Projeto de Historia
Projeto de Historia
Projeto de Historia
Projeto de pesquisa
Elaboração de um livro da arte para o Ensino Médio do país
I. Resumo
1.
Se se pretende pensar uma história qualquer para a arte que diga respeito ao
estudante brasileiro, deve-se começar por uma pergunta sobre o quanto ainda valeria a
pena estudar esse fenômeno histórico, que, como se sabe, apesar de todas as suas
reivindicações libertárias, extravasadas do século XVIII pra cá (sua existência sem
finalidade imediata, seu flerte com as possibilidades insondadas de um apelo a uma
dimensão estética não programática da vida, sua proximidade às operações da libido, e
assim por diante), perfez uma trajetória de isolamento diante da esfera mais ampla da
cultura, muitas vezes assumindo um papel marcado por um afastamento programático
das urgências da situação atual, demonstrando uma face nostálgica, aristocraticamente
preservada das discussões públicas que almejaram o presente.
Ora, como todos os demais fenômenos históricos – quer dizer, aquelas atividades
que não possuem essência em si mesmas, e que só podem ser abordadas de acordo com
a importância que este ou aquele determinado momento lega a elas –, a arte também se
viu presa dos discursos os mais conservadores, elitistas, senão “ocidentalizantes”,
“euro-norte-americanizados”, desde a segunda metade do século XX. Mas, nem por
isso, deixou de apontar alternativas para o debate global da cultura. De modo que, ainda
hoje, pensar a arte é uma tarefa que segue aglutinando alternativas para se repropor a
experiência estética no campo mais amplo da cultura, ainda mais em um país em que
este mesmo campo da cultura assume, às vezes, e recorrentemente, um caráter
normatizador – a se lembrar das tantas épocas em que determinados aspectos da cultura
do país assumiram um caráter oficialesco, elogiável, quase que doutrinário (em um país
de história recente, afinal, o elogio de uma cultura “autóctone” haveria de servir a uma
gama indecifrável de interesses, dos mais radicais aos mais relutantes em enfrentar os
desafios do presente; a construção da “nova capital” sendo um dos momentos mais
exemplares desse interregno de investimento e recuo que se assistiu na história recente
do país).
Não resta dúvidas de que tal impasse esteja permeado, no caso brasileiro, pela
pouca quantidade de questionamentos acerca da possibilidade de se falar de arte para
além da experiência universitária, que se quer minimamente especializada no assunto.
2.
É objetivo deste projeto, por isso mesmo, propor uma experiência da arte que
possa estimular seu interesse nos anos pré-vestibulares, experiência esta que deve levar
em conta o que os currículos e os Parâmetros Curriculares Nacionais esperam para a
formação de seus alunos, no que diz respeito à arte, além de oferecer uma alternativa à
linguagem especializada que permeia o debate da arte hoje, levando suas questões a esse
público mais amplo.
O projeto, com isso, pretende ser uma ocasião de discussão, acima de tudo, sobre
os métodos e os modelos que vêm sendo empregados para o debate da arte hoje,
almejando supor um debate sobre arte que extrapole o interesse especializado e possa
viabilizar a comunicação da produção de arte atual com uma camada da população que
só a apreende de modo heteronômico, embora a tangencie cotidianamente, em seu
esforço de conferir um lugar privilegiado à experiência estética e à lida com as imagens
que circulam sem maior reflexão na esfera da cultura.
Cabe dizer, por fim, que, embora de modo indireto, o projeto visa também, a
longo prazo, fornecer, àqueles alunos que pretendem seguir carreiras universitárias na
área de artes e suas correlatas – arquitetura, design, moda, história, literatura, entre
outras –, material de estudo e pesquisa pré-vestibular, e que, portanto, deve considerar
as exigências que o ingresso nas universidades do país fazem aos estudantes que a elas
se candidatam.
III. Objetivos
Este projeto não visa compilar ou citar fontes referenciais da história da arte;
antes, as questões abordadas pelos autores reconhecidos pela historiografia de arte
deverão ser elaboradas a partir da sugestão de obras e questões específicas a serem
observadas e analisadas, sempre atentando-se para uma possível relação entre os
problemas à primeira vista pertencentes somente ao universo profissionalizado da arte e
aqueles que se colocam para uma dimensão mais ampla da cultura, da qual faz parte a
experiência visual cotidiana do aluno do Ensino Médio do país (tal pretensão, no
entanto, deve solicitar uma pesquisa de fontes, preferencialmente disponíveis em
bibliotecas públicas, que será devidamente organizada em forma de bibliografia
comentada, a ser anexada aos resultados esperados pelo projeto, com a seleção de
edições em língua portuguesa, sempre que possível, e, quando não, com a tradução de
pequenos trechos que possam convidar o aluno e o professor a um embate direto com
tais fontes).
