. Ali, na Galiléia, ele vislumbrava
representantes das principais raças do mundo, cujos homens eram portadores de todas as
paixões, vícios e ardis. Juntamente com algumas virtudes benfazejas, também se
manifestavam neles todos os tipos de pecados humanos, motivo por que a Galiléia então lhe
parecia um mostruário vivo dos espécimes representativos de toda a humanidade.
Jesus bem sabia da inutilidade e inoperância dos trata dos civis, das leis e dos
códigos penais, das doutrinas e das seitas religiosas do mundo que tentassem disciplinar a
conduta humana, porquanto a repressão moral não educa o coração do homem. Nem o culto
religioso, a disciplina filosófica, nem os conceitos avançados de ética poderiam extirpar do
coração dos homens as paixões e os vícios, se atuassem do "exterior" para o "interior". O êxito
só poderá ser do centro para a periferia, do mundo oculto para o visível, do espírito para a
mente, e na forma de um sentimento tão amoroso que consiga purificar os pecados da própria
alma.
Então Jesus compreendeu que para o homem tomar-se altruísta, teria de ser explorado
no próprio egoísmo. Visando ao seu maior bem também poderia visar ao bem do próximo.
Jamais alguém poderia dar aquilo que ainda não possuísse realizado e satisfeito em si mesmo.
O homem primeiramente teria de ser egoísta, isto é, "acumular" até sua plena satisfação, para
depois sentir o prazer de doar e repartir. Por isso, seria preciso transbordar os homens de
Amor, a fim de que eles passassem a amar-se uns aos outros. Partindo do próprio egoísmo da
criatura preferir o máximo bem para si, Jesus lançou então a sua máxima ou princípio
surpreendente e de maior sublimidade no ser: — "Ama o próximo como a si mesmo". O
egoísmo, tão gélido e separatista, principal sustentáculo ou cogitação da personalidade
humana, então serviria para cimentar o fundamento do próprio Amor, em relação ao próximo.
Jesus não visava aniquilar a "força" do egoísmo, mas apenas inculcar-lhe um sentido
proveitoso em benefício do próximo. O amor a si mesmo seria, pois, a ação dinâmica do amor
a outrem. Utilizando o seu admirável dom de percepção espiritual, Jesus procurava
identificar em si mesmo, quais seriam as reações morais do espírito diante da injustiça,
da ingratidão, da perversidade ou do egoísmo humanos. Ele não acusava mágoas ou
ressentimentos, nem sofria intimamente a agressão ou o insulto alheio, mas buscava conhecer
as torturas a que se submetem as criaturas terrenas, mortificadas pelos seus próprios
pecados e vícios. No entanto, reconhecia que os homens eram perversos, orgulhosos ou
avaros, porque também eram ignorantes e imaturos de espírito. Indubitavelmente, em vez de
serem condenados ou mesmo censurados, eles precisavam ser esclarecidos ou ensinados,
quanto ao verdadeiro motivo da vida e à responsabilidade do espírito eterno.
Assim como os animais selvagens se tornam pacíficos e serviçais depois de
domesticados, os homens, ainda que extremamente imperfeitos, também podem ser bons e
ternos, domesticando suas paixões, em vez de atacá-las de modo agressivo. Jesus, alma
sublime e generosa, propôs-se então ensinar os homens e torná-los dignos da ventura do
"reino de Deus", onde a paz de espírito é o fundamento principal da existência paradisíaca. Mas
também reconhecia a necessidade de viver as lições a serem ministradas à humanidade se
120
quisesse, realmente, conquistar a confiança dos terrícolas. Só através do seu exemplo pessoal,
da completa renúncia a todos os bens e prazeres do mundo, sofrendo estoicamente na própria
carne as dores das ingratidões e agressividades alheias, ele então poderia demonstrar a sua
fé incondicional e submissão absoluta à vontade de Deus, atraindo assim a confiança dos
homens.
Jesus, dali por diante, fixou-se definitivamente no tema, que além de lhe assegurar a
glória entre os anjos, ainda o consagrou entre os homens — o Amor! Só pelo Amor valia a
Vida; só pelo Amor o homem se salvaria. Nenhum outro sentimento, fora do Amor, poderia
irmanar o lobo e o cor-
O Sublime Peregrino
deiro, o amigo e o inimigo, o publicano e o santo, o crente e o ateu, o mal e o bem, o
rico e o pobre. O Amor, portanto, seria o lema definitivo de todas as suas pregações,
conforme ele comprovou em todos os momentos de sua vida, de sua paixão e morte. Até o
derradeiro apelo quando, do cimo da cruz e diante das multidões alvoroçadas e sarcásticas,
dirigiu ao Criador aquela rogativa patética, de misericórdia infinita, dizendo: — "Pai!
Perdoai-lhes, pois eles não sabem o que fazem!"
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CAPITULO 17
PERGUNTA: — Jesus teria que nascer fatalmente na Judéia para ter bom êxito na
sua missão redentora? Porventura não existia, na mesma época, algum outro povo que,
espiritual e psicologicamente, pudesse servir para o mesmo objetivo?
RAMATÍS: — Desde que a Administração Sideral reconhecesse, em qualquer
outro povo, qualidade e até os defeitos peculiares do judeu, é óbvio que Jesus não precisaria
se encarnar em Israel. Mas a Judéia e os hebreus, embora considerados na época "uma
coleção desprezível de escravos",1 por seus costumes, por sua fé religiosa e capacidade de
adaptação a todos os misteres da vida, é que realmente ofereciam as condições psicofísicas
eletivas para o melhor sucesso da missão salvacionista do Messias. Aliás, o Velho
Testamento sempre o considerou o povo eleito para o advento do Messias e o próprio Moisés,
no Monte Sinai, ao unificar a revelação espiritual para um só Deus — Jeová — lançou as
bases preliminares do Cristianismo. Isso aplainou o caminho para o Mestre Jesus consolidar
sua obra, dispensando-o do espinhoso trabalho de fundir diversos deuses pagãos numa só
unidade, como ele depois pregaria através do seu sublime Evangelho.
É óbvio, portanto, que só uma raça estóica, ardente e fanática em sua crença religiosa
monoteísta seria capaz de corresponder ao convite espiritual de Jesus, sem qualquer
resistência ou sarcasmo à encantadora mensagem da "Boa Nova" e do "Reino de Deus". O
judeu traz o seu sentimento à flor da pele e vive mais pela fé do que pelo raciocínio, embora
seja instintivamente muito sagaz para negócios e especulações da vida humana. Mas, em
questão de crença e de devoção, ele pouco indagava os motivos que o mandavam proceder
deste ou daquele modo com o seu Deus. A sua fé inata não pedia explicações intelectivas; ele
cria e obedecia cegamente naquilo que transcendesse o seu mundículo de atividades humanas.
Por isso, Jesus encontrou o caminho aberto para a sua prédica evangélica entre os judeus, sem
precisar destruir o antropomorfismo de Jeová, sem alterar as legiões angélicas, sem
desmentir os velhos patriarcas e profetas do Antigo Testamento. Ele viera iluminar ou
ampliar os próprios ensinamentos de Moisés e torná-los mais amenos quanto à sua
responsabilidade moral. Substituía o conceito pessoal e punitivo de "olho por olho e dente
por dente", pela condição cármica de "quem com ferro fere com ferro será ferido", na qual
Deus não castiga, mas é a própria criatura que se pune dos seus pecados, aceitando
espontaneamente os mesmos efeitos das causas perniciosas movimentadas no passado.
Jeová, sob o toque sublime dos ensinamentos de Jesus, tomava-se mais tolerante, temo
e compassivo, diminuindo suas exigências demasiadamente humanas. Isso atendia às
simpatias dos galileus, que eram considerados gentios ignorantes dos formalismos religiosos e
que aceitavam, sem protestos, a nova versão de Jeová, distanciando-se cada vez mais das
seitas religiosas e dos bens do mundo. Mas os fariseus, embora sem qualquer temor dos
ensinamentos daquele rabi da Galiléia, perceberam que se enfraquecia a virilidade doutrinária
de Moisés. E a perigosa desumanização de Jeová poderia trazer sérios prejuízos aos cofres do
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Templo. Daí por diante, eles passaram a vigiar Jesus e recear os efeitos de suas idéias
desagregadoras na comunidade dos galileus.
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Igreja, como é Tomás de Aquino, um dos maiores gênios da Idade Média na propaganda do
Catolicismo. Mas prevendo também o perigo do intelecto desgarrar-se em demasia e depois
formalizar o Evangelho acima do coração humano, aristocratizando em excesso o clero
responsável pela idéia cristã, o Alto recorre então ao mesmo espírito que fora o apóstolo João
e o faz renascer, na Terra, para viver a figura admirável de pobreza e renúncia de
Francisco de Assis. Assim, o calor cordial do sentimento purificado e a abdicação aos bens
transitórios do mundo, vividos pelo frade Francisco de Assis, reativaram novamente a força
coesiva e poderosa que cimentou as bases do Cristianismo nas atividades singelas de
pescadores, camponeses, publicanos e gente de mau viver. Na comunidade da própria Igreja
Católica, transformada em museu de granito e mármore, cultuando as quinquilharias de ouro
e prata entre a púrpura e o veludo dos sacerdotes, o Alto situou Francisco de Assis,
convidando todos os eclesiásticos à volta do Cristo-Jesus da simplicidade, da renúncia e do
amor. Infelizmente, só alguns raros espíritos que mourejavam no seio do Catolicismo
entenderam o divino chamamento e, realmente, passaram a viver os preceitos puros do
Cristianismo nascido à beira do mar da Galiléia.
No entanto, imaginai Jesus tentando alicerçar sua mensagem deísta entre a
versatilidade dos deuses pagãos da Grécia, dos povos bárbaros da Germânia, dos fanáticos
da Gália, dos espanhóis agressivos, dos selvagens da África, dos feiticeiros da Caldéia ou das
castas orgulhosas da índia massacrando o pária infeliz! Sem dúvida, o Mestre fracassaria
atuando no seio dessas multidões rústicas, fanáticas, irascíveis e politeístas, que se dividiam
em castas de sacerdotes e párias, escravos e senhores, além do seu culto aos deuses protetores
das mais variadas paixões do mundo.
Aliás, convém não esquecer que Paulo de Tarso, depois que Jesus já tinha sido
crucificado, foi alvo de risotas e zombarias, quando tentou pregar entre os gregos altamente
intelectualizados alguma coisa do Evangelho.
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Egito, onde tremulavam as águias de Roma. Só o povo de Israel realmente seria capaz de
realçar a figura angélica de Jesus, no cenário do Mundo.
PERGUNTA: — Mas a força espiritual de Jesus não seria suficiente para ele
vencer todos os óbices encontrados no ambiente físico em que devesse encarnar-se?
RAMATÍS: — Se bastasse somente a força espiritual de Jesus para afastar todas
as dificuldades naturais do mundo físico, é evidente que ele também não precisaria encarnar-
se na Terra para esclarecer "pessoalmente" o homem, pois isso poderia ser feito do próprio
mundo invisível e só em Espírito. Para servir à humanidade encarnada Jesus necessitou mobi-
lizar os mesmos recursos dos demais homens e honestamente enfrentar as mesmas
dificuldades. Embora se compreenda que o gênio já existe na intimidade do pintor excelso ou
do compositor incomum, o certo é que o primeiro precisa de pincéis e tintas e o segundo, de
instrumentação musical para, então, darem forma concreta às suas criações mentais.
Jesus também era um gênio, um sábio e um anjo em espírito, mas precisou exilar-se na
matéria para entregar pessoalmente a sua mensagem de salvação do homem. Em
conseqüência, serviu-se de instrumentação carnal apropriada e enfrentou os óbices naturais
do mundo físico para realizar sua tarefa de esclarecimento espiritual. Ele só dispunha do curto
prazo de 33 anos para cumprir sua tarefa messiânica, como o sintetizador de todos os
instrumentos espirituais que o haviam antecedido. Sua obra exigia uma conformação absoluta
ao gênero humano e um exemplo pessoal incomum, sem gozar de privilégios
extemporâneos do mundo invisível, que depois enfraquecessem as convicções dos seus
discípulos ou produzisse o milagre que gera a superstição.
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para o amor a Brahma, e Buda, peregrinando pela Ásia, aconselhou a purificação da mente
pela luz do coração.
Todas as encarnações desses instrutores espirituais precederam Jesus no tempo certo e
obedecendo a um programa evolutivo delineado pelo Alto. Eles amenizaram paixões,
fundiram crenças, fortaleceram a mente terrena, aposentaram deuses epicuristas, propuseram
deveres e prepararam a humanidade para fazer jus à crença em um só Deus e a disciplinar-se
por um só Código Moral do mundo, o qual seria o Evangelho. Malgrado cada povo interprete
a idéia da Divindade conforme o seu critério e a tradição de sua raça, o certo é que todos os
missionários do Espírito descido à Terra só tinham um objetivo: pregar a compreensão de
um só Deus. A humanidade pouco a pouco apercebe-se de que na essência dos vocábulos de
cada raça a idéia unitária de Deus é sempre a mesma, quer o chamem de Má, Tupã,
Jeová, Zâmbi, Rã, Foco Criador, Absoluto, Parabrahin, Senhor dos Mundos, Energia
Universal, Grande Espírito ou Motor Imóvel.
Conseqüentemente, Jesus também baixou à Terra no tempo exato para sintetizar os
ensinamentos dos seus predecessores e a época dessa necessidade espiritual foi exatamente há
dois mil anos.
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aqueciam os pés e os calçados dos transeuntes, os quais suavam envoltos nos seus trajes
pitorescos.
Em Jerusalém crescia a azáfama das cidades asiáticas; ali misturavam-se a sujeira das
ruas, os excrementos dos animais e a exalação do péssimo esgoto mal distribuído. Os mercados
estabelecidos pela prefeitura faziam rebuliço e entravam em rixa com os vendeiros
ambulantes, disputando fregueses para a compra de peixe, de cerâmica, de tecido, hortaliças ou
quinquilharias. A confusão e os gritos recrudesciam ante as súplicas obstinadas dos mendigos
e enfermos, próprios dos grandes ajuntamentos de criaturas. A cidade oferecia um aspecto
árido e desagradável para um espírito do quilate de Jesus; e jamais ele poderia aquecer ali os
sonhos e os ideais acalentados desde a infância em Nazaré.
Embora o Alto tenha escolhido a Palestina como o local adequado para a missão de
Jesus, a beleza da Galiléia e a ternura de Nazaré serviram para alimentar-lhe a chama sublime
do seu Amor inesgotável a favor da humanidade.
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Jesus não trazia mensagem complexa, nem pedia investigação técnica e teórica para
enriquecer o intelecto, pois apregoava uma auto-realização singela e à luz do dia, através de
um trabalho lento, mas eficiente, do espírito libertar-se da matéria. A simplicidade, a fé, a
devoção, a humildade, a resignação, a pureza, a ternura, o perdão, a renúncia e o serviço ao
próximo eram coisas possíveis e realizáveis à face da Terra. E ninguém poderia zombar ou
descrer disso, porque o Mestre que ensinava era o exemplo vivo de suas próprias
recomendações. Não dizia Jesus comumente aos seus apóstolos: "Se ainda não compreendeis
as coisas da Terra, como quereis que vos fale só das coisas do céu?"
Ele era objetivo e suas parábolas versavam sobre coisas tangíveis e assuntos de bom-
senso, tais como a "semente da mostarda, os talentos enterrados, o fermento que leveda, o joio
e o trigo, o lobo e o cabrito, o bom samaritano, o filho pródigo, o tesouro escondido, o
mordomo infiel, o semeador ou o rico insensato".
Não era um judeu predicando para judeus, mas um representante da humanidade dos
céus, falando para todas as criaturas, porque sua linguagem até hoje é perfeitamente
entendível por todos os povos e raças. Não foi o vaso carnal da raça israelita que
condicionou o espírito de Jesus a uma ética ou temperamento peculiar ou lhe modelou a
maneira de ensinar, incentivado por características específicas de um povo. O seu Espírito
sublime é que iluminou a linhagem biológica do judeu.
1 — Opinião de Tácito.
2 — Nota do Revisor: - Essênios ou Terapeutas, cuja fraternidade perde suas raízes além das
civilizações já conhecidas. Em remota antigüidade, foram conhecidos como os profetas brancos, para
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os quais a reencarnação e a Lei do Carma eram assuntos familiares.
209
Capitulo 18
Aspectos da Jutíéia,
Galiléia e Nazaré no tempo de Jesus
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sobre as coisas mais fúteis escorchavam o povo escravizado. Tanto o tributo romano como o
religioso para o Templo eram obrigatórios, sendo severamente punidos aqueles que o
sonegassem. Ai de quem não pudesse cumprir sua dívida para com o fisco no prazo
compulsório! Ele perdia o seu burrico, sua vaca, seu carneiro, seu galináceo, seu vinhedo, seu
campo, sua palhoça ou sua lavoura. E quando nada mais possuía para cobrir o imposto
escorchante e impiedoso do fisco romano e do Sinédrio, então só lhe restava a prisão E, em
certos casos, o trabalho escravo até liquidação da dívida, e que não devia exceder de sete
anos.
É certo que cabia ao povo alguma culpa de tal situação, porquanto em face do seu
fanatismo e velha superstição religiosa, deixara-se explorar até ao ponto de se transformar
em matéria-prima de fácil especulação para os sacerdotes cúpidos que eram amparados pelos
romanos manhosos. O Procurador de Roma lograva as boas graças junto ao Sinédrio, porque
sempre lhe garantia a execução das bulas e dos decretos forjados pela avidez de lucros, mas
que não passavam de verdadeira pilhagem religiosa habilmente disfarçada como tributos
devocionais.
O interessante é que, apesar da evolução da idéia religiosa, do avanço da própria
ciência e da melhor compreensão da realidade espiritual, ainda hoje existem inúmeros
fiéis que contribuem para essa negociata tradicional do sacerdócio organizado, como seja a
que é mantida pelo Clero Romano moderno. Embora as oferendas religiosas ou taxas para
os templos de hoje sejam voluntárias, o negócio progride dia a dia.
Tal qual acontecia na Judéia no tempo de Jesus, hoje cobram-se nas Igrejas as taxas
para batismo, casamento, crisma, a missa das almas, do defunto ou da colação de grau.
Há um dízimo grande e pequeno dos festeiros, noveneiros ou paroquianos ausentes; o
arrendamento do altar ou banco cativo para as famílias afidalgadas. Ao lado do templo, a
livraria vende escapulários, santinhos, rosários e reli-guias abençoadas pelo sacerdote. A
organização progride, efetivando campanhas buliçosas para o novo "vitraux" ou a nova torre
da Igreja ou para a troca da coroa da santa padroeira do local. Arrecadam-se moedas
para ações sociais nos bairros pobres, requer-se ajuda para as procissões dramatizadas ou
transladações de imagens e congressos eucarísticos, que oneram os próprios cofres públicos.
Raras autoridades públicas deixam de sancionar pesadas subvenções para a construção de
luxuoso templo como futuro patrimônio estético da cidade ou, então, para edificarem
seminários de sacerdotes ou de palácios episcopais.
Por conseguinte, não vos é difícil avaliar o que acontecia na Palestina no tempo de
Jesus, quando o Clero Judaico possuía enorme influência sobre o povo e mesmo sobre a
autoridade romana, abastecendo suas arcas mediante pesados impostos e tributos para
manter a classe parasitária. Hoje, embora sem a mesma força de outrora e contando apenas
com a capacidade de doutrinar e influir sobre os crentes para auferir a renda necessária, o
Clero Católico canaliza para o Vaticano rendas tão fabulosas quando o fazia o Sinédrio,
no tempo de Jesus. Não há dúvida de que muitos daqueles sacerdotes cúpidos, hebreus, hoje
vivem reencarnados na figura de certos eclesiásticos a serviço do Catolicismo Romano.
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temperamentos tão contraditórios entre esses diversos tipos, tal qual já acontecia em toda
a Palestina, também provocavam discórdias, rixas e discussões, próprias da avareza e avidez
de lucros nas suas especulações e negociatas. Isso fazia da Galiléia um mundículo bulhento,
cúpido e inquieto, cujos desentendimentos nasciam das coisas mais fúteis e pelas razões mais
tolas.
A freqüência de rabis, que peregrinavam comumente pela Judéia e demais
províncias da Palestina, em que alguns se obstinavam em interpretar a seu modo as leis e os
preceitos do Torá, concorria ainda mais para acirrar os ânimos e agravar as opiniões tão
contraditórias sobre a religião. O afluxo contínuo de especuladores, charlatães, mercadores,
camelôs e gente sem trabalho, que procuravam fixar-se na Judéia, sempre favorável para os
bons negócios e especulações religiosas, também aumentava, dia a dia, as rixas, as discórdias
e as injúrias, criando as situações mais incômodas e desagradáveis para as autoridades
locais.
Mas, acima desse espírito belicoso da diversidade de raças, os galileus eram
hospedeiros, sinceros e bons, pois não guardavam ressentimento algum entre si. Nas suas
contendas religiosas, embora ruidosas, jamais eles desciam à baixeza de espírito, ao fanatismo
e às asperezas do caráter e das sedições religiosas tão comuns entre os fariseus e saduceus de
Jerusalém. O Sinédrio zombava da devoção ingênua do povo da Galiléia, ria-se de sua
simplicidade e de sua incapacidade para afeiçoar-se às pompas, ao culto ostensivo e às
cerimônias religiosas. As virtudes dos galileus, que tanto emolduraram o trabalho de Jesus na
fase iniciática de sua pregação da "Boa Nova", eram consideradas peculiaridades próprias de
um povo atrasado, tolo e incapaz.
No entanto, já Isaías profetizara no Velho Testamento que a Galiléia dos gentios seria
bafejada pela luz do Senhor, embora os pósteros depois glosassem o provérbio de que "não
podia vir boa coisa e bom profeta da Galiléia".
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alternados com as figueiras pejadas de frutos de caldo doce e os limoeiros de cheiro
penetrante. De vez em quando, por entre as árvores frutíferas pintalgavam as pequenas
romãzeiras carregadas de romãs de bagos encarnados e sumarentos; ou então, pendiam
das cerejeiras os cachos de cerejas carnudas e vermelhas.
Ao redor da cidade de Nazaré, formando caprichoso cinturão, esparramavam-se as
casas de madeira de lei, construídas principalmente de cedro de Líbano que se misturavam às
cabanas bem feitas e às palhoças de barro batido, cobertas com folhas de palmeiras. À
margem das estradas principais, sempre povoadas de caravaneiros, rabis, mercadores,
soldados, coletores e povos de todas as raças, bons galileus haviam construído poços d'água e
ranchos com forragem e feno frescos para os animais cansados. As hospedarias, embora
remuneradas, eram acessíveis ao bolso de todos os viandantes, pois a qualquer hora os
retardatários encontravam bom caldo de peixe, sopa suculenta de hortaliças com muito alho e
cebola, carne assada, farinha cheirosa para o pirão de peixe seco ou salgado, pão de trigo ou
de centeio, fresco e saboroso, além das travessas com a fartura de saladas de legumes regados
com o melhor azeite do lugar. Sobre as mesas, a bilha de vinho exalava o odor da uva
madura; à sobremesa, em geral, havia figos melosos e macios, pêssegos aveludados ou
tâmaras de Jericó.
Os viajores também encontravam, junto à estrada, o seleiro para ajustar os arreios, o
ferreiro para ferrar os animais, o carpinteiro que consertava as charruas e outras viaturas.
Havia também pequenas indústrias e artesanatos, que vendiam pás, enxadas, ancinhos, cochos
e mós para a moenda de trigo; ripas, sarrafos e tábuas para a construção; bilhas, odres,
vasos e apetrechos de cerâmica, feitos com arte e gosto. Era fácil encontrar o tecelão, cuja
família inteira o ajudava entre o pó dos teares, fazendo desde o pano simples para o lençol, o
de ramagens para a túnica ou a veste, o tapete pequeno para a entrada, ou o toldo berrante
para a cobertura de mercadorias ou de proteção contra o sol. Havia ainda chinelas recortadas
de veludo, com florinhas de cetim, feitas para uso doméstico; outras eram de cordas, trançadas
de cerda ou de couro, com sola de madeira muito própria para o serviço externo. Nas
proximidades das cidades crescia o mercado de flores de papel e de cetim, de panos bordados
com fios de Sidon. Havia ainda colares trazidos do Egito e da Etiópia, bolsas de veludo e de
seda; tecido de púrpura, tachos e panelas de cobre das fundições de Tiro, onde os escravos se
consumiam na tortura do trabalho impiedoso. Os óleos aromáticos, as ervas cheirosas, a
mirra, o incenso e os filtros amorosos da índia eram apregoados pelos camelôs bulhentos.
Assim era a província de Nazaré, com o seu cenário encantador e buliçoso, que depois
serviria para hospedar o mais excelso dos hóspedes — Jesus, o Sublime Peregrino.
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se a enxerga do descanso noturno ou a indefectível esteira enrolada, junto à parede, à espera do
hóspede retardatário.
Aliás, o clima ameno e estável da Galiléia dispensava a necessidade de se construir casas
complicadas ou dispor-se de recursos protetores mais adequados às regiões tristes e chuvosas.
Em Nazaré havia um sossego perpétuo e próprio de uma natureza encantadora e favorável à
colheita, à floração primaveril e à própria vida humana. As tardes ensolaradas, sob o bafejo da
aragem fragrante que subia das encostas pejadas de frutos perfumados, eram um doce convite
ao descanso eufórico e à contemplatividade, virtudes que Jesus sempre revelou na sua
peregrinação messiânica. O sol festivo, a paisagem formosa e o vento perfumado, cheio de afa-
gos e blandícias, predispunham as criaturas para um desprendimento espiritual. Sob tal
sugestão poética, os bons sentimentos emergiam da alma, fazendo as criaturas esquecerem-se
das mágoas cotidianas e das vicissitudes comuns.
Nazaré, como um pedaço do céu entrevisto pela ponte levantada de uma cortina
sideral, não acicatava a ira, a decepção, a avidez, o egoísmo e a vaidade dos homens; dei-
xava-os satisfeitos e serenos, ante essa dádiva tão generosa da Natureza. Era uma
sugestão edênica incessante, que despertava nos galileus o espírito de hospedagem, a afabilida-
de, a franqueza, a sinceridade, o serviço fraterno e o interesse para atender às dores e às
preocupações do próximo.
O céu claríssimo, com reflexos esmeraldinos sobre o azul celeste banhado pelo sol
rutilante, manchava de róseo-lilás e ouro luzente a crista dos montes rendilhados de neve.
Nazaré, sob essa fartura de luz e cores, parecia encantadora pomba pousada entre a vegetação e
as flores fascinantes, cujo ninho era formado pela concavidade das montanhas serenas da
Galiléia. No fundo dos quintais das residências judaicas, as palmeiras agitavam os ramos
verdes, fazendo acenos de amizade aos viandantes recém-chegados. As palmeiras eram as
árvores que faziam parte integrante da vida dos judeus, sob cuja sombra eles consumiam a
maior parte de sua existência. Ali trabalhavam, bordavam, estudavam e faziam suas refeições,
inclusive suas orações em dias de festas e de graças.
Os judeus mais prósperos tinham bom gosto; apreciavam os jardins bem cultivados e
faziam disso um motivo de espairecimento espiritual. Em geral, os caminhos ajardinados
abriam-se entre os canteiros de papoulas sangüíneas, semelhantes a braseiros de fogo vivo. Em
seguida, vinham os tabuleiros de flores de todas as espécies. Havia narcisos, jacintos azuis, íris
roxos, cravos brancos, róseos e vermelhos. As rosas, de todas as cores e formas,
desabrochavam majestosas, vivendo muito tempo sob um clima tão generoso. As trepadeiras,
em cordões floridos, subiam pelos muros e delas pendiam minúsculas campânulas de cor lilás,
safirina e de um branco níveo e veludoso, todo tarjado de azul-violáceo ou, então, balouçavam
cachos de flores semelhantes a brincos cor de rubi, delicados sinos miúdos, botões opalinos ou
florinhas brancas como chávenas de chá, que se agitavam sob a brisa refrescante, espargiam o
seu pólen dourado. Nazaré era um verdadeiro festival de cores, emoldurando o casario branco,
tecendo mantilhas rendilhadas sobre o fundo verde dos arbustos.
Já dissemos que os moradores de Nazaré não se preocupavam com os enfeites
artificiais e ornamentações exteriores nas casas e ruas. No entanto, isso não era propria -
mente fruto de um descaso ou mau gosto, mas a culpa se devia à própria paisagem local,
cuja beleza natural substituía qualquer empreendimento humano. Os galileus, enfim,
desistiam de competir com essa natureza tão esplêndida e formosa, certos de que não
poderiam retratar, pelos enfeites rígidos da pedra impassível, o encanto do cenário embebido
de luz, a cor misteriosa das papoulas, dos cravos, jacintos, narcisos e a brancura imaculada
dos lírios, nem o odor fragrante dos pessegueiros, das cerejeiras, dos limoeiros em flor.
Jamais algum homem poderia copiar o azul-violeta das colinas, o verde macio e doce das
planícies e a fascinante serpente prateada do Jordão bordejando tranqüilo entre musgos e
arbustos./
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A poesia atingia ali o seu mais alto nível de estesia espiritual. As planícies que se
estendiam depois da cidade beirando as encostas dos morros, animavam-se com o mover
das ovelhas pontilhando de manchas brancas o tapete verdejante. As lavadeiras faziam
bulício às margens dos regatos cristalinos e das fontes adormecidas sob as árvores; a
rouparia colorida dançava nos arames lembrando cortejos multicores. O riso cristalino das
crianças rolando, encosta abaixo, entre divertidos brinquedos com os cabritos saltitantes,
misturava-se ao cântico dos jovens colhendo o mel ou moendo a uva. Mesmo o cinturão de
pó cor de tijolo das estradas, parecia um colchão macio onde os burricos metiam os
cascos./As abelhas e borboletas voavam em enxames rutilantes sobre o fogaréu das
papoulas vermelhas. Bandos de pássaros de todos os tipos faziam revoadas rasteiras sobre
os cinturões de margaridas que emergiam à beira dos lagos e das fontes de água, onde os
animais se dessedentavam. À sombra das árvores copadas, os animais de pequeno porte
descansavam num repouso feliz e os frutos miúdos, como as amoras roxas e vermelhas,
caíam-lhes no
dorso, dando ensejo a que algum pássaro mais ousado viesse buscá-los, quebrando-lhe
a sonolência.
Do alto dos montes de toda a Galiléia, o viandante sentia-se comovido em face do
cenário espetacular que se descortinava até as fímbrias do horizonte. O céu derramava
suas luzes sobre as estradas, lagos, rios, casas, choupanas e bosques, onde a gente, as aves, as
crianças, os animais e os insetos se moviam em todas as direções, num pacto amigo, jubiloso,
de alegria buliçosa e contagiante.
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CAPITULO 19
Jesus e Maria de Magdala
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PERGUNTA: — Mas conhecemos obras que apontavam Maria Madalena
como a paixão humana de Jesus, e que ela também o amou fisicamente.
RAMATÍS: — Como vo-lo dissemos, Maria de Magdala, tendo ouvido falar dos
atributos santificados de Jesus, quis divertir-se e desafiá-lo com sua beleza provocante, certa
de comprometer com a paixão física o rabi famoso por suas virtudes. Tendo encontrado o
Mestre numa das tradicionais assembléias públicas, ou também conhecidas por sinagogas,
perto do lago Tiberíades, em que os presentes podiam consultar ou interrogar os rabinos que
as dirigiam, chamou-lhe a atenção com perguntas insistentes, enquanto o fitava pro-
vocantemente, tentando confundi-lo na sua prédica. É verdade que Maria de Magdala chegou
mesmo a despertar uma afeição extrema em Jesus, e se percebia nele um prazer muito
humano ao tornar a vê-Ia.
No entanto, jamais Jesus amou fisicamente Maria de Magdala, pois o seu porte moral
e sua fidelidade à obra cristã, que era o seu sonho dourado no mundo, afastavam-no de
qualquer objetivo vulgar do mundo. Não há dúvida de que ele não tardou a perceber que ela
fora vítima de sua própria imprudência, pois passara a amá-lo desesperada e ardentemente.
Mas Jesus decidiu-se a vencer aquele amor tão tentador e salvá-la de sua vida impura e
delituosa, passando a tributar-lhe um afeto terno e paternal, que pouco a pouco deu-lhe força
espiritual, ajudando-a a vencer a paixão abrasadora em troca da ternura fraterna. Exausta da
falsidade dos seus mais ardentes admiradores, que apenas lhe cobiçavam os encantos
femininos e jamais lhe seriam tão nobres e desprendidos como Jesus, ela não podia suster o
seu recalque abrasador de criatura humana, ainda incapaz de sentir as emoções superiores
do reino imponderável do espírito. Mas essa paixão menos digna, dos primeiros dias, não
tardou a transformar-se no mais puro sentimento de idolatria espiritual, convertendo-a,
incondicionalmente, ao messianismo redentor da obra cristã.
Jesus, entidade que já havia superado a ilusão da forma humana, cuja descida à Terra
lhe custara imenso sacrifício espiritual, jamais poderia se comover ou se fascinar pela
beleza e pelos encantos físicos de qualquer mulher, que ele não considerava além de uma
irmã digna de ser venturosa. A vida material não lhe despertava qualquer impressão ou
desejo anormal porque, através das coisas do mundo físico, ele só vislumbrava o espírito
eterno que a sustinha. A criatura mais bela, diante dele era apenas um maquinário vivo, cujas
peças constituídas de átomos, moléculas e células, só eram dignas de um exame técnico e não
cobiçoso. Cada homem e cada mulher não passavam de instrumentação provisória atuando
momentaneamente no mundo material, a fim de o espírito apurar a sua sensibilidade psíquica
e desenvolver a consciência eterna. Espírito "auto-realizado", senhor de toda a trama da
existência física e do planejamento espiritual do Espaço, jamais o seu coração sacudiu-se sob
a intempestividade da paixão humana, pois, como disse Buda,"a paixão é como a flor que se
entreabre pela manhã e murcha à tarde".
Maria de Magdala não poderia induzir Jesus a uma paixão transitória da carne, pois
em sua inconfundível honestidade, jamais ele cederia em doar o seu amor puro e piedoso para
uns e menos para outros. A sua família e seus amigos, discípulos, adversários, pecadores,
algozes e traidores, ele os reuniu, mais tarde, em espírito, no alto da cruz, identificando todos
numa só frase, em que resumiu o seu mais veemente sentimento espiritual de ternura para
com o gênero humano, assim se expressando: "Pai! Perdoai-lhes, pois eles não sabem o que
fazem!"
Maria Madalena, espírito inteligente, culto e sensível, não tardou em perceber que,
em face da natureza angélica de Jesus, não havia combustível no seu coração que pudes se
alimentar aquela paixão de natureza carnal. Por isso, num esforço heróico de renúncia
absoluta, ela sufocou os brados apaixonados do seu coração e sublimou-os, queimando-os no
fogo do sacrifício e da abnegação fraterna, passando a devotar o Mestre e esquecendo o
136
homem.
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Galiléia um homem perfeitamente realizado em espírito e comprovado por uma vida santificada,
Maria de Magdala abriu sua alma feliz e radiosa como a flor sob o sol amigo, pois não era
uma impura congênita nem havia nascido para a corrupção humana, mas apenas
mulher frustrada pelas circunstâncias adversas.
Sem qualquer hesitação, renunciou à fortuna, fez doação de seus bens aos infelizes,
velou o aspecto estonteante de sua plástica tentadora, cobrindo o corpo com as vestes humildes
de mulher simples e pobre.
