Ritual de Benzeção
Ritual de Benzeção
Ritual de Benzeção
PUC-SP
SÃO PAULO
2009
ELEN CRISTINA DIAS DE MOURA
São Paulo
2009
Banca Examinadora
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À minha falecida avó Adelaide, que inspirou
essa pesquisa sobre o ritual de benzeção.
Aos meus amados pais, André (in memorian) e
Maria do Carmo, que me ensinaram as lições
mais belas sobre a vida.
AGRADECIMENTOS
The dissertation “Between Ramos and Prayers: blessing practice in São Luiz
do Paraitinga, from 1950 to 2008” is the result of a two year research performed in
the city of São Luiz do Paraitinga on blessing ritual. Our goal was to study this
popular form of cure to check the transmission resources, the ruptures and the
continuities in the ritual along time and the relation established among faith healers
and the local priests.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
Capítulo I
BENTO OU BENZIDO: ETIMOLOGIA, CONCEITOS E DEFINIÇÕES ..................... 24
1. Benção, bem dizer, benzer: clareando o significado. ........................................ 24
2. Benzer: nas teias do ritual ................................................................................. 30
2.1. Eu te benzo, eu te livro, eu te curo: o poder das orações. .......................... 34
2.2. A linguagem dos objetos ............................................................................. 37
2.3. Os males e a cura ....................................................................................... 42
2.4. A transmissão do dom................................................................................. 44
3. Cultura popular e religião .................................................................................. 46
4. A benzeção, uma manifestação do catolicismo popular .................................... 49
5. Benzeção: aproximações e distanciamentos entre a Medicina popular e a
medicina erudita. ................................................................................................... 53
Capítulo II
SALUDADORES, BENZEDEIROS E BENZEDEIRAS: A CONSTRUÇÃO DO RITUAL
AO LONGO DA HISTÓRIA. ...................................................................................... 57
1. A prática de benzeção: da metrópole à colônia ................................................ 57
2. Mentalidade medieval: um palco entre o bem e o mal ....................................... 58
3. De saludadores a benzedeiros(as): a trajetória da benzeção nos processos
inquisitoriais em Portugal, a partir da obra de Francisco Bethencourt ................... 64
4. Degredados, escravos e nativos: a benzeção na colônia .................................. 74
5. Médicas sem diploma: a atuação de parteiras, curandeiras, benzedeiras na
colônia, entre os séculos XVI e XVII. ..................................................................... 84
6. Séculos XIX e XX: curandeiros, médicos, charlatões e novas terapias ............. 88
Capítulo III
SÃO LUIZ DO PARAITINGA: UM VALE DE BÊNÇÃOS ........................................... 96
1. Origem e formação da cidade............................................................................ 96
2. São Luiz do Paraitinga sob o olhar de Alceu Maynard de Araújo .................... 107
3. Os caminhos da benzeção: reconstrução da prática de benzeção nos últimos
anos. .................................................................................................................... 132
Capítulo IV
BENZEDEIROS, BENZEDEIRAS E PADRES: AGENTES RELIGIOSOS EM SÃO
LUÍS DO PARAITINGA. .......................................................................................... 146
1. O popular e o oficial: a relação entre padres, benzedeiros e benzedeiras em
São Luiz do Paraitinga. ........................................................................................ 146
2. Campo religioso em São Luiz do Paraitinga .................................................... 150
3. Benzedeiros e benzedeiras: representantes do catolicismo popular. .............. 158
4. Padres: os representantes do catolicismo oficial. ........................................... 169
5. A relação entre padres e os(as) benzedeiros(as) em São Luiz do Paraitinga. 174
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 177
ANEXOS ................................................................................................................. 186
ANEXO A ............................................................................................................. 187
Questionário para coleta de dados sobre os(as) antigos(as) benzedeiros(as) em
São Luiz do Paraitinga ......................................................................................... 187
ANEXO B ............................................................................................................. 191
Roteiro de questões feitas: benzedeiros/benzedeiras e padres .......................... 191
ANEXO C............................................................................................................. 193
Perfis: benzedeiro e benzedeiras atuais .............................................................. 193
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ....................................................................... 203
LISTA DE TABELAS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO
1
Em nossa pesquisa optamos por empregar os termos “benzeção”, “benzimentos” e “benzeduras” para nos
referir à prática dos(as) benzedeiros(as), conforme o uso popular, mesmo que em alguns dicionários não
constem esses termos.
14
Com relação ao local escolhido para ser o foco da pesquisa, a cidade de São
Luiz do Paraitinga, meu interesse começou há cerca de dez anos, quando estive
pela primeira vez no local para fazer a observação de uma festa tradicional da
cidade, a Folia do Divino Espírito Santo. A dimensão do evento e o esforço dos
habitantes em preservar suas tradições, realmente me impressionaram. Passei a
freqüentar o local e, ao identificar na cidade a tradição de benzedeiros(as), decidi
escolhê-la como local para a pesquisa.
Com relação à religião, quase 93% dos moradores se declara católico (Censo
2000). Apesar da inserção de outras igrejas nas últimas décadas, sobretudo as de
origem evangélica, os poucos habitantes mantêm-se fortemente ligados à Igreja
Católica, ao mesmo tempo em que preservam uma série costumes e crenças
características do catolicismo popular.
2
Série de perguntas abertas, realizadas verbal e diretamente, seguindo uma ordem prevista, na qual o (a)
pesquisador (a) pode acrescentar esclarecimentos.
3
Em muitos casos, as pessoas ouvidas não entendiam o sentido da pergunta, o que exigiu intervenções da
pesquisadora a fim da facilitar a compreensão do que se pretendia indagar.
18
4
As informações coletadas foram apresentadas em tabelas e gráficos com o objetivo de facilitar a compreensão
do (a) leitor (a). Em alguns casos, utilizei o recurso da porcentagem para a formulação dos gráficos, mesmo
sabendo que esse recurso é comumente empregado no caso de pesquisa com grandes populações.
5
De acordo com Bardin (1977, p.99), tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar
motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências entre outros.
6
A categoria é uma forma geral de conceito, uma forma de pensamento. Na análise de conteúdo, as categorias
são rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características
comuns. (Ibid.)
19
Ressalto, porém, que o objetivo não é assumir uma postura dicotômica que
analisa a sociedade apenas do ponto de vista da luta de classes. A sociedade
brasileira, seguindo o modelo capitalista, está baseada na exploração das classes
subalternas e, tal modelo, resulta na forte desigualdade social que se estende aos
setores político e cultural. No entanto, fundamento-me no conceito de circularidade
cultural proposto por Bakhtin (1996) e aprofundado por Ginzburg (2006). De acordo
com esses autores, para se compreender as manifestações da cultura popular, é
preciso levar em conta a interação existente entre essa forma cultura e a cultura
hegemônica (oficial). Há um fluxo de trocas, no qual uma pode incorporar e
ressignificar elementos presentes na outra.
7
Xidieh está entre os principais sociólogos da década de 40 que procuraram analisar as manifestações da
cultura popular dentro de seu contexto, destacando o caráter fluido por meio do qual a cultura popular se
reinventa e garante sua continuidade perante novas pressões.
