Temas Contemporaneos Psicologia 1
Temas Contemporaneos Psicologia 1
Temas Contemporaneos Psicologia 1
Temas contemporâneos
em psicologia
Sumário
Capítulo 2 – Disciplina TEMAS CONTEMPORÂNEOS EM PSICOLOGIA.............................. 06
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Capítulo1 Disciplina TEMAS
CONTEMPORÂNEOS EM
PSICOLOGIA
Introdução
As novas configurações do mundo contemporâneo exigem dos psicólogos a necessidade de rever
suas antigas certezas a respeito do homem e construir novas referências para os fenômenos
humanos cada vez mais complexos e transmutáveis.
Podemos ilustrar inúmeros fenômenos contemporâneos que têm impactado no processo de saúde
mental das pessoas, sobretudo nas grandes metrópoles: o uso abusivo de drogas, o adoecimento
psíquico por situações de racismo ou violência de gênero, a dificuldade no processo de inclusão
de pessoas cuja sociedade exclui por destoarem dos padrões sociais pré-estabelecidos.
Como lidamos com situações tão diversas, multifatoriais e com diferentes complexidades? A
psicologia responde a todas essas demandas?
Antes de começarmos a abordar os principais temas contemporâneos que têm sido grandes
desafios para a profissão, precisamos situar, historicamente e do ponto de vista sociológico, os
principais aspectos de nossa sociedade contemporânea. Também veremos a seguir os principais
desafios de nossa sociedade, marcada pela globalização e pela volatilidade das relações
humanas.
Há 12 anos essa pesquisa eletrônica indica tendência, e não modismo, que estão mais em alta,
catalogando-as para servir como referência para toda a indústria de fitness. Neste sentido,
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Temas Contemporâneos em Psicologia
os seus resultados podem ajudar o profissional de educação física a tomar decisões quanto
ao investimento em formação continuada, bem como aos gestores planejarem as melhores
estratégias para maximizar os resultados.
MODERNO
mo·der·no
Relativo ou pertencente aos nossos tempos, à nossa época.
± 4.000 a.C.
± 4.000 a.C.
Fonte: https://goo.gl/images/NWuc1x.
Entretanto, alguns autores, como o sociólogo Zygmunt Bauman, acreditam que não se é possível
identificar uma data exata que marque o início ou o fim da era moderna. Mais importante
do que determinar as datas a partir de grandes acontecimentos na história da humanidade,
nos cabe avaliar o que se produziu nesse período enquanto civilização e os impactos dessas
produções em nossa vida cotidiana até hoje. Há outros autores, como o sociólogo Bruno Latour,
por exemplo, que sustentam a ideia que ainda não saímos da era da modernidade, porque
ainda não superamos os principais aspectos e os grandes desafios impostos a ela, como: a
busca pela ordem social e pelo controle dos comportamentos para conter o caos e o interesse
Podemos citar como exemplo o fenômeno do uso prejudicial de álcool e outras drogas em
nossa sociedade. Não há um único fator que explique o porquê as pessoas utilizam as drogas
compulsivamente. Do mesmo modo, não há uma abordagem, nem mesmo uma corrente dentro
da psicologia, que possa determinar um tratamento único que faça todas as pessoas pararem
de utilizar drogas. Ou seja, não há possibilidades de compreender os fenômenos sociais, nem
mesmo de produzir conhecimento científico, se não considerarmos os aspectos sociais, culturais e
econômicos de um povo, levando em consideração a autonomia dos sujeitos. Também temos que
questionar conhecimentos científicos que se pretendam universais.
Na idade média, o mundo era ordenado pelo divino (que pode ser caracterizado por um
momento histórico marcado pela supremacia da Igreja Católica, pelo sistema de produção
feudal e por meio da sociedade hierarquizada - em que a igreja e Deus eram o centro de
todas as relações sociais e humanas). Não havia espaço para a construção do conhecimento
científico nesse momento. A vida em sociedade era pré-determinada. Nessa sociedade, os
estamentos ou camadas sociais eram estanques e não permitiam passar de uma camada social
para outra. Os nobres eram a camada dos que lutavam; o clero, dos que rezavam e os servos
eram a camada dos que trabalhavam. Os servos trabalhavam nos feudos. O sistema político-
econômico, portanto, era organizado a partir do poder do rei: o sistema feudal era monárquico
e se organizava pela relação servil de produção.