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porque se tratava de entidade amiga de Jesus, de vidas pretéritas e situada também no
esquema do Cristianismo. Cumpriu-lhe não só cooperar na obra cristã, como liderar as
mulheres que deram o cunho afetivo, a ternura, poesia e renúncia na divulgação dos princí -
pios libertadores do rabi da Galiléia. No entanto, os trevosos rejubilaram-se ao confundir o
amor espiritual de Madalena por Jesus, com um impacto de paixão ardente da carne, pois ainda
ignoravam que o sentimento dela expluía como a seiva da planta agreste alimentando a muda da flor superior.
Acreditavam que Jesus se abalaria pela presença fascinante da famosa cortesã junto dele, pois, realmente,
Maria de Magdala era irresistível e seu nome vibrava até nos mais longínquos lugares da Judéia. Os agentes
das Sombras consideravam que Jesus havia resistido à paixão de mulheres mais dignas, porque eram
inexperientes, mas teria de ceder e enfraquecer a obra pelo escândalo de uma paixão ilicita.
Em verdade, eles desconheciam a capacidade de renúncia e a fé do espírito decidido de Maria de
Magdala, motivo por que sofreram amarga decepção ante o equívoco de sua sortida. Contrariando os
prognósticos dos demolidores do Cristianismo, eis que ela ainda deu mais ênfase à obra cristã, transformando-
se num estímulo e na convergência do sentimento de todas as mulheres sequiosas de renovação moral. Inverte-
ram-se os pólos da malignidade, porque Madalena ressurgiu do charco para a luminosidade da graça de
Jesus.
Jesus, o divino Mestre, não lhe significou somente o oásis amigo em que pôde mitigar a sede de afeto
puro e sobreviver ao terrível naufrágio espiritual, porém, algo mais sério e grave lhe acusava no íntimo a
necessidade urgente de sua recuperação. Jesus foi o poderoso catalisador que lhe dinamizou as forças
superiores e ajudou-a a vencer o jugo perigoso das paixões humanas, mas ela sentiu também que algo naquela
obra redentora lhe cabia fazer, ainda que com o sacrifício da própria vida. Saturada do sabor amargo das
desilusões mundanas e sentindo o fel trevoso minando-lhe a contextura espiritual, então, entregou-se escrava
do amor de Jesus, devotando-se incondicionalmente à obra que ele realizava.
O Mestre Divino, por sua vez, pela sua capacidade retentiva e intuição superior, pressentiu que
Maria de Magdala estava intimamente ligada à sua obra messiânica, porque reconheceu tratar-se de um
reencontro amigo na face da Terra. Realmente, ele havia trocado idéias com ela ainda no mundo espiritual,
antes de ingressar nos fluidos do orbe físico, prometendo convocá-la no momento oportuno e ajudá-la na sua
tarefa adstrita ao Cristianismo. Em conseqüência, o comando das Trevas sentiu-se completamente
decepcionado e desarmado na sua pertinácia de ferir o evento cristão, após verificar o fracasso do seu
programa perturbador e confundir o afeto puro entre Jesus e Madalena, o qual ainda deu mais força espiritual
ao fundamento sadio do Cristianismo.
139
CAPÍTULO 20
140
jamais poderia desviá-lo do rumo heróico e redentor. Apercebeu-se, enfim, de que o filho era
um jovem diferente dos demais moços de sua época. As excentricidades e a rebeldia de Jesus
em sua infância passaram a ser compreendidas como a manifestação singular de um
temperamento indomável e severo, porém, temo e tolerante na mocidade.
José não era espírito bronco e insensível à verdadeira natureza de seu filho Jesus, pois
sondou-lhe todos os desígnios e procurou conhecer-lhe o seu ideal sublime, que o movia
no mundo, estritamente em favor da ventura espiritual dos homens. Assim, fez-se mais íntimo
do filho e tornou-se seu confidente fiel, afeiçoando-se, cada vez mais, aos seus propósitos em
redimir a humanidade e oferecer a própria vida na consecução de tal evento.
José também amava o próximo e sentir-se-ia feliz em servir o Senhor em qualquer
empreitada espiritual. No entanto, sob a força emotiva do amor paterno, ele sofria ao
verificar que Jesus, um prolongamento do seu sangue e de sua carne, era um moço que
abandonava tudo no mundo, inclusive a composição de um lar afetivo e justo a que tinha
direito todo o ser humano. Tantas criaturas haviam beneficiado o mundo e não se isolaram da
família e dos preceitos da vida em comum.
Inúmeras vezes, José via Jesus silencioso e meditativo, .recostado nos moirões da
cerca ou apoiado sobre as vigas de madeira da carpintaria. Porém, o suor que se notava em seu
rosto, a respiração opressa e o seu olhar febril, traíam os pensamentos inusitados que lhe
ardiam na mente. E quando ele cerrava os olhos em atitude de profunda meditação, seu
corpo estremecia por efeito de uma angústia íntima, num movimento aflitivo, semelhante
ao da ave que está impedida de subir às alturas no seu vôo sem limites.
141
José mantinha-se silencioso, indeciso, pois receava magoar Jesus.
— Mas, que alimentas em tua alma, que te faz tão diferente dos demais jovens? —
indagou corajosamente.
— Nenhuma flor, nem o ouro, nem o calor da paixão humana aceleram o meu
coração ou encantam minha alma!
— redarguiu Jesus, num gesto eloqüente, mas absorto num mundo irreal. E num
longo suspiro, entrecerrando os olhos, desabafou com certa veemência:
— Vivo somente o anseio de clarear o caminho dessa pobre humanidade, que está
mergulhada num charco de misérias que são a sua própria infelicidade.
— Mas que pode fazer um homem como tu, para transformar os sentimentos dos
outros homens e modificar os costumes da humanidade? — insistiu José, inconformado.
Então Jesus foi dominado por algo estranho, sua voz vibrava altiloqüente, como se
viesse realmente de um ser invisível, porém, mais real do que o próprio mundo das formas.
— Que importância é viver, se, para contentar os desejos insaciáveis do meu
corpo, preciso esmagar os anseios da minha alma? Que sentido tem a vida, quando
consumida entre os prazeres medíocres e transitórios da carne na implacável caminhada para
o túmulo?
José estremeceu, um tanto confuso.
— Meu filho! Essa é a razão da vida humana e deve ser da vontade do próprio
Jeová que ela assim seja! — observou-lhe, convincente.
Jesus fitou o pai. Apesar da gravidade espiritual de sua fisionomia, ele não escondeu
um sorriso meigo:
— Pai! O boi, o carneiro, o cabrito e o camelo não vivem também a vontade de
Jeová? Mas nós raciocinamos, não é assim? — E acrescentou:
— Que faz o boi, o carneiro, o cabrito e o camelo? Apenas dormem, digerem,
procriam, atendendo às suas necessidades físicas! O seu mundo é produto dos instintos que os
impelem para a satisfação da sua via animal. — E pousando, de leve, a mão na testa de
José e, em seguida, na sua própria fonte, acrescentou, gravemente: — Tu pensas; eu penso.
Existimos além de nossos sentidos físicos. Muito além dos fenômenos transitórios do
corpo. Em nossos próprios ombros, Jeová colocou o arbítrio de optarmos pelos ideais
superiores da alma ou nos escravizarmos aos tesouros, aos bens que as traças comem, a
ferrugem rói e os ladrões roubam. Entendes, pai?
José parecia fatigado ao acompanhar Jesus nos seus altos vôos filosóficos. No
entanto, era um espírito envelhecido e experimentado no curso doloroso e educativo das vidas
planetárias. Por isso, se não o entendia na consciência física, sentia-o no âmago da sua
alma, pois a verdade inconfundível que fluía das palavras eloqüentes de seu filho eram um
fogo perene que lembrava as chamas do sacrifício religioso e possuíam vibrações de alta
inspiração. Algo de misterioso havia sido ateado em sua própria alma. Estranha suavidade
envolveu-o num instante e parecia ouvir melodias desconhecidas sob um halo de diáfano
perfume. Sua mente ficara vitalizada por uma energia deslumbrante e que lhe dava uma
percepção mais ampla da vida e das coisas. O coração ficara confortado e doce brisa
balsamiza-lhe a alma. Porém, pouco a pouco delineou-se o cenário triste do mundo de formas
pesadas e obscuras. Então, à sua frente, descortinou a figura de seu filho Jesus; mas, de súbito,
estranha emoção invadiu-lhe o coração e sua alma entreviu, na memória espiritual, o quadro do
Calvário, embora sem poder defini-lo em sua consciencia física. Foi o terrível pressentimento, a
lembrança estigmatizada de antes de encarnar-se na matéria e que agora assumia o vulto de
uma tremenda possibilidade.Pesaroso e aflito, exclamou:
Temo por ti, meu filho!
Jesus sorriu como se o tivesse compreendido em toda sua dor e presságio, mas era um
sorriso ascético, sublime e heróico, que encorajava, pois tinha um halo de beleza
142
impressionante.
— Jamais alguém se perde no seio de meu Pai, que está nos céus! — replicou ele,
apontando suavemente para o Alto. — Quem der sua vida pelo amor de Jeová, ganhá-la-á para
toda a eternidade!...
E num aceno afetuoso, como a tranqüilizar José, concluiu:
— Eu não me pertenço; mas é a vontade de meu Pai que age em mim e me guia!
Quem me deu a vida tirá-la-á assim que lhe aprouver.
Silenciosamente, encaminhou-se para a porta e voltando-se num último gesto afável e
cortês, exclamou num tom grave, emoldurado por um sorriso angélico:
— Que se cumpra em mim a vontade de meu Pai!
José achegou-se à janela de sua modesta habitação e seguiu com os olhos úmidos o
vulto majestoso de Jesus, caminhando lentamente entre os narcisos, íris e anêmonas, que
marginavam o caminho da fonte. O silêncio da tarde que se findava e a pureza da
atmosfera faziam vibrar os leves estalidos de suas sandálias sobre a areia miúda, que
refulgia sob os derradeiros raios do sol deitando-se no poente. O jovem Jesus caminhava
sobre a terra, mas a sua alma mergulhava no Infinito. A natureza, em torno dele, silenciosa e
quieta, parecia auscultar os seus pensamentos grandiosos ou as aflições crepitantes, que lhe
ardiam no coração. Ele subiu num pequeno outeiro, encimado por uma cúpula de pedras e
sentou-se ali, entre os tufos esverdeados, pontilhados de florinhas silvestres. Espraiou seu
olhar sublime sobre a planície verdejante, os bosques, os caminhos dos pastores e a estrada
que margeava o Jordão e depois rodeava o monte Tabor, onde mais tarde ele teria avançada
visão mediúnica do mundo espiritual. Ao longe, o mar da Galiléia brilhava, ondeando
lantejoulas faiscantes, que se fragmentavam ante os reflexos do sol. Os pescadores
preparavam as redes para a madrugada e as barcas manchavam a superfície da água com
tons coloridos, desde o índigo até ao amarelo-claro. A brisa cariciosa que descia das
encostas de Nazaré movia, de leve, os barcos miúdos e também agitava os cabelos sedosos
de Jesus.
Jesus cruzou as mãos sobre o peito e cerrou os olhos. Um longo suspiro de infinita
saudade fluiu de seu coração. O silêncio da tarde munificente de cores, perfume e poesia, o
céu tarjado de luz crepuscular descendo sobre a cabeleira verdejante dos ciprestes e dos
cedros esguios, acendia matizes de púrpura, ouro e rosa no formoso cenário da Galiléia
beijada pelo Sol da tarde. Lembrava talvez a paisagem sonhada por Jesus. Era a
moldura atraente e sugestiva amostra do Paraíso, fazendo brotar de sua alma a ternura, o
amor e a paz de espírito.
O Sublime Peregrino
Então, o Divino Amigo da humanidade se deixou deslizar, de leve, os joelhos em terra.
E recostado no suave outeiro de pedras e flores, de mãos postas, em atitude de prece, ergueu
os olhos para o alto e sua alma entreabriu-se para o Senhor, num angustioso apelo, onde a
volúpia do sacrifício confundia-se com o mais puro e exaltado Amor pelo gênero humano.
— Pai! Que a vossa vontade se cumpra em mim até a última gota do meu sangue!
Era o primeiro vislumbre consciente do seu holocausto no Calvário; intuição viva do
motivo principal de sua vida na matéria e que o arcanjo Gabriel, seu guia, aproveitou
naquele momento tão extasiante e de sintonia espiritual para sussurrar-lhe a proximidade
dos passos messiânicos. Daquele instante para a frente, definira-se um propósito e se projetara
o ideal que trazia do berço e lhe consumia a vida física. A "agulha" do seu coração apontava
para o Norte do Calvário e já não guardava dúvida de que sua obra exigiria o sacrifício de
sua vida em troca da salvação do homem.
No dia seguinte, quando ele desceu a encosta até às margens do Tiberíades, Pedro
aceitou-lhe o convite e largou as redes de pesca para segui-lo. Eram realmente os primeiros
passos da sua Paixão, no cumprimento da vontade do Senhor.
143
PERGUNTA: — Em face do seu elevado quilate angélico, Jesus não poderia
ter prescindido de qualquer sugestão alheia quanto à sua obra, inclusive de seu pai José?
Quer-nos parecer que ele sempre modelou os pensamentos e palavras mediante reflexões
pessoais. Estamos certos?
RAMATIS: — A Técnica Sideral protegeu o equipamento carnal de Jesus tanto
pela sua ascendência biológica, sadia, como pela cooperação e presença de José, pois até as
espécies florais mais delicadas requerem maiores cuidados do jardineiro, a fim de não
sofrerem afluxo demasiado da seiva agressiva do caule. José, espírito austero, digno e de
sentimentos elevados, graças à sua condição de pai carnal, protegeu e influenciou Jesus,
sensatamente, desde sua infância e nos primeiros anos de sua juventude. Mais tarde, o próprio
Jesus demonstrou a acuidade e a cautela hauridas de seu pai no intercâmbio entre os dois
mundos, quando advertiu aos seus discípulos: "Sede mansos como as pombas, porém
prudentes como as serpentes!"
Embora o corolário da obra de Jesus previsse o seu sacrifício na cruz, o Alto precisou
protegê-lo cuidadosamente para que não houvesse qualquer truncamento na sua missão
heróica, em favor da humanidade.
Eis por que o seu corpo carnal devia ser fruto de uma estirpe ancestral selecionada e
sadia, assim como o artista sensível e genial necessita de um instrumento superior para
executar com perfeição as encantadoras melodias. Seu organismo funcionava sob o mais
saudável equilíbrio "psicofísico". As suas angústias, inquietações ou fugas súbitas, que tanto
inquietavam Maria e José, eram fruto de uma tensão orgânica que exigia esforços heróicos
para o seu corpo acomodar-se ante o fabuloso potencial angélico, que lhe atuava nas mais
recônditas órbitas eletrônicas das células e nos interstícios da rede nervosa.
144
barbante.
Daí, pois, a escolha de José, da linhagem de Davi, para ser o pai do Messias, porquanto
era um dos rebentos mais sadios, herdeiro de uma ancestralidade sem mancha e sem trunca-
mentos biológicos. Além disso, a sua influência espiritual, como dissemos, serviu de
frenamento à empreitada prematura de Jesus na composição da mais sublime doutrina de rela-
ção entre a criatura e o seu Criador — o Cristianismo.
145
CAPÍTULO 21
146
uma doutrina que se ajusta ao anjo, ao selvagem, ao senhor, ao escravo, ao rico, ao pobre,
ao santo, ao criminoso, ao sábio e ao ignorante.
Há muitos séculos, os precursores de Jesus têm ensinado máximas semelhantes.
Porém, nenhum deles conseguiu consolidá-las em bases indestrutíveis no entendimento
comum de todos os homens. "Ama ao próximo como a ti mesmo" é sentença de fulgência
moral eterna, pois o seu sentido fraterno envolve toda humanidade. Jesus, portanto, fundou a
Religião definitiva ou a doutrina imutável da atualidade e do futuro; deu-nos o meio de
relações espirituais entre a criatura e o seu Criador, a qualquer momento e em qualquer
latitude geográfica. As contradições que ainda existem entre os religiosos que cultuam o
Cristianismo ou desmentem seus conceitos sublimes são frutos de interpretações pessoais e
especulações religiosas, que se distanciam da fonte iniciática por força de convicção fanática
ou presunção. Ninguém poderá "fundar" ou "inventar" outro credo mais sábio, justo e sadio do
que o Cristianismo, cujo alicerce, o Evangelho, é um Código divino que, através de seus
conceitos de alta moralidade, é um reflexo vivo das próprias leis do Cosmo. 2
O Cristianismo baseado nas fórmulas do Evangelho, imutável no tempo e no espaço,
dispensa que alguém lhe altere uma vírgula ou um til na sua estrutura doutrinária. Jesus, seu
fundador, deve ser considerado o mais elevado instrutor espiritual do orbe, acima de seus
precursores, embora estes sejam dignos do tributo devocional, visto terem-lhe preparado o
caminho messiânico. Embora o Budismo seja um movimento ético-religioso de elevado alcance
espiritual, falta-lhe aquela tonalidade da amplitude universal do Cristianismo. Enquanto, para
ser cristão dentro da ética pregada por Jesus, o homem de qualquer raça ou posição
social pode aceitar e viver os seus princípios, o Budismo está confinado a uma espécie de
limitação geográfica, a um temperamento de raça e gosto. Enquanto o oriental pode ser tão
cristão quanto o ocidental, o asiático será sempre um "melhor" budista do que o latino, o eslavo
ou o germânico.
147
existir e de pensar. A razão dá-lhe um sentido nítido da vida; tem a consciência do eu; porém
ainda engendra o egoísmo, a injustiça e a iniqüidade até descobrir que, acima do "eu inferior",
forjado no mundo transitório das formas, existe o Eu Superior, espiritual e eterno, portanto a
Verdade. E que, enquanto tudo é miséria no mundo de"Samsara",3 a Verdade proporciona a
paz de espírito depois que ele vence o erro e "mata" o desejo, alcançado o "Nirvana".4
148
heróico, puro e honesto na doação de sua vida ao próximo, como o fez Jesus.
Os iluminados que antecederam Jesus quase sempre foram de aspectos vigorosos e
tipos bem nutridos, que pregaram a sabedoria com certo otimismo espiritual, sem muitas
hostilizações do meio e dos homens, ao passo que o Mestre Galileu atravessou sua época
qual junco batido pelos ventos gélidos das ingratidões humanas. Ele era um perfil delicado,
tipo de anjo semifebril e angustiado no exílio terreno, a refletir em seu olhar as dores do
mundo, a ignorância, a hipocrisia e a maldade dos homens. Diz a biografia de Buda que ele
caiu em meditação e expirou tranqüilamente, depois de ter dito: "A destruição é inerente ao
todo composto; porém a Verdade durará sempiternamente. Trabalhai com afinco por
vossa libertação!" Jesus, no entanto, expirou na cruz, entre dores e sofrimentos acerbos,
mas reunindo suas forças derradeiras e malgrado ser a vítima inocente da maldade humana
no arremate de uma existência de incondicional amor aos homens, expressou-se assim: "Pai!
Perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem!"
Em verdade, ele carregou nos ombros o fardo das mazelas humanas, enquanto a
maioria dos gênios, sábios e santos tecia suas mensagens libertadoras no silêncio amigo do lar,
no refúgio da Natureza ou no ambiente inspirativo dos conventos e das instituições
fraternistas. Jesus gravou suas idéias e pensamentos ao vivo, dia a dia, minuto a minuto, sob o
sol ardente, sob a chuva copiosa ou na terra escaldante; junto aos mendigos, prostitutas e
publicanos; entre leprosos, chagados e loucos. Os pobres, os miseráveis e os desesperançados
foram a argamassa de sua edificação espiritual.
Indiscutivelmente, o Mestre Jesus foi o Espírito de maior quilate jamais
pousado na Terra, pois desde o seu nascer até morrer, ele viveu exclusivamente a idéia
crística, representativa da Verdade e da Vontade do Pai.
Jesus, tendo sido o sintetizador do ensino desses precursores, não veio, pois, criar
coisas novas ou destruir coisas velhas, mas simplesmente consolidar o velho e puro ensina-
mento sempre latente na tradição religiosa dos templos. No próprio Sermão da Montanha ele o
confirma, lembrando que não viera destruir os profetas, mas confirmar o que eles haviam dito.
Isto quer dizer que seus ensinamentos devem ser aceitos incondicionalmente, despidos de vícios,
de distorções, de dogmas, de prescrições ou de liturgias, pois representam uma libertação
completa do modo de pensar e de viver.
É óbvio que tudo o que já haviam dito Manu, Antúlio, Numu, Orfeu, Hermes, Rama,
Zoroastro, Krishna, Buda, FoHi, Lao-Tse, Confúcio, Moisés, Pitágoras, Platão, Sócrates ou
Maomé, ele o fez protestando veementemente contra os aparatos cerimoniais e o exaustivo
simbolismo, que sufocam a beleza pura do ensino doado pelo Alto. Seu olhar espraiou-se pelo
mundo e mergulhou no passado, verificando, com tristeza, que a sementeira generosa do
ensinamento divino era sempre asfixiada pelos homens com o luxo nababesco dos santuários
faustosos e dos sacerdotes que viviam da idolatria de todos os tempos. O seu Evangelho está
implicitamente exemplificado no seu modo de amar e de viver. Aquele contínuo silêncio e o
seu estoicismo ante a inutilidade de reagir contra a estupidez humana falam-nos com mais
força do que a multiplicidade de palavras sentenciosas que lhe quiseram atribuir, copiando-as
da boca de outros iniciados menores. A força eterna de Jesus — já o dissemos — situa-se
fundamentalmente na sua incondicional proteção à pobreza, à desgraça, à infelicidade
humana. Basta isso para reavivar-lhe novamente a beleza crística, pois o mundo desgraçado
de hoje já compreendeu que só o Amor de Jesus o salvará!
149
espiritista há os kardecistas, redentoristas, ecléticos, mediunistas, neo-espíritas; e a própria
Teosofia e a Rosa-Cruz cindiram-se em outros movimentos separados.
251
2 — A esse respeito, Ramatís está ditando-nos a obra "O Evangelho à Luz do Cosmo",
na qual estuda o cientificismo das máximas e dos conceitos do Evangelho.
150
CAPÍTULO 22
PERGUNTA: — Que nos dizzeis do modo como Jesus fazia suas pregações ao
povo?
RAMATÍS: — Jesus fascinava as multidões em suas pregações formosas e fluentes,
pois era criatura sem afetações e não usava de quaisquer artificialismos para ressaltar sua
oratória. Jamais se preocupava em impressionar o auditório pela eloqüência rebuscada, como
é muito comum entre os oradores do mundo profano. A essência espiritual de suas palavras
provocava uma alegria suave e consoladora em todos os que o ouviam. Não prelecionava
em altos brados, nem dramatizava acontecimentos; jamais sacrificava o conteúdo singelo das
suas lições para ressaltar-se na figura de um admirável orador. Exato, sem as minúcias que
exaurem os ouvintes, num punhado de vocábulos familiares expunha o esquema de uma
virtude ou a revelação de um estado de espírito angélico. E Jesus falava com naturalidade,
sem a proverbial altiloqüência que lhe emprestaram os evangelistas, como se estivesse no seio
aconselhador de um lar amigo. Sua voz doce e comunicativa extasiava os ouvintes; penetrava-
lhes na alma trazendo-lhes a efervescência espiritual.
151
carinho as aves e os animais, não se pejando de curvar-se para o solo e socorrer o réptil ou o
inseto venenoso, afastando-o do caminho onde seria fatalmente esmagado. Espontâneo e
sincero, indiferente à crítica e à opinião pública, os seus gestos, palavras e atos eram sem
afetação, refletindo claramente o seu espírito angélico, incapaz de qualquer sofisma ou
capciosidade.
As casas que Jesus freqüentava eram invadidas pela multidão vizinha. As criaturas
aglomeravam-se pelas portas e janelas, ávidas de ouvirem o rabi da Galiléia tecer suas for-
mosas parábolas de ensinamentos singelos e compreensíveis às próprias crianças. A Paz do
Senhor pousava no teto do lar onde ele pregava a "Boa Nova" de esperança e amor, que
comovia os corações mais empedernidos. As mães corriam a buscar seus filhos, pedindo ao
profeta de Nazaré que os tocasse, pois se dizia que sua bênção era um lenitivo para as dores e
preservação contra as doenças. Alguns curvavam-se à sua frente e rogavam contritos: "Benze-
me, Rabi, pois eu sofro!" Inúmeras vezes as, suas palavras ou apenas a sua augusta presença
eram suficientes para curar os enfermos imbuídos de intensa fé 1 ou provocava explosões
de remorsos, lamentos cruciantes e confissões de delitos conservados em sigilo. O Divino
Rabi pousava o seu olhar complacente sobre todos; aconselhava ladrões a devolverem suas
presas; mulheres duvidosas a se redimirem de seus pecados e criminosos endurecidos a
vencerem seus instintos cruéis. Fortalecia as virtudes nos bons e a conduta superior nos
regrados; infundia sua força angélica em todos, redimindo e incentivando transformações
morais que ateavam chamas de bom viver nas criaturas hesitantes, engrossando assim as
fileiras de sua corte messiânica.
152
frases e imagens que definiam suas idéias, enquanto os seus ouvintes estavam contagiados por
sublime emoção. Era imenso o poder verbal de Jesus, pois impressionava
profundamente as criaturas que lhe bebiam as palavras como um néctar dos deuses. Sua
voz era pausada, repleta de doçura e de uma sonoridade musical cristalina, jamais ouvida por
nós. As palavras vibravam no ar como lentejoulas vivas espargindo sons maviosos e tecendo
um manto de harmonia a envolver sob o céu dadivoso a turba hipnotizada pelo verbo
salvador. Espírito equilibrado e de visão exata, suas palavras ajustavam-se hermeticamente ao
pensamento enunciado e conseguiam despertar emoções, cujo eco ficava vibrando para
sempre na alma dos seus ouvintes.
As mãos do meigo Rabi eram de molde irrepreensível. Em suas pregações e gestos, elas
pareciam mansas pombas configurando-lhe no espaço os contornos do pensamento e avivando
as suas palavras amorosas. Naquele dia em que buscáramos conhecê-lo, o Mestre explicava a
parábola do "Semeador", 3 pois ele costumava pregar o ensinamento de conformidade com o
ambiente e as circunstâncias que o tornassem mais vivo e entendível. 4 Escolhia cada
parábola de acordo com o tipo de auditório, pois a sua elevada intenção era oferecer a solução
para os problemas de ordem moral e social daqueles que o ouviam.
Rodeado pelos campos floridos, cujo ar doce e perfumado traía o odor dos figos, das uvas, dos
limões e dos pêssegos maduros, trazidos nas asas do vento brando e fresco, Jesus comovia até
às lágrimas, ao explicar que o semeador lançou suas sementes no solo duro, na rocha, na terra
espinhenta, porém, finalmente, obteve êxito no bom terreno. O lugar escolhido para essa
prédica era de magnífica inspiração, pois além da florescência dos narcisos do campo, do
fogaréu de papoulas vermelhas e das anêmonas safirinas, lilases e ametistas, que coloriam
toda a planície de Genesaré, sem deixar um só desvão do solo descoberto, o quadro formoso
completava-se pelo dorso esmeraldino levemente crispado do mar da Galiléia, a despedir
faíscas à luz do sol, que formava dourada cortina translúcida à altura da crista nevada dos
montes mais altos.
Jamais poderíamos esquecer a veemência e a fé com que Jesus enunciava os seus
ensinamentos, ainda prematuros e arrojados aos judeus subordinados à sua crença dogmática
mosaísta. A gente da Galiléia, rude e ignorante, mas dotada de sentimentos compassivos,
sublimava-se ante a prédica do seu querido Rabi, pois ele realmente vivia em si mesmo
aquilo que ensinava. Não era um sistema político, nem filosófico, porém, doutrina moral e
religiosa, que tocava o coração e pedia a aprovação do sentimento, muito antes do raciocínio
da mente.
Quando retornamos para Alexandria e consultamos os nossos maiorais a respeito das
atividades do Rabi Jesus, que tanto nos havia impressionado, todos eles foram unânimes em
confirmar que, malgrado a sua aparente insignificância na época, na realidade ele era o
maior revolucionário espiritual descido à Terra, a fim de sintetizar os ensinamentos dos seus
precursores e redimir a humanidade.
PERGUNTA: — Por que Jesus preferia explicar sua doutrina através de parábolas?
RAMATÍS: — Certas tribos da Judéia e adjacências, com as quais Jesus tivera
contato mais assíduo, entendiam-se entre si através do emprego pitoresco de parábolas. O
Mestre, inteligente e intuitivo, percebeu 'que essa expressão verbal era o mais perfeito veículo
para ensinar sua doutrina aos homens de sua época e também sintetizá-la de modo - a servir
para a humanidade futura.
A parábola é o meio apropriado para os fins de comparação e Jesus passou a empregá-la
para despertar a mente das criaturas mais simples e sem cultura disciplinada. Ele era um
153
apaixonado pela análise da Natureza e constantemente recorria aos seus fenômenos e objetivos,
comparando-os com os acontecimentos da vida humana. Dava-lhes a feição de coisas que
pareciam vivas e se mantinham em estreita relação, como se a Terra fosse apenas a ante-sala
do céu, onde o homem primeiramente devia limpar suas sandálias. Os seus princípios mais
altos, ele os pôde formular através dessa correlação constante das parábolas e das coisas
animadas e inanimadas, às quais acrescentava o seu sublime toque de poesia espiritual. Os
homens então o entendiam facilmente e se prendiam à suavidade e às ilações filosóficas que
Jesus tirava da queda de uma folha, do murmúrio do regato, da mansuetude da pomba, da
importância do tesouro enterrado ou da singela semente no solo. Sentiam-lhe o pensamento
muito antes dele chegar à conclusão moral ou filosófica do que dizia; embeveciam-se ante
a beleza e a força das imagens que sabia compor em simbiose com o encanto da Natureza. Os
acontecimentos mais severos e os fatos mais complexos assumiam tons de ternura e feição
familiar, que cativavam e penetravam com a força do bom-senso.
Através da parábola, Jesus fazia resumidas narrativas e oferecia admiráveis lições de moral
superior, que eram entendíveis em qualquer época e em qualquer latitude da vida humana.
Ele sabia modelar as frases e escoimá-las do trivial, do inócuo e do inexpressivo,
transformando a mais singela pétala de flor no centro de um acontecimento de relevante fim
espiritual. Nas parábolas, ele punha toda sua tática e inteligência, pois o mais insignificante
fenômeno da Natureza transfundia-se na força de um símbolo cósmico. Os seus
ensinamentos estão repletos de comparações singelas, mas sempre ligadas à vida em comum
dos seres, que atravessaram os séculos e se transformaram em conceitos definitivos,
constituindo-se num repositório de encantamento para a redenção humana.
Os provérbios, os aforismos e os adágios de senso comum de certos povos e tribos, sob o
quimismo espiritual de Jesus valiam por ensinamentos eternos; eram frases que ondulavam
O Sublime Peregrino
sob a brisa cariciosa do seu Amor e penetravam fundo na alma dos homens. Simples conceitos
e máximas aldeãs iluminaram-se à guisa de princípios filosóficos inalteráveis. O modo
peculiar de uma gente entender-se entre si desdobrou-se num processo de análise e revelação
em favor do entendimento da vida eterna. Só mesmo a força criadora de um Anjo e o
sentimento excelso de um Santo, conjugados à sabedoria cósmica de um Sábio, seriam capazes
de modelar preceitos eternos sob a argila das palavras mais insignificantes.
Aqui, a diminuta semente de mostarda serve para explicar a Fé que move montanhas e cria os
mundos. Ali, a parábola do talento enterrado adverte quanto à responsabilidade do homem no
mecanismo da vida e da morte. Acolá, o joio e o trigo simbolizam a seleção e divisão profética
dos "bons" e dos "pecadores" no seio da humanidade. Enfim, as parábolas foram o maravilhoso
recurso de que Jesus se serviu para ajustar o seu pensamento avançado e transmiti-lo de modo
entendível aos conterrâneos. Elas oferecem um tom de respeitabilidade e o seu conteúdo é
sempre de nobre significado moral, no sentido de despertar a reflexão sobre a Verdade, que
deve ser o fundamento da vida eterna do Espírito.
154
Iniciando a sua jornada messiânica, o Mestre Jesus foi alvo de entusiasmos e de zombarias, de
respeito e sarcasmo, de elogios e censuras, de admiração e hostilidade. Os gozadores, os
egoístas, os hipócritas de todos os tempos também estiveram presentes na sua tarefa de
libertação espiritual do homem, e sem dúvida ainda hoje estariam novamente na sua"segunda
vinda". Os mais irreverentes da época consideravam Jesus um indivíduo hábil, esperto e
talentoso, que seduzia as mulheres jovens enquanto usufruía a fortuna das viúvas ricas. Os
risos de mofa, os ditos ferinos, o sarcasmo. e a censura circulavam em tomo dele, desafiando-
lhe a tolerância e a resignação. Entre os seus próprios seguidores havia os pusilânimes, trai-
dores e aproveitadores, como só acontece nos movimentos políticos e nas revoluções sociais.
Para a maioria dos maledicentes, Jesus não passava de profeta dos vagabundos, pois a
perfidia, como a peçonha da serpente, que se renova a cada mordedura, também lograva
infiltrar-se entre os seus discípulos e simpatizantes. Os mais débeis afastavam-se temerosos
ante a primeira ameaça do Sinédrio e os interesseiros desistiam ante o insucesso financeiro do
movimento cristão.
Certas vezes, ao surgir na curva do caminho principal que se estreitava depois na rua
pedregosa principal de Nazaré, voltando de suas pregações junto ao Jordão, Tiberíades ou
adjacências e cercado pelos pescadores, homens do povo, viúvas, mulheres de todos os tipos e
condições sociais, então os velhos rabis tomados de cólera "sagrada", recebiam Jesus com
apodos e vitupérios. Batiam-lhe as portas da sinagoga à sua passagem, num protesto vivo
contra as suas idéias e a ousadia de contrariar os preceitos de Moisés, em troca de aforismos e
ensinamentos subversivos à religião do povo. Eram velhos sacerdotes ainda submetidos às
regras dos manuscritos ortodoxos e não se reconciliavam com a pregação livre e talentosa de
Jesus. Os seus protestos senis combatiam a idéia imortal que vicejava à luz do dia sob a
palavra mágica do jovem pregador de Nazaré. Desesperados, empunhavam no recinto da
sinagoga massudos e envelhecidos pergaminhos para justificarem suas prédicas ortodoxas e o
dogmatismo de suas palavras vazias. Os fiéis entravam e saíam do santuário local tão
ignorantes como viviam todos os dias, à semelhança do que ainda hoje ocorre com os crentes
modernos, que fazem dos templos religiosos exposições de modas ou apenas demonstração de
fé para efeito de conceito público. O rabi Jesus era portador de idéias revolucionárias,
explicando a existência de um Deus incompatível com a obstinação, o fanatismo e as
especulações religiosas dos judeus. Isso era a subversão de todos os costumes religiosos e
tradicionais do passado -até a abdicação da virilidade judaica, pois ele chegava a aconselhar a
"não-violência" contra os romanos.
Assim, alguns do seus parentes, vizinhos e amigos, aliando-se aos que possuíam interesses no
prolongamento de uma situação de utilitarismo pessoal e acobertada pela falsa religiosidade,
também não viam com bons olhos Jesus em suas pregações tão liberais, desprendidas dos
preconceitos milenários. Ele contrariava a própria tradição do aconchego íntimo do santuário,
uma vez que pregava abertamente em público, junto aos montes, aos lagos, enfraquecendo o
poder religioso e a força sacerdotal centralizados nos dogmas religiosos. A natureza era a sua
única igreja, pois ele tanto pregava ao povo do cimo de uma colina, sob a fronde de uma
árvore, à margem dos rios e dos lagos, como da popa de um barco de pesca. Os seus sermões
eram claros, simples e sem mistérios, o que também não agradava aos sacerdotes que se
sacudiam nos púlpitos agitando a atmosfera das sinagogas com os berros de uma altiloqüência
deliberada sobre o público.
