Acórdão Do Tribunal Da Relação de Coimbra
Acórdão Do Tribunal Da Relação de Coimbra
Acórdão Do Tribunal Da Relação de Coimbra
Processo: 14/10.2GTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 23-03-2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 258º E 261º, DO C. PENAL
Sumário: 1. No caso de uso de cartão tacográfico de terceira pessoa para falsificar uma notação
técnica, os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global do
arguido entram em plena conexão, intercepcionandose entre si, razão pelo que «se deve
concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico
social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados
socialmente relevantes dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas
, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo
legislador quando editou o art.º 77º».
2. Verificase, assim, um concurso aparente de crimes, ficando consumido o previsto no art.º
261º (“uso de documento de identificação alheio”) pelo previsto no art.º 258º (“falsificação
de notação técnica”), ambos do C. Penal.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
1. No processo n.º 14/10.2GTRD do Tribunal Judicial de Celorico da Beira, recorre o
Ministério Público da decisão instrutória datada de 29/11/2010, cujo veredicto foi o seguinte:
«Não pronuncio o arguido MC..., pela prática do crime de uso de documento de identificação
alheio, p. e p. pelo artigo 261°, n.° 1, por referência à al. c) do artigo 255º, ambos do Código
Penal; e
Pelos fundamentos de facto constantes da acusação pública a fls. 152 e ss., para a qual
remeto, ao abrigo do disposto no artigo 307.º, n.° 1, do Código de Processo Penal, para
julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular, pronuncio o arguido
MC..., melhor identificado no TIR de fls. 8, pela prática, em autoria material e na forma
consumada de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258º, n.º 1, al.
b), e n.° 2, por referência à al. b) do artigo 255º, ambos do Código Penal».
Recorda-se que o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido pela prática dos dois
crimes em causa, tendo este requerido a abertura da fase instrutória (artigo 287º, n.º 1, alínea a)
do CPP), a qual vem a culminar na prolação de um despacho misto de pronúncia e despronúncia.
2. O recorrente, motivando o seu recurso, apresenta as seguintes CONCLUSÕES (em
transcrição):
«1. Por decisão instrutória proferida nos presentes autos, o arguido MC... não foi pronunciado
pela prática do crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo art. 261.°, n.° 1
do Código Penal, e foi pronunciado pela prática de um crime de falsificação de notação técnica,
previsto e punido pelo artigo 258.°, n.° 1, al. c) e n.° 2, por referência ao art. 255.°, al. a) ambos
do CP, de que vinha acusado.
2. O Tribunal a quo considerou, para o efeito, que há lugar apenas à punição do arguido pelo
crime de falsificação de notação técnica o qual surge como crime fim, ficando então afastada,
por via da subsidiariedade, a punição do crime de uso de documento de identificação alheio
como crime meio, pelo que a punição nestes casos em concurso efectivo redundaria numa dupla
punição do mesmo facto.
3. E, verificando-se indícios suficientes da prática, pelo arguido, do crime de falsificação de
notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.°, n.° 1 al. b) por referência à al. a) do artigo 255.° ambos
do CPP, o Tribunal a quo pronunciou o arguido apenas pela prática deste crime.
4. A nossa discordância relativamente à decisão instrutória recorrida diz respeito ao concurso de
crimes, por entendermos que o arguido deve ser pronunciado pela prática, cm concurso efectivo,
dos crimes de falsificação de notação técnica e uso de documento de identificação alheio, p. e p.
pelos artigos 258.°, n.° 1 al. b) e n.° 2 e 261.º, n.° 1 ambos do CP, pelos factos constantes da
acusação pública proferida nos presentes autos.
5. A determinação da existência de uma unidade ou pluralidade criminal de infracções na
conduta de um agente será determinada em função do número de valorações que no mundo
jurídico-criminal correspondem a uma certa actividade, ou seja, aplicando critério jurídico e não
naturalístico.
6. Entendemos que o legislador penal, com a revisão introduzida ao Código Penal através da Lei
59/2007, de 04.09, pretendeu punir o uso de documento alheio de forma mais abrangente ao
introduzir a expressão com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
7. Com a punição do uso de documento de identificação alheio protege-se o bem jurídico da
segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório.
8. Enquanto com a punição do crime de falsificação de notação técnica tutela-se o interesse da
segurança e credibilidade da informação fornecida exclusivamente por aparelhos técnicos
prosseguido pelo Estado.
9. O crime de uso de documento de identificação alheio só é punível com o uso efectivo de um
documento de identificação alheio.
