Dissertação Castro Alves
Dissertação Castro Alves
Dissertação Castro Alves
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
JOÃO PESSOA
2010
VALTER GOMES DIAS JUNIOR
JOÃO PESSOA
2010
D541p Dias Júnior, Valter Gomes.
Poesia e identidade em Castro Alves / Valter
Gomes Dias Júnior.- João Pessoa, 2013.
217f.
Orientadora: Zélia Monteiro Bora
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA
1. Castro Alves, Antônio Frederico de, 1847-
1871 - crítica e interpretação. 2. Literatura brasileira
- crítica e interpretação. 3. Literatura e cultura. 4.
Poemas abolicionistas. 5. Identidade nacional.
UFPB/BC CDU:
869.0(81)(043)
VALTER GOMES DIAS JUNIOR
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Zélia Monteiro Bora – UFPB (Orientadora)
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Bernardete Nóbrega – UFPB
_________________________________________________________________________
Profa. Dra. Sueli Meira Liebig – UEPB
_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Expedito Ferraz Júnior – UFPB (Suplente)
À minha mãe, Tereza Maria Mesquita Quirino,
num gesto de carinho, por sua presença amável
e fortificante, em cada momento de minha
vida.
À minha querida orientadora, Profa. Dra. Zélia Monteiro Bora, minha grande mestra, pela
partilha de conhecimentos, pela paciência, pela atenção e, sobretudo, pela prestimosa
dedicação. Meu estimado e fervoroso agradecimento;
À Profª. Danielle Rodrigues Pereira Veloso, minha grande amiga, pelo cuidadoso zelo na
correção desta dissertação e por sua inigualável solidariedade;
The Independence of Brazil in 1822 was an incentive for the recent nation to (re)define the new
country’s constituent lines, with relation to race, culture, and specifically, to its national identity.
In the literary panorama, The Brazilian Romanticism was the movement that fortified that ideal
of nationalism, erecting symbols that would build the emergent nation. It is in that panorama that
the poet from Bahia Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), young student of Law,
develops through his lyrical-dramatic poetic production, nation social problems searching for a
national identity. The criticism about his production is unanimous in considering him as one of
the most romantic nationalists. Described as the slaves' poet, his engaged production is pointed
out better through the books A Cachoeira de Paulo Afonso (1876) and Os escravos (1883). A
close reading of his abolitionist poems reveals, besides careful formal elaboration, through a
balance among the lyrical, dramatic and tragic genres, a vision about the slave's condition while
human beings. His point of view can be considered as exclusive in 19th century Brazilian
Literature, since he presents black people as subject in spite of the restraints that inspired the
great abolitionist literary production written by white people.
Keywords: Castro Alves – black slave – national identity – abolitionist poems – tragic – lyrical –
dramatic – subject.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
5 CONCLUSÃO............................................................................................................ 152
6 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 154
6.1 Fontes Primárias ..................................................................................................... 154
6.2 Fontes Secundárias.................................................................................................. 154
7 ANEXOS.................................................................................................................... 161
7.1 Anexo 1 – A canção do africano............................................................................. 162
7.2 Anexo 2 – Mater dolorosa....................................................................................... 163
7.3 Anexo 3 – A cruz da estrada................................................................................... 164
7.4 Anexo 4 – A criança................................................................................................ 165
7.5 Anexo 5 – Bandido negro........................................................................................ 166
7.6 Anexo 6 – Tragédia no lar....................................................................................... 168
7.7 Anexo 7 – Navio Negreiro...................................................................................... 174
7.8 Anexo 8 – A tarde................................................................................................... 181
7.9 Anexo 9 – Maria ..................................................................................................... 182
7.10 Anexo 10 – O baile na flor.................................................................................... 183
7.11 Anexo 11 – Na margem......................................................................................... 184
7.12 Anexo 12 – A queimada........................................................................................ 185
7.13 Anexo 13 – Lucas.................................................................................................. 186
7.14 Anexo 14 – Tirana................................................................................................. 187
7.15 Anexo 15 – A senzala............................................................................................ 188
7.16 Anexo 16 – Diálogo do Ecos................................................................................. 189
7.17 Anexo 17 – O nadador........................................................................................... 191
7.18 Anexo 18 – No barco............................................................................................. 192
7.19 Anexo 19 – Adeus................................................................................................. 193
7.20 Anexo 20 – Mudo e Quêdo................................................................................... 194
7.21 Anexo 21 – Na fonte............................................................................................. 195
7.22 Anexo 22 – Nos campos........................................................................................ 197
7.23 Anexo 23 – No monte........................................................................................... 199
7.24 Anexo 24 – Sangue de africano............................................................................. 199
7.25 Anexo 25 – Amante............................................................................................... 200
7.26 Anexo 26 – Anjo................................................................................................... 200
7.27 Anexo 27 – Desespero........................................................................................... 201
7.28 Anexo 28 – História de um crime......................................................................... 203
7.29 Anexo 29 – Último abraço.................................................................................... 204
7.30 Anexo 30 – Mãe penitente.................................................................................... 205
7.31 Anexo 31 – O segredo........................................................................................... 206
7.32 Anexo 32 – Crepúsculo Sertanejo........................................................................ 209
7.33 Anexo 33 – O bandolim da desgraça..................................................................... 209
7.34 Anexo 34 – A canoa fantástica.............................................................................. 211
7.35 Anexo 35 – O São Francisco................................................................................. 212
7.36 Anexo 36 – A Cachoeira....................................................................................... 213
7.37 Anexo 37 – Um raio de luar................................................................................. 214
7.38 Anexo 38 – Despertar para morrer........................................................................ 215
7.39 Anexo 39 – Loucura divina................................................................................... 216
7.40 Anexo 40 – À beira do abismo e do infinito......................................................... 217
10
1 INTRODUÇÃO
1
Destacamos com o termo “grupos hegemônicos” a pluralidade das elites existentes na nação.
2
Cf. Renato Ortiz, Cultura Brasileira & Identidade Nacional, São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 138.
11
3
Cf. Zilá Bernd, Literatura e Identidade Nacional, Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1992, p. 15.
4
Idem, ibidem.
5
Idem, ibidem.
12
6
Cf. Nelson Werneck Sodré, História da Literatura Brasileira: seus fundamentos econômicos, 4. ed., Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, p. 269.
7
Cf. Machado de Assis, Notícia da Atual Literatura Brasileira – Instinto de Nacionalidade (1873), In: __________.
Crítica & Variedades, São Paulo: Globo, 1997, p. 18. (Obras Completas de Machado de Assis).
8
Idem, p. 19.
9
Cf. Nelson Werneck Sodré, Op. Cit., p. 268. Ressaltamos que a visão do referido autor é pautada numa vertente
marxista tradicional, por analisar a condição social do negro do ponto de vista do conflito entre as classes sociais;
privilegiando, portanto, o efeito das ideologias racistas, em vigor durante o período do Romantismo Brasileiro.
13
10
Cf. Dante Moreira Leite, Romantismo e Nacionalismo. In: _________. O amor romântico e outros temas. São
Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1979, p. 47.
11
Cf. Fernando de Azevedo. A poesia social no Brasil (1925). In: _________. Ensaios. São Paulo: Comp.
Melhoramentos de São Paulo, 1929, p. 94-5.
12
José Murilo de Carvalho destaca: “se a nação evitou inicialmente instabilidades e rebeliões, não chegou a ter uma
única mudança irregular e violenta de governo e conservou sempre a supremacia do governo civil.” José Murilo de
Carvalho, A construção da ordem & Teatro das sombras, 2. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 13.
Entretanto, o mencionado autor faz uma ressalva a essa consolidada estabilidade gerada dentro do governo
monárquico, no Brasil, ao referir-se à abdicação do trono brasileiro feita por Dom Pedro I, em 1831, e a antecipação
da maioridade de Dom Pedro II, em 23 de julho de 1840, o qual, com 14 anos, se tornaria imperador brasileiro. Ver
José Murilo Carvalho, Op. Cit., p. 13.
14
13
Cf. Dante Moreira Leite, Romantismo e Nacionalismo. In: _____________. O amor romântico e outros temas.
São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1979, p. 48.
14
Ver Robson Pedrosa da Costa, “As ordens religiosas e a Escravidão Negra no Brasil”. In: Revista de
Humanidades, UFRN, Caicó (RN), v. 9 n. 24, sep./out, 2008. Disponível em: <http://www.cerescaico.ufrn.br/
mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_15/robson_st15.pdf> Acesso em: 15/01/2010.
15
do capitalismo no século XIX. Dessa maneira, “por volta de 1860, todavia, as teorias racistas
tinham obtido o beneplácito da ciência e plena aceitação por parte dos líderes políticos e culturais
dos Estados Unidos e da Europa”.15
Assim não parece estranho, que a organização política na formação nacional brasileira
ascendesse progressivamente, tendo a Igreja através de seus padres e bispos como expoentes e
praticantes de uma política interessada em subjugar o escravo, como se encontra reiterado nos
seguintes termos: “[...] por considerar os escravos eleitos de Deus e escolhidos, à semelhança de
Cristo, para salvar a humanidade pelo sacrifício. [...] Ou seja, a escravidão não é condenada pela
Igreja desde que moderada, justa, racional, rentável e equilibrada”.16
Apesar de confirmar a ideia de que a escravidão era necessária ao apogeu do lucro, a
Igreja assume uma postura contraditória ao endossar cada vez mais os inominados abusos
cometidos contra negros e índios através de bulas papais expedidas desde o século XVI contra a
escravidão.17 Nesses termos, a existência da escravidão era apoiada pela Igreja como um fator
racional dentro da organização social, política e econômica da própria nação. Por isso, para se
consolidar a referida organicidade do sistema escravista, todo e qualquer tipo de desmando do
senhor para com o escravo era lícito:
A relação dos senhores com a massa escrava baseia-se no princípio do use e abuse. A
duração da jornada de trabalho não conhece limites e, sobretudo nas épocas de corte e
moagem da cana, passa das 15 horas diárias. Em geral, a labuta vai de segunda a
segunda com cinco dias de descanso por ano: Natal, Epifania, Páscoa, Ascensão e
Pentecostes.18
15
Ver Thomas Skidmore, citado por Augusto Buonocore, “Racismo e ideologia do colonialismo”. Revista Espaço
Acadêmico, n. 51, agosto/2005, mensal, Ano V.
16
Cf. Emilio Gennari, Em busca da Liberdade: traços das lutas escravas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular,
2008, p. 27.
17
Dentre muitos documentos emitidos pela Igreja Católica contra a escravidão, destacamos a bula Cum Sicuti (1591),
do papa Gregório XIV, a Commissum Nobis (1639), de Urbano VIII, a Immensa Pastorum (1741), de Bento XIV, In
Supremo (1839), de Gregório XVI e In Plurimis (1888), de Leão XIII.
18
Cf. Emilio Gennari. Op. Cit., p. 22.
16
“uma propriedade”. Assim, percebemos a que ponto chegou a preocupação da elite brasileira para
manter ao máximo a escravidão como um sistema político e econômico sob o qual se organizava
toda a sociedade na tentativa de manutenção do status quo das classes dirigentes. Em 1825, como
“mercadoria”, os negros podiam ser:
Apalpados, a qualquer hora do dia ou de noite, desde que lhes era proibido, sob pena de
açoites o uso de qualquer arma, não só o uso de qualquer arma de defesa como trazerem
paos. Era também proibido ao escravo não só a eles como a todo o negro ou homem de
cor estar parado nas esquinas sem motivos manifestos a até dar assobios ou qualquer
outro sinal.19
Sob essa realidade, o clima de tensão causado por fugas, violências e insurreições,
principalmente na Bahia, através dos levantes Nagôs, em 1826, 1828, 1830 e a Revolta dos
Malês, em 1835, tornou cada vez mais impossível a permanência do sistema escravocrata,
especialmente após a pressão política e armada perpetrada pela Inglaterra, desde a emancipação
dos escravos nas colônias britânicas (1833). Então, tendo por égide a causa abolicionista, os
ingleses colaboravam através dos policiamentos das costas contra a liberação de “carga”
clandestina mantida por traficantes de escravos.
Protagonistas desse momento histórico, onde a manutenção da escravidão era
praticamente impossível, possivelmente motivada pelas ideias do liberalismo inglês, (conhecida a
todos os intelectuais da época) surgem como contemporâneos abolicionistas as figuras de Castro
Alves (1847-1871) e Joaquim Nabuco (1849-1910). Nomeados como um dos mais destacados
abolicionistas da época, cujas ideias influenciaram toda uma geração de abolicionistas. Joaquim
Nabuco certamente motivou ainda mais os pensamentos abolicionistas em Castro Alves, seu
contemporâneo. Então, adeptos das mesmas ideias da época, especialmente a abolição da
escravatura, os dois homens sintetizam as opiniões estético-políticas do século em que viveram
como fatores discursivos essenciais para solidificação do projeto de criação de uma nação livre e
democrática.
Por isso, enquanto a influência literária de Castro Alves delineou-se através da publicação
e apresentação de poemas nos teatros, grêmios acadêmicos e ruas de Salvador, a atuação política
19
Cf. Gilberto Freire, Sobrados e Mocambos: decadência do patriarcalismo rural e desenvolvimento do urbano, Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio, 1977, v. 2, p. 150.
17
20
As contradições que procuramos ressaltar são o fato de ele ser monarquista, liberal e americanista, mesmo sendo
abolicionista, por esse perfil, ele não foi aproveitado na ordem republicana brasileira.
21
Ver Resumo de dissertação de Aires José Rover. In: _________. “Abolicionismo e Americanismo em Joaquim
Nabuco” Disponível em: <http://www.infojur.ufsc.br/aires/arquivos/seq23-AbolicionismoAJN.pdf>, Acesso em:
15/01/2010.
18
Castro Alves não viveu para ver a emancipação dos escravos, mesmo assim, não deixou de tanto
proferir e desejar ardentemente a liberdade àqueles que não a tiveram.
Comungando com essa vertente, entendemos que nosso estudo ajudará a aprofundar não
apenas a taxionomia sobre o debatido tema de Identidade brasileira, mas aproximar-nos-á de uma
postura vinculada à complexidade do âmbito social, especialmente, no tocante aos poemas de
Castro Alves que retratam uma representação do negro dentro de um viés literário.
A crítica acerca da poesia castroalvina tomou mais impulso a partir do século vinte; e
dentre muitas, destaca-se, por exemplo, a de Gregory Rabassa quando expõe que:
22
Cf. Gregory Rabassa, O negro na ficção brasileira. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1965, p. 88.
23
Cf. Afrânio Peixoto. Castro Alves: o poeta e o poema. São Paulo: Ed. Nacional, 1976, p. 123.
24
Cf. Jamil Almansur Haddad. Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 2, p. 11.
19
coletiva sobre um amplo número de pessoas [...]”;25 e tal efeito foi muito bem explorado pelo
poeta, quando este se imiscuiu na problemática social vigente na época, denunciando-a através da
dramaticidade de sua produção literária. Dessa forma, Castro Alves visou a concretizar a
verdadeira função social da poesia: “afetar a fala e a sensibilidade de toda a nação”.26 Ante a
presente proposta, observamos que este romântico se propõe, através da representação literária do
negro brasileiro, discutir e construir esteticamente um perfil de identidade de um sujeito em uma
nova sociedade a qual ele via como republicana.
Em linhas gerais, propomo-nos a aprofundar as possíveis motivações que influenciaram a
produção da poesia social de Castro Alves. Para chegarmos a essa perspectiva, consideraremos o
seguinte aspecto:
Definir em que consiste a elaboração da poesia social. Nesse caso, retomaremos as
teorizações empreendidas principalmente pelo Romantismo alemão, entre elas, as de Goethe &
Schiller, presentes no ensaio Sobre poesia épica e dramática (1993), as de Schiller, observadas
em Acerca da arte trágica (1792) e as de Hegel, pontuadas na Estética: Poesia (1835). Todos
esses textos nos servirão de apoio à elucidação do fenômeno poético em seu sentido formal. Ou
seja, como a poesia era concebida em termos formais na época de Castro Alves, especialmente a
dramática, utilizada como estrutura dos poemas abolicionistas. Nesse sentido, podemos afirmar
que, todos os referidos títulos convergem para a ideia de que o ponto de partida da ação
dramática é o conflito. Daí afirmarmos que esse estilo de poesia toma como empréstimo o sentido
do texto dramático em si, estruturando-se a partir de um processo dialético em que temos a
escravidão como tese, a indignação contra esse sistema como antítese e a abolição da escravatura
como síntese, constituindo-se assim uma hipótese presente na elaboração dos poemas. Partindo
dessa ideia, dando ao escravo a subjetividade negada como pessoa, Castro Alves explora esses
recursos estéticos com a finalidade de sensibilizar o leitor ou o ouvinte a fim de “educá-lo”, tal
qual fazia o teatro com sua plateia.
Diante disso, estudar os elementos constitutivos da poesia dramática, observar o quão esta
repercute no contexto sociopolítico que vigora na época e explorar a subjetividade do indivíduo
que é evidenciado através da voz poética são categorias estético-analíticas mais essenciais à
evolução do estudo da presente dissertação.
25
Cf. T. S. Eliot. De poesia e poetas. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 27.
26
Idem, p. 34.
20
Consoante toda a abordagem exposta, o ponto de partida desse trabalho será demonstrar
como as poesias abolicionistas de Castro Alves, especificamente as obras A Cachoeira de Paulo
Afonso (1876) e Os escravos (1883), expressam esteticamente uma discussão sobre o problema
da identidade nacional. Por isso, deter-nos-emos ao referido corpus objetivando discutir os
seguintes fatores:
I – o problema da subjetividade relacionada ao perfil do negro representado através dos
poemas sociais castroalvinos e demonstrar como esteticamente o projeto poético situa-se no
projeto romântico de identidade nacional.
II – a forte posição de Castro Alves diante do regime escravocrata ao assumir uma postura
abolicionista para época, somando-se a isso uma visão republicana acerca do que se vivia e se
almejava.
III – a relevância da dramaticidade das cenas descritas no universo da escravidão como
significativo processo de representação da construção da identidade nacional brasileira, uma vez
que pondo em destaque o sofrimento do escravo, Castro Alves almeja que ele seja reconhecido
como sujeito, como um dos edificadores da identidade nacional brasileira.
Os referidos fatores, que são mencionados e postos em discussão por críticos como Jamil
Haddad,27 Afrânio Peixoto28 e Jorge Amado,29 compreendem mais que uma análise sobre a
poesia do poeta, sugerem a contribuição dada por Castro Alves aos estudos sobre o Romantismo,
na Literatura Brasileira.
Em termos estruturais, nosso trabalho está dividido em três capítulos:
O primeiro destina-se a apresentar como se construiu a conjuntura política e literária
vigente na época de Castro Alves e que servira de motivação estética ao poeta.
O segundo apresenta uma revisão crítica da poesia de Castro Alves, partindo do viés de
como os críticos da Literatura Brasileira analisaram e teceram comentários sobre a produção
literária de Castro Alves; visando, dessa forma, a apresentar os primeiros traços ou nuances de
uma identidade nacional, que começou a surgir em sua poesia de forma significativa. Ainda no
mesmo, enfocaremos o processo estético-conteudístico da produção literária de Castro Alves
como marcas de uma nova proposta poética na literatura.
27
Ver Jamil Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves. São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, 2, 3.
28
Ver Afrânio Peixoto, Castro Alves: o poeta e o poema. São Paulo: Ed. Nacional, 1976.
29
Ver Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Livraria Martins, 1960.
21
Um elemento importante nos anos de 1820 e 1830 foi o desejo de autonomia literária,
tornado vivo depois da Independência. Então, o Romantismo apareceu aos poucos
como caminho favorável à expressão própria da nação recém-fundada, pois fornecia
concepções e modelos que permitiam afirmar o particularismo, e portanto a identidade,
em oposição à Metrópole, identificada com a tradição clássica. 34
30
Cf. Eric Hobsbawn, Nações e Nacionalismo desde 1780 (1990), 4. ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004, p. 31.
31
Domingos José Gonçalves de Magalhães, primeiro e único barão de Araguaia e depois visconde de Araguaia, foi
médico, professor, diplomata, político, poeta e ensaísta brasileiro. Fundador da corrente Romântica, no Brasil, com a
publicação do livro Suspiros Poéticos e Saudades (1836) e junto a Francisco de Sales Tôrres Homem e Manuel José
de Araújo Porto Alegre idealizaram e fundaram, em 1836, a Niterói, revista brasiliense de ciências, letras e artes. Da
qual se editou apenas dois periódicos, mas em ambos todos os três contribuíram com artigos sobre economia,
ciências e música.
32
Francisco Sales de Tôrres Homem, o visconde de Inhomirim, foi advogado, jornalista, diplomata, escritor, médico
e político brasileiro. Foi um dos poucos negros que assumira posição de destaque no Império Brasileiro, chegando
inclusive a ser senador do Império de 1868 a 1869.
33
Manuel de Araújo Porto Alegre, primeiro e único barão de Santo Ângelo, foi escritor, político, jornalista, pintor,
caricaturista, arquiteto, crítico, historiador de arte, professor e diplomata. Fundador da Revista Guanabara, que
divulgava o gênero literário romântico, e da Revista Lanterna Mágica.
34
Cf. Antonio Candido, O Romantismo no Brasil, 2. ed., São Paulo: Humanitas, 2004, p. 19.
35
Ver Antonio Candido, O Romantismo no Brasil, 2. ed., São Paulo: Humanitas, 2004. Antônio Soares Amora, O
Romantismo: (1833-1838/ 1878-1881), São Paulo: Cultrix, 1967, v. II.
23
pensamento errôneo, porém, não condizia mais com o momento que recentemente eclodira no
país, já que “o sentimento mais forte que aparece na idéia de nação também é o de pertencer”.36
Logo, libertar-se do jugo da Colônia propugnando um critério eminentemente de originalidade
nacional era o almejado por uma geração não apenas de jovens intelectuais, mas pela nação
brasileira como um todo. Em face ao exposto, constata-se a ideia de que “ser original é ser
nacional; esse critério diferencia uma nação da outra, individualiza-a num conjunto maior”.37
Mesmo que saibamos que podem ser elencados diversos termos que visam a distinguir as nações
entre si, como cultura, educação, etnia, religião, língua, entre outros elementos distintivos, mas o
desejo de país livre, como o que já existia nas demais nações europeias, funciona como categoria
universal no processo de construção e individualização de uma identidade nacional.
Todavia, faz-se mister ressaltarmos que essa iniciativa de individualizar a nação não se
destina a aproximar-se de uma ideia centralizadora, exclusivista e de plena soberania,38 vincula-
se a erigir uma “identidade essencialmente nacional”, mesmo que não seja alcançada em sua
totalidade, mas, a partir de então, inicia-se um processo de diferenciação entre os paradigmas e as
características nacionais imposto pela Metrópole e os critérios de originalidade assumidos, a
partir de então, pela ex-Colônia, na condição de nação em processo de crescimento social,
cultural e econômico. Diante dessa limitação de plenitude e ao mesmo tempo do ensejo de
distinguir-se dentro de um universo de nações, desejamos evidenciar que “a nação é uma
comunidade política imaginada – e imaginada como implicitamente limitada e soberana”,39 pois
os elementos de nacionalidade são imagens defendidas como “nossa identidade”, porém não
alcança a completude de autenticidade uma vez que “mesmo os membros das menores nações
jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar
deles, embora na mente de cada um esteja viva a imagem de comunhão”.40
A década de vinte e de trinta, no século XIX, retratou momentos decisivos, no que se
refere ao avanço sociopolítico e literário do Brasil. Desde a independência do Brasil em sete de
36
Cf. Bernardo Ricupero, O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830 – 1870), São Paulo: Martins Fontes,
2004, p. 8.
37
Cf. Maria Eunice Moreira, Nacionalismo Literário e Crítica Romântica, Porto Alegre: IEL, 1991, p. 35.
38
Sobre esse aspecto Dante Moreira Leite, em seu livro O caráter nacional brasileiro (2007), alertava que o
nacionalismo diverge em duas vertentes: uma saudável e outra mais agressiva e doentia. O mesmo exemplifica que
esta última corresponde a uma excessiva afirmação de poder e grandeza como fora o caso do nazismo, na Alemanha,
e aquela, mesmo sendo de difícil conceituação, consistiria a uma oposição crescente e constante ao expansionismo de
outras nações que oprimem o desenvolvimento das singularidades das demais nações.
39
Cf. Benedict Anderson, Nação e Consciência Nacional, São Paulo: Ática, 1989, p. 14.
40
Idem, ibidem.
24
setembro de 1822 à abdicação do trono brasileiro por Dom Pedro I, em 1831, o país vivenciara
um sentimento de ufanismo à pátria que engendrou na jovem geração de intelectuais brasileiros o
desejo de erigir uma literatura exclusivamente brasileira. Em função do relatado, Gonçalves de
Magalhães, Araújo Porto Alegre e Tôrres Homem dirigiram-se ao Instituto Histórico da França
com a finalidade de apresentarem três comunicações que serviram como fontes esclarecedoras
para o público francês interessado em conhecer a realidade literária no Brasil.41
Gonçalves de Magalhães propugnava a ideia42 de que “uma poesia cantada, espontânea e
original, existente primitivamente no Brasil, e inspirada nas belezas da natureza virgem do País,
fora asfixiada por uma literatura erudita, de cunho clássico imitada de Portugal e de França”. 43
Isso seria o início de uma ruptura com o passado e uma aspiração ao futuro, já que havia, a partir
de então, o lato desejo de libertar-se da inspiração das musas clássicas, ao cotejá-las com o
aprazível da realidade brasileira. Essa comparação serviu, outrossim, para forjar os primeiros
traços de uma identidade criteriosamente nacional.
Toda essa reflexão posta em discussão por Gonçalves de Magalhães e seus colegas
intelectuais contribuiu para consolidar um movimento que abria uma nova página na literatura
brasileira: o Romantismo. A intenção destes era que essa corrente literária fosse reconhecida
como produções brasileiras, por isso Gonçalves de Magalhães empenhou-se em pesquisar
minuciosamente dados históricos, apurados por autores anteriores ao jovem intelectual, cujos
registros fundamentariam a “problemática” sobre a qual Magalhães debruçou-se em discorrer.
41
Ver Antônio Soares Amora. O Romantismo: (1833-1838/ 1878-1881), São Paulo: Cultrix, 1967, v. II. Antonio
Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 11. ed., Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007.
Antonio Candido, O Romantismo no Brasil, 2 ed., São Paulo, Humanitas, 2004. Bernardo Ricupero. O Romantismo e
a idéia de Nação no Brasil, São Paulo: Martins Fontes, 2004. Nelson Werneck Sodré, História da Literatura
Brasileira, 4. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Maria Eunice Moreira, Nacionalismo Literário e
Crítica Romântica, Porto Alegre: IEL, 1991. José Veríssimo, História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira
(1601) a Machado de Assis (1908), São Paulo: Letras & Letras, 1998.
42
É importante ressaltarmos que a ideia defendida por Gonçalves de Magalhães não era detentora de um caráter tão
elevado de novidade. Antonio Candido asseverara que “Magalhães foi um caso interessante de renovador sem força
renovadora.” Cf. Antonio Candido, O Romantismo no Brasil, 2. ed., São Paulo, Humanitas, 2004, p. 24. Isto se
concebeu pelo fato de poetas, prosadores e críticos literários europeus, como o francês Ferdinand Denis e o
português Almeida Garrett, corroborarem a iniciativa de erigir-se uma literatura eminentemente brasileira.
Entretanto, ao Magalhães “receber na França o impacto das novas tendências não perdeu a dicção neoclássica, mas
incorporou concepções e técnicas que foram reveladoras no Brasil: sentimento religioso como garantia da alta função
moral da poesia; imitação direta da natureza, não dos textos clássicos, a fim de poder manifestar a originalidade do
gênio; rejeição das formas fixas a favor de estrofes livremente organizadas, em poemas sem molde prévio, para
assegurar liberdade ao discurso.” Cf. Antonio Candido, Op. Cit., p. 25. Mesmo o referido vate não ter apresentado
ideias tão inovadoras, mas foi o primeiro brasileiro a empenhar-se conscientemente na construção de nossa
heterogênea identidade brasileira. Diante disso, obteve o seu espaço reconhecido e registrado no cânone literário
brasileiro.
43
Cf. Antônio Soares Amora, Op. Cit., p. 86.
25
Para isso, o mesmo abeberou-se dos estudos e tratados escritos respectivamente por Friedrich
Bouterwek, Simonde de Sismondi, Ferdinand Denis, Almeida Garrett, Schlichthorst, Diogo
Barbosa Machado e o Cônego Januário da Cunha Barbosa,44 para que exercesse sobre eles uma
criteriosa análise a ponto de concluir “quais os fatos históricos verdadeiros e quais os fatos
estéticos de valor, sobre os quais faria suas reflexões e provaria sua tese, que era, [...], a da
existência de uma literatura brasileira”.45
Baseando-se nas leituras e (re)leituras desses antecessores, Magalhães reconheceu dois
aspectos essenciais à confecção de seu trabalho: o apego à natureza, pelo fato de ela “excitar a
sensibilidade, estimular a imaginação, empolgar a emoção e elevar o espírito”,46 a (re)definição
do herói brasileiro: o índio, e a preocupação em interligar as letras do Brasil ao panorama dos
acontecimentos políticos contemporâneos.47 Essas tendências serviram para legitimar a ideia de
originalidade que já detinha a Literatura Brasileira e cuja estrutura levá-la-ia a nortear-se a fim de
libertar-se da opressão colonial à qual se mantivera presa; e “o critério da originalidade,
assentado na manifestação da cor local, é definidor do autor nacional”.48
Mediante essa consciência e após a sistemática pesquisa, Gonçalves de Magalhães
adentrou a história da Literatura Brasileira ao inaugurar o Romantismo Brasileiro somando suas
ideias na publicação, em 1836, da obra Suspiros Poéticos e Saudades e da Niterói – Revista
Brasiliense, marcos inaugurais da mencionada corrente estética, nos quais o referido poeta e
pesquisador debruçou-se em teorizar e expor quais seriam os elementos constitutivos desta
literatura, perfilhando dessa forma, como afirmara o autor do conceito de nação imaginada, uma
consciência eminentemente nacional. Os artigos escritos na Niterói serviram para “recuperar o
terreno que nos separa de outros povos, “mais adiantados”, ou seja, é a concepção de “nação
nova” que inspirou a maior parte dos artigos publicados na Revista Brasiliense”,49 por esse
44
Ver Antônio Soares Amora. O Romantismo: (1833-1838/ 1878-1881), São Paulo: Cultrix, 1967, v. II. Antonio
Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 11. ed., Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007.
Antonio Candido, O Romantismo no Brasil, 2. ed., São Paulo: Humanitas, 2004. Bernardo Ricupero, O Romantismo
e a idéia de Nação no Brasil, São Paulo: Ática, 2004. Maria Eunice Moreira, Nacionalismo Literário e Crítica
Romântica, Porto Alegre: IEL, 1991.
45
Cf. Antônio Soares Amora. Op. Cit., p. 102.
46
Idem, p. 103.
47
Ver Maria Eunice Moreira, Nacionalismo Literário e Crítica Romântica, Porto Alegre: IEL, 1991.
48
Idem, p. 36.
49
Cf. Bernardo Ricupero, O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830 – 1870), São Paulo: Martins Fontes,
2004, p. 92.
26
motivo que a mesma propugnara a epígrafe: “Tudo pelo Brasil e para o Brasil” como uma forte
marca de almejo pelo crescimento.
No que se refere ao conceito de “comunidade imaginada”, podemos afirmar que ele
também se refletiu sobre a estrutura de nacionalidade do Brasil, pois o povo que foi erigido como
representação de nossa identidade não abrangia a pluralidade de raças que aqui havia;
fortificando apenas uma: o índio – o nativo das terras brasileiras. Mesmo assim, não se pode
deixar de observar, ao reportarmo-nos à realidade brasileira, que o caráter de construção de nossa
identidade consistiu em desvincular-se de uma nação portuguesa que oprimia em busca do
desenvolvimento nacional. Em virtude dessa proposta, Dante Moreira Leite asseverou que “a
ideologia nacionalista antecede a formação do Estado nacional, os teóricos do nacionalismo
precisam buscar as raízes históricas, e até míticas, de um espírito nacional que justifique e garanta
a nação”.50
É notório que esse desejo ganhara força e muito mais respaldo na gênese da Revolução
Francesa do século XVIII, todavia o desejo de autoafirmar e definir uma “identidade autêntica” é
bem anterior a esse episódio sociopolítico, visto que, vemos registros constantes, na literatura
universal, de fatos ou até mesmo ações concretas de um processo de distinção entre povos e
nações. É o que verificamos nesse excerto de A Prosopopéia (1601), de Bento Teixeira, obra
épica do período colonial que visa a enfocar os feitos de um “herói brasileiro”, nesse caso D.
Jorge de Albuquerque Coelho, terceiro donatário da Capitania de Pernambuco:
50
Cf. Dante Moreira Leite, O caráter nacional brasileiro, 7. ed., São Paulo, UNESP: 2007, p. 32. (A 1ª edição é de
1954)
51
Mantuano é uma referência a Públio Virgílio Marão (71-19 a. C.), nascido em Mântua, norte da Itália, autor de A
Eneida, obra que narra os feitos heróicos do príncipe troiano Enéias.
52
Cf. Bento Teixeira, Prosopopéia (1601), Rio de Janeiro: INL, 1972, p. 19, Canto I, I. Faz-se mister evidenciarmos
que a referida obra exalta a figura de um colonizador, que moldará a recém-conquistada terra brasileira ao perfil da
nação portuguesa, por isso não podemos afirmar com tanta veemência que seja uma representatividade do
nacionalismo, mas um registro esboçado de um parâmetro de uma futura identidade brasileira.
27
53
Cf. Eric Hobsbawn, Nações e Nacionalismo desde 1780, 4 ed., São Paulo: Paz & Terra, 2004, p. 116.
54
Cf. Benedict Anderson, Nação e Consciência Nacional, São Paulo: Ática, 1989, p. 15.
55
Cf. Maria Eunice Moreira, Op. Cit., p. 35.
