Arqueologia Marítima
Arqueologia Marítima
Arqueologia Marítima
RESUMO
ARQUEOLOGIA MARÍTIMA
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OPINIÃO
ARQUEOLOGIA NÁUTICA tado ao ambiente aquático. Contudo, não é o ambiente aquático que
determinará o arqueólogo, mas sim o sítio arqueológico a ser estuda-
A Arqueologia náutica é definida pela UNESCO como aquela que do que determinará qual a especialização do arqueólogo necessário
“estuda a construção e utilização dos navios”. Em dissonância com o para esse estudo. Se ruínas de um templo antigo, precisará de um ar-
exposto, MANTAS (2004) conceitua-a como aquela que estuda a nave- queólogo clássico, se um naufrágio, será necessário um arqueólogo
gação e os seus instrumentos. A diferença não é sutil. Os processos náutico ou naval. Claro que, se os arqueólogos com as especializações
laboriosos e complexos da construção naval não são incluídos pelo supracitadas tiverem conhecimento das técnicas adaptadas para o
Arqueólogo Naval Vasco Mantas na Arqueologia náutica. O mesmo ambiente subaquático, o trabalho será planejado e executado com
considera que esses processos devam pertencer exclusivamente à Ar- maior eficiência e perdas menores.
queologia naval, colocando-a numa posição mais abrangente. Outro ponto que levanta discussão é a necessidade do arqueólogo ser
FRAGA (2004) coloca a Arqueologia náutica como sendo o “processo ou não mergulhador para coordenar uma expedição em ambiente
usado para reconstruir e descrever navios”. No mesmo artigo ele aponta aquático. Sobre esse ponto, MANTAS (2004) afirma que não há a obri-
como objetos de estudo da Arqueologia náutica e subaquática aque- gatoriedade do investigador ser um mergulhador. BASS (1969) pôs em
les que fazem o elo entre o Homem e os meios aquáticos, sendo que questão algo que ocorreu na década de 1960, quando os mergulha-
estes podem ser expressos de várias maneiras, como “estruturas de dores consideravam que os arqueólogos não poderiam ter a “pretensão
apoio a atividade marítimas, portos e barcos”. de saber mergulhar suficientemente bem para conseguir fazer escavações
eficientes”. Contudo, ele argumentou que para se tornar arqueólogo
requer anos de estudos e trabalhos de campo, e para se ser mergulha-
ARQUEOLOGIA SUBAQUÁTICA
dor, poucos dias é suficiente para ensinar as técnicas. Obviamente, Qual seria então o fator condicionante? Poderíamos considerar ape-
assim como ocorre hoje (RUSSO, 2006), na época os mergulhadores nas um fator ou mais? De certeza, apenas um fator não é capaz de
recém-formados em cursos de scuba ficavam sob a supervisão dos condicionar esse desenvolvimento, mas sim a soma de uma série de
mais experientes, já que o ambiente subaquático é bastante inóspito. fatores, como: a adaptação das técnicas arqueológicas terrestres ao am-
Em adição ao exposto, existem diversas práticas de estudos arqueoló- biente subaquático; a quebra de uma inverdade sobre o elevado cus-
gicos que não necessitam que o pesquisador esteja no ambiente suba- to da Arqueologia sob a água, que há décadas vem perdurando; a ca-
quático. Podemos rechaçar isso colocando duas situações: estudos de pacitação específica de uma equipe multidisciplinar, indo do coman-
naufrágios em ambientes com baixa visibilidade, como um rio com dante da embarcação, passando pelo marinheiro, até ao arqueólogo pro-
grande suspensão de material, e estudos de naufrágios em ambientes priamente dito; parcerias interinstitucionais envolvendo órgãos pú-
de grande profundidade, superior ao tecnicamente possível para um blicos, Marinha, empresas privadas e universidades; entre outras.
mergulhador profissional. Em ambas, o emprego de ecossondas, câ- Uma vez expostos alguns pontos relevantes para o entendimento da
meras subaquáticas, submarinos de pesquisas, entre outros, permite Arqueologia subaquática, trataremos agora de suas definições. A
realizar este trabalho sem colocar em risco o pesquisador. UNESCO situa a Arqueologia subaquática “no contexto mais abrangen-
O scuba, inventado por Jacques te da arqueologia marítima”, definindo-a como uma “subdisciplina que
Cousteau e Émile Gagnan, tornou 2
No Lago Nemi / Itália, estuda os sítios, os objetos, os vestígios humanos e as paisagens submersas”.
possível a exploração do mundo no século XV, aconteceram MANTAS (2004) define a subaquática como aquela que implica em
as primeiras tentativas de
subaquático, uma vez que seu uso recuperação de “restos” de investigação submarina (incluindo meio húmido ou parcialmente
proporciona ao arqueólogo: auto- naufrágios pelo arquiteto Leon submerso), seja por meio do mergulho ou qualquer outra forma de
nomia, mesmo que por tempo li- Battista Alberti (GUMMERE, 1929). detecção remota.