Era um contra-senso que um jovem sem aparatos sagrados nos templos e sem os estágios
disciplinadores do entendimento mosaísta, em vez de se contentar com a modesta função de
rabi itinerante, expondo soluções miúdas entre o povo, se pusesse a minar as bases da Torá
substituindo temas, preceitos e regras ditados pelo grande legislador que fora Moisés. O seu
papel de rabi seria apenas o de explicar com mais clareza, ou mesmo sob um toque de sua
opinião pessoal, os conceitos da religião dominante, mas sem deformá-los ou desmenti-los.
155
Ademais, Jesus enfraquecia o "mistério" da religião que alguns homens, astutos como as rapo-
sas, evitavam explicá-lo ao povo ignorante e tolo. Ensinava tudo muito fácil, expunha em
público as delicadas facetas da especulação iniciática dos templos e os mais complexos
tabus tornavam-se brinquedo de criança. A compreensão da imortalidade tornava-se cada vez
mais simples entre o povo rude e inculto, que entendia facilmente o generoso rabi. Ele evitava
as argumentações teológicas, as exortações áridas e quilométricas, nem apelava para os
quadros estentóricos com o fito de valorizar a sua oração. Descrevia o "reino de Deus" com
as palavras e as imagens conhecidas por aquela gente simples; eram símbolos da própria vida
humana nas mais claras comparações objetivas. Aqui, aludia ao grão de mostarda, à espiga
dourada, ao trigo e ao joio; ali, aos talentos enterrados, ao fermento que leveda a massa, à
pérola de grande valor, à rede e à pesca; acolá, suas lições, seus apólogos e aforismos
giravam em torno do filho pródigo, das bodas do filho do Rei, do bom Samaritano, do rico
e de Lázaro, do juiz iníquo, dos servos inúteis ou dos trabalhadores da vinha. Tudo muito
claro, incisivo e comovente, fácil de ser divulgado pelos mais hábeis iletrados e compreendido
pelos mais obtusos.
Mas, repetimos, nem todos aceitavam Jesus, malgrado sua gentileza, ternura e sublimidade,
pois naquela época os interesses humanos, tanto quanto hoje ainda acontece, dividiam as
criaturas de conformidade com os seus objetivos egoístas ou paixões. O reino que o Mestre
pregava pedia, de início, a abdicação do interesse egoísta e do utilitarismo do mundo; insistia
na humildade, na cessão de bens em favor dos mais necessitados, coisa que não podia ser
bem aceita pelos ávidos, cúpidos e especuladores, inimigos milenários de quaisquer
reformas sociais. Nem mesmo todos os galileus submetiam-se aos ensinos de Jesus, pois não
querendo prejudicar os seus interesses, não se integravam no conteúdo evangélico do que
ouviam.
156
com facilidade outros meios de alimentação pródiga e nutritiva. Não se verificava essa
exigência angustiosa das famílias pobres das cidades modernas, em que a moeda, ganha com
imensa dificuldade, mal consegue suprir uma refeição diária. Entre os galileus, a
hospitalidade recíproca era um dever proverbial e sagrado. Havia um constante fluxo de
visitação entre o povo e quando, porventura, alguém sentia-se em dificuldade recorria aos
mais bem providos, que passavam a sustentá-lo até melhores dias e sem quaisquer exigências
onerosas. Assim, o beneficiado ficava na obrigação de atender, no futuro, outro semelhante
necessitado, compensando os favores recebidos. Os presentes, as trocas e os empréstimos eram
acontecimentos comuns, pois naquela gente o sentimento fraterno e a preocupação de servir o
próximo estavam na índole quase geral.
Deste modo, Jesus não fazia falta junto à família, nem sua inatividade era motivo de
prejuízo ou desdouro para a comunidade de Nazaré. Também não arregimentava acólitos,
desviando-os de seus lares para seguirem-no estrada afora, porque estes acompanhavam-no
depois de guarnecerem suas famílias de todas as necessidades e seu retorno era breve! Na
condição de rabi itinerante, Jesus atendia a uma das tarefas mais imprescindíveis daquela
gente, correspondente às ansiedades espirituais de todos, afeitos a uma religiosidade fanática.
Tanto o Mestre como os seus seguidores contentavam-se com as migalhas que sobejavam das
mesas e vestiam-se com simplicidade, aceitando as sobras dos lares mais fartos sem pesar na
economia local. Eram frugais na alimentação, como cultores de uma virtude própria do
"reino de Deus", completamente despidos de quaisquer outros objetivos que não fossem sua
tarefa messiânica. Prevendo-se os dias em que a caravana do Mestre Jesus se manteria em ati-
vidade nas cidades ou lugares adjacentes, quase todos os moradores, num esforço coletivo,
providenciavam os meios para que os viajantes não viessem a sofrer qualquer necessidade, no
tocante aos alimentos e hospedagem. Hoje também se repete essa disposição emotiva e
espiritual entre os espíritas, que se sentem felizes e eufóricos em proporcionar bom
acolhimento aos confrades, oradores e doutrinadores, que passam por suas cidades, a serviço
do Espiritismo.
Quando isso acontecia, então recrudescia-se a pesca, o cozimento de pães, a moagem de trigo,
a preparação de conservas, a secagem de peixe, a fabricação de geléias, biscoitos, mel de figo.
Aumentava-se a feitura da farinha de centeio e de trigo, a destilação de xaropes e a produção
de sucos de laranja, pêssego, maçã e o dificílimo caldo de cerejas. Era urna festa emotiva
para aquele povo despido de acontecimentos insólitos. As mulheres trabalhavam
alegremente para cooperar no êxito e na divulgação da Boa Nova trazi da pelo profeta de
Nazaré. Eram confeccionados delicados farnéis para a jornada mais longa do rabi e dos
seus fiéis; um ou mais burros seguiam, à retaguarda dos peregrinos conduzindo as
provisões necessárias para o sustento de Lodos durante as pregações. A ternura e a alegria
confraternizavam todos e os deixavam sumamente felizes pela oportunidade de participarem
mais ativamente no advento da doutrina cristã.
Em face do espírito de hospedagem e solidariedade que predominava entre a maioria dos
judeus da época, Jesus, seus discípulos e seguidores, conduziam reservas abundantes e
terminavam por distribuir grande parte de suas provisões e rações aos deserdados que
encontravam durante sua peregrinação, comprovando a feição terna e gentil da caridade e do
amor ao próximo, ainda patente no seio do Cristianismo. Os leprosos, atirados aos grotões e
às furnas que marginavam as estradas, eram constantemente visitados pelos pregadores
da nova crença, recebendo deles não somente alimentos e vestes necessários para o corpo
físico, como ainda a palavra amiga e confortadora do amoroso rabi. Quando todos
retornavam felizes e eufóricos para seus lares com a alma satisfeita pela alimentação
espiritual do amor, que é o traço essencial da contextura do anjo, depois de suas incursões
pela Judéia, divulgando o reino de Deus a todas as gentes, então eram recebidos
amorosamente pelos seus próprios familiares, com festas e demonstrações afetivas do mais
157
puro sentimento. Os que ficavam à retaguarda, cuidando das coisas prosaicas da vida em
comum, ainda se davam por felizes ante o ensejo de participarem humildemente da obra do
Mestre Jesus.
É por isso que nos relatos evangélicos é possível identificarmos a profunda afabilidade que
sempre existia e unia os apóstolos e suas famílias, cada vez mais expansivas pela adesão de
outros membros e parentes à missão de Jesus, o qual era o primeiro a não permitir
sacrifícios alheios para ele transmitir a palavra do Senhor, pois em sua natureza
profundamente honesta, mística e generosa, sentia-se o único responsável pelos óbices e
sacrifícios que porventura adviessem na pregação do Cristianismo. Ele administrava tão
sabiamente sua tarefa messiânica, que a história religiosa nos fala da ordem, disciplina e
obediência que reinavam entre ele e seus discípulos, propondo soluções e sugerindo
providências que não exorbitassem do bom-senso.
158
realização. Daí a força e o poder renovador do "Sermão da Montanha", quando bendizia os
pobres, os infelizes, os misericordiosos, os pacíficos, as vítimas, os perseguidos,
conclamando-os como verdadeiros cidadãos daquele reino feliz que ele viera pregar.
Sua voz penetrava como gotas refrescantes nos corações dos sofredores e os seus ouvintes
animavam-se, ardendo de entusiasmo e ventura, ante a simples sugestão recebida. Era uma
graça, uma dádiva prometida por aquele profeta que não mentia, não enganava e fizera
voto de renúncia a todas as coisas valiosas e atrativas do mundo terreno, porque, dizia
ele,"o Pai já lhe dera tudo o que desejaria possuir!" Os galileus eram pobres, mas viviam
satisfeitos, quer pela beleza do cenário que os rodeava, assim como pela facilidade da pesca
que os sustentava sem problemas complexos de alimentação. Eram simples no vestir, pois o
clima tão ameno e amigo, fazia-os desejar tão pouco para serem felizes. E por isso, eles
confiavam em tudo o que Jesus dizia, porque lhes falava em coisas certas, objetivas e
passíveis de se concretizarem com a própria vida de que participavam.
O natural desapego que os dominava pelas circunstâncias favoráveis do próprio meio tão
generoso, não os fazia criaturas negligentes, inconformadas ou desconfiadas. Por isso,
vibravam intensamente com os quadros belos e poéticos da narrativa do Mestre Jesus. Era um
delicioso convite a seguirem em direção ao reino de um Deus excessivamente amoroso, um
Senhor que cumulava de alegrias e favores os seus súditos e nada lhes exigia de oferendas,
compromissos e taxas religiosas escorchantes, como era próprio de Jeová, cada vez mais
insatisfeito. Era muito mais fácil o ingresso nesse reino tão feliz, cujas exigências eram tão
poucas, principalmente para os pobres, os doentes, os tristes e os abandonados. Aconselhava-se
a libertação das riquezas, do orgulho, da vaidade, da cobiça, da maldade, da ira e da inveja.
Antes do esforço hercúleo para adquirir os bens do mundo, o homem encontrava menos
dificuldade para abandoná-lo; podia controlar-se mais facilmente dos ataques do orgulho ou
da ira, do que mobilizar forças para a auto-exaltação no seio da humanidade. Enfim, o profeta
de Nazaré exigia pouquíssimo e eles já viviam quase de conformidade com o que lhes era
pedido.
Amenizava-lhes a vida ensinando-os a ser venturosos no seio da Pobreza e do sofrimento.
Oferecia-lhes justas compensações para todas as vicissitudes e transtornos da vida humana.
"Procurai primeiro o reino e a justiça de Deus e tudo o mais vos será dado com largueza" 5
159
de assinalar na história terrena a passagem de Jesus de Nazaré, o Messias tão esperado,
quando os próprios espíritos dos seus amigos, fiéis, discípulos e apóstolos continuam a cultuá-
lo em novas romagens físicas, avivando-lhe a memória e assegurando-lhe a existência através
da imorredoura lembrança do espírito imortal. O perfil do Jesus histórico é duvidoso, porque
teríamos de nos socorrer dos registros precários dos homens na face de um mundo
continuamente submetido às catástrofes, às guerras e às lutas que deformam, truncam e
destroem vestígios, relíquias e dados de cada época. Mas isso é absolutamente desnecessário,
porque sua vida e sua obra ficaram gravadas na alma da humanidade, revelando-se cada
vez mais nítida e exata, graças ao sentimento indestrutível do Amor que lhes deu origem.
PERGUNTA: — Há quem diga que Jesus apenas parafraseou a essência dos velhos
ensinamentos já trazidos por Confúcio, Krishna, Zoroastro e Buda. Que dizeis?
RAMATÍS: — Nem Jesus parafraseou esses instrutores religiosos, nem os ensinos deles
devem ser considerados originais. O certo é que a humanidade sempre foi visitada por
Espíritos orientadores, assim que ela se revelava sensível e capaz de sentir-lhes as mensagens,
embora ainda se mostrasse incapacitada para compreendê-los na profundeza espiritual do seu
sentido. O Alto sempre transmitiu para a Terra, antes de Jesus, a mesma fórmula de
esclarecimentos e de libertação espiritual dos homens. Assim, os conceitos predicados pelo
Divino Amigo, recomendando-nos o "amai-vos uns aos outros" e "fazei aos outros o que
quereis que vos façam", já haviam sido ensinados anteriormente na Lemúria, na Atlântida, na
Caldéia, na Fenícia, no Egito, na Índia e na Grécia, através de missionários como Numu,
Antúlio, Anfion, Rama, Hermes, Krishna, Buda, Confúcio, Zoroastro, Orfeu, Sócrates,
Pitágoras e outros, enquanto, modernamente, essa mesma mensagem de Amor aos homens foi
apregoada por instrutores como Ramakrishna, Maharishi, Gandhi e Kardec!
Por isso, Jesus não pregou doutrina originariamente desconhecida, mas em sua missão
redentora devia escoimar as velhas doutrinas de seus vícios e incongruências, avivando- lhes a
essência adormecida e o sentido libertador petrificado sob a liturgia pagã, as interpolações
propositadas, devido aos interesses religiosos. No entanto, ainda se repetem os mesmos
vícios religiosos de antanho, pois a verdade cristalina que foi restabelecida por Jesus
mostra-se novamente asfixiada pelos dogmas supostamente infalíveis e pelos
melodramas "sagrados" sobre a paixão e a crucificaçAo. A simplicidade e a pureza
iniciática do Cristianismo petrificaram-se outra vez sob as práticas litúrgicas modernas, que
além de exaustivas e infantis, sufocam a figura do Mestre numa fantasia circense. Quando
o crente vibra e sente a essência íntima dos ensinamentos libertadores de Jesus, ele já se
mostra exausto da longa caminhada entre símbolos, dogmas e mistérios religiosos, assim
como o viandante que desmaia diante da fonte de água límpida, exaurido pelo esforço
despendido para vencer os obstáculos inúteis que os demais homens lhe puseram no caminho.
160
existência coerente com a lei do vosso mundo.
O Jesus que ainda é devotado pelas religiões terrenas não é o mesmo Jesus que respirou o
oxigênio da Terra. É uma fantasia impossível de ser conceituada entre suas próprias
contradições. Mesmo o protestantismo, que pretendeu fazer reviver a simplicidade do Mestre,
dando-lhe a condição lógica de vivente humano, também se atemorizou diante do medo do
sacrilégio e preferiu deixá-lo envolto no véu da fantasia milagreira. A reforma louvável de
Lutero, rebelando-se contra os diversos dogmas seculares e o fausto sacerdotal, que
ironizavam a pobreza do Mestre Nazareno, elegeu, infelizmente, a Bíblia como um outro
senhor absoluto, incondicional, que se transformou em autoridade implacável para se
dirimirem quaisquer dúvidas e se alimentarem inovações. O pensamento dinâmico e evolutivo
dos protestantes estagnou, então, voltando apressado, através da Bíblia, para outros dogmas
infantis. A Bíblia — embora a reconheçamos como livro contendo revelações úteis — não
pode substituir a liberdade de pensar. Ela apenas auxilia o modo de raciocinar sobre a
Verdade Divina. Apenas uma autoridade envelhecida no tempo foi substituída por outra
diferente, mas de modo algum solucionou-se o problema de desvestir Jesus do aparato pagão
e de sua aura de mago de feira.
No entanto, os sofismas, os truncamentos, as interpelações e o desnaturamento de certas
passagens do Mestre Jesus não conseguiram obscurecer-lhe o trajeto da Palestina até nossos
dias, porque além de estar impregnado do seu sangue vertido no sacrifício da cruz, traz a
chancela inconfundível de sua alta individualidade espiritual e do seu infinito Amor por toda a
humanidade.
1 — Marcos, 5:24-34.
2 — Nota do Médium: - Ramatís fazia parte de certa escola iniciática de Alexandria, onde se
procurava conhecer a contextura do "homem imortal". Eram ensinamentos expostos à luz do
ambiente tranqüilo da fraternidade oculta, parecidos com as convicções dos essênios e pitágóricos,
porém, firmados francamente no conhecimento da Lei do Carma e no processo da Reencarnação.
Não estamos autorizados a dizer que filósofo Ramatís foi na época, embora algo conhecido.
4 — Nota de Ramatis: - Quando Jesus falava aos campônios expunha a parábola do semeador, do grão
de mostarda, do joio e do trigo; aos pescadores referia-se à parábola dos peixes; num banquete ou
festividade, falava dos talentos, do tesouro enterrado; entre negociantes e especuladores, da pérola de
grande valor, o credor incompassivo, os dois devedores; entre magnatas, servia-se das parábolas do
rico insensato, o rico e Lázaro; entre os assalariados explicava-lhes a parábola dos servos inúteis, dos
trabalhadores da vinha e do mordomo infiel; entre homens de lei mencionava o juiz iníquo, e entre, os
religiosos a história do publicano e o fariseu.
5 — Esse tema proposto por Jesus está bem esmiuçado pelos seguintes evangelistas:
Mateus, 6:19,24-34; Lucas, 12:22,31-34.
161
CAPÍTULO 23
162
PERGUNTA: — Que nos dizeis sobre o milagre das Bodas de Caná, na
Galiléia, em que Jesus transformou a agua em vinho?
RAMATÍS: — Semelhante narrativa, de transformação da água em vinho, já fora
atribuída a Buda, em destacado esponsal hindu. Os homens interessados em avultar a figura
mitológica de Jesus mediante poderes sobrenaturais serviram-se do seu prestígio "divino". É
certo que Jesus e Maria estiveram presentes às bodas de Caná, pois o Mestre atendia
afetuosamente às obrigações sociais de sua cidade, evitando humilhar ou afastar-se dos seus
conterrâneos, mas toma-se evidente que, numa festa onde o vinho já se havia esgotado por ter
sido distribuído com fartura, a maioria dos convidados devia se achar num estado de forte
embriaguez. Embora Jesus fosse tolerante para com as fraquezas humanas, é evidente que ele
não iria produzir mais vinho, porquanto se assim o fizesse, então o ambiente das bodas seria
perturbado pelos excessos que ocorrem sempre que o deus "Bacco" é o dominador de uma
festa. Por conseguinte, esse suposto milagre em nada realçaria o caráter do Mestre; muito ao
contrário, truncaria a linha reta de sua elevada compostura moral.
163
pretendia multiplicar os bens materiais dos homens, pois, na realidade, "o pão do espírito" era
o que mais ele buscava fazer crescer no íntimo das criaturas.
164
entanto, outros, menos graves, mas vacilantes e pessimistas, escravos da incerteza
espiritual que cerceia o fluxo vital de sua reserva corporal, voltam sem obter resultado
algum.
Quando Jesus assinalava a confiança nos olhos súplices dos enfermos, envolvia-os
com as ondas do seu mais profundo amor, ativando-lhes a germinação de forças magnéticas
através das próprias palavras e gestos com que os atendia e, à semelhança de misterioso
turbilhão, fazia eclodir poderosos fluidos no mundo interior dos infelizes enfermos. Sob os
gritos de júbilo desatavam-se os músculos rígidos ou se ativavam nervos flácidos;
desentorpeciam-se membros enregelados, enquanto as correntes vitais purificadoras regenera-
vam todo o sistema orgânico, restituindo a vista a cegos, saturando as cordas vocais nos
mudos, sensibilizando sistemas auditivos, desatrofiando tímpanos, curando surdos. A
influência excitante e criadora que o olhar do faquir exerce sobre a semente enterrada no solo
para obrigá-la a dinamizar suas energias ocultas e crescer apressadamente, Jesus também a
exercia, através do poder assombroso e dinamizandor do seu olhar. Um corpo chagado
tornava-se limpo no prazo de alguns minutos, sob o energismo incomum que o Mestre
projetava na alma e no organismo dos enfermos.
Mas insistimos: era um processo que não causava espanto nem ultrapassava o
entendimento comum de Jesus sobre as leis criadoras e não surpreendia os anjos que o
acompanhavam na sua peregrinação sobre a face da Terra. Jesus lidava sensatamente com as
forças regidas pela física transcendental, embora fosse a fonte doadora dos fluidos que tempe-
rava com seu sublime amor. Por isso, ao terminar as suas curas, ele ficava num estado de
visível exaustão, pálido .e trêmulo, recompondo-se aos poucos, graças também ao recurso da
prece e o auxílio dos seus amigos espirituais.
165
do Mestre. Jamais Jesus concorreria para dar um prejuízo tão vultoso aos porqueiros que
conduziam a manada de dois mil porcos em direção à cidade, fazendo-os afogarem-se ao
transferir-lhes a legião de obsessores.
166
curadores. Tal fenômeno se opera mais propriamente no plano espiritual e não carnal, numa
espécie de automatismo desconhecido à consciência física, cuja atitude positiva da fé que
"transporta montanhas" é a verdadeira "chave" para se abrirem as comportas das energias
latentes na alma humana. Mas a cura rápida e incomum não constitui milagre nem mistério,
porém, é fruto de uma série de circunstâncias de caráter moral e espiritual, cujo sucesso
depende também do amor sincero e desinteressado.
Além disso, o homem moderno está viciado e intoxicado com remédios violentos, que
sufocam suas energias magnéticas mediante o bombardeio da química moderna, de
muitos produtos dos laboratórios farmacêuticos. O doente atual assemelha-se a um exótico
paliteiro humano, de seringas hipodérmicas, que lhe despejam continuamente na contextura
delicada do sistema orgânico, o conteúdo de sais minerais heterogêneos e substâncias
agressivas, causando-lhe mais tarde graves conseqüências e afetando-lhe a saúde. Às vezes,
ocorrem casos em que o doente, em vez de morrer por motivo da moléstia, a sua morte é
abreviada ou provocada pela própria "cura".
A descrença no mundo espiritual gera o medo da morte e isto induz o homem à fuga
angustiosa ante o primeiro sinal da enfermidade. Então se transforma num foco permanente
de moléstias, que surgem e desaparecem em contínua substituição, até ver-se atirado num
leito vítima da intoxicação medicamentosa. A dor, que é o sinal vermelho de perigo da saúde
no corpo, é sempre eliminada à custa de bombardeios de sedativos e anestésicos.
As criaturas parecem ignorar o poder maravilhoso da Natureza, que opera nos desvãos
da alma, produzindo verdadeiros milagres. Só pede que lhe dêem tempo para corrigir e
restaurar os órgãos ou sistemas lesados. A saúde não é produto de tisanas, de comprimidos e
do uso imprudente de injeções; primeiramente, pela higiene da alma deve ser estabelecido o
equilíbrio psicofísico, mediante uma vida educada nos princípios espirituais, que melhoram as
relações cristãs entre as criaturas, a compreensão dos deveres humanos e a conseqüente
redução das doenças da chamada civilização. Está comprovado que os selvagens adoecem
gravemente depois que tomam contato com os civilizados e adotam os seus costumes de vida
sem disciplina, inclusive na alimentação e nas bebidas alcoólicas.
A ausência do sentimento puro pela espiritualidade, a negação do jovem moderno em
ser religioso, tolerante, obediente, resignado, sincero e pacífico, fazem crescer o índice das
enfermidades, pois a hipocrisia, o ódio, a desforra, a violência, a irascibilidade, a cupidez, o
orgulho são doenças da alma, que repercutem no corpo, prejudicando a saúde.
167
seio do vegetal e fluíram derramando-se vigorosamente na estruturação da carne do homem.
Deram massa e arabescos ao mineral, forma e flexibilidade ao vegetal, movimento e instinto
ao homem. Agruparam-se e concentraram-se num dinamismo cada vez mais requintado; na
sua progressão energética de forma para forma e de espécie para espécie, foram dotadas de
um automatismo criador disciplinado, de um instinto que lhes orienta o ponto em que devem
construir ou restaurar. O homem devia disciplinar sua vida e suas paixões, porque essas
forças criadoras e poderosas existem em sua organização "etéreo-carnal", moram no seu
perispírito e são servidoras sábias, benfeitoras da vida.
168
curar a todos? Ou ele já sabia de antemão quais os enfermos que deviam ser libertados de
suas dores e enfermidades?
RAMATÍS: — Jesus descera à Terra para salvar toda a humanidade; o seu amor
incondicional extravasava continuamente numa doação incondicional. Se ele não curou a
todos foi porque os óbices contra a sua ação benfeitora residiam nos próprios infelizes que o
procuravam ainda imaturos em espírito. Em verdade, sua missão principal não era curar os
corpos, mas acima de tudo salvar a alma. As curas materiais que realizou serviram apenas
para comprovar a força do Espírito eterno, mas sem alterar a lei do Carma, a qual determina
a "cada um colher conforme tiver semeado". Jesus curou as criaturas que também se
libertaram de suas mazelas morais, graças ao estado de fé criadora e pureza de intenções.
Enfim, as que foram espiritualmente ao seu encontro, sem quaisquer desconfianças, mas sob
propósitos para uma vida digna e amorosa.
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PERGUNTA: — E que dizeis sobre a ressurreição de Jesus, no terceiro dia de
sua crucificação, após sua morte corporal?
RAMATÍS: — Embora Jesus tenha aparecido em espírito a Maria de Magdala,
aos apóstolos e outros discípulos na estrada de Emaús, isso foi um fenômeno de ectoplasmia,
pois Madalena era poderosa médium, que, algumas vezes, concorrera para certos
acontecimentos incomuns na peregrinação do Mestre. Quando surgiu entre os apóstolos e
Tomé quis tomar-lhe as mãos, isso foi possível devido justamente à faculdade ectoplásmica
dos presentes, que lhe permitiu a materialização em corpo inteiro e o êxito da "voz direta",
sob os fulgores da luz sideral. Nos demais casos, em que outras pessoas viram Jesus, deu-se
apenas o fenômeno de vidência, coisa bastante comum entre os médiuns.
Jesus não deixou o túmulo, em corpo e alma, pois as suas aparições jamais desmentiram
o bom-senso das leis da fisica transcendental, nem foram conseqüência de fatos miraculosos,
mas apenas manifestação das próprias energias que lhe foram doadas pelos seus discípulos e
amigos siderais.
170
esquecidas. Deste modo, evitaram a coisa mais atroz para o judeu, na época, e que seria
suprema profanação e o próprio abandono de Jeová: um corpo insepulto! E no caso de Jesus,
semelhante aviltamento à sua figura missionária daria ensejo a incertezas e dúvidas que
truncariam muita fé do ideal cristão. Seu corpo, ficando insepulto, significaria, conforme a
tradição hebraica, uma negação aos direitos de liderança e sua memória não deveria ser
maculada por acontecimento tão fanático.
No entanto, Pedro e José de Arimatéia captaram as orientações do Alto e num
empreendimento elogiável guardaram absoluto segredo até de Maria de Magdala e da
mãe do Amado Mestre, apagando todos os vestígios da mudança.
Embora tal fato fosse a causa de Madalena ter encontrado o túmulo vazio, e isto desse
lugar à fantasia da ressurreição de Jesus, em "corpo e espírito", Pedro e José de Arimatéia
consentiram que esse boato prevalecesse, pois contribuía para que os asseclas do Sinédrio
desistissem de profanar o corpo de Jesus, deixando-o insepulto para humilhá-lo. Ademais,
isso avivava o ânimo dos seus próprios discípulos, o que era preciso fazer-se no momento em
que a maioria começava a debandar. Mas em face da compreensão da humanidade, no vosso
século, é preciso reajustar-se todos os fatos ocorridos na vida do Amado Jesus, para que ele
reine no coração de todos os homens sem quaisquer dúvidas e desconfianças geradas por
acontecimentos fantasiosos.
1 — Mateus, 17:24-27.
171
CAPITULO 24
172
PERGUNTA: — Como pôde Jesus assimilar tantos conhecimentos
sobre o homem, sem um curso acadêmico ou disciplina filosófica do mundo, tão
necessária para os mais abalizados pensadores?
RAMATIS: — A humanidade profana ainda ignora o curso iniciático da vida de
Jesus em que José de Arimatéia foi o seu cicerone dedicado e fiel. O jovem Jesus, além das
intuições do mundo que a sua própria alma já aprendera, rebuscou todos os movimentos
espiritualistas e iniciáticos da época, na Judéia, e nações circunvizinhas; motivo porque a sua
vida é cheia de hiatos e períodos desconhecidos dos seus mais fiéis biógrafos. Ele
investigava e inquiria sobre todas as práticas da velha iniciação habitual na Índia, no
Egito e na Grécia, e seu espírito assimilava, com incrível rapidez, todo o conteúdo iniciático
de cada escola. Descobria com facilidade as raízes fundamentais do ritualismo simbólico e,
embora jovem, os seus conceitos já valiam tanto quanto a palavra de muitos Mestres de sua
época. Entre os essênios, ele se distinguia pelo profundo respeito a todos os credos e
movimentos espiritualistas; a sua apreciação ao trabalho religioso no mundo era de absoluta
universalidade. Os velhos anciãos dos santuários situados nas grutas dos montes Horeb,
Carmelo, Moab e Tabor afirmavam que se tratava de um jovem destinado a alguma
extraordinária e importante missão entre os homens. E opinavam que ele deveria entregar-se a
uma tarefa de esclarecimentos das multidões. No entanto, o jovem Jesus, quer pela sua humil-
dade ou porque achava prematura qualquer decisão em tal sentido, preferia silenciar a
respeito. Algumas vezes, quando se fazia maior a insistência dos mestres essênios, então res-
pondia-lhes que"se for da vontade do Pai que está nos céus, Ele me indicará a hora de minha
missão!" Não se considerava um ente superior nem o melhor de todos, mas apenas uma
criatura incendida por um ideal que era incomum à maioria dos homens.
Aliás, as barreiras fluídicas que separam o mundo espiritual do terráqueo impediam-
lhe a posse completa da sua extraordinária consciência, pois ele submetia-se
disciplinadamente à Lei que viera cumprir. Sua juventude era povoada de êxtases e visões,
embora, por isso, muitas vezes fosse ridicularizado e refutado na sinagoga, pois os velhos
rabis, conservadores, protestavam contra suas idéias avançadas. E nesse ambiente hostil aos
seus conceitos, já o consideravam um visionário, porque afirmava que o Deus de Israel
também abençoava os romanos e os infiéis.
Jesus sentia em si assombrosa e estuante força que o conduzia a um objetivo
superior, de implacável renúncia. Por vezes antevia, no imo da alma, a fugaz imagem do seu
futuro sacrifício programado pelo Alto. Mas, com o tempo, foi-se habituando a falar com
absoluta confiança sob o impulso diretor do Ego Superior e, à medida que o seu espírito
emergia cada vez mais lúcido, dominando a potência escravizante da carne, abriam-se-lhe
clareiras do entendimento espiritual em favor da humanidade.
173
compreendida; classificava o homem terreno segundo a sua imprudência e ignorância, no
tocante a edificar sua ventura espiritual. Em Jerusalém, a sua curiosidade insaciável fê-lo
visitar curandeiros, cartomantes, magos e rabis, sacerdotes e discípulos, profetizas e
astrólogos, hipnotizadores e profetas, escribas e ilusionistas, filósofos e doutrinadores, escravos
e senhores. E de suas observações resultou um conhecimento idôneo de todas as contradições
humanas. Então, confrangido, ele estigmatizava a riqueza egoísta e os avarentos endurecidos,
que se esqueciam dos pobres e dos infelizes.
PERGUNTA: — Uma vez que os quatro evangelhos são relatos dos evangelistas
sobre a vida de Jesus, por que então omitem os aspectos da sua vida durante o longo período
que vai dos 12 aos 30 anos?
RAMATIS: — Na realidade, após os doze anos, Jesus passou a viver quase sob
um recolhimento espiritual, sem muitas preocupações públicas. Buscava a natureza para
tranqüilizar sua alma aflita; vivia mais a vida mental, reflexiva, numa auscultação espiritual
profunda. Deixou os ruídos do mundo terreno para refugiar-se nas emoções do mundo
espiritual. Deste modo, não se registraram grandes sucessos ou fatos que ficassem na
lembrança do povo. Acresce, ainda, que mesmo a história relatada no Novo Testamento não
é uma descrição objetiva de sua vida, mas sim noções morais e ensinamentos para os seus
seguidores futuros. Não existem dados históricos suficientes para se escrever a biografia
autêntica de Jesus, pois o que chegou até hoje é apenas fruto da tradição oral e só mais tarde
foi registrado pelos evangelistas. Aliás, a destruição de Jerusalém, por Tito, consumiu
quaisquer dados mais objetivos referentes ao Mestre Jesus, e a história teve de socorrer-se
da memória dos cristãos para compor, pouco a pouco, um relato, aliás, eivado de fantasias,
opiniões e digressões pessoais, embora tudo sob um fundo poético, místico e certa unidade,
que lhe exalta a figura messiânica.
Quando Jesus completou dezenove anos, José de Arimatéia interessou-se
profundamente por aquele jovem místico, inteligente, generoso e cuja vida era diametralmente
oposta aos interesses do mundo. Então fê-lo ingressar nos ambientes onde se estudavam e se
faziam comunicações com os "mortos", fenômenos ocultos que naquela época eram
conhecidos por "Cabala". Jesus devotou-se profundamente a essa doutrina que lhe era eletiva,
desafogando o seu espírito no intercâmbio espiritual. Durante o dia procurava auscultar todas
as criaturas que defrontava na existência e à noite entregava-se aos estudos esotéricos. Mesmo
quando, por diversas vezes, tentou emprego em Jerusalém, sem qualquer êxito técnico ou
prático, jamais abandonou suas investigações do mundo oculto, nem se afastou do contato de
José de Arimatéia.
Em verdade, dos 12 aos 30 anos Jesus pareceu evitar qualquer aparecimento no
cenário do mundo profano, como se desejasse mobilizar todas as forças para o desiderato final
do Calvário. Por isso, ninguém lhe encontra feitos de realce ou movimentos ostensivos que
marcassem sua figura no ambiente comum do povo e se fizesse algo importante para a história
situá-lo em destaque. No entanto, se a história profana ignorou a presença do Mestre no
cenário do mundo terreno, jamais alguém na tradição histórica assumiu o vulto moral da
personalidade de Jesus.
174
notícias colhidas cuidadosamente entre os companheiros de Jesus e de outras pessoas que o
teriam conhecido. Marcos compôs sua história com o material que podia recolher entre os
freqüentadores de sua casa, nas reuniões cristãs. Daí certas contradições ou incoerências que
se notam entre as quatro narrativas, pois a descrição ou relato do que"ouviu dizer" é sempre
diferente do que se viu pessoalmente.
As dúvidas e contradições dos relatos dos quatro evangelistas são apenas quanto aos
detalhes e pormenores da vida do Mestre e seus feitos, mas não alteram a essência de suas
idéias e de seus ensinamentos. Pode existir diferença de minúcias nos relatos de suas curas,
alteração cronológica em suas peregrinações ou acontecimentos messiânicos, mas sem
quebrar o fio de ouro que liga as contas de sua doutri na. Cada um dos relatos dos
evangelistas se identifica com os outros três, embora variem quanto à maneira de se
expressarem. Sem dúvida, entre o que os evangelistas ouviram, disseram ou escreveram, e os
relatos que chegaram ao vosso século, há contradições, por vezes, flagrantes e absurdas,
devido à intervenção indébita que os quatro evangelhos sofreram posteriormente, para atender
a certos interesses religiosos. Não podemos acoimar os evangelistas de capciosos, nem de
levianos, se não podemos identificar a realidade exata de suas narrações.