56
Sobre esse aspecto, Dante Moreira Leite, em seu livro O amor romântico e outros temas (1979), alertara que a
designação de mito não é apropriada para se discorrer sobre as categorias constituintes do Romantismo, pois o
referido termo veicula uma ideia pejorativa de não-verdadeiro, não-autêntico. Tornar-se-ia verdadeiro
exclusivamente para as consciências mistificadas ou enganadas, por isso, a preferência pelo termo símbolo a mito é
semântico-estilisticamente mais adequada. Todavia, ressaltamos que o emprego do referido vocábulo nesse trabalho
acadêmico visa a explorá-lo como uma estrutura que ascendia em ritmo progressivo ao da recente e emergente nação
brasileira. Logo, fazer uso dele é uma iniciativa de maximizar a importância que estes tiveram na composição de
uma nova página da Literatura Brasileira: o Romantismo.
28
(1873), Ubirajara (1874), todos de José de Alencar. Esses e muitos outros títulos do Romantismo
brasileiro destinaram-se a registrar através de seus nativos e sua flora as características de uma
nação recém-independente.
Diante dessa proposta de construção e afirmação dos símbolos da nação, aspiramos a
observar os critérios que levaram a intelectualidade da época a definir o que seria efetivamente
visto e aceito como brasileiro tanto sob o prisma social como literário, outrossim, o que fora
exprobrado por esses intelectuais como irrelevante, quiçá, como inaceitável, visto que “o
deslumbramento com o progresso e o verniz de civilização encobrem problemas graves, como a
escravidão”.57 Essa exclusão já percebida por Machado de Assis, no ensaio Instinto de
Nacionalidade (1873), certamente é também observada pelos poetas da terceira fase do
Romantismo Brasileiro, sobretudo Castro Alves. Tal perspectiva é motivada por uma concepção
menos mítica, mais realista e inclusiva, ou seja, relacionada a uma definição de identidade
nacional que privilegie a presença do negro como subjetividade.
Um artigo da Revista Niterói, publicado no segundo e último número do referido
periódico, intitulado Considerações econômicas sobre a escravatura (1836), escrito pelo mulato
Tôrres Homem, posicionou-se contra a escravidão, ao defender opiniões precípuas que
apontavam a escravatura como “um efeito deletério, favorecendo atitude contrária ao espírito de
iniciativa, de desdém pelo trabalho industrial e a inovação, [...]”58 ou seja, economicamente, o
trabalho escravo seria muito pouco produtivo, ele nos afastava de adentrarmo-nos no progresso
da indústria.59 Porém, essa limitação de desenvolvimento, constatada no ensaio de Tôrres
Homem, não causava tanto impacto na elite escravocrata brasileira, pois se a mesma lograra
manter-se sólida e estável por um período de mais de trezentos anos, nesse sistema político de
opressão, foi devido à escravidão. Sob a égide desse regime político, a elite brasileira constituíra
sua formação e obtivera-se no poder.60
57
Cf. Ubiratan Machado, A vida literária no Brasil durante o romantismo, Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001, p. 19.
58
Cf. Bernardo Ricupero. Op. Cit., p. 93.
59
Para ratificar essa ideia, Tôrres Homem apoiou-se em Gustave de Beaumont e Aléxis de Tocqueville ao considerar
“que os Estados Unidos, divididos entre sul escravista e o norte livre, ofereciam exemplo notável dos resultados da
adoção de uma ou outra forma de trabalho. Em poucas palavras, o norte seria industrioso e próspero, o sul, rotineiro
e pobre. Quanto ao Brasil, nota acuradamente um divórcio entre “o Brasil político e o Brasil industrial”. No primeiro
Brasil, que outros depois chamarão de país legal, os progressos, beneficiados pelo exemplo europeu, teriam, em
poucos anos, sido consideráveis. O “desenvolvimento industrial porém foi retardado pelo monstruoso corpo estranho
implantado no coração de sua organização social. A posse de escravos tem evidentemente impedido de trilhar a
carreira da indústria”.” Idem, ibidem.
60
Ver José Murilo de Carvalho, A construção da ordem: a elite política imperial – O teatro das sombras: a política
imperial, 2. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
29
Além do mais, “numa sociedade voltada quase toda ela para a exportação de mercadorias
trabalhadas pelo braço escravo, poucos podiam questionar a instituição servil”.61 E como poucos,
ou reduzindo a uma categoria imensamente insignificante, questionavam a escravidão; a Revista
Brasiliense ganhou mais destaque, quando Gonçalves de Magalhães defendeu “o conceito de
literatura como expressão de um povo”,62 expondo o que “ele tem de mais sublime nas idéias, de
mais filosófico no pensamento, de mais heróico na moral, e de mais belo na natureza; é o quadro
animado de suas virtudes e de suas paixões, o despertador de sua glória, e o reflexo progressivo
de sua inteligência; [...]”,63 em síntese, as qualidades desse povo seriam evidenciar as
características de uma nação, entretanto o mesmo não se posicionou em relação aos problemas da
escravidão brasileira.
E como esse caráter eclodia em amplas proporções, faltava um órgão que se comportasse
como um pesquisador de nossa história nacional, diante isso, inaugurou-se no Rio de Janeiro, em
21 de outubro de 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), tendo sua sede na
instituição de onde se originara: a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) 64 e era
composto de cinquenta sócios, no entanto o maior de todos os contribuintes do IHGB foi o
imperador D. Pedro II, que, através desse órgão, financiara as obras de intelectuais que elevassem
o nacionalismo brasileiro:
61
Cf. Bernardo Ricupero, Op. Cit., p. 94.
62
Cf. Maria Eunice Moreira, Op. Cit., p. 55.
63
Cf. Domingos José Gonçalves de Magalhães, Discurso sobre a história da literatura do Brasil. In: ___________.
Opúsculos Históricos e Literários, Rio de Janeiro: Garnier, 1865, Tomo VIII, p. 241.
64
Ver Antônio Soares Amora. O Romantismo: a literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1967, v. II. Bernardo
Ricupero. O Romantismo e a idéia de Nação no Brasil, São Paulo: Martins Fontes, 2004.
65
Cf. Ubiratan Machado, Op. Cit., p. 99.
30
66
Cf. Ubiratan Machado, Op. Cit., p. 88-9.
67
Sobre este símbolo romântico e a tendência indianista, Nelson Werneck Sodré expusera que “o indianismo não era
apenas uma saída natural e espontânea para o nosso romantismo. Era, mais do que isso, alguma coisa de
profundamente nosso, em contraposição a tudo que, em nós, era estrangeiro, era estranho, viera de outras fontes. O
indianismo era nativista, efetivamente, não por coincidir com a fase da autonomia – e não com os acontecimentos – e
dela provir, como conseqüência direta, mas porque, logo após o processo da Independência, desenvolveu-se entre
nós um nacionalismo vesgo, vago e virulento, traduzido em jacobinismo desenfreado, de que as nossas rebeliões
provinciais mostraram traços evidentes. Indicar que o Brasil podia subsistir sem o português, e que podia viver de
seus elementos próprios, dos que estavam na tarefa de colonização mas não eram lusos, constituía um tema excelente
e peculiar à época. Dos três grupos humanos que haviam colaborado na obra da colonização, entretanto, excluído o
português, contra o qual se voltava aquêle extremado nativismo, só o índio servia como fundamento para uma
temática rica e agressiva.” Cf. Nelson Werneck Sodré, História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1964, p. 278.
68
Ver Dante Moreira Leite, O caráter nacional brasileiro, 7. ed., São Paulo: UNESP, 2007.
31
69
As imagens melopaicas são geradas pela presença de elementos que se aproximam pela sonoridade no poema, já as
estruturas fanopaicas correspondem justamente ao campo das metáforas, das imagens que são construídas no poema.
Todas elas são categorias definidas por Ezra Pound. Ver: Ezra Pound, ABC da Literatura, São Paulo: Cultrix, 2006.
70
Cf. Gonçalves Dias, Poesia e prosa completas, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, p. 379.
32
A observação de Dante Moreira Leite explora a noção de que o negro, como símbolo de
uma realidade atual, passa a obter visibilidade no panorama da identidade nacional brasileira com
a poesia castroalvina pelo fato de esta enfocá-lo dentro de um universo abolicionista,
enxergando-o, dessa forma, como um ser humano. A partir de então, inicia-se a solidificar o
grande mérito da proposta de Castro Alves que é o fato de ele conseguir evidenciar a
subjetividade do negro como um ser ontológico, numa proposta de arte literária poética,
desvinculando o negro da imagem de mercadoria a qual a sociedade escravocrata atribuiu-lhe.
Apreendemos que muitos outros autores brasileiros, antecedendo o poeta romântico, abordaram o
universo do negro.
71
Cf. José Aderaldo Castelo, A literatura brasileira: origens e unidade (1500-1600), São Paulo: EDUSP, 1999, v. I,
p. 225.
72
Cf. Dante Moreira Leite, Romantismo e Nacionalismo. In: ____________. O amor romântico e outros temas, São
Paulo: EDUSP, 1979, p. 47.
33
73
Cf. J. P. Oliveira Martins, apud Raymond S. Sayers, O negro na Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: o Cruzeiro,
1958, p. 24.
74
Cf. Raymond S. Sayers, Op. Cit., p. 25.
75
Idem, p. 29-30.
34
desumanas e violentas. Observa-se, no entanto, que imagens mais positivas do negro literário
aparecem à medida que estes vão se tornando, na vida real, protagonistas de sua própria narrativa
como foi o caso do mulato português Afonso Álvares que retratou o negro como polido,
respeitoso e diligente, muito embora a condição de mulato no período era tão marginalizada
quanto a do negro, uma vez que ser mulato(a) pressupunha a existência de filhos não legalizados
pelo casamento, assim como o provável pertencimento do indivíduo a camadas mais pobres da
sociedade.
Enquanto a Literatura Portuguesa introduziu variantes temáticas que serviram a uma
caracterização mais realista da personagem negra, a Literatura Espanhola do século XVIII
apresentou outros de caráter mais associado ao papel trágico desempenhado pelo escravo nas
sociedades americanas. À medida que o tráfico e o sistema escravocrata fortaleceram-se de forma
generalizada nas Américas, a resistência contra eles foi intensificada através da literatura como
uma das formas de denúncia social nas colônias. Essas críticas foram retomadas ainda no século
XVI por precursores como: Lope de Vega e padres espanhóis como foram os casos de: José
Antonio Saco; Frei Tomás Mercado; Bartolomé de Albornoz. Esses religiosos atacaram o
argumento de que os negros entravam para o reino de Cristo quando escravizados pelos
cristãos.76 Outros como foi o caso de José de Anchieta limitaram-se a dar informações de caráter
numérico sobre a população. Embora, contraditoriamente, não tenha se expressado pelas
condições subumanas dos escravos, ele preocupava-se com as suas almas.
Dentre os supracitados religiosos, mesmo não se observando nitidamente um discurso
contra a escravidão, muito menos um de cunho abolicionista, verifica-se na oratória de Vieira
uma sensibilidade em relação aos maus-tratos a que foram submetidos os negros.77 Pois, a
argumentação de José de Anchieta foi utilizada também pelo Padre Antonio Vieira, cuja retórica,
presente no sermão Décimo Quarto, justifica o abuso praticado pelos portugueses como uma
arbitrariedade “bíblica”, lembrando que “a mãe de Cristo os havia escolhido especialmente por
filhos, e que isso que pode parecer desterro, captiveiro e desgraça, [...], não é senão milagre e
grande milagre”. Para Vieira, “a paciência no sofrimento, a aceitação na tortura e o
agradecimento na morte estavam escritos muito antes deles terem vindo ao mundo e, portanto,
não haveria nenhuma outra maneira de salvação. Vieira chega a tal ponto na sua exaltação da
76
Ver Raymond S. Sayers, O negro na Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: o Cruzeiro, 1958, p. 30-53.
77
Ver Alfredo Bosi, Dialética da Colonização, 4. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 144.
35
sorte e felicidade dos negros escravos que, depois de uma descrição realista dos trabalhos e
horrores das caldeiras de um engenho insinua que ele os inveja: n’essa triste servidão de
miserável escravo, tereis o que eu desejava sendo rei.78 Inscrito sob praticamente a mesma
argumentação a qual se basearam as visões literárias sobre os negros, considerando-os humanos,
Vieira lhes atribuiu essa mesma discursiva humanidade e igualdade perante Deus, entretanto, ele
nunca chegou a posicionar-se para a libertação dos escravos-negros.
Mediante o exposto, aproximamo-nos do discutido por Eva Bueno acerca do negro como
personagem, e observamos que a representabilidade deste elemento no universo literário colonial
e romântico ocorrera não apenas de forma parca, mas timidamente. Por causa disso, propusemo-
nos a delinear a imagem desse negro que outrora foi pouco referenciado, mas a
contemporaneidade visou a registrar a contribuição da representação na construção simbólica da
nação brasileira. Reforçamos mais nossas abordagens partindo de como este elemento é visto e
até idealizado no Sermão XIV do Rosário (1633), de Padre Antônio Vieira:
Não se pudera, nem melhor nem mais altamente, descrever que coisa é que ser escravo
em um engenho do Brazil. Não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais
parecido à Cruz e Paixão de Christo, que vosso em um d’estes engenhos. [...] Bem-
aventurados vós se soubereis conhecer a fortuna do vosso estado, e com a conformidade
e imitação de tão alta e divina similhança aproveitar e santificar o trabalho!
Em um engenho sois imitadores de Christo crucificado: Imitatoribus Christi crucifixi,
porque padeceis em um modo muito similhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua
cruz, e em toda a sua Paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em
um engenho é de três. Também alli não faltaram as canas, porque duas vezes entraram
na Paixão: uma vez servindo para o sceptro de escarneo, e outra vez para a esponja em
que lhe deram o fel. A Paixão de Christo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia
sem descançar, e taes são vossas noites e os vossos dias. Christo despido, e vós
despidos; Christo sem comer, e vós famintos; Christo em tudo maltratado, e vós
maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes affrontosos,
de tudo isto se compõe a vossa imitação, também terá merecimento de martyrio. Só lhe
faltava a cruz para a inteira e perfeita similhança o nome de engenho; [...]
Mas para que esta primeira parte da imitação dos trabalhos da cruz o seja também nos
afectos (que é a segunda e principal); assim como no meio dos seus trabalhos e
tormentos se não esqueceu o Senhor de sua piedosíssima Mãe, encomendando-a ao
Discípulo amado, assim vos não haveis de vós de esquecer da mesma Senhora,
encomendando-vos muito particularmente na sua memória, e oferecendo-lhe a vossa.79
Assim, é visível, no texto de Padre Antonio Vieira, um olhar solidário diante da crueldade
a que foi impelido o negro, no momento em que o sermonista identifica seu sofrimento ao de
78
Eva Paulino Bueno, O padre Antonio Vieira e a escravidão negra no Brasil, In: Revista Espaço Acadêmico, ano
III, n. 36, maio de 2004, mensal.Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/ 036/36ebueno.htm> Acesso
em: 20/01/10.
79
Cf. Padre Antonio Vieira, Sermão XIV do Rosário (1633), Lisboa: Lello & Irmãos, 1951, v. XI, p. 309-11.
36
80
Cf. Gregory Rabassa, O negro na ficção brasileira, Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1965, p. 82.
81
Cf. Emílio Gennari, Em busca da liberdade: traços das lutas escravas no Brasil, São Paulo: Expressão Popular,
2008, p. 27.
37
A visão de Haroldo de Campos serve para reforçar que a imagem que Gregório de Matos
fazia do negro estava longe de colocá-lo como sujeito, visto que o poeta era conhecedor da
82
Cf. Alfredo Bosi, Dialética da Colonização, 4. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 144.
83
Cf. Gregório de Matos, Epílogos, Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/gregoi01.html > Acesso em:
20/07/09.
84
Cf. João Adolfo Hansen, Floretes agudos e porretes grossos, Disponível em: <http://www.revista.
agulha.nom.br/jah01.html> Acesso em: 20/07/09.
85
Cf. Haroldo de Campos, Original e Revolucionário, Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br
/har01.html> Acesso em: 20/07/09.
38
necessidade econômica que o negro tinha na Colônia, portanto não haveria condições de
evidenciar o escravo como elemento constituinte de nossa identidade brasileira. Porém,
distanciando-se um pouco dos mencionados críticos, José Veríssimo afirmou que em algumas
fases da produção poética de Gregório, ele “lastima, é certo, os negros e teve uma vez expressões
de comiseração pelos escravos (pelo que já o deu a crítica indígena por abolicionista)”. 86
Observemos, então, uma outra visão da produção poética dele acerca do negro, quando ele se
dirige às mulatas; em um de seus poemas como em muitos, ele referenciou-lhes:
86
Cf. José Veríssimo, História da Literatura Brasileira, São Paulo: Letras & Letras, 1998, p. 93.
87
Cf. Gregório de Matos, In: Sayers, R. S., O negro na Literatura Brasileira, 1956, p. 78. Gregory Rabassa mesmo
reconhecendo a delicadeza que Gregório de Matos referenciou as mulatas, não deixou também de observar que ele
“também cantava em termos elogiosos as mulatas, por terem sido aquelas que o iniciaram nas artes do amor.” Cf.
Gregory Rabassa, O negro na ficção brasileira, Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1965, p. 83.
39
como oriundo do referido sistema, possivelmente usufruiu também dos prazeres proporcionados
pelas mulatas.
Outro contribuinte do retrato do negro brasileiro na fase colonial foi João Antônio
Andreoni. Sayers vem a afirmar que este escritor complementou o quadro do negro urbano na
sociedade brasileira, ao escrever o livro A Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e
Minas (1711), pois “Andreoni, analisando essa sociedade de base agrícola, revela compreensão
mais completa da importância do negro”.88 “Compreende-se, assim, que os negros merecessem
melhor trato; eram propriedade valiosa”.89 Constata-se tal observação de Sayers através do texto
do próprio autor quando ele menciona que “os escravos são as mãos, e os pés do senhor do
engenho; porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter
engenho corrente. E do modo, com que se há com eles, depende tê-los bons, ou maus para o
serviço”.90
A observação da imagem descrita por Andreoni levou críticos, como Alfredo Bosi, a
refletirem sobre a relação existente entre o escravo e o senhor de engenho não era apenas da
necessidade de um para com o outro ou da importância do negro, no sistema colonial em si, mas
no que se refere à sua atuação enquanto sujeito, verifica-se que essa condição foi
intencionalmente reduzida à categoria de objeto, pois quando Andreoni descreve o processo de
plantio da cana-de-açúcar, o mesmo põe em sequência uma gradação de ações que evidencia o
objeto como agente e não o sujeito como autor da ação, através de estruturas textuais como “a
terra roça-se (quem roça?), queima-se (quem o faz?), alimpa-se (quem?)”.91 Essa isotopia
reducionista soma-se às sugestões metonímicas de o escravo ser as mãos e os pés do senhor de
engenho engendrando um certo paradoxo, pois se alguém é tão insignificante a ponto de excluir a
sua subjetividade, não se deveria reconhecê-lo como essencial ao processo de crescimento e
88
Cf. Raymond S. Sayers, Op. Cit., p. 82.
89
Idem, p. 83.
90
Cf. André João Antonil, Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas (1711), Salvador: Progresso,
1955, p. 47. Acerca da obra em questão, Alfredo Bosi expusera que “em momento nenhum do seu longo discurso em
torno da vida nos engenhos Antonil se pergunta sobre a natureza, a origem ou a licitude da escravidão em si mesma.
O cativeiro aparece-lhe como uma questão de facto sobre cujo mérito não cabe discutir. Certamente essa posição
faria parte da sua “objetividade”. A escravidão existe, a escravidão é útil ao comércio do açúcar, que outro predicado
ainda se lhe deve atribuir?” Cf. Alfredo Bosi, Dialética da Colonização, São Paulo: Companhia das Letras, 4. ed.,
2006, p. 162. (O grifo e as aspas são do autor) Todavia, Bosi também sugere que Andreoni expõe que o senhor de
engenho deveria comportar-se com benevolência para com o escravo, pois tal postura refletiria em benefício do
senhor, observemos: “ser paternal, ser benévolo com o escravo, é caridade útil, que, cedo ou tarde, reverterá para o
bem do fazendeiro.” Cf. Alfredo Bosi, Op. Cit., p. 163.
91
Cf. Alfredo Bosi, Op. Cit., p. 165.
40
lucro e de uma nação. Essa visão já abriria espaços para um futuro e um reconhecimento da
identidade de um sujeito sobre o qual poderíamos expor com propriedade que foi o maior
construtor da nação brasileira. Diante dessa perspectiva oposicionista entre a necessidade e o
caráter de propriedade do escravo, Gilberto Freyre afirmou acerca do período escravocrata, na
colonização brasileira: “Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na sua
verdade, um processo de equilíbrio de antagonismos. [...] Mas predominando sobre todos os
antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo”.92
É importante ressaltar que essa relação conflituosa não se comportou dessa forma
exclusivamente no período colonial, reportamo-nos, mais uma vez, como já exposto nesse
trabalho, ao pensamento de Gilberto de Melo Kujawski que sugere a existência de uma
continuidade do processo de dominação que ocorrera na Colônia para o Brasil – Império; porque
os antagonismos vivenciados no período colonial perpetuaram-se na recém-independente nação
brasileira. Isso, de acordo com Leite (1979), gerou um conflito ainda maior sobre o que existira,
porque “a imagem de um país livre criada pelos poetas contrasta com a situação de escravo; os
símbolos da natureza se chocam com a realidade social”.93
A formação dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, na Europa e os seus conflitos de ordem
social e racial repercutiram de forma contundente sobre a colonização do continente americano,
especialmente na criação da identidade de seus sujeitos, suas relações sociais, sobretudo,
intelectuais. Dessa correlação, foi tecida a realidade, como também a dos seus textos, como
representações de manifestações de poder e violência sistematizada pelos Estados Europeus. A
literatura não poderia constituir-se como um campo à parte das discussões, mas um campo entre
o histórico e o político. Ela surge, nas Américas, sob uma racionalidade permeada por uma
prática aliada à propagação da violência de certos indivíduos sobre outros, como um conceito
para legitimar a posição da empresa colonizadora europeia sobre os demais sujeitos. Essa
racionalidade foi inegavelmente preconizada pelo Racismo como uma justificativa aglutinadora,
inicialmente, expressa como ódio e rejeição ao outro e depois de forma mais sofisticada, como
um discurso científico. Dessa maneira, poetas e prosadores herdaram esses condicionamentos e
frequentemente os representaram em suas obras limitando-os ao seu tempo.
92
Cf. Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala (1933), 49. ed., São Paulo: Global, 2004, p. 116.
93
Cf. Dante Moreira Leite, Romantismo e Nacionalismo. In: ____________. O amor romântico e outros temas, 2
ed., São Paulo: EDUSP, 1979, p. 47.
41
94
Ver Arthur O. Lovejoy: “On the Discrimination of Romanticisms”. In: The Romantic Era. Disponível em:
<http://www.users.muohio.edu/mandellc/eng441/urllist.htm> Acesso em: 20/01/10.
95
Cf. Victor Hugo, Do Grotesco e do Sublime: Tradução do Prefácio de Cromwell, Tradução e Notas de Célia
Berrettini, 2. ed., São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 64.
96
Ver Andrey Pereira de Oliveira, Victor Hugo e o Manifesto do Drama Romântico. In: Revista Espaço Acadêmico,
ano IV, n. 46, Março de 2005, Mensal, ISSN 1519.6186. Disponível em:<http://www.
espacoacademico.com.br/046/46coliveira.htm> Acesso em: 20/01/2010.
97
Idem, ibidem.
42
tempos antigos são épicos e os tempos modernos são dramáticos. A ode canta as eternidades, a
epopéia soleniza a história, o drama pinta a vida”.98
A criação moderna, na perspectiva de Hugo, possuía uma nova noção sobre o “belo”, que
abandonando a sua concepção clássica, “humaniza-se” especialmente ao conviver com a própria
fealdade da vida. Ou seja, a nova proposta assevera que “tudo na criação não é humanamente
belo que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso
sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz”.99 Aliados a essas propostas estéticas, o
cristianismo de Hugo completaria esteticamente a visão de um mundo mais justo firmado em
contrastes absolutos. Enquanto procedimento artístico, o drama romântico na proposta de Victor
Hugo, caracterizava-se pela mistura dos gêneros, só assim podendo realizar uma pintura total da
realidade como busca de uma poesia completa.100
No Brasil, a proposta social do Drama Romântico terá adeptos importantes, sobretudo na
poesia social de Castro Alves, entretanto os precursores da temática crítica sobre os efeitos da
escravidão sobre os indivíduos e a sociedade podem ser estudados nos textos de Joaquim Manoel
de Macedo e no teatro de Martins Pena. Embora não constitua para nós estudo obrigatório sobre a
obra desses dois autores para contextualizarmos a problemática em Castro Alves, entendemos
que uma rápida abordagem sobre Martins Pena, é relevante pelo seu caráter pioneiro no teatro
brasileiro e, acima de tudo, pelo seu valor ideológico.
Estreando com a peça Os dous ou o inglês maquinista (1842), Martins Pena, primeiro
dramaturgo do teatro nacional brasileiro, foi um dos primeiros a referenciar o negro no panorama
teatral na época do Império brasileiro. Segundo Vilma Arêas, essa comédia “marca o ponto de
inflexão da obra de Pena, [...] esboça em vários momentos uma comédia de meios-tons, refinada
[...]”.101 Isso se deve ao fato de ela explorar os maiores vícios da realidade brasileira como:
98
Cf. Victor Hugo, Op. Cit., p. 40.
99
Idem, p. 26.
100
Ver Andrey Pereira de Oliveira, Op. Cit., In: Revista Espaço Acadêmico, ano IV, n. 46, Março de 2005, Mensal,
ISSN 1519.6186. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/046/46coliveira.htm> Acesso em:
20/01/2010.
101
Cf. Vilma Arêas, A comédia no Romantismo Brasileiro: Martins Pena e Joaquim Manoel de Macedo, p. 206.
Disponível em: <www.cebrap.org/imagens/arquivos/a_comedia_no_romantismo.pdf> Acesso em: 20/07/09.
43
Felício – Sr. Negreiro, a quem pertence o brigue veloz Espardate, aprisionado ontem
junto quase da Fortaleza de Santa Cruz pelo cruzeiro inglês, por ter a bordo trezentos
africanos?
Negreiro – A um pobre diabo que está quase maluco... Mas é bem feito, para não ser
tolo. Quem é que neste tempo manda entrar pela barra um navio com semelhante
carregação? Só um pedaço de asno. Há por aí além uma costa tão longa e algumas
autoridades tão condescendentes!...
Felício – Condescendentes porque se esquecem de seu dever!
Negreiro – Dever? Perdoe que lhe diga: ainda está muito moço... Ora, suponha que
chega um navio carregado de africanos e deriva em uma dessas praias, e que o capitão
vai dar disso parte ao juiz do lugar. O que este há de fazer, se for homem cordato e de
juízo? Responder de modo seguinte: Sim senhor, Capitão, pode contar com a minha
proteção, contanto que V. S. ... não sei se me entende? Suponha agora que este juiz é
um homem esturrado, destes que não sabem aonde têm a cara e que vivem no mundo
por ver os outros viverem, e que ouvindo o capitão, responde-lhe com quatro pedras na
mão: Não senhor, não consinto! Isto é uma infame infração da lei e o senhor insulta-me
fazendo-me semelhante proposta! – E que depois deste aranzel pega na pena e oficia ao
Governo. O que lhe acontece? Responda.
Felício – Acontece o ficar na conta de íntegro juiz e homem de bem.
Negreiro – Engana-se; fica na conta de pobre, que é menos que pouca coisa. E no
entanto vão os negrinhos para um depósito, a fim de serem ao depois distribuídos por
aqueles de quem mais se depende, ou que têm maiores empenhos. Calemo-nos, porém,
que isto vai longe.
Felício – Tem razão. (Passeia pela sala.)103
Sobre o fragmento acima, Miriam Garcia Mendes observou que os negros, na peça
aparecem como figurantes (pretos de ganho, pretos dos manuês, escravos da casa), não sendo
sequer mencionados na lista de personagens.104 Porém, além dessas características, há algo que a
mencionada crítica considerou como curioso, pois,
102
Cf. Vilma Arêas, A comédia no Romantismo Brasileiro: Martins Pena e Joaquim Manoel de Macedo, p. 202.
Disponível em: <www.cebrap.org/imagens/arquivos/a_comedia_no_romantismo.pdf> Acesso em: 20/07/09.
103
Cf. Martins Pena, Os dous ou o inglês maquinista (1842), ato único, cena I, p. 2-3, Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2164> Acesso em:
02/04/09.
104
Ver: Miriam Garcia Mendes, A Personagem Negra no Teatro Brasileiro, São Paulo: Ática, 1982, p. 28.
44
No esplêndido quadro de costumes que Martins Pena compõe nesta comédia, além das
referências às atividades dos traficantes de escravos e seus estratagemas para burlarem
tanto a repressão inglesa quanto a brasileira, existem cenas que mostram o
relacionamento senhor/escravo com bastante clareza. Assim, embora não possamos
dizer que a peça contém personagens negras (são apenas figurantes), as cenas [...]
mostram a preocupação do autor com o problema do cativeiro. 105
Martins Pena deixa perceber, através da personagem Felício e sua conversa com o
traficante de escravos Negreiro (já é sintomático o nome), a sua posição sobre o
problema do cativeiro: se não o ataca ostensivamente, pelo menos não o vê com
simpatia. O que já era muito numa época em que as preocupações sobre o assunto se
centravam no repúdio à repressão dos ingleses ao tráfico negreiro dentro das águas
territoriais brasileiras.108
105
Cf. Miriam Garcia Mendes, A Personagem Negra no Teatro Brasileiro, São Paulo: Ática, 1982, p. 29.
106
Idem, p. 30.
107
Idem, p. 33.
108
Idem, p. 28.
45
elaboração das concordâncias e discordâncias do enredo. Paul Ricoeur já afirmara em seu estudo
sobre identidade nacional que “la identidad del personaje será entendida a partir de las
discordâncias y concordâncias que abren y cierran la historia”.109 Tal afirmativa pode nos servir
de respaldo do entendimento do diálogo entre Felício e Negreiro ora tratado como objeto por uma
sociedade cujas bases econômicas relacionadas estavam a uma estrutura “feudal” e escravagista.
Após meados do século XIX, a abordagem sobre o negro adquire direcionamentos cuja
autoria foi assinalada por um poeta negro, filho de uma escrava. É o caso de Luís Gama que,
dentre a sua produção, destacamos toda a subjetividade em defesa da condição do negro, no
poema No cemitério de S. Benedito da cidade de S. Paulo (1859), publicado no livro Primeiras
trovas burlescas de Getulino (1859). O poeta distingue-se dos demais autores românticos,
principalmente por não ser oriundo de família abastada como seus contemporâneos, pelo fato
também de ele ser negro, ex-escravo e um advogado abolicionista inserido numa sociedade
escravocrata, racista e discriminatória contra homens negros que emergem a uma posição
ocupada preferencialmente por brancos. Filho de um fidalgo português com uma negra africana
alforriada da nação Nagô, Luís Gama vivenciou, com toda a clareza o que a escravidão pôde
proporcionar, ou seja, ele sentiu fortemente as consequências de ser escravo, pois aos dez anos de
idade foi vendido pelo próprio pai para pagar uma dívida de jogo que adquirira. A poesia do
referido poeta é a expressão de uma voz poética negra acerca dos sofrimentos atribuídos a negros,
como o poeta. Sílvio Roberto dos Santos Oliveira ao analisar a produção de Luiz Gama destacara
que:
Sua poesia ofereceu uma visão de identidade sem a pretensão da solução prototípica
absoluta e dissolvedora das tensões. A poesia de Gama é plural, multifacetada, resolve-
se em acréscimo e não em exclusão: a sua identidade poética firmou-se também pela
absorção do outro e não apenas pela confirmação de si mesmo. Motivou, enquanto
grafologia dos sentidos, leituras plurais. Sem ornamentos. Há o deslocamento do olhar
dominante e também o deslocamento da visão imposta ao culturalmente subjugado.110
109
Cf. Paul Ricoeur (1992) apud Zélia Monteiro Bora, Naciones (re)construídas: política cultural e imaginación,
Valladolid, Universitas Castellae, 2002, p. 11.
110
Cf. Sílvio Roberto dos Santos Oliveira, Luiz Gama: um poeta como um certo tipo de homem, p. 4. Disponível em:
<www.salvadornegroamor.org.br/Recursos/1/14/20/21/luiz_gama_um_poeta_como_um certo_tipo_de_homem.pdf>
Acesso em: 30/07/09.
46
produções literárias da época a de diversificar o olhar atribuído ao negro, uma vez que até então o
referido indivíduo era visto apenas como escravo, mas Gama o evidencia, humanizando-o,
dando-lhe a subjetividade que outrora lhe negaram (Ver poema abaixo). Há uma pluralidade de
imagens, como já mencionada, que envolve a identidade desse indivíduo; construindo acerca
desse escravo, um sujeito que é referenciado por uma voz poética que pretende, com isso, superar
os paradigmas atribuídos ao negro pelo colonizador português. Isso tudo é o que podemos
visualizar nos versos abaixo descritos:
Dr. B. Guimarães
111
Cf. Luís Gama, Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes. São Paulo, Cultura, 1944. p.128-129.
Disponível em: <C:\Documents and Settings\Tereza\Meus documentos\Textos sobre o negro\No Cemitério de
Benedito da Cidade de São Paulo, Luiz Gama.mht> Acesso em: 02/04/09
112
Cf. Heloisa Toller Gomes, O negro e o romantismo brasileiro, São Paulo: Atual, 1988, p. 87.
48
113
Cf. Gregory Rabassa, O negro na ficção brasileira, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965, p. 90-1.
114
Idem, p. 90.
115
Cf. Sábato Magaldi, Panorama do teatro brasileiro, São Paulo: Dif. Européia do Livro, s./d., p. 94-5.
116
Cf. Gregory Rabassa, Op. Cit., p. 91.
117
Cf. Afrânio Coutinho, Obra crítica de Araripe Júnior, Rio de Janeiro: MEC/Casa de Rui Barbosa, 1958, p. 176.
49
Eduardo, afligida pelos males provenientes de uma situação que ela mesma criou, mas [...]
alforrias individuais não são uma solução”.118 Realmente, não são, mas é relevante salientar que
José de Alencar não deixou de enxergar a escravidão como uma problemática, e dessa dever-se-ia
buscar possíveis condições de a referida instituição não se apresentar mais como um problema à
sociedade. Diante disso, o autor da peça sugere, numa postura não muito distante de um viés
escravocrata:
[...]
Eduardo: Ah!... Escutem-me, senhores, depois me julgarão. É a nossa sociedade
brasileira a causa única de tudo quanto se acaba de passar.
Alfredo: Como?