(...) neste mundo feudal, não se conhecia nem mesmo o acaso, tudo simplesmente era. (BAUMAN,
1999, p. 12).
À medida em que se fragmenta e classifica um objeto, ele passa a adquirir outros sentidos e
direcionamentos:
As pessoas tornam-se multifuncionais por causa da fragmentação da função; as palavras
tornam-se polissêmicas por causa da fragmentação do significado (...). (BAUMAN, 1999, p. 21)
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A seguir, uma demonstração gráfica que nos ajuda a observar a infinidade de produções a
partir da fragmentação:
Fragmentando o termo, nós temos, por um lado, que estruturar uma análise
só sobre o conceito de saúde. O que é estar saudável? Ter saúde não
depende de outros determinantes sociais? Ter saúde aqui no Brasil é a
mesma coisa que ter saúde na Alemanha? E na China?
Esse pequeno exercício já nos mostra que a fragmentação nos faz criar
novas perguntas e novos significados para o próprio termo saúde.
Zygmunt Bauman
Zygmunt Bauman nasceu no dia 19 de novembro de 1925, em uma família judia de origem
polonesa. É considerado “um dos poucos sociólogos contemporâneos nos quais ainda se encon-
tram ideias” (PALLARES-BURKE; 2004:2). Seu intelecto é, de fato, ao mesmo tempo rebelde e
rigoroso. É fiel ao presente, mas cuidadoso em reconhecer a sua genealogia, ou melhor, genea-
logias (BAUMAN, 2005, p. 8).
Concebe a sociologia não como uma disciplina “independente” de outros campos do conhec-
imento, mas como uma que fornece a ferramenta analítica para se estabelecer uma vigorosa
interação com a filosofia, a psicologia social e a narrativa.
Escapou da segunda guerra mundial, de seus horrores e holocausto que aguardavam os po-
loneses, mudando–se para a Rússia juntamente com a sua família, em 1939. Logo após, alis-
tou-se no exército polonês, aliado ao exército vermelho, onde lutou contra o (regime Nazista
ou contra o Nazismo).
Confiantes e animados pelo sonho de criar uma sociedade mais justa e igualitária, Zygmunt e
Janina ali construíram suas carreiras (ele como professor da Universidade de Varsóvia e ela
como editora de roteiros cinematográficos) e criaram sua família, até que uma nova onda de
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antissemitismo e repressão esmagou seus sonhos e os forçou ao exílio. Após três anos em Israel,
o convite para o cargo de chefe do departamento de sociologia na Universidade de Leeds
trouxe Bauman e sua esposa à Inglaterra, onde permanecem até hoje.
É igualmente discreto quanto ao seu papel no “outubro polonês”, de 1956, quando participou
do influente movimento reformista que desafiou a liderança do Partido dos Trabalhadores
Unidos e a subjugação de seu país às ordens de Moscou.
Então veio 1968, que se revelaria um momento decisivo em sua vida. Bauman, que apoiava o
incipiente movimento dos estudantes poloneses, teve seus trabalhos proibidos pelo Partido Co-
munista, quando o antissemitismo foi usado para reprimir estudantes e professores universitári-
os que exigiam o fim do sistema unipartidário em nome de “liberdade, justiça e igualdade”.
Após três anos em Israel, o convite para o cargo de chefe do departamento de sociologia na
Universidade de Leeds trouxe Bauman e sua esposa à Inglaterra, onde permanecem impedi-
dos de lecionar. No ano de 1971 mudou-se para a Inglaterra, e leciona aulas na Universidade
de Leeds. A partir de então, a sua vida intelectual foi extremamente produtiva. Compartilha
de seu intelecto e emoção com a sua esposa Janina, a qual ele sempre manifestou uma enorme
gratidão. Sua esposa teve uma participação significativa e reflexiva ao longo das suas edições
e vida acadêmica.
Bauman vê a globalização como uma “grande transformação” que afetou as estruturas es-
tatais, as condições de trabalho, as relações entre os Estados, a subjetividade coletiva, a pro-
dução cultural, a vida quotidiana e as relações entre o eu e o outro (BAUMAN; 2005:11).
