A História Secreta Da Raça Humana
A História Secreta Da Raça Humana
A História Secreta Da Raça Humana
Humana
Michael A. Cremo
Richard L. Thompson
EDITORA ALEPH
2004
Tradução: Bhaktivedanta Book Trust (BBT Brasil)
Sumário
Prefácio 11
Nota ao leitor 13
Introdução e agradecimentos 15
PARTE I
4. Paleólitos toscos 87
As descobertas de Carlos Ribeiro em Portugal 87
As descobertas de L. Bourgeois em Thenay, França 92
Instrumentos oriundos de Aurillac, França 97
Descobertas de A. Rutot na Bélgica 103
Descobertas de Freudenberg perto da Antuérpia 106
Itália central 108
Ferramentas de pedra de Burma 108
Ferramentas do rio Black's Fork, Wyoming 109
5. Paleólitos e neólitos avançados 113
Descobertas de Florentino Ameghino na Argentina 113
Ferramentas encontradas por Carlos Ameghino em Miramar,
Argentina 116
Tentativas de pôr Carlos Ameghino em descrédito 119
Mais bolas e objetos semelhantes 125
Descobertas norte-americanas relativamente avançadas 128
Sheguiandah: arqueologia como uma vendetta 128
Lewisville e Timlin: a vendetta continua 132
Hueyatlaco, México 133
Sandia Cave, Novo México 136
Ferramentas neolíticas da Terra do ouro, Califórnia 137
Preconceitos evolucionários 145
PARTE II
Michael A. Cremo
Pacific Beach, Califórnia
26 de março de 1994
Introdução e Agradecimentos
Em 1979, pesquisadores do sítio de Laetoli, Tanzânia, na África
oriental, descobriram pegadas em depósitos de cinzas vulcânicas
com mais de 3,6 milhões de anos. Mary Leakey e outros disseram
que as impressões não se distinguiam daquelas deixadas por seres
humanos modernos. Para esses cientistas, porém, isso significava
apenas que os ancestrais humanos de 3,6 milhões de anos atrás
tinham pés marcantemente modernos.
Segundo outros estudiosos, como o antropólogo R. H. Tuttle, da
Universidade de Chicago, ossos fósseis dos pés de australopitecos
conhecidos de 3,6 milhões de anos atrás mostram que eles tinham
pés nitidamente simiescos. Logo, não eram compatíveis com as
pegadas de Laetoli. Em um artigo publicado na edição de março de
1990 da Natural History, Tuttle confessou que "estamos diante de
um mistério".
Portanto, parece lícito considerar uma possibilidade que nem Tuttle
nem Leakey mencionaram - a de que criaturas com corpos humanos
anatomicamente modernos, coerentes com seus pés humanos
anatomicamente modernos, tenham existido há 3,6 milhões de anos
na África oriental. Talvez tenham coexistido com criaturas mais
próximas do macaco. Por mais intrigante que seja essa possibilidade
arqueológica, as atuais idéias sobre a evolução humana vetam-na.
Porém, entre 1984 e 1992, Richard Thompson e eu, com a ajuda de
nosso pesquisador Stephen Bernath, reunimos um amplo conjunto
de evidências que questionam as atuais teorias da evolução
humana. Algumas dessas evidências, como as pegadas de Laetoli,
são bem recentes. Mas a maioria delas foi relatada por cientistas no
século XIX e no início do século XX.
Mesmo sem ver esse conjunto mais antigo de evidências, alguns
vão presumir que deve haver algo de errado com elas - que os
cientistas devem tê-las descartado há muito tempo por um bom
motivo. Richard e eu analisamos a fundo essa possibilidade.
Concluímos, no entanto, que a qualidade dessas evidências
controvertidas não é nem melhor, nem pior do que as evidências
supostamente incontroversas geralmente citadas a favor das atuais
correntes sobre a evolução humana.
Na Parte 1 de A História Secreta da Raça Humana, analisamos de
perto a grande quantidade de evidências controvertidas que
contrariam as atuais idéias sobre a evolução humana. Contamos em
detalhes de que modo essas evidências foram sistematicamente
suprimidas, ignoradas ou esquecidas, muito embora equivalham
(qualitativa e quantitativamente) às evidências favoráveis às
posições aceitas atualmente sobre as origens humanas. Quando
falamos em supressão de evidências, não estamos nos referindo a
cientistas conspiradores executando um plano diabólico para
enganar o público. Na verdade, estamos falando de um processo
social contínuo de filtragem de conhecimentos que parece bastante
inócuo, mas tem um efeito cumulativo importante. Certas categorias
de evidência simplesmente desaparecem de vista, algo que, em
nossa opinião, não é justificável.
Esse padrão de supressão de dados tem estado ativo há muito
tempo. Em 1880, J. D. Whitney, funcionário do Departamento de
Geologia da Califórnia, publicou uma longa análise das avançadas
ferramentas de pedra encontradas nas minas de ouro californianas.
Os implementos, incluindo pontas de lanças, almofarizes e pilões de
pedra, foram achados no fundo de poços de minas sob espessas
camadas incólumes de lava, em formações cujas idades variavam
entre, nove e mais de 55 milhões de anos. W. H. Holmes, da
Smithsonian Institution, um dos mais acerbos críticos das
descobertas na Califórnia, escreveu: "Se ao menos o professor
Whitney tivesse levado em conta o estudo da evolução humana tal
como ela é entendida hoje, teria hesitado antes de anunciar as
conclusões que formulou (a de que os humanos existiram em
épocas muito antigas na América do Norte), apesar do importante
conjunto de testemunhos com que se defrontou". Em outras
palavras, se os fatos não batem com a teoria preferida, então esses
fatos, mesmo uma série importante deles, devem ser descartados.
Isso vem ao encontro do que, em essência, estamos tentando
demonstrar neste livro, ou seja, que há, na comunidade científica,
um filtro do conhecimento que impede a divulgação de evidências
malvistas. Esse processo de filtragem existe há mais de um século,
e continua até os dias de hoje.
Além dessa filtragem do conhecimento, parece ainda que há casos
de eliminação direta.
No início da década de 1950, Thomas E. Lee, do Museu Nacional do
Canadá, descobriu ferramentas avançadas de pedra nos depósitos
glaciais de Sheguiandah, na ilha Manitoulin, ao norte do lago Huron.
Segundo John Sanford, geólogo da Wayne State University, as
ferramentas mais antigas encontradas em Sheguiandah tinham pelo
menos 65 mil anos, talvez até 125 mil anos. Para aqueles que se
pautavam na posição convencional sobre a pré-história norte-
americana, tais valores eram inaceitáveis. Supõe-se que os
humanos pisaram pela primeira vez na América do Norte há cerca
de doze mil anos, vindos da Sibéria.
Thomas E. Lee reclamou: "O descobridor do sítio (Lee) foi afastado
de seu cargo como funcionário público, ficando um longo tempo
desempregado; canais de publicação foram cortados; a evidência foi
interpretada de maneira equivocada por diversos autores de renome
[...]; toneladas de artefatos desapareceram em caixotes de
armazenamento no Museu Nacional do Canadá; por ter se recusado
a demitir o descobridor, o diretor do Museu Nacional, que tinha
proposto uma monografia sobre o sítio, também foi despedido e
banido; instâncias oficiais de prestígio e poder se empenharam em
controlar apenas seis espécimes de Sheguiandah que não tinham
sido apreendidas, e o sítio foi transformado em uma estância
turística [...] Sheguiandah teria feito com que os poderosos
admitissem, envergonhados, que não conheciam tudo. Teria
obrigado os estudiosos a reescrever quase todos os livros que
existem sobre o assunto. Precisava ser eliminado. Foi eliminado".
Na Parte 2, analisamos o conjunto de evidências aceitas e
geralmente utilizadas para sustentar as idéias - hoje dominantes -
sobre a evolução humana. Examinamos especialmente o status do
australopiteco. A maioria dos antropólogos entende que o
australopiteco era um ancestral do homem com cabeça simiesca,
corpo semelhante ao humano, uma postura e andadura bípede,
humanóide. Mas outros pesquisadores defendem de modo
convincente uma posição completamente diferente, afirmando que
os australopitecos e similares eram bastante simiescos, criaturas
que viviam parte do tempo em árvores e que não tinham conexão
direta com a linhagem evolutiva humana.
Também na Parte 2, consideramos a possível coexistência de
hominídeos primitivos e humanos anatomicamente modernos, não
só no passado distante como no presente. No século passado, os
cientistas acumularam evidências sugerindo que criaturas
humanóides, semelhantes ao gigantopiteco, ao australopiteco, ao
Homo erectus e ao Neandertal estão vivendo em várias regiões
selvagens do planeta. Na América do Norte, essas criaturas são
conhecidas como Sasquatch. Na Ásia central, são chamadas almas.
Na África, China, Sudeste Asiático e Américas Central e do Sul, são
conhecidas por outros nomes. Alguns pesquisadores usam a
expressão genérica "homens selvagens" para incluir todos eles.
Cientistas e médicos têm relatado avistamentos de homens
selvagens vivos e mortos, bem como suas pegadas. Eles também
catalogaram milhares de relatos de pessoas comuns que viram
esses homens selvagens, além de descrições semelhantes em
registros históricos.
Alguns podem questionar o motivo pelo qual fizemos um livro como
A história secreta da raça humana, sugerindo que teríamos um
motivo subjacente. Sim, há um motivo subjacente.
Richard Thompson e eu somos membros do Instituto Bhaktivedanta,
uma divisão da Sociedade Internacional para a Consciência de
Krishna que estuda a relação entre a ciência moderna e a
cosmovisão expressa na literatura védica da Índia. Da literatura
védica extraímos a idéia de que a raça humana é muito antiga. Com
o propósito de realizar pesquisas sistemáticas sobre a literatura
científica disponível acerca da antiguidade do Homem, expressamos
a idéia védica na forma de uma teoria: a de que diversos seres
humanóides e simiescos têm coexistido há longo tempo.
O fato de nossa posição teórica ter sido extraída da literatura védica
não deve desqualificá-Ia. Uma teoria pode ser escolhida dentre
diversas fontes uma inspiração pessoal, teorias anteriores, a
sugestão de um amigo, um filme, e assim por diante. O que
realmente importa não é a fonte da teoria, mas sua capacidade de
explicar as observações.
Em função de limitações de espaço, não conseguimos desenvolver
neste volume nossas idéias para uma alternativa às atuais teorias
sobre as origens humanas. Portanto, estamos planejando um
segundo volume relacionando os resultados de nossas extensas
pesquisas nessa área em fontes védicas.
Gostaria agora de falar um pouco sobre minha parceria com Richard
Thompson. Richard tem formação científica; estudou matemática e
publicou artigos e livros nas áreas de biologia matemática,
monitoramento remoto por satélite, geologia e física. Minha
formação não é científica. Desde 1977 tenho escrito e editado
revistas e livros publicados pelo Bhaktivedanta Book Trust.
Em 1984, Richard pediu que seu assistente Stephen Bernath
começasse a reunir material sobre as origens e a antiguidade do ser
humano. Em 1986, Richard me pediu para organizar esse material
na forma de livro.
Ao analisar o material que Stephen me forneceu, fiquei espantado
com o pequeno número de relatos entre 1859, quando Darwin
publicou A Origem das Espécies, e 1894, quando Dubois publicou
seu relatório sobre o Homem de lava. Curioso, pedi a Stephen que
conseguisse alguns livros de antropologia do fim do século XIX e
início do XX. Nesses livros, inclusive em uma das primeiras edições
de Homens fósseis, de Marcellin Boule, encontrei críticas bastante
negativas a numerosos relatos do período em questão. Estudando
as notas de rodapé, descobri que a maioria desses relatos, escritos
por cientistas do século XX, descrevia ossos com incisões,
ferramentas de pedra e restos de esqueletos anatomicamente
modernos, encontrados em contextos geológicos inesperadamente
antigos. Os relatos eram de boa qualidade e respondiam a diversas
objeções possíveis. Isso também me estimulou a realizar uma
pesquisa mais sistemática.