8
Conceito proposto por Lévi-Strauss (1970).
22
9
Em nossa pesquisa utilizamos o termo hibridismo para nos referir às adaptações e trocas efetuadas entre
diferentes culturas. Sabemos que o termo em si é escorregadio, ambíguo e evoca um observador externo que
estuda a cultura como se ela fosse a própria natureza, uma vez que hibridismo foi um termo cunhado
originalmente por botânicos (Burke, 2008). No entanto, ele parece ser mais adequado para demonstrar as
influências ou as trocas existentes no interior das culturas (sobretudo num contexto de colonização), pois como
afirma Said (1995, p.28), todas as culturas em si são híbridas, heterogêneas, nenhuma é pura e única. Portanto,
hibridismo é um termo mais abrangente que destaca o aspecto dinâmico da cultura ao longo do processo
histórico vivenciado pelos povos que ressignificam, adaptam ou reelaboram suas experiências a partir do contato
com outra cultura, de forma consciente ou não.
23
reconstruo a trajetória destes agentes populares de cura do século XVI até o século
XX. Analisando a trajetória dos(as) benzedeiros(as), identifico a maneira pela qual
esta atividade vem resistindo e coexistindo com outras práticas religiosas no Brasil e
quais matrizes religiosas contribuíram para a sua permanência. O objetivo foi
identificar as mudanças e as continuidades no ritual de benzeção, relacionando-as
com os contextos históricos.
Capítulo I
[...] Os homens e mulheres que viviam há mil anos são nossos ancestrais. Eles falavam
mais ou menos a mesma linguagem que nós e suas concepções de mundo não estavam
tão distanciadas das nossas. Há, portanto, analogias entre as duas épocas, mas existem,
também, diferenças, e são elas que muito nos ensinam. (Duby, 1998, p. 13)
Para Duby (1998), é o medo que aproxima os seres humanos atuais aos do
período medieval. O medo do outro, das guerras, da miséria, da fome, das
epidemias, da morte e do além ainda se configura na mentalidade moderna. O autor
revela que as pessoas desse período temiam ser punidas por seus pecados e se
valiam de preces, penitências e amuletos para escapar à “danação” no inferno. Mas,
o medo do invisível e do desconhecido parece ser algo ainda presente em nossa
25
Pelo sucesso extraordinário retomado, em nossa sociedade, por charlatães que vendem
toda sorte de amuletos para tentar vencer a adversidade, prever o futuro, defender-se
contra as forças maléficas. O sucesso dos que propõem a cura das doenças do corpo ou
da alma faz-me pensar que o medo do invisível permanece profundamente arraigado.
(Duby,1998, p. 130)
Indivíduo com poder de proteger as pessoas contra as doenças e outros males pela reza.
Usa água benta, galhinhos de certas plantas, acende velas enquanto vai rezando, às
vezes com expressões ou versos incompreensíveis. Muitas vezes, o rezador é benzedor e
curandeiro, recomendando o uso de beberagem, emplastos, purgantes e chás. (Cascudo,
2000, p. 588)
[...] O conceito de abençoar se pode ver nas ligações etimológicas entre o Heb. barak e
a raiz ugarítica brk e a palavra acadiana karãbu. Basicamente, bãrak significa dotar com
um poder benéfico. Este significado abrange tanto o processo de dotar como a condição
de ser dotado. (Ibid., p 289)
[...] Mas Israel estendeu a mão direita e a colocou sobre a cabeça de Efraim, que era
mais moço, e a esquerda sobre a cabeça de Manasses, cruzando as mãos, embora
Manasses fosse o primogênito. Abençoou a José dizendo: ‘O Deus cuja presença
andaram meus pais, Abraão e Isaac, o Deus que foi meu pastor desde que existo até
hoje; o anjo, que me livrou de todo mal, abençoe estes meninos. Que por meio deles seja
recordado o meu nome e o nome dos meus pais, Abraão e Isaac, e que eles se tornem
uma multidão no meio da terra’. (Gn 48:14-16)
10
Como a benzeção é uma manifestação do catolicismo popular, a base das crenças está na tradição judaico-
cristã, apesar das influências de outras tradições.
11
Bíblia Sagrada, 46ª Edição, Petrópolis, Editora Vozes e Editora Santuário, 1982.
28
Tais imagens contidas nos relatos bíblicos tiveram larga repercussão no meio
popular, perpassando os séculos e se configurando ainda como tradição popular na
benzeção. Cascudo (1985) lembra o antigo costume encontrado ainda em
comunidades mais tradicionais de se pedir a “bênção” aos mais velhos, como forma
de respeito aos pais, tios, avós, padrinhos e sacerdotes. Uma atitude que invoca
além do respeito, proteção, votos de felicidade, confiança e, sobretudo,
solidariedade. Ao conceder a bênção, invoca-se o bem àquele que pede. Do latim
“bene-dicere”, temos o “bem-dizer”, de onde deriva o popular “bendição”,
“benzeção”, “benzimento” e “benzedura”.
comunidades onde seus serviços são necessários. Podem transitar tanto no meio
urbano, quanto no rural e seus portadores são vistos como intermediários entre as
forças sobrenaturais e os homens. Neste sentido, o verbo benzer implica ação de
dar a bênção, abençoar, seja com uma imagem, com um gesto ou orações. Já o
termo “bento” aproxima-se da ação de clérigos ou sacerdotes, em outros termos, de
pessoas relacionadas à ação institucional da Igreja. Esses usos diferenciados
sugerem, desde já, uma separação entre os agentes leigos da benzeção e os
sacerdotes da Igreja Católica. Tal distinção fica clara na fala de um dos padres (P1)
entrevistados em São Luiz do Paraitinga:
12
Destacamos que, os termos assinalados no esquema, representam as variações que o(a) leitor(a) poderá
encontrar ao longo do texto.
30
Definimos benzeção como uma prática popular de cura que utiliza uma
linguagem específica, tanto oral quanto gestual, com o objetivo de não apenas curar,
mas libertar o paciente do mal que o aflige (Gomes & Pereira, 1989, p.13). O
benzedeiro e a benzedeira são pessoas portadoras de um poder especial, que
podem controlar as forças desencadeadoras de desequilíbrios. Por meio de
benzimentos – atos mágico-religiosos -, garantem o funcionamento da normalidade
desejada, rompendo-se com o desequilíbrio ameaçador da existência. Partindo-se
dessa definição, entende-se que a benzeção trata não apenas de males físicos, mas
também espirituais. É um saber calcado na experiência cotidiana direta, com sua
própria lógica, relacionada ao universo sócio-cultural no qual se inserem os sujeitos
que a praticam. Como bem coloca Oliveira (1984), benzedeiros(as) podem ser
considerados como “cientistas populares”, isto é, sujeitos que combinam elementos
místicos da religião e a magia aos conhecimentos da medicina popular. Falam em
nome de uma religião e atuam no limiar entre esta e a medicina.