Vasconcelos: Que quer dizer?
Azevedo: Tem razão, começo a entender!
Eduardo: Os antigos acreditavam que toda a casa era habitada por um demônio
familiar, do qual dependia o sossego e a tranqüilidade das pessoas que nela viviam.
Nós, os brasileiros, realizamos infelizmente esta crença; temos no nosso lar doméstico
esse demônio familiar. Quantas vezes não partilham conosco as carícias de nossas
mães, os folguedos de nossos irmãos e uma parte das afeições da família! Mas vem um
dia, como hoje, em que ele, na sua ignorância ou na sua malícia, perturba a paz
doméstica; e faz do amor, da amizade, da reputação, de todos esses objetos santos, um
jogo de criança. Este demônio familiar de nossas casas, que todos conhecemos, ei-lo.
Azevedo: É uma grande verdade. [...]
Eduardo: Todos devemos perdoar-nos mutuamente; todos somos culpados por
havermos acreditado ou consentido no fato primeiro, que é a causa de tudo isto. O único
inocente é aquele que não tem imputação, e que fez apenas uma travessura de criança,
levado pelo instinto da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autômato um homem;
restituo-o à sociedade, porém expulso-o do seio de minha família e fecho-lhe para
sempre a porta de minha casa. (a Pedro) Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua
punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a
moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do
trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (Pedro
beija-lhe a mão) [...]119
Esses fatos servem realmente para reforçar que a iniciativa de Eduardo em alforriar o
negro Pedro, dando-lhe a liberdade, não era apenas uma forma de a família de Eduardo estar livre
dos infortúnios sofridos pelas consequências dos atos do escravo, mas também uma sutil
possibilidade da qual deveria ser o fim da escravidão: a liberdade dos escravos. Seria também
uma forma de a própria sociedade posicionar-se, através do drama de José de Alencar, diante do
que representa a escravidão, já que aquela mesmo sendo a favor desta, a via como uma
118
Cf. Miriam Garcia Mendes, A Personagem Negra no Teatro Brasileiro, São Paulo: Ática, 1982, p. 42.
119
Cf. José de Alencar, O demônio familiar (1857), In: Flávio Aguiar (Org.), Comédias, Ato IV, Cena XVII, São
Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 273-6.
50
problemática, no seu convívio familiar. Devido a isso, José de Alencar ao retratar essa influência,
não deixou de conceder traços moralizantes na construção da dramaturgia romântica, em
especial, no que se refere às problemáticas sociais. José Veríssimo, sobre esse posicionamento,
asseverou:
A asserção de José Veríssimo constata a força que provinha do teatro, já que esse
substituíra as idas à igreja, a qual era o único estilo de vida social que desfrutavam jovens e
mulheres. “O teatro era um caso à parte. [...] Desfrutava de um prestígio e de uma força social
sem paralelo, com extraordinária repercussão na vida das pessoas”.121 Por isso, que o mencionado
espaço estava sempre aberto a posicionamentos que constatavam a ideologia vigente na época,
seja em nível social, político, econômico, ou religioso. A peça Demônio familiar (1857) pode não
enxergar o negro como um sujeito ou um ser construtor de sua própria identidade, muito menos
um ser visto com sentimentos inteiramente humanos, como o escravo abordado por Castro Alves
e como os demais autores românticos o viram, mas ela explora a ideia de que a escravidão não é
algo benéfico; abre-se, então, o questionamento do que deveria ocorrer com a mesma.
Todavia, José de Alencar não expõe, na mencionada peça, o fim da escravidão, pelo fato
de ele não se desvincular de sua postura escravocrata totalmente. Anos depois, ao escrever a peça
Mãe (1860),122 de forte visão escravocrata, e também por ter escritos cartas a favor da
escravidão123 (todas da década de 60), dirigidas ao imperador Dom Pedro II, ele se mantém numa
postura de não-defesa da abolição da escravatura, mesmo em Demônio familiar (1857), haver a
sutil sugestão do fim da escravidão e de alguns críticos a respeito da peça comungarem de mesmo
ponto de vista, como Sayers que afirma que o personagem Pedro, por ser escravo, “não poderá
ser responsabilizado por nenhuma de suas ações; somente quando liberto poderá tornar-se um
120
Cf. José Veríssimo, História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), São
Paulo: Letras & Letras, 1998, p. 273.
121
Cf. Ubiratan Machado, A vida literária no Brasil durante o romantismo, Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001, p. 282.
122
Ver João Roberto Farias (Org.), Dramas, São Paulo: Martins Fontes, 2004.
123
Ver Tamis Parron (Org.), Cartas a favor da escravidão, São Paulo: Hedra, 2009.
51
homem e um ser responsável”.124 Em síntese, a peça reforça a ideia expressa por Sayers que “em
vez de apresentar uma análise construtiva de uma tese social, o entrecho se degenera numa
sucessão de cenas sádicas, em que o negro é vítima de escusas crueldades por parte dos senhores
brancos”.125
Crueldades essas que ganham força maior quando nos referimos a autores que enfocaram
os escravos, não como influenciadores no meio ao qual estavam inseridos, mas como vítimas da
complexidade social que o sistema escravocrata regia. Referimo-nos a Fagundes Varela, autor de
Mauro, o escravo (1864). Poema que narra o desejo de vingança de Mauro pelo assassinato de
sua irmã Maria, cometido por Lotário. O poema retrata também a problemática das negras-
escravas serem abusadas sexualmente pelos senhores e filhos de senhores-de-engenho. A
mensagem ganha uma proporção muito mais coletiva que individual, concentra-se muito mais na
denúncia, no repúdio à escravidão e, sobretudo, no sentimento de vingança gerado pela maldade
alheia.
Fagundes Varela, diferenciando-se de seus contemporâneos, almejou retratar um escravo
destemido, capaz de honrar sua raça pela coragem e pela bravura. Essa estrutura rompe com o
idealismo romântico, pois enquanto os autores anteriores exploravam a força e a coragem dos
silvícolas, através dos traços constitutivos da raça deles, esse romântico enfoca o negro na
plenitude de suas ações, na perspicácia de suas intenções e, sobretudo, na fortaleza de seu caráter.
Observemos, então, as particularidades que o retratam:
XI
Oh! Mauro era belo! Da raça africana
Herdara a coragem sem par, sobre-humana,
Que aos sopros do gênio se torna um vulcão.
Apenas das faces de um leve crestado,
Um fino cabelo, contudo anelado,
Traíam do sangue longínqua fusão. 126
No referido fragmento, ocorre a exaltação do mulato Mauro, postura até então não
visualizada nas produções literárias anteriores. Mauro é apresentado com uma identidade heróica,
como o próprio texto menciona herdara uma coragem sobre-humana. Observaremos mais adiante
que a postura de herói será reforçada pela coragem do negro em lutar pela honra da irmã e pela
124
Cf. Raymond Sayers, O negro na Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: Edições o Cruzeiro, 1958, p. 277-8.
125
Idem, p. 261.
126
Cf. Luís Nicolau Fagundes Varela, Vozes da América: poesias, 1864, Disponível em: <http://www.
astormentas.com/din/poema.asp?key=12220&titulo=Mauro,%20o%20Escravo> Acesso em 10/05/2009.
52
vingança de sua morte. Sobre esses traços pouco trabalhados na personagem negra do
romantismo, Bosi afirmara que Mauro, de Varela “acabou dizendo mais da visão romântica do
herói rebelde que das angústias do negro nas condições em que este penava”. 127 O heroísmo de
Mauro é algo que, no texto, dá uma imagem de escravo, não submisso, aquele que pela honra não
mede consequências:
XXII
Não creias que eu tema! não creias que escravo
Suplícios me curvem, ai! não, que sou bravo!
Por que me condenas? que culpa me oprime,
Senão ter vedado que um monstro cruento,
De fogos impuros, lascivos, sedento,
Lançasse a inocência nas lamas do crime?
XXIII
Oh! sim, sim, teu filho, no lúbrico afã,
Tentou à desonra levar minha irmã!
Ai! ela não tinha que um mísero irmão!...
Ergui-me em defesa; teus ferros esmagam,
Humilham, rebaixam, porém não apagam
Virtudes e crenças, dever e afeição! 128
O discurso da defesa de Mauro em favor de sua irmã abre espaços a uma nova formação
literária acerca do negro brasileiro, porque posiciona o eu lírico quanto à construção de uma nova
identidade do negro, que mesmo sendo humilhado pelos ferros da escravidão, não sente suas
virtudes, crenças e deveres apagados diante deles. Ergue-se com esse posicionamento um sujeito
que reclama direitos em benefício de si próprio que se torna extensivo também ao seu grupo, já
que o negro não aceitara que a ameaça que sofrera sua irmã seja ignorada e olvidada pela justiça.
A afirmação de Mauro serve como ênfase ao conflito existente entre escravidão e dignidade
humana. Sendo dessa antitética estrutura que se erigirá uma complexa, todavia, visível identidade
negra. É valendo-se do discurso de respeito ao “outro” e de honra que visualizaremos caminhos
ainda não observados acerca do negro, na Literatura Brasileira. Vemos, com essa reverberação,
um escravo que se considera mais livre que um homem livre, uma vez que aquele além de não
aceitar os erros cometidos pelo branco rebela-se contra eles, irrefutavelmente.
127
Cf. Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, São Paulo: Cultrix, 1994, p. 119.
128
Cf. Luís Nicolau Fagundes Varela, Op. Cit., 1864. Disponível em: <http://www.astormentas.com/din/
poema.asp?key=12220&titulo=Mauro,%20%20Escravo> Acesso em: 10/05/2009.
53
O abolicionismo é, assim, uma concepção nova em nossa história política, e dele, muito
provavelmente, como adiante se verá, há de resultar a desagregação dos atuais partidos.
Até bem pouco tempo a escravidão podia esperar que a sua sorte fosse a mesma no
Brasil que no Império Romano, e que a deixassem desaparecer sem contorções nem
violência. A política dos nossos homens de Estado foi toda, até hoje, inspirada pelo
desejo de fazer a escravidão dissolver-se insensivelmente no país.129
129
Cf. Joaquim Nabuco, O Abolicionismo (1884), Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 3.
54
havia defendido a escravidão: a Igreja. Essa durante anos emitiu bulas papais que condenavam e
proibiam o sistema escravocrata, dentre elas, a Bula In Supremo escrita pelo Papa Gregório XVI,
em 3 de dezembro de 1839 que condenava e proibia a escravidão; a encíclica In Plurimis, escrita
em 5 de maio de 1888, pelo Papa Leão XIII, que pediu aos Bispos do Brasil extensivo também ao
Imperador D. Pedro II e sua filha, a Princesa Isabel, que eles o ajudassem na luta definitiva pela
abolição da escravatura.130 Coincidentemente, a erradicação da mesma veio dias depois, em 13 de
maio do mesmo ano, porém, não se concretizou oriunda de uma solicitação papal. Observemos,
como um exemplo, o discurso enfático e definidor de Gregório XVI acerca do tráfico de
escravos: “Nós, julgando as mencionadas ações indignas do nome cristão, condenamo-las com
nossa apostólica autoridade. Proibimos e vetamos com a mesma autoridade a qualquer
eclesiástico ou leigo defender lícito o tráfico dos negros”.131
Todos esses discursos foram os elementos contribuintes para que a produção literária de
Castro Alves venha a se afirmar fortemente abolicionista, apresentando com ela uma abjeção ao
que representou a escravidão durante séculos. A partir dessa postura libertária, abolicionista e que
sinalizava a construção de uma identidade nacional brasileira, adentrar-nos-emos numa revisão
crítica de toda a produção castroalvina, visando a apresentar o quanto suas obras literárias
aspiravam a propostas que se aproximavam, em sua temática, à imagem da identidade de um
sujeito livre em todas as condições humanas.
130
Ver Gregório XVI e Pio IX, Documentos da Igreja, São Paulo: Paulus, 1999. Leão XIII, Documentos da Igreja,
São Paulo: Paulus, 2005.
131
Idem, p. 52.
55
Ilmo. Sr. Machado de Assis. – Recebi ontem a visita de um poeta. – O Rio de Janeiro
não o conhece ainda; muito breve o há de conhecer o Brasil. Bem entendido, falo do
Brasil que sente; do coração e não do resto. – O Sr. Castro Alves é hóspede desta
grande cidade, alguns dias apenas. Vai a São Paulo concluir o curso que encetou em
Olinda. – Nasceu na Bahia, a pátria de tão belos talentos; a Atenas brasileira que não
cansa de produzir estadistas, oradores, poetas e guerreiros. – Podia acrescentar que é
filho de um médico ilustre. Mas para quê? A genealogia dos poetas começa com o seu
primeiro poema. E que pergaminhos valem estes selados por Deus? – O Sr. Castro
Alves trouxe-me uma carta do Dr. Fernandes da Cunha, um dos pontífices da tribuna
brasileira. Digo pontífice, porque nos caracteres dessa têmpera o talento é uma religião,
a palavra um sacerdócio. – Que júbilo para mim! Receber Cícero que vinha apresentar
132
De acordo com Jamil Almansur Haddad, há em Castro Alves, “direta ou indiretamente, 68 referências à Bíblia, 27
a Victor Hugo, 24 a Byron, 18 a George Sand, 7 a Shakespeare, 14 a Goethe, 13 a Homero, 12 a Alfred de Musset e
Lamartine, 11 a Ésquilo, 9 a Chateaubriand, 8 a Dante e Edgard Quinet, 7 a Tasso; 6 a Octave Feuillet; 5 a Alfred de
Vigny, 4 a Virgílio, Heine, Milton, Camões e Pelletan; 3 a Ovídio, 2 a Mickiewickz, Lavater, Ossian, Teófilo Braga,
Tomás Ribeiro, Humboldt, Anacreonte, Safo, Petrarca, Dumas Filho, Platão, Beecher Stowe, Herculano, André
Chenier e Villemain; 1 a Soares dos Passos, João de Lemos, São Francisco de Assis, Antar, Filinto Elísio,
Beaumarchais, Bourgeois, Sócrates, Bouillet, Fafontaine, Newton, Henschell, Desoby e Bachelet, Cousin, Troplong,
Mme. de Staël, Molière, Bouchard, Garret, La Morvonnais, Rousseau, Maquiavel, Canning, Alfieri, Aristóteles,
Quintana, Nathaniel Lee, Lucano, Lutero, Eugéne Sue, Cícero, Beranger, Hoffman, Horácio, Sillery, Volney, Bocage
e Copérnico. Evidentemente, a intensidade de uma influência não pode ser expressa apenas através desses indícios
numéricos. Todavia para uma primeira impressão, de todo aproximativa, são bastante significativos.” Cf. Jamil
Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 3, p. 11.
56
Horácio, a eloqüência conduzindo pela mão a poesia, uma glória esplêndida mostrando
no horizonte da pátria a irradiação de uma límpida aurora!133
Não somos homens debalde: Deus nos deu uma alma, uma individualidade. – Depois da
leitura do seu drama, o Sr. Castro Alves recitou-me algumas poesias. “A Cascata de
Paulo Afonso”, “As Duas Ilhas” e “A visão dos Mortos” não cedem às excelências da
língua portuguesa neste gênero. Ouça-as o senhor, que sabe o segredo desse metro
natural, dessa rima suave e opulenta. – Nesta capital da civilização brasileira, que o é
também de nossa indiferença, pouco apreço tem o verdadeiro mérito quando se
apresenta modestamente. Contudo, deixar que passasse por aqui ignorado e
despercebido o jovem poeta baiano, fora mais que uma descortesia. Não lhe parece? –
Já um poeta o saudou pela imprensa; porém, não basta a saudação; é preciso abrir-lhe o
teatro, o jornalismo, a sociedade, para que a flor desse talento cheio de seiva se expanda
nas auras da publicidade.135
produção literária de Castro Alves. Na época, nenhum outro homem havia alcançado tanta
notoriedade e eminência na função de crítico quanto o introdutor da corrente do Realismo (1881),
no Brasil. Daí o escritor cearence vir a reforçar o pedido de análise e crítica das obras
castroalvinas por Machado de Assis:
Exmo. Sr. – É boa e grande fortuna conhecer um poeta; melhor e maior fortuna é
recebê-lo das mãos de V. Ex.ª, com uma carta que vale um diploma, com uma
recomendação que é uma sagração. A musa do Sr. Castro Alves não podia ter mais feliz
136
Cf. José de Alencar (1868), apud Pedro Calmon, Op. Cit., p. 305.
137
No que se refere a essas fases da vida do poeta, faz-se mister destacarmos que a glória de Castro Alves foi
reconhecida não apenas por ilustres críticos da época em que ele vivera, mas também pelo próprio povo, dentre estes,
os jovens estudantes das Faculdades de Direito de Recife e de São Paulo. Dentre seus rivais, o maior foi Tobias
Barreto, poeta que se fizera conhecido antes de Castro Alves, mas não obtivera simpatizantes tanto quanto o baiano;
ambos tiveram diversas divergências, e estas rivalidades estenderam-se até entre suas amadas. Ver Jorge Amado,
ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Livraria Martins, 1941.
58
intróito na vida literária. Abre os olhos em pleno Capitólio. Os seus primeiros cantos
obtêm o aplauso de um mestre. [...]
Escolhendo-me para Virgílio do jovem Dante que nos vem da pátria de Moema, impõe-
me um dever, cuja responsabilidade seria grande se a própria carta de V. Ex.ª não
houvesse aberto ao neófito as portas da mais vasta publicidade. A análise pode agora
esmerilhar nos escritos do poeta belezas e descuidos. O principal trabalho já está feito.
Procurei o poeta cujo nome havia sido ligado ao meu, e, com a natural ansiedade que
nos produz a notícia de um talento robusto, pedi-lhe que me lesse o seu drama e os seus
versos. [...]
V. Exª. já sabe o que é o drama e o que são os versos, já os apreciou consigo, já resumiu
a sua opinião. Esta carta, destinada a ser lida pelo público, conterá as impressões que
recebi com a leitura dos escritos do poeta. Não podiam ser melhores as impressões. 138
O Sr. Castro Alves canta simultaneamente o que é grande e o que é delicado, mas com
igual inspiração e método idêntico; a pompa das figuras, a sonoridade do vocábulo, uma
forma esculpida com arte, sentido-se por baixo desses lavores o estro, a espontaneidade,
o ímpeto. Não é raro andarem separadas estas duas qualidades da poesia: a forma e o
estro. Os verdadeiros poetas são os que as têm ambas. Vê-se que o Sr. Castro Alves as
possui; veste as suas idéias com roupas finas e trabalhadas. O receio de cair em um
defeito não o levará a cair no defeito contrário? Não me parece que lhe haja acontecido
isso; mas indico-lhe o mal, para que fuja dele. É possível que uma segunda leitura dos
138
Cf. Machado de Assis, Castro Alves (1868). In: ___________. Críticas & Variedades. São Paulo: Globo, 1997, p.
117-9. (Obras completas de Machado de Assis)
139
Idem, p. 119.
140
Idem, p. 120.
141
Idem, ibidem. (O grifo é do autor)
142
Idem, ibidem.
59
seus versos me mostrasse alguns senões fáceis de remediar; confesso que os não percebi
no meio de tantas belezas.143
O mais íntimo de sua alma, impetuosamente apaixonada pela verdade, pelo belo, pelo
bem, comunicou sempre com as alturas alpinas do seu gênero por um jacto contínuo
dessa lava sagrada, que fazia dos seus lábios uma cratera incendiada em sentimentos
sublimes. Aos que não estremecem a esse influxo, não me incumbo de demonstrá-lo.
[...] O encanto daquele órgão irresistível, um desses que transfiguram o orador ou o
poeta, e fazem pensar no glorioso arauto de Agamenon, imortalizado por Homero,
Taltíbios, “semelhante aos deuses pela voz”.145
143
Cf. Machado de Assis, Castro Alves (1868). In: ___________. Críticas & Variedades. São Paulo: Globo, 1997, p.
120. (Obras completas de Machado de Assis).
144
Cf. Joaquim Nabuco, Castro Alves (1873), apud Pedro Calmon, Para Conhecer Melhor Castro Alves, Rio de
Janeiro: Editores Bloch, 1974, p. 65.
145
Cf. Rui Barbosa, Elogio de Castro Alves – Discurso pronunciado na comemoração do décimo aniversário da
morte do poeta. (1881), Rio de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1953, p. 9.
60
círculo literário, antes dele, como José de Alencar e Machado de Assis reconheceram não apenas
a qualidade do trabalho do poeta, mas também seu dom natural para a arte literária. Rui Barbosa
(1881) empenha-se bem mais ao detalhar a contribuição de Castro Alves para a Literatura
Brasileira quando comenta:
Bem pouco valeria Castro Alves, se a estabilidade do seu nome se achasse ligada às
feições específicas e aos transitórios destinos dessa fase literária a que entre nós se
imprimiu o selo da influência e do nome de Hugo. Na sua personalidade esses não
passam, a meu ver, de traços acidentais. O que faz a sua grandeza, são essas qualidades,
superiores a todas as escolas, que, em todos os estados da civilização, constituirão, e
hão de constituir, o poeta, aquele que, como o pai da tragédia grega, possa dedicar as
suas obras “ao Tempo”: sentiu a natureza; teve a inspiração universal e humana;
encarnou artisticamente nos seus cantos o grande pensamento da sua época.146
146
Idem, p. 12-3. (O grifo é do autor) Consoante Alberto da Costa e Silva, o apreço que Rui Barbosa externara por
Castro Alves é também devido ao fato de ambos terem sido amigos e colegas próximos na Faculdade de Direito e
quando Castro Alves separou-se de sua amada Eugênia Câmara, foi Rui Barbosa que atenção lhe dera ao recebê-lo
na república de estudantes em que morava, na Rua da Ladeira, em São Paulo. Ver: Alberto da Costa e Silva, Castro
Alves: perfis brasileiros, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 134.
147
Cf. Euclides da Cunha apud Pedro Calmon, Para Conhecer Melhor Castro Alves, Rio de Janeiro: Bloch Editores,
1974, p. 59. (O grifo é do autor)
148
Idem, ibidem.
61
castroalvina, e de autores que antecederam sua crítica, como Rui Barbosa, afirmou que “Castro
Alves não era apenas o batedor avantajado dos pensamentos de seu tempo. Há no seu gênio muita
cousa do gênio obscuro da nossa raça”,149 ou seja, o poeta foi além de original nas ideias de seu
fazer poético, um construtor do perfil da identidade nacional. Euclides da Cunha vem mais uma
vez a confirmar sua posição quando comenta:
149
Cf. Euclides da Cunha, Castro Alves e seu tempo (1907) (Discurso proferido no centro acadêmico onze de agosto
de São Paulo), São Paulo: Edição Grêmio Euclydes da Cunha, 1919, p. 22.
150
Idem, p. 23-4. (Os grifos são do autor)
151
Cf. José Veríssimo, História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), São
Paulo, Letras & Letras, 1998, p. 331.
62
vezes quando o sol nas matas virgens”, “A fogueira das tardes acendia,” levando-o a asseverar:
“Ahi está, em dois versos, toda a poesia dos trópicos”.152 Dessa forma, não apenas Castro Alves
era reconhecido, mas a poesia brasileira estava também sendo valorizada no meio literário
português.
Antônio Nobre (1920), outro grande nome da Literatura Lusitana, poeta tão ilustre quanto
Castro Alves, expôs que o romântico baiano foi “o maior poeta brasileiro”, 153 por causa da
importância que ele obteve enquanto poeta nacional e idealizador de um discurso de uma nação
moderna e de cidadãos emancipados. No Brasil, a crítica em relação à produção de Castro Alves
continuava atuante, pois Tristão de Ataíde (1921), especificando o estilo do poeta baiano,
afirmou que “em nenhum poeta é tão profundo esse sentimento brasileiro como em Castro
Alves”.154 Do presente, constatamos que mesmo cem anos depois, a crítica mantém-se
praticamente unânime sobre o papel representado pela poética castroalvina como uma poética
comprometida com o problema da nacionalidade.
Diante de tal fator, Afrânio Peixoto (1922), às vésperas do Movimento Modernista, com a
Semana de Arte Moderna de 1922, concordando com a posição dos críticos que o antecederam
expusera que “entre os maiores elogios que tem Castro Alves merecido, está certamente este: foi
um poeta brasileiro! [...] Daí a sua originalidade: no Brasil não quis ser grego, latino, francês ou
lusitano – foi brasileiro”.155
Agripino Grieco (1932), quando avaliou a poesia de Castro Alves, também observou o
forte vínculo existente entre a poética deste com poetas europeus, mesmo assim, reconhecera que
tal postura não diminuía a força substancial de sua obra. É relevante enfatizarmos que nesse
período o limite entre o nacional e o importado era o critério através do qual a criação literária era
avaliada. Ou seja, quanto mais as questões nacionais, mais original o escritor seria. Pautando-se
nisso, Agripino Grieco (1932) afirmou que o referido romântico “não compôs a sua originalidade
imitando meio mundo”.156 Ele reforçara, na poesia brasileira, o caráter de procura por uma
152
Cf. Afrânio Peixoto, Paixão e Glória de Castro Alves (1917), In: __________. Castro Alves: o poeta e o poema
(1922), 5. ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p. 107.
153
Cf. Antônio Nobre (1920), apud Pedro Calmon, Para Conhecer Melhor Castro Alves, Rio de Janeiro: Editores
Bloch, 1974, p. 54.
154
Cf. Tristão de Ataíde (1921), apud Pedro Calmon, Para Conhecer Melhor Castro Alves, Rio de Janeiro: Editores
Bloch, 1974, p. 54.
155
Cf. Afrânio Peixoto, Castro Alves: o poeta e o poema, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p. 174-5.
156
Cf. Agrippino Grieco, Evolução da Poesia Brasileira, Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1932, p. 53.
63
identidade nacional como uma essência, cuja discussão foi construída e solidificada por nossos
primeiros autores românticos.
Ante todo esse exposto, detemo-nos à crítica de José Veríssimo, pelo fato de ela lançar as
bases principais que consolidaram o perfil do poeta e a sua inspiração para modernidade como
“Poeta dos Escravos”. Enquanto os poemas reunidos no livro Os Escravos (através de poesias
escritas entre 1865 e 1870) reiteram o seu compromisso estético com a causa abolicionista. Em
um país cuja população contava com 205.906 habitantes dos quais 78.855 eram escravos e 10.732
libertos, causava-se pouca comoção entre os intelectuais o papel do negro na sociedade. A grande
maioria deles portava-se sob diretrizes cujas características mais gerais eram representadas por
uma visão predominantemente racista. Sob essa conjuntura, Castro Alves era uma exceção,
enquanto a população negra foi mantida majoritariamente analfabeta.157
A criação poética abolicionista de Castro Alves era ainda uma reformulação estética nova
diante de um modelo de nacionalidade hegemônica apregoada por um grupo social que obtivera
títulos imobiliários por ocasião das leis abolicionistas de 1871, 1885 e 1888 e que buscavam
identidade com “grupos nativos, particularmente, índios e mamelucos – era esse o tema no
Indianismo –, e manifestavam “um desejo de ser brasileiro”, ignoravam no seu projeto político de
nacionalidade o negro/o escravo e a escravidão, naturalizando a violência na sociedade. Violência
pautada na cor, marca forte no estabelecimento das desigualdades, na delimitação de universos
distintos, sociedade na qual as distâncias sociais não eram discutidas e as cenas cotidianas de
violência com escravos pareciam não constranger.158
Dessa mesma maneira que os rumos da política direcionavam-se cada vez mais para uma
postura abolicionista, as disposições abriam caminho para uma diferenciação dentro da proposta
romântica, cuja “reformulação” era conveniente a outros intelectuais em nome das inovações
estéticas. Essas disposições deram a Castro Alves um campo aberto às novas motivações
temáticas contidas na concepção de arte militante, como concebia Olavo Bilac:
A arte não é, como querem ainda alguns sonhadores ingênuos, uma aspiração e um
trabalho à parte, sem ligação com as outras preocupações da existência... As torres de
ouro ou de marfim, em que os antigos se fechavam, ruíram desmoronadas... Só um
louco – ou um egoísta monstruoso – poderá viver e trabalhar consigo mesmo, trancado
a sete chaves dentro do seu sonho indiferente a quanto se passa lá fora, no campo vasto
157
Cf. Cléria Botelho da Costa, Justiça e abolicionismo na poesia de Castro Alves. In: Projeto História, São Paulo, n.
33, dezembro/ 2006, p. 179-194.
158
Idem, p. 179-194.
64
em que as paixões lutam e morrem... em que se decidem os destinos dos povos e das
raças...159
Ante os argumentos apresentados, podemos afirmar que a concepção de arte militante deu
a Castro Alves total autonomia à sua produção abolicionista e direcionada à construção simbólica
de um sentido de pertencimento a todos que ocupassem o espaço nacional. Dessa maneira, Castro
Alves alcançaria através do Romantismo uma postura literária antecipando-se a outros poetas
sociais, afastando-se do Indianismo como uma proposta esteticamente ultrapassada para seu
tempo.
Detentores de uma megalomania redentora e impulsionada pelo desejo de construírem
uma nova nação, os intelectuais profundamente afastados dos anseios populares, presenciaram a
fundação da imprensa que assumiu abertamente o movimento abolicionista. No jornal paulistano,
a Luz, Castro Alves publicou os seus primeiros poemas abolicionistas, enquanto A Canção do
Africano (1863) foi publicada no jornal acadêmico A Primavera; e as publicações dos seus
poemas aliavam-se às suas aparições em público em teatros e em comícios.
O esforço de Castro Alves era comum para que o Brasil saísse de sua situação territorial
para se transformar em uma nação. Aos poetas românticos, coube a tarefa de, através do
Romantismo, declararem a independência literária. Assim, voltaram-se para compreensão do
passado do país e de sua natureza. Entretanto, o projeto estético de Castro Alves procurava
atender ao senso de identidade nacional que provinha do povo e de suas necessidades de
integração. Não lhe bastava o seu lugar como um “redentor simbólico” da sociedade com uma
missão meramente intelectual. Tal era a afinidade que os intelectuais sentiam com o poder e com
seus representantes diretos e indiretos que o povo e as suas necessidades pareciam cada vez mais
distantes deles. No que se refere à produção social do poeta, destaca-se com assaz força a poesia
em defesa do negro, em contraposição ao sistema político da escravidão, emerge-se com esse
estro um novo perfil de “identidade literária”, até então, pouco mencionada no Romantismo
brasileiro.
Nelson Werneck Sodré, reconhecendo a importância e a qualidade da contribuição do
referido romântico, principalmente no que se refere ao domínio primoroso das diversidades dos
gêneros literários, a serviço da estética romântica, afirmou que “em Castro Alves existe tudo o
159
Cf. Cléria Botelho da Costa, Justiça e abolicionismo na poesia de Castro Alves. In: Projeto História, São Paulo, n.
33, dezembro/ 2006, p. 182.
65
que o romantismo podia apresentar de grande. A sua poesia salva a escola de perder-se na
monotonia superficial e amorosa, sem profundidade e sem grandeza”.160 Além de manifestar uma
opinião um tanto quanto generalizada acerca de todo o fazer poético castroalvino, o mencionado
crítico procurou ainda mais detalhar sua visão analítica sobre os gêneros literários trabalhados
pelo poeta, quando citou: “lírico, seus versos de amor guardam ternura e sensualidade; épico,
suas estrofes são como hinos e conservam o frêmito que as impulsiona; descritivo, sabe mostrar
os quadros da natureza em pinceladas de palavras que cantam”.161 E em todos esses caminhos,
vemos que o autor interliga-as ao sentimento de liberdade o qual ele sempre se empenhou em
registrar. Esse realmente será o veículo mais forte de sua inspiração poética.
A perspectiva de Werneck Sodré tende a tornar exclusivo cada um dos gêneros cultivados
pelo poeta levando a enfatizar a importância da poesia social sobre a lírica. Tal perspectiva foi
possivelmente endossada por sua concepção sobre literatura engajada. O presente trabalho,
entretanto, considera o aspecto lírico da poesia de Castro Alves como uma faceta essencial em
termos estruturais na composição da dramática poesia abolicionista.
160
Cf. Nelson Werneck Sodré, História da Literatura Brasileira, 4. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964,
p. 309.
161
Idem, ibidem.
162
Cf. Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Editora Martins, 1941, p. 46. (A primeira edição é de
1941).
66
a idade adulta, por isso num romântico típico, tal seja Castro Alves, vamos encontrar também um
típico adolescente”.163 A asserção do crítico, acerca do comportamento do eu poético
castroalvino, sugere-nos a natural carga sentimental que servirá de esteio à sua produção,
assumindo assim uma atitude impetuosa e marcante na sua produção, como as características de
seu individualismo literário, típico do Romantismo, como será discutido.
Enveredando pelos meandros da subjetividade e da autoafirmação, Castro Alves delineou
os traços de sua inspiração literária. Procurou explorar fortemente a curiosidade de seu espírito
juvenil em função do que apreendia e acreditava.164 Seu perfil frente a essa postura da mocidade é
também uma afirmação de sua originalidade como símbolo de um sentimento que o identifica
como jovem de uma determinada época uma vez que,
A afirmação de Jamil Haddad contextualiza o que Castro Alves descrevera em seu poema
Mocidade e Morte (1864), que escrevera aos dezessete anos, explorando toda uma insatisfação
com a realidade que se lhe apresentava, proporcionando-lhe inquietação e torpor. O poema foi
escrito quando surgiram as primeiras ameaças de tuberculose nele, levando-o a registrar, no
referido texto, a imensa perda que seria se um jovem tão talentoso quanto ele viesse a perecer.
Constatamos tal asserção nos versos que se seguem, em protesto à própria condição natural da
vida:
[...]
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher – camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas....
163
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 2, p. 69.
164
Ver Jamil Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, 2, 3. Jonas Correia, Sentido
Heróico da Poesia de Castro Alves, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971. Afrânio Peixoto, Castro Alves: o
poeta e o poema, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. Eugênio Gomes (Org.), Castro Alves: antologia
poética, Rio de Janeiro: Biblioteca Manancial, 1971.
165
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 2, p. 70.
67
É nítido nos versos acima o sentimento de amor à vida que o eu lírico apregoa. O poema
também se constitui como um autêntico hino de louvor à vida, cujos prazeres o eu poético
evidencia e almeja. Ao especificar bem mais a proposta do referido canto, verifica-se que o
enfoque estende-se outrossim à existência humana e à mocidade do presente frente a um porvir
de glórias e conquistas. Dessa forma, o texto transforma-se num registro do despontar da
maturidade de um jovem romântico cuja existência protagoniza os males e o sentimento de morte
tão presente na vida de milhares de jovens. No caso da própria experiência de vida do poeta,
vemos que esse despertar para existência foi acompanhado pelo desejo profundo de liberdade e
uma liberdade que se tornou política através da escrita de poemas antiescravocratas.