Em outras palavras, é se permitir viver sem garantias, mas com sustentação ética: ao passo que
causa ansiedade não ter respostas para todos os fenômenos e, tampouco ter uma única resposta
para as mesmas situações, viver com a ambivalência é uma saída para a emancipação.
Por emancipação podemos compreender as ambivalências e poder viver com elas. Significa
também estar aberto à alteridade, compor com o que nos parece diferente e se permitir
composições relacionais.
A relação aberta pelo ato da emancipação é marcada pelo fim do medo e o começo da
tolerância. (...) a consciência da condição pós-moderna revela a tolerância como sina. Ela
também torna possível - apenas possível - o longo caminho que leva do fado ao destino, da
tolerância à solidariedade. (BAUMAN, 1999, p.248-251)
O sociólogo francês Edgar Morin propõe, em seus últimos estudos, uma nova concepção para
a construção do conhecimento: no lugar da especialização, simplificação e fragmentação,
propõe-se o conceito de complexidade.
Para o autor, nossa sociedade contemporânea, sobretudo a ocidental, tem o grande desafio de
introduzir as incertezas no campo científico. Assim como Bauman, Morin critica a compartimentação
do saber científico e a necessidade de grandes verdades universais (sobretudo a partir de
pesquisas no campo das ciências exatas e naturais), características de uma sociedade modera.
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aspectos políticos ou mesmo da psicologia na análise da vida cotidiana. Ao invés de construirmos
um saber que leve em conta a complexidade, estamos reduzindo os fenômenos desse modo. É
preciso enfrentar as incertezas com base nos aportes recentes da ciência transdisciplinar.
Para recuperar a complexidade da vida nas ciências e nas atividades humanas, Morin recomenda
um pensamento crítico sobre o próprio pensar e seus métodos, ou seja, uma profunda reforma
do pensamento que, fundamentalmente, irá pressupor a consciência de si e do mundo.
Não há transformações se não tomarmos consciência crítica sobre o mundo, sem reduzi-lo a
operações exatas simplistas ou opiniões de senso comum.
Edgar Morin
Edgar Morin nasceu em 1921, em Paris. Seu nome verdadeiro é Edgar Nahoum. Fez os estudos
universitários de História, Geografia e Direito na Sorbonne, onde se aproximou do Partido Co-
munista, ao qual se filiou em 1941. Teve papel ativo no movimento de resistência à ocupação
nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Depois do fim da guerra, participou da ocupação
da Alemanha. Em 1949, distanciou-se do PC, que o expulsou dois anos depois. Ingressou no
Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), onde realizou um dos primeiros estudos et-
nológicos produzidos na França, sobre uma comunidade da região da Bretanha. Criou o Cen-
tro de Estudos de Comunicações de Massa e as revistas Arguments e Comunication. Em 1961,
rodou o filme Crônica de um Verão, em parceria com o documentarista Jean Rouch. Em segui-
da, fez uma série de viagens à América Latina. Em 1968, começou a lecionar na Universidade
de Nanterre. Passou um ano no Instituto Salk de Estudos Biológicos em La Jolla, na Califórnia,
onde acompanhou descobertas da genética. Redigiu em 1994, com o semiólogo português
Lima de Freitas e o físico romeno Basarab Nicolescu, um manifesto a favor da transdiscipli-
naridade. Em 1998, promoveu, com o governo francês, jornadas temáticas que originaram o
livro A Religação dos Saberes. Em 2002, a Justiça o condenou por difamação racial devido a
um artigo no qual dizia que “os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem
sua ordem impiedosa aos palestinos”. Morin, que é judeu, pagou 1 euro como pena simbólica.
Ainda diretor de pesquisas no CNRS, ele é doutor honoris causa em universidades de vários
países e presidente da Associação para o Pensamento Complexo.
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A Organização das Nações Unidas (ONU) (2006) expõe que existem cerca de 600 milhões de
pessoas no mundo com algum tipo de necessidades especiais, das quais, 400 milhões vivem em
países que estão em desenvolvimento. Mais de 82% das pessoas com necessidades especiais
vivem abaixo da linha de pobreza e, em sua maioria, constituem-se de crianças.
Um primeiro aspecto nos chama a atenção, portanto: há relação intrínseca entre as deficiências
e os aspectos sociais, econômicos, históricos e políticos de um país. Veremos um pouco mais a
seguir.