Tratamos a benzeção como uma espécie de ofício, uma vez que os princípios
e as regras de funcionamento são de conhecimento restrito a um grupo de
especialistas, isto é, de profissionais da medicina popular. Entretanto, esclarecemos
que não se deve eliminar o caráter mágico que garante a eficácia do ritual, conforme
verificamos na obra de Lévi-Strauss (2008). Na obra Pensamento Selvagem (1970),
o autor procurou demonstrar como a forma de pensar dos povos primitivos possui
sua própria lógica interna - não muito diferente do pensamento ocidental - sempre
associada às experiências concretas, nas quais as sociedades procuram
compreender e organizar suas relações com o mundo. Nesse sentido, o autor inova
31
Os(as) benzedeiros(as) não podem receber uma remuneração por sua ação.
Baseando seu discurso na idéia de que “deve-se dar de graça o que de graça se
recebe”, aceitam apenas “agrados”, tais como gêneros alimentícios, tidos como
gestos de gratidão pelo bem que se fez. Aceitar pagamento é renegar o “dom” que
foi dado, ou seja, a graça divina. Este é um dos elementos que diferenciam os(as)
benzedeiros(as) dos(as) feiticeiros(as), ou seja, aqueles que trabalham para o mal e
cobram por isso.
Ah, eu sou da linha dos anjos, não gosto de cobrar, é uma caridade que a gente faz.
(DR, benzedeira, julho de 2008.)
Eu fico com a convicção de estar ajudando, não recebo nada em troca. Eles querem
dar uma ajuda, eu recebo. Geralmente são ajudas para as ações, como compra vela
benta que clareia a vida das pessoas. (SD, benzedeiro, julho de 2008)
13
Esse dado foi confirmado na pesquisa bibliográfica. A maior parte dos estudos refere-se a benzedeiras, como
Oliveira (1983), Mello (1999), Souza (1999), Pinto (2004) e Vaz (2006).
33
Portanto, não há como duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Porém, ao mesmo
tempo, percebe-se que a eficácia da magia implica a crença na magia, que se apresenta
sob três aspectos complementares: primeiro, a crença do feiticeiro na eficácia de suas
técnicas; depois, a do doente de que ele trata ou da vítima que ele persegue, no poder
do próprio feiticeiro; e, por fim, a confiança e as exigências da opinião coletiva, que
formam continuamente uma espécie de campo de gravitação no interior do qual se
situam as relações entre feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça. (Lévi-Strauss, 2008, p.
182)
34
A benzeção inclui a crença no poder mágico da palavra, uma vez que o(a)
benzedeiro(a) é capaz de alterar uma realidade (em desordem) utilizando-se de
orações recitadas, sempre acompanhadas por gestos e objetos específicos.
14
Em muitas passagens bíblicas do Antigo Testamento, Jesus curou os enfermos apenas com frases
imperativas.
35
dos Santos. O acesso e a compreensão das fórmulas recitadas são restritos aos que
herdarão a tradição. Entre os entrevistados, notou-se um claro receio de se dizer as
orações fora de um contexto sagrado, portanto, tivemos que nos submeter ao ritual
para termos acesso ao conteúdo. Ao longo da transcrição, percebemos que algumas
palavras sofreram alterações comuns da linguagem popular, limitando a
compreensão do processo por parte dos que são alheios ao universo cultural do qual
fazem parte os(as) benzedeiros(as) e os membros da comunidade15.
15
Mantivemos a transcrição literal no caso das orações para destacarmos as adaptações da linguagem e
junções de palavras no ritual.
16
Versão oficial da oração Salve-Rainha: Salve Rainha, Mãe de Misericórdia. Vida, doçura e esperança nossa,
Salve! A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste Vale de
Lágrimas. Eia, pois, advogada nossa. Esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei! E depois desse desterro,
mostrai-nos Jesus, bendito fruto do Vosso Ventre. Ó Clemente, ó Piedosa, ó Doce Sempre Virgem Maria. Rogai
por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém.
17
Versão oficial do credo católico: Creio em Deus Pai Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra, creio em Jesus
Cristo, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob
Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos, subiu aos céus, está sentado à
direita de Deus Pai, todo poderoso, de onde a de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na
Santa Igreja Católica, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida
eterna. Amém.
36
Senhor, tenha misericórdia, o nome desta pessoa é ... todo o mal que tiver no corpo
desta moça em uma palavra: inveja, macumba, tristeza, infecção, inflamação, dores,
problemas difíceis de resolver, aborrecimento, nervoso, dificuldade, angustia, depressão.
Senhor tenha misericórdia e cure essa moça.
Todo o mal que tiver no corpo que suma daqui pra fora!
Em nome de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo, Santíssimo Sacramento e o Divino
Espírito Santo, tenham misericórdia! (gesto com o terço e uma oração secreta).
Senhor tenha misericórdia e cure essa moça! Todo o mal que tiver no corpo desta moça
em uma palavra: inveja, macumba, tristeza, infecção, inflamação, dores, problemas
difíceis de resolver, aborrecimento, nervoso, dificuldade, angustia, depressão. Senhor
tenha misericórdia e cure essa moça. Todo o mal que tiver no corpo que suma daqui pra
fora! Em nome de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo, Santíssimo Sacramento e o
Divino Espírito Santo, tenham misericórdia!.
O sangue que vós derramou na cruz que seja o remédio e cure esta moça. Em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Senhor abençoe esta moça, cure esta moça e crie esta
moça. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. (DV, benzedeira, julho de
2007)
Antigamente quem ensinava a rezar eram o pai e a mãe. Todos ensinavam. Nós, em
casa, mesmo, chegava na hora de dormir, a vovó, que era mãe da mamãe, era muito
religiosa, ensinava a rezar o terço. Apesar que o terço naquele tempo não era
correntinha que nem agora. Era cordãozinho de linha. Torcia a linha de oito [fios],
passava cera, ia torcendo, torcendo ela não desmanchava. Daí pegava o capiá bem
miudinho e contava de 10 continhas daquela e punha uma da grande, que era o Padre
Nosso. Daí pegava outra vez dez, que era 10 Ave Marias e um grande, Padre Nosso. E
ensinava a rezar. Morador do Bairro do Rancho Grande. (Campos 2002, p. 200.)
18
Planta medicinal que cresce em forma de arbustos, usada como tônico geral, excitante enérgico e antitérmico
na febre tifóide. A raiz pulverizada serve para aromatizar o fumo, diminuindo as propriedades tóxicas da nicotina.
.
39
Dos sujeitos pesquisados, observamos que aqueles que vivem no meio rural
são os que mais incorporam elementos naturais em seus rituais. Como é o caso de
DR, que mora em um bairro rural a 2 km da cidade e possui em seu quintal um vasto
jardim contendo as mais variadas ervas medicinais que servem como tratamento aos
mais distintos males.
É longa a lista de males que podem ser curados ou tratados pela benzeção.
Mesmo dividindo-se em males espirituais e materiais, entendemos que, por trás de
cada um, sempre há uma causa oculta, de influências espirituais. Como exemplo
dos males, citamos: dor de cabeça, quebranto, mau-olhado, erisipela, dores em
geral (dente, perna, corpo), cólica, íngua, verrugas, terçol, unheiro, impinge, bicheira
de gado, verminose, picadas de cobra e insetos, proteção (fechar o corpo),
espinhela caída, cobreiro entre outros. 19
19
Para a descrição detalhada dos diferentes tipos de rituais de benzeção, recomendamos o livro de Gomes &
Pereira, 1989.
