Bianca Damasceno - Coaching e Psicanálise
Bianca Damasceno - Coaching e Psicanálise
Bianca Damasceno - Coaching e Psicanálise
Bianca Damasceno
fugaz, fluida e paradoxal. São tempos de grande mobilidade e incerteza, marcados por
tecnocientífico que passaram a regular as relações humanas, especialmente a partir dos anos
70. Muitos discutem se a modernidade se foi, perdendo lugar para a pós-modernidade. Outros
foco aqui não é entrar no mérito de tal discussão. Antes, atentar para o quanto a sociedade
contemporânea, a partir de tais transformações, ocupa-se em se tornar cada vez mais hábil e
capacitada. Nunca se exigiu tanto das pessoas que tenham performance e apresentem
inteiro desde a década de 80. Trata-se do coaching, um processo de elaboração e busca por
metas, em que um profissional (coach) ajuda um cliente (coachee) a realizar seus objetivos,
neurolingüística e psicologia positiva. É por conta de sua proposta, tida como muito eficaz,
que o coaching cresce mais a cada ano. Dados do Portal da Administração mostram que hoje
“a profissão de coach é uma das mais promissoras do mundo (...) e o seu crescimento, nos
últimos dois anos, foi de 300% ao ano” (FRANÇA, 2009, s/p.). Esses dados são confirmados
parte na direção do seu querer: uma melhor vaga na empresa, o carro do ano, a casa dos
sonhos, a fama, a fortuna, a prosperidade e tudo o mais que, atualmente, se tem por
‘felicidade’ e/ou ‘sucesso’. Ou seja, tudo aquilo que for exigência de um dos significantes
implacável”, “são as regras do mercado”, “não fique fora do mercado” etc), esse significante
meu salário em compras. Não gosto de entrar em loja e não comprar. Fico com vergonha.
Compro sem ver.” – Produtor de eventos, 22 anos - matéria Consumidos pelo consumo, da
A respeito da competitividade, vê-se que desde a preparação das crianças, pelos pais,
para "vencerem na vida", passando por programas de televisão (como o Big Brother) até a
2009) destacam que a relação entre coisas passa a ser privilegiada em detrimento da relação
sujeito, o que torna o capitalismo atual uma economia de empuxo ao gozo ilimitado, uma
cultura da pulsão de morte. Sabe-se que o Discurso Capitalista visa sobrepor o mercado à
sociedade, isto é, sobrepor o consumo aos laços sociais. Dito de outro modo, visa fazer com
que exista somente o mercado. “Trata-se de um discurso sem lei que, como indica Lacan,
foraclui, rejeita completamente a castração, e por isso parece se impor de forma imperativa,
sem nada que possa detê-lo, sem nada que possa regulá-lo.”(QUINET, 2002, p. 33). Isto traz
conseqüências dramáticas à sociedade: com o ‘império do gozo’, isto é, com o ‘gozar a
qualquer preço’, ser feliz deixa de ser uma aspiração para ser uma obrigação do homem ‘pós-
moderno’. Obrigação que se constitui por um projeto individual e privatizado. Para realizá-lo,
é preciso ser melhor a cada dia; investir, buscar o topo do pódio, estar preparado para
competir. Como a cobrança é intensa e o mercado ‘não perdoa’, a obsessão pela performance
aumenta e a pressa em conseguir ‘um lugar no bote’ impede o tempo de elaboração do ser
Mas, e o coaching com isso? Ora, no momento em que se percebe esta atividade
teorias que privilegiam apenas o cérebro, a neurociência e tudo o que seja voltado para
Observa-se nesse pequeno texto que há um total desconhecimento por parte das atuais
ciências cognitivas sobre a interferência no cérebro daquilo que seus cientistas não querem
sujeito entre espaços diferentes do registro do eu e da consciência e, como se sabe, tal gesto
levou a disciplina freudiana para além da psicologia, da psiquiatria e da filosofia. A partir daí,
registro da consciência (LACAN, [1964] 2008). Efetivamente, essas contribuições não podem
ser negadas pelo coaching, sob pena do profissional estar suprimindo de seu trabalho a grande
do coaching, o que se percebe é que por trás do discurso em prol de uma vida feliz e bem
sucedida - via alcance de metas - pode-se correr o risco de um reforço à ideologia neoliberal.
opções existenciais” (FREIRE FILHO, 2010, p. 23). É isso que pode comprometer a prática
do coaching: assim como os fins balizam os meios, as ideologias que regem o mundo
Contudo, acreditamos ser possível fazer esse trabalho de outra forma desde que sejam
sem dúvida, os dois campos. Acreditamos no processo de coaching onde o sujeito é, não
realização de projetos de vida. É possível, sim, ajudar e apoiar pessoas no alcance de suas
entremeada por Eros e Tanatos. Uma sociedade onde a ética da alteridade esteja alimentada
pelo viés criativo da pulsão da morte. Onde os sujeitos possam tomar consciência do risco de
caso persistam na idéia de felicidade a qualquer preço. Neste ponto, nada melhor do que pedir
ajuda ao poeta que, como dizia Freud, sempre sabe mais do que a sabedoria escolar: “É
melhor ser alegre que ser triste; a alegria é a melhor coisa que existe... é assim como a luz no
coração. Mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza... senão, não se
Partindo de uma visão psicanalítica, o coaching pode e deve se manter como um meio
mais inovador, mais questionador do próprio mercado; por que não? Um trabalho em prol de
uma forma de vida mais criadora, que se paute menos no performático e que se centre numa
dimensão marcadamente simbólica. Isso implica, até mesmo, tomar consciência dos limites
que o próprio trabalho de coaching se depara diante do sujeito em crise. Pela demanda de
cuidados presente nas sessões de coaching, o profissional deve inclusive ser capaz de indicar
uma análise como um espaço possível de resolução de conflitos de seu cliente. A dor e o
Desmentir essa verdade com promessa de final feliz é, como dito acima, pura ideologia ou,
promoção do sujeito que o coaching poderá contribuir com a convivência entre diferenças e
paradoxos: prosa e poesia, caos e ordem, apolíneo e dionisíaco, tradição e vanguarda. É assim
que, como coach, venho pautando a minha atuação. Aprendo muito com a psicanálise em sua
subversão freudiana do sujeito não pode ser mais negada por nenhuma disciplina, sob pena de
se tornar um discurso maniqueísta sobre o bem e o mal. Para finalizar, penso que não seria
demais repetir que promessas utópicas de felicidade e resoluções fáceis de conflitos que, em
BIBLIOGRAFIA
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03. Jun/jul/ago de 2008. Páginas 56-62.
FREIRE FILHO, João. et al. O anseio e a obrigação de ser feliz hoje. In: Ser feliz hoje:
reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
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Zahar Editor, 1992.
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LIMA, José Antonio. As emoções são contagiosas – entrevista com Sirini Pillay. Revista
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Acesso em: 19.12.2009
MONTEIRO, Karla. Consumidos pelo consumismo. Revista O Globo. Jornal O Globo: Rio
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QUINET, Antonio. Não há futuro sem psicanálise. In: ALONSO, Aristides. et al (Org). O
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SOBRE O AUTOR