Provavelmente, o reconhecimento do poeta quanto à sua futura enfermidade levou-o a compor
opiniões decisivas sobre o que é viver e o porquê de senti-lo. Manuel Bandeira, ao discutir e
analisar os direcionamentos do poema em questão, escreveu observações importantes acerca de
como a enfermidade influenciou emocionalmente a vida e a obra de Castro Alves:
166
Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas (1870), 3. ed., São Paulo: Ática, 2004, p. 55-6. Hildon Rocha
ao analisar o poema proposto expôs com muita veemência que se tratava de um texto de grande valor documental
acerca da vida do poeta e da doença do poeta, vindo diante disso a observá-lo partindo do seguinte viés: “A beleza
dos versos e o auto-reconhecimento (sinto em mim o borbulhar do gênio), mostram que o poeta tinha bastante
consciência de si como ser altamente dotado. E essa consciência acentuava ainda mais a violência da fatalidade que
se denunciava nas hemoptises que o acometeram. O exemplo de Álvares de Azevedo, antevendo a morte, deve ter
carregado ainda mais a atmosfera romanticamente desesperada de “Mocidade e Morte”. Cf. Hildon Rocha, Notas, In:
Castro Alves, Castro Alves: antologia poética., Rio de Janeiro, Biblioteca Manancial, 1971, p. 55. Na noite em que o
poema foi produzido, Castro Alves o intitulava de “O Tísico”, por conta da dor no peito que sentira, alterando logo
depois para “Mocidade e Morte”
68
167
Manuel Bandeira, Castro Alves, Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/castroalves.htm> Acesso em:
29/12/09.
168
Neste ano em que se descobrira sua doença (mortal na época), deu-se também como o período de composição dos
seus poemas abolicionistas.
169
Cf. Eugênio Gomes, Castro Alves e o Romantismo Brasileiro, In: Castro Alves, Castro Alves: antologia poética,
Rio de Janeiro: Biblioteca Manancial, 1971, p. 28.
170
Idem, ibidem.
69
Não podemos deixar de ressaltá-las, já que elas serão bastante profícuas à sugestão dada
por Castro Alves como uma nova proposta ao lirismo romântico brasileiro: o culto à vida.
Distinguindo-se da tendência que o antecedeu, o Ultrarromantismo, ele ama e louva a existência
humana e acredita que a morte, categoria que levou o segundo segmento do Romantismo a ser
conhecido como Mal do Século, não pode e não deve se constituir como um desejo superior à
vida. O poeta em nenhuma fase de sua vida deixou-se conduzir pelo anseio à morte, nem diante
de grandes e irreparáveis perdas, como o falecimento de sua mãe, oriundo de tuberculose, quando
era ainda uma criança de doze anos, em 1859, e nem diante do suicídio de seu irmão mais velho,
José Antônio de Castro Alves, em fevereiro de 1864, meses antes de o poeta escrever “Mocidade
e Morte”. C. A.171 “suportaria o golpe com a mesma galhardia e coragem com que atravessaria
todos os momentos maus de sua vida. Sofreu, sem dúvida, [...]. Mas não se desesperou. Mais
moço que o irmão já era muito mais homem que o outro, [...]”.172 Dentro desse contexto de amor
à vida e à liberdade e no panorama antitético ao qual ele se encontrava, observamos o perfil e a
forte personalidade do poeta solidificarem-se, pois “o futuro poeta conciliará essas antíteses em
seu temperamento cândido e impetuoso, melancólico e arrebatado”.173
Explorando ainda mais seu “temperamento”, em função da representação literária, é
relevante adentrarmos a produção lírico-amorosa do poeta, cujos versos imortalizariam não
apenas a qualidade poética de C. A., mas os sentimentos que dele emanavam em louvor à beleza
de suas mulheres amadas, que especificamente eram as morenas brasileiras, e C. A. movido pelo
sentimento libertário logo tratou de unir essa categoria ao fervor social. Rui Barbosa (1881),
havendo chegado a essa mesma inferência, asseverara: “pulsa liberdade até nas suas canções de
amor”.174 Segundo Lilia Silvestre Chaves, versos que ilustrariam bem a asserção do referido
crítico da poesia castroalvina seriam esses excertos do poema O laço de fita (1868):175
171
De agora em diante usaremos as iniciais C. A. para designar Castro Alves.
172
Cf. Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Editora Martins, 1941, p. 48.
173
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Prefácio de Espumas Flutuantes, In: Castro Alves, Espumas Flutuantes, 3. ed., São
Paulo: Ática, 2004, p. 22.
174
Cf. Rui Barbosa, Elogio de Castro Alves (1881), (Discurso pronunciado na comemoração do décimo aniversário
da morte do poeta.) Rio de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1953, p. 65.
175
Ver Lilia Silvestre Chaves, Prefácio de Espumas Flutuantes, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 17.
70
176
Lilia Silvestre Chaves, Prefácio de Espumas Flutuantes, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 52. O referido poema
intertextualiza uma das personagens de mais destaque para Alfred de Musset: Pepita, cujo nome é referenciado por
Castro Alves em O laço de fita, que é um diminutivo de Pepa.
177
Cf. Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Editora Martins, 1941, p. 25.
178
Idem, ibidem.
179
Essas metáforas estão presentes em “O gondoleiro do amor” (1867), que fora dedicado a Eugênia Câmara, por
isso o mesmo tem como subtítulo “Dama-Negra”.
180
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 22.
71
aprofundar análises e pesquisas sobre ela: a natureza castroalvina. Essa categoria serviu para
solidificar bem mais o desejo de liberdade e a luta por esse alcance que o poeta tanto endossou.
Logo, a ênfase nos ambientes da natureza, pois lá ele encontraria forças para lutar por esse anseio
e também obteria razões suficientes para acreditar nesse desejo, uma vez que esse espaço o
libertaria.
Coadunando-se a esse critério, em uma recente (re)leitura da poética abolicionista de C.
A., Lilia Silvestre Chaves (2004), no prefácio do livro Espumas Flutuantes, proferira que: “seu
lirismo individual funde-se ao social e revolucionário. Numa vida em que o amor e a luta social
entrelaçam-se, de maneira indissociável, a obra se confunde, e os dois temas tornam-se um só”.181
Ou seja, na obra de C. A. tudo aspira ao mesmo ideal: a liberdade, como único meio de
estruturação e resgate da subjetividade do ser humano e será justamente nas referências ao espaço
da natureza que observaremos esse desejo mais evidente.
Em todas as cidades em que morou, como Curralinho, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e
São Paulo, C. A. buscou vivenciar a força da natureza sobre si. Com isso, o poeta erigia o viés
que viria a solidificar o sentimento mais arrebatado pela natureza: o nacionalismo. Com essa
categoria, C. A. desenharia ou pintaria, através da poesia, o que fortemente havia de “nacional”: a
natureza. Abordar essa categoria corresponderia ao lugar onde melhor se refletiria a vocação
nacionalista de C. A. Como ressaltou o crítico Agripino Grieco (1932): “Deixa realmente ver a
floresta e o campo, respirando-se em seus versos realmente o verão e a primavera do Brasil”.182
Detalhando mais acerca dessa categoria, o mencionado estudioso expõe:
Sem excessos regionais ou dialetais, quase sempre ridículos e à margem da arte, é ele o
nosso poeta que possui mais cor local, é o mais brasileiro de todos. Descrevendo,
mesmo quando ia às audácias cromáticas, não era um simples pincel sem inteligência.
Fez, por assim dizer, uma interpretação amorosa da nossa natureza. Nas estradas do
nosso poeta as árvores são classificadas a rigor, são mangueiras, ipês, jequitibas,
facilmente reconhecíveis. Há, nos seus cantos rústicos, a transparência do ar e as
vibrações da luz. [...] Achava no orvalho matutino um sangue vivificador e, aos seus
olhos, os bois como que ainda ruminavam as geórgicas do Virgílio. Via, na alcova
suspensa das ramagens, cada casal de pássaros confundir-se num só pássaro palpitante.
As flores sangrentas pareciam-lhe o parto da terra, da terra fecunda, concubina do sol.
Correndo o campo, tudo se lhe afigurava motivo de arte, matéria plástica para os seus
dedos ágeis. Pode concluir-se, quanto ao Castro Alves panteísta, que sem ele não
181
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Prefácio de Espumas Flutuantes, In: Castro Alves, Espumas Flutuantes, 3. ed., São
Paulo: Ática, 2004, p. 17.
182
Cf. Agripino Grieco, Evolução da Poesia Brasileira, Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1932, p. 48.
72
teríamos sentido tão intensamente as belezas do Brasil, ou melhor, é por seus olhos que
todos nós ainda hoje estamos vendo tais belezas. 183
183
Cf. Agripino Grieco, Castro Alves, In: _________. Vivos e Mortos, Rio de Janeiro: Schmidt, 1931, p. 11-2.
184
Cf. Édison Carneiro, Trajetória de Castro Alves (1947), Rio de Janeiro: Editoria Vitória, 1947, p. 138.
185
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 46.
186
Idem, p. 44-5.
73
natureza americana”.187 Isso porque “as selvas da América conferiam ao continente a marca da
personalidade e o sentido da vocação”.188 Origina-se de Ferdinand Denis o ufanismo nacionalista
visível na escritura do Hino Nacional, como “nosso céu tem mais estrelas”, “nossos bosques têm
mais vida”, “nossa vida mais amores”, do qual nossos primeiros românticos, Gonçalves de
Magalhães e Gonçalves Dias, orientaram-se. Porém, essa busca por uma representatividade pode
ter encontrado seu esteio em Denis, mas adquiriu a prática em Chateaubriand, porque “o móvel
oculto de ambos era diverso, pois no primeiro havia um espírito de americanidade, ao passo que
no segundo transparece a vocação para o exótico, [...]. Numa palavra, um fazia a América pela
América, o outro fazia-a pelo exotismo”.189 Poderíamos dizer até que com Chateaubriand Castro
Alves descobre a América, apresenta-nos suas singularidades, é uma autêntica proposta de fincar
raízes. Observa-se isso nos versos do poema América (1865) que tão bem ilustram essa intenção:
Averiguamos, nos mencionados versos, que Castro Alves aprende com Chateaubriand que
a natureza na poesia não pode ser construída de uma invenção, mas “verificada “in loco” e
transposta na sua verdade vital para a moldura do poema”.191 O próprio poeta projetou essa ideia
quando afirmou: “Vou nestes oito dias ver de perto a queda gigantesca do São Francisco. Fazer-
me de Chateaubriand deste outro Niágara”.192 “Castro Alves extrai de Chateaubriand savanas e
crocodilos com os quais sincretiza a natureza brasileira”.193 Com isso, obteríamos não apenas
uma americanidade, mas também a proposta de uma universalidade, a qual o poeta compreendeu
deste francês, mas fortaleceu-se com Lamartine, pois nesse o nacionalismo de cunho universalista
adquire uma tônica assaz panteísta: em toda efusão da natureza atribui-se a ação e a presença de
187
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 45.
188
Idem, p. 53.
189
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., 1953, v. 2, p. 52.
190
Cf. Castro Alves, América (1865), In: ___________. Espumas Flutuantes, São Paulo: Ática, 2004, p. 210.
191
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., 1953, v. 2, p. 76-7.
192
Idem, p. 77.
193
Idem, ibidem.
74
Deus haurida pelo ambiente natural, é o que se verifica mais claramente nos livros Espumas
Flutuantes (1970) e Hinos do Equador (1921), que seria um tipo de religião da natureza, bem
outrossim ao estilo de Novalis.194 “É o momento em que Deus único embora se multiplica e vibra
em cada folha de árvore, em cada lasca de pedra, em cada raio de lua, em cada fibra de
homem”.195 Seria uma personificação da natureza de maneira em que nela tudo emanaria a força
divina, registrando-se assim as fortes marcas do nacionalismo brasileiro na poética castroalvina.
Entretanto, a imagem panteística presente nos primeiros versos de Castro Alves sofrerá
consideráveis evoluções no decorrer de sua obra. No tocante ao livro Os escravos (1875),
veremos construções de imagens que vão além de uma efusão emocional da força de Deus sobre
a natureza para transformarem-se em cenários que se concatenam em sintonia com a proposta
abolicionista, sugerida pela voz emissora. Ante toda essa proposta, vemos que o papel da
natureza na construção do nacionalismo abordado por C. A. é apresentar o perfil de representação
de nossa identidade brasileira. Verificamos também que o tema sobre a natureza evolui para o
problema social da escravidão quando o poeta insere a idéia de liberdade e de plenitude de vida,
nas poesias, aos negros escravizados que apenas conhecem e vivenciam o aprisionamento de sua
existência. Além de a natureza ser abordada nos poemas abolicionistas como projeto do
nacionalismo brasileiro, notamos que este também ganhou muita significância através da
produção patriótica de C.A.
Castro Alves referenciou, através dos poemas Pedro Ivo (1865) e Saudação a Palmares
(1870), algumas personalidades importantes da nacionalidade brasileira como Pedro Ivo, 196 e
Zumbi,197 o próprio povo em si, evidenciando, sobretudo, seus feitos e seus pensamentos, mas
faz-se mister ressaltarmos que dentre esses, houve um, reconhecido em sua importância apenas
pelo poeta, em sua infância, que despertara nele o sentimento patriótico e nacionalista: seu tio, o
194
Ver Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., 1953, v. 2, p. 46.
195
Idem, ibidem.
196
“Pedro Ivo: Pedro Ivo da Silveira (1811-1851), militar e revolucionário pernambucano. De idéias liberais, era
capitão da artilharia quando aderiu à revolução Praieira de 1848. Comandou o ataque ao Recife; vencido, fugiu para
Alagoas, depois para a Bahia e, afinal, para o Rio de Janeiro. Morreu a bordo do navio que o levaria para a Europa.
Por sua coragem, tornou-se uma figura lendária”. Nota de Lilia Silvestre Chaves, In: Castro Alves, Espumas
Flutuantes e outros poemas, São Paulo: Ática, 2004, p. 82.
197
Zumbi dos Palmares (1655-1695) foi o último dos líderes do Quilombo dos Palmares.
75
alferes João José Alves. Homem de personalidade forte e arredia sempre se posicionou como um
cidadão adverso a toda e qualquer forma de dependência do povo e da nação aos jugos dos
dominadores ou colonizadores,198 em outras palavras, o ideal de liberdade e rebeldia já existia na
família de C. A., e o alferes não era ídolo somente para seu sobrinho, era dos estudantes, dos
soldados, dos vagabundos da cidade e de todos os pobres; era amado pela gente anônima da terra,
pelos homens das ruas e das praças.199
Mesmo havendo na genealogia200 do poeta símbolos vivos que muito intervieram em sua
formação humano-cidadã, não podemos deixar de mencionar as guerras, os movimentos, as
insurreições que definiram o século XIX, no Brasil. Desde o auge da Independência do país, em 7
de setembro de 1822, como a Guerra dos Periquitos que fornecera a independência da Bahia, em
2 de julho de 1823, encontraremos fervores libertários que serviram de exemplos201 aos estudos e
às produções literárias do baiano. Dentre essas duas, a guerra de independência da Bahia, que
rendeu os belíssimos versos dos poemas Ao dous de julho (1867) e Ode ao dous de julho (1868),
foi a que mais estimulou a inspiração poética de C. A., pois na liberal Bahia, os ex-donos da terra
resistiram à independência proclamada por Dom Pedro I, em 1822. Então, homens e mulheres,
destas, em especial, Maria Quitéria, lutaram pela liberdade sob o comando do Major Silva Castro,
avô materno de C. A., o qual fez com seu batalhão todo o itinerário das lutas da independência,
chegando ao dois de julho cobertos de feitos: “fora uma epopéia escrita com sangue no recôncavo
198
Sobre este aspecto Jorge Amado relatara que o tio paterno de Castro Alves rebelara-se insurreto no teatro São
João, da Bahia, ao assistir a uma peça que enfocara a chegada dos portugueses, em especial, a pessoa do primeiro
governador-geral do Brasil: Tomé de Sousa. Ele “descia da caravela para a terra nova e era uma esbelta e rica figura
altiva e desdenhosa. Aos seus pés, os índios da terra curvaram-se em adoração.” Este gesto foi motivo para vaias e
gritos de estudantes, mas João José ousou atirar-se ao palco e retalhá-lo com punhal em mãos, em nome da liberdade,
da nação brasileira. Com isso, eclode em todo o teatro um sentimento nacionalista que ecoará no pensamento de
Castro Alves, o qual já era propenso a este sentimento, desde a fase pueril até a maturidade. Cf. Jorge Amado, ABC
de Castro Alves, Rio de Janeiro, Livraria Martins Editora, 1941, p. 28-9.
199
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 30.
200
“Castro Alves provinha de uma família que dera combatentes à Independência na Bahia (1823) e à República
Bahiense (1837).” Edison Carneiro, Trajetória de Castro Alves: uma interpretação política, Rio de Janeiro, Editoria
Vitória, 1947, p. 16.
201
Dentre estes fervores libertários, cita-se a Guerra do Paraguai (1864-1870) como aquela que bastante interesse
nacionalista despertara em Castro Alves, chegando inclusive a homenagear Maciel Pinheiro em uma de suas poesias
por ele ter sido um combatente na Guerra do Paraguai. Apesar de as revoluções populares (como a Cabanada no Pará
(1833), a Farroupilha (1835-1845), a Sabinada, na Bahia (1837), a Balaiada, no Maranhão, (1839), a revolução
liberal em Minas Gerais e em São Paulo (1842) e a Praieira, em Pernambuco (1848-49), que surgiram anteriores e
posteriores ao nascimento de Castro Alves, cessarem, observar-se-á, na poesia de Castro Alves, uma tônica similar a
que defendera o poeta em seu estro, ou seja, a revolução, a possível República. Cf. Edison Carneiro, Op. Cit., p. 15-
6.
76
Este quarto de século se caracterizou, por um lado, pelo esmagamento das insurreições
de 1848 em Paris, Berlim e Viena, pela liquidação do levante dos poloneses contra o
Czar (1848) e da República de Roma (1849), pela reação e pela demagogia mais
desenfreadas, pela implantação de governos tirânicos e ditatoriais, como o de Napoleão
III (1851), e, por outro lado, pela publicação do Manifesto Comunista (1848), pela
unificação da Itália sob o comando de Garibaldi (1860), pela fundação da Associação
Internacional dos Trabalhadores (1864), pela vitória de Lincoln e das forças
progressistas na guerra civil americana (1865) e pela ressurgência do movimento
democrático nas barricadas da Comuna de Paris (1871).204
202
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 14.
203
Dentre estes, não se poderia deixar de inserir os olhares do próprio poeta baiano.
204
Edison Carneiro, Op. Cit., p. 16. (Os grifos são do autor)
205
Joaquim Nabuco, Minha Formação, São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 19.
206
Cf. Jonas Correia, Sentido Heróico da Poesia de Castro Alves, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971, p.
33.
207
Todos os poemas aqui citados compõem o livro Espumas Flutuantes (1870). É relevante evidenciarmos que nosso
trabalho não objetiva um estudo da natureza épica nos poemas de Castro Alves.
77
Castro Alves foi considerado um dos poetas mais patrióticos de seu tempo. Afrânio
Peixoto (1922) comentou que “seu maior título (de glória) é o de ter posto seu talento ao serviço
da causa da emancipação e da pátria”.208 Reforçando essa asserção, Édison Carneiro (1947)
expusera que “era com carinho, mas também com ânimo varonil, que considerava o seu país”.209
Daí surgirem versos como:
208
Cf. Afrânio Peixoto, Castro Alves: o poeta e o poema, 5. ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976, p.
117.
209
Cf. Edison Carneiro, Op. Cit., p. 54.
210
Castro Alves, Ode ao dous de julho (1868), Espumas Flutuantes e outros poemas, 3. ed., São Paulo: Ática, 2004,
p. 123-4. No tocante à segunda estrofe, há certa troca de informações retificada por Édison Carneiro, relacionada a
nomes de batalhas, o que não vem a desmerecer a narrativa sobre a bravura dos brasileiros contra as tropas imperiais.
Ver Édison Carneiro, Trajetória de Castro Alves, Rio de Janeiro: Editoria Vitória, 1947, p. 58-9.
78
retratada nessas estrofes, explorando a ideia de que a liberdade só é alcançada frente a uma
revolução. Observamos também que as antíteses da última estofe, como porvir e passado,
Liberdade e Escravidão, acentuam a não aceitação à opressão e à escravidão. O poema traz à
memória a história de uma guerra, que no decorrer dos tempos tornou-se uma lenda viva no
imaginário dos baianos ao se enfocar a liberdade. Sobre ela, Pedro Calmon comentara:
“Anualmente, a data produzia o efeito mágico da provocação; inimigo ad portas, os netos
chamados à trincheira dos avós”.211 E para que todo este vigor da magia continuasse vivo, era
necessário que as vozes da mocidade trouxessem-no à lembrança como símbolo de resistência e
de luta pela vida.212 Todo esse caráter de luta por mudanças, de anseio por liberdade despertara
em Castro Alves uma nova consciência: a República. Mas, para chegar a ela, o poeta
provavelmente assimilou de Lamartine, no livro História dos Girondinos (1847), as primeiras
aspirações ao regime republicano: “a República é o regime da Revolução, a única forma de
Governo que conviria às fortes épocas de transformação”.213
O poeta, baseando-se ainda nas ideias expressas por Lamartine, compreendera que essas
mudanças deveriam ser pautadas em aspectos bem específicos, como:
Em síntese, a citação enfatiza o ideal de uma nação que foi assaz refletida na poética
castroalvina, em prol de uma pátria onde os direitos de todos os cidadãos fossem garantidos.
Porém, faz-se mister lembrarmos que ela está substancialmente inerente à ideia de uma
Revolução social, nunca acontecida no Brasil, no entanto vislumbrada por ele: “não é possível
amar uma sem possuir o culto da outra”:215
211
Cf. Pedro Calmon, Op. Cit., p. 99. (O grifo é do autor)
212
Idem, ibidem.
213
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 26.
214
Cf. Alphonse de Lamartine, História dos Girondinos (1847), apud Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 26.
215
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 27.
79
O poema intitulado Pedro Ivo (1865) é considerado como “um remoçado Jeremias, para
quem – Pernambuco, que dorme, deixa de ser a cidade condenada; será a cidade que desperta”. 220
E realmente esse despontar é constatado com as lutas, propostas na escritura do poema, contra um
sistema que aprisiona a dignidade humana e a liberdade. Isso indica como bem assimiladas foram
as obras História dos Girondinos (1847) e História dos Mártires da Liberdade (1851) por Castro
Alves, visto que o poema abordado representa um retrato dos ideais registrados nesses livros.
Trata-se de um canto à liberdade, mais especificamente de um “hino condoreiro”, que persiste
insistentemente num ideal, não deixando jamais de acreditá-lo, como podemos averiguar nos
versos: “A liberdade é como a hidra, o Anteu,”, “Se no chão rola sem forças,”, “Mais forte do
chão se ergueu...”.
216
“Tabor: Monte em que Jesus se transfigurou (revestiu-se dos dotes do corpo glorioso). Em termos cronológicos, a
transfiguração, no Tabor, precedeu à crucificação no Calvário”. Nota de Lilia Silvestre Chaves, In: Castro Alves,
Espumas Flutuantes e outros poemas, São Paulo: Ática, 2004, p. 87.
217
“Hidra: Na mitologia grega, nome de um gigante que era um lutador invencível, pois sua força vinha da terra.
Hércules o sufocou com seus braços, mantendo-o erguido, com os pés fora do chão”. Nota de Lilia Silvestre Chaves,
In: Castro Alves, Op. Cit., p. 88.
218
“Anteu: Na mitologia grega, serpente fabulosa, de muitas cabeças. Quando se cortava uma delas, cresciam duas
outras em seu lugar”. Nota de Lilia Silvestre Chaves, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 88.
219
Cf. Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas, 3. ed., São Paulo: Ática, 2004, p. 87-8.
220
Cf. Pedro Calmon, Op. Cit., p. 99. (O grifo é do autor)
80
Outras produções poéticas que também se enquadraram nesse viés libertário foram os
poemas épicos, como Quem dá aos pobres empresta a Deus (1867), Jesuítas (1868) e O livro e a
América (1870), cujas disposições estruturais apresentam confluências entre o épico e o lírico,
das quais podemos destacar a forte subjetividade e o sentimentalismo do lirismo com a exaltação
épica do indivíduo, características essas que serão observadas nas análises posteriores do
“modelo” de poesia abolicionista. Por isso, ao se tratar de uma produção de teor épico, torna-se
necessário evidenciarmos que o herói de destaque em sua poesia será o “povo”, especificando
ainda mais este na pessoa do negro escravizado. Ante toda essa proposta, Jonas Correia afirmou
que “com estes poemas de vibração e calor épicos, extrapassando as lindes da concepção e da
feitura dos poemas patrióticos, Castro Alves atinge as raias da epopéia”.221
Da mesma forma, como em suas demais produções literárias, muito o poeta abeberou-se
de outras fontes para compor seus épicos. Dentre tantos, poderíamos citar O Mundo Caminha
(1858), de Pelletan, que se trata de um “evangelho do Progresso, uma das crenças tão
fundamentais do século”.222 Nessa obra, “o homem acreditava em sua onipotência e
assenhoreava-se da natureza”.223 Teríamos, então, uma visão do porvir enleada a uma luta pelo
mesmo, adentrando-se assim à modernidade, ao crescimento intelectual e tecnológico, ou melhor,
ao avanço de todas as condições que inseridas estão na realidade humana. Castro Alves entende
que quem deve substancialmente marchar são a Pátria, o Brasil e a América, livres que ainda
estão novos diante da existência da humanidade, por isso ele reproduzirá no poema O livro e
América (1870) o progresso, não apenas no mundo, mas especificamente na América:
221
Cf. Jonas Correia, Sentido Heróico da Poesia de Castro Alves, Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971, p.
34.
222
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., 1953, v. 3, p. 29.
223
Idem, p. 31.
81
A força das palavras originária dos versos indica a urgência que se fazia de mudanças,
pois séculos haviam se passado seguindo um mesmo parâmetro de vida; era necessário “crescer,
criar, subir” como vemos no poema acima. E, como é difícil inserir vicissitudes no mundo
antigo, depositaríamos então as esperanças no mundo novo: a América. Lá se conduziria o
progresso em todas as suas instâncias, dentre estes, o avanço da intelectualidade, como vemos no
verso “Tereis um livro na mão:”, o qual proporcionaria a igualdade entre os homens.
Esse ideal o poeta registrou com muita clareza em sua poesia social, quando anteviu a
abolição da escravatura, à medida que enxergou o negro como homem, estruturando assim uma
identidade humano-social totalmente adversa aos padrões de uma sociedade escravocrata, de uma
elite opressora e discriminatória. Todavia, torna-se mister defendermos a ideia de que mesmo
Castro Alves tendo sido o primeiro branco dentro do cânone literário, de família escravocrata, a
defender a causa da abolição da escravatura, não foi o primeiro homem a erguer a voz contra esse
sistema escravocrata inserido no Império que levava o país ao atraso moral em todas as instâncias
da sociedade, visto que muitos outros abolicionistas precederam o pensamento e as ações do
poeta dos escravos. Argumentaremos com mais riqueza de detalhes sobre a poesia social no final
deste capítulo e também no próximo. Adentremo-nos agora às produções dramáticas do autor que
não deixaram também de explorar o caráter libertário destinado à humanidade, abrangendo assim
o ideal republicano e a erradicação da escravidão. Com isso, tais dramas encaixar-se-iam muito
bem numa proposta épica de louvor à pátria e à dignidade humana.
224
“Waterloo: Cidade da Bélgica, perto de Bruxelas, onde ocorreu a Batalha de Waterloo (18 de junho de 1815), em
que Napoleão Bonaparte foi derrotado pelas forças aliadas da Bélgica, Grã-Bretanha, Hanôver e Países Baixos”.
Nota de Lilia Silvestre Chaves, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 44.
225
“Eólo: O mesmo que Éolo; pai dos ventos na mitologia grega. Vento forte”. Nota de Lilia Silvestre Chaves, In:
Castro Alves, Op. Cit., p. 44.
226
Castro Alves, O livro e a América (1870), In: _________. Espumas Flutuantes e outros poemas, 3. ed., São Paulo:
Ática, 2004, p. 42-4. (O grifo é do autor)
82
227
Cf. Charles Ribeyrolles apud Ubiratan Machado, Op. Cit., p. 281.
228
Um dos grandes exemplos na Literatura Universal disto seria o conto A bela e a fera (1740), de Gabrielle-
Suzanne Barbot, Dama de Villeneuve.
229
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 81.
230
Apesar de ter sido escrita em 1867, ela só chegara a ser publicada postumamente em 1875.
231
Publicado junto com a primeira edição de Espumas Flutuantes.
83
232
Cf. José de Alencar, Carta Aberta de Literatura – Um Poeta (1868), In: Pedro Calmon, Castro Alves: o homem e a
obra, Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 304.
233
Idem, p. 305. Porém, o crítico não deixa de alertar que “– olhos severos talvez enxerguem na obra pequenos
senões. – Maria, achando em si forças para enganar o governador em um transe de suprema angústia, parecerá a
alguns menos amante, menos mulher, do que devera. A ação, dirigida uma ou outra vez pelo acidente material, antes
do que pela revolução íntima do coração, não terá na opinião dos realistas, a naturalidade moderna.” Idem, ibidem.
234
Cf. Machado de Assis, Castro Alves (1868). In: __________. Críticas & Variedades. São Paulo: Globo, 1997, p.
120. (Obras completas de Machado de Assis)
235
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 108. Mesmo reconhecendo o caráter lírico e revolucionário do drama, Jorge Amado
outrossim apresenta uma crítica sobre o gênero em questão quando expõe: “Evidentemente Gonzaga não está em
absoluto na mesma altura literária dos poemas de Castro Alves. Ele não era um dramaturgo, nasceu mesmo foi poeta,
e, fazendo exceção da intenção libertária que ditou o drama, o que “Gonzaga” possui de melhor é a força poética que
o atravessava, por vezes sendo ele um verdadeiro poema. Fora disso é oratório e sem real interesse teatral hoje. Na
época, no entanto, não era ele tão despido assim de interesses.” Idem, ibidem. Essa mesma falha quanto à fusão de
gêneros foi também observada pelos primeiros críticos ilustres da peça. José de Alencar expusera: “Há no drama
Gonzaga exuberância de poesia. Mas deste defeito a culpa não foi do escritor; foi da idade. Que poeta aos vinte anos
não tem essa prodigalidade soberba de sua imaginação, que se derrama sobre a natureza e a inunda? – A mocidade é
uma sublime impaciência.” José de Alencar, Carta Aberta de Literatura – Um Poeta, In: Pedro Calmon, Op. Cit., p.
304. Machado de Assis, ao responder a correspondência do ilustre crítico corroborara: “O poeta explica o
dramaturgo. Reaparecem no drama as qualidades do verso; as metáforas enchem o período; sente-se de quando em
quando o arrojo da ode. Sófocles pede as asas a Píndaro. Parece ao poeta que o tablado é pequeno; rompe o céu de
lona e arroja-se ao espaço livre e azul. Esta exuberância, que V. Exª. com justa razão atribui à idade, concordo que o
poeta há de reprimi-la com os anos. Então conseguirá separar completamente língua lírica da língua dramática.” Cf.
Machado de Assis, Castro Alves (1868). In: __________. Op. Cit., p. 120.
236
Cf. Machado de Assis, Castro Alves (1868). In: __________. Op. Cit., p. 121-2.
84
romântico fornecera ao teatro brasileiro, principalmente quando sabia ele que com isso sujeito a
críticas poderia sofrer sua produção dramática, pois o negro era sistematicamente evitado na cena
nacional, e muito mais seria se colocado dentro de um panorama que reivindicasse mudanças no
sistema político da escravidão. Nisso estaria a grande importância literária, social e, sobretudo,
revolucionária da obra, visto que “no teatro da sociedade branca do Brasil, estaria realizado o
princípio hugoano com a simples introdução do negro”.237
Nesse drama, Castro Alves realmente reunira todo o seu ideal de futuro. E pensando desta
mesma forma, Rui Barbosa expusera que era um drama que havia de perdurar: “Não mais
escravos! Não mais senhores [...] é o brado que reboa da alma flamejante do Gonzaga; é a nota
perene em toda a obra poética e dramática de Castro Alves”.238 Em síntese, “a peça, de cunho
político e intenção republicana, era abertamente abolicionista e apresentava um exemplo claro de
como a escravidão deformava as criaturas e abalava os valores humanos”,239 ou seja, Gonzaga “é
a epopéia da moral burguesa, com o sonho de vê-la transposta para a sociedade dos escravos”,240
por isso vem a ser um drama que se destina a conscientizar e moralizar através da crítica de que a
liberdade é um direito extensivo a todos. A princípio não se faz muita ligação do título com a
escravidão, porém Castro Alves, na peça, transparece que a luta pela liberdade do Brasil está
nitidamente projetada ao da luta pela abolição do cativeiro, ou seja, homens livres são seres
impulsionadores para uma nação livre. Castro Alves propõe, com isso, a imagem idealizada de
uma nação: o verdadeiro caráter nacional brasileiro – a liberdade. Vejamos um excerto em que o
discurso de liberdade é altamente conflitante:
237
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 82.
238
Cf. Rui Barbosa, Elogio de Castro Alves, (Discurso pronunciado na comemoração do décimo aniversário da
morte do poeta.) Rio de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1950, p. 51-2.
239
Cf. Alberto da Costa e Silva, Castro Alves: perfis brasileiros, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 67. Faz-
se mister apresentar que a referência à República em Castro Alves era intencionalmente de viés abolicionista. O
poeta reporta-se à luta dos Inconfidentes como símbolo de luta pela Independência, mas esta dissociada da abolição
da escravatura não corresponderia ao ideal pleno de liberdade galgado por ele. Sobre este aspecto, Afrânio Peixoto já
expusera: “Se a Independência viesse, como veio, seria incompleta, sem a Abolição; e como esta tardava, sob a
Monarquia, seria talvez mister apelar para a República... Esta como a propaganda social se alçava à florescência de
uma obra de arte.” Afrânio Peixoto, Castro Alves: o poeta e o poema, 5. ed., São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1976, p. 147.