43
Como sugerem Gomes & Pereira (1989), nesse tipo de ritual emprega-se a
metáfora do “corpo intermediário”, ou seja, no momento em que o ramo é deslizado
pelo corpo, ele toma o lugar do próprio organismo em desequilíbrio, por isso, deve
ser descartado a fim de que o corpo original restaure sua saúde. O mesmo princípio
explica a eficácia de outros tipos de benzimentos. Tornando palpável, visível e
concreto o que é impalpável, invisível e obscuro, os agentes da benzeção traduzem
para a linguagem popular a compreensão da doença. Desta maneira, a pessoa se
sente mais segura e, confiante no poder que é atribuído aos benzedeiros e às
benzedeiras, participa da própria cura.
O dom também pode ser adquirido por meio de uma revelação, seja em
sonho ou por uma visão espiritual. Essa foi a maneira pela qual SD tornou-se
benzedeiro. SD contou-nos que quando tinha dezessete anos, choveu forte no
feriado de Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro). Temendo as fortes trovoadas,
decidiu esconder-se dentro na Igreja do Rosário, debaixo do altar. De repente, ouviu
uma voz lhe dizendo: “Homem de pouca fé”, tentou identificar de quem era a voz,
mas como estava sozinho, atribuiu a origem a algo sobrenatural. Desde aquele dia,
SD passou a manifestar o dom para curar e benzer.
20
Tal definição contrapõe-se à de folclore, muitas vezes empregada para caracterizar as manifestações da
cultura popular até meados do século XX. O termo folclore em geral traz em si um sentido pejorativo, uma vez
que foi criado para designar o saber tradicional do povo fadado ao desaparecimento.
47
Talvez a melhor maneira de se compreender a cultura popular seja estudar a religião. Ali
ela aparece viva e multiforme e, mais do que em outros setores de produção de modos
sociais da vida e dos seus símbolos, ela existe em franco estado de luta acesa, ora por
sobrevivência, ora por autonomia, em meio a enfrentamentos profanos e sagrados entre
o domínio erudito dos dominantes e do domínio popular dos subalternos. (Brandão,
1980, p.15)
como quase sempre os objetivos são econômicos, diz-se que a religião se baseia
numa racionalidade econômica.
Por tudo o que foi dito, torna-se bastante claro que, ao simplificar as características dos
sistemas religiosos de sociedades primitivas, deixamos de entender os níveis complexos
de adequação entre os seus símbolos – sejam eles objetos, idéias ou ações – e aquilo
que eles representam, falseando assim o consenso e a não-diferenciação das mesmas.
A função política do ritual, de afirmar a unidade e legitimar posições sociais, e a função
de comunicação e conhecimento, de fazer o sistema social intelectualmente coerente
para os membros da sociedade, não se negam mutuamente. Eles são, como sugere
Bourdieu, complementares. [...] pretendemos chegar a entender, em certo grau, a
racionalidade e a coerência relativas dos símbolos, categorias e rituais do catolicismo
popular, isto é, sua lógica enquanto sistema. (Ibid.,p.36)
Sendo a prática ritual um meio pelo qual essa forma de religiosidade se pensa
e se organiza, a partir da compreensão de seus elementos, podemos identificar a
lógica interna e articulação dos mesmos. Tal posicionamento trouxe relevantes
contribuições para a presente pesquisa, pois nos permitiu identificar a maneira pela
qual o ritual de benzeção e sua simbologia refletem os conflitos entre os sujeitos que
os produzem e vivenciam.
contribui para a legitimação do poder, pois de acordo com Berger (1985), há uma
estreita relação entre religião e legitimação:
21
REVISTA da FOLHA. Senhoras do Ramo: tradição de benzer, uma herança cultural que pode ficar sem
seguidores. São Paulo, 22 de março de 2007, ano 15, nº. 760, p. 11-17.
55
22
Em nota de rodapé, o autor cita outra crítica, que se relacionada ao caráter dispendioso dos tratamentos.
57
Capítulo II
O catolicismo que se enraíza no Brasil está marcado por sua origem européia, mas
também pelo encontro que essa tradição teve aqui com as tradições africanas e
indígenas. Sua originalidade, contudo, deve ser buscada mais na forma como se realiza
esse encontro do que na soma dos elementos dessas culturas. Ou seja, acreditamos
que o encontro das culturas advenientes com a autóctone produziu um modo partilhado
de a cultura popular pensar a relação entre o sagrado e o profano. (Steil 2001, pp. 14-15)
A Idade Média (século V ao XV) foi uma época marcada pelo pouco acesso
aos tratamentos médicos oficiais e pela forte religiosidade. Durante esse período, a
ação de rezadores, curandeiros e boticários era intensa e, muitas vezes, a única
forma de tratamento existente. Ao longo do tempo, tais práticas foram proibidas e
perseguidas pela Igreja e, mais tarde, também por médicos, que viam nesses
profissionais um risco à sua profissão.
realidade possuía assim um aspecto facilmente identificável por meio dos sentidos e
outro oculto, não revelado, situado no “além”, no “supra-humano”:
Cada objeto material era considerado como a figuração de alguma coisa que lhe
corresponderia num plano mais elevado, e tornava-se, deste modo, seu símbolo. O
símbolo era universal, e pensar era uma perpétua descoberta de significações ocultas,
uma constante hierofania. Porque o mundo oculto era um mundo sagrado, e o
pensamento simbólico não era mais do que a forma elaborada, decantada, no plano dos
doutos, do pensamento mágico que impregnava a mentalidade comum (Le Goff, 2005,
p.332)
O símbolo é, então, uma verdade que esconde outra verdade. E elas se comunicam: um
universo concebido como integral, uno, todas as partes estão ligadas por analogias
simbólicas (Franco, 1992, p.157).
A preocupação com a linguagem, com o verbo, não era apenas atributo das
classes mais altas, compostas por clérigos e nobres, mas também dos camponeses,
imensa massa de iletrados, responsáveis pelo sustento e manutenção da sociedade
medieval, que se valiam da oralidade para se expressar. Cantigas, histórias, preces,
pragas, fórmulas, feitiços compunham o grande repertório de expressão do
pensamento camponês por meio da palavra. Ao perceber o mundo como um
24
A palavra símbolo vem do latim: symbolo, que servia para designar as duas metades de algo que fora dividido,
era uma espécie de reconhecimento da junção destas partes.
60
25
Ao reconstruir a história da Igreja, verifica-se que a oposição entre Igreja Católica, feitiçaria e magia é muito
antiga, remontando às suas origens, no seio do Império Romano, no entanto, foi durante a Idade Média e a Idade
Moderna que esse conflito se aprofundou.
26
Termo derivado do latim “paganus” significando rústico, simples.