Vasculhar essas evidências literárias soterradas exigiu mais três
anos. Stephen Bernath e eu obtivemos raras atas de conferências e
revistas especializadas do mundo todo, e juntos traduzimos o
material para o inglês. Redigir o manuscrito a partir do material
coletado tomou outro par de anos. Durante todo o período de
pesquisa e de redação, tive discussões quase diárias com Richard
sobre a importância do material e a melhor maneira de apresentá-lo.
Stephen obteve boa parte do material apresentado no Capítulo 6
com Ron Calais, que gentilmente nos enviou muitas cópias
reprográficas de relatos originais encontrados em seus arquivos.
Virginia Steen McIntire foi muito gentil e nos forneceu sua
correspondência sobre a datação do sítio de Hueyatlaco, México.
Também tivemos reuniões úteis sobre ferramentas de pedra com
Ruth D. Simpson, do Museu do Condado de San Bernardino, e com
Thomas A. Deméré, do Museu de História Natural de San Diego,
sobre marcas de dentes de tubarão em ossos.
Este livro não teria sido concluído sem os diversos serviços
prestados por Christopher Beetle, formado em ciência da
computação pela Universidade Brown, que entrou para o Instituto
Bhaktivedanta de San Diego em 1988.
As ilustrações da Figura 12.8 são obra de Miles Triplett, a quem
agradecemos muito. Beverly Symes, David Smith, Sigalit Binyaminy,
Susan Fritz, Bárbara Cantatore, Joseph Franklin e Michael Best
também contribuíram para a produção deste livro.
Richard e eu gostaríamos de agradecer em especial aos curadores
internacionais do Bhaktivedanta Book Trust, do passado e do
presente, por seu generoso apoio à pesquisa, redação e publicação
deste livro.
Finalmente, incentivamos os leitores a chamar nossa atenção para
quaisquer evidências adicionais que possam ser de nosso interesse;
especialmente para inclusão em futuras edições deste livro. A
correspondência pode ser endereçada a nós na Govardhan Hill
Publishing.
PARTE I
Darwin Fala
Pikermi, Grécia
Em um local chamado Pikermi, perto da planície de Maratona, na
Grécia, há um estrato rico em fósseis da era do Mioceno Superior
(tortoniana), explorado e descrito por Albert Gaudry, preeminente
cientista francês. Durante o encontro de 1872, em Bruxelas, do
Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-
históricas, o barão Von Ducker registrou que os ossos quebrados de
Pikermi provavam a existência de humanos no Mioceno. As
autoridades modernas situam, ainda hoje, a área de Pikermi no
Mioceno Superior, o que conferiria aos ossos a idade de pelo menos
cinco milhões de anos.
Foi no Museu de Atenas que Von Ducker examinou vários ossos do
sítio de Pikermi pela primeira vez. Ele encontrou 34 partes de
maxilar de Hipparion (um extinto cavalo de três dedos) e de antílope,
bem como dezenove fragmentos de tíbia e 22 outros fragmentos de
ossos de mamíferos grandes, tais como os rinocerontes. Todos
apresentavam vestígios de fraturamento metódico com o objetivo de
extrair o tutano. Segundo Von Ducker, todos eles traziam "vestígios
mais ou menos distintos de golpes de objetos duros". O barão
observou, também, centenas de flocos ósseos na mesma situação.
Além disso, Von Ducker observou dúzias de crânios de Hipparion e
antílope, demonstrando a retirada metódica do maxilar superior a fim
de extrair o cérebro. As quinas das fraturas eram muito afiadas, o
que em geral pode ser tomado como sinal de quebra por obra do
homem, e não quebra por obra de carnívoros roedores ou pressões
geológicas.
Mais tarde, Von Ducker viajou para o próprio sítio de Pikermi para
continuar suas investigações. No decurso de sua primeira
escavação, encontrou dúzias de fragmentos ósseos de Hipparion e
antílope, registrando que cerca de um quarto deles apresentava
sinais de quebra intencional. A esse respeito, deve-se ter em mente
a descoberta de Binford quanto ao fato de os conjuntos de ossos
quebrados, no decorrer da extração humana de tutano, terem, cerca
de 14% a 17% deles, sinais de cortes de impacto. "Eu também
encontrei", afirmou Von Ducker, "entre os ossos, uma pedra de
tamanho que pudesse ser pega na mão. É pontuda de um lado,
estando perfeitamente adaptada para fazer os tipos de marcas
observadas nos ossos."
Clermont-Ferrand, França
Em fins do século XIX, o museu de história naturaI em Clermont-
Ferrand adquiriu um fêmur de Rhinoceros paradoxus com sulcos em
sua superfície. O espécime fora encontrado num calcário de água
doce em Gannat, o qual continha fósseis de animais típicos do
Mioceno Médio. Houve quem sugerisse que os sulcos no osso foram
causados por dentes de animais. Porém, Gabriel de Mortillet
discordou, apresentando sua explicação habitual - o osso havia sido
marcado pelo movimento de pedras sob pressão geológica.
Mas a própria descrição feita por Mortillet das marcas no osso põe
em dúvida essa interpretação. As marcas de corte locaIizavam-se
perto da extremidade do fêmur, próximas das superfícies da
articulação. Segundo Louis Binford, perito moderno em ossos
cortados, essa seria a área em que normalmente se encontrariam
marcas de abate. Mortillet também disse que as marcas eram
"sulcos paralelos, um tanto irregulares, transversais ao eixo do
osso". Os estudos de Binford revelaram: "As marcas de corte de
ferramentas de pedra são mais comumente feitas com um
movimento de serragem que resulta em marcas curtas e
freqüentemente múltiplas, mas impetfeitamente paralelas".
Paleólitos Toscos
Os paleólitos toscos representam um avanço em relação aos eólitos.
Os cólitos são pedaços de pedra quebrados naturalmente usados
como ferramentas com pouca ou nenhuma modificação
subseqüente. Pode ser que uma lâmina funcional seja ligeiramente
retocada ou que apenas apresente sinais de uso. Os paleólitos,
contudo, costumam ser lascados deliberadamente a partir de
núcleos de pedra e sofrem modificações mais amplas.
Itália Central
Em 1871, o professor G. Ponzi apresentou, no encontro em Bolonha
do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-
históricas, um relatório sobre as provas da presença de humanos
terciários na Itália central. Tais provas consistiam em instrumentos
de pederneira pontudos recolhidos por geólogos de depósitos de
brecha da fase erodente acquatraversana do Plioceno (com mais de
dois milhões de anos). Uma brecha é um depósito composto de
fragmentos de rocha numa matriz de granulação fina de areia ou
argila enrijecidas.
Hueyatlaco, México
Na década de 1960, sofisticadas ferramentas de pedra (Figura 5.8),
rivalizando o melhor dos trabalhos do homem de Cro-Magnon na
Europa, foram escavadas por Juan Armenta Camacho e Cynthia
Irwin-Williams em Hueyatlaco, perto de Valsequillo, 120 quilômetros
a sudeste da Cidade do México. Encontraram ferramentas de pedra
de natureza um tanto mais tosca no sítio de El Horno, próximo dali.
Tanto no sítio de Hueyatlaco quanto no de El Horno, a localização
estratigráfica dos instrumentos não parece suscitar dúvidas.
Contudo, esses artefatos apresentam, de fato, uma característica
muito controvertida: uma equipe de geólogos que trabalhava para o
Instituto Americano de Pesquisas Geológicas deu-lhes idades de
cerca de 250 mil anos. Essa equipe, trabalhando sob concessão da
Fundação Nacional de Ciência, consistia em Harold Malde e Virginia
Steen-McIntyre, ambos do Instituto Americano de Pesquisas
Geológicas, e no falecido Roald Fryxell, da Universidade Estadual de
Washington.
Uma nota final: nós próprios tentamos certa vez obter permissão
para reproduzir fotografias dos artefatos de Hueyatlaco numa
publicação. Fomos informados de que a permissão nos seria negada
caso tencionássemos mencionar a data de 250 mil anos proposta
pelos "extremistas lunáticos".
Fêmur de Trenton
Em 1º. de dezembro de 1899, Ernest Volk, colecionador que
trabalhava para o Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia
Americanas da Universiidade de Harvard, descobriu um fêmur
humano em escavação sob uma ferrovia desativada ao sul da
Avenida Hancock, dentro dos limites urbanos de Trenton, Nova
Jersey. O fêmur foi encontrado jazendo sobre uma pequena
saliência, cerca de 2 metros abaixo da superfície. Volk declarou:
"Cerca de 10 centímetros acima do osso [...] havia um lugar
aproximadamente do mesmo comprimento que o osso de onde este
evidentemente caíra". O fêmur humano foi fotografado por Volk, que
declarou estarem intactos os estratos imediatamente sobrejacentes
e por alguma distância em ambos os lados da descoberta. Segundo
VoIk, o fêmur estava inteiramente fossilizado. Dois fragmentos de
crânio humano foram extraídos da mesma camada que produziu o
fêmur.
Em uma carta datada de 30 de julho de 1987, Ron Witte, do Instituto
de Pesquisas Geológicas de Nova Jersey, disse-nos que o estrato
contendo o fêmur de Trenton e os fragmentos de crânio é do
interglacial Sangamon, tendo cerca de 107 mil anos de idade.
Segundo as idéias convencionais, os seres humanos do tipo
moderno surgiram na África meridional cerca de cem mil anos atrás
e migraram para a América no máximo há trinta mil anos.
Em 7 de dezembro de 1899, VoIk retornou à escavação da ferrovia.
Cerca de 7 metros à oeste do local onde encontrou o fêmur
fossilizado, e na mesma camada, VoIk recolheu dois fragmentos de
um crânio humano. Os estratos imediatamente acima e no raio de
certa distância para cada lado, dizia-se, estavam intactos.
Poderiam ter os ossos humanos se infiltrado por conta própria terra
abaixo, oriundos das camadas superiores? VoIk chamou a atenção
para o fato de que as camadas superiores eram vermelhas e
amarelas. Mas os ossos humanos eram "brancos e cretáceos",
consistentes com a camada de areia branca em que foram
encontrados.
Por ser o fêmur de Trenton semelhante ao de humanos modernos,
Ales Hrdlicka, da Smithsonian Institution, achou que devia ser de era
recente. Segundo supunha ele, um fêmur humano autenticamente
antigo deveria apresentar características primitivas. Portanto,
Hrdlicka disse o seguinte a respeito do fêmur de Trenton: "A
antiguidade desse espécime deve basear-se apenas em provas
geológicas". Porém, ele não logrou evidenciar nada de errado nas
provas geológicas.
Durante o século XIX e começo do XX, fizeram diversas descobertas
de restos esqueletais humanos em formações do Pleistoceno Médio
na Europa. Entre essas descobertas estão aquelas feitas em Galley
Hill, Moulin Quignon, Clichy, La Denise e Ipswich. Ainda restam
dúvidas quanto à verdadeira idade desses ossos. Não obstante, em
nome da totalidade, nós os incluímos em nosso estudo. A presença
desses esqueletos em estratos do Pleistoceno Médio poderia ser
atribuída a recentes sepultamentos intrusivos, a erros de registro ou
a fraudes. No entanto, há motivos para pensar que os esqueletos
seriam de fato do Pleistoceno Médio, Passaremos agora a examinar
alguns dos casos mais notáveis.
Esqueleto de Clichy
Em 1868, Eugene Bertrand relatou à Sociedade Antropológica de
Paris a descoberta de partes de um crânio humano, bem como de
um fêmur, tíbia e alguns ossos do pé, numa pedreira na Avenida de
Clichy. Os ossos foram encontrados 5,25 metros abaixo da
superfície. Segundo acreditava Sir Arthur Keith, a camada em que
encontraram os ossos humanos de Clichy tinha a mesma idade que
aquela em que foi descoberto o esqueleto de Galley Hill. Isso
conferiria aos ossos de Clichy a idade de aproximadamcnte 330 mil
anos. A profundidade em que foram encontrados os fósseis
humanos de Clichy (mais de 5 metros) anula o argumento de um
sepultamento recente.
Porém, segundo disse Gabriel Mortillet, um operário da pedreira na
Avenida de Clichy lhe disse que enfumara um esqueleto no sítio.