240
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., 1953, v. 3, p. 87.
85
homem à vida como a estrela ao firmamento. E sabeis por quê? É que a mãe de cujo
seio ele saiu é escrava e o fruto murcha quando o tronco sofre, é que a mulher que ele
tem no coração é escrava e o verme que morde o coração mata o corpo, é que o filho de
seu amor é escravo, e o ninho desaba quando o passarinho estrebucha na agonia. E
sabem o que este homem quer? Qual é o único sonho de sua noite, a única idéia de seu
cérebro? Perguntem-lhe.
Cláudio: Talvez o amor, a ventura sob a forma de um beijo.
Luís: Perdoe, meu senhor. Engana-se. Não!
[...]
Cláudio: Posição, grandeza, talvez uma farda de governador. Ainda não? Com mil
diabos, és difícil de contentar.
Gonzaga: Enganas-te. Ele quer pouco, quer o que todos nós temos, quer sua família,
quer sua filha.241
A voz de solidariedade para com a dor do negro acompanhará toda a poética de Castro
Alves. O excerto explora sentimentos de saudade, carência, fragilidade humana que até então não
eram retratados com tanta ênfase ao negro, pois este é exposto com a finalidade de entendermos
os traços de sua subjetividade, de sua individualidade, de sua própria história. A condição de
escravo é criteriosamente perceptível não apenas pelo fato de o discurso das personagens
reconhecer a realidade daquele indivíduo como a de um negro-escravo, mas pelo fato de este
demonstrar que está preso às suas dores, às suas ansiedades. Isso, realmente, é o que caracteriza a
sua adesão incontestável a um homem ser escravo. A referência acentuada aos sofrimentos
vivenciados pelo negro, estrutura bem a constatação a que Antonio Candido chegara sobre a
poética castroalvina: “só Castro Alves estenderia sobre o negro o manto redentor da poesia,
tratando-o como herói, amante, ser integralmente humano”.242
Diante desse fato, é aceitável a asserção de que C. A. tenha idealizado o negro na
Literatura Brasileira. E para constatar tal informação, destacamos o posicionamento de Antonio
Candido no que se refere ao ideal almejado por C. A. com o negro-escravo:
É um ideal de justiça pelo qual se luta, [...] A idealização, porém, agindo no terreno
lírico, permitiu impor o escravo à sensibilidade burguesa, não como espoliado ou
mártir; mas, o que é mais difícil, como ser igual aos demais no amor, no pranto, na
maternidade, na cólera, na ternura. [...] Castro Alves se tornou o poeta por excelência
do escravo ao lhe dar, não só um brado de revolta, mas uma atmosfera de dignidade
lírica, em que os seus sentimentos podiam encontrar amparo; ao garantir à sua dor, ao
seu amor, a categoria reservada aos do branco, ou do índio literário.243
241
Cf. Antônio Frederico de Castro Alves, Gonzaga ou A revolução de Minas (1867). In: Elizabeth R. Azevedo
(Org.), Castro Alves Teatro Completo, Ato I, Cena III, 2004, São Paulo: Martins Fontes, p. 21-3.
242
Cf. Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, 11. ed., Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2007, p. 590.
243
Idem, p. 592.
86
244
Esse drama foi escrito logo após o êxito da peça Gonzaga ou a Revolução de Minas. A data precisa de escrita não
se sabe ao certo, por isso segue a data da publicação da referida obra. Trata-se de um drama inacabado, o que se
conhece dele são os dois primeiros quadros que se passam num velório e num cemitério. “Ao que tudo indica Castro
Alves avançara mais na composição da peça, porém os originais foram esquecidos numa caixa de chapéu, no Rio de
Janeiro. Um rascunho deixado pelo poeta com indicações das cenas do terceiro quadro mostra o médico
acompanhado de duas mulheres a quem igualmente ama: a que retirara do sepulcro e uma outra. Com cada uma delas
tem um filho. O ambiente é de desvario, com ameaças, tentativa de assassinato e seqüestro de crianças.” Ver: Alberto
da Costa e Silva, Castro Alves: perfis brasileiros, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 78.
245
Idem, p. 77.
246
Observa-se também pelo contexto uma intertextualidade com a história de amor e fuga entre Romeu e Julieta, de
Shakespeare, de quem diversos poetas e prosadores abeberaram-se ao compor suas produções literárias.
87
inadmissível entre as tradicionais famílias da Bahia.247 Contudo, Castro Alves não enxergava por
esse ângulo, pois a sua condição de poeta reservava “a missão de violar a paz dos lares brasileiros
com a mensagem de que o amor deve ser gozado em plenitude e liberdade, sem restrições,
limitações, deformações”.248 Por isso, ele compôs a peça Don Juan que representa muito bem
“uma justificativa do adultério como solução aos problemas da alma”.249
Porém, mesmo que os dramas castroalvinos apresentem fortíssimas sugestões de liberdade
em todas as instâncias da vida, adequando-se bem às propostas românticas, observamos que a
corrente à qual pertencera o poeta apresentou ênfases excessivas em sua estrutura textual,
gerando assim exageros que destoariam um tanto da realidade nacional vigente e até da vida da
população. O próprio Castro Alves chegou a sugerir quais seriam esses exacerbos em momentos
de crítica literária: “o convencional, o inverossímil, o melodramático, a ausência de idéias
sacrificando o efeito cênico e (não se pasmem!) o exagero declamatório”.250 A sua peça Gonzaga
(1867) em alguns momentos peca na “falta de fundamentos na verdade histórica, não realizaria o
princípio de verossimilhança, se fôssemos comparar o drama com a história verdadeira”.251
Porém, essa possível ruptura tem a sua necessidade; visto que, como já exposto, seria um avanço
ao porvir, à modernidade e, sobretudo, à liberdade. Dentro desse modelo, que se firmou o drama
e a poesia social castroalvina. Essa que será o objeto de estudo de nosso próximo tópico
apresentará o que de mais autêntico de futuro o poeta dos escravos acreditara: a independência do
homem em todos os seus aspectos e para isso, toda e qualquer base de aniquilamento desta deve
ser extinta. Baseando-se nisso, Castro Alves escreve uma página na literatura brasileira com sua
poesia condoreira.
247
Jorge Amado descreve esse envolvimento entre Pórcia e Leolino detalhadamente. Cf. Jorge Amado, Op. Cit. p.
10-12.
248
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 1, p. 177. Jamil Haddad observara também que essa postura de Castro
Alves “retomava, de certo modo a tradição de Gregório de Matos, raro poeta nosso para quem o sexo publicamente
existia e que por isso mesmo foi coroado de uma legenda desmoralizadora. Era preciso que essa mesma legenda não
viesse a desmoralizar a Castro Alves também e para conseguir-se esse efeito seria preciso pregar pelo Brasil obtuso
do tempo o evangelho da decência do ato sexual, mesmo fora da moldura hierática do casamento. Todos os biógrafos
contam a história de um exame seu na Faculdade de Direito de São Paulo e em que a dissertação teria versado sobre
o poder marital. E respondeu à argüição: ‘O poder marital é odiosa restrição à liberdade da mulher... ‘e prosseguindo
em considerações que os cronistas não dizem quais tenham sido e que se vê participarem mais do poético humano
que do ortodoxalmente jurídico. Este episódio merece referência, todavia somos frontalmente contrários à idéia de
considerá-lo mera anedota, evasiva simples de estudante mal preparado para as provas, pois essa resposta é, como
sintoma, uma das revelações mais sérias de todo o “pathos” de Castro Alves, adquirindo sentido iluminante quando
se a encadeia com uma série de dados que podem apontar-nos a maneira por que na sua vida e na sua arte, encarava o
problema dos direitos femininos ao amor, ao sexo e à vida total.” Idem, p. 177-8.
249
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 1, p.179.
250
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 3, p. 82.
251
Idem, ibidem.
88
252
Jamil Almansur Haddad apresentou Castro Alves como autêntico hebreu, e o próprio poeta apresentava-se como
tal, porque acreditava ele que o homem dessa nacionalidade tinha postura profética e agia também como um. “No
hebraísmo, a crença não reponta apenas como valor teórico, não é apenas princípio ou idealidade; é inexoravelmente
e sobretudo ação. O princípio ético não valerá nada, enquanto não for transposto para a vida, enquanto não for
expressão de conduta, enquanto não for prática pura. E o profeta em Israel é o homem iluminado do espírito como
ainda o primeiro na fé e na ação. É o homem que lança a idéia e vai propagá-la entre os homens. Profeta é o homem
da luta, o homem do sofrimento pela luta. “Profeta é aquele nascido para destruir e construir, assim como para
edificar e plantar” sugere Jeremias. Profeta é o porta-voz, o eco, a ressonância, de vindouras aspirações coletivas.
Profeta, sugere Isaías, é “aquele que virá anunciar a boa nova aos mansos, consolar os homens de coração turbado,
PROCLAMAR A LIBERDADE DOS ESCRAVOS, ABRIR O CÁRCERE AOS PRISIONEIROS, consolar todos
os que sofrem”. Castro Alves é o profeta. Ele vem falar da hora da ressurreição à parcela da espécie humana
espisinhada, escravizada, terrivelmente torturada. Para ele, as idéias de judeu e negro se associam estreitamente. Vê
em ambos a mesma predestinação, o mesmo destino para sofrerem a perseguição e o ódio sem complacência dos
homens de outras raças.” Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 2, p. 11-2. (O grifo é do autor)
89
revolucionário no século XIX não apenas registrou posicionamentos críticos ou demonstrou sua
indignação contras as injustiças, mas contribuiu com o avanço de toda uma civilização. Daí a
produção literária da época servir de esteio a essa postura:
Victor Hugo pensava que todo o verdadeiro poeta devia abranger, além dos
pensamentos que lhe vêm da verdade eterna, a somma de idéas de seu tempo.
Preocupado com a função social do poeta que devia ser, a seu juízo, não somente um
eco ou reflector de aspirações, mas, pela sua intuição divinatória, um mago annunciador
de verdades e esperanças, elle queria que se projectassem, na poesia lyrica, com as
sombras do passado as sombras dos acontecimentos que estão por vir... Não que
procurasse no poeta o propagandista, de espírito sectário, capaz de suffocar a sua
sensibilidade nas garras de uma theoria, mas um espírito preccupado com os destinos
do homem e disposto a abrir o seu coração, menos ao ensinamento das doutrinas do que
às idéas vivas e errantes que se adquirem, na luta e na visão das realidades tangíveis, ...
O poeta, “homem no mundo dos homens” como exigia Kipling, commovido diante do
espectáculo da vida urbana, feita de fartura e misérias, passa do sentimento da piedade
pelos opprimidos ao da revolta contra os oppressores: a inspiração, dos pequenos ou
grandes quadros de angústias sociais, se levanta, impetuosa, nas sátiras e nas invectivas,
para se librar, mais alto, nas largas suggestões panorâmicas de reforma social. 253
Será assumindo essa acepção, explorada por Fernando Azevedo, que surgirá no Brasil, em
meados do século XIX, uma poesia cujo nome proferiu-se, no meio literário e acadêmico, como
Condoreira.254 Aquela que explorava imagens de liberdade como isotopias255 que ecoavam em
todo o fazer poético do vate. Segundo Sílvio Romero, “duas foram as áreas temáticas
fundamentais da poesia condoreira: a guerra do Paraguai e o abolicionismo”.256 No Brasil, “foi
253
Cf. Fernando Azevedo, A poesia Social no Brasil, In: __________. Ensaios (1925), São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 1929, p. 90-1.
254
No que se refere à denominação do Condoreirismo e ao que o estilo representava, José Veríssimo discorrera
comentários bastante críticos, retirando-lhe assim uma possível beleza expressa pelo termo: “Denominação aliás,
como tantas outras invenções na nossa literatura, de pouca propriedade. [...] Demais não foram nem Tobias, nem
Castro Alves os inventores desse falso gênero de poesia enfática e declamatória. Antes deles, Pedro Luís publicara os
seus poemas Nunes Machado, A sombra de Tirandentes, Os voluntários da morte (1863), Terribilis Dea, justamente
na diapasão que devia dar àqueles dois poetas o epíteto extravagante de condoreiros. [...] o condoreirismo não era
uma novidade na nossa poesia, mas apenas o exagero, sob a influência do entusiasmo patriótico do momento e da
retórica hugoana, desse defeito do nosso estro poético. Dos chamados condoreiros apenas dois, os já nomeados
Tobias Barreto e Castro Alves, lograram distinguir-se por outras partes que essa falaz poesia, entre os que, como
eles, presumiam reproduzir aqui a Victor Hugo, quando não faziam senão contrafazer-lhe os mais patentes defeitos.”
Cf. José Veríssimo, História da Literatura Brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), São
Paulo: Letras & Letras, 1998, p. 322-3-5. (O grifo é do autor). Mesmo diante da crítica ao Condoreirismo, José
Veríssimo não deixou de reconhecer o grande talento verbal que tinha Castro Alves, como também a sua imensa
contribuição estética no processo de emancipação do escravo brasileiro.
255
Isotopia, consoante Greimas, é o “conjunto redundante de categorias semânticas que torna possível a leitura
uniforme do relato, tal como resulta das leituras parciais dos enunciados, após a resolução de suas ambigüidades, a
qual se orienta pela investigação da leitura única”. Cf. Algirdas-Julien Greimas, Sémantique structurale, Paris,
Larousse, 1966, apud Jacques Dubois et alli, Retórica da Poesia, São Paulo: Cultrix, 1980, p. 32.
256
Cf. Domingos Carvalho da Silva, A presença do Condor (Estudo sobre a caracterização do Condoreirismo na
poesia de Castro Alves), Brasília: Clube de Poesia de Brasília, 1974, p. 15.
90
Tobias Barreto, mestre e fundador da escola condoreira e autor de famosas odes marciais que
retumbam no seu livro póstumo Dias e Noites (1903)”.257 A crítica muito associou a terminologia
“condoreira” ao termo hugoano, intencionada assim a direcionar a poesia social brasileira ao
padrão e à classificação determinadas por Victor Hugo. Entretanto, Euclides da Cunha (1907),
contrariando a opinião de Machado de Assis, que afirmara que o poeta dos escravos teria tomado
o autor de La Légende des Siècles (1859) como “mestre” em sua inspiração condoreira, expõe
que:
Os grandes pensamentos, sociais ou políticos, que agitou, não lhe advieram, como em
geral sucede, de longas ou bem acentuadas correntes, nos agrupamentos que o
rodeiavam. Pertenciam, plenamente generalizados, à sua época. Nasciam do patrimônio
comum das conquistas morais da humanidade. A sua grandeza está nisto: ele os viu
antes e melhor do que os seus contemporâneos. 258
257
Cf. Domingos Carvalho da Silva, A presença do Condor (Estudo sobre a caracterização do Condoreirismo na
poesia de Castro Alves), Brasília: Clube de Poesia de Brasília, 1974, p. 15.
258
Cf. Euclides da Cunha, Castro Alves e seu tempo (1907) (Discurso proferido no Centro Acadêmico Onze de
Agosto de São Paulo), São Paulo: Edição do Grêmio Euclydes da Cunha, 1919, p. 11.
259
Idem, p. 22.
91
260
Cf. Euclides da Cunha, Castro Alves e seu tempo (1907) (Discurso proferido no Centro Acadêmico Onze de
Agosto de São Paulo), São Paulo: Edição do Grêmio Euclydes da Cunha, 1919, p. 22-3. (O grifo é do autor)
261
Cf. Domingos Carvalho da Silva, A presença do Condor (Estudo sobre a caracterização do Condoreirismo na
poesia de Castro Alves), Brasília: Clube de Poesia de Brasília, 1974, p. 28.
262
Ver: Domingos Carvalho da Silva, Op. Cit., 1974.
263
Cf. Fausto Cunha, O Romantismo no Brasil: de Castro Alves a Sousândrade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, p.
20. No que se refere aos arroubos das características do Condoreirismo, Mário de Andrade não deixara de registrar
severos comentários acerca do mesmo, dizendo que “o condoreirismo levou Castro Alves a imagens de um mau
gosto repulsivo, mas, a meu ver, o maior mal dessa oratória é que Castro Alves, como Rui Barbosa, foi um
encompridador.” Cf. Mário de Andrade, Castro Alves. In: ____________. Aspectos da Literatura Brasileira (1931),
4 ed., São Paulo: Livraria Martins – MEC, 1972, p. 122.
264
Cf. Mário de Andrade, Castro Alves. In: ____________. Aspectos da Literatura Brasileira (1931), 4. ed., São
Paulo: Livraria Martins – MEC, 1972, p. 111.
265
Idem, p. 114.
92
encontrar, mas justamente na vida dos escravos”.266 “E quando a poesia assume compromissos
com a vida, inserindo-se deliberadamente no tempo histórico e social, a eloqüência aparece, mais
que recurso, como força realmente poética”.267 Daí estruturar-se, então, a poesia social. Aquela
que assume “o perfil do povo”, que externa sua alma, que lhe é um advogado de defesa; “igual ao
rifle, à metralhadora e ao punhal, a poesia é também uma arma do povo. Era como uma luz que
rasgava os caminhos, levantava os homens e os elementos”.268 Nesse caso, como ressalta
Fernando Azevedo (1925) “a poesia procurava naturalmente acomodar-se às novas circunstâncias
para abeberar-se nelas: de um problema interno que ela refletiu, em crise aguda de solução, passa
alargando o espírito de justiça e de humanidade, [...]”.269
Em função de tal perspectiva, Castro Alves deixou-nos um verdadeiro legado de
denúncias contra o sistema escravocrata. Ele incitou-nos o sentimento de comiseração ante o
sofrimento a que foi subjugado o escravo. Mário de Andrade, comungando desse mesmo viés,
criticou o referido sistema político da escravidão expondo de que maneira a poesia social
castroalvina retratou a época em questão:
Se no amor o seu ópio foi a sinceridade sem mentiras, no ideal social foi a piedade.
Usou e abusou da piedade. O escravocrata não é uma circunstância defeituosa da
sociedade, é um criminoso feroz, um monstro vil. A igualdade humana não é uma
necessidade moral, é uma conquista. 270
Acreditando nesse ideal, Castro Alves lutou através de sua escrita poética para a
emancipação da escravidão, concedeu direitos humanos a quem nunca os teve, foi em vida um
jurista que julgara desumano e indigno os maus tratos a que o homem negro era impelido. Com
essa crença, ele registrou nas obras Os Escravos (1883) e em A Cachoeira de Paulo Afonso
(1875) seu protesto, sua opinião e acima de tudo sua luta contra a opressão humana.
Então, partindo dessa conjuntura, propomo-nos a analisar as duas mencionadas obras,
como a representação da discussão sobre o caráter nacional brasileiro acerca do romantismo
brasileiro e da produção literária castroalvina. Para isso, adentrar-nos-emos agora no estudo da
266
Cf. Mário de Andrade, Castro Alves. In: ____________. Aspectos da Literatura Brasileira (1931), 4. ed., São
Paulo: Livraria Martins – MEC, 1972, p. 114.
267
Cf. Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos 1750-1880, 11. ed., Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007, p. 588.
268
Cf. Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Livraria Martins, 1941, p. 32.
269
Cf. Fernando Azevedo, A poesia Social no Brasil, In: __________. Ensaios (1925), São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 1929, p. 95.
270
Cf. Mário de Andrade, Castro Alves. In: ____________. Op. Cit., p. 111.
93
obra Os Escravos (1883), que mesmo tendo sido publicada após A Cachoeira de Paulo Afonso
(1875), foi escrita primeiro que esta. Logo, obedecendo a uma ordem cronológica e atendendo
também ao perfil evolutivo do tema, iniciaremos pelos textos que o poeta encetou a partir de
1863, em Recife, e finalizou-os em 1868, em São Paulo, para depois os textos escritos no sertão
baiano, A Cachoeira de Paulo Afonso. Períodos estes em que C. A. almejava se fazer conhecido
com sua produção poética, partindo, portanto, da Academia de Direito que foi o espaço
intelectual da época.
94
271
Cf. Jamil Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 3, p. 79.
272
Idem, ibidem.
273
Idem, ibidem.
95
Flutuantes (1870). Por isso, a presença das referências deste alemão no livro de Os escravos
(1883) como a própria epígrafe que abre a referida obra:
Des fleurs, des fleurs! Je veux em couronner ma tête pour le combat. La lyre aussi,
donnez-moi la lyre, pour que j’entonne um chant de guerre... Des paroles comme des
étoiles flamboyantes, qui en tombant, incendient les palais et éclairent les cabanes…
Des paroles comme des dards brillants qui pénètrent jusqu’au septième ciel, et frappent
l’imposture qui s’est glissée dans le sanctuaire des sanctuaries… Je suis tout joie, tout
enthousiasme, je suis l’épée, je suis la flame!... (Henri Heine)274
274
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _________. Castro Alves: Obra Completa (1960), Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1966, p.191. Tradução de Lilia Silvestre Chaves: “Flores, flores! Quero com elas cingir-me para o combate.
A lira também, dai-me a lira para que eu entoe um canto de guerra... Palavras como estrelas flamejantes, que, ao cair
incendeiem os palácios e iluminem as cabanas... Palavras como dardos brilhantes que penetrem até o sétimo céu, e
firam a impostura que se insinuou no santuário dos santuários... Sou todo júbilo, sou todo entusiasmo, sou a espada,
sou a flama!...” In: Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas, São Paulo: Ática, 2004, p. 179.
96
popular e o erudito, como um projeto romântico, mais tarde retomado pelo modernismo, tendo a
voz do intelectual pertencente à elite como poeta.
Isso põe em evidência o quanto as tradições populares da cultura brasileira, enfatizadas
pelos românticos, eram bem abordadas em poemas que apresentassem a métrica já citada, assim
como, observa-se uma melhor sintonia entre o sentimento proferido pelo eu poético dentro da
estrutura formal do texto. Porém, não só essa categoria de estilo colaborava para a inserção da
cultura popular nas artes verbais, mas também o ritmo da poesia e vocabulários específicos da
linguagem popular. Se a proposta textual era compor uma canção ou uma cantiga, já que esta,
segundo a tradição estético-medieval europeia, era a fusão da música com a poesia, exatificar-se-
ia criteriosamente que o poema teria uma estrutura ritmada, já que a finalidade era a melodia e a
ênfase nas percepções sensoriais do som, não poderíamos deixar de mencionar uma categoria
essencial ao entendimento do texto. A busca por essa tendência não se concretiza apenas no
âmbito das artes poéticas, mas também, no campo das composições musicais, o que levou estas a
fundirem-se àquelas, propondo, no Romantismo Brasileiro, as canções de métrica popular.
Observamos essa proposta através da contribuição analítica de Alfredo Bosi sobre o seguinte
posicionamento:
275
Cf. Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, São Paulo: Cultrix, 1994, p. 97.
97
276
Cf. Décio Pignatari, O que é comunicação poética?, São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p. 21.
277
Idem, p. 14. O grifo é do autor.
278
Idem, p. 13.
279
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _________. Castro Alves: Obra Completa (1960), Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1966, p. 201.
280
Cf. Samuel R. Levin, Estruturas Lingüísticas em Poesia, São Paulo: Cultrix, 1975, p. 33-8.
281
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 201
98
282
Ver: S. R. Levin, Estruturas Lingüísticas em Poesia, São Paulo: Cultrix, 1975. Segundo o autor, acoplamento
corresponde a palavras que se aproximam entre si pela similaridade ou pela oposição semântica entre seus termos.
283
As estruturas melopaicas são geradas pela presença de elementos que se aproximam pela sonoridade no poema, já
os termos fanopaicos correspondem justamente ao campo das metáforas, das imagens que são construídas no poema.
Todas elas são categorias estabelecidas por Ezra Pound. Ver Ezra Pound, ABC da Literatura, São Paulo: Cultrix,
2006.
284
Cf. Alberto da Costa e Silva, Castro Alves: perfis brasileiros, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 29.
285
Idem, ibidem.
99
da musicalidade, para despertar no leitor o sentimento que o poeta expõe na poesia. Shiller (2008)
informa-nos que “uma canção, uma ode, podem imitando, pôr-nos diante dos olhos o atual estado
anímico do poeta, enquanto determinado por circunstâncias específicas (estado quer de sua
própria pessoa, quer de uma pessoa ideal)”.286 Daí entendermos que o estado d’alma deste artista
da palavra envolve-se com o sofrimento do escravo, levando-nos a entender que da mesma forma
que o poeta é livre, o escravo tem o direito de voltar a ser como um dia ele foi, por isso, o negro
vir a externar, no poema, “Lá todos vivem felizes”.287
A canção do africano, como o primeiro poema de Castro Alves (2006) de cunho
abolicionista, publicado em maio de 1863, n’A Primavera, um jornal de acadêmicos de Direito,288
demonstra que a idade não foi uma limitação para o despertar da consciência crítica, analítica e,
sobretudo, humana do vate. Devido a isso, Costa e Silva veio a afirmar que “como poesia, “A
canção do africano” [...] é importante como documento, pois nos mostra que, aos dezesseis anos,
numa época em que a luta contra a escravidão ainda não chegara às ruas e não passava de
preocupação de alguns poucos, Antônio já era abolicionista”.289 Aproximando-nos dessa visão
crítica acerca da composição do poema, destacamos também a leitura de Eugênio Gomes o qual
se refere ao poema A canção do africano como um “texto de incontestável valor histórico que
contém o primeiro brado em versos do Autor, fora do âmbito colegial, contra a escravidão”.290
Logo, torna-se essencial evidenciar o poema como um forte registro da tentativa de incluí-lo no
discurso sobre a identidade nacional que alçava seus primeiros passos diante da realidade
humano-social marginalizada do negro-escravo.
Em virtude desse fato, é que se reforça a ênfase no sofrimento, o lamento da canção do
escravo proporcionado pelas referências à sua memória seletiva, no que se refere às saudades da
terra natal; as antíteses dos equivalentes em oposição, como “cantar” e “não o escutar”, como
“Esta terra é mais bonita”, “Mas à outra eu quero bem” geram no poema um acentuado efeito
dramático. Ressalta-se, com tal adversidade, a indignação expressa pelo eu lírico diante de um
destino que o angustia e que chega ao ponto de dilacerar a dignidade humana. Essa postura
286
Cf. Friedrich Schiller, Acerca da arte trágica (1792), In: ___________. Teoria da Tragédia, 2. ed., São Paulo:
EPU, 2008, p. 105.
287
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 202.
288
Ver Alberto da Costa e Silva, Castro Alves: perfis brasileiros, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 29.
289
Idem, ibidem.
290
Cf. Eugênio Gomes, Notas, In: Castro Alves, Castro Alves: antologia poética, Rio de Janeiro: Biblioteca
Manancial, 1971, p. 59.
100
vincularia o poema a uma abordagem de cunho moral. Foi justamente com essa finalidade de
moralizar que a realidade aviltante vivenciada pelo negro adentrou as linhas da poética nacional.
A inconformação expressa pelo canto da escrava, nos quartetos do poema, por não poder
viver em sua terra-mãe, a partir do momento em que ela compara sua escravidão no Brasil com
sua liberdade em sua pátria, incita uma sequência de reflexões sobre o discurso proferido, dentre
elas, as noções de racismo, ideologia social, política e a de humanidade exploradas pelo
sentimento de comiseração.
Isso proporciona um lamento, uma revolta, uma inquietação cuja ênfase de sentimento
tem seu teor abrandado, ou melhor, cerceado, castrado pela preocupação da escrava-mãe em ter
que acordar o seu filho que repousa em sono com o canto de sofrimento que ela manifesta de
forma acentuada e indignada. Essa percepção não é de estranhar não apenas pelo elo familiar
existente no discurso da escrava-mãe, mas também pelo fato de tratar-se de uma produção textual
vinculada à corrente literária do Romantismo; visto que nesta, mesmo que se abordem temáticas
conflituosas e por demais críticas, no tocante ao contexto político, não deixaria de relacionar o
conteúdo proposto com as características constitutivas do Romantismo: o sentimentalismo e o
subjetivismo. Diante dessa mesma acepção, Jamil Haddad comenta:
A afirmação de Haddad desenvolve uma problemática que, na época em que foi escrito A
canção do africano (1863), não deveria mais existir: a separação entre mãe e filho escravos,
presente nos versos “E a cativa desgraçada”, “Deita seu filho, calada,”, “E põe-se triste a beijá-
lo,”, “Talvez temendo que o dono”, “Não viesse em meio do sono”, “De seus braços arrancá-
lo”.292 Consoante Haddad, “o legislador também se preocupara com o dramático destas
contingências”,293 pois José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), quando redigiu a
Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a
291
Cf. Jamil Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, p. 154.
292
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 202.
293
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 1, p. 155.
101
escravatura, em agosto de 1825, expôs no artigo 9o que “nenhum senhor poderá vender escravo
casado com escrava sem vender ao mesmo tempo e ao mesmo comprador a mulher e os filhos
menores de 12 anos”.294 Fortalecendo a proposta do patriarca da independência, “em 1862 um
projeto malogrado do Senador Silveira da Mota pretendia obviar esse mal”,295 mas desde meados
da década de vinte que esses deveres só existiam no papel, porque, na prática, verificavam-se
ações totalmente opostas ao que se era exigido pelo poder legislativo. Então, diante da atitude de
não se respeitar a relação existente entre mãe e filho escravos é que o eu poético demonstra o
quanto o escravo se apresenta como um ser devotado aos seus semelhantes de raça, uma vez que
a escrava beija e abraça seu filho consternadamente.
Isso fornecerá mais espaço à discussão da problemática do cativeiro, evidenciando assim a
defesa de um sujeito que busca a liberdade. Embora o negro, o escravo exilado, “reconhecendo”
que o ambiente de beleza da terra de exílio seja superior ao da terra natal, prefere o retorno a
casa, por lá viver como homem livre. Averiguamos esse fato nos versos “Minha terra é lá bem
longe”, “Esta terra é mais bonita,”, “Mas à outra eu quero bem!”, “Lá todos vivem felizes,”, “A
gente lá não se vende”.296
Mediante tais constatações, é que se observa o quanto o referido poema se aproxima de
uma poesia de cunho social, já que o mesmo explora a sensibilidade dos homens que compõem a
nação, afetando-os quanto à maneira de falar e essencialmente quanto à forma de pensar.
Corroborando a presente afirmação, citamos o conceito de poesia social através do
posicionamento de que:
[...], ela produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de todos os
integrantes de uma sociedade, de todos os membros de uma comunidade, de todo o
povo, independentemente de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na
verdade, de que saibam ou não os nomes de seus maiores poetas. A influência da
poesia, na mais distante periferia, é naturalmente muito difusa, muito indireta e muito
difícil de ser comprovada. [...] Assim, se rastrearmos a influência da poesia através
dos leitores mais afetados por ela às pessoas que jamais leram nada, a encontraremos
presente em toda parte. Pelo menos a encontraremos se a cultura nacional estiver viva
e sadia, pois numa sociedade saudável há uma influência recíproca e uma interação
contínuas de uma parte sobre as outras. E isso é o que eu entendo como a função
social da poesia em seu mais amplo sentido: é isso o que, proporcionalmente à sua
existência e vigor, afeta a fala e a sensibilidade de toda a nação.297
294
Cf. José Bonifácio de Andrada e Silva, (1825), apud Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 1, p. 155.
295
Cf. Jamil Almansur Haddad, Op. Cit., v. 1, p. 155.
296
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 201.
297
Cf. T. S. Eliot, De poesia e Poetas, São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 34.
102
298
Cf. T. S. Eliot, De poesia e Poetas, São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 27.
103
testemunhar a agressão a que são submetidos os negros, erguendo-se em favor destes, através da
adesão, com a “política” da causa abolicionista. Proposta a qual Castro Alves incorporou-se com
maestria e muita dignidade, através da escritura de seus poemas. Adentraremos os demais textos
com a finalidade de apresentar o quanto o poeta dos escravos evidenciou sua preocupação em
forma de protesto e de luta pela causa do outro: o escravo.
As estrofes do poema Mater dolorosa (1865) (Ver anexo 2) mostram o quanto o nível
argumentativo de Castro Alves evoluiu em complexidade e profundidade. No primeiro poema
analisado de 1863, observamos uma sutil temática de separação entre mãe e filho; nesta, a
problemática ganha proporções muito maiores, podemos até afirmar que adquire um caráter de
dramaticidade tão elevado que serve deveras para apresentar quão monstruosa foi a escravidão no
Brasil. No texto, a mãe-escrava mata o filho para poupar-lhe dos horrores do cativeiro. Por isso,
vemos como tão bem contextualizado está o excerto de Nathaniel Lee posto como epígrafe no
poema. A mãe lastima-se por sua ação, entretanto a mesma vê quão necessária ela é.
Na primeira estrofe, já existe o indicativo de que o inocente encontra-se morto. A
repetição sequenciada do vocábulo “dorme”, que se posiciona como metáfora de “morrer”, é
reforçada pelo eufemismo “sono eterno”. Contudo, o texto esconde uma dura e trágica realidade,
a morte não soa como algo destrutivo e negativo, pois o eu poético metaforiza o termo “céu”
como um berço, que acalenta e fornece carinho, refere-se às estrelas associando-as a uma mãe
disposta a guarnecer toda a ternura ao filho carente. Com a morte, a criança despertaria da gentil
crisálida metamorfoseando-se em borboleta e longe da mãe carnal ela encontraria a alegria que
próximo dela não vivenciaria, por isso a solicitação de que a criança se afaste. E tal pedido é
endossado pelo termo “longe”, pois, dessa forma, com a morte, a criança seria feliz, conseguiria
florir. O emprego dos advérbios de lugar “longe” e “além”, os quais se portam como equivalentes
semânticos posicionais entre si, intensifica o dramático sentimento da genitora de distanciar-se do
seu filho. O ato, no texto, é metaforicamente justificado, porque o eu poético encaminha o
menino à “única solução viável”, do que ser mais uma vítima do “feral tufão”, ou seja, da cruel e
sangrenta escravidão. Verifica-se que o termo “tufão” é detentor de uma carga semântica assaz
forte, pois se trata de um fenômeno que avassala vidas, principalmente as indefesas.