1. Elaboração de comentários breves a respeito das obras e/ou imagens que se pretende
incluir em uma possível história da arte para o Ensino Médio;
Mês 1
Mês 2
Mês 3
Mês 5
Mês 6
Mês 7
Mês 9
Mês 10
Mês 11
Mês 12
Notávamos, ao longo das discussões que tivemos nos últimos meses, que, no
caso específico da arte, os enquadramentos históricos de artistas, movimentos e
correntes por meio dos quais os grandes autores referenciais que costumam ser
consultados pelos alunos e professores dos cursos universitários acabam por se tornar
pouco generosos com os estudantes do Ensino Médio brasileiro, justamente porque tais
estudantes, para além de ainda estarem apenas inicialmente em contato com as
justificativas teóricas e históricas que subjazem à generalização das atividades humanas
em largos períodos de tempo, também com muita dificuldade são estimulados ao hábito
de frequentar e entrar em embate com as obras de arte que se espalham de modo tímido
pelas cidades brasileiras e com os acervos dos museus do país, cujas políticas apenas
recentemente e de modo ainda muito incipiente visam a uma intervenção conjunta com
a educação em âmbito nacional.
Isto levou a que buscássemos um modo de propor um debate sobre arte para o
Ensino Médio que partisse de questões que a arte vem colocando no presente e que
reclamam, para tanto, uma visada histórica. Chegamos, com isso, à formulação de seis
grandes temas, possivelmente a serem desenvolvidos como capítulos para o livro,
conforme explicitamos abaixo:
3 STEINBERG, Leo. Jasper Johns: os sete primeiros anos de sua arte. In: Outros critérios.
São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 47-48.
de longe), abordarmos ao menos uma definição de arte, embora sempre imprecisa.
Aliás, por isso mesmo, por conta do quão histórica é a aproximação desses dois artistas,
ou, então, por conta do quão específico é o tipo de experiência estética empreendido
nessas duas obras, este primeiro capítulo seria capaz de formular uma definição de arte
que escapasse dos essencialismos com o que usualmente vemos essa atividade humana
ser definida.
2.1. O modo como os modernistas da década de 1920 olharam para o “barroco mineiro”,
antevendo, nele, as bases para a própria cultura nova, moderna, que pretenderam
formular.
2.3. O modo como Roma olhou para a arte da Grécia Antiga, e como ressignificou suas
produções até que estas passassem a equivaler a uma “Arte Romana”.
2.4. O modo como a arte européia, de Ingres a Toulouse-Lautrec, Monet, Gauguin e
Picasso, olhou para fora da cultura europeia, indagando esta própria cultura e seus
paradigmas.
Este capítulo teria como pano de fundo (embora não imediatamente enunciado,
mas que deve aparecer mais adiante, no posfácio do livro) uma discussão sobre o modo
como se estabelecem as formações culturais, que, usualmente, são tomadas como
culturas que já nascem prontas, esquecendo-se, com frequência, como nos lembra bem
Robert Kudielka, que não existem culturas que sejam simplesmente autóctones, mas,
sim, fenômenos históricos feitos de empréstimos, usos e apropriações que, em algum
momento, tornam-se próprios. Tal questão, como se sabe, integrando um problema caro
aos debates contemporâneos sobre arte e cultura. Nas palavras de Kudielka:
4 KUDIELKA, Robert. Arte do mundo ou arte de todo o mundo? In: Novos Estudos CEBRAP,
n° 67, novembro 2003 pp. 131-142, p. 133-135.
Mondrian. Árvore
vermelha, 1908
Mondrian. Árvore
cinza, 1911
Mondrian. Árvore
florida, 1912
De outro lado, num país periférico como o Brasil nas discussões da arte no
começo do século XX, imaginamos que um bom contraponto para esse processo
reivindicado de uma abstração ou redução do mundo visível a suas estruturas mais
simples que vemos em Mondrian poderia ser uma obra como a de Alfredo Volpi, que
flerta com a abstração, mas que, no entanto, não possui esse caráter programático de
redução das formas visíveis a seus elementos estruturais. Antes, as formas de Volpi, por
mais abstratas que pareçam, seguem carregando sempre uma memória de uma
experiência de visualidade do subúrbio onde o artista começa sua trajetória, de casinhas
caiadas, ladeiras e festas populares. De modo que o caráter “abstrato” da obra de Volpi
reclama uma outra análise, que não aquela vontade de redução de Mondrian, mas, isto
sim, uma análise de um processo de decantação das formas, o que se pode ver bem em
uma “evolução” da frontalidade de suas imagens do começo do século XX até os anos
1950, evolução na qual ladeiras se veem convertidas em traços retos na superfície das
telas do artista, telhados convertem-se em triângulos, mas na qual jamais as
individualidades desses elementos se perdem (Volpi, de repente, produz obras que são
francamente superficiais, planas, mas nas quais portas seguem apresentando dezenas de
tipos de batentes, e as cores, por mais que se reduzam, jamais deixam de respirar o ar
caiado daquelas primeiras edificações retratadas pelo pintor).
3.2. Pollock e a reivindicação de uma abstração radical versus o quanto o
expressionismo abstrato, por mais que não produza imagens que figurem o mundo,
ainda assim figuram alguma coisa.