As autoridades religiosas, quando da formação da nova Igreja, ajustaram narrativas
particulares à biografia de Jesus, interpondo nos evangelhos originais certos mitos já consa-
grados por outras crenças. O Cristianismo, em sua feição iniciática, era desprovido de ritos,
liturgias, oferendas e compromissos religiosos; evidenciava-se pelas reuniões singelas nas
casas dos discípulos e de quem se propusesse reunir-se em "nome do Mestre Jesus". A
principal autoridade entre os apóstolos, discípulos e fiéis era a compostura moral e a pureza de
intenções, pois não havia clima favorável para evidências hierárquicas, nem vaidade para se
julgarem novos mestres e lideres. Jesus ainda estava vivíssimo na alma daquela gente simples
e pura de coração. A ele, somente a ele, sentiam-se obrigados à devoção e à homenagem.
Assim, os primitivos relatos dos evangelistas não autorizam distinções hierárquicas,
cerimônias de aparato público, vida conventual ou especulação de oferendas, como se fazia no
tempo de Jesus, mas foi censurado por ele.
Surgiram então diversos evangelhos apócrifos. Porém, só foram aceitos como
autênticos os evangelhos segundo Lucas, Marcos, João e Mateus. E nestes também introduzi-
ram relatos apócrifos, alterando alguns fatos da vida do Mestre. Além disso, as traduções do
original grego para o latim e outros idiomas têm, igualmente, sofrido alterações; algumas até
ingênuas e ridículas; outras, propositais ou capciosas. A própria linguagem dos apóstolos, em
certos aspectos, não corresponde à sua índole psicológica, pois João, filho de humilde
pescador, passa a relatar assuntos comuns em linguagem altiloquente; e Lucas preocupa-se
mais com o caráter histórico dos fatos, do que mesmo com o conteúdo doutrinário da vida
de Jesus. No entanto, aproxima-se a época em que os relatos evangélicos serão
escoimados de suas incongruências e interpolações interesseiras, surgindo a limpidez da
movimentação e do pensamento exato de Jesus. Os espíritos superiores, desde o início deste
século, confiando na sensatez e lógica da doutrina espírita, acertam os valores
mediúnicos que, pouco a pouco, revelarão a verdade cristalina da vida do Espírito mais
sábio e Justo que viveu na Terra, sem derrogar as leis e os costumes normais da vida humana.
A colcha de retalhos, mitológica e ilusória, tecida por interesses religiosos para encobrir a
verdade, será removida, surgindo o Jesus Angélico, mas despido de lendas, mitos e de
crendices dogmáticas do passado.
Esse trabalho de joeiramento do conteúdo dos evangelhos já se iniciou com Kardec,
através de suas corajosas interpretações à luz da realidade dos ensinos de Jesus, pois despojou
o Mestre de sua aura miraculosa, sem ferir as prerrogativas superiores do admirável
Espírito Sábio e Bom, que lançou realmente as bases da libertação definitiva do homem.
Com o advento do "Consolador" prometido, através da manifestação espírita, já se inicia,
175
realmente, a "segunda vinda" do Cristo, cuja luz se derrama sobre toda a humanidade. Os
Espíritos responsáveis pelo ajuste e fidelidade das narrativas apostólicas já estão
procurando localizar médiuns sem partidarismos ou idéias preconcebidas, libertos do
velho condicionamento religioso, a fim de fazerem fluir sobre eles a idéia correta e
cristalina da atuação de Jesus entre os homens. Ele foi um Deus sem ser o próprio Deus,
pois, como embaixador das luzes do plano angélico, viveu exclusivamente para os homens
como o Pai viveria para as suas criaturas. O próprio Jesus, já de há muito tempo, opera
sobre o orbe terráqueo coordenando instru-
O Sublime Peregrino
ções que proporcionem o clima acessível à mais breve exatidão de sua passagem pela
Terra. É necessário que a humanidade abandone a incerteza, a desconfiança e a descrença na
obra do Mestre Jesus, pois em vez de um legislador moral coerente, genial e humano,
transformaram-no em um Mito, que não se ajusta ao cenário do mundo material.
176
rua, recebendo insultos e sofrendo prejuízos por parte daquele que viera ensinar a perdoar
incondicionalmente.
O Cordeiro de Deus era dócil, pacífico e respeitoso em todos os seus atos e atitudes.
Assim o demonstrou diante da mulher adúltera, ante a negação de Pedro e na traição de Judas.
Sua missão não era de turbulência, nem de alterar os costumes tradicionais de uma cidade.
Jesus descera à Terra para viver, à luz do dia, as lições do Amor e Piedade, em toda sua
extensão. Alma cósmica, compreensiva e sábia, não tinha quaisquer recalques de cólera.
Enérgico diante das injustiças contra os fracos, jamais se transformaria num agressor vulgar
atacando um punhado de homens ignorantes e necessitados de ganhar a vida. Tais vendedores
não exerceriam o seu comércio se isso lhes fosse proibido pelo sacerdócio hebreu, que era a
forma dominante para dirigir o povo.
PERGUNTA: — Mas não teria ele agido bem se, de fato, tivesse advertido que
a Casa de Deus deve ser uma casa de oração e não um "covil de ladrões"?
RAMATÍS: — Chamar o templo de Jerusalém "covil de ladrões" representaria
um insulto aos sacerdotes e ao povo de Israel; e Jesus seria incapaz de insultar alguém. Aliás,
ele apenas considerava aquele local como um detestável e sangrento matadouro de aves,
carneiros e bois. A sua noção de "Casa de Deus" era bem mais extensa, conforme no-lo
demonstrou quando o seu pensamento, esvoaçando pelo Cosmo e situando os planetas
habitados por outras humanidades em maior ascensão espiritual, disse textualmente: "Na casa
de meu Pai há muitas moradas". Ademais, os narradores ainda cometeram o disparate de
transplantarem para os lábios de Jesus as mesmas palavras proferidas pelo profeta Isaías, do
Velho Testamento, referentes a outros assuntos: "Minha casa (a casa de Deus) será
chamada casa de oração". E, quando o fazem terminar a sua indignada expulsão dos
vendedores, atribuem-lhe ainda outras palavras que foram exprobações de Jeremias:
"Mas vós a tornastes um covil de ladrões"!
Os cambistas que, à distância, faziam seus negócios, eram modestos vendedores
ambulantes, cuja féria mal lhes garantia o pão de cada dia. Se ele cogitasse, realmente, de
expulsar os "vendilhões do templo", teria que iniciar sua ação corretiva de dentro para fora, ou
seja, enxotando primeiramente os próprios sacerdotes e os seus sequazes desonestos. Além
disso, seria absurdo que um forasteiro, de visita à cidade santa, provindo da Galiléia, que
era lugar de gente rude e de pescadores ignorantes, se pusesse a agir daquele modo, sobre-
pondo-se à lei ou hábito vigente na cidade.
Se Jesus houvesse açoitado o mais insignificante vendedor, os outros o subjugariam
imediatamente, impedindo que o galileu recém-chegado do interior os agredisse e lhes cau-
sasse prejuízos. E os vendedores eram consentidos e tributados por lei. Por conseguinte, Jesus,
como bom hebreu e respeitador das leis do país, não iria protestar, em público, mediante
violência agressiva, contra o que sabia ser licito.
O sublime Jesus do"Sermão da Montanha" que perdoou e consolou a mulher adúltera,
que recomendou a caridade do perdão "setenta vezes sete", que aconselhou a entregar a face
esquerda a quem nos bate na direita, certamente, jamais, incorreria na violência e
desordem agressiva, que lhe é atribuída contra os vendedores que negociavam nos lugares
permitidos do templo de Jerusalém. A sua compreensão angélica tornava-o tolerante e piedoso
para com todos os pecadores. Era enérgico, decidido e heróico, mas sem a violência da ira ou
da paixão agressiva.
Por conseguinte, não é somente o caráter impoluto, a contextura psicológica, a agudeza
espiritual e a sabedoria cósmica de Jesus que contestam a possibilidade desse incidente
chocante e que imerecidamente lhe atribuem, mas a própria tradição, os costumes e as leis
judaicas o desfazem facilmente. Os hebreus eram intransigentes em questão de fé e devoção
177
religiosa e jamais contemporizavam com os seus preconceitos de"puro" ou"impuro" nas mil
distinções que faziam em suas vidas e afazeres mais triviais. Os próprios romanos, que eram
considerados impuros pelos hebreus, evitavam, a todo transe, atravessar as linhas divisórias do
templo, temerosos da fúria do populacho fanático, que daria a própria vida para evitar tão
grave profanação e impureza em sua área sagrada.
Jesus advogava a liberdade do ser, mas condenava os impulsos do instinto animal, que é
próprio dos brutos. Mesmo quando ele usou de certa severidade sentenciosa, apontando os
fariseus de"tumulos caiados por fora e podres por dentro", ainda o fez sem individualizar
pessoas. Não feria indivíduos, mas uma classe que se mostrava hipócrita, perversa, propensa
às honras mundanas e aos gozos materiais, embora aparentassem uma religiosidade piedosa e
fanática.
Jesus tinha um senso crítico elevado; burilava o seu pensamento e o vestia com justeza
de palavras; era imune tanto à lisonja como à censura e os seus conceitos sobre aqueles que
empanavam a beleza da vida tornavam-se lições inesquecíveis. Diante da mulher adúltera, o
seu coração generoso absolveu-a e ordenou-lhe que não pecasse mais. Porém, diante da
atitude dos que queriam apedrejá-la, o Mestre, rápido, traçou-lhe na areia a terrível sentença:
"Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado."
Jesus era a imagem autêntica do anjo, derramando-se em amor pelos infelizes e
deserdados; mas era também a figura da Justiça, do Direito e da Moral. Muitas vezes o anjo se
afastava para surgir o sábio ou o legislador impoluto, que jamais se submetia ao servilismo de
pactuar com as exploruções dos poderosos e a ganância dos ricos.
178
PERGUNTA: — Não terá sido possível que os compiladores ou tradutores dos
evangelhos hajam feito neles certas interpolações, baseados em elementos de outros credos
ou em lendas mitológicas? Que razão haveria para que nos legassem uma obra
contraditória em certos pontos e confusa em muitos outros?
RAMATíS: — O caso é facilmente explicável. Existiam mais de quarenta
evangelhos, todos diferentes entre si. Estes evangelhos foram selecionados pela Igreja, ficando
reduzidos a quatro, os quais, já eivados de erros, continuaram sendo traduzidos das
cópias primitivas; e ainda lhes fizeram outras interpolações, acréscimos e ajustes, no sentido
de garantir interesses religiosos em jogo.
Como a mentalidade mais parecida com a de Jesus, na identidade do modo de agir,
fora Buda, que pregara seiscentos anos antes, na índia, os compiladores dos evangelhos
usaram e abusaram de velhas lendas ligadas à vida de Buda. Algumas vezes há nos
evangelhos certos respingos lendários de Zoroastro, de Confúcio e de Lao-Tse, que também se
confundem facilmente com a tradição budista.
179
na oração solitária: "Foi para o deserto; vigiou só, durante a primeira hora".
Moisés jejuou quarenta dias no deserto e foi tentado pelo povo, que preferia o bezerro de
ouro; Buda jejuou vinte e oito dias e Maya o tentou; Zoroastro, no deserto, foi provocado por
Ahrimã; e Jesus foi para o deserto, jejuou, e Satanás ofereceu-lhe reinos e tesouros para o
tornar senhor do mundo. Quantas controvérsias religiosas têm provocado esses episódios,
consecutivamente atribuídos a todos os missionários? Que vale essa teimosia em fazer o
Mestre jejuar no deserto e repelir Satanás, quando a sua força estava presente, minuto a
minuto, no seu amor aos desgraçados, no seu perdão aos algozes e na sua renúncia à vida, para
vencer a morte?
Ainda hoje se conturbam as religiões católica, protestante, adventista e seus
discípulos, por causa da simples cerimônia de Jesus se deixar batizar no rio Jordão, por João
Batista, o que, aliás, também acontecera com Buda, em Savathi, na índia, consagrado por um
iogue chamado Sangaravo. No entanto, cessariam todos os conflitos, aprovar-se-iam todos os
esforços religiosos e extinguir-se-ia toda crítica desrespeitosa se atendesse, de verdade, a esta
simples sentença de Jesus: "Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti
mesmo!"
Não importa que mil outros profetas tenham dito a mesma coisa, em outras palavras
ou dialetos. Ninguém se anima a protestar contra essa força poderosa que sustém todo
pensamento crístico, porque o Mestre viveu integralmente todos os seus ensinos. E é nisso
que consiste o seu valor e a sua glória, que dispensam milagres, alegorias, mitos, tabus
e interpolações feitas nos evangelhos. Mesmo no século XX, os missionários modernos, das
instituições espiritualistas, fraternidades e movimentos religiosos, continuam a repetir o que já
disseram Jesus e seus precursores, pois o seu trabalho é o de renovar o espírito da Verdade que
viceja sob tais ensinamentos.
O conteúdo do ensino de Jesus, que constitui o seu Evangelho, fulgura, expande-se e
forma a cúpula radiosa da libertação espiritual, porque a sua figura central, o esperado
Messias, realmente viveu a vida que aí define o tipo superior do Homem-Luz.
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CAPITULO 25
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credenciais superiores de Mestre, eis que ele curvou-se humilde e lavou os pés dos seus apóstolos.
182
seus participantes como um testemunho moral superior e de garantia no futuro.
Também não se tratava de um"enredo teatral"exigindo de cada personagem a sua
entrada no momento propício e conforme a "deixa" do diretor, mas, em verdade, Jesus
convocara espíritos amigos e heróicos para testemunharem livremente em favor do
Cristianismo. Mas todos eram livres em suas ações, e a prova disso é que alguns não se
mantiveram à altura do seu compromisso espiritual na hora de sua ação; outros recuaram,
amedrontados, bem antes do seu testemunho.
O próprio colégio apostólico estremeceu na hora trágica da prisão e da crucificação
do Mestre Jesus. Pedro, interrogado pelos esbirros do Sinédrio, negou a sua condição de
discípulo; Tiago, filho de Alfeu, precipitou-se para a primeira sinagoga e ali se pôs a orar de
janelas abertas, numa demonstração de fé veemente a Moisés. Simão Cananeu e Bartolomeu
sumiram de Jerusalém, Tomé, Felipe e Alfeu cautelosamente buscaram abrigo em casa
amiga. Judas já havia se comprometido pelos seus ciúmes e imprudências, servindo de
cobaia estúpida aos objetivos maquiavélicos do Sinédrio. Mesmo Gamaliel e Nicodemus,
que também deviam participar direta e corajosamente do movimento cristão, cumprindo-lhes
o dever precípuo de anotarem os acontecimentos da vida de Jesus para a segurança histórica
dos vossos dias, mal deram seus testemunhos em rápidos diálogos e contatos com o Mestre.
Os próprios irmãos de Jesus, filhos de Débora e de Maria, eram espíritos incluídos
solidamente no esquema do Cristianismo, devendo cercá-lo de uma aura fraterna e afetiva,
compensadora das dores do mundo profano. No entanto, afora Tiago, irmão de Maria,
fervoroso e confiante; suas irmãs Elisabete e Ana, meigas e amorosas; e Eleazar, filho de
Débora, sempre contemporizador; e Tiago, o menor, que chegou a acompanhá-lo nos últimos
momentos, os demais irmãos lhe foram hostis. Efrain, o mais rico de todos, chegou a insultá-
lo em público, alegando que Jesus não passava de um maníaco comprometendo a própria
família com suas idéias perturbadas.
Assim, os Mentores do Orbe ainda tiveram de efetuar alguns acertos, reajustes de
última hora e afastar elementos estranhos e perigosos à integridade espiritual da obra cristã,
pois só cuidavam dos seus interesses pessoais. No entanto, Jesus conseguiu cumprir o
empreendimento messiânico a contento do Alto. É certo que ele seria fatalmente sacrificado,
independente da atitude vil de um Judas, da conveniência política de Pôncio Pilatos, do ódio de
Caifás e da imprudência sediciosa dos seus próprios discípulos em Jerusalém. Sem dúvida, outros
homens do mesmo tipo psicológico, poderosos e corruptos, perseguiriam e crucificariam Jesus, logo
que ele lhes fosse entregue indefeso. Porém, Jesus não sabia em"consciência física", qual seria o
clímax de sua vida na Terra, embora jamais cessasse o chamado oculto e insistente que se fazia em
sua alma, superando-lhe os prazeres da carne e extinguindo-lhe o desejo, por quaisquer bens do
mundo. Era um apelo misterioso e implacável, que lhe despertava um estranho júbilo e o tornava
venturoso à perspectiva do martírio em favor do gênero humano. Jamais ele temeu a morte e
considerava-se feliz sacrificando-se pela ventura alheia.
Mas depois que se fez discípulo de João Batista e submeteu-se ao batismo no rio
Jordão, ele sentiu mais fortemente aquela ansiedade oculta conjugada ao seu ideal. Ante as
sentenças e os anátemas severos que João Batista proferia em suas pregações contra os ricos e os
poderosos, censurando os pecados, as paixões e os vícios que mortificam a alma e afastam o
homem de Deus, Jesus então percebeu as linhas fundamentais do roteiro que também sonhava
realizar na Terra. Jamais opunha dúvida àquela "voz oculta" que o advertia no âmago do ser,
instigando-o a uma campanha superior no mesmo estilo das idéias proclamadas por Batista. E
então dissiparam-se todas as suas vacilações e dúvidas.
Porventura ele seria realmente o Cristo 1 tão esperado, conforme lhe dissera João Batista
e ouvia das confabulações misteriosas dos seus apóstolos? Mas Jesus, além de ser um Anjo era um
Sábio, cuja humildade jamais convenceria de ser o Messias esperado, o Cristo ou o Filho de
Deus predito pelos profetas do Velho Testamento. Só os homens cabotinos, sem o senso crítico
183
da noção psicológica que esclarece a mente, é que se arvoram ostensivamente em salvadores
dos povos, líderes fanáticos ou eleitos divinos, antes de cumprirem qualquer realização sadia e
nobre que os exalte de modo excepcional.
Contudo, Jesus ainda ignorava que a poderosa"Voz Oculta" que o impelia estoicamente para
a renúncia de sua própria vida em favor do gênero humano, provinha do próprio Cristo Planetário,
que a partir da cena do batismo, no rio Jordão, atuava-lhe cada vez mais intimamente,
fortalecendo-lhe a alma para qualquer desiderato trágico no desempenho de sua Missão. 2 Dali por
diante o Mestre Nazareno firmou-se na caminhada pelo mundo e se deixou conduzir confiante e
jubiloso na consecução da obra cristã, em perfeita sintonia com a sua vocação espiritual. Entregou-
se decididamente à pregação da Boa Nova e do "Reino de Deus" e suas palavras e pensamentos
saíam-lhe dos lábios num influxo tão intenso e caloroso, que seduziam as criaturas mais ferinas e
produziam renovações instantâneas no seus ouvintes. Muitas vezes ele sentiu-se desligado da
própria carne, embriagando-se na efusão espiritual venturosa, que lhe envolvia a alma heróica,
assim como lhe acontecera durante o "Sermão da Montanha" e na "Transfiguração" do Monte
Tabor.
Deste modo, embora Jesus não tivesse certeza absoluta do fim trágico de sua existência, ele
pressentia a necessidade de um sacrifício, que seria o corolário sublime de sua vida.
184
integridade moral de Jesus no desempenho de sua missão sacrificial na Terra. No entanto, como
se tratava de um espírito angélico, sem qualquer culpa cármica, era justo que recebesse todos os
estímulos e sugestões adequados para o melhor desempenho na exposição dos motivos em torno do
"Reino de Deus". Era um mensageiro voluntário, que descia à Terra para convidar os homens
a participar definitivamente de um mundo de paz e de harmonia, onde todos seriam limpos de
suas mazelas e libertos de seus pecados. Deste modo, Jesus teria de movimentar na face do orbe
terreno as mais belas imagens e idéias fascinantes, no sentido de atrair e comover os seus ouvintes
para se interessarem pelo amorável "Reino de Deus".
Apesar de sua natureza angélica e do seu otimismo espiritual, Jesus também sofria os
efeitos depressivos próprios das regiões tristes e hostis do mundo físico. Malgrado se diga que
o ambiente não influi nem modifica o conteúdo espiritual do ser, a emotividade e a disposição
mental das almas encarnadas dependem consideravelmente das condições e das circunstâncias do
meio onde elas passam a viver. O Espírito angélico, depois de encarnado na Terra, fica limitado
em sua natural expansividade e no júbilo espiritual, que são próprios do mundo edênico que lhe
é peculiar. Em conseqüência, Jesus também necessitava de estímulos afins à sua missão e de
motivos do próprio mundo onde se manifestava, a fim de delinear com mais vitalidade espiritual
os contornos do mundo venturoso que prometia a todos os seus ouvintes. A narrativa bela e
atraente de suas parábolas carecia dos recursos estéticos do próprio mundo onde ele vivia, pois
seriam motivo de atração, estímulo, fé e confiança para os seus ouvintes.
Não se pode desejar o êxtase do santo, nem exigir do poeta a composição de sublime
poema, se os colocamos no ambiente repulsivo de um matadouro. Se o meio influi na educação
do homem, é óbvio que também influi no seu estado de espírito e nas suas emoções. As músicas
pesarosas são obras de compositores nascidos e vividos em países melancólicos, de atmosfera
triste, úmida e nevoenta, que enregela a alma e a algema aos motivos pessimistas. No entanto, a
música alegre, buliçosa e contagiante, é originária dos países tropicais, onde as criaturas se
fartam de luz, sol, ar e cores festivas.
Eis por que os Mentores do Planeta Terra também resolveram situar o Mestre Jesus num
cenário poético, ameno e convidativo, farto de luz, poesia e cores, para servir-lhe de sugestão
encantadora à sua alma e associar-lhe as lembranças semelhantes dos planos de beleza e encanto do
verdadeiro "Reino de Deus" que lhe cumpria pregar aos homens.
185
fascínio dos lagos, em cujo dorso ondulado pelo vento balsâmico descido das colinas
formavam-se rendilhados de espumas branquíssimas deslizando sobre a água de um esmeralda
translúcido. Os trigais, as margaridas que atapetavam o Jordão, os narcisos dispersos pelos
campos e os punhados de papoulas como um fogo vivo, curvavam-se quando a brisa cariciosa os
agitava docemente. O perfume balsâmico de toda a vegetação flutuava no ar; ele vinha nas
pétalas das flores, nos confetes vivos desfolhados dos pessegueiros, das macieiras e das
ameixeiras floridas, que balouçavam suavemente. Ou então evolava-se dos bosques isolados nos
vales, carregados do odor agreste e penetrante das parasitas e das frutas silvestres. À noite, a
superfície dos lagos tranqüilos refletia o manto veludoso e azul-marinho da abóbada celeste
pontilhada de estrelas luzindo como lantejoulas vivas.
Então, Jesus entrecerrava os olhos sob a inspiração da paisagem deslumbrante e poética da
Galiléia. Projetava esse quadro encantador da natureza na sua mente angélica, de imaginação
poderosa. Assim, o seu espírito conseguia evocar alguns matizes do seu mundo celestial
mediante as imagens sublimes de Nazaré, as quais eram-lhe uma suave compensação no mundo
terráqueo.
As montanhas da Galiléia recortadas nos horizontes resplandecentes, a policromia
mágica das cores vivas do pôr-do-sol, esgarçadas nas fímbrias das nuvens, os trinados eufóricos
das aves canoras e o balido das ovelhas nas encostas das campinas, conjugado aos cantares
bucólicos de seus pastores, tudo nesse conjunto paradisíaco constituía uma espécie de sinfonia
cósmica flutuando, vibrando no ar como um cântico de reverência ou gratidão sonorizada dirigida
ao Criador de todas as maravilhas da Natureza.
A tranqüilidade da cidade de Nazaré, formando um anfiteatro natural na encosta dos
morros; as suas ruas estreitas, de lajes e pedras lascadas, sem a tortura dos veículos modernos; as
casas simples e humildes, brancas como as toalhas alvejadas a anil, embora sem os rendilhados da
arte helênica e sem a suntuosidade das edificações romanas, eram simpáticas, hospedeiras e
graciosas; exalavam um ar amigo no seio dos jardins floridos e eram suave calmante para a
visão fatigada. Jamais Jesus quis trocar o casario simples e acolhedor de Nazaré pela ruidosa
metrópole de Jerusalém, onde os nervos se esfrangalhavam sob a ofensiva de gritos, brados, rixas,
ameaças e pregões de todos os tipos e raças. Nas suas ruas, praças e terrenos baldios, aglomera-
vam-se as multidões inquietas e turbulentas, exigindo, a todo momento, a intervenção das
patrulhas romanas ou a dos esbirros do Sinédrio. Quando o Mestre Jesus esteve em Jerusalém,
aos 23 anos de idade, após a morte de José, ele buscou empregar-se nas carpintarias da cidade,
a fim de cooperar junto à família. Mas, ao retornar à Galiléia, isso foi-lhe um refrigério
balsâmico para os nervos e para a alma fatigada do bulício rixento das cidades populosas.
186
montanhas da Samaria e do Pereu, os golfos nutridos de água azul-turqueza resplendente, os rios
tranqüilos, o bulício dos regatos cristalinos entre o musgo esverdeado das pedras e a fragrância
balsâmica do ambiente tão generoso. A Galiléia era pobre e ingênua, mas Jesus a preferiu, em
comparação ao cenário rico e fulgurante da Pérsia, de Alexandria, Atenas ou Roma, cujas
nações ainda se turbavam pelo excesso de orgulho e ambições insatisfeitas.
Preferia os galileus, rudes, mas sinceros; pobres, mas honestos; simples, mas generosos;
rixentos, mas hospedeiros; gritalhões, mas emotivos como as crianças. Nazaré era pródiga de
frutos, peixes e vegetais e, por isso, ali se podia dispensar a necessidade dos matadouros e
xarqueadas, que tanto ensangüentavam a face dadivosa da natureza. Em Nazaré, os judeus eram
displicentes até com as suas festividades tradicionais da matança do bom carneiro ou da ave
consagrada. Ali era o cenário ideal para Jesus pensar e cumprir a sua obra dadivosa de amor e
paz.
187
exaurido ante o potencial de sua própria voltagem angélica. Ele sucumbiria alguns meses
depois por síncope. E a prova disso é que o próprio Pôncio Pilatos mandou investigar o motivo
de Jesus ter perecido na cruz em tão poucas horas.
O Amado Mestre desencarnou na época psicológica exata e de melhor aproveitamento
espiritual para a Humanidade. Antes disso o desencarne seria "prematuro" e depois "tardio".
Batista, Pedro, João, Paulo de Tarso, Maria Madalena, José de Arimatéia, os essênios, os
cabalistas e alguns outros que ficaram no anonimato, também surgiram e interferiram na hora
prevista do seu compromisso espiritual "pré-encarnatório". Embora não houvesse um
fatalismo absoluto no advento do Cristianismo, cada elemento humano participou de sua
realização conforme a sua categoria espiritual e deixou a sua lição útil e inesquecível no mundo
terreno. Afora alguns senões humanos e já mencionados, as principais peças vivas convocadas
para cooperar na missão evangélica do Sublime Peregrino cumpriram com fidelidade e segurança
as suas promessas espirituais. Além disso, alguns puderam retificar o seu passado cármico pela
excelente oportunidade concedida pelo Mestre Jesus, quando através do testemunho de suas
próprias vidas e da abdicação de bens e venturas no mundo material, selaram sacrificialmente a
base dos postulados redentores do Evangelho.
188
1 — Realmente, Cristo era palavra grega que também eqüivale a Messias, o
Esperado, o Enviado de Israel. Vide João, 1:34-41:"E eu o vi, e dei testemunho de que
ele é o Filho de Deus". "Temos achado o Messias (que quer dizer o Cristo)".
2 — Lucas, 3:21-23:"E aconteceu que, como recebesse o batismo todo o povo,
depois de batizado também Jesus e estando em oração, abriu-se o céu. E desceu sobre
ele o Espírito Santo em forma corpórea, como uma pomba; e soou do céu uma voz que
dizia: "Tu és aquele meu filho especialmente amado; em ti é que tenho posto toda a minha
complacência. E o mesmo Jesus começava a ser quase de trinta anos". Sem dúvida,
isto foi um fenômeno de alta transcendência mediúnica, em que a pomba refulgente e
imaculada era um símbolo evidente da manifestação do Cristo Planetário, atestável pela
vidência dos mais sensíveis. Ainda hoje são muito freqüentes os símbolos entrevistos pelos
médiuns videntes, e que se referem a acontecimentos transcendentais sem analogia com os
fenômenos do mundo material.
189
CAPITULO 26
Jesus e os Essênios
PERGUNTA: — Mas por que não chegaram até nós as provas de que Jesus
viveu entre os Essênios?
RAMATÍS: — Porque o Mestre não pertenceu, não se filiou propriamente à
Confraria dos Essênios, mas entreteve relações amistosas, embora tenha participado dos ritos
internos, que os próprios mentores Essênios os achavam dispensáveis para uma entidade do seu
quilate. Acresce, que os Essênios do "Círculo Interno", cujas práticas ficaram ignoradas dos
profanos, faziam questão cerrada de se conservarem no mais absoluto anonimato, o que levou
os historiadores a descrerem de sua existência, exceto quanto aos terapeutas ou adeptos
externos.
Acontece, também, que Jesus jamais propalou a sua condição de membro honorário da
Confraria dos Essênios, onde o sigilo era um voto de severa responsabilidade moral. Em
conseqüência, salvo João Evangelista, que conhecia tal disposição do Mestre Jesus e dos seus
contatos com os Essênios, ninguém mais pôde identificá-lo a esse respeito. Assim, nada consta
nos próprios evangelhos escritos posteriormente à morte de Jesus, nos quais há muitas
contradições entre si, pois algumas lendas substituíram fatos autênticos e certas interpolações
descrevem coisas que não aconteceram. Além dessas incoerências, que deixam os estudiosos
hesitantes, se ainda há quem oponha dúvidas até quanto à existência do Rabi da Galiléia, não
190
é de admirar que duvidem de suas relações ocultas com os Essênios„
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PERGUNTA: — Quais os principais indícios que podem informar-nos da
vivência de Jesus entre os Essênios?
RAMATíS: — Os estudiosos ocultistas sabem que algumas regras e alguns
princípios adotados pelos cristãos em suas atividades doutrinárias já traíam algo as práticas e
os votos essênios da época. É certo que Jesus, espírito sábio e admiravelmente prático,
escoimou os ensinamentos essênios de suas complexidades, votos fastidiosos,"mantras" ou pos-
turas iniciáticas que pudessem obscurecer a essência espiritual e dificultar as relações entre os
discípulos e o Mestre, no mundo profano. Os princípios superiores que ele cultuou na
intimidade dos santuários essênios, depois os simplificou diante do público comum, na
forma de aforismos e parábolas da mais elevada sabedoria espiritual. Ele ensinou os seus
discípulos a viver à "luz do dia" os mesmos princípios e votos que muitos adeptos só o
podiam fazer entre as colunas do templo iniciático.
Alguns dos seus atos no mundo profano eram semelhantes aos preceitos dos Essênios,
como o seu modo peculiar de fluir a água, fazer passes e impor as mãos na cabeça dos
enfermos. Os Essênios do "Círculo Interno" eram absolutamente vegetarianos e mesmo o peixe
só era permitido à sua mesa na falta absoluta de frutos e legumes. Eram celibatários,
condenavam a escravidão, opunham-se à guerra, à violência, gostavam da vida em comum e
eliminavam as fronteiras de castas e diferenças sociais. Não admitiam mulheres em suas
reuniões, assembléias e conselhos, coisa em que o Mestre Jesus também não transigiu, nem
mesmo com Madalena ou Maria, sua própria mãe, que fizeram menção de participar da
tradicional cerimônia do "lava-pés" e da "última ceia" entre os apóstolos.
Os Essênios eram contemplativos e oravam com a face voltada para o Oriente, quando o
Sol nascia; eram frugais na alimentação, moderados no vestir e completamente despreocupados
dos bens do mundo. Não se deixavam atrair pelas moedas e jóias, cuja indiferença o próprio
Jesus revelou advertindo Judas de que "não lhe pesasse a bolsa de dinheiro" ou então quando
de sua sentença clara e insofismável, em que destacou perfeitamente a "moeda que era do
mundo de César, e os bens que eram do mundo de Deus"! Mesmo os discípulos externos ou
terapeutas sem iniciação esotérica evitavam as profissões desairosas, extorsivas ou somente
especulativas; eram agricultores, artistas, cientistas, carpinteiros, oleiros ou pescadores. Jamais
se metiam na politica, em negócios de agiotagem ou nas profissões de açougueiros, fiscais,
esbirros, militares, negociantes de penhores, oficiais de justiça, criadores de aves ou animais
para corte nos matadouros. Serviam a Deus pela santidade de espírito e pelo trabalho benfeitor
ao próximo; aceitavam a reencarnação como um postulado fundamental de sua doutrina, coisa
que nenhum judeu mosaísta admitia. A esse conceito essênio Jesus aludiu muitas vezes, quer
advertindo da volta de Elias encarnado em João Batista 1, como respondendo a Nicodemus,
que "ninguém pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo".
No entanto, só os Essênios eram reencarnacionistas, assim como o era Jesus. Eles não
sacrificavam no Templo nem faziam quaisquer oferendas a Jeová no intuito de obterem boa
colheita, êxito nos negócios e na saúde, coisa comuníssima entre os judeus de todas as classes
sociais e condições de cultura. Evitavam as grandes cidades e nelas sentiam-se fatigados entre
as multidões que se debatiam afogueadas pela cobiça, astúcia, ganância e pelo egoísmo humano.
Jesus também demonstrou sua ojeriza pelas grandes metrópoles e preferia a margem dos lagos
tranqüilos da Galiléia; adorava Nazaré e suas colinas, de onde podia espraiar o seu olhar angélico
até a fimbria do horizonte e revitalizar-se junto dos campos, das matas, dos lagos e dos rios.
Os Essênios também eram peculiarmente hospitaleiros, benevolentes, pacíficos e
inimigos de quaisquer desforras ou testemunhos de superioridade; viviam silenciosos, falando o
suficiente para servir e ensinar o próximo. Repeliam a ostensividade das preces e pedantismo
dos fariseus, o luxo das sinagogas e a dureza dos saduceus. Eram corajosos e leais nas suas
relações com os demais homens e sacrificavam facilmente a vida para não quebrar seus votos
iniciáticos. Diante da crueldade, da ironia ou de qualquer acusação alheia que trouxessem
192
prejuízos à confraria essênia, eles preferiam silenciar e morrer, antes de delatar ou mesmo
defender-se./Daí o hábito peculiar de Jesus como um admirador dos Essênios, ser de poucas
palavras, mas quando falava cunhava na face do orbe sentenças e conceitos imorredouros. Isto
ele o provou pelo seu majestoso silêncio diante dos seus juízes no Sinédrio, que o acusaram
cruelmente e mesmo diante de Pôncio Pilatos, que tentou suavizar-lhe a pena somente para
desforrar-se de Caifás.
Certas máximas evangélicas de Jesus eram verdadeiras paráfrases ou preceitos do mais
puro essenismo, tal como os ensinamentos da "porta estreita", "não ponhais a candeia debaixo
do alqueire" ou o conceito de"não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita",
ainda hoje sublimado no tronco das oferendas usado no seio da maçonaria. Aliás, o capítulo 7
de Mateus, em seus 29 versículos, é quase um resumo dos estatutos dos Essênios, elaborado
para graduar as diversas fases da iniciação dos neófitos nos santuários maiores. Outra narrativa
de Jesus de grande relevo espiritual iniciático é a parábola do "Festim de Bodas", quando ele
compara o céu a um homem rei, o qual manda lançar nas trevas exteriores o convidado que se
achava à mesa do banquete sem a veste nupcial. 2 No entanto, apesar de certa obscuridade no
relato ou dificuldade no entendimento da essência velada pelo simbolismo, os Essênios já
conheciam a existência do perispírito, como atualmente acontece aos espíritas. Os neófitos
aprendiam, em sua iniciação, que só depois de o espírito vestir a "túnica nupcial", ou purificar
o seu perispírito, é que ele poderia participar do "banquete divino" da vida celestial, pois, em
caso contrário, assim como aconteceu na narrativa do "Festim de Bodas", os que não vestirem
tal túnica serão lançados naturalmente nas regiões do astral inferior para se purificarem de
suas paixões animais.