No que se refere ao garoto, ele seria mais que um ser inerme, seria uma vítima a mais do
sistema escravocrata. À medida que se adentra na leitura, observamos outrossim que as imagens
conflituosas ganham dimensões, gera-se no contexto a compaixão pela dor da mãe em cometer o
104
crime, como também o temor pela escravidão que impele uma mãe-cativa a abruptamente
assassinar seu filho. Essa estrutura concretizaria certamente a finalidade da ação dramática. Ela
“decorre essencialmente num meio repleto de conflitos e de oposições, porque está sujeita às
circunstâncias, paixões e caracteres que se lhe opõem”.299
Essas acepções produzirão o efeito trágico da cena. Toda essa interação comunga do que
afirmara Aristóteles de que a “tragédia é aquela cuja composição deve ser, não simples, mas
complexa, aquela cujos fatos, por ela imitados, são capazes de excitar o temor e a compaixão”.300
Não podemos deixar de ressaltar o grau de complexidade da mensagem do poema. O eu poético
explorou bastante a compaixão quando a escrava pede ao filho que não a maldigas, que Deus lhe
perdoe pelo crime cometido, pois a necessidade do mesmo urge diante da fera que está
metaforizada através da escravidão. Schiller não deixou também de evidenciar a importância de
se ressaltar o efeito compassivo no ambiente trágico. Podemos dizer que ele realmente definiu
bem mais a proposta ao afirmar que essa categoria consistiria na finalidade do referido gênero:
A citação do teórico alemão deveras contextualiza com o que ocorre nas estrofes em
análise. Instiga-se a compaixão ao se observar que a liberdade da criança e a felicidade da mãe
apenas serão alcançadas com a morte daquela. Sua genitora refere-se-lhe até como um pobre
inocente que mesmo sendo tão indefeso já está maldito, mesmo que, para ela, ele seja metáfora de
aurora, para o mundo, ele não passaria de “noite”, ou seja, aquele que nunca enxergaria luz no
espaço da escravidão.
A dramaticidade da mensagem aprofunda-se com a recorrência das reticências uma vez
que elas evidenciam o sentimento de dor da mãe após as súplicas de perdão dela ao filho e a
Deus; após a vontade de fazê-lo dormir e após a ânsia de liberdade almejada por ela a ele. O
poema é concluído retomando a primeira estrofe, apresentando assim uma ideia cíclica do que
deve acontecer. Do início ao fim do texto, a criança deve morrer, para o seu próprio bem,
299
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Estética: Poesia, Lisboa: Guimarães & Cª. Editores, 1980, p. 279.
300
Cf. Aristóteles, Arte Retórica e Arte Poética, 16. ed., Rio de Janeiro: Ediouro, s/d, p. 258.
301
Cf. Friedrich Schiller, Acerca da Arte Trágica (1792), In: ___________. Teoria da Tragédia, 2. ed., São Paulo:
EPU, 2008, p. 110.
105
justamente para que não lhe seja atribuída a identidade de escravo. Existe uma forte recusa a
aceitar essa identidade individual, podemos então afirmar que essa renúncia seria uma oposição a
alguém sair da condição animalizante fornecida pelo sistema político da escravidão para inserir-
se numa identidade propriamente humana, que apenas seria alcançada com a morte; e esta no
texto é sinônimo vivo de liberdade e, através dela, a criança obteria sua identidade: a de uma
pessoa livre e não a de escravo. Observaremos o texto A cruz da estrada (1865) (Ver anexo 3) em
que a temática de liberdade está também bastante associada à da morte.
No recente poema mencionado, vemos que as epígrafes de Lutero e de Alexandre
Herculano sintetizam a mensagem central do poema de C. A. Ambas referem-se àquele, o negro,
que lutou na vida e adquiriu a liberdade após a morte. Na primeira estrofe, o eu poético quando se
refere a um passante que atravessa o sertão, solicita-lhe que não interfira no sono daquele que lá
repousa, pois seria aquele o único ambiente de sossego que havia encontrado. A cruz localizada
em pleno ermo seria a imagem de que ali um escravo encontrou a paz. A visão desse objeto
contextualiza o que Alfredo Bosi comentara sobre o assunto: “A imagem é um modo da presença
que tende a suprir o contato direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua
existência em nós”.302 Então, revertendo tal conceito para a mensagem do poema, obtemos a ideia
de que a cruz é símbolo de que a vida do negro é retratada com sofrimento e a sua imagem
insere-nos ao contexto da realidade da escravidão, deixando claro que a existência do mesmo,
nesse regime político e no âmbito da sociedade, não encontraria outra simbologia que não fosse a
condição de escravo, de ser humilhado.
Daí destacarmos a antítese existente entre a presença do caminheiro e a da natureza. A
ação humana reportaria à do opressor, quanto à da natureza representaria a força de Deus
apaziguando o sofrimento do escravo. No poema, o eu poético indica metaforicamente o que a
vida representou ao negro: “o velar de insônia atroz”. Daí se externar a desnecessariedade da
presença humana, presente na frase “não precisa de ti”, já que dificilmente se pode saber a
verdadeira intenção do homem. Então, todos os animais e plantas referenciados no texto
indicarão a vontade de Deus sendo complacente à dor do falecido: “Deixa-o dormir no leito de
verdura,”, “Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.”, “O gaturamo 303 geme, por ele, à tarde,
302
Cf. Alfredo Bosi, O ser e o tempo da Poesia, 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, p. 19.
303
Gaturamo: Nome comum a diversas aves da família dos Tanagrídeos. Associa-se também à voz das aves, o canto
e o gorjeio que fazem para o escravo.
106
304
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 217.
305
Idem, ibidem.
306
Cf. Domício Proença Filho, A trajetória do negro na literatura brasileira, Estudos Avançados, São Paulo,
Jan/Abril, 2004. Disponível: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000100017&script=sci _arttext>
Acesso em: 01/02/2010
107
presenciava. Não há como esperar uma postura de revolta nestes primeiros textos, visto que a
imagem escravocrata estava pouco a pouco sendo tecida e discutida. Porém, a partir do dia 30 de
junho de 1865, iniciamos a perceber uma nova postura na poesia social castroalvina até então não
observada. Ao negro será emprestada a voz poética para poder expor o que deveras almeja que
aconteça com a escravidão. Isso é o que se verificará em A criança (1865) (Ver anexo 4).
O título desse poema é romanticamente sugestivo, pois, para época, denota sensibilidade,
que é um universo perceptível à identidade de uma criança. No aspecto formal, podemos afirmar
que o texto harmoniza-se com o título, pois ambos aproximam-se na pequenez física. Por outro
lado, o tamanho deste poema, que é composto por quatro sextilhas, não diminui a grandiosidade e
principalmente a criticidade da mensagem poética proferida. E tal dimensão inicia a ser percebida
a partir da interdiscursividade desse poema de C. A. com a epígrafe de Victor Hugo pelo fato de
ela demonstrar não apenas um liame temático e estético entre si, mas uma aguda perspicácia em
tecer a proposta do texto com a mesma riqueza de imagens e sentidos. A proposta de C. A. é mais
forte ainda pelo fato de a criança do romântico francês ser grega de olhos azuis e a de C. A. ser
negra. Para Heloísa Toller Gomes,
O poema pode ser dividido em três movimentos distintos embora bem articulados: o
primeiro (primeira estrofe) corresponde à inquietação do poeta diante da tristeza da
criança, que associa à aparente calma da natureza. Aqui já se anuncia a violência que
ressurgirá, implacável, na última seção do poema: “O areal da estrada/ Luzente a cintilar/
Parece a folha ardente de uma espada”.307
Comungamos da opinião da autora, uma vez que iniciar a primeira estrofe por uma
indagação estrutura essa inquietação do eu poético com os desejos e sentimentos de uma criança.
A pergunta feita pela voz enunciadora com o verbo “ter” semanticamente deduz que o ser
questionado não se encontra emocionalmente bem e isso, diante do enunciador, não condiz com o
que se espera do bem-estar de uma criança. Por isso, o eu poético sugere algumas sutis indicações
do que poderia ter ocorrido, conforme foi apontado pela autora através dos versos “O areal da
estrada”, “Luzente a cintilar”, “Parece a folha ardente de uma espada”.308 Mesmo diante dessa
prolepse, isto é, dessa antecipação de fatos, a voz enunciadora apresenta uma visão de oposição e
307
Cf. Heloisa Toller Gomes, O negro e romantismo brasileiro, São Paulo: Atual, 1988, p. 72.
308
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 215.
108
de prelúdio diante do sentimento de tristeza, pois a mesma pronuncia que “Morno é o vento”, “À
sombra do palmar”, “O lavrador se inclina sonolento”.309
Isso representa que não há ambiente para tristezas, porque a natureza levemente acalenta
quem perturbado está. Constrói-se assim uma antítese entre a tristeza da criança e a tranquila e
viva alegria da natureza. Com esse recurso estilístico, “Castro Alves deleitava-se em estabelecer
paralelismo de idéias ou simplesmente de palavras, processo temerário pelo que pode haver de
automático ou mecânico em suas enunciações”.310 Mesmo se apresentando com certa ousadia de
estilo, não se pode deixar de reconhecer que com tal postura o poeta não apenas enriquece a força
inspiradora de seu estro, como também desenvolve a complexidade de sua proposta temática.
Mantendo a sintonia com essa oposição de imagens o eu poético endossa, a partir da
segunda estrofe, quão triste é uma alvorada em sombras, uma ave sem cantar, o veado estendido
nas alfombras. Essas expressões geram uma isotopia de consternação e desânimo isto é, os
termos em destaque aproximam-se por serem equivalentes semânticos posicionais entre si. Eles
estão associados fanopaicamente à criança que, mesmo sendo símbolo de vivacidade, não se
encontrava representando o que realmente é. O universo imagético do poema levou Heloísa
Toller Gomes a afirmar que “em sua parte central (segunda e terceira estrofes), o poema joga com
diversas noções recorrentes do código romântico”,311 dentre elas, a autora destaca os seguintes
versos “Mocidade, és a aurora da existência”, “Criança, és a ave da inocência”,312 que são
metáforas bastante comuns a essa corrente literária. A comparação da criança com a aurora e a
ave sugere a condição de liberdade de um indivíduo, pois o pássaro é livre para voar e não há
nada que aprisione os primeiros raios da aurora. No entanto, tais imagens geram uma ironia pelo
fato de essa realidade não ser vivenciada por uma criança negra dentro do sistema escravocrata.
Constatamos também que essa última construção metafórica servirá como justificativa
para os questionamentos e as propostas que se seguem na terceira estrofe, uma vez que o eu
poético questiona à criança se os motivos de suas lágrimas são pelo fato de ela não ter colhido um
ramo de baunilha ou uma flor gentil da granadilha. Notamos que todo o instante a criança é
tratada com as marcas individuais de sua puerilidade, que não é de estranhar, pois corresponderia
bem à sua identidade infantil. O eu poético chega inclusive a propor-lhe gradativamente alguns
309
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 215.
310
Cf. Eugênio Gomes, Castro Alves e o Romantismo Brasileiro (1966), In: Castro Alves. Op. Cit., p. 54.
311
Cf. Heloisa Toller Gomes, O negro e romantismo brasileiro, São Paulo: Atual, 1988, p. 72.
312
Idem, ibidem.
109
mimos em função de ele receber um riso, que ele metaforizou de “estrela no horizonte da alma”.
Essa sugestão ainda é fortalecida pela anáfora do verbo “dou-te”.
Porém, a quarta e última estrofe, opõe-se a toda essa carga de subjetividade e
sentimentalismo que o poema abrangeu. A criança chora por sua mãe ter sido vítima dos açoites
dados pelos vis algozes, por isso as lágrimas desconsoladas. As reticências, que indicam a
retórica da sugestão, nessa estrofe, exploram ainda mais essa carga de sentimento carregado de
dor abrindo espaço ao último questionamento feito pelo eu poético. Mas que vem a surpreender
pelo tom sisudo, diretivo e bastante adulto de uma criança que “responde, reivindicando (não
pedindo) vingança”.313 Surge assim uma subjetividade inesperada a qual emana do sentido que o
poeta fez emergir, mas assaz condizente com o sistema escravocrata. Pois, o que se pode esperar
de uma criança vítima dos horrores da escravidão? Com toda a certeza, a puerilidade registrada
em sua voz seria incoerente com o que ela vivenciara e principalmente sofrera. Castro Alves, a
partir de então suscita, no poema, um sentimento de revolta que não apenas seria oriundo do
sofredor, mas também de quem testemunhou atrocidades tão injustificáveis no âmbito do
cativeiro. Pode-se fortalecer tal sentimento através da oclusividade presente na aliteração da
consoante “t” no verso “E vagas tonto a tatear à noite.”,314 pois a repetição dessa paronomásia
aliterativa315 fornece um efeito sonoro que sugere as batidas do coração, esclarecendo os
sentimentos de angústia que afloram com as perguntas e as enunciações.
Daí também, constatarmos uma tão forte intertextualidade com o texto de Victor Hugo.
Em ambos, observamos a sutileza da introdução do texto, com o seleto vocabulário aprazível do
ambiente da natureza, associando-o à criança, e ao mesmo tempo o tom impactante do que esta
vem a solicitar com forte desejo de revolta. Compreendemos que seja também através da fusão
dessas duas categorias que Antonio Candido veio a afirmar que “Castro Alves se tornou o poeta
por excelência do escravo ao lhe dar, não só um brado de revolta, mas uma atmosfera de
dignidade lírica, em que os seus sentimentos podiam encontrar amparo”.316 Heloisa Toller
Gomes, após ter também citado Antonio Candido em seus estudos, complementa-lhe as palavras:
“Não é só o escravo surrado a suplicar clemência que emerge de seus versos, mas também – e
313
Cf. Heloisa Toller Gomes, Op. Cit., p. 72.
314
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 216.
315
Segundo Décio Pignatari, a aliteração é um dos tipos de paronomásia. Ver Décio Pignatari, Op. Cit., p. 19.
316
Cf. Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos (1750-1880), 11. ed., Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007, p. 592.
110
principalmente – o ser humano ultrajado prestes a se voltar contra os algozes”.317 Para a recém-
referenciada estudiosa, “este também é o tema do vigoroso poema “Bandido negro” o qual, por
sua mescla de elementos dramáticos, narrativos, históricos e fantásticos, assume a feição de uma
balada”.318
Na primeira estrofe do poema Bandido negro (1865) (Ver anexo 5), o eu poético
apresenta aquele que será personagem central do texto: o bandido negro cujo termo já aponta para
um ser fora da lei; mas este é mencionado como um homem destemido, potente que imprime
medo a todos os seres da natureza pela sua presença, ou seja, ele surge no poema como um herói
épico. Dele virá o grito de mais impacto e coragem que é enunciado no texto: o de vingança. Esse
brado materializa-se muito mais no refrão do poema, que é um quarteto pleno de recursos
sonoros, entre eles as anáforas e as paronomásias aliterativas, isto é, a melopeia nesses versos e
no poema como um todo é muito perceptível. “O refrão ponteia a musicalidade do poema e
adquire crescente intensidade à medida que a ação se desenvolve”.319
Concordamos com a opinião de Heloísa Toller Gomes pelo fato de essa estrofe ser
formada por eneassílabos e por isso as sílabas fortes incidem nas terceira, sexta e nona sílabas,
gerando assim um ritmo ternário descendente bastante sonante. Além disso, a oclusividade do
fonema surdo /k/ presente nas palavras “cai” e “cresce” fornece um efeito de explosão, sugerindo
e fortalecendo através desse recurso a destruição do sistema da escravidão. Há uma aproximação
entre a mensagem proferida e esse recurso aliterativo, pois ambos transmitem força.
A partir do refrão, constatamos a coragem do negro e principalmente a oposição exposta
do que se viu no passado e do que se espera do futuro. “É o refrão, aliás, que sintetiza, assinala e
reitera a mensagem bélica do poema: mensagem de saudação à revolta não em favor do negro,
mas de autoria deste”.320 E isso realmente é onde está a primeira inovação da poesia social
castroalvina – o fato de emprestar-se a voz poética ao negro com o intuito de insurgir-se contra o
escravocrata.
A partir dessa estrofe, observa-se um negro não mais submisso, subserviente ou
propriamente escravo; verifica-se alguém que emerge de um anonimato, de um processo de
opressão para rebelar-se contra o opressor. Erige-se com tal postura uma nova identidade negra, a
317
Cf. Heloisa Toller Gomes, Op. Cit., p. 72.
318
Idem, ibidem.
319
Idem, p. 75.
320
Idem, ididem. Os grifos são do autor.
111
de justiceiro, com uma reação imediata e violenta e de não aceitação do regime do cativeiro. Ou
seja, o negro critica o sistema da escravidão com a finalidade de modificá-lo e exige um tempo
presente de mais humanidade. Daí a antítese no acoplamento dos equivalentes em oposição dos
verbos “cair” e “crescer”. Esse jogo de contrários intensifica-se pelo fato de o verbo “cair”
aparecer uma vez nos dois primeiros versos do refrão e o “crescer” duas vezes nos dois últimos,
isto é, o início de queda alimenta o desejo de vingança em maiores proporções. Percebemos isso
através de expressões como “seara vermelha” e “vingança feroz”. A imagem da seara tomada
pelo sangue justifica a ferocidade da vingança. Isso contextualiza bem quando Alfredo Bosi diz
que “a imagem amada, e a temida, tende a perpetuar-se: vira ídolo ou tabu. E a sua forma nos
ronda como [...] obsessão”.321 No caso deste poema, a imagem da seara banhada em sangue é
uma vivaz obsessão, pois o negro, no texto, por um longo período tombou na condição de
escravo, mas agora procura vencer a problemática, vingando-se da mesma.
A bravura que se registra no texto não ficou apenas no espaço da idealização romântica,
pois, como já noticiado pela própria história, muitas foram as insurreições motivadas por negros
nas propriedades dos senhores-de-engenho. C. A. procurou narrar episódios similares, dentre
tantos, trouxe a proposta do épico Bandido negro. Nesse caso, a epopeia “não conhece [...] a
separação entre o sentimento e a ação, entre os fins interiores perseguidos de forma consequente
e os acidentes e acontecimentos exteriores”.322 Hegel diz que “encontraremos na poesia épica não
só a identidade substancial da vida e da actividade objetivas, mas também a liberdade nas
manifestações desta vida e desta actividade, liberdade que as faz parecer uma emanação da
vontade subjetiva dos indivíduos”.323 Com toda a certeza, o poema em questão caracteriza-se
como retrato vivo dessa proposta hegeliana. As características destemidas presentes na
personagem central do poema visam todo o instante à liberdade, como forte marca de sua
subjetividade. Notamos, na terceira estrofe, que existe uma preparação das ações; o escravo
concentra suas forças não apenas em uma ação, mas em várias, como: “Somos negros... o raio
fermenta”, “Nesses peitos cobertos de horror.”, “Lança o grito da livre coorte,”, “Lança, ó vento,
pampeiro de morte,”, “Este guante de ferro ao senhor.”.324 Além disso, a metonímia presente nos
termos “peitos cobertos de horror” explora uma ideia metafórica de um coração exausto de
321
Cf. Alfredo Bosi, O Ser e o Tempo da Poesia, São Paulo: Companhia das letras, 2000, p. 20.
322
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Op. Cit., p. 132.
323
Idem, p. 141.
324
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 218.
112
325
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 218.
326
Idem, p. 219.
327
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 292.
328
Idem, ibidem.
113
seu clarão”, “Seja o bramo da vida arrancado”, “No banquete da morte lançado”, “Junto ao
corvo, seu lúgubre irmão.”.329 Verificamos com a metáfora presente nos termos “leões africanos”
que se enrijece a ira dos negros escravizados que aguardam o momento de externar o brado em
nome da liberdade. Toda a narratividade das ações destes homens é compartilhada com o cenário
da natureza, uma vez que o eu poético personifica todos os seres, em favor da causa abolicionista,
cuja luta antecede gerações de escravos: “Vão brandindo essas brancas espadas”, “Que se
amolam nas campas de avós”.330 Então, o texto não poderia concluir de outra forma que não
fosse pelo refrão em que articula o sangue do escravo à sua luta pela vida. Constrói-se dessa
maneira uma nova identidade negra nas poesias castroalvinas: a de herói. Por isso que Heloísa
Toller Gomes afirmou que dentre tantos estudos sobre o negro na literatura romântica, “o negro
de Castro Alves destaca-se por sua dignidade humana e, sobretudo, por sua potencialidade de
ação diante do próprio destino e do futuro”.331 Mas, muitas dessas ações dramáticas quando não
se articulam a uma imagem de revolta, exploram a compaixão humana perante os crimes da
escravidão. É o que averiguamos em Tragédia no lar (1865) (Ver anexo 6).
O mencionado poema reafirma o conceito de que o drama incorpora os demais gêneros e
também “a teoria expressa por Victor Hugo em seu prefácio do Cromwell, do drama romântico,
do drama como “arte integral”.332 Este poema explora muitas das categorias do lirismo e da
dramaturgia. Pelo título, captamos a finalidade da composição textual: uma tragédia, que se opõe
à delicadeza contida na locução adverbial “no lar”, pelo fato de relacionar o horror da natureza
trágica ao sutil e meigo espaço. O título desenvolve um acoplamento através de seus equivalentes
em oposição. Os versos heptassilábicos da primeira estrofe apresentam um ritmo irregular no
conjunto dos versos, ou seja, não há uma cadência que nos possibilite classificar o ritmo em
binário ou ternário. Essa classificação seria possível caso ela fosse feita isolando verso a verso,
mas na coletividade não. No entanto, verificamos que o ritmo está sempre em condição
ascendente, que é bastante propício para uma tragédia. Logo nessa primeira estrofe, é descrito o
cenário da senzala carregado de imagens reducionistas e cuja aparência estreita é reforçada pela
luz do candeeiro e da fogueira, porém este mesmo ambiente antiteticamente não deixa de ser a
casa do cativo, a única conhecida e vivenciada pela condição do escravo. Segundo Lilia Silvestre
329
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 219.
330
Idem, ibidem.
331
Cf. Heloisa Toller Gomes, Op. Cit., p. 75.
332
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas, São
Paulo: Ática, 2004, p. 194.
114
Chaves, o ambiente é “assombrado pelo som ameaçador do vento que se esgueira pelas frestas do
sapé”.333 Realmente, corroboramos a autora, por causa da presença da paronomásia aliterativa do
fonema fricativo /s/, no verso “No sapé se esgueira o vento”.334 Trata-se de uma sonoridade
sibilante, sugerindo assim a ação de o vento esgueirar-se. Será esta ameaça que se aproximará da
personagem central da peça: uma mãe africana, a qual se encontra sentada próximo ao fogo de
uma candeia embalando o seu filho.
Hegel expusera que “o actor deve ser o instrumento que o autor maneja, uma esponja que
absorva todas as cores e as restitua integralmente”,335 isto é, “o actor [...] entra, por assim dizer,
na obra de arte com toda a sua personalidade e tem a missão de se identificar completamente com
o caráter que representa”.336 É assim a negra do poema em questão: uma escrava que absorverá
toda a brutalidade a ela impelida e por ela replicada. O filho dessa escrava, apresentado como
inocente, diverte-se acalentado pela canção angustiada de sua mãe. Seu sorriso não é de estranhar
pelo fato de ele não saber o que lhe espera e principalmente por ser um bebê, isto é, um ser ainda
não conhecedor da maldade do mundo. Porém, Lilia Silvestre Chaves afirma que “por momentos,
[ele] sente frio (ou será algum presságio?)”.337 Mesmo indagando, a autora sugere a resposta, ao
exemplificar seu pensamento através dos versos “Mas treme e grita gelado”, “Se nas palhas do
telhado”, “Ruge o vento do sertão”338 e diante deles não há como realmente não assinalarmos a
presença de uma prolepse, ou seja, de uma antecipação do que ocorrerá.
As seis estrofes da canção marcam bem o caráter das cantigas populares por serem
quadras em redondilha maior. Novamente, não há como visualizar no conjunto dessas quadras se
o ritmo é binário ou ternário, mas ele é marcado, como já mencionado, por pausas ascendentes.
São estrofes que, além de explorarem as categorias fanopaicas e melopaicas, acentuam bem o
sentimento de autocomiseração da mãe escrava, pois são enunciações que brotam como um
soluço, isto é, sem facilidade, sem livre passagem. O vocábulo “lacerante” que qualifica o
substantivo “soluço” fortalece a dificuldade da fala. As anáforas dessa canção que finalizam uma
quadra e introduzem a seguinte dão um efeito cíclico ao sentimento da mãe, ou seja, a dor por ela
sentida não tem fim. Essa canção desenvolve um acoplamento devido aos equivalentes em
333
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas, São
Paulo: Ática, 2004, p. 194.
334
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 207.
335
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Estética: Poesia, Lisboa: Guimarães & Cª. Editores, 1980, p. 315.
336
Idem, ibidem.
337
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 194.
338
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 207-8.
115
oposição “natureza” e a “condição do cativo”. Aquela possui tudo: beleza, alegria e, sobretudo,
liberdade, esta o que tem é tristeza, solidão, prisão, dor, enfim nada. Mais uma vez, Shiller (2008)
informa-nos que “uma canção, uma ode, podem imitando, pôr-nos diante dos olhos o atual estado
anímico do poeta, enquanto determinado por circunstâncias específicas (estado quer de sua
própria pessoa, quer de uma pessoa ideal)”.339 O que C. A. idealiza, neste momento, seria a
possibilidade de a negra partilhar da mesma liberdade que a natureza.
Abruptamente, a canção para e o verbo “cessou” indicando seu fim é seguido de uma
reticência que fornece suspense ao momento. O ritmo do primeiro verso por ser ternário
ascendente amplia esse suspense. Adentram-se, nesse momento, homens trazidos por uma linda
cavalhada. Lilia Silvestre Chaves afirma que “o adjetivo “linda” sugere a aparente tranquilidade
do acontecimento. Como se não houvesse nada a temer a respeito do que está por acontecer...”. 340
Deveras, existe tal sugestão, mas o pequeno verso “De estranho viajor” que vem logo em seguida
quebra a sequência dos decassílabos dessa estrofe introduzindo a imagem de pessoas não
confiáveis. Os versos “Figuras pelo sol tisnadas, lúbricas,”, “Sorrisos sensuais, sinistro olhar”,
“Os bigodes retorcidos,”,341 que apresentam os homens que estão chegando, exploram bastante a
aliteração do fonema fricativo /s/ que volta a sugerir o tom de ameaça que foi destacado
anteriormente. Esta ameaça é perceptível quando o eu poético dirige-se à escrava e indaga-lhe o
porquê de ela tanto tremer, se a noite estava calma e tudo aparentava está bem. A inquietação da
mãe escrava nesses versos amplia-se e tal comportamento opõe-se à natureza permanecer
insensível ao que vai se suceder: “Um bulício remoto agita a palma”, “Do vasto coqueiral.”,
“Tem pérolas o rio, a noite lumes,”, “A mata sombras, o sertão perfumes,”.342 Esse efeito entre a
tranquilidade da natureza e agonia da escrava gera um acoplamento com equivalentes em
oposição. Esse contraste é deveras inquietante. Em seguida, “lentamente, a voz [do poeta] penetra
no pensamento da africana, descrevendo o pressentimento que a fez estremecer: para o negro,
existir é crime, “ter um filho é roubo”, e o amor materno “uma loucura!”.343
As imagens ganham mais intensidade à proporção que o eu poético discute a problemática
evidenciando as disparidades da escravidão. Ele menciona que para o escravo não há luz, por este
339
Cf. Friedrich Schiller, Acerca da arte trágica (1792), In: ___________. Teoria da Tragédia, 2. ed., São Paulo:
EPU, 2008, p. 105.
340
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 195.
341
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 209.
342
Idem, ibidem.
343
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 195.
116
ser marcado cromaticamente na cútis e na alma pela escuridão, por ser comparado
fanopaicamente a uma pedra que é pisada por toda humanidade, por ser comparado a Cristo que
verga a cruz do sofrimento. Essas imagens contextualizam as palavras de Hegel: “a acção
dramática processa-se assim essencialmente por um conjunto de conflitos”.344 Esse conflito
expande-se cada vez mais, uma vez que “o poeta questiona a humanidade, a religião, procura
fundir poesia e realidade, falando para si, evocando a transfiguração e calvário de Cristo pela
redenção dos homens “Era o relampejar da liberdade”, “Nas nuvens do chorar da
humanidade,”.345 Após esse momento, há uma forte pausa no texto, o eu poético dirige-se agora
ao leitor e convida-o a testemunhar a cena que está por vir, mas junto ao convite vem a
advertência:
344
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 288.
345
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 195.
346
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 210.
117
347
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 196.
348
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 211.
118
Santa,349 em prece, com os olhos para que a livrasse daquele mal. Contudo, infelizmente o pedido
não é atendido.
Sobre esse aspecto, Lilia Silvestre Chaves (2004) afirmara que parecia que “o poeta quis
imprimir um sentido de absoluta solidão e impotência aos escravos, de revolta contra Deus. Está
aí todo o trágico da situação daqueles seres humanos”.350 E realmente, a sensação de solicitar
algo com toda a carga emotiva, principalmente a do desespero e não o obter constitui uma
autêntica ação dramática e daí a concretização de uma tragédia, pois essa, de acordo com os
postulados de Schiller (2008) é “uma imitação poética concatenada de acontecimentos (de uma
ação completa), mostrando-nos seres humanos em estado de sofrimento e tendo em mira suscitar
a nossa compaixão”.351
O poema claramente suscita esse sentimento de comiseração diante do sofrimento da mãe
e ele ainda ganhará proporções maiores quando a escrava se mostrar adversa à ação do senhor.
Dessa forma, a cena adquirirá uma completude perfeitamente trágica, uma vez que para se chegar
à “intensidade e à veracidade das representações trágicas, exige-se ainda, completude. Tudo
quanto deve provir de fora, a fim de levar a alma à tencionada emoção, tem de ser esgotado na
representação”.352 Schiller reforça a ideia de que para se chegar a essa plenitude é necessário que
haja uma interação entre os fatores internos e externos em toda a extensão do drama ou da poesia
dramática, sem faltar nenhum elo dessas determinações, por isso que o eminente teórico ainda
vem criteriosamente a complementar:
349
Sobre este aspecto de os negros clamarem por um Deus católico, Jamil Haddad comenta: “Na senzala, a religião é
igual à da casa grande, o poeta dava aos seus negros a religião dos brancos. Faltou-lhe vocação e engenho para
descobrir o miraculoso veio lírico de sua Bahia de Xangô e Dona Janaína. Esta deveria repugnar aos seus requintes
de branco e aristocrata, pois chega a condenar o culto da raça que o inspirava: “Nem mesmo Deus eles tinham, sim!
porque um resto de idolatria pelos fetiches do Congo, misturados com um bocado de história de feiticeiros e um copo
d’água benta que um padre lhes atirou à cabeça não era religião...” – A velha ama Leopoldina devera ter-lhe contado
alguma coisa dos mitos de sua raça. Mas em vão. [...] Os negros de Castro Alves invocavam o Deus romano e o
Jeová hebraico. Em certas condições, muito mais impressiva e verdadeira teria sido a invocação do Alá arábico, culto
verdadeiro dos Hussás, os mais culturizados entre os escravos, fomentadores de insurreições [...]”. Cf. Jamil
Almansur Haddad, Revisão de Castro Alves, São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, p. 191.
350
Cf. Lilia Silvestre Chaves, Comentário Crítico, In: Castro Alves, Op. Cit., p. 196.
351
Cf. Friedrich Schiller, Acerca da Arte Trágica (1792), In: ___________. Op. Cit., p. 104.
352
Idem, p. 101.
119
representações para que nos comova vivamente têm de produzir uma impressão
imediata sobre a nossa sensibilidade e, dado que a forma narrativa sempre enfraquece
essa impressão, deve ser suscitada por uma ação atual.353
Podemos deduzir que os fatores internos dessa tragédia seriam os sentimentos de medo da
escrava em perder seu filho e os externos seriam a tentativa dos algozes de comprar e usurpar a
criança da mãe. Mas, o esgotamento da completude trágica, no texto, seria a embalde luta
conflituosa da escrava africana pela posse do filho e coadunando-se a isso os sentimentos que,
logo após a perda, impetuosamente afloraram. Afirmamos que, com essa última ação, a tragédia
alcançaria a plenitude de sua unidade. Hegel inclusive já afirmava que “a ação dramática
processa-se assim essencialmente por um conjunto de conflitos, e a verdadeira unidade só pode
resultar do movimento total, do movimento de todos”.354 O poema Tragédia no lar não apenas
explora todas essas relações como faz com que as referidas ações suscitem o sentimento de temor
da escravidão, de revolta da condição dos escravos e de piedade diante do sofrimento deles.
No texto, o que imprime bem mais esses sentimentos seria o diálogo suplicante da escrava
para que não levassem seu filho. Ela inclusive apela à solidariedade, “Senhor, por piedade,
não...”, “Vós sois bom... antes do peito”, “Me arranqueis o coração!”;355 apela ao bom senso,
pelo fato de a criança ainda ser um bebê, “Apenas sabe rir... é tão pequeno!”, “Inda não sabe me
chamar?... Também”,356 apela principalmente à razão pedindo aos algozes que se coloquem no
lugar de sua dor: “Senhor, vós tendes filho... quem não tem?”, “Se alguém quisesse os vender”,
“Havíeis muito chorar”357 e por fim reitera o pedido fechando a estrofe ciclicamente ao apelar
mais uma vez à emoção: “Deixai meu filho... arrancai-me”, “Antes a alma e o coração!” Porém,
toda a súplica para os senhores de escravos é em vão: “– Cala-te, miserável! Meus senhores,”, “O
escravo podeis ver...”.358 De todas as comparações feitas pela escrava, evidenciamos aquela que
abrange o destino de uma coletividade: “– Senhores! basta a desgraça”, “De não ter pátria nem
353
Cf. Friedrich Schiller, Acerca da Arte Trágica (1792), In: ___________. Op. Cit., p. 101-2.
354
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 288.
355
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 212.
356
Idem, ibidem.
357
Idem, ibidem.
358
É importante salientarmos novamente, como foi exposto na análise de A canção do africano (1863), que essa
prática de vender menores de quinze anos sem a companhia da mãe e do pai já havia sido decretada como ilícita na
monarquia brasileira desde 1825 por José Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca da independência. O poema
Tragédia no lar (1865) posiciona-se como um registro histórico de que a lei no Brasil facilmente era burlada sob as
vistas e as conivências das autoridades civis locais e nacionais.
120
lar,”, “De ter honra e ser vendida”, “De ter alma e nunca amar!”.359 Nesses versos, o pedido
agonizante da negra ganha mais intensidade devido à sua respiração ofegante. Nesse instante, o
eu poético desenvolve uma criticidade fortemente contundente contra o regime da escravidão: a
voz da escrava não fala apenas por ela, mas por uma pluralidade de negros que nada lhes resta.