O capítulo pretende se encerrar com uma abordagem das obras de Goya, que,
como se sabe, é contemporâneo aos pintores franceses do Iluminismo, cujas obras não
cessam de fornecer imagens de uma nova civilidade pública. A escolha de Goya reside
em que sua obra pode ser vista como uma contraparte obscura, sombria da vontade de
clareza que animou, por exemplo, a pintura revolucionária de David. Em Goya, afinal,
as imagens de um mundo novo tendem a ser imagens da crueldade das guerras
espanholas dos séculos XVIII e XIX, imagens que vão elas mesmas tornando-se
escuras, marcadas por uma visão sinistra, às vezes quase abstrata ou fantástica do
mundo, mas que, por isso mesmo, têm muito a dizer sobre a modernidade.
4. Arte para quem?
Uma questão que se coloca sempre que se discute o estatuto autônomo da arte na
modernidade é o quanto a arte tornou-se cada vez menos acessível a um público mais
amplo. Este capítulo toma, como estudo de caso, uma questão que na situação
contemporânea eleva a um grau máximo o problema da acessibilidade na arte, partindo,
então, de um questionamento acerca da experiência possível que podem ter com a arte
pessoas que não podem vê-la. Afinal, indagar como falar de arte para um público não
especializado (e, no Brasil, todos somos, afinal, esse público) implica repensar os
paradigmas e os compromissos ideológicos da própria história da arte, tal como ela foi
sendo gestada ao longo de seu desenvolvimento, sendo a ideia de “visualidade” um dos
mais complexos e questionados dentre esses paradigmas e compromissos.
Tornou-se quase um senso comum afirmar que toda a arte moderna coincidiu
com uma história da autonomia dos meios artísticos, o que começa a se esboçar ainda
em meados do século XIX, mas que adquire estatuto de verdade genérica ao longo do
século XX, quando a pintura se torna modelo da produção de arte, marcada pela crença
na pureza de seu caráter visual, sobretudo após as intervenções críticas de Clement
Greenberg.
Mas caberia lembrar, por exemplo, os escritos de Paul Valéry sobre Leonardo da
Vinci, que, ainda na primeira metade do século, descrevem sinestesicamente o modo de
desenhar do artista, interpretando seu método de compreender o movimento dos
elementos da natureza por meio de uma comparação com o som: “[da Vinci] adivinha as
Entre os nomes sugeridos estão Bruce Nauman (que, entre outras características, encara
o corpo como uma matéria primeira para a experiência da arte, submetendo-o a
repetições de movimentos mecânicos, poses e situações-limite) e Lygia Clark, cujas
experiências abertamente terapêuticas negam seu estatuto enquanto arte, propondo o
aprofundamento da pesquisa sobre o corpo e suas relações intersubjetivas. Essas obras
são importantes para o projeto, na medida em que suscitam sensibilidades recalcadas ao
longo da modernidade – na cultura e na sociedade de maneira generalizada –, que
promoveu a visão como o sentido primordial da experiência humana.
O capítulo pretende trazer à tona esse aspecto não-contemplativo, não-visual da
arte, e Lygia, afinal, parte de proposições caras à arte de sua época, presentes de modo
crítico na obra do norte-americano Nauman, como a performance e a tematização do
corpo, mas desvia tais proposições dos interesses específicos do campo da arte,
tornando-as funcionais, voltadas diretamente a uma consciência corporal. Ela, afinal,
positiva, para sua “terapêutica”, aquilo que vinha sendo ideologicamente tomado como
“positivo” para a esfera da arte, sobretudo as noções de experiência e participação; e,
deslocadas da arte, essas questões assumem uma importância radicalmente nova, postas
para uma re-erotização da vida cotidiana (isto que em Nauman é visto em sentido
profundamente crítico, negativo).
4.2. Levantamento e discussão de trabalhos não realizados modernos e contemporâneos
A partir da apresentação e do debate sobre obras não realizadas (e, portanto, deixadas
como projeto), busca-se compreender aquilo que forma o trabalho antes da
concretização de sua dimensão visual, e apontando simultaneamente para os aspectos
projetivos de muitos trabalhos de arte contemporânea. Inicialmente, pretende-se discutir
proposições de Hélio Oiticica e projetos de Cildo Meireles.
6. O lugar da arte
Pensando, por fim, acerca da necessidade de apontar ao aluno uma visão acerca
do lugar que a arte constituiu para sua própria experiência na modernidade, julgamos
pertinente preparar um capítulo em que o tema fosse a definição do lugar por excelência
da produção de arte – o ateliê.
Este capítulo possuiria uma abordagem mais cronológica, o que contraria uma
das mais importantes reivindicações do projeto, mas que se justifica no fato de que ele
não conte exatamente uma história da arte, e, isto sim, uma história das idas e vindas da
arte como atividade de isolamento e reflexão frente a seu próprio tempo.
7. Posfácio