Mesmo após ouvir Mortillet relatar a história do operário que
enfurnara os ossos do esqueleto de Clichy, um grupo de cientistas
manteve-se convencido de que a descoberta de Bertrand era
autêntica. O professor E. T. Hamy, por exemplo, disse: "A
descoberta do sr. Bertrand parece-me tanto menos questionável
pelo fato de não ser a primeira dessa espécie na Avenida de Clichy.
Na verdade, o sr. Reboux, nosso estimado colega, encontrou
naquela mesma localidade, e quase à mesma profundidade (4,20
metros), ossos humanos que eIe me deu para estudar".
Segundo registrou Keith, a princípio quase todas as autoridades na
França acreditaram que o esqueleto de Clichy era tão antigo quanto
a camada em que Bertrand disse tê-lo encontrado. Mais tarde, após
aceitarem os homens de Neandertal como os ancestrais
pleistocenos dos humanos modernos, os antropólogos franceses
omitiram o esqueleto de Clichy, que antecedia os homens de
Neandertal, da lista de descobertas fidedignas. Um representante do
tipo humano moderno não deveria estar existindo antes de seus
supostos ancestrais. Acha-se que os homens de Neandertal existiam
de 30 a 150 mil anos atrás. O esqueleto de Clichy, no entanto, teria
mais de trezentos mil anos.
Em suas observações perante a Sociedade Antropológica, Bertrand
forneceu provas adicionais da grande antiguidade do esqueleto de
Clichy. Declarou ter encontrado um cúbito humano no estrato que
continha os outros ossos do esqueleto humano de Clichy. O cúbito é
o maior dos dois ossos longos do antebraço. Quando Bertrand
tentou extrair o cúbito, este pulverizou-se. Ele apresentou isso como
prova de que o esqueleto humano de Clichy era provavelmente
nativo da camada em que foi encontrado. Aparentemente, Bertrand
raciocinou que um osso frágil como o desintegrado cúbito não
poderia ter sido retirado de uma camada superior da pedreira e
enfurnado por um operário na camada inferior onde foi encontrado -
decerto teria sido destruído no processo. Isso indicava que o cúbito
pertencia ao estrato onde Bertrand o encontrou, tanto quanto os
outros ossos humanos.
Terra Amata
O Maxilar de Foxhall
Em 1855, um maxilar humano foi descoberto em Foxhall, Inglaterra,
por operários que escavavam uma pedreira. John Taylor, o
farmacêutico da cidade, comprou o maxilar de Foxhall (Figura 7.2)
de um operário que queria um copo de cerveja, e levou o achado a
Robert H. Collyer, fisico norte-americano então residindo em
Londres. Collyer, tendo adquirido o fóssil, visitou a pedreira na
fazenda do sr. Law. Reparou que o lençol de onde disseram haver
extraído o maxilar ficava 4,8 metros abaixo da superfície. A condição
do maxilar, inteiramente infiltrado com óxido de ferro, era compatível
com a incorporação nesse lençol. Segundo disse Collyer, o maxilar
de Foxhall era “a relíquia mais antiga do animal humano em
existência". O nível de 4,8 metros em Foxhall é o mesmo do qual
Moir mais tarde recolheu ferramentas de pedra e sinais de fogueira.
Qualquer coisa encontrada nesse nível teria pelo menos 2,5 milhões
de anos.
Ciente de que estava de posse de um fóssil de grande importância,
Collyer mostrou-o a diversos cientistas ingleses, incluindo Charles
Lyell, George Busk, Richard Owen, Sir John Prestwich e Thomas
HuxIey. Todos eles foram céticos quanto à sua antiguidade. HuxIey,
por exemplo, objetou, alegando que a forma do osso "não indicava
que ele pertencesse a uma raça extinta ou anômala de ser humano".
Novamente encontramos aqui a crença equivocada de que um osso
de aparência moderna não pode ser autenticamente antigo.
O paleontólogo norte-americano Henry Fairfield Osborn, escrevendo
na década de 1920 sobre as descobertas de ferramentas de
pederneira feitas por Moir na mesma área onde encontraram o
maxilar de Foxhall, perguntou-se por que os cientistas
supramencionados não se deram ao trabalho de visitar o sítio
arqueológico. Eles desacreditavam, disse Osborn, "provavelmente
porque a forma do maxilar não era primitiva". Além disso, o osso não
estava de todo fossilizado, mas isso também ocorre com muitos
outros ossos de idade semelhante.
Após algum tempo, o maxilar desapareceu de forma misteriosa.
Quase nunca é mencionado por autoridades modernas, e os que
chegam a fazer menção dele fazem-no invariavelmente de maneira
desdenhosa. Encontramos em Fossil Men, de Marcellin Boule, por
exemplo, a seguinte declaração:
"É preciso ter uma total falta de senso crítico para prestar alguma
atenção numa evidência como essa".
No entanto, muitos ossos e artefatos convencionalmente aceitos
também foram encontrados por humildes operários. Muitas das
descobertas de Homo erectus em Java, por exemplo, foram feitas
por nativos que eram pagos para isso, mas que não recebiam
orientação nenhuma. E o maxilar de Homo erectus de Heidelberg foi
encontrado por operários alemães, cujo capataz entregou-o mais
tarde a cientistas. Se os cientistas podem levar a sério essas
descobertas, por que, então, não podem levar a sério o maxilar de
Foxhall também? Poder-se-ia objetar que os fósseis de Homo
erectus de Java e o maxilar de Homo erectus de Heidelberg ainda
estão à disposição para serem analisados, ao passo que o maxilar
de Foxhall desapareceu. Mas os fósseis originais de Homo erectus
de Pequim desapareceram da China durante a Segunda Guerra
Mundial. Todavia, ainda são aceitos como evidência da evolução
humana.
Os Esqueletos de Castenedolo
Milhões de anos atrás, durante o período do Plioceno, um mar
quente lavou os declives meridionais dos Alpes, depositando
camadas de coral e moluscos. Em fins do verão de 1860, o
professor Giuseppe Ragazzoni, geólogo do Instituto Técnico de
Brescia, viajou para Castenedolo, cerca de 10 quilômetros a sudeste
de Brescia, para recolher conchas fósseis nos estratos do Plioceno
expostos numa vala na base de uma colina baixa, o Colle de Vento
(Figura 7.3).
O Esqueleto de Savona
Voltamos agora nossa atenção para outra descoberta do Plioceno,
feita em Savona, uma cidade na Riviera italiana, cerca de 50
quilômetros a oeste de Gênova. Nos anos 50 do século XIX,
enquanto construíam uma igreja, operários descobriram um
esqueleto humano anatomicamente moderno no fundo de uma vala
de 3 metros de profundidade. A camada que continha o esqueleto
tinha de três a quatro milhões de anos de idade.
Arthur Issel comunicou detalhes da descoberta de Savona aos
membros do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia
Pré-históricas em Paris, 1867. Segundo declarou ele, o humano de
Savona "era contemporâneo dos estratos em que foi encontrado".
O Maxilar de Miramar
Em 1921, M. A. Vignati registrou a descoberta de um maxilar inferior
humano, com dois molares, na formação chapadmalalana do
Plioceno Superior em Miramar, Argentina. Anteriormente, haviam
descoberto nesse sítio algumas ferramentas de pedra e um osso de
mamífero com uma ponta de flecha incrustada nele (Capítulo 5). O
maxilar foi descoberto por Lorenzo Parodi, um colecionador de
museu. E. Boman relatou que Parodi encontrou o maxilar e seus
molares "incrustados na barranca, a uma grande profundidade nos
estratos chapadmalalanos, aproximadamente ao nível do mar". O
maxilar teria, portanto, cerca de dois a três milhões de anos.
Boman, porém, manteve-se cético. Ele declarou: "Os jornais
publicaram artigos bombásticos sobre os mais antigos restos
humanos do mundo. Mas todos que examinaram os molares os
consideraram idênticos aos molares correspondentes de seres
humanos modernos".
Boman supunha que a natureza inteiramente humana do fragmento
de maxilar de Miramar assegurava inequivocamente sua data
recente. Porém, nada do que diz Boman exclui a possibilidade de
que o fóssil de Miramar demonstre uma presença inteiramente
humana no Plioceno da Argentina.
Crânio de Calaveras
No Capítulo 5, analisamos os diversos instrumentos de pedra
descobertos nos cascalhos auríferos das montanhas Sierra Nevada,
da Califórnia. Nesses cascalhos, também foram encontrados ossos
humanos, que variam entre 9 e 55 milhões de anos de idade.
Em fevereiro de 1866, o sr. Mattison, principal proprietário da mina
em Bald Hill, perto de Angels Creek, em Calaveras County, retirou
um crânio de uma camada de cascalho 40 metros abaixo da
superfície. O cascalho estava perto do leito de rocha firme, debaixo
de diversas camadas distintas de material vulcânico. As erupções
vulcânicas começaram nessa região durante o Oligoceno,
continuaram por todo o Mioceno e acabaram no Plioceno. Uma vez
que o crânio surgiu perto do fundo da seqüência de camadas
intercaladas de cascalho e lava em Bald Hill, pareceria provável que
o cascalho em que foi encontrado o crânio era mais velho que o
Plioceno, talvez muito mais velho.
Após encontrar o crânio, Mattison levou-o mais tarde para o sr.
Scribner, um agente da Wells, Fargo and Co.'s Express em Angels.
O sr. Matthews, assistente do sr. Scribner, retirou parte das
incrustações que cobriam a maior parte do fóssil. Ao reconhecer que
era parte de um crânio humano, enviou-o ao dr. Jones, que vivia em
Murphy's, aldeia próxima dali, e era um entusiástico colecionador de
tais artigos. Em seguida, o dr. Jones escreveu para o escritório do
Instituto de Pesquisas Geológicas em São Francisco e, após receber
resposta, encaminhou o crânio para esse escritório, onde foi
examinado por J. D. Whitney, o geólogo público. Whitney viajou
quanto antes para Murphy's e Angels, onde pessoalmente
questionou o sr. Mattison, que confirmou o relato feito pelo dr. Jones.
Tanto Scribner quanto Jones eram conhecidos pessoais de Whitney,
que os considerava dignos de confiança.
Em 16 de julho de 1866, Whitney apresentou à Academia de
Ciências da Califórnia um relatório sobre o crânio de Calaveras,
afirmando ter sido ele encontrado em estratos do Plioceno. O crânio
causou grande sensação nos Estados Unidos.
Segundo Whitney: "A imprensa religiosa deste país passou a estudar
o assunto [...] e foi inteiramente unânime em declarar que o crânio
de Calaveras era um 'embuste'". Whitney observou que as histórias
de embuste só surgiram após sua descoberta ter sido amplamente
divulgada em jornais.
Algumas das histórias de embuste foram propagadas não por
jornalistas, mas por cientistas como William H. Holmes, da
Smithsonian Institution. Durante: uma visita ao condado de
Calaveras, ele colheu o testemunho de algumas pessoas que eram
conhecidas do sr. Scribner e do dr. Jones, e esses testemunhos
levantavam a possibilidade de que o crânio examinado por Whitney
não fosse um fóssil terciário genuíno. Porém, há um problema com a
hipótese do embuste - existem muitas versões. Alguns dizem que
mineiros religiosos plantaram o crânio para enganar o cientista
Whitney. Outros dizem que os mineiros plantaram o crânio para
enganar outro mineiro. Outros ainda dizem que Mattison encontrou
um crânio autêntico e mais tarde deu um crânio diferente para
Whitney. E há quem diga que os amigos de Mattison de uma cidade
próxima plantaram o crânio para pregar-lhe uma peça. Esse
testemunho contraditório põe em dúvida a idéia do embuste.
Após visitar Calaveras, Holmes examinou o verdadeiro crânio de
Calaveras no Museu Peabody, em Cambridge, Massachusetts,
concluindo que “o crânio jamais foi carregado e quebrado numa
torrente terciária, jamais veio dos antigos cascalhos da mina de
Mattison e não representa, de forma nenhuma, uma raça terciária de
homens". Parte do testemunho que ratifica essa conclusão vem de
pessoas que examinaram a matriz de seixos e terra em que o crânio
de Calaveras havia sido descoberto. Segundo disse o dr. F. W.