No Brasil, estima-se que 15% da população brasileira apresenta algum tipo de necessidade
especial, sendo que 820 mil são crianças/adolescentes entre 0 e 17 anos.
Mais especificamente em relação ao Censo realizado pelo IBGE em 2010, temos as seguintes
informações:
De acordo com o site do Núcleo de Especialização e Educação para o deficiente físico e mental
(NEED), estima-se que 70% das deficiências poderiam ser PREVENIDAS, ou seja, os fatores
etiológicos das deficiências têm relação com um bom trabalho de prevenção, sobretudo em
relação ao pré-natal e ao puerpério adequados.
Desse modo, a deficiência pode ser entendida como “uma limitação que alguns seres humanos
adquiriram não somente por herança biológica, mas por problemas sociais básicos não
resolvidos, como acesso à educação, à saúde, à moradia, entre outros” (GAIO, 2006, p. 26).
Tais intercorrências podem ser de fatores genéticos e/ou ambientais, tais como:
•• Desnutrição materna;
•• Má assistência à gestante;
•• Perinatal ou puerpério
•• Pós-natal
As causas pós-natais são aquelas que acontecem após o nascimento, isto é, do 30º dia de vida
até a adolescência. De forma geral, incluem as causas microbianas, desnutrição, intoxicações,
traumatismos cranioencefálicos, fatores ambientais, familiares e condições socioeconômicas e
infecções.
Nesse sentido, prevenir é uma necessidade urgente e pressupõe o conhecimento das causas da
deficiência ou situações de risco. Outro aspecto fundamental é a organização de sistema de
saúde público que garanta atendimento de qualidade, sobretudo na atenção primária com
ações e pré-natal e puerpério.
De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização
das Nações Unidas (ONU), o Brasil ratificou com valor de emenda constitucional, em 2008,
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em que é totalmente inadequado o termo “pessoa portadora de deficiência ou portador de
deficiência”.
Por quê? As pessoas não portam, nem carregam as deficiências. As pessoas com deficiências
vivem e são desejantes como qualquer outra pessoa. Assim, como nomear o outro que tem
alguma deficiência? Em primeiro lugar: pelo nome!
Querer saber primeiro o que a pessoa tem para depois saber o que ela é subtrai sua
subjetividade. Depois, do ponto de vista técnico, é importante utilizar adequadamente as
terminologias, conforme a seguir, a fim de evitar preconceito e estigmas atribuídos às pessoas
com deficiência:
Outro aspecto importante é que ter deficiência não significa estar doente.
Podemos entender por doença o processo e o estado causado por uma afecção em um ser
vivo, que altera o seu estado de saúde. Este estado pode ser provocado por diversos fatores,
podendo ser intrínsecos ou extrínsecos ao organismo enfermo. Ligado, portanto, à noção de
enfermidade e às moléstias. No entanto, as deficiências podem ser compreendidas em duas
outras dimensões, conforme figura a seguir:
DEFICIÊNCIA
Deficiência: perda ou anormalidade da estrutura
ou função - nível do órgão.
Ex.: Olho lesado
Dimensão
descritiva
Incapacidade: restrição de atividades - nível da
pessoa.
Ex.: Não ver
No mundo não existem “os normais” e “os anormais”. Todos são seres humanos de igual valor,
com características diversas.
No entanto, a reabilitação executa medidas que ajudam pessoas com deficiências ou prestes
a adquirir deficiências a terem e manterem uma funcionalidade ideal na interação com seu
ambiente.
Em relação às Tecnologias Assistivas (cujo termo ainda é novo), são utilizadas para identificar
todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades
funcionais de pessoas com deficiência e, consequentemente, promover vida independente
(autonomia) e inclusão social. São exemplos de tecnologias assistivas:
•• muletas, próteses, órteses, cadeiras de rodas e triciclos para pessoas com dificuldades de
locomoção;
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Quando pensamos na inclusão da pessoa com deficiência – seja no ambiente escolar ou no
universo do trabalho - os recursos de acessibilidade são uma das maneiras de ultrapassar
as barreiras impostas pela deficiência, possibilitando que o indivíduo interaja com o meio
favorecendo, assim, sua autonomia. É a possibilidade de uma inclusão não excludente, onde
a condição de diferente em suas possibilidades, da pessoa com deficiência, é respeitada. O
recurso assistivo proporcionará a acessibilidade aos espaços, aos materiais didáticos e a todos
os equipamentos disponíveis no ambiente.