Nada é válido e suficiente para fazer os algozes, que são metaforizados como sepulcros,
mudarem de ideia. Por isso, a mãe ante os choros do filho retira-se de sua posição de exacerbada
subserviência, externando sua agressividade tal qual a imagem metafórica de um jaguar, na mata,
prestes a atacar e dilacerar aqueles que a ameaça. Observemos as frases “[...] Já vistes”, “Bramir
na mata o jaguar”.360 A assonância vocálica do fonema /a/ fornece uma abertura bucal, a qual se
aproxima do ato de a escrava bramir. Nesse instante, a africana que antes era vítima, emerge
como guerreira, como animal feroz em defesa de sua espécie. E belissimamente, o eu poético
ilustra a cena vitalizando os sentimentos da mãe que passa a agredir a turba de senhores de
covardes, por roubarem corações humanos. O verso “Vós roubais os corações!...”361 que
materializa a recente informação além de explorar o recurso metonímico sugere reflexão ao
ouvinte pelo fato de ele ser concluído por uma reticência e a interjeição marca bem o estado
emocional de angústia da enunciadora da frase. A negra convoca num forte brado mais escravos
para luta, entretanto os cativos sem armas tombam diante das chicotadas. O desfecho dessas
ações explora ainda mais a compaixão do leitor e o horror pelos imperdoáveis crimes da
escravidão. A imagem agita a alma e atordoa a consciência de quem a testemunha, restando
apenas o galopar dos cavalos com os homens raptando o inocente indefeso que não cessava de
chorar. O grito estridente e enaltecido do bebê adentrava fortemente nos ouvidos de quem o
escutava, acompanhado, ao mesmo tempo, pelos golpes violentos dos açoites que vibravam
sempre mais a cada chibatada, à medida que ecoava a gargalhada ensandecida da mãe que sofria
avassaladoramente por ter o filho roubado e a vida para sempre destruída.
Podemos deduzir que este poema ilustra bem um episódio trágico-dramático, uma vez que
conforme Hegel “o número de actos mais conforme à estrutura do drama é de três, o primeiro
expõe o nascimento do conflito; o segundo o choque, a luta de interesses e todas as complicações
que daí resultam; o terceiro mostra que levada essa luta ao paroxismo, termina pelo desfecho”. 362
359
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 212.
360
Idem, p. 213.
361
Idem, ibidem.
362
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 292.
121
363
Cf. Jorge Amado, ABC de Castro Alves, Rio de Janeiro: Livraria Martins, 1941, p. 127.
122
individualidade do seu gênero, todavia na fusão estético-conteudística deste com o gênero épico
presente no poema em análise.
Será essa fusão que enaltecerá a discussão pretendida na implícita antítese percebida nas
entrelinhas do texto: liberdade x escravidão. Essa categoria de fundir gêneros distintos fez do
Romantismo, não apenas o brasileiro, mas também o europeu, sobressair-se e diferenciar-se
acentuadamente das demais propostas estéticas anteriores. Para contextualizar essa asserção do
enriquecimento do texto, posto em análise, através da plasticidade das antíteses, destacamos dois
grandes nomes da literatura universal romântica que se posicionam como essenciais à
compreensão de uma produção dramática, sobretudo, tomando como referencial alguns aspectos
teóricos referentes aos estudos de Goethe e Schiller.
Ambos diferenciaram, no ensaio Sobre Literatura Épica e Dramática (1827), as
características constitutivas dos dois gêneros. Dentre muitas, “a grande diferença essencial,
porém, baseia-se no fato de que o épico expõe os acontecimentos como inteiramente passados, e
o dramático os apresenta com inteiramente presentes”.364 Será essa nítida oposição entre passado
e presente que observaremos um acentuado crescimento do gênero dramático, levando o leitor a
sensibilizar-se com o que lê e até a dialogar com a narrativa, no momento em que ele se posiciona
como um defensor daquele que está sendo injustiçado e, sobretudo, escravizado, visando com
isso a censurar a escravidão como regime desumano e indigno.
Notamos esse envolvimento através dos seguintes versos da terceira estrofe da quinta
parte do poema: “São os filhos do deserto”, [...], “São os guerreiros ousados”, “Que com os
tigres mosqueados”, “Combatem na solidão...”, “Homens simples, fortes, bravos...”, “Hoje
míseros escravos”, “Sem ar, sem luz, sem razão...”.365 A oposição das ações, no passado e no
presente, destaca os gêneros observados no poema; ontem, eram bravos guerreiros; ou seja, os
negros eram exaltados coletivamente como guerreiros, e essa terminologia é um elemento
essencial para a formação de um poema épico, pois, conforme Hegel, “o conjunto da concepção
do mundo e da vida de uma nação que apresentado sob a forma objectiva de acontecimentos
reais, constitui o conteúdo e determina a forma do épico propriamente dito”.366 Agora, em
oposição a essa apresentação de bravura, hoje, no poema, eles são apresentados como míseros
364
Cf. Wolfgang Goethe & Friedrich Schiller. Sobre Literatura Épica e Dramática (1797). In.: __________. Goethe e
Schiller: Companheiros de Viagem. São Paulo: Nova Alexandria, 1993, p. 203.
365
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 248.
366
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 129.
123
escravos, sem ar, sem luz e sem razão, isto é, estilisticamente, o eu lírico enfatiza o caráter
redutor a que se transformou a vida dos negros escravos: em nada.
Em virtude disso, deter-nos-emos a abordar e, sobretudo, a discutir os acontecimentos que
surgirão no poema Navio Negreiro com a finalidade de visualizar a unidade dramática pretendida
pelo autor do texto e destacada como essencial pelos teóricos já mencionados. Também, como já
citado, faz-se mister evidenciarmos tal proposta unitária, pondo em relevância a sequência em
que se deram os fatos. Castro Alves soube interligá-los de maneira tão coesa que a dramaticidade
pretendida alcança níveis de percepção até então pouco explorados pelos autores românticos
brasileiros.
O poema é dividido em seis partes, as quais poderiam também ser consideradas como seis
cantos, segundo a linguagem épica, ou seis atos, conforme o estilo dramático, no entanto fugiria
um pouco do padrão estabelecido na composição de um texto deste gênero, pois segundo
Horácio, a tragédia deve ser escrita determinantemente em cinco atos. Portanto, fazer uso da
terminologia épica enquadrar-se-ia bem nessa proposta textual, pois o poema é uma produção
épico-dramática. Épico, por exaltar o povo africano e narrar um episódio de sua história e
dramático pelo fato de as ações dessa história reportarem-se a um destino que os negros tenderam
a negá-lo e repeli-lo, mas são arrebatavelmente postos frente a ele, apresentando, assim, as cenas
de horror e de crueldade que a história sociopolítica brasileira tentou omitir, e a literatura
procurou expor. Esse posicionamento reforça a idéia de que “os primeiros acontecimentos e
empreendimentos dos povos são, geralmente, mais de natureza épica do que de dramática”.367
Porém, a ação conflituosa já descrita dos negros fundamentaria o fazer dramático em si: “a ação
dramática processa-se assim essencialmente por um conjunto de conflitos, e a verdadeira unidade
só pode resultar do movimento total, do movimento de todos”.368
Por conseguinte, aproximar-nos-emos desse viés totalizador apresentado por Hegel para
que a unidade dramática pretendida seja mais que destacada, seja discutida como elemento que
afete não apenas os objetivos do texto, mas a totalidade de um indivíduo que observa ou participa
de um fazer dramático. O poema de Castro Alves corrobora a proposta de Hegel por expor os
instantes totalizadores para logo após delimitar-se aos movimentos de cada personagem que
juntos condensariam a intencionalidade do drama. No que se refere à primeira parte do poema, o
367
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 280.
368
Idem, p. 288.
124
eu lírico faz uma descrição do cenário, exaltando a beleza da natureza, já que “nos decassílabos
da primeira parte, alonga-se a maioria das vogais, a fim de que cada verso, lido mais lentamente,
cresça, e nos dê do alto-mar o movimento”:369 “Stamos em pleno mar... Doudo no espaço”,
“Brinca o luar – doirada borboleta –”, “E as vagas após ele correm... cansam”, “Como turba
de infantes inquieta”.370
Nessa estrofe, o estilo romântico do fazer poético inicia-se a destacar. Vemos a
expressividade da plasticidade das imagens através da natureza metaforizada e, sobretudo,
personificada, pois o luar como uma borboleta doirada brinca loucamente no espaço, as vagas (as
ondas) marítimas correm e cansam-se como um grupo de príncipes inquietos. Então, como
necessário a uma produção dramática, o cenário é apresentado, todavia, verificamos uma
oposição de estilos na proposta deste cenário. Ao reportarmo-nos aos espaços grandiosos,
infinitos, como o céu e o mar, vemos o espaço de uma produção épica ser mencionado, contudo,
ao restringirmos os cenários a poucos espaços, especificamente, os menores, vemos o
desenvolver da ação trágica.
Segundo Goethe e Schiller, no ensaio já referido, “o poema épico apresenta alguém que
age em torno de si: batalhas, viagens, toda sorte de empreendimento que exige uma certa
amplitude física”;371 porém “a tragédia alguém conduzido para dentro de si, e as ações da
verdadeira tragédia, por isso só precisam de pouco espaço”,372 ou seja, delimita-se e restringe-se
mais, assim facilmente, intensificar-se-ia a cena a qual se deseja evidenciar, apresentando-se os
movimentos de ação e reação de indivíduos que juntos, mais uma vez, reforçariam o caráter
totalizador pretendido pela ação do drama, como já citado por Hegel. Ainda, na primeira parte, o
narrador verifica a aproximação de uma embarcação, na qual se apresentará o cenário da tragédia,
pois lá ocorreram ações que caracterizarão a dramaticidade analisada e estudada nesse trabalho.
E, a unidade de lugar na tragédia, como também, a unidade de tempo consistem em regras tão
precisas como a unidade de ação, portanto a concatenação das três implicaria numa verdadeira
unidade do gênero trágico.
O espaço da tragédia no poema será o brigue (o navio) que conduz pelos mares os negros
escravos. O próprio é mencionado na terceira estrofe da primeira parte do poema e sem fugir da
369
Cf. Alberto da Costa e Silva, Op. Cit., p. 98.
370
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 244.
371
Cf. Wolfgang Goethe & Friedrich Schiller. Sobre Literatura Épica e Dramática (1797). In.: __________. Op. Cit.,
p. 204.
372
Idem, ibidem.
125
plasticidade do romantismo, ele é metaforizado às andorinhas que roçam nas vagas (ondas) do
mar, é comparado a corcéis que galopam, voam levantam o pó dos desertos marítimos sem traços
deixar: “Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes,”, “Quem sabe o rumo se é tão grande o
espaço?”, “Neste Saara os corcéis o pó levantavam,”, “Galopam, voam, mas não deixam
traço.”.373 Ainda nesse primeiro plano de aproximação do navio, o narrador ouve o despontar da
sonoridade da cantiga, oriunda do brigue veleiro, então, aquele solicita do navio que o espere,
para que ele possa participar e vivenciar da poesia, ou seja, da cena que está por apresentar-se.
O narrador chega a lamentar o fato de não poder acompanhar o movimento do navio, que
é metaforizado como “doudo cometa”, devido sua ágil velocidade. Isso já reporta a tentativa de
construção da unidade de ação que é representativa do gênero trágico, por fazer com que ações
totalizadoras de indivíduos diferentes unam-se para gerar a unidade trágica. É o que percebemos
nos seguintes versos: “Oh! Quem me dera acompanhar-te a esteira,”, “Que semelha no mar –
doudo cometa!”.374 Porém, para que se condensem os movimentos, o narrador roga ao “Albatroz,
águia do oceano” que conceda suas asas para que possa se unir à melodia, à poesia que o atrai,
dentro de uma perfeita unidade: “Albatroz! Albatroz! águia do oceano,”, “Albatroz! Albaltroz!
dá-me estas asas...”.375
Consoante a análise de Antônio Candido acerca do Navio negreiro, de Castro Alves, esses
espaços da natureza compõem mais que o cenário da história, mas um jogo de elementos que
opõem amplitude e reducionismo, antíteses essenciais que servem de esteio àquela oposição que
se apresenta implícita na obra: liberdade x escravidão. Vejamos, então, a contribuição do referido
crítico literário acerca do presente texto em análise:
373
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 244.
374
Idem, p. 245.
375
Idem, ibidem.
376
Cf. Antonio Candido, Navio Negreiro. In: _________. Recortes, São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 50-1.
126
377
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 245.
378
Cf. Wolfgang Goethe & Friedrich Schiller. Sobre Literatura Épica e Dramática (1797). In.: __________. Op. Cit.,
p. 204.
379
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 246.
127
Castro Alves como bom aprendiz da literatura social de Victor Hugo, não deixou de dar
sua impressão sobre a ação que se desenvolveu e que ainda viria a explorar muito mais. Victor
Hugo (1822) considerava que a atitude de um poeta era fazer da poesia uma profunda descrição
do eu. Vejamos o que discorre o mesmo sobre a ação do ser poético:
Constatamos que será em todo o poema que C. A., a exemplo do projeto esboçado por
Victor Hugo, incluirá a sua opinião acerca da escravidão, pois aquele a vê como um regime
sociopolítico-econômico desumano, injusto, que aniquila o maior de todos os direitos da vida
humana: a liberdade.
Será esse viés de aniquilamento reforçado e evidenciado a partir da quarta parte do poema
em que o narrador descreve com riqueza de detalhes os horrores da escravidão. A isotopia
cromática presente nas cores vermelha e negra fundem-se com a isotopia de sonoridade
proporcionada por termos como “tinir de ferros”, “estalar de açoite” e “dançar”. Ambas
compõem o quadro da cena que se apresenta como algo difícil de acreditar como real, pois ela é
vista como um sonho, porém, aludindo-se à Divina Comédia, de Dante; esse sonho é tido como
algo dantesco, tenebroso, que do alto tombadilho (lugar mais alto do navio) avistam-se legiões de
homens negros a banharem-se de sangue, por terem sido açoitados, e, com isso, são destacados
pelo efeito de luz no contraste da cor da sua pele escura como a noite e o vermelho de seu sangue
que escorre pelo corpo. Ainda nessa primeira estrofe, temos as ações proporcionadas pelos
movimentos dos negros, que dançam com o estalar do chicote, e o destaque da imensidão da
cena, por serem muitos escravos, já que o eu lírico, através da plasticidade da hipérbole, refere-se
a estes como legiões.
Na segunda estrofe, verificamos que o narrador apela à sensibilidade do leitor ao
descrever crianças que regam o sangue vertido das tetas de suas mães, moças nuas que são
380
Cf. Luiza Lobo, Teorias poéticas do romantismo, Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987, p. 130-1.
128
arrastadas em ânsias e mágoas vãs naquele turbilhão de fantasmas. Metáfora forte a que são
comparados os negros, como fantasmas, como se vida não mais tivessem e são
insignificantemente fantasmas, seres vãos. Nessa estrofe, o destaque no desespero, na fome, na
miséria, no caráter de aniquilamento da liberdade e, acima de tudo, no caráter zoomórfico a que
são comparados os negros, já que o narrador não se refere às mães das crianças com seios, mas
com tetas como os animais. O negro é visto como fantasma, ou seja, como um ser etéreo, sem
corpo, sem alma. Como o próprio narrador mencionara, é uma imagem por demais dantesca,
referindo-se ao inferno, onde as almas padecem sem salvação. Nessa estrofe, a ênfase no
desespero leva o leitor a indignar-se com o que vê, apelando para a sensibilidade humana. A cena
trágica que descrita foi reporta-se bem ao que um dos grandes teóricos do Romantismo Alemão
expusera acerca do teatro: “O teatro apresenta-nos uma variegada cena de sofrimentos humanos.
Leva-nos a aflições alheias e nos recompensa o sofrimento do movimento com voluptuosas
lágrimas e um maravilhoso acréscimo em coragem e experiência”.381
Na terceira estrofe, quanto maior for a expressão de sofrimento e de dor dos negros, mais
maus-tratos receberão. Constatamos que a orquestra a que se refere o eu lírico são
metaforicamente os gritos e lamentos dos negros diante da agressão proporcionada pelo chicote,
o qual também é metaforizado pela imagem da serpente que faz doudas espirais. Fica claro nas
ações desempenhadas, nessa estrofe, que a crueldade é algo que proporciona um grande prazer ao
agressor por seu sadismo incomensurável, se um velho negro vier a resvalar no chão, será bem
mais chicoteado para que seus gritos não deixem de compor a sonoridade da orquestra e a
unidade de ação essencial no fazer dramático não seja interrompida. Observemos: “Se o velho
arqueja... se no chão resvala,”, “Ouvem-se gritos... o chicote estala.”, “E voam mais e
mais...”.382 Reparemos que quem “arqueja” ou o que é “arquejado” é que está “fora do ritmo”
nesta “orquestra”. O voar do chicote determina o ritmo da orquestra, visto que “voar” significa
deslocar algo em uma determinada velocidade pelo ar. Assim, o som da orquestra se dá não
apenas pelos gritos do escravo, mas, também, pelo deslocamento do chicote. A violência da cena
é assaz repugnante e indigna, porém ao mesmo tempo é necessário enfatizar a angústia e a agonia
para que o leitor sensibilize-se diante do absurdo do regime escravocrata que se iniciava com o
mortal translado marítimo. O poema data de abril de 1868, e nessa época já se havia passado
381
Cf. Friedrich Schiller, O Teatro considerado com instituição moral (1784). In: ___________. Op. Cit., p. 41.
382
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 247.
129
dezoito anos da lei Eusébio de Queirós, a qual proibia o tráfico de escravos da África para o
Brasil. Contudo, clandestinamente, a prática permanecia, tornando a travessia ainda mais
dramática para o escravo, como uma “carga”, e os traficantes não hesitavam em desfazerem-se
dos infelizes jogando-os ao mar.
A ênfase na isotopia sonora da quarta estrofe através de ações como chorar, gemer, cantar
e rir reforça o caráter de tragicidade já destacado e ainda, nessa estrofe, constata-se também que
os maus-tratos físicos e emocionais levavam os escravos a um estágio de resistência física
praticamente impossível de suportar: “A multidão faminta cambaleia,”, “E chora e dança ali!”,
“Um de raiva delira, outro enlouquece...”, “Outro, que de martírios embrutece,”, “Cantando,
geme e ri!”.383 As debilidades físicas e mentais do escravo instigam ainda mais o sadismo do
perverso capitão que grita: “Vibrai rijo o chicote, marinheiros!”, “Fazei-os mais dançar!...”.384
Diante disso, o eu poético encerra a quarta parte do poema ressaltando o terror dantesco para um
ouvinte ausente, fechando a dramaticidade da cena. Ainda, referindo-se a essa parte do texto, é
relevante enfatizar as possíveis interdiscursividades presentes nesse poema. Para Alberto da
Costa e Silva,
essa passagem tem sido considerada como um débito de Castro Alves para com vários
poemas, como “Les négres et les marionnettes”, de Pierre-Jean de Beránger, “The slave
ship”, de John Greenleaf Whittier, e, com mais insistência, “Das Sklavenschiff”, de
Heinrich Heine.385
Agora, Costa e Silva ressalta que “é possível que o trabalho do alemão tenha sido a fonte
do brasileiro. Mas foi só isso”,386 uma vez que “ao escrever seu poema, Castro Alves talvez se
tenha lembrado daquele de Heine, mas criou a sua cena, a sua própria cena dolorosa e dramática,
de escravos a dançar no tombadilho, a poder do chicote”.387 Heloisa Toller Gomes, inclusive
sobre este poema, afirmou que:
O tema do poema é mais do que a cena dantesca a bordo, abarcando a escravidão no seu
todo, a degradação à pessoa humana e o ultraje à própria natureza. Também a pátria se
mostra degradada pela escravidão. Na última sessão do poema, a denúncia deixa de ser
generalizada (“ó rudes marinheiros,/ Tostados pelo sol dos quatro mundos!”) e dirige-se
contra o país explicitamente. A vergonha não é privilégio de grupos escravistas, mas
383
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 247.
384
Idem, ibidem.
385
Cf. Alberto da Costa e Silva, Op. Cit., p. 104.
386
Idem, p. 104.
387
Idem, p. 104-5.
130
atinge a pátria no seu todo, representada pela bandeira prostituída. O poema é mais
ousado do que a poesia abolicionista de outras literaturas. Em seu estudo “Castro Alves
and the New England abolitionist poets”, de Thomas Braga afirma que nem Henry W.
Longfellow nem John Greenleaf Whittier, poetas abolicionistas norte-americanos,
“nacionalizaram” o navio negreiro que descrevem. 388
A análise de Heloisa Toller Gomes vem a confirmar o caráter de originalidade com que C.
A. abordava a temática da escravidão em relação aos poetas de língua inglesa, mesmo que ele
tenha abeberado de outras fontes abolicionistas, a sua produção se mostra mais marcante por
reportar-se a uma realidade brasileira. Orientando-se por esse mesmo viés, Jorge Amado endossa
o valor poético e ideológico de o Navio Negreiro:
Nesse poema, negra, que vai da mais doce emoção ao falar do mar e dos marinheiros
aos mais terríveis gritos de dor ao contar do sinistro bailado dos escravos, que vai do
mais puro lirismo ao dizer da virgem negra na cabana à mais terrível apóstrofe ao pedir
a Colombo e ao Andrada que apaguem a sua obra manchada pelos escravocratas, nesse
poema ele sobrepujou a si mesmo. É quase inconcebível o reunir de tanta beleza e tanta
emoção. A língua portuguesa se enriquece com ele e a humanidade também. É um
canto de dor e de revolta como poucos se hão escrito. Igual a ele na sua obra só mesmo
aquele painel gigantesco que são As vozes d’África.389
388
Cf. Heloisa Toller Gomes, Op. Cit., p. 69-70.
389
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 134-5.
390
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 248.
391
Idem, ibidem.
131
as tendas d’amplidão...”.392 Entretanto, o leitor logo em seguida se depara com antíteses deveras
impactantes. Antonio Candido elenca precisamente esse universo antitético através dos seguintes
confrontos:
Podemos verificar que o crítico contextualiza bem esse universo estilístico que encadeia
acoplamentos com equivalentes semânticos em oposição. Todas essas antíteses reforçam bem
mais o desenrolar do conflito entre a liberdade e a escravidão. Salientamos ainda que essa
dualidade é muito bem sugerida pela plasticidade das imagens, dos movimentos e dos sons dados
à cena pelo poeta, levando o leitor a um processo crítico formulado pela reflexão sobre os
eventos. Esse acentuado destaque por esse jogo de oposições exemplifica o conflito definido por
Hegel (1980) como condição basilar da ação dramática:
392
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 249.
393
Cf. Antonio Candido, Navio Negreiro. In: __________. Op. Cit., p. 52-3.
394
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 291.
132
A acção dramática não se limita, porém, à calma e simples progressão para um fim
determinado; pelo contrário, decorre essencialmente num meio repleto de conflitos e de
oposições, porque está sujeita às circunstâncias, paixões e caracteres que se lhe opõem.
Por sua vez, estes conflitos e oposições dão origem a acções e reacções que, num
determinado momento, produzem o necessário apaziguamento.400
Diante do exposto por Hegel, chegamos à conclusão que esse apaziguamento conduzido
pela ação trágica, no poema Navio Negreiro, é, sem dúvida, o fim do regime escravocrata, com a
liberdade pretendida e idealizada pelo poeta. Com isso, afirmaríamos que os três números de atos
mais conformes à estrutura do drama chegariam à sua concretização. Foi Hegel quem definiu em
três o número de atos: “o primeiro expõe o nascimento do conflito; o segundo o choque, a luta de
interesses e todas as complicações que daí resultam; o terceiro mostra que levada essa luta ao
paroxismo, termina pelo desfecho natural”.401
No poema Navio negreiro, o nascimento do conflito surge com as consequências da
escravidão, o segundo elemento seria o escandalizar-se com os horrores promovidos pelo regime
escravocrata e daí o despontar da oposição liberdade x escravidão. Daí, chegaríamos ao desfecho
natural da idealizada abolição da escravatura, que é o propósito de Castro Alves em defesa da
identidade de um sujeito: o negro brasileiro.
Com toda essa abordagem, chegaríamos à pretendida unidade dramática, apontada
predominantemente por Hegel, ao afirmar que a necessidade de se fazer uma poesia dramática de
cunho trágico, para o Romantismo Brasileiro, em especial para C. A., é para erguer uma luta
pelas causas sociais, a luta pela liberdade, como foi tão bem trabalhada pelo mesmo no poema, de
vertente social e dramática, Navio Negreiro.
Vemos que esse apelo pela liberdade continuou soando num vazio por muito tempo, pois
de 1868 até a abolição da escravatura em 1888, passaram-se vinte anos ainda de subjugação do
escravo ao jugo do escravocrata, mesmo assim C. A. continuou a endossar sua voz abolicionista,
e em 1870 o poeta escreve o último de seus poemas abolicionistas: A Cachoeira de Paulo Afonso.
Após a sua chegada de São Paulo, C. A. concluiu o livro de A Cachoeira de Paulo Afonso
(1876), sua visão sobre as questões nacionais, sobre toda a abolição da escravatura, em julho de
1870, no sertão baiano, na fazenda Santa Isabel do Paraguaçu. O livro consta de trinta e três
poemas, os quais estão interligados uns aos outros por apresentarem-se como uma narrativa
lírico-dramática, dando assim uma sequência ao enredo, os poemas foram analisados em
400
Cf. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Op. Cit., p. 279.
401
Idem, p. 292.
134
conjunto, mas em alguns detivemos mais observações, como A tarde, Maria, O baile na flor, A
queimada, Lucas, A senzala, Diálogo dos ecos, No barco, Mudo e quedo, Nos campos, No monte,
Sangue de africano, Amante, Desespero, Mãe penitente, Crepúsculo sertanejo, A cachoeira. O
ambiente aprazível da natureza servirá de cenário onipresente, vivo e envolvente no enredo de
uma narrativa lírica que se inicia como livro, terminando como um canto de denúncia e ao
mesmo tempo como uma ode à liberdade e à dignidade humana do ser escravo. Nos poemas
mencionados, características simbólicas de uma identidade individual e coletiva serão tecidas e
expostas em discussão e partindo das quais o eu poético emprestará a voz poética à reflexiva
consciência do negro escravizado. Diferente da efervescência de São Paulo que, na época, se
destacava com um dos pólos mais escravagistas do país por sua produção cafeeira, a fazenda, o
campo mantêm-se como uma atmosfera propicia à reflexão. C. A. inicia-o por uma expressiva
epígrafe de Henri Heine a qual simboliza fortemente a mensagem como um todo do poema:
Je ne sais vraiment si j’aurai mérité qu’on dépose un jour un laurier sur mon cercueil.
La poésie, quelque soit mon amour pour elle, n’a toujours été pour moi qu’un moyen
consacré pour un but saint.
Je n’ai jamais attaché un trop grand prix à la gloire de mes poèmes, et peu m’importe
qu’on les loue, ou qu’on les blâme. Mais ce sera un glaive, que vous devez placer sur
ma tombe, car j’ai été un brave soldat dans la guerre de dèlivrance de l’humanité. Henri
Heine (Reisebilder)402
402
Tradução de Lilia Silvestre Chaves: “Não sei realmente se terei merecido que um dia depositem um louro sobre
meu ataúde. A poesia, qualquer que seja meu amor por ela, nunca foi para mim senão um meio consagrado para um
fim santo. Nunca dei grande valor à glória de meus poemas e pouco me importa que sejam exaltados ou execrados.
Mas será um gládio, que deveis pôr sobre minha tumba, pois fui um soldado na guerra de libertação da humanidade.”
Cf. Castro Alves, Espumas Flutuantes e outros poemas, 3. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 241.
403
Cf. Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, 11. ed., Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2007, p. 595.
135
404
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 273.
405
Idem, ibidem.
406
Idem, ibidem.
407
Cf. Heloisa Toller Gomes, O negro e Romantismo Brasileiro, São Paulo: Atual, 1988, p. 67-8.
408
Cf. Affonso Romano de Sant’Anna, Canibalismo erótico na sociedade, apud Heloisa Toller Gomes, Op. Cit., p.
68.
136
extingue apenas pelo fato de a natureza ser mencionada como uma possível protagonista de uma
história.
A mesma não deixa de exercer papel de destaque na produção castroalvina, ou
poderíamos dizer até nas produções românticas brasileiras. Fausto Cunha inclusive viu no poema
em análise um “desdobramento plástico de uma idéia vagamente abolicionista [...] onde a
natureza é a personagem central e triunfante”.409 Realmente, como já pontuado, não se retira dela
a importância de sua presença na construção da história, contudo, não se pode atribuir-lhe, como
Fausto Cunha, a essencialidade da discussão, pois a mensagem antiescravagista não desaparece
do texto pela singular onipresença da natureza, pelo contrário, acredita-se que a mesma reforça a
dramaticidade das cenas, servindo também como crítica pela sua omissão diante dos horrores
praticados pelos escravocratas.
Entretanto, C. A. construiu, além das abjetas imagens proporcionadas pela escravidão,
uma comunhão entre o sentimentalismo do escravo e a natureza. Tal liame não serviria para que o
negro não fosse visto como escravo, mas principalmente como ser humano. Por isso, a descrição
dos espaços, da flora e da fauna brasileiras, reporta-se à construção de um quadro, no qual se
delineiam cores, movimentos, formas e corpo de uma história. O eu poético ilustra as passagens e
os ambientes associando-os à sua memória seletiva, referindo-se a um passado significativo e
marcante, repleto de lembranças que retratam a inocência de um tempo que foi apresentado como
casto e belo. Além disso, o poeta contribui também para erigir os ricos traços da nação brasileira,
através do subjetivismo atribuido à natureza, tal proposta se exatifica nos versos que seguem:
[...]
Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...
409
Cf. Fausto Cunha, apud Heloísa Toller Gomes. Op. Cit., p. 68.
137
A natureza de outrora resgata através da memória do eu poético não apenas uma beleza
que se apresentava como encantadora e saborosa, que é também sugerida pela ênfase nas
exclamações e nas reticências, como se observa nos versos “E as tranças mulheris da
granadilha!...”, “E os abraços fogosos da baunilha!...”, no entanto, ela é vista como um cenário
ilustrativo de algo bom que não volta mais: “Tu me lembras o tempo em que era infante.” O
próprio poema esclarece que esse sentimento ficou apenas guardado nas memórias do passado, ao
se opor passado e presente, vemos que a natureza não comporta mais o sentimento de
acolhimento de antes: “É que agora os martírios foram tantos,”, “Que mesmo para o riso só tem
prantos!...”. Com essas imagens, o eu poético antecipa informações que em poemas posteriores
serão apresentadas vinculadas à natureza com abjeção e dor, será nesse momento que se adentrará
no contexto da escravidão e cuja presença será sentida pelo homem-escravo, de maneira
desumana e injusta.
A apresentação desse espaço mantendo essa sintonia de ações servirá justamente para
construir a questionadora antítese das próximas estrofes que recebem por título o nome de uma
das protagonistas da história Maria (Ver anexo 9). Dela torna-se importante mencionar que é
apresentada no poema como uma escrava morena e mucama, ou seja, características que põem
em questão a sua provável identidade mestiça, talvez mulata fato que não chega a alterar a sua
condição social de escrava. Entretanto, o fato mencionado sugere uma dura realidade da
complexa sociedade escravagista exposta por um adágio de Antonil que reflete os diferentes
graus de exploração da mulher negra: a mucama – escrava doméstica diferente da escrava negra
da senzala. Essa observação ganhará mais importância quando chegarmos à exposição e à
discussão do que com Maria ocorrera, tendo por testemunha a natureza.
Voltando ao espaço da natureza, observaremos que essa imagem de suposta “liberdade”
da escrava contrasta com o meio ambiente e a construção da mencionada oposição foi gerada pela
tranquilidade do ambiente da natureza, presente no primeiro poema, contra o comportamento
inquieto e assustado da escrava Maria, no poema em seguida e em cujos versos explora-se a
sutileza desse comportamento: “Mimosa flor das escravas!”, “O bando das rolas bravas,”, “Voou
410
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 274.
138
com medo de ti!...”, “Levas hoje algum segredo...”, “Pois te voltaste com medo”, “Ao grito do
bem-te-vi!”.411 Esses versos antecipam que algo negativo ocorrera com a escrava e o eu poético
tentando suavizar a informação, que ora se apresenta implícita, indaga-lhe se são amores que a
deixaram irrequieta: “Serão amores deveras?”, “Ah! Quem dessas primaveras”, “Pudesse a flor
apanhar!”, “E contigo, ao tom d’aragem,”, “Sonhar na rede selvagem...”, “À sombra do azul
palmar!”;412 e ainda na estrofe que se segue o eu poético sugere o sentimento de felicidade
proporcionado pelo convívio com os seres da natureza: “Bem feliz quem na viola”, “Te ouvisse a
moda espanhola”, “Da lua ao frouxo clarão...”, “Com a luz dos astros – por círios,”, “Por leito –
um leito de lírios...”, “E por tenda – a solidão!”413
Essa proposta de comunhão com a beleza e a tranquilidade da natureza perfaz-se no
poema que segue, intitulado O baile na flor (Ver anexo 10). Esse sugere a delicadeza do espaço
através do imaginário que é construído no texto com a finalidade de explorar as riquezas da
natureza com imagens de movimentos, cores, sons e tamanho. As palavras no poema estão
dispostas em formato de uma flor, de maneira que o conteúdo e a forma fundem-se para atingir a
intenção do texto, ou seja, apresentar a natureza como um espaço onde tudo e todos convivem em
“harmonia”. A plasticidade a qual C. A. utiliza para compor o cenário é assaz subjetiva; interage-
se a imensidão do rio com a delicadeza de bromélias, silfos e fadas – o grande harmoniza-se com
o pequeno sem distinção – cardumes de vaga-lumes enriquecem a presença de uma simples flor
quando eles ilustram-na com suas luzes ao dançarem ao seu redor, ao som da orquestra dos
grilos. O pequeno nesse ambiente torna-se imenso e significativo, gerando assim um ritmo de
movimentos e cores que vão pintando um quadro natural. A natureza em sua singeleza assume
um contexto que envolve e cativa o expectador, sendo também sublime no que ela representa
para a existência da vida.