Entre os anos de 1907 e 1913,
mitado, mobilidade e economia. o arqueólogo Alfred Merlin O Livro Amarelo. Manifesto Pró-patrimônio cultural subaquático brasi-
Contudo, não foi o scuba o fator coordenou expedições em um leiro (CEANS, 2004) apresenta como o objetivo da Arqueologia suba-
condicionante para o desenvolvi- naufrágio na costa da quática brasileira o conhecimento, o estudo e o gerenciamento dos
Mahdia / Tunísia fazendo uso
mento da Arqueologia subaquáti- do escafandro (CATSAMBIS, FORD “testemunhos materiais submersos da presença humana em seus processos
ca 2, mas sim, o fator catalisador. e HAMILTON, 2011). de ocupação”. A publicação aponta a arqueologia subaquática como
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OPINIÃO
sendo “a cultura material que se encontra submersa em águas interiores A Arqueologia naval tem importância didática na ramificação da
(rios, lagos e represas), marítimas ou oceânicas”. Arqueologia marítima, pois ela tratará especificamente sobre todos os
GONZALEZ (2007) afirma que o patrimônio cultural subaquático tra- aspectos das navegações. Sendo assim, ampliando o conceito dado
ta-se dos “vestígios da ocupação humana (arqueológica, histórica e cultu- por MANTAS (2004), podemos definir Arqueologia naval como o es-
ral) que estão parcial ou totalmente submersos, por pelo menos 100 anos”. tudo da embarcação e de sua construção, das técnicas de navegação,
das rotas marítimas e das estruturas de apoio à navegação de uma for-
ma geral, como portos, faróis, boias, píeres, cais, estaleiros de cons-
PROPOSTA trução e manutenção, empresas de suprimentos navais, locais de capa-
citação de recursos humanos para o trabalho em terra (embarque e
Uma vez que conhecemos as diversas definições dadas para as arqueo- desembarque) e em mar, marinas e garagens náuticas, entre outros.
logias marítima, naval, náutica e subaquática, iremos agora tratar de A Arqueologia náutica se distingue da Arqueologia naval no que diz
identificar linhas de pensamentos convergentes para podermos dis- respeito à centralização do seu estudo na embarcação e em seus ins-
tinguir e contextualizar as arqueologias em questão, propondo para- trumentos. Conclui-se, portanto, que a Arqueologia náutica é uma
lelamente uma definição pontual. ramificação da Arqueologia naval, uma vez que essa última é mais
As definições dadas pela UNESCO, por GONZALEZ (2007), GIBSON abrangente e trata de todos os aspectos ligados à navegação.
(2011), MUCKELROY (2004) e BLOT (2003), para a Arqueologia marí- Vale ressaltar que, diferentemente da Arqueologia subaquática, as ar-
tima possuem como convergência a relação do Homem com o am- queologias marítima, naval e náutica não se restringem a sítios que es-
biente aquático 3. Usando a mesma terminologia de MUCKELROY tejam necessariamente em ambiente aquático. Desde que haja evidên-
(2004), podemos chamar esse relacionamento de Cultura marítima. cias do contato do Homem com os corpos de água, essas arqueologias
Sendo assim, a Arqueologia marítima trata-se de um ramo mais podem ser executadas em terra. Se o vestígio dessa ligação já não se
abrangente, que aglomera diver- encontra submerso, como em Leptis Magna, na Líbia (BARTOCCINI,
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sos aspectos dessa Cultura, como Entende-se por ambiente 1958), esta Arqueologia, apesar de ser terrestre, está no ramo maríti-
aquático a todo o corpo de
a parte social, política, econômica água continental (rios, lagos) mo, pelo elo que possui com este. Sendo assim, a Arqueologia
e outros. ou oceânico. subaquática trata de um conjunto de técnicas arqueológicas terrestres
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