62
No ano de 1303, o rei Felipe IV, o Belo, impediu que a Inquisição se ocupasse
de casos de magia, usura e judaísmo na França. No entanto, quase vinte anos mais
tarde, o papa João XXII, atormentado por ameaças de morte por envenenamento e
feitiços, ampliou os poderes inquisitoriais com relação às práticas mágicas e, em
1326, decreta a validade perpétua da excomunhão implícita a todos que ensinassem
ou aprendessem tais artes malignas, e prescrevia todas as penalidades em que
incorriam os heréticos, exceto a confiscação de bens (Nogueira, 2004, p.246). Esse
decreto contribuiu para o acirramento das perseguições e o aumento de denúncias
63
[...] enquanto nos países do Centro e do Norte da Europa a repressão sobre a bruxaria e
a feitiçaria conhece um grande impulso ao longo da segunda metade do século XVI e da
primeira metade do século XVII, nos países meridionais, sobretudo em Portugal e na
Espanha (com exceção do País Basco, durante um certo período), não se registra tal
fenômeno nem nessas mesmas proporções, nem com a mesma periodização.
(Bethencourt, 2004, p.44).
O século XVI foi marcado por intensa mobilidade social e geográfica, (intensa,
quando se tem como referência o período anterior), em que a expansão comercial e
as guerras desempenharam papel relevante na organização da sociedade. Consistiu
em uma fase de incertezas e instabilidades, na qual, tanto a vida pública quanto a
vida privada, forma dominadas pela religião católica. Todos estes elementos
contribuíram para o florescimento da magia de forma tão significativa, o que gerou a
intervenção das autoridades.
por isso, tornou-se uma das bases para reconstituirmos a trajetória dos benzedeiros
e benzedeiras ibéricos, que na época eram conhecidos como saludadores.
Analisemos, em primeiro lugar, a tipologia dos crimes, em que detectamos uma elevada
percentagem de feiticeiras e bruxas (66%), seguidas dos curandeiros e adivinhadores
(17%) e dos nigromantes (10,6%). Esses números refletem não só as preocupações dos
inquisidores, mas também uma realidade social complexa: é natural que as bruxas e
feiticeiras sofressem maior perseguição que os saludadores e adivinhadores, pois as
primeiras são temidas pelas comunidades, enquanto os segundos têm um estatuto mais
ambíguo, já que suas atividades podem ser formalmente autorizadas pelos reis e pelos
bispos. (Bethencourt, 2004, p.205)
27
Como exemplos, citamos alguns casos. Maria Fernandes, uma moradora do Vale de Colméias que benzia
“cobro” utilizando certas palavras em nome de Jesus (filho da virgem Maria), uma faca de talhas pretas, cinzas e
azeite. Rui Gonçalves, da Ribeira de Galé, curava feridas com terra peneirada e benzida com o sinal da cruz e o
signo-saimão, ou ainda, animais doentes, com sal e pão bentos. Brites Marques, famosa benzedeira, citada em
vários processos da inquisição, benzia diversos males com o sinal da cruz, em nome de Jesus. Violante Simões
benzia crianças esfregando azeite em seus ventres. Um outro caso interessante é o de Marcos Rodrigues que
curava quebrantos com o vime, pedindo ao doente para que atravessasse uma abertura do vime algumas vezes
e, depois, atasse-os para acabar com a quebradura.
28
Como era o caso de Belchior Fernandes, de Évora, o qual fazia rebentar feridas utilizando cal virgem e sabão
nas áreas afetadas. Em seguida, as lesões eram tratadas com uma espécie de ungüento branco.
29
Como exemplos, temos as histórias de Jorge Anes Castro que curava inchaços com uma mistura de erva
médão cozida no mel e xarope de azeite morno, Rui Gonçalvez empregava um tratamento à base de ervas
cheirosas e agrestes, tais como murta, alecrim, rosmaninho, losna, macela e tomilho para fazer suadouros, e
Gaspar Martins que receitava sumo de arruda, defumação com incenso macho e emplastros de pez e cerabela.
67
[...] fascinar propriamente é olhar com um aspecto melancólico, turvo e carrancudo por
meio de alguma inveja: e assim este espírito malévolo misturando-se com os espíritos e
humores do corpo aonde entra, os altera, destempera e corrompe de sorte que de súbito
o corpo cai e mostra o mal e o dano que recebeu. (Azevedo, 1860. Apud: Bethencourt,
2004, pp. 161-162)
[...] as velhas dêem quebranto com maior rigor e dano é porque ordinariamente são mais
invejosas, e com a inveja levantando, e movendo os humores do corpo já pela idade
impuros e corruptos, e quase inimigos da mocidade, os faz exalar um vapor, e espírito
delgado tão prejudicial, e inimigo, que saindo pelos olhos, mata qualquer corpo vivo que
toma por objeto da sua inveja. (Ibid., p. 162)
Também contra este mandamento, ou o chamam e usam do seu poderio: como são
todos os feiticeiros e feiticeiras, benzedeiros e benzedoras, adivinhadores, agoureiros,
lançadores de sortes e assim todos aqueles que vão buscar a qualquer destes para lhes
administrar alguma cousa ou lhe pedirem qualquer outra ajuda. (Mártires, 1564,fls. XXIV-
XXIII, Apud: Bethencourt, 2004, pp. 41-42.)
Tal trecho é de grande relevância para o objetivo deste capítulo, uma vez que
situa claramente a benzeção como prática de feitiçaria, considerada ilícita para o
período – século XVI.
30
Segundo Bethencourt (2004), a discussão em torno dos conceitos não é algo aprofundado entre os autores
portugueses, cujos trabalhos limitaram-se a distinguir “feiticeira” de “bruxa”.
69
Um saludador poderia adquirir licença para atuar, obtendo uma “carta régia”.
Para isso, deveria comprovar o dom e o conhecimento para curar, atitude submissa
e discreta - os rituais exagerados poderiam sinalizar pacto com o demônio - e, por
fim, pagar determinada quantia. Esse processo não era algo simples, barato ou fácil
de cumprir. Primeiramente, o profissional deveria restringir seu comportamento aos
modelos exigidos pela Igreja, apelando para a discrição. Além disso, tinha que
competir com os cirurgiões e médicos oficiais que cresciam por toda a Europa,
dispondo ainda de certa quantia de dinheiro para pagar a licença. Desde o século
XVI, encontramos referência à animosidade entre os profissionais da medicina oficial
e curandeiros e saludadores. Algo que persistirá e crescerá nos séculos seguintes.
O fato de um saludador possuir carta régia não o liberta completamente dos perigos da
repressão, pois pode extravasar suas competências ou iniciar um ciclo de curas
fabulosas que chamam a atenção das autoridades. Tomé Pires, por exemplo, alega em
vão que Diogo Vale, saludador, reconhecera nele virtude e fizera com que o provisor lhe
passasse carta de curar. Pedro Anes é preso diversas vezes, de nada lhe valendo uma
carta de cirurgião firmada por d. João III em 1529, reconhecida pelo cardeal d. Henrique
em Évora, em 1546 e 1548. (Bethencourt, 2004, p.231)
Ao que tudo indica, o segredo para fugir do controle institucional era manter-
se o mais discreto possível, não se atendo a manifestações públicas de cura que
despertassem a atenção da população e da Igreja. De qualquer forma, o fato de
existirem e poderem atuar, indica que estes profissionais eram necessários e
contribuíam para o tratamento e controle de doenças de considerável parte da
população, que a demanda da medicina oficial não podia alcançar.
produtos da farmacopéia para aliviar ou curar os efeitos dos feitiços; e, por fim, aos
saludadores que confirmavam um diagnóstico, identificavam a feiticeira ou bruxa e
realizava o processo de desenfeitiçamento. Havia ainda a possibilidade de recorrer à
autora do ato mágico para desfazê-lo.
