Nações e Nacionalismo
Nações e Nacionalismo
Nações e Nacionalismo
Os dois últimos séculos da história humana do planeta terra são incompreensíveis sem o
entendimento do termo nação e os seus derivados. As definições objetivas de nação falharam
porque é possível descobrir exceções à aplicação dos critérios. Também é impossível ajustar
entidades historicamente novas, mutáveis e emergentes, longes de serem universais, a
tais critérios.
Língua, etnicidade, etc. são critérios ambíguos e (por isso) convenientemente utilizados para
propósitos programáticos e propagandísticos. Quase toda classificação de nação com base em tais
critérios é suscetível de objeções.
A alternativa aos critérios seria definir objetivamente, com base no subjetivo: a escolha coletiva
ou individual de uma nacionalidade. Essa alternativa, porém, é passível de críticas, pois fornece um
guia posterior sobre a nação e pode levar ao pensamento de que bastar querer ser uma nação e
assim será. Também não é possível reduzir a nacionalidade a uma dimensão única, seja ela étnica,
política, etc (a menos que seja obrigação estatal).
B) A nação não é uma entidade social originária e imutável: ela pertence a um período
particular e historicamente recente. Ela é uma entidade apenas quando relacionada
ao Estado-nação, e não se pode discutir nacionalidade fora desta relação. Os
nacionalismos e os Estados formam as nações, e não o contrário;
D) Por isso, as nações são fenômenos duais, que não podem ser compreendidos sem
serem analisados de baixo, porque: a) as ideologias oficiais dos Estados não são
orientações para o que está na cabeça das pessoas; b) não se pode presumir que para a
maioria a identificação nacional é maior que outras identificações; c) a identificação
nacional e afins podem mudar no tempo;
A característica básica da nação moderna é a sua modernidade. O governo não foi ligado
ao conceito de nação até 1884. A palavra nação, até então, indicava origem e descendência
(“naissance”), tendo surgido para descrever grupos fechados, como guildas e outras corporações,
que necessitavam ser diferenciados.
A nação moderna difere em tamanho, escala e natureza das reais comunidades com as quais os
seres humanos se identificavam, e que foram sendo perdidas. As nações viriam justamente tentar
preencher o vazio deixado pela perda destas comunidades e mobilizar alguns sentimentos de
vínculo coletivo (protonacionais) em escala macropolítica.
Tipos de vínculos protonacionais: formas supralocais (além dos espaços regionais) de identificação
popular (ex: crença na Virgem Maria); laços e vocabulários políticos de grupos seletos ligados mais
diretamente com Estado e instituições, passíveis de generalização, extensão e popularização, e
mais relacionados com a “nação moderna”. Nenhum destes dois tipos pode ser legitimamente
relacionado com o nacionalismo moderno, porque não há relação necessária com a unidade da
organização político-territorial.
I) A língua: serve como identificador do “outro”. Onde não existem outras línguas, o idioma
não é identificador; com o multilingüismo, porém, o idioma se torna elemento exclusivista. A língua
não é um elemento central no protonacionalismo, e nunca foi um identificador de cunho
político poderoso, mas pôde facilitar a coesão protonacional, porque:
ainda que seus falantes sejam uma minoria, se possuem peso político e estão em uma área
territorial estatal, pode servir de piloto à formação de uma comunidade maior (italianos
falam italiano);
serviram mais comumente para separar extratos sociais do que comunidades inteiras;
tendem a definir mais o outro do que o próprio grupo (este mesmo, quase sempre
heterogêneo);
III) A religião: um antigo e experimentado método de estabelecer comunhão, mas que pode
ultrapassar e sobrepujar os limites da nação, derrubando o monopólio da lealdade e,
sendo universais, escamoteando diferenças étnicas, lingüísticas, políticas, etc, apesar de ativos
literários e religiosos poderem contribuir para a formação da nação;
IV) Os ícones (império, rei, etc): mais adequados ao protonacionalismo, já que são associados
ao Estado pré-nacional, com rei ou imperador dotado de poderes divinos;
Na era das revoluções, o conceito de nação fez parte do conceito de unidade, indivisibilidade e
passou a incluir o elemento de cidadania e escolha ou participação de massa. Para John Stuart
Mill, a nação e a nacionalidade encerram conceitos de legitimidade, representatividade e
democracia.
1. NAÇÃO NA REVOLUÇÃO
Não era o uso da língua que fazia o cidadão, mas a sua disposição em adotar a língua (e outras
características).
2. NAÇÃO NO LIBERALISMO
O desenvolvimento econômico nos séculos XVI a XVIII foi feito com base em Estados territoriais,
cada um dos quais perseguindo as suas próprias políticas mercantilistas. Não existiam entidades
transnacionais. Verificava-se, ainda, a existência de mini-Estados cuja significância econômica
está fora da proporção ao seu tamanho e aos seus recursos (como hoje Cingapura e Hong Kong).
Não havia, portanto, lugar para a nação ou qualquer coletividade maior do que uma empresa
(Adam Smith).