Com tantas possibilidades, por que será que ainda temos políticas públicas que não favorecem
a inclusão das pessoas com deficiência? O que diz nossa legislação a esse respeito?
Nos anos 2000, foi apresentada na Câmara dos Deputados a primeira versão do Estatuto.
Após três anos dessa apresentação, no ano de 2003, foi instituída uma Comissão Especial para
analisar as propostas contidas nesse projeto, a partir de uma série de audiências públicas e
seminários estaduais.
Depois de um longo período de tramitação no Congresso, o projeto de lei foi instituído em 2006.
Essa demora aconteceu por atrasos na votação, pois não havia um consenso da sociedade civil
organizada sobre alguns dos tópicos. Nove anos depois, no dia 6 de julho de 2015, o Estatuto
da Pessoa com Deficiência foi finalmente instituído.
Ele é representado pela Lei 13.146, sendo originalmente chamado de Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência. O Estatuto trata sobre a acessibilidade e a inclusão em diferentes
aspectos da pessoa com deficiência na sociedade.
•• No aconselhamento genético;
•• No acompanhamento familiar;
•• Nos equipamentos das áreas de Saúde, Educação, Assistência Social, Cultura, etc.;
Em todos os cenários, o apoio familiar, e da rede de suporte da pessoa com deficiência, será
importante discutir o significado da deficiência com os pais e com toda a família, assinalando
o significado de ter um filho com deficiência e o significado da condição em si: sem mascarar a
realidade, mas apontando todas as possibilidades de intervenção.
É importante proporcionar condições para que os pais possam assumir suas responsabilidades
com o filho e acompanhar essas famílias no que diz respeito a acolher o filho com deficiência e
contribuir para seu desenvolvimento.
A melhor maneira de lidar com o deficiente é despir-se dos próprios preconceitos. Quando
os preconceitos e pré-conceitos conseguem ser transformados, as pessoas percebem com mais
facilidade que as crianças e adolescentes com deficiência passam pelas mesmas experiências
sociais, os mesmos processos de desenvolvimento, aprendizado psicológico, vivência escolar que
os demais. (ZACHARIAS; SILVEIRA, 2011)
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Temas Contemporâneos em Psicologia
Sinopse: A incansável professora Anne Sullivan tenta fazer com que Helen Keller, uma garota
cega e surda, se adapte e entenda o mundo que a cerca. Para isso, entra em confronto com os
pais da menina que, por piedade, a tratam de forma mimada.
O ensaio é um texto opinativo em que se expõe ideias, críticas, reflexões e impressões pes-
soais, realizando uma avaliação sobre determinado tema.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado em 1988 por meio da Constituição Federal Brasileira
após mobilização de diferentes movimentos sociais, com o objetivo de construir uma rede de
saúde gratuita e de qualidade para a população brasileira. Contudo, foi somente em 1990
que o Congresso Nacional a aprovou em lei, apresentando os princípios e diretrizes dessa nova
política de saúde.
Princípios
•• Universalidade: TODAS as pessoas têm direito a TODOS os serviços de saúde.
•• Equidade: todos têm direito aos serviços de saúde, conforme a complexidade de cada
caso, independentemente de sua condição social.
Hoje, após quase 30 anos de criação de nosso Sistema Único de Saúde (SUS), avanços podem
ser observados em relação a ações de prevenção e promoção da saúde, a partir da expansão
da atenção primária, com impactos diretos em indicadores de saúde, como a redução do
indicador de mortalidade materno-infantil, expansão de equipamentos de saúde pública em
todo o Brasil, implantação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), que hoje é referência
mundial de combate à desigualdade na atenção à saúde.
Por outro lado, há muitos desafios para a construção de uma perspectiva de saúde integral
compreendida como direito social e amparada em valores democráticos, como, por exemplo, o
subfinanciamento como efeito das crises econômicas, somado ao das medidas de austeridade
fiscal, é mais fortemente sentido pelos grupos sociais mais vulneráveis.
Com a implantação da lei da chamada reforma psiquiátrica, para além da constituição de uma
rede substitutiva aos manicômios, foram pressupostas mudanças profundas no modo de cuidar
das pessoas em crise e/ou sofrimento mental.