Putnam, do Museu Peabody de História Natural da Universidade de
Harvard, o crânio não apresentava vestígio nenhum de cascalho das
minas. William J. Sinclair, da Universidade da Califórnia, também
examinou pessoalmente o crânio e disse que o material grudado
nele não era cascalho da mina de ouro. Era o tipo de material,
pensou ele, normalmente encontrado numa caverna, onde os índios
às vezes deixavam corpos.
Anomalias extremas
Como já vimos, alguns cientistas acreditavam que o homem-macaco
existia em tempos tão remotos quanto o Mioceno e o Eoceno.
Poucos pensadores mais ousados chegavam a propor que havia
seres inteiramente humanos vivos durante esses períodos. Agora,
porém, vamos enveredar por épocas ainda mais remotas. Uma vez
que a maioria dos cientistas tinha dificuldade de aceitar a existência
de humanos no terciário, podemos apenas imaginar quão difícil teria
sido para eles fazer qualquer ponderação séria sobre os casos que
estamos prestes a examinar. Nós próprios vimo-nos tentados a não
mencionar descobertas como essas por elas parecerem
inacreditáveis. Mas o resultado de semelhante estratégia seria que
passaríamos a analisar provas apenas de coisas em que já
acreditamos. E a menos que nossas crenças atuais representassem
a realidade na sua totalidade, fazer isso não seria muito sensato de
nossa parte.
Em dezembro de 1862, uma notícia breve, mas intrigante, saiu num
jornal chamado The Geologist "No condado de Macoupin, Illinois,
encontraram recentemente os ossos de um homem num lençol de
carvão recoberto com 60 centímetros de rocha de ardósia, 27 metros
abaixo da superfície da terra [...] Os ossos, quando encontrados,
estavam cobertos por uma crosta ou revestimento de matéria rígida
e lustrosa, tão escura quanto o próprio carvão, porém, ao ser
desbastada, deixou os ossos brancos e naturais". O carvão em que
encontraram o esqueleto do condado de Macoupin tem pelo menos
286 milhões de anos e poderia ter tanto quanto 320 milhões de
anos.
Nossos exemplos finais de provas anômalas pré-terciárias não estão
na categoria de ossos humanos fósseis, mas na de pegadas fósseis
semelhantes às humanas. O professor W. G. Burroughs, chefe do
departamento de geologia do Berea College em Berea, Kentucky,
registrou em 1938: "Durante o início do Período Carbonífero
Superior (Era do Carvão), criaturas que andavam sobre as duas
pernas traseiras e que tinham pés semelhantes aos humanos
deixaram marcas na areia de uma praia em Rockcastle County,
Kentucky. Foi esse o período conhecido como a Era dos Anfíbios,
em que os animais se locomoviam sobre quatro pernas ou, mais
raramente, pulavam, e seus pés não tinham aparência humana. Em
Rockcastle, Jackson e em diversos outros condados em Kentucky,
porém, bem como em regiões desde a Pensilvânia até Missouri,
existiam de fato criaturas dotadas de pés de aparência
estranhamente humana e que caminhavam sobre duas pernas
traseiras. O escritor provou a existência dessas criaturas em
Kentucky. Com a cooperação do dr. C. W. Gilmore, curador de
Paleontologia Vertebrada da Smiththsonian Institution, foi
demonstrado que criaturas semelhantes viveram na Pensilvânia e no
Missouri.
O Carbonífero Superior (o Pensilvânio) começou cerca de 320
milhões de anos atrás. Pensa-se que os primeiros animais capazes
de andar eretos, os tecodontes pseudo-suquianos, apareceram em
torno de 210 milhões de anos atrás. Essas criaturas lagartíxicas,
capazes de correr sobre suas pernas traseiras, não deixariam
nenhuma marca de cauda, pois carregavam suas caudas em
suspenso. Seus pés, porém, em nada pareciam com os de seres
humanos; ao contrário, assemelhavam-se aos de pássaros. Dizem
os cientistas que o primeiro aparecimento de seres simiescos só se
deu por volta de 37 milhões de anos atrás, e só por volta de quatro
milhões de anos atrás é que a maioria dos cientistas esperaria
encontrar pegadas como aquelas registradas por Burroughs,
oriundas do Carbonífero de Kentucky.
Burroughs declarou: "Cada pegada tem cinco dedos e uma curvatura
distinta. Os dedos são espalhados como os de um ser humano que
jamais tenha usado sapatos". Apresentando mais detalhes sobre as
impressões, Burroughs afirmou: "As curvas do pé apóiam-se como
um pé humano em relação a um calcanhar de aparência humana" .
David L. Bunshnell, etnólogo da Smithsonian Institution, sugeriu
terem as impressões sido entalhadas por índios. Ao descartar essa
hipótese, o dr. Burroughs usou um microscópio para estudar as
impressões e observou: "Os grãos de areia dentro das marcas estão
mais juntos que os grãos de areia da rocha justamente fora das
marcas, por causa da pressão dos pés das criaturas [...] O arenito
adjacente a muitas das marcas está revolvido por causa da areia
úmida e solta soerguida pelo pé à medida que este afundava na
areia" . Tais fatos levaram Burroughs a concluir que as pegadas
semelhantes às humanas foram formadas por compressão na areia
macia e úmida antes de esta se consolidar em rocha cerca de
trezentos milhões de anos atrás. As observações de Burroughs
foram confirmadas por outros investigadores.
Segundo Kent Previette, Burroughs também consultou um escultor.
Em 1953, Previette escreveu: "Segundo disse o escultor, um entalhe
naquele tipo de arenito não poderia ter sido feito sem deixar marcas
artificiais. Fotomicrografias e fotografias de infravermelho ampliadas
não conseguiram revelar quaisquer 'indícios de entalhe ou cortes de
qualquer espécie'".
O próprio Burroughs parou subitamente de afirmar que as
impressões foram feitas por humanos, mas sua apresentação deixa-
nos com a forte impressão de que elas eram humanas. Ao lhe
perguntarem a respeito delas, Burroughs disse: "Elas parecem
humanas. É isso que as faz especialmente interessantes" .
PARTE II
8. O Homem de Java
A Expedição de Selenka
Com o intuito de resolver algumas das questões em torno dos
fósseis de Pithecanthropus e da descoberta deles, Emil Selenka,
professor de zoologia da Universidade de Munique, na Alemanha,
organizou uma expedição completa para Java, porém, morreu antes
da partida. Sua esposa, professora Lenore Selenka, assumiu o
empenho do marido e realizou escavações em Trinil nos anos 1907
e 1908, empregando 75 operários na caça a mais fósseis de
Pithecanthropus erectus. Ao todo, a equipe de geólogos e
paleontólogos de Selenka enviou de volta à Europa 43 caixas de
fósseis, mas não incluíram um novo fragmento sequer de
Pithecanthropus. Contudo, a expedição encontrou, nos estratos de
Trinil, sinais de uma presença humana: ossos animais lascados,
carvão e fundações de lareiras. Sinais dessa espécie levaram
Lenore Selenka a concluir que os humanos e o Pithecanthropus
erectus eram contemporâneos. As implicações de tudo isso para
uma interpretação evolucionilria dos espécimes de Pithecanthropus
de Dubois foram, e ainda são, perturbadoras.
Além disso, em 1924, George Grant MacCurdy, professor de
antropologia de Yale, escreveu em seu livro Human origins: "A
expedição de Selenka de 1907-1908 [...] conseguiu encontrar um
dente que, segundo diz Walkoff, é nitidamente humano. Trata-se de
um terceiro molar de um leito de rio próximo e de depósitos mais
antigos (plioceno) que aqueles em que foi encontrado o
Pithecanthropus erectus" .
Mais fêmures
A revelação tardia de que outros fêmures haviam sido descobertos
em Java complicou ainda mais o assunto. Em 1932, o dr. Bernsen e
Eugene Dubois recolheram três fêmures de uma caixa de fósseis de
ossos de mamíferos no Museu de Leiden, nos Países Baixos. A
caixa continha espécimes que, segundo diziam, haviam sido
escavados em 1900 pelo sr. Kriele, assistente de Dubois, dos
mesmos depósitos de Trinil, na margem esquerda do rio Solo, que
havia propiciado a Dubois as primeiras descobertas do Homem de
lava. O dr. Bernsen morreu logo em seguida, sem fornecer maiores
informações sobre os pormenores dessa descoberta no museu.
Dubois afirmou não estar presente quando da retirada dos fêmures
por parte de Kriele. Portanto, ele desconhecia a localização exata
dos fêmures na escavação, que tinha 75 metros de comprimento por
6 a 14 metros de largura. Segundo os procedimentos
palcontológicos convencionais, essa incerteza reuz hastante o valor
dos ossos como provas de qualquer espécie. Não obstante, as
autoridades atribuíram, mais tarde, um estrato em particular a esses
fêmures, sem mencionarem as circunstâncias dúbias de terem sido
descobertos em caixas de fósseis mais de trinta anos após terem
sido originalmente escavados. Afora os três fêmures encontrados
por Kriele, dois outros fragmentos femorais apareceram no Museu
de Leiden.
A existência dos outros fêmures tem implicações importantes para o
crânio e o fêmur originais de Pithecanthropus encontrados por
Dubois nos anos 90 do século XIX. O crânio simiesco e o fêmur
parecido com o fêmur humano foram encontrados a uma grande
distância um do outro, mas Dubois atribuiu-os à mesma criatura.
Segundo sugeriu ele, os ossos foram encontrados separados porque
o Pithecanthropus havia sido desmembrado por um crocodilo. Mas
se surgem mais fêmures parecidos com o fêmur humano, tal
argumento perde muito de sua força. Onde estavam os outros
crânios? Acaso eram crânios simiescos, como o primeiro
encontrado? E o crânio que foi encontrado? Acaso ele realmente
pertence ao mesmo esqueleto cujo fêmur foi encontrado a 14 metros
de distância? Ou pertence a um dos outros fêmures surgidos
posteriormente? Ou a um fêmur de uma espécie inteiramente
diferente?
O maxilar de Heidelberg
De volta a Java
Munido com o subsídio de Carnegie, Von Koenigswald regressou a
Java em junho de 1937. Logo ao chegar, contratou centenas de
nativos e enviou-os para encontrar mais fósseis. Mais fósseis foram
encontrados. Porém, quase todos eles eram fragmentos de maxilar e
crânio provenientes de localidades parcamente especificadas na
superfície próxima a Sangiran. Isso dificulta a determinação da idade
correta desses fósseis.
Durante a maior parte do tempo em que se realizavam as
descobertas de Sangiran, Von Koenigswald permanecia em
Bandung, a cerca de 320 quilômetros de distância, embora às vezes
viajasse até os lençóis de fósseis após ser informado de uma
descoberta.
No outono de 1937, Atma, um dos coletores de Von Koenigswald,
mandou-lhe pelo correio um osso temporal que aparentemente
pertencia a um espesso e fossilizado crânio hominídeo. Esse
espécime, dizia-se, tinha sido descoberto perto da margem de um rio
chamado Kali Tjemoro, na altura em que atravessa o arenito da
formação Kabuh, em Sangiran.
Von Koenigswald pegou o trem noturno para Java central, chegando
ao sítio na manhã seguinte. "Mobilizamos o número máximo de
coletores", declarou Von Koenigswald. "Eu trouxera o fragmento de
volta comigo, o mostrara a todos, prometendo-lhes 10 centavos por
cada pedaço adicional pertencente ao crânio. Aquilo era muito
dinheiro, pois um dente ordinário valia apenas 1/2 centavo ou 1
centavo. Tínhamos que manter o preço bem baixo porque nos
sentíamos compelidos a pagar em dinheiro por cada descoberta,
pois, quando um javanês encontra três dentes, ele simplesmente
pára de coletar até que tenha vendido esses três dentes. Em
conseqüência, vimo-nos forçados a comprar uma grande quantidade
de restos dentais quebrados e inúteis e jogá-los fora em Bandung -
se tivéssemos deixado esses mesmos restos em Sangiran, ter-nos-
iam tentado vendê-los outra vez."