Em outros países a teoria liberal não era tão forte. Nos EUA, Alexander Hamilton vinculava a
nação, o Estado e a Economia; na Alemanha, Friedrich List definia como função da economia
realizar o desenvolvimento da nação e preparar a sua entrada na sociedade universal do futuro.
List criou o conceito de GROSSTAATEN: a nação teria de ser de tamanho suficiente para
formar uma unidade viável de desenvolvimento. Daí que:
3. NAÇÃO PÓS-LIBERALISMO
Não se poderia mais confiar na lealdade automática e apoio ao Estado. Os interesses estatais
dependiam da participação do povo, e a criação do Estado moderno exigiu o sentimento nacional e
de “nação”, não apenas por legitimidade, mas de manutenção do Estado.
As transformações passadas criaram dois tipos de problemas políticos: a) criar uma nova
forma de governo que ligasse cada habitante do território ao governo estatal; b) criar
uma lealdade e identificação dos cidadãos ao Estado e ao sistema dirigente. O Estado pós-
Liberalismo deveria dominar sobre um “povo” territorialmente definido, como uma agência,
alcançando a maioria dos seus cidadãos.
Para tanto, depois de 1880, seria preciso considerar os sentimentos acerca da nacionalidade para
se difundir o nacionalismo, criando uma “religião cívica” (patriotismo, a lealdade ao Estado, e não à
nação, pois o Estado exerceria a soberania em nome do povo). A tendência patriótica acabou
reforçando (ou criando) a exclusão dos estrangeiros e, portanto, o sentimento nacional.
O nacionalismo seria o componente emocional da aquisição de legitimidade pelos
Estados.
A educação primária e outros meios de comunicação serviriam para criar tradições, muitas vezes
apoiadas em sentimentos nacionalistas não-oficiais já presentes, como a xenofobia e o
chauvinismo (as maiores migrações de massa ocorreram entre 1880 e 1914).
4. NAÇÃO PÓS-1880
3) Sobrevieram mudanças no direito político para a nação e a bandeira, para qual o termo
“nacionalismo” foi inventado na última década do século XIX.
A maioria dos movimentos destacava o elemento lingüístico e/ou étnico. O nacionalismo étnico
recebeu reforços com a migração massiva e as teses pseudocientíficas de superioridade racial. A
língua foi confundida com raça, para conveniência política, e o seu uso simbólico passou a
prevalecer sobre o uso real, tornando-se mais nacionalístico do que literário ou oral. A política de
massa ajudou a desenvolver tais sentimentos populares.
O nacionalismo lingüístico partiu principalmente do meio “pequeno-burguês”: estratos médios mais
pobres, porém cultos, que ocupavam trabalhos que exigiam escolaridade. O nacionalismo
passou de um conceito liberal e esquerdista para um movimento da direita chauvinista
[CHAUVINISMO: opinião exacerbada, tendenciosa ou agressiva em favor de um país, grupo ou
idéia]. Ainda que bem-vindos pelos Estados (a identificação com o Estado era essencial
para o governo), esses sentimentos eram autóctones.
A aquisição de consciência nacional não pode ser separada da aquisição de outras formas de
consciência social e política, nem uma foi realizadas às custas da outra, nem de forma linear.
5. NAÇÃO PÓS-1918
b) O triunfo da nação burguesa (nação como “economia nacional”), reforçada a partir da crise
econômica do entre-guerras (os Estados recuaram e se protegeram através de um
isolamento);
c) O fracasso da tentativa de fazer as fronteiras dos Estados e das nações coincidirem, o que
levaria à expulsão maciça ou a exterminação das minorias;
5. NAÇÃO HOJE
Todos os Estados do planeta são nações, pelo menos oficialmente; os apelos por uma comunidade
imaginária da nação parece ter vencido todos os desafios, mas o nacionalismo já não se
apresenta como o principal vetor do desenvolvimento (transformação) histórico e
emancipação política, como o fora nos mundos desenvolvido e dependente. Os movimentos
nacionais característicos do final do século XX são essencialmente negativos, separatistas e
reflexos da fraqueza ou medo contra a modernidade e ameaças reais ou imaginárias.
A) Ela está perdendo a sua base de economia nacional, com as tecnologias do século
XXI, o livre comércio do século XIX e o renascimento de uma espécie de centros
intersticiais do comércio mundial no período da Idade Média (Cingapura e Hong Kong);
B) Os conflitos políticos básicos têm pouco a ver com Estados-nações, são mais o
reflexo da luta entre as duas superpotências;
C) A eterna aspiração pelo separatismo está sendo diminuída (ou desiludida) pela
necessidade de convivência em bloco, tendo pouca importância a nação e o novo
Estado-nação no sistema político e econômico;
D) A história do mundo não pode mais ser contida dentro dos termos de nação e
nacionalismo: “ser” de uma nacionalidade é apenas mais um “ser”, muitas vezes não o
primeiro. O fenômeno já passou do seu apogeu.