A tabela a seguir apresentará essas principais mudanças, conforme Rotelli (1991) e Saraceno
(1991), autores precursores da Reforma Psiquiátrica italiana e que serviu de modelo para a
reforma no Brasil:
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Temas Contemporâneos em Psicologia
Nessa tabela, podemos perceber que o foco não mais se mantém na doença ou no diagnóstico,
mas sim no sujeito. A atuação dos profissionais da saúde, incluindo o psicólogo, passa a incluir
ações que busquem o exercício da cidadania dos usuários de saúde mental, no sentido de
buscar a produção de uma vida digna (e não mais com o único objetivo de curar ou eliminar os
sintomas da doença!).
Essa portaria organizou toda a rede de atenção à saúde estipulando que todos os equipamentos
de saúde precisam atender às pessoas em sofrimento ou transtorno mental, em seus diferentes
níveis de complexidade, ou seja, casos mais complexos passam a ser atendidos nos chamados
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), por exemplo.
•• Respeito aos direitos humanos; equidade; acesso; integralidade; qualidade dos serviços,
controle social, regionalização;
COMPONENTES DA RAPS
• Unidade Básica de Saúde;
• Núcleo de Apoio à Saúde da Família;
Atenção Básica em Saúde
• Consultório na Rua;
• Centro de Convivência e Cultura.
• SAMU 192;
• Sala de Estabilização;
Atenção de Urgência e
• UPA 24 horas e portas hospitalares de
Emergência
atenção à urgência/pronto-socorro, Unida-
des Básicas de Saúde.
Fonte: http://u.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/803-sas-raiz/
daet-raiz/saude-mental/l2-saude-mental/12588-raps-rede-de-atencao-psicossocial.
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Temas Contemporâneos em Psicologia
O termo “droga” é atualmente utilizado para generalizar o uso de substâncias que produzem
alterações físicas e/ou psíquicas que modificam os modos de perceber o mundo, sejam elas
lícitas ou ilícitas (MELLO; AVARCA; VIEIRA & LIMA, 2016).
Tendo em vista que as drogas psicoativas se tornaram produtos de consumo e foram atreladas
às promessas de felicidades em nossa sociedade individualizada, é importante que a psicologia
discuta tal tema e relacione as condições sociais e econômicas do uso de drogas, relacionando
com nossa constituição psíquica, estreitamente vinculada ao modo como nos relacionamos com
o sofrimento.
Ademais, cabe mencionar nessa discussão, pesquisa recente do Instituto de Segurança Pública do
Rio de Janeiro (2016) que aponta para um dado alarmante: 77% das pessoas que morreram
em confronto com a polícia carioca, entre 2010 a 2014, eram negras ou pardas. Carl Hart
(2015) nos relembra que o “combate às drogas”, sobretudo com foco no uso do crack no
Estados Unidos da década de 1980, manteve-se alimentado por narrativas de raça (com o uso
do crack associado aos negros e/ou pobres) e patologia (pela errática noção de que o crack
causa mais dependência que outras drogas). Portanto, problemas em relação ao uso de drogas
passaram a ser descritos como prevalentes em bairros empobrecidos, fazendo-se crer que se
trata de um problema moral.
Associou-se o uso de drogas ilícitas, como o crack, à noção de periculosidade (ou seja, que
pessoas que usam o crack são pessoas perigosas em potencial. Tal discurso redundou no
encarceramento em massa da população negra: [nos Estados Unidos, na década de 1980],
“85% dos condenados por delitos relacionados ao crack eram negros, embora a maioria dos
usuários da droga fosse e é composta por brancos”) (HART, 2015, p. 2). No Brasil, atualmente,
os jovens representam 54,8% da população carcerária do país, dentre os quais 61%,
aproximadamente, são negros (BRASIL, 2015).