A motivadíssima equipe rapidamente apareceu com os desejados
fragmentos de crânio. Von Koenigswald recordaria mais tarde: "Ali,
às margens de um riacho, quase seco naquela ocasião, jaziam os
fragmentos de um crânio, lavados dos arenitos e conglomerados que
continham a fauna de Trinil. Com um bando de animados nativos,
escalamos a encosta da colina, recolhendo todo fragmento de osso
que pudemos encontrar. Eu prometera 10 centavos para cada
fragmento pertencente àquele crânio humano. Mas subestimara a
capacidade de 'grandes negócios' de meus coletores morenos. O
resultado foi terrível! Nas minhas costas, eles quebravam os
fragmentos maiores em pedaços a fim de aumentar o número de
vendas! [...] Recolhemos cerca de quarenta fragmentos, trinta dos
quais pertenciam ao crânio [...] Eles formavam uma perfeita e quase
completa calota craniana de Pithecanthropus erectus. Agora, afinal,
nós a tínhamos"!
Como poderia Von Koenigswald saber que os fragmentos
encontrados na superfície de uma colina realmente pertenciam,
como alegava ele, à formação Kabuh do Pleistoceno Médio? Talvez
os coletores nativos tivessem encontrado um crânio em outro lugar e
o despedaçado, enviando um pedaço a Von Koenigswald e
espalhando o resto pelas margens do Kali Tjemoro.
Von Koenigswald reconstituiu um crânio a partir dos trinta
fragmentos que recolhera, chamando-o de Pithecanthropus II, e
enviou um relatório preliminar a Dubois. O crânio era muito mais
completo do que a calota craniana original encontrada por Dubois
em Trinil. Von Koenigswald sempre achara que Dubois reconstituíra
seu crânio de Pithecanthropus com pouquíssimo embasamento, e
acreditava que os fragmentos de crânio de Pithecanthropus recém-
encontrados por ele permitiam uma interpretação mais humanóide.
Dubois, que àquela altura havia concluído que seu Pithecanthropus
original não passava de um símio, discordou da reconstituição de
Von Koenigswald e acusou-o, em artigo publicado, de falsificação.
9. A Revelação de PiItdown
Após a descoberta, feita por Eugene Dubois, do Homem de Java
nos anos 90 do século XIX, intensificou-se a caçada aos fósseis a
fim de preencher as lacunas evolucionárias entre antigos
hominídeos simiescos e o Homo sapiens moderno. Foi nessa era de
grandes expectativas que foi feita na Inglaterra uma descoberta
sensacional - o Homem de Piltdown, uma criatura com crânio
humanóide e maxilar simiesco.
As linhas gerais da história de Piltdown são conhecidas tanto dos
proponentes quanto dos adversários da teoria darwiniana da
evolução humana. Os fósseis, os primeiros dos quais foram
descobertos por Charles Dawson entre 1908 e 1911, foram
declarados forjamentos nos anos 1950 por cientistas do Museu
Britânico. Isso permitiu aos críticos da evolução darwiniana desafiar
a credibilidade dos cientistas que, por diversas décadas, haviam
incluído os fósseis de Piltdown nas árvores genealógicas
evolucionárias.
Os cientistas, porém, foram ligeiros em chamar a atenção para o fato
de que eles próprios haviam exposto a fraude. Alguns trataram de
identificar, como forjadores, pessoas como Dawson, um amador
excêntrico, ou Pierre Teilhard de Chardin, um padre católico e
paleontólogo com idéias místicas sobre a evolução, absolvendo,
dessa forma, os "verdadeiros" cientistas envolvidos na descoberta.
Em certo sentido, poderíamos deixar a história de Piltdown por isso
mesmo e continuarmos com nossa pesquisa das provas
paleantropológicas. Porém, um exame mais profundo do Homem de
Piltdown e das controvérsias em torno dele mostrará ser proveitoso,
proporcionando-nos uma compreensão maior de como os falos
relativos à evolução humana são oficializados e desoficializados.
Contrariamente à impressão geral de que os fósseis representam
eles mesmos a maior certeza e convicção, a complexa rede de
circunstâncias vinculadas a uma descoberta paleantropológica pode
ofuscar a mais simples das compreensões. Em especial, é de
esperar semelhante ambigüidade no caso de um forjamento
cuidadosamente planejado, se é isso mesmo o que o episódio de
Piltdown representa. Porém, como regra geral, mesmo descobertas
paleantropológicas "comuns" são encobertas por múltiplas camadas
de incerteza. À medida que rastreamos a história pormenorizada da
controvérsia de Piltdown, torna-se evidente que a linha divisória
entre fato e forjamento costuma ser indistinta.
Um Forjamento exposto?
Enquanto isso, um dentista inglês chamado Alvan Marston insistia
em importunar os cientistas britânicos a respeito do Homem de
Piltdown, argumentando haver algo de errado com os fósseis. Em
1935, Marston descobriu um crânio humano em Swanscombe,
acompanhado por ossos fósseis de 26 espécies de animais do
Pleistoceno Médio. Desejando ver sua descoberta aclamada como
"o inglês mais antigo", Marston desafiou a idade dos fósseis de
Piltdown.
Em 1949, Marston convenceu Kenneth P. Oakley, do Museu
Britânico, a testar tanto os fósseis de Swanscombe quanto os de
Piltdown com o recém-desenvolvido método do teor de flúor. O
crânio de Swanscombe tinha o mesmo teor de flúor que os fósseis
de ossos animais encontrados no mesmo sítio, confirmando, desse
modo, sua antiguidade de Pleistoceno Médio. Os resultados dos
testes feitos com os espécimes de Piltdown foram mais confusos.
Oakley, devemos mencionar, aparentemente tinha suas próprias
suspeitas sobre o Homem de Piltdown. Oakleye Hoskins, co-autores
do relatório do teste de teor de flúor feito em 1950, escreveram que
"as características anatômicas do Eoanthropus (supondo que o
material analisado representasse uma só criatura) eram inteiramente
contrárias às expectativas que certas descobertas no Extremo
Oriente e na África nos fizeram ter em relação a um hominídeo do
começo do Pleistoceno".
Oakley testou os fósseis de Piltdown a fim de determinar se o crânio
e o maxilar do Homem de Piltdown pertenciam realmente um ao
outro. O teor de flúor de quatro dos ossos cranianos originais de
Piltdown variava de 0,1 % a 0,4% . O maxilar gerou um teor de flúor
de 0,2% , sugerindo que ele pertencia ao crânio. Os ossos da
segunda localidade de Piltdown apresentaram resultados
semelhantes. Segundo concluiu Oakley, os ossos de Piltdown eram
do interglacial Riss-Wurm, o que lhes atribuiria uma idade entre 75 e
125 mil anos. Isso é bem mais recente que a data do Pleistoceno
Inferior originalmente atribuída aos fósseis de Piltdown, porém,
continua sendo anomalamente antigo para um crânio do tipo
inteiramente humano na Inglaterra. Segundo a teoria atual, o Homo
sapiens sapiens surgiu na África cerca de cem mil anos atrás e
apenas muito mais tarde migrou para a Europa, por volta de trinta
mil anos atrás.
O relatório de Oakley não satisfez Marston inteiramente, pois este
estava convencido de que o maxilar e o crânio de Piltdown eram de
criaturas completamente diferentes. Valendo-se de seu
conhecimento de medicina e odontologia, Marston concluiu que o
crânio, com suas suturas fechadas, era de um humano maduro, ao
passo que o maxilar, com seus molares incompletamente
desenvolvidos, pertencia a um símio imaturo. Também achou que as
manchas escuras dos ossos, tidas como um sinal de grande
antiguidade, foram provocadas pelo fato de Dawsoll tê-Ios deixado
de molho em solução de dicromato de potássio para endurecê-los.
A campanha incessante de Marston sobre os fósseis de Piltdown
acabou chamando a atenção de J. S. Weiner, um antropólogo de
Oxford. Weiner logo convenceu-se de que havia algo de errado com
os fósseis de Piltdown. Ele comunicou suas suspeitas a W. E. Le
Gros Clark, chefe do departamento de antropologia da Universidade
de Oxford, mas a princípio Le Gros Clark manteve-se cético. Em 5
de agosto de 1953, Weiner e Oakley reuniram-se com Le Gros Clark
no Museu Britânico, onde Oakley retirou os verdadeiros espécimes
de Piltdown de um cofre para que eles pudessem examinar as
controvertidas relíquias. A essa altura, Weiner apresentou a Le Gros
Clark um dente de chimpanzé que ele, após consegui-lo numa
coleção de museu, havia arquivado e manchado com dicromato de
potássio. A semelhança com o molar de Piltdown era tão
surpreendente que Le Gros Clark autorizou uma Investigação
completa de todos os fósseis de Piltdown.
Aplicaram um segundo teste de teor de flúor, usando novas técnicas,
aos fósseis humanos de Piltdown. Três pedaços do crânio de
Piltdown produziram, naquele ensejo, um teor de flúor de 0,1%. Mas
o maxilar e os dentes de Piltdown produziram um teor muito inferior
de flúor: de 0,1% a 0,4%. Como o teor de flúor aumenta com o
passar do tempo, os resultados indicaram uma idade muito maior
para o crânio do que para o maxilar e os dentes. Isso queria dizer
que eles não podiam pertencer à mesma criatura.
Em relação aos dois testes de teor de flúor feitos por Oakley, vemos
que o primeiro indicou que tanto o crânio quanto o maxilar tinham a
mesma idade, ao passo que o segundo indicou terem eles idades
diferentes. Foi afirmado que o segundo conjunto de testes fez uso de
novas técnicas - isso ocorreu para produzir um resultado desejado.
Esse tipo de coisa ocorre com bastante freqüência em
paleantropologia - os pesquisadores aplicam e reaplicam testes, ou
aprimoram seus métodos, até que obtenham um resultado aceitável.
Então, param. Em tais casos, parece que o teste é calibrado em
contraste com uma expectativa teórica.
Também aplicaram testes de teor de nitrogênio nos fósseis de
Piltdown. Examinando os resultados, Weiner constatou que os ossos
do crânio continham entre 0,6% e 1,4% de nitrogênio, ao passo que
o maxilar continha 3,9% e a porção de dentina de alguns dos dentes
de Piltdown continha entre 4,2% e 5,1%. Os resultados do teste,
portanto, demonstraram que os fragmentos cranianos tinham idade
diferente da do maxilar e dos dentes, provando serem eles de
criaturas diferentes. Um osso moderno contém cerca de 4% a 5% de
nitrogênio, e o teor diminui com a idade. Parecia, então, que o
maxilar e os dentes eram bastante recentes, ao passo que o crânio
era mais antigo.
Os resultados dos testes de teor de flúor e nitrogênio ainda davam
margem a que se acreditasse que o crânio, pelo menos, era nativo
dos cascalhos de PiItdown. Finalmente, porém, até os fragmentos de
crânio ficaram sob suspeita. O relatório do Museu Britânico dizia: O
dr. G. F. Claringbull realizou uma análise cristalográfica em raios X
desses ossos para constatar que seu principal constituinte mineral, a
apatita de oxidrilo, havia sido parcialmente substituído pela gipsita.
Estudos das condições químicas no subsolo e no lençol freático de
Piltdown demonstraram que uma alteração tão incomum assim não
poderia ter ocorrido de forma natural no cascalho de Piltdown.
Identificando o réu
Escritos mais recentes, aceitando totalmente que todos os fósseis e
instrumentos de Piltdown eram fraudulentos, concentram-se em
identificar o réu. Weiner c Oakley, entre outros, insinuaram que
Dawson, o paleontólogo amador, tinha a culpa. Woodward, o
cientista profissional, foi absolvido.
Mas parece que o forjamento de Piltdown exigiu muito conhecimento
e capacidade técnicos - além daqueles aparentemente possuídos
por Dawson, um antropólogo amador. Tenha em mente que os
fósseis do Homem de Piltdown estavam acompanhados de muitos
fósseis de mamíferos extintos. Tudo indica que um cientista
profissional, que tivesse acesso a fósseis raros e soubesse como
escolhê-Ios e modificá-Ios para dar a impressão de uma montagem
faunística autêntica da era adequada, teve de se envolver no
episódio de Piltdown.