Porém, essa mesma imagem de culto à vida não se repete no próximo poema chamado Na
margem (Ver anexo 11), uma vez que nele a escrava Maria inicia o processo de expressar sua
insatisfação com a vida pela consciência de sua situação. Ela entra numa canoa lembrando os
tempos de infância quando remava alegre pelo Rio São Francisco, o qual deságua na Cachoeira
de Paulo Afonso, mas hoje lhe pede que o mesmo lhe retire sua mocidade triste: “Tu, que outrora
levavas minha infância”, “– Pulando alegre no espumante dorso”, “Dos cães-marinhos a
411
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 274.
412
Idem, p. 275.
413
Idem, ibidem.
139
morder-te a proa, –”, “Leva-me agora a mocidade triste”, “Pelos ermos do rio ao longe... ao
longe...”,414 quando, diante desse fato, os passarinhos que chilravam próximo às flores do rio
indagam-lhe o motivo de ela chorar, aonde ela ia tão triste e se ela algum segredo tinha, se ela
algum amor não tinha, um amor a quem se prender e também se consolar.
Tais cenas prenunciam mais uma vez o que possivelmente ocorrera com a pobre escrava,
todavia ainda não é chegado o momento de revelá-lo. E o próximo poema cujo título é A
Queimada (Ver anexo 12) viria a sugerir uma possível resposta, pois nele se apresentam as cenas
de uma queimada nas matas; seria como se o eu poético sugerisse que o ocorrido com Maria
apresenta-se como uma desagradável ideia que assusta, a de violentada, pois a queimada
representa uma forte violência contra a natureza. O fragmento ilustra a agonia e o desespero da
natureza frente à queimada de suas matas como se travasse um pugilato entre ela e o incêndio,
principalmente pelo fato de este ser animalizado ao ser comparado a um leão ruivo
ensanguentado, nada ao ser redor é mais forte que ela: “e o cedro tomba...”, “Queimado...,
retorcendo na hecatomba”, “Os braços para Deus.” Diante dela, rivais unem-se: “A corça e o
tigre – náufragos do medo –”, “Vão trêmulos se unir!”:
Nesse contexto de intimidação diante de um ser que se apresenta superior e arrasador foi
que se construiu a história da frágil escrava Maria, a qual é induzida por sutis metáforas a um
414
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 276.
415
Idem, p. 277-8.
140
tempo, como pontuado no poema Maria, e ora por fortes sugestões de dor, como observado no
poema Na margem. Nesse ínterim, insere-se na narrativa a presença da personagem Lucas,
através do poema que leva seu nome (Ver anexo 13), sendo apresentado não como um simples
escravo, mas como um homem sertanejo, ou seja, sua identidade no texto não é de africano, mas
de brasileiro de viço e vitalidade que surge em meio ao incêndio cantando tiranas de amor à
Maria:
416
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 278-9.
141
teto de sapé doirado!”, “Que ar engraçado! que perfumes puros!”.417 Porém, a mencionada
beleza é abruptamente substituída pela inconveniente tristeza, logo no poema que segue chamado
Diálogo dos Ecos (Ver anexo 16) e as reticências e as exclamações presentes nesse texto sugerem
bem a angústia sentida por Lucas:
Após Lucas deduzir que algo negativo acometeu-se à Maria, a voz personificada do eco
responder-lhe-á que a escrava foi vítima de um braço robusto e feroz, ou seja, um eufemismo
usado na época para estupro, impelindo-a assim ao sofrimento. Ante isso, Lucas em um uníssono
brado ruge e proclama: “E rugiu: “Vingança! guerra!”, “Pela flor, que deixaste,”, [...] “Eu juro
guerra de morte”, “A quem feriu desta sorte”, “O anjo puro da terra...”419 Em virtude dessa fala,
Jorge Amado pronunciara que “Castro Alves amava, amiga, armar os negros para a vingança e a
revolta”.420 O crítico, na verdade, quer evidenciar que o papel do escravo nunca foi de inércia.
Ele então insiste pela presença de Maria, quando mais uma vez o eco sugere-lhe correr para então
alcançá-la no rio que se arrojavam as vagas, e essas curvam-se timidamente diante do intrépido
nadador que se lança nas águas para aproximar-se da canoa que conduzia Maria (Ver anexo 17),
com rosto pálido e esquálido. Já no barco (Ver anexo 18), dar-se-á todo o diálogo e desfecho da
narrativa, nele se perceberá o discurso dramático em proporcional ascensão, explorando assim
sentimentos de tristeza, raiva, angústia, desilusão e, sobretudo, ira. Jorge Amado pronunciando-se
417
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 280.
418
Idem, p. 281-2.
419
Idem, p. 282-3.
420
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 163.
142
mais uma vez acerca do poema em questão comentara que “é qualquer coisa de terrivelmente
triste o diálogo dos dois escravos”,421 e realmente o é, pois no primeiro momento do encontro ela
se abraça a Lucas em prantos caindo-lhe nos braços e exclama:
Percebemos pelo contexto que a angústia de Maria é oriunda de valor moral, ela se
considera metaforicamente “flor manchada por cruel serpente...” e só a enchente pode lavar suas
nódoas e esse será o motivo que desencadeará a trama: a perda da moral. Que perda maior
poderia destruir uma mulher no século XIX? A perda da virgindade, com certeza, foi a maior.
Schiller, em seu ensaio Acerca da Arte Trágica (1792), expôs que a relação com a moral pode ser
tão receptiva pelo lado do prazer como também pode misturar-se “aos mais torturantes
sofrimentos da sensibilidade”.423 Essa imagem servirá para provocar no interlocutor, e no próprio
leitor, compaixão, a qual do ponto de vista realista já constitui um impacto social motivado por
condição de universalidade que liga a escrava à condição de mulher violada duplamente como
uma mulher e uma escrava, respectivamente. Schiller ante isso, mais uma vez, esclarece que “a
compaixão ascende a um grau bem mais elevado quando tanto quem sofre como quem causa
sofrimento dela se tornam objetos”.424 Junto à compaixão suscitada pela fala de Maria, surge a
inquietação de Lucas que recusa as despedidas de Maria quando esta o diz “Adeus” (Ver anexo
421
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 162.
422
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 285-6.
423
Friedrich Schiller, Acerca da Arte Trágica (1792), In: ____________. Op. Cit., p. 87.
424
Idem, p. 93.
143
19) e exige que lhe detalhe a história, porém ela se exime disso, então ele a ameaça em se matar,
jogando-se no rio, caso a história não lhe seja revelada (Ver anexo 20):
Maria, então, narra-lhe, com extremo pesar, sua história, informando-lhe que se banhava
nua na fonte (Ver anexo 21), quando de repente salta-lhe um homem branco, levando-a a correr
exaustivamente pelos campos da floresta e essa, infelizmente, não se apresenta favorável ao seu
desespero (Ver anexo 22): “Saltei as torrentes”, “Trepei dos rochedos”, “Aos cimos ardentes,”,
“Nos ínvios caminhos,”, “Cobertos de espinhos,”, “Meus passos mesquinhos”, “Com sangue
marquei!”, [...], “Debalde! A floresta”, “– Madrasta impiedosa –”, “A pobre chorosa”, “Não quis
abrigar!”426 Então, já nos montes da floresta, no poema cujo título é No monte (Ver anexo 23),
ela é vencida pelo cansaço, pela resistência, pela luta contra o seu próprio dono e finalmente
expira de tortura, nesse momento, ela cobre sua face para concluir sua narrativa:
425
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 288.
426
Idem, p. 291.
144
O drama só seria um drama para os brancos, e assim mesmo para os brancos da cidade,
já orientados por um sentimento mais humano nas relações com os seus semelhantes. O
defloramento de escravas pelo senhor, ou pelo sinhô-moço, era mais do que comum.
Era difícil que as negras bonitinhas chegassem à puberdade, sequer ainda virgens. Por
outro lado, os negros em geral não tinham o preconceito do hímen – produto da
submissão da sociedade à Igreja Católica – e é improvável que dois namorados negros,
que se amassem como Castro Alves pretendia nos fazer acreditar, ainda estivessem
esperando alguma coisa de sobrenatural para fazer o amor como a natureza manda. O
tema era falso, mas ainda mais falsa era a maneira de explorá-lo.428
Embora o desfloramento da mulher negra fosse comum, ele não passava de uma violência
moral e física, especialmente, por não ser levado em consideração o sentido de consentimento já
que a escrava era vista como coisa. A leitura de Édison Carneiro configura-se como uma leitura
da perspectiva do patriarcalismo onde a sexualização da mulher, especialmente, da mulher de cor,
tornou-se “naturalizada” pelo hábito da violência e autoritarismo por parte do senhor-de-engenho.
A ênfase que C. A., ao contrário, destaca sobre o corpo violado da mulher negra reitera o sentido
de identidade daquela que situa como o ser ainda mais explorado da hierarquia social: uma
mulher negra.
As observações de Édison Carneiro realmente não se destinam a enxergar o negro com os
olhos de C. A., primeiro porque o poeta humanizou um ser que a sociedade coisificou, mesmo
que não houvesse no convívio entre os negros a preocupação ou mesmo o preconceito para com a
427
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p.292.
428
Cf. Édison Carneiro, Trajetória de Castro Alves, Rio de Janeiro: Editoria Vitória, 1947, p. 90.
145
imagem do hímen associada à honra, não significa dizer que o escravo não conservasse esses
costumes consigo. Em segundo plano, verificamos a intenção do poeta em denunciar as injustiças
do sistema escravagista e as relações sociais oriundas dele.
No que se refere ao poema de A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), a apresentação do
estupro seguido de desvirginamento forçado de Maria, pelo filho do senhor-de-engenho
provocaria em Lucas um sentimento de revolta ante o anúncio exterior que lhe causara torpor e
ódio; logo o escravo vem a bradar em uníssonas palavras pela vingança, através do poema
Sangue de africano, cujo título distingue claramente o “eu” do “outro” (Ver anexo 24):
Observamos pelas quadras acima que o eu poético atribui o sentimento de vingança como
único sentimento possível diante de tanto ultraje, aliás, texto e realidade encontram-se quando
confrontamos a pretendida vingança de Lucas frente às inúmeras violências perpetradas pelos
escravos. Tais argumentos sobre a violência serviria ainda mais para que a sociedade avaliasse o
mal social sobre a escravidão.
Como orientação para explicar o comportamento de Lucas que desconstrói a imagem de
escravo, buscando nas origens de sua linhagem, no caso dele a Líbia, a força que redefiniria sua
identidade, que agora se apresentava metaforicamente como de um negro guerreiro e destemido:
“Era um bronze de Aquiles furioso”, “Concentrando no punho a tempestade!”. Tudo isso seria
429
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 293.
146
típico, como ilustra o poema, do sangue de sua raça, ou seja, “Sangue queimado pelo sol da
Líbia,”, “Que ora referve no Equador ardente.” E diante do que ouve, ele pede a sua amada que
cesse a história e denuncie-lhe o nome do criminoso (Ver anexo 25), porque “Se a justiça da
terra te abandona,”, “Se a justiça do céu de ti se esquece,”, “A justiça do escravo está na
força...”, “E quem tem um punhal nada carece!...”.430 A vingança, que para ele seria o mais nobre
dos presentes à amada, deixa-o sedento, ansioso pelo amanhã, a fim de que ele possa alterar o fim
do mencionado desfecho, mas Maria, na condição agora de conselheira, pois ela o lembra da
condição social de ambos, suplica, através do poema Anjo (Ver anexo 26), que ele não manche
suas mãos num crime; diante disso, em tom de revolta ele se desespera.
Todo o instante o ritmo do poema é alternado pela fala mansa dela e a fala vingadora,
audaz, instantânea da dele. Após ouvi-la, ele lhe questiona exclamativamente quem lhe falou em
crime e replica-lhe dizendo que ela não sabe o que é crime, através do poema Desespero (Ver
anexo 27): “Crime! Pois será crime se a jibóia”, “Morde silvando a planta, que a esmagara?”,
“Pois será crime se o jaguar nos dentes”, “Quebra do índio a pérfida taquara?” 431 E após esses
questionamentos, ele exclama-lhe que ela para falar em crime ao cativo é porque nada sabe sobre
o que é ser escravo. Então, ele encadeia diversas definições conceituando o ser escravo de forma
arrebatadora, chocante, abjeta e principalmente em caráter de revolta; então, ele a questiona quem
lhe falara de crime, se foram os próprios criminosos, é porque eles zombam da sorte de sua
amada, então ele a questiona se vale a pena morrer todos os dias debaixo do chicote, enquanto a
fronte do assassino não vem a revelar-lhe um só remorso.
Jorge Amado, mais uma vez, ao analisar o poema, em estudo, contribui criteriosamente ao
afirmar que “esse diálogo entre os dois, ela tentando fazer com que ele desista da vingança, ele a
lhe perguntar se foram os senhores que lhe ensinaram tantas idéias falsas, vale tanto pela beleza
dos versos como pela consciência que o poeta empresta ao escravo”.432 Nesse trecho, reitera-se o
sentido de identidade que antecede a experiência de Lucas antes do violento translado como
escravo. No caso de Maria, a indefinição racial é mais aceita do lado escravo do que do branco.
Enquanto para o homem branco, ela foi considerada objeto da volúpia masculina, para Lucas,
viria a se tornar esposa, compartilhando assim da herança racial violada que representava Maria,
a que é chamada de irmã, mãe e amante. A força que emanam das palavras de Lucas que visam a
430
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 293.
431
Idem, p. 294.
432
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 163.
147
conscientizar e principalmente gerar a compaixão no ouvinte não apenas são valiosas, como se
faz necessário asseverarmos que a fala do escravo é um documento em favor dos direitos
humanos:
433
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 295-6.
148
Todo o drama de sedução – e a promessa feita por Lucas à mãe agonizante – está
contido na longa e improvável reposta de Maria, quando o namorado, compreendendo
afinal a situação, lhe pergunta quem fora o autor da sua densonra. A resposta de Maria
– uma resposta cheia de evasivas para prolongar o poema – não poderia, logicamente,
resultar no desespero de Lucas, nem esse desespero poderia se resolver no simples
desejo de morrer junto com a amada, a não ser num poema escrito por nada, sem o
impulso imperioso da inspiração, - um poema que parece impossível em Castro
Alves.435
Discordando do exposto por Édison Carneiro, a resposta da negra poderia, sem restrições,
gerar o desespero de Lucas. Ambos são vítimas da escravidão e por isso não se enxergava outra
434
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 299.
435
Cf. Édison Carneiro, Op. Cit., p. 90.
149
possibilidade de fuga do sentimento de dor senão a morte. Continuarem vivos seria motivos
suficientes para que a negra fosse sucessivamente violentada pelo seu dono, e consequentemente
gerar-se-iam mais raiva, ódio e desengano com a própria vida, na relação entre os dois. A
racionalização da opinião de Édison Carneiro distancia-se da reflexiva carga sentimental e
subjetiva que C. A., e até mesmo a própria corrente romântica em si intencionaram atribuir às
personagens por meio de seus sofrimentos.
O ritmo dramático do poema é alterado novamente, quando o eu poético refere-se ao
entardecer (Ver anexo 32), sem deixar de associá-lo à tristeza do momento que se vivenciou,
quando o eu poético transfere para o canto dos pássaros o mesmo lamento: “A tarde morria! Nas
águas barrentas”, “As sombras das margens deitavam-se longas;”, “Na esguia atalaia das
árvores secas”, “Ouvia-se um triste chorar de arapongas”.436 Toda a natureza começa a interagir
com o momento dos dois escravos: “E o tímido bando pedindo outras praias”, “Passava gritando
por sobre a canoa!...”.437 A tristeza paira novamente sobre eles, a canoa (Ver anexo 34) que os
leva vai descendo o caudaloso rio São Francisco (Ver anexo 35), expandindo cada vez mais o
suspense que se sucede, gera-se assim uma forte antítese entre a onipotência vibrante do rio que
estava levando os amantes ao precipício da Cachoeira de Paulo Afonso (Ver anexo 36) e o
sentimento de medo e assombro observado nos pequenos detalhes dos seres que compõem a
imensidão do cenário da natureza. Impossibilitados de obterem justiça real ou moral para os
violentos eventos desencadeados sobre a mãe e a amada respectivamente Lucas dirige-se para o
conforto da morte, último alento possível de filhos bastardos e, como suas mães, escravizados e
violentados fisicamente, psicologicamente e moralmente:
436
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 302.
437
Idem, p. 303.
150
Castro Alves, abolicionista desde 1865, agiu a princípio contra o seu meio,
antecipando-se de quase três lustros à organização da propaganda libertadora, criando
um espírito público e um sentimento antiescravista, formando uma consciência nacional
acessível à injustiça da escravidão, ou, pelo menos, deslocando da periferia para o
centro da nossa consciência a monstruosa iniqüidade do fato. Esta não é a única, mas é
uma das suas glórias mais legítimas e imperecíveis. 441
438
Cf. Castro Alves, Op. Cit., p. 306-8.
439
Cf. Jorge Amado, Op. Cit., p. 164.
440
Cf. Xavier Marques, Vida de Castro Alves, 3. ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 30.
441
Idem, p. 135.
151
5 CONCLUSÃO
Dos recursos imagísticos utilizados pelo poeta, a natureza é a mais destacada. Os poemas
dos livros A Cachoeira de Paulo Afonso (1876) e Os escravos (1883) posicionam não apenas
como produções estéticas, mas como estudos simbólicos sobre vertentes sociopolíticas e
ideológicas de uma época. Os respectivos livros abrem, portanto, espaço à discussão da
problemática pretendida no plano estético dos poemas. Alguns estudos críticos, evidenciados no
primeiro capítulo, referenciam a importância da poesia abolicionista pelo seu teor crítico frente
aos abusos da mencionada instituição social, além de resgatar a identidade do negro como ser
humano.
Podemos constatar ainda que a crítica acerca de sua produção poética tem se permanecido
unânime ao atribuir-lhe originalidade e perspicácia na discussão da abolição da escravidão, no
debate da contribuição das obras do poeta para o fortalecimento do nacionalismo brasileiro e na
argumentação acerca da liberdade humana. Seu estro, mesmo recebendo uma amálgama de
influências de autores europeus, sobretudo de Victor Hugo, acrescenta traços específicos de
originalidade. Sua produção literária funde-se então entre os gêneros e as ideias libertárias.
Os poemas lírico-amorosos, os poemas de exaltação à natureza, as peças dramáticas, sua
poesia social em si, abordam a temática da liberdade como intrínseca à necessidade humana e aos
direitos do homem na sociedade e, principalmente, servem para estruturar o nacionalismo,
fortificando assim o patriotismo. Em síntese, reconhecemos o quão comprometido foi Castro
Alves com a causa abolicionista, como debate essencial sobre a identidade nacional em sua
época. Daí a escritura de A Cachoeira de Paulo Afonso (1876) e Os escravos (1883) ainda servir
a um debate sobre a humanização do negro-escravo, não deixando de ser evidenciada também
pelo sentimentalismo, pelo lirismo e pela dramaticidade das cenas de sofrimento.
Indubitavelmente, os poemas se contrapõem ao atraso moral e social da época. A
reivindicação pela evolução e renovação do pensamento humano atinge não apenas uma
pluralidade de sujeitos brasileiros, mas o sistema sociopolítico e econômico vigente no século
XIX, com a finalidade de impor uma imagem positiva ao futuro da nação.
Com essa visão crítica, defendemos a presente proposta em nosso trabalho e almejamos,
com ela, termos contribuído para os futuros estudos sobre o Romantismo, na Literatura
Brasileira, e principalmente para o avanço na discussão sobre identidade nacional vinculada à
poética de Castro Alves e veiculada pela mesma como um debate sempre em aberto.
154
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Elizabeth R. (Org.). Castro Alves: Teatro Completo. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
_______________. Castro Alves: Obra Completa (1960). Organização, Estudo Crítico e Notas de
Eugênio Gomes. 2. ed., Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1966.
AMADO, Jorge. ABC de Castro Alves. São Paulo: Editora Martins, 1941.
AMORA, Antônio Soares, O Romantismo: (1833-1838/ 1878-1881), São Paulo: Cultrix, 1967, v.
II.
ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. São
Paulo: Ática, 1989.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira (1937). 4. ed., São Paulo: Livraria
Martins – MEC, 1972.
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas (1711),
Salvador: Progresso, 1955.
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. 16. ed., Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de
Janeiro: Ediouro, 1995.
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4. ed.,
Brasília: UnB, 1963.
_____________ . A poesia social no Brasil. In: _____________. Ensaios. São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 1929.
155
AZEVEDO, Vicente de. O poeta da liberdade. São Paulo: Clube do Livro, 1971.
BANDEIRA, Manuel. Castro Alves. Disponível em: <http://www. culturabrasil. pro. br/
castroalves.htm> Acesso: 29/12/09.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad. Carlos Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 40. ed., São Paulo: Cultrix, 2004.
___________. Dialética da colonização. 3. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
___________. O Ser e o Tempo na Poesia. 7. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
BUENO, Eva Paulino. O padre Antônio Vieira e a escravidão negra no Brasil. In: Revista
Espaço Acadêmico, ano III, maio/2004. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/
036/36ebueno.htm> Acesso em: 20/01/10.
CALMON, Pedro. Castro Alves: o homem e a obra, Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.
______________. Para Conhecer Melhor Castro Alves. Rio de Janeiro: Editores Bloch, 1974.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. 11. ed., Rio de
Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007.
_____________. O estudo analítico do poema. 5. ed., São Paulo: Humanitas Publicações, 1999.
_____________. Navio Negreiro. In: _____________. Recortes. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
CARVALHO, José Murilo, A construção da ordem & Teatro das sombras, 2. ed., Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
CASTELO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade (1500-1600), São Paulo:
EDUSP, 1999, v. I.
CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionários de símbolos. Trad. Vera da Costa e
Silva et al. 22. ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
CORREIA, Jonas. Sentido Heróico da Poesia de Castro Alves. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1971.
COSTA, Cléria Botelho da. Justiça e abolicionismo na poesia de Castro Alves. In: Projeto
Histórico, São Paulo, n. 33, dez./2006, p. 179-94.
COSTA, Robson Pedrosa. As ordens religiosas e a Escravidão Negra no Brasil. In: Revista de
Humanidades, Caicó: UFRN, v. 9, n. 24, set/out, 2008. Disponível em: < http://www.cerescaico.
ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_15/robson_st15.pdf> Acesso em: 15/01/2010.
COUTINHO, Afrânio. Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: MEC/Casa de Rui
Barbosa, 1958.
CUNHA, Euclides da. Castro Alves e seu tempo (1907) (Discurso proferido no Centro
Acadêmico Onze de Agosto de São Paulo). Rio de Janeiro: Grêmio Euclydes da Cunha, 1919.
CUNHA, Fausto. O Romantismo no Brasil: de Castro Alves a Sousândrade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, v. 17, 1971.
DIAS, Antônio Gonçalves. Poesia e prosa completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
DIDEROT, Denis. Discurso sobre a poesia dramática. Trad. Franklin de Matos. São Paulo:
Cosac & Naify, 2005.
DUBOIS, Jacques et alli. Retórica da Poesia. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Cultrix,
1980.
ELIOT, T. S. De poesias e poetas. Trad. Ivan Junqueira. São Paulo: Brasiliense, 1991.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala (1933). 49. ed., São Paulo: Global, 2004.
GENNARI, Emilio. Em busca da Liberdade: traços das lutas escravas no Brasil. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
GOETHE, Johann Wolfgang & SCHILLER, Friedrich. Sobre Literatura Épica e Dramática
(1797). In: ______________ . Goethe e Schiller: Companheiros de Viagem. Tradução e Seleção
de Claudia Cavalcanti. São Paulo: Nova Alexandria, 1993.
GOMES, Eugênio (Org.). Castro Alves: antologia poética. Rio de Janeiro: Biblioteca Manancial,
1971.
GOMES, Heloisa Toller. O negro e o romantismo brasileiro. São Paulo: Atual, 1988.
GRAÇA, Antônio Paulo. Uma poética do Genocídio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
GREGÓRIO XVI e PIO IX. Documentos da Igreja. Trad. Darci L. Marin. São Paulo: Paulus,
1999.
GRIECO, Agripino. Evolução da Poesia Brasileira (1932). Rio de Janeiro: Ariel Editora, 1932.
HADDAD, Jamil Almansur. Revisão de Castro Alves. São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, 2, 3.
(Coleção Cruzeiro do Sul)
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética: Poesia. Trad. Álvaro Ribeiro. Lisboa: Guimarães
Editores, 1980, v. VII.
HOBSBAWN, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Trad.
Maria Celia Paoli et Anna Maria Aquino. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
LEÃO XIII. Documentos da Igreja. Trad. Honório Dalbosco e Lourenço Costa. São Paulo:
Paulus, 2005.
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro (1954). 7. ed., São Paulo: UNESP, 2007.
LEVIN, R. S. Estruturas Lingüísticas em Poesia. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix,
1975.
158
LOBO, Luiza. Teorias poéticas do romantismo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.
LOVEJOY, Arthur O. “On the Discrimination of Romanticisms”. In: The Romantic Era.
Disponível em: <http://www.users.muohio.edu/mandellc/eng441/urllist.htm> Acesso em:
20/01/10.
MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Castro Alves (1868). In: ___________. Crítica &
Variedades, São Paulo: Globo, 1997, p. 117-25. (Obras Completas de Machado de Assis)
MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: Dif. Européia do Livro, s/d.
MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. Discurso sobre a história da literatura do Brasil.
In: ____________. Opúsculos Históricos e Literários, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1865.
MARQUES, Xavier. Vida de Castro Alves. 3. ed., Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
MENDES, Miriam Garcia. A personagem negra no Teatro Brasileiro. São Paulo: Ática, 1982.
MOREIRA, Maria Eunice. Nacionalismo Literário e Crítica Romântica. Porto Alegre: IEL, 1991
NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Documentos sobre a Escravidão no Brasil. 2 ed. São
Paulo: Contexto, 2001, vol. 6. (Coleção Textos e Documentos)
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.
159
OLIVEIRA, Andrey Pereira de. Victor Hugo e o Manifesto do Drama Romântico. In: Revista
Espaço Acadêmico, ano IV, n. 46, março/2005, Mensal, ISSN 1519.6186. Disponível em:
<http://www.espacoacademico.com.br/046/46coliveira.htm> Acesso em: 20/01/2010.
OLIVEIRA, Sílvio Roberto dos Santos. Luiz Gama: um poeta como um certo tipo de homem, p.
4. Disponível em: <www.salvadornegroamor.org.br/Recursos/1/14/20/21/luiz_gama_um_poeta
_como_umcerto_tipo_de_homem.pdf> Acesso em: 30/07/09.
PÁDUA, Antônio de. Aspectos Estilísticos da Poesia de Castro Alves. 7. ed. Rio de Janeiro:
Livraria São José, s/d.
PENA, Martins. Os dous ou o inglês maquinista (1842), ato único, cena I, p. 2-3, Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=21
64> Acesso em: 02/04/09.
PEIXOTO, Afrânio. Castro Alves: o poeta e o poema. 5 ed., São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1976.
PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética? São Paulo: Ateliê Editoria, 2004.
POUND, Ezra. ABC da Literatura. Trad. Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo:
Cultrix, 2006.
RABASSA, Gregory. O negro na ficção brasileira. Trad. Ana Maria Martins. Rio de Janeiro:
Edições Tempo Brasileiro, 1965.
SAYERS, R. S. O negro na Literatura Brasileira. Trad. Antônio Houaiss. São Paulo: Cruzeiro,
1956.
SCHILLER, Friedrich. Acerca da Arte Trágica (1792). In: ___________. Teoria da Tragédia.
Trad. Flavio Meurer. 2. ed., São Paulo: EPU, 2008.
SILVA, Alberto da Costa e. Castro Alves: perfis brasileiros. São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
VIEIRA, Pe. Antônio. Sermão XIV do Rosário (1633). Lisboa: Lello & Irmãos, 1951, v. XI.
161
ANEXOS
162
Anexo 1:
A canção do africano
Recife, 1863.
Anexo 2:
Mater Dolorosa
442
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _______. Castro Alves: Obra Completa. Organização e Estudo Crítico
de Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966, p. 201-2.
164
Anexo 3:
A cruz da estrada
443
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _______. Castro Alves: Obra Completa. Organização e Estudo Crítico
de Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966, p. 202-3.
165
Anexo 4:
A criança
444
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _______. Castro Alves: Obra Completa. Organização e Estudo Crítico
de Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966, p. 216-7.
445
Tradução de Lilia Silvestre Chaves: “Que queres, flor, belo fruto, ou o pássaro maravilhoso?/ Amigo, diz a
criança grega, diz a criança de olhos azuis,/ Eu quero pólvora e balas”. In: Castro Alves, Op. Cit., p. 204.
166
Anexo 5:
Bandido negro
446
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: _______. Op. Cit., p. 215-6.
167
Anexo 6:
Tragédia no lar
Anexo 7:
O Navio Negreiro
(Tragédia no Mar)
1.a
447
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: Castro Alves, Obra Completa, Rio de Janeiro: Aguilar, 1966, p. 207-
13.
175
2.a
3.a
4.a
5.a
6.a
448
Cf. Castro Alves, Os Escravos (1883), In: Castro Alves, Obra Completa, Rio de Janeiro: Aguilar, 1966, p. 244-
51.
181
Anexo 8
A TARDE
449
Cf. Castro Alves, A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), In: Castro Alves, Obra Completa, Rio de Janeiro:
Aguilar, 1966, p. 271-311.
182
Anexo 9
MARIA
......................................................................................................................
Anexo 10
O BAILE NA FLOR
Anexo 11
NA MARGEM
Anexo 12
A QUEIMADA
Anexo 13
LUCAS
Anexo 14
TIRANA
(4)“Trovadores da floresta!
Não digam a ninguém, não!...
Que Maria é a baunilha
Que me prende o coração.
Anexo 15
A SENZALA
Anexo 16
DIÁLOGO DOS ECOS
......................................................................................................................
191
Anexo 17
O NADADOR
Anexo 18
NO BARCO
Anexo 19
ADEUS
Anexo 20
MUDO E QUÊDO
Anexo 21
NA FONTE
I
“ERA HOJE ao meio-dia.
Nem uma brisa macia
Pela savana bravia
Arrufava os ervaçais...
Um sol de fogo abrasava;
Tudo a sombra procurava;
Só a cigarra cantava
No tronco dos coqueirais.
196
II
“Eu cobrir-me da mantilha,
Na cabeça pus a bilha,
Tomei do deserto a trilha,
Que lá na fonte vai dar.
Cansada cheguei na mata:
Ali, na sombra, a cascata
As alvas tranças desata
Como ua moça a brincar.
III
“Era tão densa a espessura!
Corria a brisa tão pura!
Reinava tanta frescura,
Que eu quis me banhar ali.
Olhei em roda... Era quêdo
O mato, o campo, o rochedo...
Só nas galhas do arvoredo
Saltava alegre o sagüi.
IV
“Junto às águas cristalinas
Despi-me louca, traquinas,
E as roupas alvas e finas
Atirei sobre os cipós.
Depois mirei-me inocente,
E ri vaidosa... e contente...
Mas voltei-me de repente...
Como que ouvira uma voz!
V
“Quem foi que passou ligeiro,
Mexendo ali no ingazeiro,
E se embrenhou no balceiro,
Rachando as folhas do chão?...
Quem foi?! Da mata sombria
Uma vermelha cutia
Saltou tímida e bravia,
Em procura do sertão.
197
VI
“Chamei-me então de criança;
A meu pés a onda mansa
Por entre os juncos s’entrança
Como uma cobra a fugir!
Mergulho o pé docemente;
Com o frio fujo à corrente...
De um salto após de repente
Fui dentro d’água cair.
VII
“Quando o sol queima as estradas,
E nas várzeas abrasadas
Do vento as quentes lufadas
Erguem novelos de pó,
Como é doce em meio às canas,
Sob um teto de lianas;
Das ondas nas espadanas
Banhar-se despida e só!
VIII
“Rugitavam os palmares...
Em torno dos nenufares
Zumbiam pejando os ares
Mil insetos de rubim...
Eu naquele leito brando
Rolava alegre cantando...
Súbito... um ramo estalando
Salta um homem junto a mim!”
Anexo 22
NOS CAMPOS
(1)“FUGI desvairada!
Na moita intrincada,
Rasgando uma estrada,
Fugaz me embrenhei.
Apenas vestindo
Meus negros cabelos,
E os seios cobrindo
Com os trêmulos dedos,
Ligeira voei!
198
(2)“Saltei as torrentes.
Trepei dos rochedos
Aos cimos ardentes,
Nos ínvios caminhos,
Cobertos de espinhos,
Meus passos mesquinhos
Com sangue marquei!
.........................................................
(3)“Avante! corramos!
Corramos ainda!...
Da selva nos ramos
A sombra é infinda.
A mata possante
Ao filho arquejante
Não nega um abrigo...
Corramos ainda!
Corramos! avante!
(4)“Debalde! A floresta
– Madrasta impiedosa –
A pobre chorosa
Não quis abrigar!
“Pois bem! Ao deserto!
(6)Na douda
Corrida
Vencida,
Perdida,
Quem me há de salvar?”
199
Anexo 23
NO MONTE
Anexo 24
SANGUE DE AFRICANO
Anexo 25
AMANTE
Anexo 26
ANJO
Anexo 27
DESESPERO
Anexo 28
HISTÓRIA DE UM CRIME
Anexo 29
ÚLTIMO ABRAÇO
(5)Mas não!
Quando um padre nos perdoa,
Quando Deus tem piedade
De um filho no coração
Uma mãe não bate à toa.
Anexo 30
MÃE PENITENTE
Anexo 31
O SEGREDO
.........................................................
Anexo 32
CREPÚSCULO SERTANEJO
Anexo 33
O BANDOLIM DA DESGRAÇA
Anexo 34
A CANOA FANTÁSTICA
Anexo 35
O SÃO FRANCISCO
Anexo 36
A CACHOEIRA
Anexo 37
UM RAIO DE LUAR
Anexo 38
DESPERTAR PARA MORRER
– “ACORDA!”
–“Quem me chama?”
–“Escuta!”
–“Escuto...”
–“Nada ouviste?”
–“Inda não...”
–“É porque o vento
Escasseou”.
–“Ouço agora... da noite na calada
Uma voz que ressona cava e funda...
E após cansou!”
–“Sabes que voz é esta?”
–“Não! Semelha
Do agonizante o derradeiro engasgo,
Rouco estertor...”
E calados ficaram, mudos, quedos,
Mãos contraídas, bocas sem alento...
Hora de horror!...
216
Anexo 39
LOUCURA DIVINA
Anexo 40
À BEIRA DO ABISMO E DO INFINITO