10. Propugnamos que o legislador penal quis punir, de forma autónoma, duas condutas em
separado e de forma autónoma: uma com o uso desse documento de identificação alheio e outra
com a falsificação da notação técnica por constarem dados falsos que não correspondem à
verdade juridicamente relevante.
11. In casu, entendemos que não se verifica qualquer relação de subsidiariedade entre o crime de
uso de documento de identificação alheio e o crime de falsificação da notação técnica.
12. O sentido de ilicitude na conduta do arguido de cuja factualidade se encontra acusado, e não
foi posta em causa pelo mesmo no requerimento de abertura de instrução, insere-se num quadro
de uma duplicidade de ilicitude, uma vez que, por um lado, usou o documento de identificação,
o cartão tacográfico, que não lhe pertencia e, por outro lado, a notação técnica emitida encontra-
se revestida de falsidade por conter dados jurídicos que não correspondem à verdade,
nomeadamente os dados registados quanto à identificação do condutor do veículo em causa.
13. O legislador quis punir estes dois ilícitos de forma autónoma por se verificar aqui uma
duplicidade de ilicitude nesta conduta complexa perpetrada pelo arguido, atendendo, desde logo,
à relevância jurídico-penal do documento de identificação alheio.
14. O documento de identificação ou de viagem é um conceito penal com assaz relevância,
definindo-o o artigo 255.°, alínea e), e, nesta medida, o simples uso deste documento por pessoa
diferente do seu titular constitui já um ilícito penal. O crime de falsificação de notação técnica é
punido já por outra razão de política criminal, tendo em conta o bem jurídico subjacente a essa
punição.
15. Assim sendo, pelo supra exposto, e salvo o devido respeito por diferente entendimento,
entendemos que o arguido deve ser pronunciado pela prática do crime de uso de documento de
identificação alheio, para além da pronuncia pela prática do crime de falsificação de notação
técnica, por se verificar uma relação de concurso efectivo entre eles, numa pena única
determinada ao abrigo do artigo 77º do CP.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, considerando, assim, que o
arguido MC... deve ser pronunciado e julgado, pela prática, na forma consumada, como
autor material e em concurso efectivo, de um crime de uso de documento de identificação
alheio e de um crime de falsificação de notação técnica».
3. Não houve respostas a este recurso.
4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto defendeu a procedência do recurso,
aderindo às razões do recorrente seu Colega.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram
colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado,
de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é
delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de
conhecimento oficioso (Cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP,
Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em
28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in
B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a
única questão a resolver consiste no seguinte:
· Deve o arguido ser pronunciado pela prática, em concurso real de infracções, de um
crime de uso de documento de identificação alheio e de um crime de falsificação de notação
técnica?
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
1º DESPACHO RECORRIDO
DECISÃO INSTRUTÓRIA
«O tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade.
Não se suscitam nulidades ou quaisquer outras excepções, questões prévias ou incidentais de
que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
*
O arguido MC... requereu a abertura da presente instrução
porquanto, em suma, pese embora admita a prática da factualidade objectiva descrita no
despacho de acusação a fls. 152 e ss., defende que a mesma integra apenas o crime de uso de
documento de identificação ou de viagem alheio, p. e p. pelo artigo 261.°, do Código Penal, por
referência ao artigo 255.°, al. c), do mesmo código.
Tendo sido aberta a Instrução, o arguido arrolou testemunhas, cuja inquirição foi indeferida, na
medida em que o objecto da presente instrução se cinge a questões de direito, tendo-se realizado,
a final, o debate instrutório.
*
A Instrução é uma fase do processo penal com carácter facultativo e com a qual se visa a
comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou
no a causa a julgamento (artigo 286.°, n.° 1 e n.° 2, do Código de Processo Penal).
Nesta fase, deve-se ter presente que o Juiz de Instrução se encontra, à partida, limitado pela
factualidade objecto do requerimento de abertura da instrução e, portanto, o seu procedimento e
decisão são orientados pelas razões de facto e de direito aí invocados (artigo 287.°, n.° 1 e n.° 2
e artigo 288.°, n.° 4, ambos do Código de Processo Penal).
Deve-se, ainda, atender ao disposto no artigo 283.°, n.° 2, do Código de Processo Penal,
aplicável ex vi do artigo 308.°, n.° 2, do mesmo diploma, no concernente a considerarem-se
suficientes os indícios sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a
ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
A Prof. Fernanda Palma entende que a definição legal “não é uma simples
definição de prova indiciária dos factos, a qual está afinal pressuposta, mas uma exigência de
antecipação de um juízo de culpa”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/5/2003 entendeu-se que “constituem indícios
suficientes os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente,
traduzidos em vestígios, suspeitas, presunções, sinais e indicações aptos para convencer que
existe um crime e de que alguém determinado é responsável” e, ainda, que “tais elementos,
logicamente relacionados e conjugados, hão-de formar uma presunção da existência do facto e
da responsabilidade do agente, criando a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão
sérias probabilidades de conduzir a uma condenação”.