Houve quem tentasse incriminar Teilhard de Chardin, que estudou
num colégio jesuíta perto de Piltdown e ficou conhecendo Dawson
nos idos de 1909. Segundo acreditavam Weiner e seus
companheiros, um dente de estegodonte encontrado em Piltdown
provinha de um sítio norte-africano que teria sido visitado por
Teilhard de Chardin entre 1906 e 1908, período durante o qual ele
atuou como preletor na Universidade do Cairo.
Woodward é outro suspeito. Ele pessoalmente escavou alguns dos
fósseis. Se eles foram plantados, tudo indica que deveria ter
percebido haver algo de errado. Isso levanta a suspeita de que ele
próprio estivesse envolvido na trama. Além do mais, controlava
rigidamente o acesso aos fósseis originais de Piltdown, que ficavam
guardados aos cuidados dele no Museu Britânico. Isso poderia ser
interpretado como uma tentativa de evitar que a prova do forjamento
viesse a ser detectada por outros cientistas.
Ronald Millar, autor de The Piltdown men, suspeitava de Grafton
Eliot Smith. Tendo uma antipatia por Woodward, Smith pode ter
resolvido armarlhe uma cilada com uma fraude elegante. Smith,
como Teilhard de Chardin, havia passado algum tempo no Egito, de
modo que teve acesso a fósseis que poderiam ter sido plantados em
Piltdown.
Zhoukoudian
Entre aqueles que concordavam com Schlosser estava Gunnar
Andersson, geólogo sueco empregado pelo Instituto de Pesquisas
Geológicas da China. Em 1918, Andersson visitou um local chamado
Chikushan, ou Colina do Osso de Galinha, perto da aldeia de
Zhoukoudian, 40 quilômetros a sudoeste de Beijing. Ali, no fundo de
lavra de uma antiga pedreira de calcário, ele viu uma fissura de
argila vermelha contendo ossos fósseis, indicando a presença de
uma caverna antiga, ora aterrada.
Em 1921, Andersson visitou outra vez o sítio de Chikushan. Estava
acompanhado por Otto Zdansky, paleontólogo austríaco que fora
enviado para ajudá-lo, e por Walter M. Granger, do Museu
Americano de História Natural. As primeiras escavações deles não
foram muito produtivas, resultando apenas na descoberta de alguns
fósseis bem recentes.
Então alguns dos aldeões locais falaram com Zdansky a respeito de
um local próximo dali com ossos de dragão maiores, perto da
pequena estação ferroviária de Zhoukoudian. Ali Zdansky encontrou
outra pedreira de calcário, cujas paredes, como as da primeira,
tinham fissuras cheias de argila vermelha e ossos quebrados.
Andersson visitou o sítio e descobriu alguns pedaços quebrados de
quartzo, que ele julgou serem ferramentas muito primitivas. Como o
quartzo não ocorria naturalmente no sítio, Andersson deduziu que os
pedaços de quartzo haviam provavelmente sido trazidos para aquele
local por um hominídeo. Zdansky, que não se dava muito bem com
Andersson, discordou de sua interpretação.
Andersson, contudo, manteve sua convicção. Olhando para a
parede de caleário, ele disse: "Sinto que se encontram aqui os
restos de um de nossos ancestrais e que é só uma questão de
encontrá-lo". Ele pediu a Zdansky que continuasse buscando na
caverna aterrada, dizendo: "Vá com calma e persevere até esvaziar
a caverna, se necessário for" .
Em 1921 e 1923, Zdansky, com certa relutância, realizou breves
escavações. Ele descobriu sinais de um precursor humano primitivo
- dois dentes, experimentalmente datados do Pleistoceno Inferior. Os
dentes, um pré-molar inferior e um molar superior, foram
encaixotados com outros fósseis e enviados de navio para a Suécia
para estudos mais extensos. De volta à Suécia, Zdansky publicou
um ensaio em 1923 sobre seu trabalho na China, sem mencionar os
dentes.
As coisas ficaram assim até 1926. Naquele ano, o príncipe herdeiro
da Suécia, que era presidente do Comitê Sueco de Pesquisas na
China e patrocinador das pesquisas paleontológicas, planejou visitar
Beijing. O professor Wiman da Universidadc de Uppsala, perguntou
a Zdansky, seu ex-aluno, se ele deparara com alguma coisa
interessante que pudesse ser apresentada ao príncipe, Zdansky
enviou a Wiman um relatório, com fotografias, sobre os dentes que
ele encontrara em Zhoukoudian. O relatório foi apresentado por J.
Gunnar Andersson num encontro em Beijing, assistido pelo príncipe
herdeiro. Em relação aos dentes, Andersson declarou: "O homem
que eu predisse havia sido encontrado".
Davidson Black
Outra pessoa que achava que os dentes de Zdansky representavam
uma prova nítida do homem fóssil era Davidson Black, jovem médico
canadense residindo em Beijing.
Davidson Black graduou-se pela faculdade de medicina da
Universidade de Toronto em 1906, mas estava muito mais
interessado em evolução humana do que em medicina. Segundo
acreditava Black, os humanos haviam evoluído na Ásia setentrional,
e ele desejava ir à China para encontrar a evidência fóssil que
provaria essa teoria. Mas a Primeira Guerra Mundial retardou seus
planos.
Em 1917, Black alistou-se no corpo médico militar canadense.
Enquanto isso, um amigo, o dr. E. V. Cowdry, foi nomeado chefe do
departamento de anatomia da Beijing Union Medical College da
Fundação Rockefeller. Cowdry solicitou ao dr. Simon Flexner, diretor
da Fundação Rockefeller, que designasse Black como seu
assistente. Flexner o fez, e em 1919, após sua dispensa do serviço
militar, Black chegou a Beijing. Na Beijing Union Medical College,
Black fez todo o possível para reduzir suas obrigações como médico
para que pudesse se concentrar em seu verdadeiro interesse - a
paleantropologia. Em novembro de 1921, partiu em breve expedição
até um sítio da China setentrional, e outras expedições se
sucederam. Os superiores de Black não estavam muito satisfeitos.
Mas pouco a pouco, a Fundação Rockefeller seria conquistada pelo
ponto de vista de Black. Vale a pena examinar a série de eventos
que fizeram com que essa mudança ocorresse.
Em fins de 1922, Black submeteu um plano de expedição à Tailândia
ao dr. Henry S. Houghton, diretor da faculdade de medicina. Black
habilmente relacionou sua paixão pela paleantropologia à missão da
faculdade de medicina. Houghton escreveu a Roger Greene, diretor
administrativo da faculdade: "Embora eu não possa ter certeza de
que o projeto que Black tem em mente seja de natureza estritamente
prática, devo confessar ter ficado profundamente impressionado com
[...] a valiosa relação que ele foi capaz de estabelecer entre nosso
departamento de anatomia e as diversas instituições e expedições
que estão realizando um importante trabalho na China nas áreas
diretamente ligadas à pesquisa antropológica. Tendo esses pontos
em mente, recomendo a concessão da solicitação dele". Pode-se
ver, nesse caso, a importância do fator prestígio intelectual - a
medicina comum parece bastante prosaica se comparada à busca
quase religiosa do segredo da origem humana, busca que havia,
desde o tempo de Darwin, incendiado a imaginação de cientistas do
mundo todo. Houghton estava nitidamente influenciado. A expedição
aconteceu durante as férias de verão de Black, em 1923, mas,
infelizmente, não produziu resultado nenhum.
Em 1926, Black participou do encontro científico em que J. Gunnar
Andersson apresentou ao príncipe herdeiro da Suécia o relatório
sobre os molares encontrados por Zdansky em Zhoukoudian em
1923. Entusiasmado ao ficar sabendo a respeito dos dentes, Black
aceitou uma proposta feita por Andersson, convidando-o a participar
de novas escavações em Zhoukoudian, a serem realizadas por um
esforço conjunto do Instituto de Pesquisas Geológicas da China e o
departamento de Black na Beijing Union Medical School. O dr.
Amadeus Grabau, do Instituto de Pesquisas Geológicas da China,
chamou o hominídeo que eles buscavam de "Homem de Beijing".
Black solicitou subsídios da Fundação Rockefeller e, para seu
deleite, recebeu uma subvenção generosa.
Durante a primavera de 1927, o trabalho prosseguia em
Zhoukoudian, em plena guerra civil chinesa. Durante diversos meses
de cuidadosa escavação, não houve descoberta de quaisquer restos
hominídeos. Enfim, com as frias chuvas de outono começando a
cair, marcando o fim da primeira temporada de escavação,
descobriram um único dente hominídeo. Com base nesse dente e
nos dois anteriormente registrados por Zdansky (agora em posse de
Black), Black resolveu anunciar a descoberta de um novo tipo de
hominídeo fóssil. Ele o denominou Sinanthropus - Homem da China.
Black estava ansioso para mostrar sua descoberta ao mundo.
Durante suas viagens com o dente recém-encontrado, Black deu-se
conta de que nem todos compartilhavam de seu entusiasmo pelo
Sinanthropus. Por exemplo: no encontro anual da Associação
Americana de Anatomistas, em 1928, alguns dos membros
criticaram Black pesadamente por ter proposto um gênero novo com
base em tão pouca evidência.
Black continuou dando suas voltas, mostrando o dente a Ales
Hrdlicka nos Estados Unidos e em seguida viajando para a
Inglaterra, onde encontrou-se com Sir Arthur Keith e Sir Arthur Smith
Woodward. No Museu Britânico, Black providenciou que se fizessem
moldes dos molares do Homem de Beijing, para serem distribuídos
para outros funcionários. Esse é o tipo de propaganda necessária
para chamar a atenção da comunidade científica para uma
descoberta. Mesmo entre cientistas, habilidades políticas têm sua
importância.
De volta à China, Black manteve-se em estreito contato com as
escavações em Zhoukoudian. Por meses a fio, não se descobriu
nada. Mas Black escreveu para Keith em 5 de dezembro de 1928:
"Parece ter havido uma certa magia em torno dos últimos dias desta
temporada de trabalho, pois, dois dias antes de seu término, Bohlin
encontrou a metade direita do maxilar inferior do Sinanthropus com
os três molares permanentes in situ" .
Sinais de canibalismo
Em 15 de março de 1934, Davidson Black foi encontrado em sua
escrivaninha de trabalho, morto por um ataque cardíaco. Em sua
mão, segurava sua reconstituição do crânio do Sinanthropus. Logo
após a morte de Black, Franz Weidenreich assumiu a liderança do
Laboratório de Pesquisa Cenozólca e escreveu uma série completa
de relatórios sobre os fósseis do Homem de Beijing. Segundo
Weidenreich, os restos fósseis dos indivíduos Sinanthropus, em
especial os crânios, sugeriam terem eles sido vítimas de
canibalismo.
A maior parte dos ossos hominídeos descobertos na caverna em
Zhoukoudian era de fragmentos cranianos. Weidenreich observou,
em particular, que faltavam porções da parte central da base,
comparando-a com os crânios relativamente completos. Conforme
observou ele, em crânios melanésios modernos, "os mesmos danos
ocorrem como efeitos de cerimônias de canibalismo".
Além das partes faltantes da base do crânio, Weidenreich também
observou outros sinais que poderiam ser atribuídos à deliberada
aplicação de força. Por exemplo, alguns dos crânios apresentavam
marcas de impacto de um tipo que "só pode ocorrer se o osso ainda
está em estado de plasticidade", indicando que "os danos descritos
foram provavelmente infligidos em vida ou logo após a morte".
Alguns dos poucos ossos compridos de Sinanthropus encontrados
em Zhoukoudian também apresentavam sinais que, para
Weidenreich, sugeriam fratura humana, talvez para obter o tutano.
Os fósseis desaparecem
Como já mencionamos antes, um motivo pelo qual pode ser difícil
resolver muitas das questões em torno do Homem de Beijing é que
os fósseis originais já não se encontram à disposição para serem
estudados. Por volta de 1938, escavações em Zhoukoudian, sob a
orientação de Weidenreich, foram detidas pelo movimento de
guerrilhas ao redor de Western Hills. Posteriormente, já com a
Segunda Guerra Mundial bem avançada, Weidenrcich partiu para os
Estados Unidos em abril de 1941, levando consigo uma série de
moldes de fósseis do Homem de Beijing.