Onde Jesus teria buscado tantas historietas e conceitos da mais pura simbologia
espiritual, caso não tivesse tido contato com os Essênios, quando entre os judeus devotos de
Moisés só se transmitiam ensinamentos áridos, complexos e violentos, como a "lei do olho por
olho e dente por dente"? Muitas das respostas do Mestre Galileu aos seus inquiridores
capciosos, que procuravam confundi-lo ou ironizá-lo, ele as firmara na tradição de certos
preceitos essênios, embora os tivesse simplificado em sua forma e vivificado no seu sentido de
mensagem espiritual.
193
relatos evangélicos e o ensinamento claríssimo da reencarnação foi obscurecido de modo a
permitir interpretações dúbias, como no caso de Nicodemus e de João Batista, em cujo original a
narrativa é perfeitamente reencarnacionista, pois se tratava de uma tradição essênia. Mesmo que o
Clero Romano tivesse identificado, a contento, a existência dos Essênios e a sua influência
benéfica na composição do Cristianismo, teria recusado essa contingência de Jesus ter participado
de uma seita cujos ensinos básicos contrariavam completamente as especulações religiosas da
Igreja Católica Romana.
194
os Essênios existiram com a precípua função de inspirar a obra de Jesus,
O Sublime Peregrino
é o fato de terem desaparecido logo depois da sua morte, um pouco antes de Tito destruir Jerusalém.
Surgiram um século e pouco antes do Mestre Nazareno e dispersaram-se meio século depois, assim como o
aluno diligente, que depois de fazer a lição pedida pelo professor, então se retira da escola.
Por que os Essênios não se situaram exclusivamente na Fenícia, na Índia, na Pérsia, na Arábia, na
África ou no Egito, preferindo instalar sua confraria benfeitora justamente na Judéia e, por "coincidência",
na Galiléia, terra onde nasceu e viveu Jesus? Que mistério ou feliz acidente reuniu a nata da espiritualidade
benfazeja, culta e sábia, na composição daqueles conselhos de anciões essênios, onde Jesus encontrava o
alento, a coragem, o estímulo e o carinho precisos para lograr o seu empreendimento tão prematuro para sua
época? Quem lhe deu tanta força e ânimo para cumprir, no tempo fixado pelo Alto, a paixão e o fecho trágico
do Calvário? Os três últimos anos de sua vida transcorreram sob uma inspiração oculta, vitalizante e
obstinada em direção aos objetivos redentores e ao sacrifício supremo na cruz. Ao pressentir o martírio no
fim de seus passos, algo o ajudava a sentir-se venturoso ante a perspectiva da própria morte!...
Sem dúvida, o Alto assistiu o Amado Mestre a todo momento de sua vida, exortando-o para
não desanimar sob a força dominante do instinto humano e a hostilidade do meio adverso à sua linhagem
angélica. Ele também usufruiu da amizade pura e sincera de seus companheiros, amigos e discípulos,
compensando-se da frieza e das censuras dos próprios parentes. Suas angústias, tristezas e saudades da
moradia venturosa, recebiam generosa compreensão e salutar compensação entre aqueles anciões essênios
libertos das ilusões da vida material e vivendo exclusivamente em função do espírito eterno. Qual o
gigante, o herói, o santo ou conquistador do mundo, que, por vezes, não precisou de um alento, um gosto
ou de uma palavra afetuosa de algum amigo ou conselheiro?
É indubitável que a mensagem evangélica libertadora de Jesus divulgada na Terra, há dois mil anos,
ainda era prematura para qualquer nação diferente da Palestina, cujo povo era fanaticamente
religioso em sua fé absoluta. No entanto, ali já se fazia a influência esotérica dos Essênios, pois
se viviam ocultos nas grutas e isolados em mosteiros, suas idéias e seus sentimentos eram
perfeitamente semelhantes aos princípios do Cristianismo. Transmitiam-se de homem para
homem, produzindo silenciosamente o clima eletivo para a frutificação das sementes do
sublime Evangelho. A seara cristã já estava com a terra pronta para a semeadura e garantida a
germinação através do "adubo” essênio. Ali pregava-se a idéia superior do amor a Deus e ao
próximo; pesquisava-se a imortalidade da alma e estudava-se a reencarnação; censurava-se a
guerra, o furto, a exploração, a avareza, o ódio e a vingança. Cultuava-se a bondade, o perdão, a
renúncia e o sacrifício da própria vida; faziam-se votos de retidão e de serviço ao próximo,
protegiam-se as crianças, amparavam-se os velhos e os enfermos, ensinava-se o respeito alheio e
o culto exclusivo dos bens do Espírito Superior.
Toma-se, portanto, evidente, que esse grupo de homens, cultuando isoladamente todas as
virtudes superiores do Espírito, era uma espécie de "embaixada" espiritual que descera à Terra
para receber o Messias, o qual, então, daria forma objetiva e didática aos mesmos princípios
que os Essênios cultuavam e os cimentaria com a substância do seu próprio sangue. Qual outro
povo ou confraria humana ofereceria condições mais eletivas e inspirativas ao Cordeiro de Deus
do que o judeu com sua fé e os Essênios com sua sabedoria espiritual? Os romanos, os gregos e
os egípcios viviam aferrados aos seus deuses de gostos tão epicuristas quanto os próprios
homens. Nessas civilizações pululavam credos, seitas, interesses e caprichos, que desuniam as
criaturas e as impediam de devotar-se a uma doutrina tão simples, humilde e popular como era
o Cristianismo. Os romanos ofereciam tributos a seus deuses, apelando para que lhes satisfi-
zessem os caprichos, os desejos e as paixões interesseiras. Os gregos perdiam precioso tempo nas
especulações filosóficas dos "porquês" intermináveis e na verborragia das sutilezas
irreverentes. Os egípcios, fanatizados ao culto de Osíris, faziam da morte que liberta um
motivo lúgubre de adoração que atemorizava e abatia o espírito. Qual seria o sucesso de Jesus
na exposição da ternura encantadora do Evangelho, enfrentando o sensualismo dos bárbaros, a
195
arrogância e o orgulho dos romanos ou mesmo a presunção e o envaidecimento cultural do
grego, que consumia o seu tempo a fazer acrobacias excêntricas no trapézio da mente?
Jesus, devido à sua renúncia e honestidade espiritual, poderia ter prescindido dos
Essênios na execução de sua tarefa redentora e mesmo sem eles também atingiria o Calvário
na "hora psicológica". No entanto, já não podemos afirmar o mesmo quanto à sobrevivência e
o sucesso do Cristianismo, sem o terreno adubado pelos Essênios.
196
em Roma, mas isso teria sido evitado se, em vez de desafiarem os anticristãos, tivessem vivido
os seus princípios de humildade e amor à luz do dia. Não basta morrer por um ideal, mas é
preciso viver em favor do adversário. A censura agressiva aos pecados alheios acirra o amor
próprio do próximo. Ao passo que a advertência paternal, o conselho fraterno de bondade e
amor é ouvido até com gratidão.
Jesus foi crucificado como o Cordeiro de Deus, devido à imprudência sediciosa dos seus
discípulos e não por efeito de quaisquer excomungações agressivas contra o próximo. Ele
aceitou a morte para não violentar a vida e preservar sua doutrina de Amor e de Paz. Justo e
inocente, não condenou os pecadores, virtuoso e bom perdoou incondicionalmente, vivendo só
em função da eterna máxima de que "Só o Amor salva o homem!" João Batista, no entanto,
preocupou-se demasiadamente com verberações acusativas aos homens, cujas paixões e
prazeres eram conseqüência de sua espiritualidade embrionária. Jesus morreu porque tentou
esclarecer os equívocos humanos de modo compreensivo e terno; Batista foi degolado por
acusar os pecados alheios. Diante da mulher adúltera é possível que João Batista a mandaria
lapidar para se cumprir a Lei de proteção à moral judaica. Jesus, no entanto, sem qualquer
passado trágico, libertou-a censurando os próprios algozes que a queriam punir. Todo
reformista religioso, moralista violento, agressivo e intransigente, talvez convença e arraste
multidões de fanáticos no seu encalço, mas nem por isso conseguirá convertê-los à doçura do
Amor!...
O Mestre Cristão pulverizou os costumes seculares, igualando senhores e escravos, santos e
prostitutas, ricos e pobres, numa ofensiva anárquica que condenava as especulações religiosas e a
idolatria extorsiva dos templos. Mas as suas palavras severas também eram meigas e amorosas,
pois ele censurava mas não condenava, advertia mas não insultava.
197
desses anciãos estiveram presentes às principais pregações de Jesus, como no caso do "Sermão
da Montanha" e durante a "Transfiguração", pois eles se misturavam humildemente entre o
povo comum. No monte Ebat funcionava o santuário dos Essênios que atendia à zona de
Samaria; no monte Carmelo e Tabor os santuarios para os galileus. Os peregrinos ou
moradores provindos da Síria e de povos semelhantes apreciavam freqüentar os santuários do
monte Hermon, onde os seus dirigentes também eram egressos daquelas zonas.
Não eram, propriamente, edifícios construídos nas cristas dos montes; tais santuários
eram escavados, com certo capricho, no interior das minas abandonadas, das grutas e cavernas
distantes das cidades principais. Ali os servidores instalavam essas comunidades primando
sempre pela higiene e estética, muito ao gosto dos Essênios, que até no vestir preferiam a cor
branca; só em casos excepcionais usavam um manto de lã azul escuro sobre os ombros,
também adotado por Jesus. Eram anacoretas de vida cenobítica, mas criaturas sensatas, afeitas
ao banho diário nos rios e cascatas, ao cuidado do cabelo e da barba, apreciadoras dos óleos
aromáticos, gosto bastante generalizado. Eram cultores do conhecimento esotérico, mas
sumamente equilibrados em suas atividades messiânicas; limpos, sadios e joviais, distantes dos
tradicionais profetas relaxados em matéria de limpeza e higiene e sempre excomungando os
homens e o mundo.
Seus santuários eram limpos, claros e agradáveis, com tapetes trançados de cordas e
feitos pelos próprios Essênios. Existia um salutar sistema de ventilação responsável pela
fluência do ar puro dos campos, do odor delicioso dos frutos de outono, ou do perfume agreste
das flores da primavera. Não eram criaturas epicurísticas usufruindo dos bens do mundo,
porém, espíritos sábios que se cercavam do conforto natural e apreciavam os ensejos
agradáveis da boa música e da arte, certos de que Deus jamais pedia a fuga do homem das
atividades do mundo educativo, em que Ele próprio sempre estava presente.
Em suas assembléias periódicas eram estudadas as providências e os socorros que se
faziam necessários e urgentes para o sustento e o amparo dos filiados rurais mais pobres,
dispersos pelas mais variadas regiões da Palestina. O próprio lar de Jesus, ante a prole tão
extensa de José e Maria, recebeu no devido tempo a contribuição essênia para solver as
dificuldades da família. Eles permaneciam unidos pelo mais puro senso de fraternidade
espiritual; e os mais decididos e laboriosos fundavam novas instituições regionais nas casas de
todos os filiados do círculo profano. Cautelosos e prudentes, puderam assim sobreviver na
atmosfera religiosa fanática e intrigante da Judéia, porque evitavam imiscuir-se em qualquer
atividade dos outros grupos religiosos.
198
santuários. Eles adquiriam a precisão no falar e no pensar, desapegavam-se dos bens materiais,
desenvolviam a memória e ajustavam sentimentos numa vivência superior. Por isso, durante a
tentativa sediciosa dos galileus, em Jerusalém, que resultou na prisão e crucificação de Jesus,
ali não participou um só adepto essênio do "Círculo Interno". Muitos dos valiosos
ensinamentos dos Essênios, e que no tempo de Jesus ainda cingiam-se a certos ritos e a uma
pragmática iniciática tradicional, hoje podem ser aprendidos e cultuados com facilidade, sem o
discípulo abandonar suas tarefas cotidianas e através de filiação a certas instituições espi-
ritualistas. Algumas dessas instituições modernas ministram lições admiravelmente práticas e
sem quaisquer complexidades, pois desenvolvem a mente e ajustam emoções do discípulo sem
exigências fatigantes ou compromissos exóticos. Aliás, insistimos em dizer que, depois do
advento de Jesus, já não se justificam as iniciações a portas fechadas.
Considerando-se que o Cristianismo tem convertido indivíduos das raças mais
exóticas, como o árabe, o hindu, o chinês, o japonês ou o próprio selvagem, é óbvio que os
Essênios encontravam mais facilidade em doutrinar o judeu especulador e obstinado, porque era
um movimento nascido e evoluído em sua própria pátria e ensinado pelos seus próprios
patrícios.
199
milenárias. Jesus também já havia estado com eles na Atlântida, quando viveu na Terra a
majestosa personalidade de Antúlio, o profeta sublime, que em época tão recuada já fundara a
"Fraternidade da Paz e do Amor", cujos adeptos ficaram conhecidos pela tradição esotérica
como os "Antulianos". E Jesuelo, o notável discípulo atlântido, que lhe foi fiel até os últimos
instantes da invasão dos bárbaros e da destruição do "Templo da Paz e do Amor", onde
sucumbiu Antúlio, também retornou à Judéia para o advento do Cristianismo, encarnado na
figura de João, o Evangelista.
Os anciãos essênios eram criaturas desprendidas de qualquer favorecimento no mundo
de formas e nada seria capaz de despertar-lhes a cobiça ou o desejo de posse. Mas não era
somente a idade avançada que os elegia para o alto comando dos Essênios, e sim a abdicação
incondicional da própria vida em favor de qualquer causa ou necessidade humana. Pedro, que
havia negado o Mestre três vezes na inquirição dos esbirros do Sinédrio, após alguns breves
contatos com os Essênios, do Monte Moab, que lhe fizeram conhecer a significação exata da
vida e da obra do Cristo-Jesus, deixou-se crucificar serenamente em Roma, rogando apenas
que o pusessem de cabeça para baixo, a fim de não ser igualado ao seu Mestre.
Os Essênios eram profundos conhecedores de toda a ciência da alma, pois o que
muitos homens ainda hoje buscam através do Esoterismo, da Teosofia, da Rosa-Cruz, do
Espiritismo, da mensagem de Krishnamurti ou da Ioga, os velhos Essênios já o sabiam e o
ensinavam em seus sigilosos santuários.
200
atmosfera de expectativa ante a admissão de novos elementos que passariam a viver as regras
superiores, então o Servidor Menor trazia o jarro e a bacia de louça, ambos imaculadamente
brancos e exclusivos para aquele uso, a fim de ser feita a lavagem ou ablução das mãos. Essa
cerimônia simples e muito expressiva significava que o neófito purificava suas mãos ao
servir-se da água, a linfa criadora e a base da vida planetária. Ele se comprometia a jamais
conspurcar suas mãos dali por diante em qualquer ação menos digna, pois a água de que se
servia, além de magnetizada pelos terapeutas, também recebia a bênção dos anciãos. Aliás, os
santuários menores representavam o limiar do Templo. Ali, o primeiro grau eqüivalia ao grau
de aprendiz da atual maçonaria do rito escocês, e o segundo grau correspondia ao de
companheiro. Após o aprendiz ter estagiado dois anos na filiação preliminar do santuário
menor externo e cumprido
o voto do bom uso das mãos no mundo profano, sem aviltá-las em práticas viciosas ou
atos censuráveis, então podia submeter-se ao cerimonial do segundo grau preliminar. Repetia-
se a mesma cena emotiva do primeiro grau, mas, desta vez, fazia-se a lavagem ou ablução do
rosto, cuja cerimônia prolongava o seu voto anterior do "bom uso das mãos", para o
compromisso definitivo de"ver, ouvir e falar", dali por diante, conforme o procedimento e as
regras morais da Confraria dos Essênios.
O rito era simples, mas de profunda significação. O noviço prestava um juramento de
vida moral superior, enquanto o ato da ablução das mãos e do rosto gravava-se profundamente
na sua consciência como sentinela vigilante a acusar-lhe no futuro qualquer negligência em sua
promessa. Ambas as cerimônias findavam-se pela concentração do neófito sobre a luz da
lâmpada votiva empunhada pelo Servidor do Santuário, cuja luz então simbolizava a fonte
luminescente do espírito de Deus a se irradiar por todas as criaturas. Finalmente, ele então
pronunciava as seguintes palavras como um termo de consagração e de compromisso moral
dos estatutos dos Essênios:"Deus,Todo Poderoso, que vitalizais com a vossa energia cósmica a
mente e o coração dos homens, vossos servos, aceitai o voto sagrado que vos é feito por este
humilde servidor, que se compromete a aumentar de duas horas o seu serviço para aliviar os
leprosos, socorrer os órfãos, confortar os paralíticos, orar pelos loucos e consagrar-se aos
desvalidos, enfermos e perturbados. Senhor! Ajudai-me a cumprir a vossa Vontade no mundo
da matéria e despertar em mim a chama eterna do vosso Amor!"
Em seguida, um adepto consagrado em grau superior acendia o círio do sacrifício da
grande lâmpada sagrada, enquanto o Servidor do santuário familiar pousava suas mãos na
cabeça de cada neófito ou candidato a terapeuta, pronunciando as seguintes palavras, que
completavam o testemunho do compromisso espiritual da instituição: "Seja tua vida conforme a
Lei do Senhor Criador da Vida; as energias benfeitoras absorvidas pelas tuas mãos ou
espargidas em teu rosto, neste dia, hão de servir-te para aliviar as dores físicas dos nossos
irmãos necessitados, até que a florescência do Amor possa ajudar-te a aliviá-los em espírito".
201
los à ironia, descrença ou incompreensão do mundo profano ainda tão materializado nas suas
relações humanas. O discípulo que já havia alcançado o grau máximo no santuário menor e se
candidatava ao "Círculo Interno", então envergava um hábito leve, de cor azul-celeste,
símbolo da vida extraterrena, pois a tradicional veste branca dos Essênios era exclusiva dos
iniciados nos últimos graus, cuja vida profana já se mostrasse imaculada e livre de críticas. Em
seguida, o noviço ajoelhava-se diante do altar dos "sete livros sagrados", os quais simbolizavam
e aludiam ao trabalho operoso dos sete maiores profetas da Terra e das sete instituições
fraternistas responsáveis pela evolução espiritual do homem. A seguir, ele submetia-se à
purificação simbólica pelo incenso extraído do sândalo e depois se concentrava invocando os
"Senhores dos Destinos Humanos" e rogando permissão para devotar-se também à tarefa de
esclarecer o espírito do homem, além do compromisso anterior de aliviar-lhe as dores físicas.
Essa face era a consagração definitiva do "homem novo", cidadão sidéreo, que dali por diante
passaria a operar só em função da vida eterna e superando cada vez mais o "homem velho" do
instinto animal. O ingresso no Círculo Interno desfazia os laços e as ligações da personalidade
humana com as especulações utilitaristas da vida material, pois o Essênio, dali por diante,
transformava-se numa peça viva da confraria a serviço incondicional da redenção do espírito
humano.
Quando o ambiente dos santuários maiores se saturava de vibrações puras e energéticas,
pela presença de iniciados de alto quilate espiritual, ou de visitantes da estirpe de Jesus,
então ali se condensava ectoplasma suficiente para proporcionar a materialização de entidades
superiores e a produção da "voz direta". Isso sucedeu na "Transfiguração", no Monte Tabor,
porque ali também se congregavam muitos anciãos do Conselho Supremo da Confraria dos
Essênios. Então o influxo das vibrações angélicas de Jesus, conjugadas às energias emanadas
dos iniciados dos demais santuários, produziram a "tela ectoplásmica" hipersensível, que
permitiu aos espíritos de Elias e Moisés projetarem as suas características pessoais, dando o
testemunho de que também haviam sido precursores da obra de Jesus, embora operando apenas
na lavradura do terreno.
2 — Mateus, 22:1-13.
202
CAPITULO 27
203
e incentivar, prometer e realizar. Malgrado o calor afetivo, a fidelidade espiritual dos discípulos mais
íntimos às suas idéias elevadas, reconhecia que a inquietação, o desânimo e a impaciência, realmente
estavam lavrando fundo na alma de seus seguidores. Os adeptos mais decididos achavam Jesus
demasiadamente conciliador, tolerante e acomodatício, que só resolvia as querelas com os seus detratores
através das armas empíricas do perdão, da resignação e da paciência. Isso, segundo eles, desacreditava o
movimento cristão, pois a interferência de adversários cínicos e mordazes semeava a descrença naquela
gente simples e tola, que deixara seus bens materiais para seguir um profeta nômade.
Achavam que, decorridos três anos nessa expectativa, já era tempo de se tentar empreitada corajosa,
para dar posse ao Mestre como o Rei de Israel e o"Salvador" do povo judeu. Em face das queixas e dos
descontentamentos que ouvia em torno de si, Jesus concordou em tentar-se algo para avivar a sua doutrina,
mas isso sem desmentir os princípios cristãos do amor e do perdão que fundamentavam os seus ensinos.
Porém, de relance, não via um modo eficiente para solucionar aquele impasse delicado, o que devia ser
feito o mais breve possível, pois o seu organismo também apresentava-se combalido e ele temia partir antes
de consolidar sua obra.
204
do Antigo Testamento. Quase todos os milagres de Jesus, discutíveis nos evangelhos, tiveram
sua origem nos relatos compilados por João e, mais tarde, exagerados pela tradição oral
daqueles que o ouviram. A ressurreição e a ascensão do Mestre, em corpo e alma, assim como
diversos fatos bíblicos que lhe foram atribuídos, eram apenas justificações das predições do
passado.
Finalmente, havia Judas, filho de Simão Iscariotes, homem retraído e indócil, que vivia
entre os apóstolos mas não comungava com os seus sentimentos, pois não escondia os seus
ciúmes pela preferência que Jesus devotava a Pedro, a João e Tiago, o maior. Ele movimentava
os bens da comunidade, da qual era tesoureiro, em negócios especulativos e até perigosos, mais
preocupado com o êxito material do Cristianismo do que com a sua mensagem essencialmente
espiritual. Judas sentia-se atraído pelos ricos e poderosos, pois não perdia ensejo de doutrinar
os afortunados, politicos influentes e sacerdotes de Jerusalém, alegando aos companheiros que
não poderia haver sucesso no movimento cristão libertador, através de criaturas famintas,
maltrapilhas e ignorantes, que constituíam a corte de Jesus. Fazia promes sas atraentes e
assumia compromissos prematuros, prometendo ótimas regalias para os candidatos que
fizessem o seu ingresso no reino de Israel, como "fundadores", pois o Messias estava prestes a
se revelar e seria o supremo mandatário do povo judeu. Em verdade, ele não confiava no êxito
da causa cristã pela interferência de legiões angélicas, como admitiam quase todos os seus
partidários, nem acreditava que isso se realizaria por força da profecia de Isaías e Miquéias
razão por que há muito tempo buscava atrair homens de temperamento enérgico e
experimentados, a fim de assegurar a vitória final. Judas não consultava os demais
companheiros em suas empreitadas ocultas, pois pretendia precipitar os acontecimentos e
assim obrigar Jesus a agir, de imediato, no sentido de fazê-lo marchar para Jerusalém, onde
então viria às suas mãos o poder da Judéia. Caráter dúbio e utilitarista, ambicioso e
imprudente, ele não acreditava no "Reino de Deus" expresso pela fórmula espiritual que
exigia o sacrifício e a renúncia dos homens.
No entanto, reconhecia em Jesus um lider e comandante inato, que sabia arregimentar
as multidões pela força hipnótica de suas idéias e pela eloqüência de suas palavras. Era óbvio
que ninguém resistiria em Jerusalém ao verbo inflamante do rabi da Galiléia, quando ele
conclamasse todos os judeus para o arremesso histórico de expulsar os romanos e destronar
Herodes. E concluía: essa jornada vitoriosa e segura, Jesus iria dever a ele, Judas, que
ousadamente não vacilaria em agir por iniciativa própria. Seria um serviço valioso prestado ao
Mestre Jesus e à causa, no que jamais João ou Pedro poderiam superá-lo.
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seus discípulos, auscultando-lhes as dificuldades e as obrigações com a família e outros deveres
prosaicos do mundo. Reservou as tarefas inadiáveis e mais urgentes para os solteiros,
desobrigando os casados para atenderem com mais freqüência aos problemas da sua parentela.
Em seguida, pôs-se a refletir quanto ao modo de variar a forma de suas pregações evangélicas
mantidas há três anos, a fim de avivar a alma de todos os seus fiéis.
No entanto, malgrado a sabedoria e os sentimentos tão elevados de Jesus, jamais ele
poderia alterar o ritmo encantador de suas prédicas, dispensar o emprego daquelas parábolas de
tema penetração espiritual, ou abandonar os lagos, os montes e os lugares pitorescos da natureza,
que tanto lhe serviam de moldura poética. Eram sermões simples, afetivos e facilmente
compreensíveis por todos os ouvintes, cujas palavras se emolduravam pela ternura, esperança e
pelo amor que fruíam daquele reino de encanto e beleza extraterrenos.
Não havia dúvida: os pobres, os infelizes e os enfermos continuavam a segui-lo
docilmente e esperançados, mas faltavam os milagres convincentes, à luz do dia, pois os que
eram narrados sob excessos de imaginação não convenciam e isto aumentava a vacilação na fé
e na crença das multidões. Jesus era o profeta querido, o rabi adorado, o homem justo e bom,
mas as almas primitivas, como as crianças, em breve cansam, quando submetidas à disciplina
severa ou às normas de boa conduta, que não proporcionam compensações imediatas.
Inúmeras vezes, Jesus lhes havia dito que "Deus alimenta as avezitas e veste os lírios dos
campos" e acrescentava que isso Ele também faria com os seus filhos. No entanto, para aquelas
mentes interesseiras, preocupadas exclusivamente com a sua própria ventura — aliás, espíritos
submetidos ainda às provas cármicas da pobreza, doença e humilhação — só lhes animaria a fé
titubeante o que fosse visível, positivo e imediato. Obviamente, o Mestre teria de mobilizar
novos recursos algo atraentes para sustentar aquela gente no mesmo diapasão de ânimo e
confiança em suas palavras e esperanças no futuro.
Mas as suas providências não chegaram a se concretizar em tempo, pois o mês de março
chegava ao fim e ele foi crucificado alguns dias depois, em princípios de abril, na sexta-feira
próxima da Páscoa, No entanto, assediado pelos seus apóstolos e principalmente por Pedro, que
também se deixara impressionar pela opinião de centenas de partidários da causa cristã, Jesus
se deixou mover por estranho impulso oculto e resolveu atendê-los, seguindo para Jerusalém e
ali pregara sua doutrina durante as festividades da Páscoa. Sempre relutara quanto a essa
viagem a Jerusalém, o que considerava um evento prematuro para as suas pregações
impregnadas da poesia e do encanto provincianos da Galiléia. Temia a recepção frígida dos
jerusalemitas, sempre sarcastas para com as idéias e os empreendimentos dos galileus, ou ser
motivo de escárnio ao enfrentar, em público, os sacerdotes duros de coração, embora hábeis e
astuciosos malabaristas das letras e dos sofismas. Sem dúvida, sua obra seria desgastada em
Jerusalém, com sérios prejuízos para o futuro, caso retomasse a Nazaré frustrado e humilhado.
Tomé, cauteloso e ponderado, considerou que a ida de Jesus a Jerusalém não passava de
perigosa aventura, pois circulavam rumores de que seria preso ao chegar à cidade. E talvez a
ordem de sua captura já estivesse expedida.
O Mestre tomou-se pensativo ante as ponderações razoáveis e sensatas de Tomé, pois se nada
temia quanto à sua própria vida, muito o afligia um destino precário daquela obra erigida à custa de
renúncias, amarguras e perseverança. Nada o atraía no mundo material, cujas sensações e prazeres jamais o
faziam vibrar em sua avançada sensibilidade psíquica, mas hesitava em tomar qualquer decisão,
esperançado de encontrar em Jerusalém o combustível adequado para inflamar a chama da fé e do ânimo,
que ameaçava apagar-se no coração dos seus discípulos e amigos. Enfim, não vislumbrava outra
alternativa afora a de pregar o Evangelho em Jerusalém, que se lhe afigurava ser a última esperança para
conseguir o desejado estímulo renovador dos seus adeptos.
Decidido, reuniu seus fiéis e transmitiu-lhes a boa nova de sua ida a Jerusalém, não como visitante,
mas para pregar durante as festas de Páscoa nas praças, sinagogas, escolas e talvez nos pátios do próprio
Templo, onde só discursavam ao povo os mais famosos oradores da Judéia. A notícia alvissareira
206
galvanizou os seus discípulos e ateou o mais vibrante entusiasmo na turba que o seguia à cata de
proventos materiais. O "Reino de Deus" e o trono de Israel estavam próximos, pois Jesus decidira-se a
empreender a tão esperada Marcha a Jerusalém. A alegria foi contagiante; um sopro renovador e poderoso
vitalizou até os mais pessimistas.
Jesus encontrava-se hospedado na casa da família de Ezequiel, em Betânia, quando resolveu
consentir em pregar na cidade de Jerusalém. A efusiva novidade foi transmitida a todos e disseminou-se
por toda a província. Em breve afluía gente de todos os recantos de Betânia, dominada pelo intenso júbilo
de participar do esperado "Reino de Deus", na Terra, a ser instituído em breve pelo Messias, conforme pre-
disseram os mais abalizados profetas do Velho Testamento. Os discípulos mais chegados moviam-se
céleres, levando e trazendo notícias entre o Messias e os seus entusiastas seguidores. Ninguém opunha
qualquer dúvida ou sequer admitia a mais leve frustração naquela aventura, que se delineava como o
arremate final das pregações de Jesus. O Mestre iria a Jerusalém não somente pregar a Boa-Nova e o
Reino de Deus, mas inquirir os poderosos, afastar os sacerdotes cúpidos e exploradores do povo infeliz,
assim como libertar o povo eleito do jugo romano. As multidões o esperariam festivas às portas da cidade
para recepcioná-lo, como se faz dignamente a um rei; e o levariam em triunfo pelas ruas até à cidadela do
Templo. Ali, Jesus seria consagrado em sua augusta majestade divina e da inexpugnável fortaleza seguiriam
para o palácio de Herodes, onde ele assumiria o poder, em cumprimento da profecia de Isaías e Miquéias.
Diante da casa de Ezequiel, a multidão dava vivas a Jesus num delírio de festa. Os apóstolos
sorriam, felizes, contagiados pelo entusiasmo da turba e faziam coro às hosanas ao Mestre. Apenas
Tomé, o homem cauteloso, Felipe, o pessimista, e João, sempre alheio à ruidosidade do mundo, não
comungavam dessa demonstração que prenunciava trágicos acontecimentos para breves dias.
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mesmo, em Betânia, caso arrefecesse o entusiasmo de seus partidários pela recusa de ir a
Jerusalém, como isso poderia acontecer na própria metrópole judaica, em luta inglória contra
os romanos e os esbirros do Sinédrio.
Após cessarem as manifestações de alegria e os aplausos do povo de Betânia e dos
adeptos que o seguiam desde as últimas peregrinações pela Judéia, o Mestre recolheu-se ao seu
aposento, na casa de Ezequiel, e ali orou fervorosamente a Deus, rogando-lhe a graça do
esclarecimento superior. Conhecia Jerusalém e já havia trabalhado na cidade como auxiliar de
carpintaria, entre os 15 e 23 anos, mas sempre evitava quaisquer pregações se ainda não se
sentisse Preparado para impressionar aquela gente buliçosa. Reconhecia que anuiria a tal
projeto tangido por estranha força oculta vibrando em sua própria alma. O que o aguardava
em Jerusalém? A glorificação de sua obra, o arremate feliz da sua existência devotada
incondicionalmente ao bem da humanidade ou, apenas, as cinzas tristes das idéias sublimes
consumidas na fogueira da imprudência e da estultícia humanas?
Jesus era entidade de alta estirpe sideral, alma poderosa e da maior sensibilidade
intuitiva na face do orbe. No entanto, submerso na carne, sem gozar de privilégios ou favores
divinos, ele se mortificava na angustiosa indagação de vislumbrar o caminho mais certo que
deveria seguir, mesmo que isso custasse a vida humana, mas sendo orientado pela vontade do
Pai. Pouco a pouco, sua elevada intuição o sintonizou com o Alto e sentiu-se envolto por
inefável vibração benfazeja, desaparecendo-lhe as angústias e as hesitações sobre o que deveria
realizar.Através do fenômeno ideoplástico mediúnico, muito conhecido dos espíritas e
ocultistas modernos, projetaram-se em sua mente alguns dos quadros dolorosos que, mais
tarde, viveria em Jerusalém, exceto o drama do Calvário. A perspectiva do sacrifício de sua
própria vida, como o preço implacável para a sobrevivência imaculada da mensagem
evangélica, inundou-o de júbilo e despertou-lhe a mais sublime euforia espiritual. Dissiparam-se
todas as suas dúvidas e desapareceram todas as aflições, pois Jerusalém não se mostrava uma
aventura perigosa à obra cristã, mas sim o arremate glorioso, o fecho de ouro para a
preservação do sublime Evangelho.
Cabia-lhe "viver" e ao mesmo tempo "morrer" pelos princípios que viera pregar aos
homens, a fim de cimentá-los para a posteridade através da renúncia de sua vida e o destemor
da morte. Jesus, então, deixou o pequeno aposento onde recebera a clara intuição de sua
próxima e trágica morte, embora ignorando-lhe a forma e surpreendeu-se ante Pedro e João,
que o esperavam junto à porta, com certa aflição e temor na fisionomia e dizendo que se sentiam
dominados pelo pressentimento doloroso de sérios perigos que os esperavam em Jerusalém.
Então, o Mestre Jesus, tranqüilo e pensativo, reuniu todos os discípulos em torno de si e fitan-
do-os com familiar ternura, dominado por estranha saudade que lhe pressionava o coração, proferiu
as seguintes palavras de prudente advertência, mas impregnadas de compreensão e benevolência: "Ensinei-vos
o caminho da vida eterna, a prática da virtude e a renúncia às honras falazes do mundo; honrai a vossa
memória e o vosso coração, vivei a paz de espírito que permanece acima das glórias e dos poderes tran-
sitórios do mundo de César! Pois aquele que confiar em mim, disse o Senhor, eu o vestirei e o
alimentarei por toda a eternidade! Não vos aflijais pelos tesouros do mundo porque vós sereis ricos no Céu. A
palavra do Senhor se faz quanto à vida eterna, a qual jamais está nas cogitações dos poderosos do mundo!"
Em seguida, o Mestre Jesus ergueu-se e, num arremate significativo, quase num apelo
comovente, exclamou: —"Por que me buscais nos caminhos das honras e das glórias do mundo, quando
eu sempre vos digo que o meu reino não é deste mundo?"
Enquanto os apóstolos se entreolhavam, surpresos e inquietos, Jesus fez-lhes um aceno afetuoso
e retirou-se de entre eles.
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RAMATÍS: — Antes de partir de Betânia para Jerusalém, Jesus desejou rever e despedir-
se de sua mãe, de seus parentes e amigos mais íntimos. E assim, dirigiu-se primeiramente a Nazaré. Já não
opunha dúvida de que jamais voltaria para a sua querida cidade, onde vivera sua infância agitada e
modelara seus sonhos de redenção do gênero humano. Sentia, antecipadamente, no imo da alma a sauda-
de da paisagem colorida, do povo hospitaleiro e dos lagos serenos. O seu infinito amor e perene ternura
faziam-no vibrar intimamente com todas as coisas e seres que o rodeavam.