O “crack” é uma droga derivada da cocaína que teve o início de seu consumo nos Estados
Unidos na década de 1980. No Brasil, o primeiro registro de apreensão policial da droga foi
em 1989, na cidade de São Paulo. Apesar da ênfase do discurso midiático, endossado por
parte da comunidade científica, sobre sua disseminação epidêmica nos últimos 30 anos, duas
pesquisas realizadas com jovens brasileiros nas principais cidades brasileiras, nos anos de
2003 e 2010, demonstram que o padrão de uso do crack não se modificou significativamente
45 41,1
40 2004
35
30 2010
25
20
15,7 14,1
15
9,8
10
4,9 4,6 3,7 3,8 3,2
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Atrelar o consumo do crack ao conceito de epidemia, embora não se sustente do ponto de vista
da análise epidemiológica, conforme vimos na tabela acima, tem servido, para construção de
políticas e programas de saúde cujo foco é simplesmente o “combate” ao uso de drogas e não
o interesse pela saúde das pessoas.
Esse é o ponto fundamental da discussão: como tratamos as pessoas que fazem uso de drogas?
Como criminosas ou como sujeitos?
É possível pensar práticas de cuidado que levem em consideração a autonomia dos sujeitos que
fazem uso de drogas? O que faz um psicólogo com um usuário que não quer parar de usar
drogas?
Muitas perguntas cujas respostas não são simples. Vamos lembrar do capítulo 2 desse curso,
sobre os desafios do psicólogo em tempos de modernidade líquida: não há respostas fáceis
para problemas complexos.
O consumo de drogas como “problema social” tem início na organização dos Estados Modernos
(século XVI) e no período industrial (século XIX), e tem sua ascensão com a expansão do sistema
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capitalista do século XX e com a “Guerra às Drogas”, cujo fruto é o proibicionismo do uso de
drogas.
Tal perspectiva se fundamenta na abstinência, seja esta pessoal (espera-se que as pessoas não
usem drogas) e/ou coletiva (objetiva-se um mundo sem drogas em futuro próximo), proibindo-
se qualquer modalidade de uso, comércio ou produção, além de se tipificar os crimes pelo uso
(RIBEIRO, 2013, p. 27).
Criam-se instituições fechadas, cujo “tratamento” para o “vício” só se faz possível pela
abstinência, a partir de discursos e práticas de criminalização e patologização da vida: ou
seja, o tratamento do usuário é construído com base na culpa (por meio de graves preconceitos
morais) e a partir da ideia de que o único tratamento possível é parar de utilizar drogas,
mesmo que o usuário não queira parar de usar.
Desde 2015, tem-se observado o financiamento público de comunidades terapêuticas (CT). Tais
equipamentos são privados (com fins lucrativos) e operam na lógica da internação (inclusive
compulsória) e do isolamento social (um extremo contrassenso em relação ao que se preconiza
a lei 10.216/2001 que dispõe do cuidado integral, digno e em liberdade das pessoas
portadoras de transtornos mentais).
Outro aspecto que chama a atenção em relação a esses equipamentos são as inúmeras denúncias
de violações de direitos humanos e humilhações apontadas no Relatório da 4a Inspeção
Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas publicada pelo
Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2011).
A partir da década de 1980, é possível mapear ações de redução de danos em vários países
do mundo, a princípio como uma tentativa de diminuição de danos/riscos em relação às doenças
infectocontagiosas que os usuários de drogas estavam expostos pelo compartilhamento de
seringas nas cenas de uso, sendo essa uma via de destaque de transmissão do HIV na época.
Uma das primeiras iniciativas que ganha expressão no âmbito da saúde pública de redução de
danos é registrada em Amsterdam, na Holanda, em 1984, a partir de ações junto aos usuários
de drogas injetáveis para contenção da epidemia de Hepatite B, em um primeiro momento, e
do HIV/AIDS, posteriormente, após se detectar a transmissão do vírus via corrente sanguínea
(RIBEIRO, 2013).
No Brasil, as primeiras ações de redução de danos se deram na cidade de Santos, em 1989. Por
se tratar de uma cidade de zona portuária e de intenso trânsito de drogas, apresentou grandes
taxas de prevalência de HIV/AIDS no período, alertando o poder público para esse problema.
A estratégia utilizada pelo então prefeito da cidade, David Capistrano, foi investir em ações
de redução de danos a partir de trocas de seringas e orientações às pessoas consumidoras de
drogas injetáveis. A repercussão dessas medidas provocou polêmicas e muitos tensionamentos,
sob a alegação que tais ações promoviam/facilitavam o uso de drogas, além de suscitar o
debate sobre utilização indevida de recurso público. Tais ações acabaram se configurando
Foram necessários seis anos de embates e discussões intensas sobre essas estratégias de saúde
para que se pudesse implementar um programa efetivo de troca de seringas e acolhimento aos
usuários, a partir de ações na cidade de Salvador, por meio do Centro de Estudos e Terapia do
Abuso de Drogas (CETAD), sob a coordenação de Antônio Nery Filho, em 1995.