Assim, se até ao encerramento da instrução, se recolherem indícios suficientes de se terem
verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma
medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos respectivos factos, caso
contrário, profere despacho de não pronúncia (artigo 308.°, n.° 1, do Código de Processo Penal).
*
A fls. 152 e ss., o Ministério Público deduziu acusação contra MC... pela prática, em autoria
material e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo
artigo 258.°, n.° 1, ai. b), e n.° 2, por referência à al. b) do artigo 255.°, ambos do Código Penal,
e um crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelo artigo 261.0, n.° 1, por
referência à al. c) do artigo 255.°, ambos do Código Penal;
*
Inconformado com tal acusação, veio o arguido, a fls. 170 e ss., requerer a abertura
de instrução.
In casu, o arguido não colocou em dúvida a prática, dos factos que lhe vêm imputados na
acusação pública, apenas invocando, como fundamento da sua pretensão, que não deverá ser
sujeito a julgamento pela prática do crime de falsificação de notação técnica de que vem
acusado.
Apreciando.
Nos termos do artigo 30.°, n.° 1, do CÓDIGO PENAL, o número de crimes determina-se pelo
número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo
de crime for preenchido pela conduta do agente.
Atende-se assim ao número de tipos legais de crime que são efectivamente preenchidos pela
conduta do agente ou ao número de vezes que essa conduta preenche o mesmo tipo legal de
crime, assim se adoptando a unidade e pluralidade de tipos violados como critério básico de
distinção entre a unidade e pluralidade de crimes.
No que diz respeito aos casos de concurso aparente, conforme refere Maia Gonçalves, in Código
Penal Português, l8. ed., pág. 155. “são formalmente violados vários preceitos incriminadores,
ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão só aparente; não é
efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a
mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais
indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.”
Assim quanto à regra da especialidade, um dos tipos aplicáveis (lex specialis) incorpora os
elementos essenciais de um outro tipo aplicável (lex generalis), acrescendo elementos
suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente. Assim e dentro do princípio
que a lei especial derroga a lei geral, só deve aplicar-se o tipo especial.
Relativamente à regra da consunção, o preenchimento de um tipo legal (mais
grave) inclui o preenchimento de um outro tipo legal (menos grave), devendo a maior ou menor
gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto.
Como escreve Eduardo Correia Direito Criminal, Vol. II, pág. 205. “uns contêm-se já nos outros,
de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com
fundamento na regra “ne bis in idem”, se tenha de concluir que “lex consumens derogat legi
consumtae”. O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se
poderá afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados”.
Pode no entanto acontecer o caso inverso da consunção impura, em que, como refere Eduardo
Correia (obra citada, pág. 207), a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por
uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância
qualificativa agravante — verificando-se todavia que a pena para ela cominada é inferior à do
tipo fundamental.
Ora, enquanto no tipo legal do crime de falsificação de notação técnica o bem jurídico protegido
é a segurança e credibilidade da informação fornecida exclusivamente por aparelhos técnicos, no
de uso de documento de identificação ou de viagem alheio é o da segurança e credibilidade no
tráfico jurídico-probatório, o que, à partida, pela comparação dos bens jurídicos violados, como
acima se referiu, parece afastar a verificação de um mero concurso de normas.
Sucede que, na revisão do Código Penal operada pela Lei n.° 59/2007, de 04/09, o legislador
introduziu no tipo do crime de uso de documento alheio como, aliás, também no de falsificação,
a expressão, “com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime”.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, a propósito
do crime de falsificação para onde remete no comentário ao crime de uso de documento alheio,
“o legislador deixou claro que a acção típica (...) pode ser querida exclusivamente com a
intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime, sendo este elemento subjectivo
típico parte constitutiva do próprio ilícito subjectivo e não um factor de agravação (...). Sendo
assim, a punição nestes casos em concurso efectivo redundaria numa dupla punição do mesmo
facto. A conclusão é inelutável, em face da opção de política criminal do legislador: o concurso
é meramente aparente, sendo a punição do crime instrumento de falsificação subsidiária da
punição do crime fim”.
Assim, in casu, verificando-se que há lugar à punição pelo crime de falsificação de notação
técnica (crime fim), fica então afastada, por via da assinalada subsidiariedade, a punição do
crime de uso de documento alheio (crime meio).
Pelo exposto, entendo existirem indícios suficientes da prática, pelo arguido, do crime de
falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.°, n.° 1, al. b), e n.° 2, por referência à al.
a) do artigo 255.°, ambos do Código Penal.