No verão de 1941, segundo consta, os ossos originais foram
acondicionados em dois baús e enviados para o Coronel Ashurst da
Guarda da Embaixada da Marinha Americana em Beijing. No
princípio de dezembro de 1941, os baús foram, segundo consta em
registros, colocados num trem com destino ao porto de
Chinwangtao, onde seriam embarcados num navio norte-americano,
o President Harrison, como parte da evacuação norte-americana da
China. Porém, em 7 de dezembro, o trem foi interceptado e os
fósseis jamais foram vistos de novo. Após a Segunda Guerra
Mundial, o governo comunista chinês continuou as escavações em
Zhoukoudian, acrescentando uns poucos fósseis às descobertas do
pré-guerra.
Criptozoologia
Para alguns pesquisadores, o estudo de criaturas tais como os
homens selvagens enquadra-se numa ramificação autêntica da
ciência chamada criptozoologia. A criptozoologia, termo cunhado
pelo zoólogo francês Bernard Heuvelmans, refere-se à investigação
científica de espécies cuja existência tenha sido registrada mas não
inteiramente documentada. A palavra grega kryptos significa
"oculto", de modo que criptozoologia quer dizer, literalmente, "o
estudo de animais ocultos". Existe uma Sociedade Internacional de
Criptozoologia, cujo conselho diretor inclui biólogos, zoólogos e
paleontólogos profissionais de universidades e museus do mundo
todo. O objetivo da sociedade, conforme afirma seu jornal
Cryptozoology, é "a investigação, análise, publicação e debate de
todos os assuntos relacionados a animais de forma ou tamanho
inesperados, ou de ocorrência inesperada no tempo ou no espaço".
Um típico número do Cryptozoology costuma conter um ou mais
artigos, escritos por cientistas, sobre o tema homens selvagens.
É mesmo possível que pudesse existir uma espécie desconhecida
de hominídeo neste planeta? Muitos terão muita dificuldade em
acreditar nisto por duas razões. Supõem que cada centímetro da
Terra já foi inteiramente explorado. E também supõem que os
cientistas possuem um inventário completo das espécies animais
vivas no planeta. Ambas as suposições estão incorretas.
Em primeiro lugar, mesmo em países como os Estados Unidos,
ainda restam vastas áreas despovoadas e pouco trafegadas. Em
especial, o noroeste dos Estados Unidos ainda tem amplas regiões
de terreno densamente arborizado e montanhoso que, embora
mapeadas por via aérea, são raramente penetradas por humanos
por via terrestre.
Em segundo lugar, um número surpreendente de novas espécies de
animais continua sendo encontrado a cada ano - cerca de cinco mil,
segundo uma estimativa conservadora. Como seria de suspeitar, a
grande maioria delas, cerca de quatro mil, são insetos. Todavia, em
1983, Heuvelmans observou: "Bastante recentemente, na metade da
década de 1970, eram descobertas, a cada ano, por volta de 112
novas espécies de peixes, dezoito novas espécies de répteis, dez
novas espécies de anfíbios, o mesmo número de mamíferos e três
ou quatro novas espécies de aves".
Homens selvagens europeus
Relatórios de homens selvagens remontam a um passado remoto.
Muitos objetos de arte dos gregos, romanos, cartagenos e etruscos
trazem imagens de criaturas semi-humanas. No Museu da Pré-
história, em Roma, por exemplo, há uma tigela etrusca de prata
sobre a qual se pode ver, entre caçadores humanos montados em
cavalos, a figura de uma grande criatura simiesca. Durante a Idade
Média, a arte e a arquitetura européias continuaram a retratar
homens selvagens. Uma página do Queen Mary's Psalter, composto
no século XIV, mostra uma mulher selvagem peluda, retratada de
forma muito realista, sendo atacada por uma matilha de cães.
África
Informantes nativos de diversos países da parte ocidental do
continente africano, tais como a Costa do Marfim, têm feito relatos
de uma raça de criaturas parecidas com pigmeus e cobertas com
pêlo avermelhado. Há também casos de europeus que tiveram
encontros com elas.
Da África oriental também temos relatos sobre homens selvagens, O
capitão WiIliam Hitchens registrou em 1937: "Alguns anos atrás, fui
enviado numa caçada oficial a leões nessa área (as florestas Ussure
e Simibit na parte ocidental das planícies de Wembare) e, enquanto
esperava por um animal carnívoro numa clareira da floresta, avistei
duas pequenas criaturas marrons e peludas saírem da floresta
fechada de um lado da clareira e desaparecerem nos matagais do
outro lado. Eram como homenzinhos, com cerca de 1,2 metro de
altura, andando eretos, mas cobertos de pêlo castanho-
avermelhado. O caçador nativo que me fazia companhia olhou para
a cena num misto de pavor e espanto. Eles eram, disse, Agogwe, os
homenzinhos peludos que só se vê uma vez na vida". Acaso eram
apenas símios ou macacos? Não parece que Hitchens ou o caçador
nativo que o acompanhava não teriam sido capazes de reconhecer
um símio ou um macaco. Muitos relatos sobre o Agogwe provêm da
Tanzânia e de Moçambique.
Da região do Congo, temos relatos sobre o Kakundakari e o
Kilomba. Com cerca de 1,8 metro de altura e cobertos de pêlo,
dizem que eles caminham eretos como os humanos. Charles
Cordier, colecionador profissional de animais que trabalhou para
muitos jardins zoológicos e museus, seguiu pegadas do Kakundakari
no Zaire no fim da década de 1950 e no começo da de 1960. Certa
vez, disse Cordier, um Kakundakari ficara preso em uma de suas
armadilhas para aves, "Ele caiu de cara no solo", disse Cordier,
"virou-se, sentou-se, tirou o laço de seus pés e foi embora antes que
o africano ali perto pudesse fazer algo".
Também existem relatos sobre tais criaturas procedentes do sul da
África. Pascal Tassy, do Laboratório de Paleontologia Vertebrada e
Humana, escreveu em 1983: "Philip V. Tobias, hoje membro do
Conselho de Diretores da Sociedade Internacional de Criptozoologia,
contou certa vez a Heuvelmans que um de seus colegas colocara
armadilhas para capturar australopitecinos vivos". Tobias, oriundo da
África do Sul, é uma reconhecida autoridade em Australopithecus.
Segundo os pontos de vista convencionais, os últimos
australopitecinos pereceram há aproximadamente 750 mil anos, e o
Homo erectus extinguiu-se por volta de duzentos mil anos atrás. Os
Homens de Neandertal, diz-se, desapareceram cerca de 35 mil anos
atrás e, desde então, apenas humanos inteiramente modernos têm
existido no mundo inteiro. Todavia, muitas visões de diferentes tipos
de homens selvagens em diversas partes do mundo desafiam
fortemente o ponto de vista convencional.
O Esqueleto de Reck
A primeira descoberta africana significativa ocorreu logo no começo
do século XX. Em 1913, o professor Hans Reck, da Universidade de
Berlim, realizou investigações no desfiladeiro Olduvai; na Tanzânia,
então África Oriental Alemã. Enquanto um dos coletores africanos de
Reck procurava fósseis, avistou um pedaço de osso projetando-se
da terra. Após remover o cascalho superficial, o coletor viu partes de
um esqueleto inteiramente humano e completo incrustadas na rocha.
Chamou Reck, que em seguida providenciou para que tirassem o
esqueleto de um sólido bloco de sedimento rígido. Os restos
esqueletais humanos, incluindo um crânio completo (Figura 12.1),
tiveram de ser separados da rocha com martelos e talhadeiras. O
esqueleto foi então transportado para Berlim.
Reck identificou uma seqüência de cinco lençóis no desfiladeiro
Olduvai. O esqueleto era da parte superior do Estrato II, que hoje se
considera tenha 1,15 milhão de anos de idade. No sítio de Reck, as
camadas sobrejacentes (Estratos III, IV e V) haviam sido
desgastadas pela erosão. Mas o Estrato II ainda estava coberto pelo
cascalho do vermelho e brilhante Estrato III e do Estrato V (Figura
12.2). Talvez, a apenas cinqüenta anos, o sítio tivesse estado
coberto pelos Estratos III e V, incluindo uma dura camada de
calcreto parecida com calcário. O Estrato IV foi aparentemente
eliminado pela erosão antes da sedimentação do Estrato V.
Compreendendo a importância de sua descoberta, Reck estudou
com bastante cuidado a possibilidade de o esqueleto humano ter
chegado ao Estrato II por meio de um sepultamento. Reck observou:
"A parede do cascalho teria um limite claro, uma borda que
mostrasse, em perfil, uma divisão em relação à pedra intocada. A
camada de cascalho mostraria uma estrutura anormal e uma mistura
heterogênea de materiais escavados, incluindo pedaços de calcreto
facilmente reconhecíveis. Nenhum desses dois sinais seria
encontrado, a despeito da mais atenta inspeção. Pelo contrário, não
se podia distinguir a pedra diretamente ao redor do esqueleto da
pedra circunjacente em termos de cor, rigidez, espessura das
camadas, estrutura ou ordem".
Louis Leakey examinou o esqueleto de Reck em Berlim, porém,
julgou-o mais recente do que alegara Reck. Em 1931, Leakey e
Reck visitaram o sítio onde o esqueleto havia sido encontrado.
Leakey cedeu ao ponto de vista de Reck de que o esqueleto
humano anatomicamente moderno tinha a mesma idade que o
Estrato II.
Em fevereiro de 1932, os zoólogos C. Forster Cooper, de
Cambridge, e D. M. S. Watson, da Universidade de Londres,
disseram que a inteireza do esqueleto encontrado por Reck indicava,
sem dúvida alguma, que se tratava de um sepultamento recente.
Leakey concordou com a opinião de Cooper e Watson de que o
esqueleto de Reck chegara à posição em que fora encontrado no
Estrato II por meio de sepultamento, mas achou que o sepultamento
se dera durante a época do Estrato II.
Em uma carta à Nature, Leakey argumentou que, há não mais de
cinqüenta anos, a parte superior amarelo-avermelhada do Estrato II
teria sido coberta por uma camada intacta do vermelho e brilhante
Estrato III. Se o esqueleto tivesse sido enterrado após a
sedimentação do Estrato II, deveria ter ocorrido uma mistura dos
sedimentos vermelho brilhante e amarelo-avermelhado na
composição do cascalho. "Eu tive a sorte de examinar com meus
próprios olhos o esqueleto em Munique, enquanto ele ainda estava
intacto em sua matriz original", escreveu Leakey, "e não consegui
detectar vestígio nenhum de semelhante mistura ou perturbação".
Cooper e Watson ainda não se haviam dado por satisfeitos. Em
junho de 1932, eles disseram, numa carta à Nature, que os seixos
vermelhos do Estrato III poderiam ter perdido sua cor. Isso explicaria
o motivo pelo qual Reck e Leakey não viram os seixos do Estrato III
na matriz ao redor do esqueleto. A. T. Hopwood, contudo, discordou
da idéia de que os seixos do Estrato III tivessem perdido sua cor
vermelha brilhante. Segundo salientou, o topo do Estrato II, no qual
fora encontrado o esqueleto, também era avermelhado. E afirmou:
«A cor avermelhada da matriz é contrária à teoria de que quaisquer
inclusões do Estrato III teriam se descolorido".
A despeito dos ataques verbais de Cooper e Watson, Reck e Leakey
pareciam estar também desferindo os seus. Mas em agosto de
1932, P. G. H. Boswell, geólogo do Imperial College da Inglaterra,
fez um relatório desconcertante nas páginas da Nature.
De Munique, o professor T. Mollison enviara para Boswell uma
amostra do que Mollison disse ser a matriz que circundava o
esqueleto de Reck. Mollison, diga-se de passagem, não era de todo
neutro em relação ao assunto. Já em 1929, expressara a crença de
que o esqueleto pertencia a um homem de tribo Masai, enterrado
num passado não muito distante.