Dois acontecimentos ajudam a compreender como essas articulações permitiram que a estratégia
de Redução de Danos deixasse de ser apenas um conjunto de ações em saúde pública e
passassem a se tornar um dispositivo de visibilidade dos usuários de drogas sobre suas próprias
demandas de cuidado, com base na perspectiva da autonomia. São elas:
Podemos entender a redução de danos como uma abordagem ou uma estratégia ao fenômeno
das drogas que visa minimizar danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias
psicoativas.
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Temas Contemporâneos em Psicologia
O início dessas intervenções foi marcado por ações no campo da saúde, que hoje tem se
ampliado da esfera do direito à saúde para a do direito à cidadania e dos Direitos Humanos.
As práticas de redução de danos buscam a socialização política de usuários de drogas de
maneira crítica, no sentido de se tornarem protagonistas, de promoverem o autocuidado com a
saúde e a busca por direitos, pela discussão de políticas governamentais e políticas de estado,
em uma perspectiva que passa pelo individual e também pelo coletivo.
Sobre o termo “Redução de Danos”, é passível de discussão e traz consigo uma gama de
práticas heterogêneas, polissêmicas e controversas no cotidiano dos serviços de saúde e da
assistência. Lancetti (2006; 2015) discute que o conceito de ampliação de vida caberia melhor
ao que chamamos de Redução de Danos, por se tratar de uma perspectiva usuário-centrada de
autonomia, agenciamentos de afetos, vínculos e conexões em um campo clínico-político complexo
e que não depende, necessariamente, da ação de redutores de danos para se fazer valer.
O autor, em seu livro Clínica peripatética, por exemplo, discute o quão potente podem ser as
ações dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), quando pautadas pelos pressupostos da
redução de danos enquanto ética da produção de vida.
Vício: https://www.youtube.com/watch?v=ao8L-0nSYzg
https://www.youtube.com/watch?v=cDVR_NBAfyc
30
Síntese
Temas Contemporâneos em Psicologia
É nesse contexto que novos desafios surgem para nossa profissão. Dentre eles, os que vimos
nessa unidade de aprendizagem: a inclusão das pessoas com deficiência ou com necessidades
especiais, o fenômeno das drogas na contemporaneidade e os desafios do psicólogo no cuidado
às pessoas que fazem uso radical de drogas.
Em relação à temática da pessoa com deficiência, podemos perceber que há um estatuto que
rege os direitos das pessoas com deficiência, dentre eles a necessidade da inclusão social em
uma intensa articulação da rede de cuidados que inclui: família, colegas, escola e serviços de
saúde. O papel do psicólogo é fundamental nessa integração: intervindo sempre em busca
da construção de autonomia, respeitando sempre a singularidade dos sujeitos e organizando
amplamente ações de combate ao preconceito.
Na atenção às pessoas que fazem uso de drogas, focalizamos a importância de não criminalizar,
culpar ou discriminar essa população: além de não ser adequado eticamente à atuação
do psicólogo, tais ações não se constituem enquanto proposta terapêutica de cuidado. Uma
proposta possível de atuação discutida nessa unidade foi a estratégia de Redução de Danos
cujo foco não foi abstinência enquanto norma, mas a partir da singularidade de cada sujeito.
Sabemos que a questão do uso de drogas é bastante complexa, multicausal e multifatorial,
mas a função do psicólogo na conduta terapêutica precisa estar permeada pela noção de
autonomia e pelo respeito às escolhas das pessoas.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1999.
BRASIL. Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comuni-
dade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros
na área da saúde e dá outras previdências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 28 dez.
1990.
_______. Lei n.º 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde men-
tal. Diário Oficial da União. 2001.
_______. Portaria n.º 3.088 de 2011: Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas
com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 2011.
BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006). Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência: decreto legislativo n.º 186, de 09 de julho de 2008: decreto
nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. 4. ed. rev. e atual. Brasília: Secretaria de Direitos Hu-
manos, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011.
32
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