*
Pelo exposto:
- Não pronuncio o arguido MC..., pela prática do crime de uso de documento de identificação
alheio, p. e p. pelo artigo 261°, n.° 1, por referência à al. c) do artigo 255.º, ambos do Código
Penal; e
- Pelos fundamentos de facto constantes da acusação pública a fls. 152 e ss., para a qual
remeto, ao abrigo do disposto no artigo 307.º, n.° 1, do Código de Processo Penal, para
julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular, pronuncio o arguido
MC..., melhor identificado no TIR de fls. 8, pela prática, em autoria material e na forma
consumada de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.º, n.° 1, al.
b), e n.° 2, por referência à al. b) do artigo 255.º, ambos do Código Penal».
[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões
da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da
Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões
as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu
restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das
conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt.
[2] A noção de notação técnica encontra-se definida no artº 255º al. b) do Cod. Penal como
sendo "a notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de
um acontecimento, feita através de aparelho técnico que actua, total ou parcialmente, de forma
automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de
pessoas os seus resultados e se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino
lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente".
Desta forma, a notação permite reconhecer ao seu destinatário um facto juridicamente relevante,
sendo que para efeitos do crime de falsificação o que constitui “documento” não é a notação mas
o valor, peso, medida ou decurso de um acontecimento que aquela representa.
[3] Acompanharemos nesta sede de muito perto as explanações em parecer a que tivemos acesso
da autoria da Exmª Srª Drª Dália Mouta, Procuradora-Adjunta no Tribunal Judicial da Figueira
da Foz, que nos permitiu esta partilha de opiniões.
[4] Todos os veículos novos, pesados de passageiros (mais de 9 lugares incluindo o de condutor)
e de mercadorias (com mais de 3.500Kgs de peso bruto), com data de primeira matrícula
posterior a 1 de Maio de 2006,têm de vir equipados com tacógrafo digital.
[5] As perguntas mais frequentes acerca dos tacógrafos digitais e cartão do motorista podem ser
consultadas no sítio:
- www.imtt.pt/.../Tacografo%20digital_PERGUNTAS%20FREQUENTES%20SiteIMTT_25
1108.pdf
[6] Isto sem prejuízo da punição deste comportamento também como contra-ordenação.
Refere o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 169/09, de 31 de Julho, que o regime sancionatório que o
diploma visa introduzir pretende ser dissuasor da prática de infracções relacionadas com as
obrigações relativas ao aparelho de controlo que impendem sobre motoristas, entidades
transportadoras e centros de ensaio.
Se assim é, parece poder entender-se que aquela disposição legal que fere de contra-ordenação a
“utilização de cartão de condutor por pessoa diferente do seu titular, sem prejuízo da
responsabilidade criminal.” (cfr. artigo 7º, n.º 3, alínea d) do referido Decreto-Lei), entende que
esse sancionamento não é suficiente para observar os objectivos legais, prevendo a
responsabilidade criminal.
Isso significa que o texto legal não parece deixar outra opção que não o preenchimento
simultâneo de contra ordenação e crime.
Repare-se que a estruturação daquele artigo 7º do Decreto-Lei n.º 169/09, de 31 de Julho, parece
acompanhar, nas molduras das coimas a aplicar, de certa forma, as molduras previstas para os
crimes que “acompanham” tais contra-ordenações. Para tal atente-se, por exemplo, no artigo 7º,
n.º 2, alínea b), que refere igualmente “sem prejuízo da responsabilidade criminal”, aí se
prevendo aquilo que no Código Penal consubstancia um crime de falsificação de documento ou
falsificação de notação técnica. Mais grave, portanto, do que a moldura legal prevista para o
crime de uso de documento de identificação ou de viagem alheio, previsto e punido pelo artigo
261º do Código Penal, e com moldura contra-ordenacional mais leve, acompanhando, mais uma
vez, a pena abstractamente aplicável.
[7] Cfr. “Direito Penal - Parte Geral”, tomo I, 2ª Ed. pag. 1008.
[8] A exposição de motivos da proposta de lei 98/X que procedeu à 21ª alteração do CP (em
2007) é calar em afirmar que «o âmbito das condutas típicas é ampliado», não lançando qualquer
luz sobre a razão das mudanças legislativas, em sede dos crimes de falsificação, a leitura das
Actas – a 14ª datada de 6/3/2006 – da Unidade de Missão para a Reforma Penal.
[9] A previsão autónoma daquele elemento subjectivo denota que o legislador pretende punir
autonomamente o comportamento do "usuário", ainda que o mesmo tenha a intenção de
preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.