Conforme declarou Boswell, a amostra fornecida por Mollison
continha: "Seixos vermelhos brilhantes do tamanho de uma ervilha,
como os do Estrato III, e lascas de calcário solidificado
indistinguíveis do calcário do Estrato V". Boswell interpretou tudo
isso como significando que o esqueleto havia sido enterrado após a
sedimentação do Estrato V, que contém camadas rígidas de cal de
estepe, ou calcreto.
Sem dúvida, a presença dos seixos vermelhos brilhantes do Estrato
III e das lascas de calcário do Estrato V na amostra enviada por
Mollison exige alguma explicação. Tanto Reck quanto Leakey
examinaram cuidadosamente a matriz em diferentes momentos
durante um período de vinte anos. Eles não relataram nenhuma
mistura dos materiais do Estrato III, ou lascas de calcreto parecido
com calcário, muito embora estivessem procurando exatamente
essa prova. Portanto, é extraordinário que a presença dos seixos ver
melhos e das lascas de calcário tivesse se tornado aparente de uma
hora para outra. Isso faz parecer que pelo menos um dos
participantes da descoberta e da polêmica subseqüente era culpado
por uma observação extremamente descuidada - ou de um embuste.
O debate sobre a idade do esqueleto de Reck complicou-se mais
ainda quando Leakey trouxe novas amostras de solo de Olduvai.
Boswell e J. D. Solomon estudaram-nas no Imperial College of
Science and Technology. Relataram suas descobertas na edição de
18 de março de 1933 da Nature, numa carta também assinada por
Leakey, Reck e Hopwood.
A carta continha esta intrigantíssima declaração: «As amostras do
Estrato II, colhidas realmente no 'sítio do homem', no mesmo nível e
na vizinhança imediata do local onde o esqueleto foi encontrado,
consistem em puro e inteiramente típico material do Estrato II,
diferindo de forma muito marcante das amostras da matriz do
esqueleto que foram fornecidas pelo professor Mollison de Munique".
Isso sugere que a amostra de matriz originalmente fornecida por
Mollison a Boswell pode não ter sido representante autêntica do
material que circundava o esqueleto de Reck.
Porém, Reck e Leakey aparentemente concluíram, a partir das
novas observações, que a amostra de matriz do esqueleto de Reck
era, na verdade, alguma espécie de enchimento de cascalho,
diferente do material puro do Estrato II. Quanto ao que podemos
entender, eles não apresentaram nenhuma explicação satisfatória
sobre sua opinião anterior - de que o esqueleto havia sido
encontrado em inquestionáveis e puros materiais do Estrato II.
Em vez disso, tanto Reck quanto Leakey aliaram-se a Boswell,
Hopwood e Solomon ao concluírem "parecer bem provável que o
esqueleto era intrusivo no Estrato II e que a data da intrusão não
mais recente que a grande discordância estratigráfica que separa o
Estrato V das séries inferiores".
O Nascimento do Australopithecus
Zinjanthropus
As próximas descobertas importantes foram feitas por Louis Leakey
e sua segunda esposa, Mary. Em 17 de julho de 1959, Mary Leakey
deparou com o crânio despedaçado de um jovem hominídeo no
Estrato I do desfiladeiro Olduvai, no sítio FLK. Quando os pedaços
do crânio foram reunidos, Louis e Mary Leakey viram que a criatura
tinha uma crista sagital, um sulco ósseo que se estendia
verticalmente ao longo da calota craniana. Sob esse aspecto,
parecia-se bastante com o Australopithecus robustus. Não obstante,
Leakey criou uma nova espécie para categorizar esse hominídeo,
em parte por ele ter os dentes maiores que os dos espécimes
robustus sul-africanos. Leakey chamou a nova descoberta de
Zinjanthropus boisei. Zinj é um nome relativo à África oriental e
boisei refere-se ao sr. Charles Boise, um dos primeiros financiadores
dos projetos de Leakey. Com o crânio, Leakey encontrou
ferramentas de pedra, o que fez com que chamasse o Zinjanthropus
de o primeiro fabricante de ferramentas de pedra, e daí o primeiro
"homem verdadeiro".
Leakey tornou-se o primeiro superastro que a paleantropologia via
após um bom lapso de tempo. A Sociedade Geográfica Nacional
honrou Leakey com subsídios, publicação de artigos ricamente
ilustrados, programas especiais na televisão e turnês mundiais.
Mas, a despeito da abundância de publicidade, o reinado do
Zinjanthropus foi breve demais. Sonia Cole, biógrafa de Leakey,
escreveu: "Cumpre admitir que Louis tinha que persuadir a
Sociedade Geográfica Nacional do fato de que ele tinha em Zinj um
provável candidato a "o primeiro homem" para assegurar-se de que
eles continuariam lhe dando subsídios - mas ele precisava ter
colocado sua cabeça a prêmio de forma tão extrema? Mesmo um
Ieigo que olhasse para o crânio não poderia deixar-se enganar: Zinj,
com sua crista parecida com a do gorila na calota craniana e seu
cenho baixo, era, de forma bastante óbvia, muito mais parecido com
os robustos australopitecinos da África do Sul do que com o homem
moderno - com o qual, com toda franqueza, ele não tem a menor
semelhança".
Homo habilis
Em 1960, cerca de um ano após a descoberta do Zinjanthropus,
Jonathan, filho de Leakey, encontrou o crânio de outro hominídeo
(OH 7) perto do sítio do Zinj. Afora o crânio, o indivíduo OH 7 incluía
os ossos de uma das mãos. Também em 1960, encontraram os
ossos de um pé de hominídeo (OH H). Em anos seguintes, outras
descobertas foram feitas, a maior parte delas de dentes e de
fragmentos de maxilar e crânio. Os indivíduos fósseis recebiam
apelidos coloridos: Johnny's Child, George, Cindy e Twiggy. Alguns
dos ossos foram encontrados na parte inferior do Estrato II do
desfiladeiro Olduvai.
Philip Tobias, o anatomista sul-africano, deu ao crânio OH 7 uma
capacidade de 680 cc, muito mais que os 530 cc do Zinjanthropus, e
maior ainda que o maior dos crânios de australopitecino, com
aproximadamente 600 cc. Tinha, contudo, em tomo de menos 100
cc de capacidade que o menor dos Homo erectus.
Louis Leakey concluiu ter enfim deparado com o verdadeiro
fabricante de ferramentas dos níveis inferiores de Olduvai, o primeiro
humano de verdade. Seu cérebro maior confirmava seu status.
Leakey chamou a criatura de Homo habilis, que quer dizer "homem
hábil".
Após a descoberta do Homo habilis, o Zinjanthropus foi rebaixado a
Australopithecus boisei, uma variedade um tanto mais robusta de
Australopitecus robustus. Ambos australopitecinos robustos tinham
cristas sagitais, e não são tidos como ancestrais humanos, mas
como prole evolucionária que acabou extinguindo-se.
A questão das cristas sagitais é que torna as coisas um tanto
complicadas. Os gorilas machos e alguns chimpanzés machos
também têm cristas sagitais, ao passo que as fêmeas dessas
espécies não as têm. Por isso, Mary Leakey disse em 1971: "A
possibilidade de Australopithecus robustus e Australopithecus
africanus representarem o macho e a fêmea de uma só espécie
merece séria consideração". Se a possibilidade levantada por Mary
Leakey fosse tida como correta, isso significaria que gerações e
gerações de peritos estiveram redondamente equivocadas quanto
aos australopitecinos.
O Astrágalo ER 813
Em 1974, B. A. Wood descreveu um astrágalo (osso do tornozelo)
encontrado no lago Turkana. Ele jazia entre o Tufo KBS e o
sobrejacente Tufo de Koobi Fora. Wood comparou o astrágalo fóssil,
designado ER 813, aos de humanos modernos, gorilas, chimpanzés
e outros primatas arbóreos. "O fóssil", disse Wood, "alinhava-se com
os astrágalos humanos modernos."
O astrágalo humanóide ER 813 tem entre 1,5 e 2 milhões de anos
de idade, aproximadamente contemporâneo das criaturas
designadas como Australopithecus robustus, Homo erectus e Homo
habilis.
As Pegadas de Laetoli
O sítio de Laetoli está localizado no norte da Tanzânia, cerca de 50
quilômetros ao sul do desfiladeiro Olduvai. "Laetoli" é o termo Masai
para o lírio vermelho. Em 1979, membros de uma expedição liderada
por Mary Leakey perceberam algumas marcas no solo. Elas
mostraram ser pegadas fósseis de animais. Entre elas havia
algumas que pareciam ter sido feitas por hominídeos. As pegadas
haviam sido impressas em camadas de cinza vulcânica, que gerou
uma idade de potássio-argônio entre 3,6 e 3,8 milhões de anos.
A revista National Geographic publicou um artigo de Mary Leakey
intitulado "Pegadas nas cinzas do tempo". Em sua análise das
impressões, Leakey citava Louise Robbins, uma perita em pegadas
da Universidade da Carolina do Norte, que disse que "elas pareciam
tão humanas, tão modernas, para serem encontradas em tufos
vulcânicos tão antigos".
Os leitores que nos acompanharam até este ponto de nossa jornada
intelectual terão pouca dificuldade para reconhecer as pegadas de
Laetoli como evidência em potencial da presença de seres humanos
anatomicamente modernos há mais de 3,6 milhões de anos na
África. Ficamos, contudo, um tanto espantados ao encontrar uma
anomalia tão surpreendente no inesperado cenário dos mais
recentes anais da pesquisa paleantropológica convencional. O que
mais nos assombrou foi que cientistas de reputação mundial, os
melhores em sua área profissional, conseguiram olhar para essas
pegadas, descrever seus aspectos humanóides e se manter
completamente desatentos da possibilidade de as criaturas que as
fizeram poderem ter sido tão humanóides quanto nós próprios.
Os fluxos mentais deles operavam segundo os corriqueiros canais
fixos. Mary Leakey escreveu: "Há pelo menos 3.600.000 anos, em
épocas do Plioceno, o que eu acredito ser o ancestral direto do
homem caminhava inteiramente ereto com uma andadura bípede e
sem passadas largas [...] A forma de seu pé era exatamente a
mesma que a nossa" .
Quem era o tal ancestral? Levando em conta o ponto de vista de
Leakey, as pegadas de Laetoli teriam sido feitas por um ancestral
não-australopitecino do Homo habilis. Levando em conta o ponto de
vista de Johanson-White, as pegadas de Laetoli teriam sido feitas
pelo Australopithecus afarensis. Em ambos os casos, a criatura que
fez as impressões teria tido uma cabeça simiesca e outras
caracteristicas primitivas.
Mas por que não uma criatura com pés e corpo inteiramente
modernos? Não existe nada nas pegadas que descarte essa
possibilidade. Além do mais, compilamos neste livro uma quantidade
razoável de evidências fósseis, algumas delas da África, compatíveis
com a presença de seres humanos anatomicamente modernos no
Pleistoceno Inferior e Plioceno Superior.
Estaríamos talvez exagerando os aspectos humanóides das
pegadas de Laetoli? Vejamos o que diversos pesquisadores nos têm
a dizer. Louise Robbins, que forneceu uma avaliação inicial das
impressões de Laetoli a Mary Leakey em 1979, publicou mais tarde
um relatório mais ponnenorizado. Diversos conjuntos de trilhas,
identificados por letras, foram encontrados em Laetoli. Ao examinar
as trilhas "G", representantes de três indivíduos descritos por Mary
Leakey como um possível grupo familiar, Robbins descobriu que as
impressões "compartilham muitos aspectos que são característicos
da estrutura do pé humano". Ela observou em especial que o dedo
grande do pé apontava diretamente para a frente, como nos
humanos, e não para o lado, como nos símios. Em símios, o dedo
grande do pé pode se mexer tal qual o polegar humano. Segundo
concluiu Robbins, "as quatro regiões funcionais - calcanhar, arcada,
protuberância arredondada e dedos grandes - dos pés dos
hominídeos imprimiam a cinza de maneira tipicamente humana" e
"os hominídeos atravessavam a superficie da cinza de forma bípede
humana característica".