31
Apesar de estabelecer esta distinção, Weber coloca que, por estar a magia atrelada às sociedades não
diferenciadas, ou seja, primitivas ou camponesas, comporta apenas um conjunto de ações desorientadas,
guiadas pelo emocional, sem se preocupar com um fim específico. Desta maneira, os indivíduos estabelecem
uma ligação pessoal com aqueles que possuem poderes “mágicos” (sobre-humanos) com o fim de alcançar a
salvação individual livrando-se de diferentes infortúnios que assolam a vida humana. Em outras palavras, as
práticas mágicas são desprovidas de qualquer racionalidade, ao contrário da religião.
32
Cabe lembrar como a religião permeia os aspectos da vida social, econômica e política da sociedade
quinhentista.
72
33
Curiosamente, no caso de vassalo ou escudeiro, ou seja, pessoas com certo status na sociedade, deveriam
pagar quatro mil reais e ainda serem degredados para a África, por dois anos.
34
De maneira semelhante ao citado anteriormente, aos vassalos e escudeiros, o valor dobrava e ainda tinha-se o
degredo para a África.
73
35
De acordo com Bethencourt (2004), nos processos inquisitoriais em Portugal, de 1540 a 1600, os casos de
magia ilícita não ultrapassam a 2%. As penas aplicadas variavam entre o degredo temporário e o açoitamento
74
Como não havia o problema mouro em Portugal, a Inquisição em Lisboa, com tribunais
em Évora e Coimbra, concentrou-se imediatamente em descobrir cristãos-novos,
verdadeiros ou declarados como tal (...) ambos os tribunais, o espanhol e o português
tinham competência para julgar o protestantismo e outras heresias, feitiçaria, magia,
bigamia, sodomia e aberrações sexuais. (Boxer,1978, p.107)
público, que funcionavam como espécie de espetáculo, cujo fim era demonstrar publicamente o destino daqueles
que se dedicavam a tais atividades.
75
36
Para desvendar esse universo, o autor surpreende com uma minuciosa descrição da intimidade entre senhores
e escravos, analisando a dieta alimentar, a práticas sexuais, as cantigas de ninar, a organização doméstica, as
crenças, as danças, as tradições, a medicina, a arquitetura, a linguagem, os medos e até mesmo os feitiços, num
verdadeiro trabalho de observação etnográfica. Freyre (2000), como todo pesquisador, é fruto do seu tempo, ou
79
Tal qual foi indicado anteriormente, Freyre (2000) fez questão destacar a
importância do negro para a formação da sociedade brasileira, uma vez que atuou
como intermediário entre a mistura das culturas branca e indígena. Apesar de
explicitar as contribuições dos três grupos, a obra também é recheada por visões
estereotipadas, sobretudo com relação ao índio e ao negro, sendo esse o motivo
pela qual tem sido tão criticada. Além disso, o autor fala de certa convivência
harmônica pela qual se processou a união das “raças”, algo também questionável.
No entanto, não há como negar a contribuição de Freyre (2000) ao posicionar o
negro como peça essencial no processo de formação nacional. Contrariando a
tendência da época, o autor abre espaço para se pensar o negro fora da sua
condição de escravo, valorizando a sua presença e voltando o olhar para a África.
A freqüência da feitiçaria e da magia sexual entre nós é outro traço que passa por ser de
origem exclusivamente africana. Entretanto o primeiro volume de documentos relativos
às atividades do Santo Ofício no Brasil registra vários casos de bruxas portuguesas.
Suas práticas podem ter recebido influência africana: em essência, porém, foram
expressões do satanismo europeu que ainda hoje se encontra entre nós, misturado à
feitiçaria africana ou indígena. (Freyre, 2000, p. 379)
seja, responde aos anseios de uma época. Lê-lo sem levar isto em conta é um erro gravíssimo que pode
provocar uma leitura totalmente equivocada. Uma das grandes diferenças dos teóricos de sua época é que
Freyre (2000) não focaliza a questão da mestiçagem, atribuindo-lhe um teor negativista e degenerativo. Prefere
discorrer sobre as matrizes culturais que participaram desta mistura.
80
próprio (a) como intermediário (a) entre Deus e os seres humanos, sempre pede em
oração o auxílio a figuras divinas, personificadas pelos santos, Maria e Jesus,
37
Como exemplo deste fenômeno, pode-se citar o fato de, mesmo batizados, alguns escravos conservavam os
nomes de origem.
38
Assim procedendo, buscamos fugir da idéia de incorporações arbitrárias, sem sentido para os indivíduos.
39
Nas próprias descrições dos casos de magia constantes nos relatórios de Visitação do Santo Ofício, verifica-se
que, em três séculos, houve sucessivas alternâncias, substituições e elementos que desapareceram ao longo do
tempo.
83
não eram o alvo do Santo Ofício e muitas práticas foram de certa forma, permitidas,
à medida que não ameaçavam o poder da Igreja.
40
Os dois casos citados são o de João Roiz Palha, um lavrador de 62 na Bahia, acusado de encantar o gado
para acabar com as bicheiras no século XVI, e o de Francisco Martins, que no século XVIII similarmente benzia o
gado contra bicheira.
84
Percebe-se assim que o papel da mulher iorubá vai além do desempenhado nas
atividades econômicas. Ela é mediadora, não só das trocas de bens econômicos, como
também das de bens simbólicos. O lugar social ocupado pela mulher iorubá, sem sombra
de dívida, possibilita-lhe o exercício de um poder fundamental para a vida africana.
(Bernardo, 2003, p.34)
polígama, o fato de o homem poder ter muitas mulheres, permitiu a elas usufruírem
uma maior liberdade do que se tem em uniões monogâmicas:
Na grande casa familiar do esposo, elas são aceitas como progenitoras dos filhos,
destinadas a perpetuar a linhagem familiar do marido, Mas elas nunca aí são totalmente
integradas, deixando-lhes esse fato uma certa independência. Após o casamento, elas
continuam a praticar o culto de suas famílias de origem, embora seus filhos sejam
consagrados ao deus do cônjuge. (Verger, 1986, p.275. Apud: Bernardo, 2003, p.34)
Essa oposição é explicada por Oliveira (1985). Para a autora, por meio da
benzeção, a benzedeira propõe uma releitura da religião, do seu mundo e, também,
da própria medicina, por se constituir de um conjunto de saber-fazer específico,
transformador, que se constrói e reconstrói a si próprio, mesmo estando em
oposição ao saber erudito, representado pelo discurso da medicina oficial.