No entanto, a própria família se lhe tornava cada vez mais hostil e estranha, pois nesse último
retorno a Nazaré teve uma das piores acolhidas por parte de seus irmãos e parentes, que há tempo já
haviam se reunido a fim de impedir Jesus na continuidade das pregações, cada vez mais perigosas.
Finalmente, conseguiu reunir todos os membros da sua parentela carnal e os exortou a que seguissem o
caminho do Senhor, desapegando-se dos bens do mundo, pois advertia que jamais voltaria de Jerusalém,
visto estar disposto a dar sua vida pela sobrevivência de sua obra.
De princípio, só despertou o ar irônico dos irmãos mais velhos, filhos de Débora, primeira esposa de
José, o que o fez parecer um estranho no seu próprio lar. Mas assim que firmou estar disposto a morrer
pela causa cristã e que iria a Jerusalém submeter-se à prova de fogo, enfrentando o sacerdócio do Templo e
os esbirros do Sinédrio, foi acremente censurado por suas idéias perigosas, por sua ofensiva à Lei e à tradição
hebraica. Acoimaram-no de vagabundo das estradas, profeta comandando uma corte de malandros e andra-
josos, que havia fugido dos deveres do homem comum, não cooperando no sustento do lar, abandonando sua
mãe viúva. Efrain, o membro mais rico da família, que movimentava bens de raiz e especulava com
moedas da Galiléia, dono de boas propriedades rurais, foi o mais insultuoso, ameaçando interditar Jesus, por
considerá-lo um demente, que punha em perigo a tranqüilidade da família, na sua obstinação contra o
Sacerdócio Judeu e autoridades romanas. Ele temia desesperadamente que seus bens pudessem ser seqüestrados,
conforme acontecia, quando a justiça hebraica ou romana exigia da própria família a cobertura de prejuízos
causados por algum membro sedicioso.
Jesus manteve-se silencioso durante a discussão, ante as censuras de seus parentes e irmãos fortemente
influenciados por Efrain, os quais pareciam julgá-lo num tribunal doméstico. Mostrou-se conformado, pois
ali começava realmente suas dores e sua paixão, na forma daquelas censuras, insultos e ameaças de seus
próprios familiares. Estava cansado, pobremente vestido e seu rosto não escondia a tristeza da ausência de
afetos dos seus próprios consangüíneos, que não podiam compreendê-lo quanto ao seu apaixonado
devotamente ao bem da humanidade. É certo que nenhum ressentimento se fazia no seu
coração boníssimo, pois entendia perfeitamente que eles não estavam em condições espirituais
para viverem uma existência liberta de interesses e paixões. Apenas Tiago, irmão de Maria, e
seu tio, que frequentemente conversava com Jesus e sempre se revelara companheiro
incondicional até os últimos dias, procurava justificá-lo perante os demais irmãos, cunhados e
cunhadas, temerosos da hostilidade de Jerusalém. Tiago, seu irmão menor, num assomo de
entusiasmo e contrariando a vontade dos mais velhos ali mesmo jurou acompanhar Jesus até
Jerusalém e ajudá-lo a divulgar os princípios da obra cristã.
Jesus descansou dois dias no seio do lar, pois pretendia antecipar-se em Jerusalém uma
semana antes da Páscoa. Apesar da hostilidade de seus parentes mais exaltados, ele ainda
gozou de um bom lenitivo por parte de suas irmãs, principalmente Ana, que muito se afinava
com ele. Trataram-no com muito carinho, como é mais próprio dos sentimentos brandos e
acessíveis da mulher, chegando a interessar-se por suas idéias e a desejarem-lhe êxito em
Jerusalém. É certo que não podiam entender o sentido místico e profundamente espiritual de
sua obra messiânica, empreendida sem qualquer objetivo utilitário. Em doce colóquio com
essas irmãs queridas e sua mãe, que fortemente influenciada por Efrain desaprovava o
prosseguimento das pregações, Jesus recuperou-se na sua emotividade abatida e o ânimo já se
mostrava em suas faces. Maria também se comovera após ouvir as ternas palavras de seu filho
querido e a dramática narrativa do que significava aquele marcha a Jerusalém para a
consolidação do Cristianismo libertador dos pecados humanos. Não era mulher de grandes
recursos intelectivos, mas possuía os melhores sentimentos do mundo. Por isso,
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candidamente, ela também fez sentidas exortações a Jesus para permanecer no lar, em
companhia da família, e abandonar suas idéias perigosas e sonhos irrealizáveis. Lembrou-lhe a
antiga oferta de Efrain, que lhe daria o comando de alguns bens da Galiléia do Norte, ou
administração no suprimento das barcaças dos lagos, evitando, assim, quaisquer dificuldades
ou perseguições contra a família, por parte do Sinédrio ou das autoridades romanas.
Jesus ouvia silencioso aquela exortação amorosa de sua adorada mãe, mas não se
deixou persuadir e abandonar a sua viagem a Jerusalém. Através de sua elevada cortesia
espiritual, fez-lhe ver o motivo por que conseguira sobreviver no mundo hostil da matéria e
relembrou-lhe os primeiros dias de infância, quando sua alma já havia abdicado de todos os
bens da vida para servir ao Senhor, em Espírito. Aquilo era próprio do seu temperamento
espiritual e ele jamais vivia em função de qualquer benefício ou gozo pessoal. A sua ventura
provinha somente desse sonho e Ideal de semear a felicidade nos corações alheios.,
Resistindo a todos os apelos das irmãs e de sua mãe, às ameaças e aos insultos dos
demais parentes, Jesus decidiu-se a partir, tendo, no dia anterior, combinado com os seus
discípulos e outros companheiros para o esperarem na zona sul, à saída da cidade. A sua
despedida foi entremeada de apodos e ditos ferinos de seus familiares despeitados ou
enraivecidos, enquanto Efrain tinha os olhos congestos de ira e desespero. Alguns chamaram-
no de fujão e os discípulos imprudentes que vinham se achegando tiveram de retornar
ameaçados de represália. Zombaram de seu título de "Filho de Deus" e expuseram suas idéias
de modo leviano e tolo. Tudo fizeram para irritá-lo numa desforra de última hora ao vê-lo
obstinado nos seus propósitos das pregações em Jerusalém. Jesus manteve-se irredutível e,
rogando ao Pai que perdoasse os seus parentes enceguecidos pelos interesses do mundo,
abraçou-se às irmãs e beijou ternamente Maria, arrancando-lhe lágrimas sentidas. Mesmo
tachado de louco e de tolo, o Mestre ainda voltou-se minutos depois e acenou amorosamente
para todos, enquanto sob os protestos dos mais velhos, Tiago, o irmão menor, caminhava a seu
lado, de fisionomia aberta, num afetuoso sorriso. Jesus tentou fazê-lo voltar, mas isso foi
impossível; o seu jovem irmão por nada deixaria de conhecer Jerusalém. O grupo familiar ficou
silencioso e, ao longe, apenas Maria e as irmãs pareciam acenar afetuosamente. Efrain
apressou-se a seguir para Jerusalém e, no mesmo dia em que lá chegou, tentou por todos os
modos interditar Jesus como louco e impedi-lo de continuar sua pregação evangélica. Mas o
seu recurso desesperado, atribuindo insanidade ao rabi de Nazaré, não encontrou guarida no
juízo público, uma vez que seu irmão não havia cometido qualquer delito ou ato que
justificasse tal petição.
Esse é o motivo principal por que Jesus guardou extraordinário silêncio durante o seu
interrogatório e julgamento, tudo fazendo para ser o único culpado, a fim de resguardar de
qualquer acusação pública a sua família terrena tão atemorizada, pois quando os juízes
indagaram dos seus ascendentes, respondeu-lhes laconicamente "que não tinha irmãos nem
parentes."
2 — Comprovando-nos que o espírito de uma existência para outra não altera a sua
linhagem psicológica no ciclo das reencarnações, verificamos que João, reencarnação do profeta
Samuel, o profeta puro fundador da "Fraternidade dos Profetas", que inspirou a organização dos
Essênios, alma de renúncia e desapego, mais tarde viria a ser na Terra a personalidade santificada
de Francisco de Assis, justificando a sua formação anterior.
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CAPÍTULO 28
211
Testamento, pois desde Betânia todos marchavam a pé, num crescente júbilo emocional.
Evidentemente, ninguém estenderia suas túnicas para serem pisadas por um burrico, mas
assim o fizeram para a passagem do Mestre Galileu.
As ruas da cidade estavam apinhadas dos tipos mais exóticos e das raças mais diversas
recém-chegados de todas as partes da Judéia e de outros países distantes, para assistirem às
festividades da Páscoa. Ali se viam mercadores judeus de Alexandria, com barretes de veludo
vermelho, túnica e saia até aos pés; de Cesaréia, Antioquia, Arábia e até do norte da África;
judeus da Abissínia, de pés descalços e vestidos de um só pano branco; do Reno, com
armaduras medievais; da Grécia, com vestes de lã, ricos peplos e cabelos crespos enfeitados
com fitas douradas ou ramos de louro; do Oeste hibernoso, trajando casacos espessos; do
deserto, cobertos com pele de camelo ou de leão. Havia homens e mulheres pobres, quase
desnudos, a ombrear sob gestos de repulsa com hebreus ricos, que resplandeciam em seus
vultosos anéis e colares, vestidos com finos linhos de Sidon e ricas faixas de púrpura de Tiro.
No meio daquela gente, de vez em quando, brilhavam os capacetes e as armaduras dos
romanos ostensivos, que passavam em grupos, batendo nas pedras os tacões das botas
ferradas. Cães de todos os tipos ladravam, perseguiam-se e farejavam entre mantas de carne-
seca e peixe desfibrado. Os burricos e jumentos, inquietos pelo enxame de moscas atraídas
pelos boiões de mel de figo, batiam os cascos no calçamento. A multidão suava e cheirava
mal, pois a cidade estava sujíssima e não havia tempo para uma limpeza correta. Frutos e
legumes podres, esmagados mil vezes, multiplicavam-se pelas calçadas ou se misturavam ao
estrume dos asnos e camelos. Estrugiam pregões e os vendeiros berravam, ofertando suas
mercadorias aos forasteiros, numa competição rixenta e feroz, que exigia a intervenção das
patrulhas de soldados romanos.
Jesus e os galileus que o seguiam, eufóricos e convictos de que toda aquela gente
formigante estaria comungando com os seus objetivos messiânicos, entraram pela rua das
Especiarias, onde, numa gritaria infernal, judeus se serviam de pequenos moinhos e pedras
polidas, esmagando sementes picantes e odorantes, moendo cominho romano e armênio,
pimenta da índia, preta e aromática, noz do Egito e da Arábia e raízes provindas de todas as
partes da Palestina. O populacho, surpreso, recuava dando passagem àquela procissão
intempestiva de criaturas malvestidas e empoeiradas, que faziam enorme alarido em torno do seu
Mestre e o festejavam com folhas de palmeiras. Os forasteiros mostraram-se algo admirados,
certos de se tratar de alguma cerimônia regional ou talvez grupos de participantes das
festividades da Páscoa, que chegavam eufóricos à ruidosa capital da Judéia. Mas os cidadãos
jerusalemitas riam e divertiam-se gostosamente ao reconhecerem os galileus metidos em
alguma aventura provinciana. Enquanto o turbilhão passava, custando a findar, espremido nas
ruas estreitas da cidade, quase fazendo desabar toldos, esteios, boiões e bilhas, caixas e fardos,
os vendeiros pulavam balcões, mesas e estrados berrando protestos e insultos, a fim de
garantir suas mercadorias expostas de modo a atrair fregueses. Mas os galileus passavam
ruidosos, felizes e ingênuos, apanhando tâmaras, ameixas, figos ou beliscando cachos de uvas,
deixando quase loucos de raiva os judeus dos bazares e quitandas. Os que iam à frente, em tomo
de Jesus, abriam alas forcejando entre a multidão acotovelada no meio da rua e esparramada
debaixo dos alpendres, toldos e interior das lojas, e que se chocava com a mole de galileus
ruidosos e mais numerosa, que vinha à retaguarda, num crescendo de avalancha. Tanto os que
chegavam, como os que ali se achavam, espremiam-se entre os beirais, esteios e toldos das lojas.
Outros grupos, fazendo prodígios para não pisotearem cestos de frutas e legumes, não
derrubarem caixas, fardos e pilhas de comestíveis; e acolá, monte de gente empurrada para as
vielas mais despovoadas. Depois da gritaria ensurdecedora, das pragas, insultos e lamentos do
turbilhão produzido pela passagem dos seguidores de Jesus em marcha vigorosa, centenas de
braços ficavam à retaguarda, sacudindo-se em ameaças, enquanto os galileus desapareciam na
primeira curva da rua, xingados, empurrados, amarfanhados e alguns mal se refazendo dos
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socos e bofetadas dos vendeiros mais furiosos. Atravessando então a rua dos Tecelões, e ainda
derribando tapetes, peças de tecidos e rompendo as frágeis armações dos mostruários a turba
da Galiléia desviou-se da rua dos Ourives e orientou-se para a cidade alta, partindo para a
zona aristocrática, a fim de alcançar a ponte que desembocava na praça do Templo.
O Sublime Peregrino
PERGUNTA: — Mas a recepção tão festiva a Jesus não se findou logo à
entrada da cidade, como supúnhamos, mediante a narrativa dos evangelhos?
RAMATÍS: — Conforme diz o próprio evangelho Mateus, no capítulo 21,
versículos 10 e 12, o caso sucedeu assim: "E quando entrou em Jerusalém se alterou toda a
cidade; e entrou Jesus no templo de Deus, e lançava fora todos os que vendiam e
compravam no templo; e pôs por terra as mesas dos banqueiros, e as cadeiras dos que ven -
diam pombas"! O que implica dizer que o Mestre Galileu e a turba de seus seguidores
chegaram até o Templo e o fizeram com certa bulha.1
Realmente, depois de percorrer as ruas principais da cidade, a procissão bulhenta
desembocou no bairro onde se erguia o suntuoso palácio de Herodes, esculpido sobre gran-
diosas colunas coríntias e servindo na época como o local da administração do governo de
Pôncio Pilatos; enquanto, à esquerda, destacava-se o tribunal de justiça dos judeus, o Senado,
ou mais conhecido historicamente como o Sinédrio ou o Sanhedrin. Entre gritos e vivas cada
vez mais fortes e estridentes, depois de transposta a ponte que ligava a cidade alta àquela
zona, os galileus desembocaram junto à porta principal do Templo, enorme e vasta, que se
abria para o primeiro pátio, denominando Pátio dos Gentios, onde era permitida a freqüência
de quaisquer criaturas, inclusive os próprios romanos.
Jesus fez menção de sustar aquela marcha cada vez mais tensa e já indisciplinada,
resolvido a dispersar os galileus de qualquer modo e deixá-los à vontade, convicto de que
ali devia terminar aquele espetáculo ostensivo que ele mesmo não desejara, mas se vira
impotente para impedi-lo. Os galileus deviam se dar por satisfeitos em se dispersarem para as
festividades da Páscoa, preparando-se para as pregações do Evangelho, que seriam efetuadas
na semana vindoura. À sua frente surgiu a mais fabulosa atividade da vida dos judeus, como era
o comércio religioso oficializado pelo Sumo Sacerdócio, onde se acumulava incalculável massa
de criaturas representativa de todas as profissões, raças, cultura e posição social da Judéia. No
Pátio dos Gentios, debaixo de formosos alpendres sustidos por ricas colunas coríntias, sobre o
mosaico encerado e colorido, à sombra refrescante de corredores suntuosos, e ainda sobre as
lajes aquecidas a descoberto, Jesus vislumbrou um mar de cabeças humanas distribuídas por
tendas, balcões, mesas, estrados, toldos e cadeiras, onde se destacava a resplandecência dos
mostruários de pedras preciosas, moedas de ouro e de prata, estatuetas finíssimas do mais fino
lavor, tudo conjugado à prodigalidade de flores policrômicas e plantas odoríferas de todos os
hortos da Judéia. Sentados em suas cadeiras e abrigados sob pequenos toldos improvisados,
centenas de judeus alardeavam as qualidades e a doçura de milhares de pombas provindas
dos lugares mais pitorescos do mundo. Era ao entardecer, o Sol já se punha no oeste da cidade,
pois somente alguns dos seus raios purpurinos dardejavam sobre aquele vasto formigueiro
humano e faziam faiscar tudo o que era polido e brilhante. Quando o vento soprava forte,
então, o aroma das flores e das plantas odoríferas fugia pela imensa porta do Pátio dos Gentios.
Mas Jesus fez um gesto de desagrado ao sentir o cheiro desagradável do sangue fresco dos
animais sacrificados, a escorrer através de valas que desciam até a cidade baixa, para o vale de
Hinom, e depois se juntavam às águas do Siloé, costeando as muralhas e o sopé do Horto das
Oliveiras. Às margens do rio Siloé, no vale de Cedron, uma fantasmagórica multidão de
maltrapilhos, aleijados, famintos, escórias da cidade, lutava por alguns resíduos que
sobejavam da lavagem dos couros dos animais sacrificados no Templo.
Jesus mal se absorvera naquele espetáculo empolgante de cintilações e falsidades, de
luxo e miséria, especulações e cupidez, quando se deu conta de que ele e seu grupo de dis-
213
cípulos mais chegados estavam sendo empurrados para dentro do pátio do Templo,
pressionados fortemente pelos demais companheiros que vinham à retaguarda, desciam a
ponte e atravessavam a praça num impacto perigoso, ovacionando a vitória da primeira etapa
daquela marcha aventurosa. Assim que o Mestre se dirigiu a Pedro, João, Tomé, Felipe e Tiago,
que estavam a seu lado, para combinar sobre o que se deveria fazer dali por diante, eis que são
levados de roldão pela avalancha humana, caindo de chofre sobre as primeiras mesas, tendas,
cadeiras e toldos que se achavam à sua frente, lançando ao chão objetos, moedas, ânforas de
perfumes, flores e vasos, enquanto centenas de pombas debandavam pelo rompimento de suas
amarras ou de suas gaiolas.2 Passado o espanto, pois os vendeiros e cambistas já se
preparavam para deixar o Pátio dos Gentios devido à noite que se aproximava, e se acendiam
os primeiros archotes, houve uma rápida e violenta reação junto ao Mestre. Enquanto se
iniciavam as primeiras cenas de pugilato entre os vendeiros e os galileus, que surgiam lutando
para se desviarem da mole humana que passou a recebê-los com fragmentos de madeira,
cordas, bastões e chicotes de couro, Tiago, Tomé e Pedro conseguiram arrastar Jesus do local,
temerosos da ira popular.
Impotente para dominar aquela situação que ainda mais o comprometia, Jesus
acedeu aos rogos dos seus amigos e abandonou o local, esperando os demais discípulos em lugar
ermo e sob a sugestão de Tomé. Depois de reunidos todos os apóstolos, costearam as
muralhas do Templo e seguiram em direção ao bairro de Getsemani, onde os esperava a
fraterna hospedagem da família de Jeziel, dono de uma granja ao sopé do Horto das Oliveiras.
Ali foram recebidos afetuosamente por Jeziel, velho amigo de infância, em cuja residência
colonial foi reservado modesto aposento a Jesus, pois a casa estava cheia de parentes, amigos e
convidados para as festas da Páscoa. Quanto aos apóstolos, os servos de Jeziel arranjaram-lhe
camas improvisadas, com palhas e fardos de feno, além de mantas de lã, peles de carneiro e de
camelo, que foram armadas no celeiro da granja. Após nutrida refeição regada com suco de
frutas e um delicioso vinho de Sharon, quase todos os apóstolos dormiram, de imediato, pois
estavam exaustos da longa caminhada e dos acontecimentos daquele domingo agitado. Apenas
Jesus mantinha-se acordado até altas horas e orava fervorosamente ao Pai, a fim de conhecer-
lhe a Vontade e analisar as causas que haviam produzido aquele domingo infausto para a sua
causa de natureza essencialmente espiritual. A entrada turbulenta em Jerusalém e a
infelicidade da desordem no Pátio dos Gentios já eram suficientes para enquadrar Jesus como
profanador ante as leis rigorosas do Conselho Sacerdotal. Era evidente que os acontecimentos
graves e perturbadores pareciam obedecer a uma força implacável que o conduzia, submisso,
para aqueles dias trágicos.
214
caracterizados à conta de inimigos da Lei e da Religião. O Sumo Sacerdote havia convocado
reunião para terça-feira cedo, a fim de discutir a ousadia daquele profeta perigoso, eloqüente e
sedutor, que era Jesus de Nazaré.
Mas a verdade é que, devido à imprudência dos seus partidários, turbara-se em
Jerusalém o clima receptivo às palavras enternecidas e redentoras do Mestre Jesus, inver-
tendo-se o objetivo espiritual de sua doutrina. Jamais ele poderia supor que, após hesitar
durante três anos em pregar o seu Evangelho na metrópole de Jerusalém, os seus próprios
adeptos se encarregariam de tisná-lo na sua fórmula de amor e paz, pois a sua chegada estava
sendo levada à conta de uma campanha de indisciplina e de cobiça pelo poder de Israel. Enfim,
o pior já estava feito, pois embora os galileus não passassem de provincianos tolos e sem
cultura, na opinião dos jerusalemitas, a verdade é que Judas, o Gaulonita, homem destemido
que se rebelara contra os romanos 20 anos antes, era da mesma Galiléia de onde procedia
Jesus. Conseqüentemente, os galileus eram primitivos, mas ousados, ingênuos, mas decididos, o
que jamais poderia passar despercebido aos astutos sacerdotes de Jerusalém. E alguns deles
desforravam-se dizendo que "o Mestre, Jesus demoliria o Templo e o reconstruiria em três
dias", o que significava uma das mais graves blasfêmias contra o sentimento religioso
amparado pelo Clero Judeu.
É certo que ainda não havia ocorrido acontecimentos graves e subversivos ou mesmo
derramamento de sangue pelos acompanhantes de Jesus, conforme sucedera na rebelião de
Judas, o Gaulonita, responsável pela morte de muitos romanos e pela terrível crucificação dos
seus sequazes nos campos da Galiléia. Mas as autoridades de Jerusalém consideravam
ostensiva e sediciosa a marcha-dos_galileus aos vivas e aclamações ao_ Rei de Israel e Filho
de Deus, além da desordem e dos prejuízos que se verificaram no Pátio dos Gentios, no
Templo, onde alguns arruaceiros participantes do movimento cristão se haviam aproveitado
da situação para cometerem depredações e furtos. Ademais, Jesus não ignorava que todos
esses acontecimentos seriam deturpados pelos seus adversários, para enquadrá-lo sob as leis
punitivas da Judéia e mesmo de Roma.
215
Jerusalém apressadamente, logo que circularam as notícias comprometedoras, de segunda-
feira. Retornavam para suas terras e cidades, temerosos da ira dos sacerdotes e dos romanos.
Os que ainda se encontravam na cidade mostravam-se aterrorizados e não se animavam a
enfrentar os mastins do Sinédrio ou dos soldados romanos nas portas de Jerusalém. Alguns
haviam sido presos tentando passar despercebidos pela porta do Estrume, na cidade baixa,
costeando o rio Siloé, disfarçados entre os mendigos e leprosos que ali se agrupavam.
Então, os apóstolos, também assustados seriamente, sugeriram ao seu Mestre o retorno
imediato à Galiléia, antes que isso fosse impossível. Jesus fitou esses queridos amigos e viu-
lhes o medo nos olhos e a angústia no coração; eram homens simples, mas bons, rudes e
sinceros. Em sua companhia ele havia percorrido a Judéia, de ponta a ponta, na mais afetuosa
amizade, visitado Tiro e Sidon, criando-se raízes do mais profundo afeto no seu coração. Eles ali
se encontravam diante do Mestre terrivelmente frustrados, quais crianças apanhadas em
traquinagens censuráveis.
Os apóstolos faziam as indagações íntimas mais perplexas e dolorosas. Por que Jesus
não lhes explicava a razão do fracasso do movimento em Jerusalém ou o motivo da indife-
rença dos jerusalemitas, os quais em vez de aderirem ainda zombaram do entusiasmo galileu?
Jesus seria realmente o Messias predito há séculos por Isaías e Miquéias, e que viria no
comando das legiões angélicas para libertar o povo eleito do Senhor? Judas procurava
justificar sua própria disposição insurreta, em suas reflexões: "Não era Jesus um rebelde em
potencial, um anarquista que demolia costumes, tradições religiosas e instituições
conservadoras?" A seu lado, Tomé e Felipe coincidiam em seus pensamentos: "O Mestre era
um homem incomum, não havia dúvida; censurava o paganismo, condenava a exploração dos
ricos, a hipocrisia dos fariseus, a dureza de coração dos saduceus, a corrupção dos sacerdotes
jerusalemitas e o rigor da Lei de Moisés. Mas era difícil entender-lhe a realidade que se
escondia atrás de alguns paradoxos, pois sendo corajoso e enérgico, mandava os judeus
amarem e servirem os romanos odiosos. Moralmente bem formado e de conduta ilibada,
desmentia a Lei mandando libertar a mulher adúltera, que merecia a lapidação". Pedro
procurava lembrar-se de alguns trechos das profecias do Velho Testamento, a fim de ajustá-los
aos atos de Jesus. Não dissera Isaías: "O Senhor enviará o Messias para repor todas as coisas no
devido lugar!" E por que tudo acontecera de modo tão oposto? Onde estavam as legiões de anjos,
prontas para intervirem no momento da revelação do Filho de Deus? Por que Jesus se
mostrara tão pesaroso, lacônico e silencioso em toda a marcha festiva por dentro da cidade? E
Pedro sacudia a cabeça, confuso e triste.
O Amado Mestre, profundamente apiedado pelos seus queridos amigos e fiéis
discípulos, então lhes disse num tom compassivo: "Não vos apoquenteis, que o Filho do homem
carrega nos ombros o fardo das dores dos seus!" E num arremate emotivo, procurou justificar-
lhes os sentimentos dispersos, as dúvidas e as emoções contraditórias, acrescentando: "Feri o
pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão".3 Deixou-os e subiu para o Horto das
Oliveiras, preferindo ficar a sós com suas meditações.
PERGUNTA: — Quando Jesus teve certeza de que seria preso, certo de que
não havia mais recursos para fugir ao seu trágico destino?
RAMATÍS: — Quarta-feira, pela manhã, Jeziel e seus dois filhos retornaram
afogueados da cidade alta, falando a Jesus da necessidade de sua fuga imediata, pois contavam
com amigos fiéis, que poderiam retirá-lo de Jerusalém por antigos caminhos secretos só
conhecidos de alguns anciãos hebreus. Traziam as informações mais graves possíveis, pois os
esbirros do Sinédrio já haviam efetuado diversas prisões de galileus suspeitos da marcha a
Jerusalém e da subversão no Templo e que, em troca de sua liberdade, haviam prestado falsas
declarações contra o rabi da Galiléia. O último edito do Sumo Sacerdote isentava de qualquer
216
culpa os participantes da intentona fracassada no "Pátio dos Gentios" e chefiada por Jesus, desde
que fosse prestado testemunho voluntário para auxiliar o sumário de culpa contra o Mestre
Cristão.
Jesus não opôs mais dúvida quanto à ordem capciosa de Caifás; o Sumo Sacerdote
queria sacrificar apenas ele, o Mestre, e não os discípulos. Destruída a coluna vertebral do
movimento cristão, era óbvio que os seus asseclas se dispersariam, atemorizados, extinguindo-
se aquela campanha sistemática contra os ricos, os poderosos e os sacerdotes jerusalemitas.
Mas a notícia não atemorizou Jesus, pois trouxe-lhe o benfazejo alívio à sua alma e até foi
venturosa, ao verificar que ainda poderia salvar os seus discípulos tão aterrorizados e aflitos
para retornarem à sua terra e aos seus familiares. Doravante, ele faria questão de ser o único e
exclusivo responsável por aquela imprudência considerada insurreta em Jerusalém, e jamais
moveria um fio de cabelo para isentar-se perante a Lei judaica, e que no seu caso poderia ser
punido com a lapidação.
Por isso, na quinta-feira, ao retirar-se para a sua costumeira meditação no Horto das
Oliveiras, e tendo deliberado entregar-se resignadamente à justiça como o verdadeiro culpado
de todos os acontecimentos considerados sediciosos, Jesus achou que isso poderia
escandalizar os seus discípulos, dizendo-lhes então por advertência: "A todos vós serei esta
noite um motivo de escândalo". 4
217
O Sublime Peregrino
interesse sedicioso de outros, o que só não aconteceu devido ao heroísmo, renúncia,
dignidade, amor e infinita compreensão de Jesus pelos homens. Dando-se em holocausto pelos
seus partidários, fortaleceu com o seu martírio e sua morte abnegada o Cristianismo em sua
nascente, dando curso posterior ao heroísmo de figuras impressionantes como Pedro, Paulo,
João, Maria de Magdala, Tiago, Barnabé, Timóteo, Vicente de Paula, Francisco de Assis,
Teresa de Jesus, João Huss, Dom Bosco, Antônio de Pádua e outros que foram olvidados em
santificado anonimato. O sangue inocente do Mestre, vertido do alto da cruz, transformou-se no
fermento divino que, em fabuloso quimismo, depois catalisou as energias dispersas dos
apóstolos atemorizados e deu-lhes nova vitalidade para a marcha corajosa e obstinada em defesa
e propagação do Evangelho, embora isso também lhes viesse a custar o martírio e a própria vida.
Após a morte de Jesus, a dor e a saudade despertaram vivíssimas nos seus fiéis amigos, fazendo-
os sentir e compreender a pureza, a fidelidade e o amor jamais desmentidos ou igualados pelo
Cordeiro de Deus.
PERGUNTA: — E quais foram os prejuízos tão sérios, que Jesus teria causado
ao sacerdócio organizado de Jerusalém, para o crucificarem no Gólgota?
RAMATíS: — O que Jesus pregava naquela época podia ser encarado realmente
como sedicioso, pois, apesar de sua tolerância e pacifismo, ele feria, a fundo, o modo de vida
dos homens que dominavam apolitica, controlavam as finanças ou viviam nababescamente da
especulação religiosa sobre o povo tolo. Não havia dúvida quanto ao sentido objetivo da
mensagem cristã. O ousado profeta de Nazaré censurava os fartos, os displicentes, os
gananciosos, enfim, os vampiros da miserabilidade humana, próprios de todos tempos. Era um
rabino que predizia prejuízos aos ricos os do mundo, pregava a reforma religiosa, condenava
as oblatas e oferendas em nome de Jeová. Como chefe dos galileus empobrecidos, ele pretendia
impor um"Reino de Deus" para os aflitos, enfermos, deserdados e simples, o que implicava na
eliminação dos 'exploradores, astuciosos, afortunados e gozadores. Pouco a pouco reduzir-se-
ia a renda habitual do Templo, uma vez que os fiéis e crentes, sugestionados pelas suas
pregações, terminariam por aceitar que se deve "amar a Jeová apenas em espírito".
Jesus era na época considerado um perigoso socialista, que tentava igualar os homens,
nivelar as fortunas e reduzir os poderes do mundo, que ousava pregar o amor para com o
218
inimigo e o perdão para o algoz. Era um líder poderoso, excêntrico e ao mesmo tempo
humilde-, galvanizava os ouvintes pelos seus planos corajosos, pregando a reforma do mundo
material, mas, em seguida, advertia que o seu "reino não era deste mundo"! Homem inteligente,
hábil psicólogo e orador eloqüente, não fazia conluios com os maiorais do mundo; verberava o
pecado, mas perdoava o pecador, revolucionava as massas contra a exploração da ganância
humana, mas proibia qualquer violência, desforra ou derramamento de sangue. Enfim,
pensavam os sacerdotes do Sinédrio, onde pretendia chegar esse homem que impressionava e
captava a simpatia das multidões, dispondo-as a segui-lo por toda parte? Qual a sua intenção e
o que pretendia, verberando as tradições conservadoras do mundo?
A verdade é que quando o corpo de Jesus estremeceu na cruz, algumas cortinas de seda
se fecharam apressadamente para o drama do Calvário, o qual, na verdade, fora planejado
sobre o luxo dos tapetes de veludo e ante o tilintar de taças de cristal. Jesus, homem perigoso e
portador de idéias socialistas avançadas, havia sido finalmente eliminado do cenário terreno,
cuja presença destemida e honesta era incomodativa e prejudicial aos interesses dos fartos,
avarentos e exploradores da miséria humana. Homens venderam-se a peso de ouro e ajudaram
a enquadrar o meigo rabino sob a punição severa das leis romanas; a claque da morte foi
arranjada às pressas para gritar diante do pretório o "crucificai", "crucificai"! Muitos adeptos
pusilânimes, que o haviam acompanhado na marcha sobre Jerusalém e na avalancha no pátio
do Templo, temerosos de represálias dos romanos, eram depois os mais entusiastas pela
crucificação, a fim de eliminar o perigoso testemunho de Jesus contra suas próprias fraquezas.
PERGUNTA: — E que dizeis da última ceia de Jesus com os seus apóstolos? Realmente
aconteceu tudo como explicam os evangelistas?
RAMATÍS: — A tradicional "santa ceia" comemorada pela Igreja Católica Romana,
em verdade, precedia a cerimônia do"lava-pés", habitualmente realizada na sexta-feira,
chamada a véspera do "grande sábado" da Páscoa. Era costume tradicional reunirem-se as
famílias para essa refeição fraterna, onde se faziam promessas de vida feliz e em comum
para o futuro. Nas famílias mais ricas trocavam-se presentes entre os membros da casa ou
parentes de fora. Assim, Jesus a instituiu também com os seus apóstolos, pois os considerava a
sua família itinerante, os seus verdadeiros parentes escolhidos pelo Senhor. Desejando torná-la
mais expressiva, decidiu harmonizar a cerimônia da ceia da Páscoa com o lava-pés, que já era
um culto ideado por João Batista, com a finalidade de congraçamento entre os discípulos e os
seus rabis ou mestres.
Em virtude do Mestre ter antecipado a cerimônia do lava-pés para a noite de quarta-
feira, pois estava certo de ser preso de um momento para outro, então ambas as cerimônias
foram feitas na mesma ocasião. Ao entardecer, os discípulos reuniram-se no aposento mais
espaçoso da residência de Jeziel, o qual comemoraria a sua ceia de Páscoa no dia seguinte,
quinta-feira, o dia exato. Após as orações e os cânticos de hinos, que eram motivos de alta
espiritualidade no movimento cristão, os servos de Jeziel serviram a ceia frugal de Páscoa, com a
prodigalidade dos tradicionais pães asmos e o vinho tinto, que Jesus abençoou como era de
praxe,
Em seguida, aproveitou aquele momento tão expressivo para dirigir-se aos discípulos,
referindo-se a motivos íntimos e saudosos. Em linguagem clara, simples e de profunda exatidão,
que difere muito dos relatos empolados de certas passagens dos evangelistas, o Mestre Jesus
assim resumiu o seu pensamento a todos: "Rendo graças ao Pai que me permite estar ainda
convosco nesta festividade da Páscoa, pois sei pela voz do Espírito que não tarda a se iniciar a
minha paixão. Não tomarei mais a comer convosco nem me será dado a beber do próximo
vinho. No entanto, cumprida será aVontade de meu Pai que está nos céus, pois minha hora é
chegada; mas eu vos precederei na Galiléia e vos esperarei no Reino de Deus".5
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Eram nove horas da noite, quando Jesus, levantando-se da mesa, tirou a túnica que lhe ia
aos pés e, "pegando numa toalha, cingiu-a em tomo da cintura, lançou água numa bacia, e se
pôs a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido".6
220
chegada do "Reino de Deus" e incentivou-os para uma vida heróica em sintonia com os
princípios mais elevados da redenção e libertação da humanidade.