Chegava-se a afirmar que médicos matavam seus pacientes, acusações idênticas às que
tantas vezes eram feitas a curandeiros. Assim, ficou claro que no final da década de
1880, os médicos científicos ainda estavam longe de atingir o respeito e a legitimidade
com que sonhavam. (Sampaio, 2004, p.144)
Hão de fazer-me esta justiça, ainda os meus mais ferrenhos inimigos: é que não sou
curandeiro, eu não tenho parente curandeiro não conheço curandeiro, e nunca vi cara,
fotografia ou relíquia, sequer, de curandeiro. Quando adoeço não é de espinhela caída, -
cousa que podia aconselhar-me a curandeira; é sempre de moléstias latinas ou gregas.
90
Estou na regra; pago impostos, sou jurado, não me podem argüir a menor quebra de
dever público.
Sou obrigado a dizer tudo isso, Como uma profissão de fé, porque acabo de ler o
relatório médico acerca das drogas achadas em casa do curandeiro Tobias. Saiu hoje; é
um bom documento. Falo também porque outras muitas cousas me estimulam a falar,
como dizia o curandeiro-mor, Mal das Vinhas, chamado, que já lá está no outro mundo.
Falo ainda, porque nunca vi tanto curandeiro apanhado,- o que prova que a indústria é
lucrativa.
Pelo relatório se vê que Tobias é um tanto Monsieur Jourdain que falava em prosa sem o
saber; Tobias curava em línguas clássicas. Aplicava, por exemplo, solanum argentum,
certa erva, que não vem com outro nome, possuía umas cinqüenta gramas de aristologia
appendiculata, que dava aos clientes; é a raiz de mil-homens. Tinha porém, umas
bugigangas curiosas, esporões de galo, pés de galinha, secos, medalhas, pólvora e até
um chicote feito de rabo de raia, que eu li rabo de saia, cousa que me espantou, porque
estava, estou e morrerei na crença de que rabo de saia é simples metáfora. Vi depois o
que era rabo de raia. Chicote para quê?
Tudo isto, e ainda mais, foi apanhado ao Tobias, no que fizeram muito bem, e oxalá se
apanhem as bugigangas e drogas aos demais curandeiros, e se punam estes, como
manda a lei.
A minha questão é outra, e tem duas faces.
A primeira face é toda de veneração; punamos o curandeiro, mas não esqueçamos que
a curandeira foi a célula da medicina. Os primeiros doentes que houve no mundo, ou
morreram ou ficaram bons. Interveio depois o curandeiro, com algumas observações
rudimentárias, aplicou ervas, que é o que havia à mão, e ajudou a sarar ou a morrer o
doente. Daí vieram andando, até que apareceu o médico. Darwin explica por modo
análogo a presença do homem na terra. Eu tenho um sobrinho, estudante de medicina, a
quem digo sempre que o curandeiro é pai de Hipócrates, e, sendo o meu sobrinho filho
de Hipócrates, o curandeiro é avô do meu sobrinho; c descubro agora que vem a ser
meu tio, - fato que eu neguei a princípio. Também não borro o que lá está. Vamos à
segunda face.
A segunda é que o espiritismo não é menos curandeira que a outra, é mais grave,
porque se o curandeiro deixa os seus clientes estropiados e dispépticos, o espírita deixa-
os simplesmente doudos.(...) (Assis, 1889, Apud: Sampaio, 2004, pp. 100-101)
A partir da análise deste conflito, em que importantes médicos eram acusados de forma
semelhante à que se usava para atacar curandeiros e outros charlatães, percebeu-se que
aqueles doutores não tinham muita legitimidade e prestígio junto a muitos pacientes.
(Sampaio, 2004, p.145)
Ainda que o seu saber não seja crítico e questionador, o fato de oferecer para a
população uma outra alternativa de cura que não a massacra, porque é mais próxima de
suas vidas, já traz em si o espaço de resistência à dominação de classe, o espaço da
resistência à cultura erudita. (Oliveira,1985, p.76.)
encontramos o artigo 284, que define o curandeirismo como crime contra a saúde
pública.
41
Essa questão fica mais clara quando o autor analisa o processo do médium Mirabelli, no qual os médicos
psiquiatras responsáveis por examiná-lo revelaram a acreditar que Mirabelli fosse dotado de alguma habilidade
ou poder especial, mas que usava-a mais para benefício e enriquecimento próprio do que para ajudar as
pessoas.
94
42
Conforme apontam Laplantine & Rabeyron (1989), para os quais a adesão às novas medicinas paralelas está
relacionada à crítica ao modo de vida das sociedades urbana e industriais, donde se vê uma recusa à
complexidade das sociedades, de uma cultura elitista e intelectualizada, de uma sociedade de produtividade e de
consumo, de uma sociedade do objeto, da objetividade, objetivação e do anonimato, de um modelo patriarcal e
de um espaço urbano.
95
sobrevivência ao longo dos séculos, o que, por sua vez, acabou direcionando as
benzeduras para questões domésticas e familiares. Dessa maneira, apresentamos
alguns indicativos para se pensar por qual motivo a benzeção passou a ser uma
prática essencialmente feminina nos dias de hoje.
Capítulo III
Fonte: www.paraitinga.com.br
A cidade está localizada no Vale do Paraíba que, por sua vez, compreende
cinco sub-regiões (Silva, 2006, p.63):
Fonte: www.paraitinga.com.br
43
Paraitinga é um termo da língua tupi-guarani e significa “águas claras”.
44
A principal via de acesso é a Rodovia Estadual Dr. Oswaldo Cruz, SP-125 que liga Taubaté a Ubatuba. São
Luiz do Paraitinga situa-se a 354 Km do Rio de Janeiro, 170 Km da capital do Estado, 54 km de Ubatuba, 100 km
de Campos do Jordão, 42 km de Taubaté, 80 km de Aparecida e 80 km de São José dos Campos. As outras
rodovias de acesso são a Rodovia Presidente Dutra e Rodovia Carvalho Pinto.
99
Fonte: www.paraitinga.com.br
Seguindo algumas trilhas utilizadas pelos índios, como a Trilha dos Tamoios, ou criando
novas trilhas, as tropas de burros oriundas das Minas Gerais foram fundamentais para
definir dois caminhos à descida da Serra do Mar: um que saía de Guaratinguetá e
chegava até Paraty, e outro, uma ramificação do primeiro, situada na região dos Campos
de Cunha, que chegava até Ubatuba. No início do século XVIII, após a abertura de uma
casa de registro no pé da serra de Paraty, muitos viajantes passaram a usar o caminho
que ia para Ubatuba, pois este era uma forma de desviar dos postos de cobranças reais.
(Santos, 2006, p. 121)
Foi justamente por causa desses desvios realizados por viajantes que se
formaram novas povoações que dariam origem às cidades ao longo do trajeto, como
foi o caso de São Luiz do Paraitinga. Apesar de sua ocupação ter se iniciado no final
do século XVII, por meio de fazendas que realizavam apenas a produção de
subsistência, a fundação oficial do município ocorreu em 1769, com a nomeação do
sesmeiro Manoel Antonio de Carvalho como fundador e a conclamação de cinqüenta
casais para se alistarem perante ele. A povoação recebeu nessa época o nome de
São Luís e Santo Antônio do Paraitinga, tendo como padroeira Nossa Senhora dos
Prazeres45. Em 1773, foi elevada à condição de Vila, com aproximadamente
cinqüenta casas, um pelourinho e uma população com cerca de oitocentas pessoas
45
Mais tarde, com a mudança do padroeiro para São Luiz, o Bispo de Tolosa, o local recebeu o nome de São
Luiz do Paraitinga.