Ante a dor, o espanto e a consternação de seus discípulos, que lhe bebiam as palavras
repassadas de melancolia e pesar, Jesus voltou-se para Pedro, cujas faces estavam marcadas de
profunda angústia e disse-lhe, de modo eloqüente e profético: 'Pedro, doravante tu serás um
pescador de homens, e não de peixes! Sobre tua fé e sinceridade eu fundamento a minha
Igreja! Seja-te o dom do bom falar, do bom ouvir e do bom agir para o serviço do Senhor!"
Pedro caiu de joelhos, os olhos marejados de lágrimas perante o Mestre Amado,
enquanto os demais apóstolos mal podiam esconder sua comoção. Judas, no entanto, estava
cabisbaixo e roído de ciúmes, incapaz de esmagar o orgulho e o amor próprio feridos ante
qualquer distinção ou preferência no colégio apostólico.
Jesus encerrou a cerimônia tocante do "lava-pés", e achegando-se a João, enternecido,
fez-lhe amena rogativa:
— João! Minha mãe é tua mãe, porque somos irmãos perante o Senhor! Na minha
falta, sê tu o seu filho!
Em seguida, fez menção de sair, enquanto Pedro e João apressaram-se a acompanhá-lo;
da porta, voltou-se, dizendo a todos ainda sob profunda emoção espiritual:
— Vós sois meus apóstolos; pregai a palavra do Senhor e anuncia a Boa-Nova do
Reino dos Céus sobre a Terra. A vontade do Pai se manifesta em mim e devo cumpri-la, porque
a hora do meu testemunho é chegada!
Ante a emoção dolorosa que anuviou o coração de todos os discípulos, pela
primeira vez denominados os seus "apóstolos", Jesus afastou a cortina e o seu vulto majestoso
desapareceu nas sombras da noite estrelada, envolto pela brisa perfumada do jardim de
Getsêmani.
221
PERGUNTA: — Ainda com relação à última ceia gostaríamos de sanar nossas
dúvidas quanto ao fato daquela acusação de Jesus insinuando ser Judas o discípulo que
deveria traí-lo.
RAMATÍS: — Entre os diversos acontecimentos narrados pelos evangelistas e
sumariamente modificados posteriormente pelos exegetas católicos, a cena da acusação indireta
de Jesus contra Judas, se fosse verdadeira, seria um dos mais graves e censuráveis desmentidos
aos seus profundos sentimentos de amor, ternura e perdão tão sublimes, que, nos extremos de
sua agonia, no ato de sua crucificação, quanto aos seus algozes, o fez dirigir ao Pai aquela
rogativa de misericórdia infinita: "Pai! Perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem".
É quase inacreditável que, depois de se configurar o Amado Mestre como a maior
expressão de amor e de renúncia na Terra, o reduzam ao caráter de um homem comum
ressentido e intrigante, pecando pelo julgamento antecipado da "possível" traição de um
discípulo.
Conforme narra o evangelista João, (13:21-30), primeiramente Jesus exclama: "Em
verdade, em verdade vos digo que um de vós me há de entregar". Após os apóstolos recu-
perarem-se da angústia daquela acusação velada e, em seguida às indagações aflitivas de
Pedro e João, eis que o Mestre, num gesto de delator vingativo responde: "É aquele (o traidor) a
quem eu der o pão molhado. E tendo molhado o pão, deu-o a Judas, filho de Simão
Iscariotes". E a narrativa de João acrescenta: "E atrás do bocado de pão entrou em Judas o
Satanás."
Em tal acontecimento tão comprometedor, faltaria ao Mestre, sempre gentil e
benevolente, até o resquício da piedade comum nas criaturas de relativa formação moral, pois
ele teria acusado o seu discípulo em público, por um ato abjeto de que apenas tinha
pressentimento. Mateus, (26:2125), não descreve a cena do pão molhado entregue a Judas
como o libelo acusador, mas ainda é mais chocante contra a linhagem angélica do Mestre,
pondo-lhe nos lábios as seguintes palavras acusatórias e da maldição: "O Filho do homem vai,
certamente, como está escrito dele; mas ai daquele homem por cuja intervenção há de ser
entregue o Filho do homem; melhor fora a tal homem não haver nascido!"E, respondendo
Judas, o que o traía, disse: "Sou eu, porventura, Mestre?" Disse-lhe Jesus: "Tu o disseste". Ora,
no caso, Jesus não só desejaria a Judas um fim trágico e abominável, como ainda o acusaria
brutalmente diante dos demais discípulos e companheiros, confirmando que era ele o traidor! E
se "atrás" do bocado de pão molhado entrou Satanás em Judas, conforme narra João, então é
óbvio que, até aquele momento, Judas ainda não havia deliberado trair o seu Mestre, e que isso
só lhe ocorreu depois que Satanás o tomou no ato da ingestão do bocado de pão molhado e
abençoado ali na mesa santa.
222
conseqüência, não agia nem atuava no mundo material preocupado com respeito à sua pessoa.
Pouco lhe importaria que Judas ou qualquer outro discípulo o traísse ou o levasse a qualquer
espécie de morte. A sua linhagem espiritual tornava-o sempre acima das atitudes humanas a
seu favor ou em seu desfavor, quer se tratasse de seus parentes, amigos, adeptos ou
desconhecidos. Se existem homens inferiores ao Mestre Amado, que não se tornam melhores
com o "elogio", nem ficam piores com a"censura", o que não seria Jesus, diante da fraqueza de
um discípulo que já vivia perturbado pelas suas próprias emoções descontroladas e pelos
ciúmes infundados?
Quanto aos homens que adjudicaram a si o direito exclusivo e a responsabilidade
tremenda de divulgar a vida e a obra de Jesus de Nazaré, já é tempo de virem corajosamente a
público, extirpar os evangelhos dos equívocos, extremismos, absurdos, melodramas,
interpolações e imitações que comprometem, desfiguram e lançam a desconfiança sobre o
Mestre Jesus — o Mentor Espiritual da Terra. Mesmo porque é fácil o encontrarmos definido
através de suas próprias palavras de sentido biográfico, quando falou assim: "Vinde a mim,
todos vós que estais aflitos e sobrecarregados que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo
e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas,
pois suave é o meu jugo e leve o meu fardo". 8
3 — Nota do Médium: - Quer nos parecer que essa expressão de Jesus se ajus ta
mais ou menos aos dizeres de Mateus, (26:31), embora não se enquadre na ordem
cronológica dos acontecimentos.
4 — Mateus, 26:31.
6 — João, 13:4,5.
7 — Nota do Médium: — Essa exortação de Jesus descrita por Ramatís pode ser
apreciada, em parte, em João, 13:4-17.
8 — Mateus, 11:28-30.
223
CAPÍTULO 29
A prisão e o julgamento de Jesus
224
se misturavam aos sabores agrestes e amargosos, acasalando-se ao odor estranho da pimenta
da índia o aroma atraente, mas queimante, da pimenta negra da Pérsia.
Do cimo do Jardim das Oliveiras podia-se ver o rio Jordão coleando como preguiçosa
serpente prateada entre o verde claro e macio da planície. À distância repousava o Mar Morto
emoldurado pelas colinas da Galiléia ou cintilavam os lagos beijados pelo Sol caricioso. Entre as
flores formosas e os canteiros de especiarias exóticas e odorantes, Jesus descansou seus últimos dias
do mundo, quer preparando-se para o arremate trágico e messiânico de sua obra, como a despedir-
se da própria natureza que ele tanto amou. O Senhor concedeu-lhe o ensejo de gravar na sua
retina espiritual, e antes da crucificação, os contornos familiares das montanhas, dos caminhos e
dos lagos, que lhe serviram de tribuna para a prédica do Evangelho da redenção humana.
225
as autoridades romanas.
Jesus ouviu as trágicas notícias de José e Nicodemus, ambos juízes íntegros do
Sinédrio, que lamentavam a impossibilidade de votar, e agradeceu pelo seu afetuoso interesse.
Sem demonstrar qualquer pesar ou ressentimento por aqueles que o queriam matar, exclamou
numa voz terna e de compreensivo perdão:
— "Obrigado, amigos meus! Não temo a morte, nem como ela me venha, porque vejo
que passarão os homens, mas as minhas palavras permanecerão. É preciso que o filho do
homem dê o sangue pela salvação do próprio homem; que a submissão à morte seja o preço e
a força da própria vida, pois a luz do Espírito ilumina a sombra do corpo. Minha hora é
chegada pela vontade do Pai que está nos céus, mas não se fará pela obstinação dos
homens!"
Súbito, cerrou de falar, como se ouvisse algo do imponderável. Nicodemus e José de
Arimatéia baixaram os olhos para o solo ante aquele silêncio respeitoso. Em seguida, numa
decisão em que não pôde esconder a dor pungente da despedida, Jesus arrematou:
— "Ainda que vos separeis de mim pela carne, eu permanecerei convosco em espírito,
porque o templo do Senhor estará por toda a Terra e o seu altar em todos os corações. Quando
qualquer um de vós me buscar, eu ali, estarei, porque eu vou em nome de meu Pai e em Seu
nome eu voltarei."
Aconchegaram-se ao portão da granja, enquanto os demais apóstolos ficavam à
distância, e ali se abraçaram na Mais terna despedida entre corações amigos.
226
parentes de Jesus o visitaram na granja de Getsêmani, trazendo-lhe notícias alarmantes e
alguns se propondo a tirá-lo de Jerusalém. Após a oração das seis horas e frugal
refeição, em que Jesus mal tocou nos alimentos, ele deliberou subir ao cimo do Horto e de
lá usufruir um pouco da beleza da noite estrelada, que chegava silenciosamente. Estava
quente e um forte mormaço prenunciava chuva para a madrugada; os apóstolos, além de
aflitos e atemorizados estavam cansados. O Mestre saiu do seu pequeno aposento e ao
passar diante do celeiro grande viu-os recostados nos fardos de feno, deitados sobre as
mantas e peles de carneiro; suas fisionomias atribuladas traíam as reflexões mais dolorosas.
Bartolomeu e Felipe, que haviam dito os mais lúgubres vaticínios para o movimento cristão,
ali se encontravam pálidos e arrasados; Simão Cananeu não controlava os seus movimentos
nervosos; Tomé, crente sincero na obra do homem e descrente da revelação divina, parecia
conformado com aquele final bem humano; Tadeu e André tinham o olhar absorto e
seus espíritos deviam vagar pela Galiléia, revendo paisagens de infância e sonhando com o lar
pacífico e amigo. Mateus, homem organizado e sensato, parecia alheio ao perigo iminente,
pois ouvia, sorridente, a prosa ingênua e jovial de Tiago, filho de Alfeu. Judas havia
desaparecido desde as primeiras horas da manhã de quinta-feira e ninguém mais o viu,
causando estranheza o fato de ele vagar por toda a cidade sem qualquer impedimento, embora
alegasse que ninguém o reconhecia como discípulo de Jesus. João, Tiago e Pedro, à vista de
Jesus, levantaram-se precipites para acompanhá-lo a qualquer lugar. Mas o Mestre achegou-se
aos seus apóstolos e o seu olhar compassivo, mas enérgico, terno e estimulante, percorreu-os
um a um, ali, à sua frente. Havia um fardo de feno a seu lado, que por curiosa coincidência
era o extremo do círculo daquela fila de homens sentados, recostados e vencidos pela
fraqueza espiritual e pela exaustão corporal. Sentou-se à frente dos mesmos, condoído de
suas debilidades humanas e mal preparados para os embates gigantescos do espírito
imortal. Eles haviam agravado a sua situação devido à imprudência de darem ouvidos à voz
das sereias subversivas, que nutriram no seio do movimento cristão as exaltações perigosas,
arruaças e tentativas violentas contra os poderes públicos.
Jesus então compreendeu que era preciso animá-los, vitalizando-lhes as forças abatidas
e contagiá-los de modo a não subestimarem a mensagem do Evangelho salvador do homem.
Precisaria transmitir-lhes forças espirituais para ajudá-los a enfrentarem os seus destinos
duros e a suportarem as misérias e defecções humanas, no futuro. Sentiu-se enlevado por
generoso bálsamo em sua alma. Uma voz amiga ciciava-lhe nos ouvidos os termos de conforto
e esperança àquela gente. Tocado por essa inspiração superior, ergueu-se, e num tom profético
e vibrante, assim lhes disse:
— "Não vos desespereis. Eis chegada a hora em que o filho do Homem será entregue
nas mãos dos pecadores. Mas dormi e descansai, pois só o Pastor será motivo de escândalo; as
ovelhas do rebanho não perderão o seu redil. Não vos será tirada a Galiléia, porque o vosso
testemunho ainda não pede a prova do sangue do corpo, mas apenas o tributo sagrado do
espírito. Dei-vos as palavras que Deus me deu; o Pai glorifica-me a mim e em vós mesmos, na
manifestação do Seu nome entre os homens. Eu acabarei a obra que o Pai me encarregou e não
temo deixar o mundo a que vim porque torno outra vez ao reino de Deus que está nos céus."
Aguardando o efeito otimista e confortador das suas palavras dirigidas aos discípulos,
que então se mostraram animados e esperançosos, Jesus arrematou, consolidando-lhes aquele
estado de confiança:
— "Vós me credes? Pois é chegada a hora em que sereis espalhados, cada um para sua
parte, eu ficarei só, mas o Pai estará comigo! Tende confiança no que vos digo; vós haveis de ter
aflições no mundo; porém, ainda não é chegada a vossa hora e vereis os que são da vossa carne,
pois com eles ainda vivereis."
Os apóstolos se entreolharam, surpresos, mas confiantes. Súbito, deram por si que Jesus
se encaminhava, como de costume, para orar no cimo do Horto. Então ergueram-se, num só
227
gesto, para acompanhá-lo; mas ele os susteve, dizendo afetuosamente:
— "Assentai-vos aqui, enquanto eu vou acolá e faço oração". 2
Mas Pedro, João e Tiago não se deram por vencidos e seguiram o Mestre subindo pelo
caminho florido do Horto, enquanto os demais companheiros, algo fatigados, continuaram à
frente do celeiro, alguns acendendo lanternas e outros, archotes. Mas o Mestre Jesus, que havia
fornecido tanto ânimo e esperanças, subitamente passou a angustiar-se sob a tensão oculta de
pesada responsabilidade. Não era o medo do homem ante a perspectiva da morte, pois ele
sentir-se-ia ditoso em retornar ao seu mundo paradisíaco. Também não se entristecia de deixar
a Terra, na qual não possuía outros vínculos além de sua renúncia e o seu amor ao gênero
humano. Mas apesar de sua resignação e conformação, pressentia que o seu próximo testemunho
seria de grandiosa influência para a redenção do homem. Sábio, Justo e Bom, mas submerso na
matéria, Jesus ignorava como se portaria nessa prova excepcional de cujas conseqüências
dependeriam o êxito e a sobrevivência de sua obra evangélica.
Deixando João, Tiago e Pedro a meio caminho, pois desejava orar a sós, alcançou o
cimo do monte das Oliveiras e ali descansou alguns minutos na mais santa comunhão
espiritual com a natureza. Sob a excelsa vibração que lhe influenciava a alma, pôs-se a reviver
todos os seus passos assinalados no mundo material. Recordava os seus sonhos grandiosos de
amor pela humanidade e a sua paixão ardente pelo Senhor da Vida, agasalhados desde a mais
tenra infância e alentados até aquele profético momento. Jamais alguém no mundo consumiu-
se tanto no fogo do amor ao próximo e no sacrifício pela Verdade. O Mestre Jesus foi
arrebatado por tão grandiosa e indefinida emoção, que prostrou-se de rosto na terra, como se
desejasse fundir a sua natureza espiritual com a substância do mundo que lhe compunha o
próprio corpo carnal. Depois, abriu os olhos para a noite quente e estrelada, envolto por
infinita paz.
Mas, de súbito, sentiu-se pouco a pouco transformado num frondoso arvoredo pejado
de ramos carregados de folhas e frutos, que amparavam todos os infelizes e injustiçados do
mundo ali chegados em busca de sua sombra dadivosa. Sob a assistência do Alto, Jesus reviu
nessa ideoplastia mediúnica o "motivo fundamental" de sua própria vida na matéria, ante o
compromisso fabuloso que assumira antes de descer à carne, pois essa árvore protetora nutria-
se com o adubo fértil do seu próprio sangue vertido no martírio.
Embora angustiado, sentiu-se extremamente feliz ao comprovar que sobreviveria a sua
obra evangélica redentora da humanidade, malgrado isso lhe exigisse o holocausto da vida e a
doação de seu sangue. Represando as próprias emoções de anjo exilado na carne, Jesus então
sentia-se como um "canal vivo" ou o "élan" da salvação dos homens, enquanto crescia-lhe a
imensa dor espiritual ante a dúvida angustiada de não corresponder integralmente à vontade do
Senhor. Prosternando-se novamente no solo, de mãos postas, exclamou com todo o fervor de
sua alma: "Pai meu! Que se cumpra a vossa vontade. Eu não temo o martírio e a morte, porém,
ajudai-me a conhecê-los para saber enfrentá-los."
Novamente sublime vibração sideral tomou-lhe a alma e o seu espírito parecia libertar-
se cada vez mais das formas agrilhoantes da carne. Súbito, sua mente foi atingida por repentino
fulgor ou rápido relâmpago, enquanto se clarificava na sua consciência física a silhueta trágica
de três cruzes erguidas no cimo de uma colina. Envolto por augusto silêncio, ele percebia nesse
novo transe a forma da Terra e os contornos das cidades, onde os homens dormiam
tranqüilamente. Mas ele, Jesus, é quem realmente velava por esse sono ditoso dos terrícolas,
suspenso entre o reino do espírito e o mundo da matéria, com seus braços abertos e atados
sobre uma cruz. Porém, ultrapassando aquela dor extrema e inumana, que o desprendia da
carne, e vibrando sob o elevado impacto de voltagem sideral, ele sentia, então, na própria
alma, estranho fenômeno que absorvia toda a vivência interna. Num extremo, a pulsação e o
rodopiar dos astros, das constelações e galáxias; e noutro extremo, o vibrar dos átomos no seio
das moléculas das flores, dos vegetais e da substância terrena. Ouvia o estranho turbilhão dos
228
mundos pejados de civilizações, rodopiando em torno dos seus sóis e, ao mesmo tempo, o ruído
estranho da seiva a subir no caule dos vegetais. Jesus, num átimo de segundo, abrangeu o
macrocosmo, consciente de sua força e do seu poder, da sua sabedoria e da sua glória./
Esse fenômeno acontecido com Jesus, conhecido entre os hindus como o "samadhi" e
entre os ocidentais como o "êxtase" é um rápido fulgor da verdadeira vida espiritual do ser
quando atinge o Nirvana, a comunhão com o Pai, embora sem perder sua individualidade
sidérea. Em tal momento, fundem-se as distâncias, o tempo e o espaço convencional da mente
humana limitada, enquanto a alma abrange consciente e perceptível, tanto a vida do
macrocosmo, como a do microcosmo, fundindo-se na sua intimidade as constelações dos astros
com as constelações dos átomos, pois a matéria é o "Maya", a Ilusão, e só o Espírito é a
Verdade!
Mas a composição ideoplástica da visão das cruzes no Calvário quase sustou a vida
carnal de Jesus, devido ao potencial de força espiritual que foi mobilizado para transformar as
idéias próprias do mundo do Espírito nas imagens que pudessem ser reconhecidas na tela do
seu cérebro físico. O cérebro ardia-lhe pelo impacto sidéreo, além da sua capacidade humana de
resistência, enquanto os nervos estavam frouxos, desgastados e o sangue superativado pela alta
pressão que ameaçava romper os vasos cerebrais. Súbito, num esforço heróico empreendido
pela própria natureza carnal, a corrente sangüínea efervescente foi drenada pelas glândulas
sudoríparas e grossas bagas de suor e sangue caíram ao solo, deixando o mestre frontalmente
exaurido em suas forças vitais. 3
Voltou a si completamente debilitado, pois consumira naquele momento alguns anos de
sua existência física, exaurindo o comando do cérebro esgotado. Dali por diante, só se manteria
vivo à custa de recursos vitais fornecidos pelos seus amigos habitantes do reino espiritual.
Ergueu-se, levando a mão ao peito, cambaleante. Em seguida, pôs-se a descer lentamente o
caminho da granja, chegando junto a Pedro, que ressonava alto, recostado num tronco de
oliveira, enquanto João e Tiago, cabeça apoiada nos braços, também dormiam a sono solto.
Devia passar das oito horas. Então sentiu-se inquieto certo de que sua noite seria de insônia.
Por isso resolveu retornar mais uma vez ao cimo do bosque, sem acordar Pedro, Tiago e João.
Uma leve aragem levantou o perfume das azáleas, narcisos e jacintos dos canteiros a seu lado,
afagando-lhe as faces úmidas. De mãos postas, pôs-se a orar outra vez ao Pai.
Finalmente, decidiu repousar, achegando-se outra vez junto dos três discípulos que
ainda dormiam pesadamente. Então os acordou suavemente, dizendo-lhes: "Dormistes e des-
cansastes; agora acordar, que é chegada a hora da despedida, pois o Filho do Homem será
entregue nas mãos dos pecadores! Levantai-vos, porque já vêm chegando aqueles que hão de me
levar para o cumprimento da vontade do Senhor".4
229
cruz de carne, que liberta o espírito de suas mazelas cármicas no calvário das existências
planetárias, sob os cravos da maldade, do sarcasmo e do sofrimento. Só a pobreza da
imaginação humana poderia ajustar as angústias de um anjo, como Jesus, à versatilidade das
emoções do mundo da carne. O espírito que já tem consciência de "ser" ou "existir" também
está credenciado para decidir e optar quanto à sua descida à carne, podendo aceitar ou recusar
o "cálice de amargura", ou seja, o vaso de carne humana. Quantas almas, depois de insistente
preparo no mundo espiritual para encarnar-se na Terra, acordam à última hora e obrigam os
técnicos siderais a tomar medidas urgentes, para não se perder o ensejo daquela encarnação?
230
Quando Jesus chegou à cidade, diante da casa do Sumo Sacerdote, apenas Tiago, irmão
de João, Tomé, Tadeu e Mateus ainda se conservavam a certa distância, enquanto os demais
apóstolos, aterrorizados, haviam voltado para Getsêmani ou se dispersado pelo caminho. Pedro
saíra a correr, em busca de José de Arimatéia, a fim de comunicar-lhe o sucedido e pedir-lhe
socorro.
231
a infâmia forjadas por aqueles homens vingativos transformaram-se na peça acusatória mais
eficiente para eliminar o generoso rabi da Galiléia. A confissão de Judas, mais tarde,
impressionou e convenceu profundamente os juízes do Sinédrio e causou espécie ao próprio
Pôncio Pilatos. Em seguida, o Sumo Sacerdote mandou um beleguim dar a Judas uma bolsa de
moedas, capciosamente oferecida como prêmio ao seu "testemunho" de livre e espontânea
vontade, dado à justiça do Sinédrio. Judas, pálido, olhos febris e terrivelmente angustiado pelas
acusações que já se avivavam na sua própria consciência, mirou aquelas criaturas astutas, que o
fitavam de modo desprezível pela sua delação. E quase inconsciente do que fazia, apanhou a
bolsa de moedas, mas, num gesto alucinado e num grito cruciante da própria alma, atirou-a com
horror aos pés do esbirro, fugindo loucamente por entre a luxuosa cortina de veludo do salão de
Caifás.
A prova mais evidente de que Judas não premeditou a sua traição a Jesus, tendo sido vítima
das circunstâncias adversas criadas pela sua imprudência, está no fato de ele não ter resistido mais
de três dias ao seu pavoroso remorso e terminando por enforcar-se. Uma alma vil, daninha e
maldosa, que agisse por pura ambição, ciúme ou vingança, também seria suficientemente
insensível para continuar a viver depois da sua traição. Ele traiu o seu querido Mestre por medo,
estupidez, ignorância e ingenuidade, além do seu infeliz equívoco de adorar os poderosos e
confiar nos velhacos.
232
possibilidade de Jesus ainda ser julgado, em tempo, por Pilatos. Jamais qualquer judeu, por
mais ínfimo em sua condição social ou pervertido de moral, admitiria qualquer julgamento ou
punição no sábado, grande véspera da Páscoa, ou no domingo, na plenitude da festividade.
Já haviam sido tomadas todas as deliberações possíveis para sacrificar o perigoso rabi da
Galiléia, embora tudo isso se processasse dentro dos ditames retos e dignos da Lei. Cai-fás
substituíra todos os juízes que haviam demonstrado a mais sutil simpatia por Jesus, nomeando
dez suplentes jovens, de sua inteira confiança, aos quais ele vinha paraninfando a carreira
jurídica. O julgamento deveria obedecer a todas as regras e preceitos da mais alta dignidade
tradicional daquele"Tribunal Sagrado", cujo respeito ainda não fora posto em dúvida. Mas o
Sumo Sacerdote tinha certeza de que as provas e os testemunhos colhidos e a peça acusatória da
confissão de Judas seriam suficientes para forçar aqueles juízes dignos e probos a culparem o
rabi galileu como "sedutor, profanador do Templo, inimigo da Lei, falso "rei de Israel" e
sacrílego "Filho de Deus'.
Jamais alguém foi mais ardiloso e pródigo de talento na empreitada destruidora de uma
vida, como o fizeram Caifás, Hanan e a sua parentela, temerosa de perder o comando da
negociata religiosa. Eles semearam espiões no seio do próprio movimento cristão,
incentivando a "marcha" a Jerusalém, sob as aclamações sediciosas que foram o arremate para
incriminar o ingênuo rabi da Galiléia; distribuíram bolsas de moedas aos seus agentes
mercenários, transformando o incidente do Templo numa grave sublevação, que
posteriormente apresentou prejuízos vultosos aos cofres sagrados. Abriram as arcas do
tesouro do Templo para subornar e obter falsos testemunhos e delações comprometedoras;
compraram servos das famílias dos juízes do Sinédrio, fazendo-os distribuir notícias
tendenciosas contra o
O Sublime Peregrino
rabi da Galiléia, a fim de influírem na decisão dos mesmos no ato de julgar. Em
seguida, auscultaram a tendência ou a opinião pessoal de cada juiz ancião e só depois de
plenamente seguros do seu êxito, é que armaram o espetáculo pomposo de julgar Jesus "pro
forma", satisfazendo as aparências dignas e respeitáveis da Lei.
233
apelo para que interferisse naquele julgamento que eles consideravam desfavorável para o
acusado. Mas o Procurador de Roma, que jamais colocava as solicitações alheias sobre os seus
próprios interesses, alegou que não poderia influir nos negócios religiosos do Clero Judeu e
fazia votos para que tais coisas fossem resolvidas satisfatoriamente sem a sua interferência.
Ele não queria comprometer as relações algo turbadas entre romanos e hebreus, e deixava o
assunto para ser resolvido estritamente pelo Sumo Sacerdote. Aliás, as provas contra Jesus
eram sumamente comprometedoras e a sua situação ainda mais se agravara nos últimos
momentos, ante a confissão de natureza muitíssimo grave por parte de um dos seus discípulos
mais íntimos, chamado Judas, filho de Simão Iscariotes. José de Arimatéia e Nicodemus ficaram
estupefatos ante a notícia da terrível delação de Judas e partiram desalentados, reconhecendo
que a situação de Jesus começava a periclitar perante o próprio Procônsul de Roma.
234
diferente do que nos relatam os evangelhos?
RAMATÍS: — Jesus não estava atado e lhe haviam oferecido um banco tosco,
próprio de qualquer acusado por Lei. O suor escorria-lhe pela barba e sofria terrivelmente o
efeito do profundo desgaste ocorrido no Jardim de Getsêmani, durante o transe mediúnico e a
pródiga vertência de sangue. Febril e exausto, ele orava ao Pai rogando-lhe a graça de apressar
aquele cerimonial da justiça humana para julgá-lo, pois bem sabia que ninguém tentaria
absolvê-lo em face do acúmulo de provas contra si.
Seguindo o decoro exigido para aquele Tribunal, o Sumo Sacerdote, em voz oleosa e
depois de ter dardejado felino olhar a Jesus, deu início ao julgamento, no qual era
expressamente proibido se iniciar com qualquer acusação ao réu, pois tudo deveria ser feito na
forma de inquirição tolerante e esclarecedora. Como era de praxe, o acusado devia ser
primeiramente favorecido com a opinião formal de qualquer um dos juízes presentes. Então,
Caifás exclamou:
— Que se argumente em favor do acusado!
Satisfeito, reconheceu que Jesus seria julgado com a máxima indiferença, pois fizera o
propósito de reunir a pequena corte àquela hora, para julgar um caso que bem poderia ser
enquadrado como infração civil e ser então da alçada do tribunal ordinário e não religioso.
Percebia a ansiedade dos juízes em terminar o mais breve possível a tediosa reunião. Isso lhe
daria o excelente ensejo de pouca argumentação na autópsia jurídica do caso e maior positivi-
dade de culpa pelo efeito material das provas. Após alguns momentos de silêncio, um dos juízes
anciãos formulou a sua opinião favorável ao acusado, como era de praxe, dizendo numa voz
quase alheia ao motivo daquele tribunal:
— Declaro que a aparência, o estado físico e a angústia do acusado recomendam a
este tribunal o mais alto princípio de comiseração e benevolência. O acusado não se revela o
sarcasta, o cínico ou orgulhoso, mas treme febril à frente deste juízo sagrado. Indulgência! —
Rogo indulgência no julgamento!
Caifás mordeu os lábios, algo despeitado, mas depois verificou que o juiz autor da
proposição recolhia-se a si mesmo, como se já estivesse a cochilar. Percorreu a fisionomia dos
demais juízes e assinalou pequenas modificações
O Sublime Peregrino
nas fisionomias dos mais novos, enquanto os anciãos se mostravam impassíveis.
Então, com repugnante doçura, mandou ler a peça acusatória e os relatos verbais, o que foi
feito por um dos discípulos dos Conselheiros, espécie de promotor-relator sem interferência
direta no julgamento e que enunciou as provas e os testemunhos. Encerrada a peroração
acusatória, Caifás, num tom solene e grave, assim se expressou a Jesus:5
— Jesus de Nazaré, antes que esta corte te absolva ou te castigue, depois de
esgotados todos os recursos de Lei em teu favor, conforme os testemunhos de amigos, asseclas
e conterrâneos, feitos sob a lisura do Santo Ofício e por vontade dos que preferiram a verdade,
o certo e o acontecido, sois acusado de sacrilégio, práticas maléficas, falsas curas,
mistificações de milagres, inimigo da Lei mosaica, sacrílega intitulação de "Filho de Deus" e
abominável de "Rei de Israel". Comprovou-se, e este Juízo investigou, que condenas
publicamente as taxas, as oblatas e os sacrifícios a Jeová e tentas empobrecer a arca sagrada do
Templo, pelos desmandos dos teus discípulos pisoteando vendeiros, bens e oferendas num dos
maiores insultos contra o Clero Hebreu. Apresentas-te como o Messias Salvador, iludindo o
povo com imposturas e promessas do Reino de Deus, pregando a verdade com a aparência do
sobrenatural e de atos impossíveis. Usas o entorpecente da fascinação para atrair as herdades
das viúvas e dos órfãos e dos fanáticos; da sedução, para o domínio das donzelas.
Após breve hiato, para verificar o efeito candente de suas palavras nos demais juízes,
tendo-os realmente despertado ante as enunciações gravíssimas, Caifás apanhou uma lâmina de
cera, à sua frente, e passou-a para o promotor-relator, acrescentando sibilinamente:
235
— Que se dê conhecimento desta peça acusatória de suma importância no
julgamento.
Pausadamente e num tom de voz impessoal, o relator leu o mais terrível testemunho
que o Sumo Sacerdote havia adjudicado à culpa de Jesus, assim se exprimindo:
— Declaro e confirmo que convivi e ainda convivo com Jesus de Nazaré, rabino
galileu, chefe sedicioso do movimento dos "homens do caminho", e que ele pretende arrasar o
Templo, tomar o poder de Israel, destruir os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, extinguir o
culto mosaico, abrir as portas de Jerusalém aos pagãos de Tiro e Sidon e expulsar os romanos.
Enquanto o próprio Jesus parecia despertar de sua letargia e erguia a cabeça em
direção ao acólito de Caifás, então foi lido, sob acurada atenção de todos os juízes, o seguinte:
— Eu o disse e confirmo pela minha vontade e estado de espírito são: Judas, filho
de Simão Iscariotes.
Jesus cerrou os olhos, um momento, enquanto doloroso suspiro tomou-lhe o peito ante
a infamante delação. Mas não era de ressentimento, nem de aflição, pois o próprio Cai-fás
estremeceu, açoitado por um rápido vislumbre de remorso, ao ouvir Jesus dizer:
— Pobre Judas! Tu és o mais digno de piedade!
Caifás não deixou a exclamação do Mestre influir naquele juízo, pois, rápido, dirigiu-se
a ele, proferindo num tom de suprema autoridade:
— Jesus de Nazaré, antes de se expor a Lei que te castigue ou te absolva, por força
dos testemunhos e da confirmação da dignidade dos juízes desta casa, devemos ouvir tua
defesa pessoal ou facilitar tua confissão!...
Jesus manteve-se silencioso, olhos baixos, orando mentalmente ao Pai e rogando-lhe
forças para resistir até ao fim à desfaçatez daquele homem afogueado pelo mais alto índice de
hipocrisia. No entanto, o seu silêncio obstinado e a sua atitude humilde, mas serena, que antes
fora motivo para uma intercessão favorável, agora mexia com aqueles homens de boas
intenções, porém humanos, imperfeitos e algo feridos no seu amor próprio pela indiferença do
acusado. Eram peças de uma organização religiosa onde funcionavam sob uma influência
oculta que não percebiam. Não tardavam os murmúrios de insatisfações e os comentários, a
meia voz, pelo desrespeito de Jesus ao tribunal. Os juízes novos deixavam escapar
exclamações abafadas de"provocador", "fátuo galileu" e que Caifás conseguia ouvir, satisfeito,
como a raposa experiente que aprecia o êxito de sua própria maquinação.
Súbito, Hanan cruzou um olhar com o genro Caifás, que lhe anuiu; e num tom de indignidade
ofendida, assim exclamou:
— Embora o acusado insulte este Tribunal Sagrado por um silêncio orgulhoso,
aprovando tacitamente os testemunhos acusadores e as provas da investigação de suas culpas,
manda a Lei que seja defendido por quem de direito e não ser julgado sem defesa.
Escolhido o defensor pelo Tribunal e mantendo-se Jesus em silêncio, sem aprovar ou
desaprovar a sua designação, então ele fez uma peroração, algo irritado, muitíssimo preocupado
com os efeitos da retórica nos membros do júri e não com a substância da causa. Considerou
que Jesus não passava de um maníaco religioso, espécie de homem demente e frustrado nas
suas ambições messiânicas e extravagantes, que devia ser execrado e banido da Judéia, mas
não sentenciado. O promotor e relator achou que o rabi da Galiléia era homem de bom tino, um
caráter perigoso e dissimulador, bastante capaz de arregimentar seres insatisfeitos e sem
vocação devocional, para causar distúrbios e prejuízos à santa causa de Moisés. O julgamento
atingia a madrugada e a dissertação do defensor em nada mudou a situação de Jesus, mas a sua
deliberada indiferença e mutismo selaram-lhe o destino naquele Tribunal. Feita a votação e
exposto o resultado do escrutínio,"Jesus de Nazaré, rabi galileu e sedicioso inimigo da Lei" fora
condenado por unanimidade pela "pequena corte" do Sinédrio, e não lhe cabia apelação para
recorrer ao Grande Conselho, uma vez que não tivera um só testemunho favorável e a votação
fora unânime.
236
Hanan e Caifás desanuviaram a fisionomia, sem mesmo esconder a satisfação que lhes
invadia a alma ante o êxito perfeito da sua maquinação, a serviço de outros poderosos de
Jerusalém, a cuja atividade o Mestre Cristão lhes trazia sérios incômodos e prejuízos. Num
arremate cínico, o Sumo Sacerdote exclamou:
— Levai-o! Jeová que se apiade do culpado!
Era regra acatada pelo Tribunal do Sinédrio que a sentença só fosse pronunciada no dia
seguinte pelo Sumo Sacerdote. Aliás, os judeus tudo faziam para não executar um patrício,
mesmo quando fosse condenado por coisas abomináveis; isso era sempre uma injúria à"cidade
santa", embora, naquele caso, Caifás jamais se preocupasse com tal tradição, mas apenas em
destruir o seu perigoso adversário.
Esse prazo poderia ser aproveitado pelos parentes, amigos ou interessados em inocentar
o culpado, assim como as próprias testemunhas ainda poderiam retificar ou reconsiderar os
seus testemunhos, caso admitissem terem-se equivocado. No entanto, Jesus não gozaria dessa
regalia, pois a família do Sumo Sacerdote estava atenta para impedir ou desviar qualquer
manifestação de solidariedade. No dia seguinte, sem dúvida, ele estaria defronte de Pilatos para
ser julgado por sedicioso contra os poderes públicos. O seu destino estava selado: seria lapidado
pelos judeus ou crucificado pelos romanos!
237
gradável ao Procurador de Roma, sempre deliciando-se com as lutas e os problemas religiosos
dos hebreus. Assim como tantas vezes tem acontecido na história do mundo, ponderava Hanan,
em breve Jesus seria transformado num mártir para execração dos seus patrícios algozes.
Obviamente, se as multidões lhe iam no encalço, é porque também seguiam suas idéias
famigeradas contra a pompa do Sacerdócio jerusalemita e o luxo do Templo. Em
conseqüência, morto o chefe do movimento cristão, nem por isso seriam liquidadas as suas
idéias. Era preciso evitar a auréola messiânica que se formaria em torno do "Salvador" de
Israel, pois a multidão é versátil e muda rapidamente por um simples gesto que a encanta ou por
uma palavra que a comove. E ante a indagação muda de Caifás, Hanan, seu sogro, esboçou um
sorriso cínico na face cruel, exclamando pausadamente:
— Jesus de Nazaré não deve ser punido pela Lei de Moisés, mas pela de Roma!...
E ainda glosou, através de um sorriso sardônico: — Ele não deve ser executado pelos
seus próprios compatriotas, mas "vilmente assassinado" pelos inimigos de nossa raça!...
1 — "E quando procuravam prendê-lo, tiveram medo do povo, porque este o tinha na
estimação de um profeta" (Mateus, 21:46).
2 — Mateus, 26:36.
3 — "E posto em agonia, orava Jesus com maior instância. E veio-lhe um suor, como
de gotas de sangue, que corria sobre a terra."(Lucas, 22:44).
4 — Mateus, 26:45,46.
238
CAPITULO 30
Jesus e Pôncio Pilatos
239
graças com o Sumo Sacerdote, o qual lhe enviava, diariamente, os mais gordos faisões recebidos
da província da Gália, assim como figos, tâmaras e damascos secos ou cristalizados, da mais fina
qualidade, além de dezenas de caixas do excelente vinho de Chipre, que ele mais apreciava.
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"Jesus de Nazaré, rabino galileu, sedutor, inimigo da Lei, falso rei de Israel, herético Filho de
Deus, Messias impostor, explorador de viúvas e órfãos, fascinador de don-
O Sublime Peregrino
zelas, agitador e depredador do Templo, profanador de oblatas e inimigo das devoções,
assim julgado unanimemente culpado por esta corte em juízo de emergência".
— Qual foi a sentença exarada pelo Tribunal Sagrado? — indagou Pilatos, embora
desde o dia anterior já estivesse a par de todas as acusações contra Jesus, inclusive quanto à
delação de Judas, que realmente o convencera das intenções subversivas do movimento cristão.
— Conforme a Lei do Tribunal Sagrado, somente hoje, à tarde, o culpado poderá ser
sentenciado — redarguiu-lhe o agente de Caifás. E num tom de profunda ênfase, exclamou:
— Mas Jesus de Nazaré não feriu apenas o poder divino, porém, comprometeu a
ordem pública. Já foi julgado pelo direito sagrado, que está acima das competições humanas,
mas agora encontra-se perante o juízo representativo do Imperador Tibério, que o julgará
como crime civil de lesa-pátria e subversão.
E antes mesmo que Pilatos se insurgisse contra essa arenga impertinente e provocante,
em que o Sumo Sacerdote fazia-o lembrar-se de suas próprias obrigações, o beleguim ainda
prosseguiu, num tom indagativo, sem mesmo disfarçar o ar acintoso de desafio:
— Jesus de Nazaré, desmoralizador do direito sagrado, será lapidado como ímpio e
profanador, mas isento de culpa perante Roma e para estímulo de novas sedições; ou consi-
derado rebelde à ordem pública, sofrerá o suplício da cruz em bom cumprimento dado pela
sentença do ínclito representante do Imperador Tibério.
Pôncio Pilatos recuou no espaldar da poltrona, os lábios entreabertos e pasmados de
tanta audácia. Estava habituado ao cinismo e à petulância dos hebreus, porém, jamais tolerava
que se imiscuíssem em seus negócios e nas suas obrigações públicas. O Sumo Sacerdote não
lhe exigia a morte de Jesus, o rebelde inimigo do Clero Judeu; mas parecia desafiá-lo sob a
ameaça de um rosário de conseqüências graves, se assim não o fizesse. Com isso demonstrava
que possuía todos os trunfos na mão e jamais abdicaria de tal favor.
Sentiu-se sumamente ofendido no seu amor-próprio, ante a atitude descarada do
esbirro de Caifás, tentado a dar uma lição ao seu capataz do Templo, pois um romano
jamais se curvava tão facilmente à decisão acintosa de povos escravos. Mas isso também
dependeria de conhecer melhor o sedicioso Jesus, pois, se o soltasse por um capricho e ele
promovesse qualquer nova insurreição, ser-lhe-ia difícil explicar a Tibério os motivos que o
fizeram decidir de modo tão discutível. Então, em vez de inquiri-lo na ante-sala do Pretório,
ante os juízes, mandou conduzir Jesus ao seu aposento de trabalho. Ante a fraqueza e o estado
aflitivo do rabino galileu, mandou sentá-lo:
— Que fizeste, galileu, para ateares a ira dos juízes do Sinédrio e atraíres tantos
testemunhos de sedição, que me obrigas a crucificar-te? — indagou Pilatos com suma altivez,
mas de certa afabilidade na secura da voz.
Jesus ergueu os olhos para o Procônsul, algo surpreso do tratamento mais ameno
daquele rígido romano e volveu-lhe um olhar de gratidão. Pilatos remexeu-se na poltrona, algo
contrafeito.
— Fala, galileu! — ordenou, autoritário e impaciente. —Por que violaste a ordem
pública?
Ante aquela rude, mas humana compreensão, Jesus propunha-se a expor os motivos de
sua vida, os seus sonhos e as suas idéias da imortalidade, as relações entre os espíri-
tos, os fundamentos da sua doutrina de libertação da humanidade e o verdadeiro sentido do
Reino de Deus, que ficava acima dos interesses e das contingências humanas. Desconhecia os
motivos por que Pilatos o tratava com certa deferência, em vez de mandá-lo de imediato ao
juízo comum, onde já teria sido sentenciado dezenas de vezes, tal a prodigalidade de provas e
testemunhos fornecidos pelo Sinédrio. Pôncio Pilatos compreenderia as suas esperanças e
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osseus ideais messiânicos, talvez o libertasse para poder continuar a sua obra de salvação
humana. Mas Jesus, subitamente, envolvido por estranha vibração que o penetrou por todos os
poros do corpo e lhe avivara os sentidos, tomado de surpreendente lucidez de espírito, reviveu os
quadros já vividos no Horto das Oliveiras, quase sentindo o próprio sangue a gotejar das mãos e
dos pés sangrando no martírio da cruz. Então fechou os olhos, clareando-se o entendimento de
sua alma, pois ainda reviu, nessa ideoplastia mediúnica, que a humanidade lhe daria as costas,
num gesto de desconfiança, se ficasse liberto dos grilhões dos hebreus e romanos. Mas aquele
fugaz minuto de vacilação foi vencido, ao compreender que a sobrevivência do seu Evangelho
dependeria do holocausto de sua vida carnal. Cortesmente e em palavras recortadas de ternura,
mas de implacável decisão, Jesus respondeu a Pilatos, que o fitava com certa preocupação,
sentindo-se impelido por um sentimento de simpatia:
— Nada tenho a defender-me das acusações dos homens, pois eu cumpro a
vontade de meu Pai que está nos céus! A morte será para mim a coroa de glórias e a salvação de
minha obra para a redenção dos homens!
Pilatos franziu a testa, profundamente surpreendido e, movido por um impulso
sincero, assim se expressou:
— Mas eu posso salvar-te a vida, se isso me aprouver! Que pretendes, enfim?
— Recusar a vida que me ofereces, pois isso seria deserção e covardia. Só a minha
morte não desmentirá aquilo que o Senhor transmitiu por mim aos homens!
Levantou-se o Procônsul e pôs-se a caminhar movido pelos mais estranhos
pensamentos. Contrariando o que narra a história religiosa, jamais Pôncio Pilatos tentou
salvar Jesus por questão de simpatia ou mesmo de piedade, sentimentos esses que não se
afinavam com o seu caráter curtido pelas ambições e manhas da política de Roma. O que lhe
importava era apenas o prazer de uma desforra contra Hanan, Caifás e seus sequazes, por
saber que estavam em jogo os mais avançados interesses do Clero Judeu. No entanto, com a
recusa de Jesus à sua demência e ao indulto oferecidos, o que lhe podia ser facultado antes de
qualquer sentença do juízo comum ali reunido, a poucos passos, sentia-se inclinado a desistir
da porfia contra o Sumo Sacerdote de Jerusalém.
Novamente fitou Jesus, com um olhar em que transparecia certo despeito. E assim
indagou, algo ríspido:
— Como te atreves a recusar meu indulto?
— Não intentes salvar-me! — redarguiu Jesus delicadamente. — Jamais seríeis
perdoado pela ira dos que me condenaram.
Pôncio Pilatos ficou corado, ao verificar que o próprio acusado parecia saber de suas
hesitações em afrontar os sacerdotes do Sinédrio.
— Julgas que eu temo esses sacripantas do Templo? —inquiriu num assomo de
altivez.
— Sou grato pela vossa demência e sei que não temeis os vossos cativos, mas eu
preciso morrer por força de minha obra, só assim ela viverá! — respondeu Jesus com tal doçura
que desarmou a ira de Pilatos, fazendo-o responder:
— Eu não te entendo, galileu!
Mas, de súbito, Pôncio Pilatos começou a perceber quão importante deveria ser a morte
de Jesus para Caifás e seus sequazes e também a gravidade de sua decisão naquele momento.
Aliás, havia alguns dias ele vinha sendo presenteado com os mais apetitosos faisões, frutos das
mais finas qualidades, vinhos de Chipre, que tanto apreciava e iguarias raras. O inimigo, antes
de agir junto a Tibério, acenava-lhe com as boas graças. Ademais, sabia-se em toda Jerusalém
que naquela semana havia seguido um valioso carregamento de objetos, jóias e adereços raros
para Tibério, sua esposa e principais cortesãos em Roma. Em conseqüência, Pilatos tinha
razão para ficar seriamente apreensivo ante qualquer maquinação da família sacerdotal, que,
para desalojá-lo da Judéia, não vacilaria ante as maiores infâmias e subornos. Enriquecia
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prodigamente no governo da Judéia e em breve teria garantido agradável futuro na sua herdade
de Espanha, quase desonerada de compromissos.
Deixando-se dominar por um impulso indefinível, como a auscultar os seus interesses
ocultos e ao mesmo tempo satisfazer o seu brio ferido, mas sem a veemência dos primeiros
momentos, Pôncio Pilatos indagou a Jesus:
— Ainda te obstinas em morrer?
— Tu o disseste! — respondeu Jesus, sem vacilar.
Pouco lhe importava que o rabi da Galiléia fosse indultado ou crucificado, pois não
passava de uma peça viva igual a tantas outras que já fizera morrer por danos menores. Mas
era o seu amor-próprio profundamente ferido, que o levava a hesitar na sentença final. O
prisioneiro era um pretexto para lhe contentar o espírito de desforra contra o Sumo Sacerdote.
Talvez, se lhe tivesse sido pedida a absolvição do acusado, sem dúvida tudo faria para crucificá-
lo, a fim de contradizer o seu adversário. Jesus levantou-se, compreendendo que estava finda a
entrevista e se dirigiu para a porta. Talvez atuado por alguma força oculta a que não pôde
fugir, Pilatos fez um gesto com a mão, ordenando a Jesus que esperasse. Quase revoltado
consigo mesmo, sofrendo ao fazer qualquer cessão ao próximo, disse bruscamente ao Mestre
Cristão:
— Se desejas a morte, dize, pelo menos, o que posso fazer por ti!
Jesus fitou-o bem nos olhos, transmitindo-lhe a força do seu magnetismo sublime, o
poderio do seu espírito e a ternura do seu coração. Então, pediu-lhe num supremo apelo, que
tocou as fibras endurecidas do Procônsul romano:
— Se queres ajudar-me, não persigas os meus discípulos. Ser-te-ei grato da Casa de
Meu Pai, por toda a eternidade!
Pôncio Pilatos mirou Jesus de alto a baixo, sem poder esconder a sua admiração por
aquela deliberada renúncia, pois agora não lhe era difícil compreender porque ele desejava
morrer e tudo fazia para que isso se efetivasse. O generoso rabino galileu tomava a culpa de
todos os seus asseclas e buscava a morte para salvá-los! Algo de benfazejo tocou-lhe a alma,
pois fez um gesto confuso, traindo sincera emoção e, precipitando-se nas palavras, como se
temesse mudar de opinião, disse-lhe:
— Prometo, rabino! Enquanto eu aqui estiver, jamais perseguirei um dos teus
discípulos, se retornarem às suas casas e abandonarem a sedição.
E, rodando nos calcanhares, encaminhou-se para a porta acenando a Jesus.
Súbito, Pilatos teve uma idéia, ao perceber que o povo se juntava na adjacência do
Pretório, quer devido à passagem obrigatória para o Templo, quer pela curiosidade ante o
julgamento do rabino da Galiléia. Então mandou conduzir Jesus até o espaçoso terraço sob as
colunas coríntias e o expôs ao público, enquanto se reduzia o vozerio do povo e o arauto
berrava:
— Silêncio! O Procurador de Roma quer falar!
Pôncio Pilatos estava corado até à calva e não escondia a sua ira e repugnância em dar
qualquer satisfação dos seus atos àquele povo desprezível. Mas, obcecado pelo seu bem-estar e
pelos seus interesses ambiciosos, tentando frustrar os objetivos de Caifás sem se candidatar a
futuras vinditas, resolveu induzir o próprio povo judeu a absolver ou condenar o rabino
galileu. No primeiro caso ele estaria livre do ressentimento sacerdotal; e, no segundo caso,
sentir-se-ia satisfeito no seu amor-próprio, pelo fato de o povo decidir pela sentença que ele
mesmo negaceava em atender. Esperava lograr o Sumo Sacerdote pela absolvição de Jesus
através da decisão do próprio povo. Ergueu a mão, num gesto de silêncio e, apontando o rabi
da Galiléia, indagou de modo arrogante:
— Que desejais a este homem? A liberdade ou a morte?
Houve um breve silêncio no seio da multidão que se juntava diante das grades do muro
do Pretório. Pôncio Pila-tos supôs que uma onda de simpatia envolvia aquelas criaturas a
243
favor do acusado. Um sorriso irônico já lhe tomava os lábios, na certeza da próxima absolvição
de Jesus e a conseqüente frustração do ardil do Sumo Sacerdote, quando estourou dos quatro
cantos da praça um clamor disciplinado e num só diapasão de voz: "Crucifica-o! crucifica-o!"
Era um grito ondulante, mas coerente, que estrugia numa certa ordem, abafando as vozes que
provavelmente estariam pedindo a absolvição do rabi galileu.
— Morte ao Rei de Israel! Morte ao falso Filho de Deus! À cruz com o Messias!
Crucifica-o! Crucifica-o! — berravam dezenas de criaturas num tom ameaçador.
Pôncio Pilatos mordeu os lábios e ficou congesto; estufou o peito e parecia explodir.
Não se sentia apiedado de Jesus, mas o que o encolerizava era a sua frustração quanto ao
objetivo de forçar os judeus a absolver o prisioneiro, para então glosar o logro de Caifás e seus
sequazes.
— Cães! ... — bradou ele num assomo de raiva. — Cães vendidos e mercenários!
Realmente, não era o povo, que ainda simpatizava com Jesus, que gritava o "crucifica-
o", mas isso provinha da"claque" infame recrutada a peso de ouro pelo Sumo Sacerdócio, com
a finalidade de pedir a morte de um justo, assim como também lhe pediria a absolvição, caso
fosse bem paga para isso.
— Crucifique-se o impostor! Crucifique-se o Rei de Israel! — prosseguiam os
agentes mercenários do Sinédrio, impedindo qualquer demonstração em favor do mestre
Jesus. Entre eles misturavam-se alguns sacerdotes de absoluta confiança de Caifás, e que
vigiavam o infame clamor da morte. Pôncio Pilatos, receoso de contrariar a vontade daqueles
astutos chefes do Sinédrio, que poderiam prejudicá-lo em Roma, comunicando a Tibério que,
apesar de o povo de Jerusalém ter exigido a morte do sedicioso rabino galileu, ele o havia
indultado, então exclamou irado, num desabafo de desforra:
— Quereis a morte do rabi da Galiléia? Pois seja, eu o entrego ao juízo do dia! Se
ele for condenado, vós mesmos o condenastes, porque eu lavo as minhas mãos deste julga-
mento.
Rodopiou sobre os calcanhares, acenando para que encaminhassem Jesus à ante-sala
onde se reunia a corte do juízo sumário. Diante das provas acusatórias, da confissão de Judas,
da condenação do Tribunal Sagrado e do interrogatório que lhe foi feito por crime de
subversão, o Mestre manteve-se em absoluto silêncio, agravando ainda mais a
sua situação desfavorável. Após alguns momentos de confabulações e sucinto exame
das peças acusatórias enviadas pelo Sinédrio, os juízes romanos condenaram Jesus à cruci-
ficação.
244
orgulhosos e manter as suas instituições econômicas.
Apesar da tentativa de Pôncio Pilatos em salvar Jesus para contrariar os objetivos do
Sumo Sacerdote e sua família, nem por isso ele manifestava qualquer sentimento piedoso ou de
simpatia pelo acusado. A verdade é que, tivesse de sacrificar os seus interesses e suas ambições
para salvar Jesus, sempre terminaria optando pelo sacrifício do rabi da Galiléia.
Cumpria-lhe atender às tradições dos judeus, pois no sábado e domingo da Páscoa não
deveria haver execuções, cerimônias fúnebres ou crucificações, para não ensombrar as
festividades da "cidade santa". Então a sentença de crucificação de Jesus deveria ser cumprida
na própria sexta-feira de sua condenação. Isso fez a "claque" do Sinédrio prorromper em
aplausos, enquanto, alguns momentos depois, uma delegação de sacerdotes, adrede preparada,
comparecia ao átrio do Pretório e um dos seus agentes oficiais lia, em voz untuosa, a saudação
lisonjeira que o Sumo Sacerdote fazia a Pôncio Pilatos, na qual o cumprimentava pela sua
"lisura e retidão no desempenho do honroso cargo que lhe fora confiado pelo Augusto
Imperador Tibério". Pilatos ainda se mostrava despeitado e irascível, temendo a astúcia de
Cai-fás, mas ao ouvir a hipócrita cantilena de elogio, não pôde deixar de envaidecer-se ante a
perspectiva de que seriam enviadas excelentes notícias a Roma. Alguns momentos depois,
Jesus já não lhe ocupava o pensamento. Nem mesmo procurou saber-lhe do destino, após
assinar-lhe a sentença de morte, assunto que dali por diante ficaria a cargo do preposto do
centurião Quinto Cornélio. A verdade é que o seu falso sentimentalismo de alguns minutos
fora superado rapidamente pelos seus interesses e pela vaidade do mundo.
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influentes, que poderiam apelar para esse recurso da morte piedosa. Trata-se de uma bebida feita de
um vinho vinagroso, mirra e certa substância extraída de um cardo venenoso, da Índia, que
liquidava o condenado dentro de uma ou duas horas após a crucificação, livrando-o dos
padecimentos atrozes, que podiam se prolongar por dias e noites.
CAPITULO 31
O drama do calvário
246
mantinham certo decoro nos seus atos e tudo faziam para não mancharem a sua
dignidade de "homens superiores".
Quando Jesus foi recolhido ao pátio da prisão, situada a poucos passos do
Pretório, diversos simpatizantes e amigos o seguiram. Os mais sensíveis choravam por vê-
lo preso e outros lançavam seus protestos contra o crime de condenarem o generoso
rabino que só pregava o amor e a paz. Mas a turba de mercenários contra tada pelo
Sinédrio e acicatada pelos acólitos de Caifás, impedia propositadamente qualquer
manifestação de simpatia ao prisioneiro Jesus, que ainda não havia per dido a estima
do seu povo. Mas Ele não foi humilhado pelos legionários do governador, conforme diz
Mateus (27:27), sofrendo toda sorte de zombarias, insultos, escárnio e maus tratos.
Isso aconteceu por parte da criadagem ínfima, de alguns servos e escravos da comitiva de
Pilatos e que, por ser hora de refeições, ali descansavam e eram vezeiros em tais empreendimentos
sarcásticos. Infelizmente, a maioria se compunha de hebreus mercenários, desses apátridas que
buscam prestígio ante os seus próprios donos ou capatazes, embora tenham de tripudiar vilmente
sobre os próprios patrícios. Alguém apanhou um pedaço de pano vermelho, que ali servia para os
soldados jogarem dados e o colocou nos ombros de Jesus, enquanto outro lhe punha uma cana
entre as mãos, à guisa de um cetro real. Não satisfeitos, ainda arrancaram galhos finos de um pé
de vime adjacente e o trançaram na forma de uma coroa, aliás, sem espinhos, que puseram
sobre a cabeça do Mestre. Divertiram-se todos durante alguns momentos cruzando à frente do
rabi, fazendo mesuras e saudando-o à conta de um rei. Um mais sarcasta puxou-lhe a barba,
obrigando-o a acenar algumas vezes com a cabeça em resposta às suas petições zombeteiras. Os
legionários romanos, postados ali por perto, riam-se, sem dúvida, talvez sugerindo alguma
chalaça, mas nenhum deles participou daquelas cenas grotescas, coisa que ainda no vosso século
costuma acontecer a muitos inocentes vítimas de semelhantes trocistas ignóbeis. Momentos
depois, homens e mulheres, autores da farsa infeliz, desapareceram para atender às suas
obrigações, enquanto Jesus ficava a meditar no opróbrio de receber as piores afrontas e crueldades
por parte dos seus próprios patrícios, em vez de sofrê-las somente de seus adversários. Mais uma
vez ali se provava o velho ditado, ainda hoje conhecido, de que "a pior cunha é sempre aquela
que sai da mesma madeira"! 2
247
consentiu que elas socorressem Jesus. Sem perda de tempo e dispondo apenas de alguns
segundos, Verônica enxugou-lhe o rosto e Joana deu-lhe água fresca de um cântaro pequeno.
Logo em seguida, puseram-se outra vez em marcha. O trajeto da porta de Damasco até o cimo
do Calvário foi percorrido em 16 minutos, pois as execuções se cumpriam fora dos muros da
cidade. Jesus mal podia respirar; o seu corpo tremia sob a temperatura febril e o suor
empapava-lhe o rosto, vertendo sob as vestes amarfanhadas e manchadas de sangue da flagela-
ção. Os encarregados da crucificação tinham pressa, pois o sol do meio-dia crestava as carnes
de todos. Sob o rochedo de forma cônica, cujo aspecto se parecia realmente com uma caveira
encimada por tufos de capim e arbustos reduzidos, a multidão espalhou-se e se dividiu em
grupos. Aqui, os curiosos ou sádicos animados pelo espetáculo tenebroso; ali, parentes,
discípulos e amigos oravam sob mortificante desespero; acolá, divertiam-se os infelizes
escarnecedores de todos os tempos, que tripudiam vilmente até sobre o martírio dos justos.
Alguns, mais sensíveis e confiantes, oravam fervorosamente, certos de que o céu não tardaria
em se abrir despejando legiões de anjos para arrasar os soldados e libertar a Judéia do jugo dos
romanos, conforme anunciava a profecia do Velho Testamento no advento do Messias.
Então se deu o terrível e doloroso suspense para todos. Amigos e discípulos de Jesus
estremeceram e as mulheres caíam de joelhos em terra, sob cruciante oração, enquanto dois
ajudantes despiram Jesus deixando-lhes apenas um pano em torno dos rins. Outro lhe oferecia
um caneco de vinho com mirra, que servia de bebida anestesiante para os condenados
suportarem os primeiros momentos atrozes da crucificação. Quase sempre isso provinha da
iniciativa de um grupo de mulheres piedosas, que se reuniam e se cotizavam para amenizar o
cruel sofrimento dos crucificados. Jesus mal tocou a bebida com os lábios e recusou-a, pois
queria sofrer o martírio em perfeita lucidez de espírito e não se entorpecer na sua comunhão
espiritual com o Senhor. Estava convicto de que sua obra redentora pedia tal sacrifício para o
bem da própria humanidade e, por isso, queria estar consciente do seu próprio holocausto. Em
seguida, deitaram-no sobre a cruz, pregaram-lhe as mãos na trave superior horizontal e os pés
num apoio de madeira da trave vertical, enquanto outro carrasco também fixava um pedaço de
madeira entre as suas pernas, aliviando-lhe o peso do corpo para não rasgar-lhe as mãos. Depois
ergueram a cruz com o seu corpo já pregado e a colocaram na abertura do solo, ficando os pés
à altura de uma jarda do chão. Outros dois condenados também foram crucificados em torno
de Jesus, os quais se lamentavam sob os mais lúgubres gemidos na sua dor lancinante, porém,
não lhe dirigiram a palavra conforme consta nos evangelhos. 3
Era o ponto final do processo da crucificação. Dali por diante o tempo de vida de cada
um dos crucificados dependeria exclusivamente de sua resistência orgânica, pois havia casos
de indivíduos tão robustos e cheios de vida, que se agüentavam vivos durante dois, três e até
quatro dias na cruz.
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da vida espiritual, satisfez-Jesus e o encheu de regozijo. A sua morte e seu sacrifício já não seriam
inúteis, pois as almas que escolhera para transmitir as suas idéias à posteridade, agora se
comunica vam entre si e se agrupavam pela força coesiva dos pensamentos e dos sentimentos
evangélicos, assim como as ovelhas, dispersas pela tempestade, depois se reúnem novamente
sob o carinho do seu pastor.
Mas, de súbito, Jesus foi interrompido no seu devaneio consolador pelos gritos,
chalaças e escárnios dos infelizes agentes de Caifás, que antes de se retirarem do Gólgota
ainda procuravam arrematar a sua ignomínia com gestos de indiferença selvagem para
agradarem aos seus chefes vingativos. Acossados pelos espíritos das trevas, sarcásticos o des-
peitados pelo triunfo indiscutível de Jesus, eles desceram à vileza de um humorismo tão negro
como suas próprias almas.
— Desce da cruz, ó Filho de Deus! Chama teu Pai para te livrar do suplicio! Guarda-
me um lugar no teu reino! Para onde fugiram as tuas legiões de anjos? Salva o Rei dos Judeus
no seu trono da cruz! Desce da cruz, salva-te primeiro e nós seremos teus crentes!
Enquanto riam fazendo gestos de deboche, Jesus pousou-lhes o olhar compassivo e
resignado, fitando-os sem ressentimento, inclusive aos soldados que, às vezes, riam das
zombarias dos esbirros de Caifás. Imensa ternura invadiu-lhe a alma, vibrando sob o mais puro
e elevado amor. Novamente o seu olhar claro e expressivo, repleto de poderoso magnetismo
angélico, então resplandeceu num fulgor majestoso, envolvendo aqueles seres tenebrosos num
banho purificador e balsâmico, que os fez estremecer tocados pelo remorso e os fez silenciar.
Após aquela transfusão de luz e amor, que tributou aos seus próprios algozes, abrindo-lhes o
coração para um entendimento mais feliz da vida espiritual, Jesus ergueu os olhos para o alto e
a sua voz suave e misericordiosa então se pronunciou vibrando ditosa no holocausto de sua
própria vida:
— "Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem!"4
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discípulos que se encontravam a poucas jardas de Jesus, ouviram-lhe quaisquer palavras além
do seu silêncio doloroso e estóico.
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Tiago e João ainda se aproximaram mais da cruz, quedando-se ante o sinal ameaçador
de um soldado armado de lança. Num esforço pungente, eles ergueram os olhos para Jesus,
cujas veias estavam tensas e pareciam saltar da fronte sob o impacto do sangue impulsionado
pela aorta. Tiago enxugou o rosto com a própria mão e olhou o céu, como a pedir socorro.
Luziu-lhe um brilho de esperança nos olhos lacrimosos, ao ver que os soldados buscavam um
lugar apropriado para se abrigarem ante a tempestade que se mostrava cada vez mais
aterradora. Ele pretendia, de um salto, apanhar a lança que se achava encostada na cruz de um
dos ladrões e por amor e piedade por Jesus, o melhor homem do mundo, então far-lhe-ia
cessar o tormento pavoroso, cravando-a no seu coração.
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as nuvens dançavam furiosamente em choques bruscos. O peso da atmosfera parecia cair todo
sobre o corpo de Jesus aumentando-lhe a terrível sensação de cruel esmagamento. Uma dor
atroz partiu-lhe das pontas dos dedos da mão esquerda; depois subiu-lhe rápida pelo braço,
como um arame incandescente perfurando-lhe as veias e, num átimo de segundo, bloqueou-lhe
o coração, paralisando-lhe a respiração. Um forte estremecimento sacudiu-lhe as faces, os
lábios e as pontas dos dedos entorpecidos; os olhos se nublaram completamente e sua cabeça
pendeu desamparada sobre o ombro esquerdo!...
O Messias havia expirado!... Eram três horas da tarde!
Tiago viu-lhe a morte à luz do relâmpago e caiu de joelhos num grito de dor pela perda
do Mestre e num brado de júbilo pela sua libertação do suplicio bárbaro da cruz. Todos
levantaram-se e numa só exclamação, de braços erguidos, gritavam jubilosamente chamando
a atenção dos soldados:
— Hosanas! Hosanas! O Mestre expirou! O Senhor nos ouviu!
Prostravam-se ao solo e beijavam a terra entre soluços indescritíveis. Então o chefe da
patrulha de soldados, empunhando a lança, feriu a carne de Jesus. Primeiramente de leve, e
depois forçou-a até manchar-se de rubro e verificar que não havia mais sinal de vida. Em
seguida, ordenou a um soldado que fosse dar ciência ao centurião Quinto Cornélio da morte de
um dos crucificados. Findara-se, entre todos, o angustioso temor de o Amado Mestre
apodrecer vivo na cruz ou ser devorado pelas aves de rapina. Graças à sua natureza delicada e
ao enfraquecimento vital produzido pela exsudação sangüínea no Horto das Oliveiras, ele
sucumbira em menos de três horas pelo rompimento benfazejo da aorta, dando-lhe a
desejada libertação na cruz.
Alguns minutos depois o céu então se abria em cataratas de chuva torrencial, sob o
fragor dos trovões assustadores, do vento furioso e dos raios fulgurantes, desgalhando árvores,
abrindo sulcos na terra ressequida, desmontando telheiros, ruindo túmulos à flor do solo,
arrasando granjas e manjedouras, rompendo diques, extravasando rios, estraçalhando pontes,
derribando muros, desmontando ruínas e abarrotando o chão das herdades com milhares de
frutos maduros. As cruzes oscilavam ameaçando tombar devido ao amolecimento da reduzida
massa de terra que cobria o cimo rochoso do monte da caveira, onde se dera a crucificação. Os
soldados calçavam-nas com pedras e paus no meio da água que se juntava nas bases vacilantes.
Os dois ladrões crucificados moviam-se reanimados pela preciosa linfa que lhes escorria
através dos cabelos empapados, na avidez animal de sobreviverem. Malgrado a insistência dos
soldados para que todos abandonassem o local, pois ali nada mais tinham a fazer com a morte
de Jesus, os seus amigos e discípulos permaneceram encharcados até os ossos e enlameados
até os tornozelos. Maria, abraçada à trave inferior da cruz, beijava o dorso dos pés do amado
filho; Madalena soluçava prostrada de bruços no solo lamacento; e Tiago, de braços cruzados,
não desfitava os olhos do semblante imóvel e pálido do seu adorado Amigo, sentindo-se venturoso de vê-
lo livre daquele suplício infernal. Pedro revelava um espanto tão doloroso na sua face, que ainda parecia
duvidar daquele acontecimento tão trágico. João, de olhos entrecerrados, tinha a mão direita crispada sobre
o coração e a esquerda pousada na testa inclinada. Temia despertar do seu mundo fantasioso e defrontar o
pesadelo mais atroz de sua vida. Os demais enchiam o ar de lamentos e prantos tão próprios da raça hebréia,
erguendo os braços aos céus, em tormentosa súplica e cruciante desespero.
Finalmente, ao anoitecer, José de Arimatéia e Nicodemus haviam conseguido de Pilatos a
autorização para descer-lhe o corpo da cruz, o qual estranhou a morte tão rápida de Jesus. Depois de
embalsamado com aromas, sais da tradição hebraica e envolto em lençóis limpos, o corpo do Amado
Mestre foi colocado num sepulcro novo, cavado na rocha viva de um horto adjacente, até lhe ser destinada
mais tarde a moradia adequada, pois sendo o sábado o "dia da preparação" da Páscoa dos judeus, não se
deveria cuidar de cerimônias fúnebres.
A tempestade havia amainado e a água da chuva escorria pelas fendas rochosas e enlameadas do
Gólgota. Momentos depois, o grupo de criaturas pesarosas se punha a caminho entoando um canto triste e
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pungente, o mais profundo lamento da alma atormentada, onde a saudade, o remorso, a angústia e o desalento
lavravam como o fogo queimando as carnes tenras. Era a procissão lamentosa de homens e mulheres lavados
pela chuva e manchados pela lama, que seguiam pranteando a perda do Sublime Amigo Jesus, o homem justo,
inocente, heróico e leal, que sucumbira para deixá-los viver. Quando desapareceram no sopé da colina rochosa
em direção à cidade, deixando nas asas do vento fatigado os sons melancólicos dos mais acerbos queixumes,
ainda se podia ver no cimo do Gólgota a silhueta das três cruzes, que Jesus havia entrevisto mediunicamente,
durante a sua agonia espiritual no Horto das Oliveiras e na véspera de sua morte.
No entanto, a cruz no centro estava vazia, porque já se havia cumprido o sacrifício do Salvador.
Daquele momento em diante, ela deixava de ser o instrumento de castigo infamante do homem, para se
tornar o caminho abençoado da libertação espiritual da humanidade. Jesus, o Messias, havia triunfado sobre as
Trevas, nutrindo a Luz do mundo através do combustível sacrificial do seu próprio sangue!
3 — Lucas, 23:35-43.
4 — Lucas, 23:34.
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