101
(Comitê, 1997). Data dessa época uma das primeiras edificações das cidades, a
Capela das Mercês46, cujas paredes foram feitas de taipa-de-pilão47.
46
A capela é umas das construções tombadas como patrimônio histórico. Apesar de algumas intervenções feitas
pelo CONDEPHAAT, visando ao restauro e à preservação, ela sofreu poucas alterações em seu modelo original.
47
Técnica de construção herdada das culturas árabes e berberes. As paredes são feitas com barro amassado e
calcado (algumas vezes acrescenta-se cal para controlar a acidez); em seguida, a mistura é comprimida entre
taipas de madeira que são removidas assim que o material estiver totalmente seco. Dessa forma, obtêm-se
paredes feitas com um tipo de material barato, isotérmico e incombustível. No entanto, as construções feitas de
taipa de pilão possuem a desvantagem de serem facilmente atacadas por roedores, além da fraca estabilidade
nas paredes laterais.
102
No dia 11 de junho de 1873, Dom Pedro II, imperador do Brasil deu a São Luiz do
Paraitinga o título de Imperial Cidade de São Luiz do Paraitinga, título com eram
agraciadas as cidades que se destacavam no progresso do Império. (Azevedo, 1986, p.
12. Apud: Santos, 2006, p.121)
Fonte: www.paraitinga.com.br
Fonte: www.cidadeshistoricas.art.br/paraitinga/par_mon_p.php
Construída entre 1840 e 187548, a Igreja Matriz foi dedicada a São Luiz de
Tolosa. Situa-se no centro da cidade, ao redor do qual foram construídas moradias e
pontos de comércio.
48
A sua construção só foi finalizada em 1972 com a reconstrução de algumas paredes estruturais antes feitas
em taipa de pilão.
104
Fonte: www.saoluizdoparaitinga.sp.gov.br/matriz.htm
49
De acordo com Santos (2006) o número de pequenas propriedades de 1950 a 1960 cresceu de forma
significativa: de 266 para 522 propriedades.
106
Tabela 1 - Evolução da população rural, urbana e rural em São Luiz do Paraitinga, de 1950 a
2000.
Ano População rural População urbana População total
1950 13.152 1.395 14.547
1960 8.004 2.493 10.497
1970 8.552 3.103 11.655
1980 5.796 3.947 9.743
1990 4.920 4.968 9.888
2000 4.284 6.145 10.429
Entre 1946 e 1951, São Luiz do Paraitinga esteve sob o olhar atento do
sociólogo Araújo (1958), que realizou um minucioso trabalho de descrição das
tradições populares verificáveis na cidade. O resultado foi a publicação da
monografia vencedora do 2º prêmio do 6º concurso de Monografias de Folclore da
Discoteca Municipal de 1951. A obra contém um precioso material sobre pessoas
que praticavam o ritual de benzeção na cidade, entre as décadas de 40 e 50,
incluindo descrições das benzeduras, dados pessoais e fotos dos sujeitos
pesquisados.
50
Extraído de: http://p.download.uol.com.br/alceumaynardaraujo/discurso/discurso.pdf, acessado em 10/12/2008.
109
Recolher, por exemplo, ‘crendices’ de tal forma que não indiquem o local onde foram
recoltadas (sic!), agrupá-las ou classificá-las por ordem alfabética de uma das palavras,
nos dará a impressão de uma colcha de retalhos. Para afastarmo-nos dessa idéia,
tomamos a abordagem geográfica, tendo catalogado apenas as recolhidas em um
determinado município paulista. Deve o folclore inscrever-se ao lado da Geografia
Humana para a instituição da ciência das civilizações. (Araújo 1958, p. 46)
Influenciado por uma observação feita por Gilberto Freyre na obra Problemas
de Antropologia51, de que há maior número de superstições entre os moradores de
regiões montanhosas do que entre os das áreas de planícies, Araújo (1958)
escolheu São Luiz como o local para recolher o material, fornecendo mais elementos
ao estudo desta hipótese, uma vez que a cidade situa-se em uma região serrana no
Vale do Paraíba. O alvo era o que ele chamou de superstição, ou fato folclórico,
definidos como: resquícios das sociedades pré-histórias, fatos que resultam da
imitação classes inferiores (subalternas) das classes superiores e puras criações
folclóricas, sem imitações (o que é muito raro) (Araújo, 1958, p.46)
51
Araújo não cita a referência deste material, portanto, apenas reproduzimos conforme foi escrito pelo autor.
112
A cidade em parte ainda é prolongamento do sítio. Nela, porém, muitos hábitos rurais
vão perdendo a oportunidade de execução, daí muitos moradores citadinos já não
praticarem determinadas usanças. Há também na cidade, muitos moradores letrados
pessoas viajadas, autoridades, professores, etc, que não praticam os ritos mágicos.
Para sermos verdadeiros, nosso depoimento pessoal é que os habitantes da cidade
adotam aquelas observâncias de cunho religioso, aliás, práticas generalizadas,
resíduos culturais, sobrevivências observadas em quase todo o Brasil, por causa de
sua formação. (Araújo, 1958, p.54)
Não afirmamos que a ciência está eliminando traços folclóricos, desejaríamos é ter
oportunidade para estudar, in loco, os fatores de ordem sociológica que estão
envolvidos no processo, o que seria possível com uma demorada permanência no
município. (Araújo, 1958, p.61)
A definição acima situa o folclore como campo fértil e privilegiado das ciências
sociais para se compreender o modo de vida dos sujeitos que o produzem e
garantem sua continuidade. Alceu Maynard de Araújo parece transitar entre
conceituar o folclore como algo fadado a desaparecer ou como autêntico objeto de
estudo das Ciências Sociais. De qualquer maneira, deixa bem claro que aquilo que
113
se chama de superstições são explicações não racionais para fenômenos dos quais
se desconhece as causas, são explicações errôneas de fatos naturais.
[...] um trabalhador foi picado por uma cobra. O patrão aplicou-lhe o soro antiofídico
imediatamente. Ele, porém, achou que ficou são porque o compadre naquela noite,
veio benzer-lhe a perna. ’Benzedura forte é a do Joaquim Honório’. Sabemos, no
entanto, de casos de camponeses que recorrem aos benzimentos e simpatias e estas
não dando o resultado esperado, acabam apelando para o soro. (Araújo, 1958, p.61)
114
Mas é justamente isso que nos interessa: como Araújo manipula a realidade e a
interpreta (aparentemente é ele mesmo que faz as fotos) e o quanto isso revela da
sua visão a respeito dos fenômenos? Além disso, procuraremos ler nas entrelinhas
do documento fotográfico, assim como fazemos com outros textos (ibidem, p. 79),
buscando desvendar a lógica da sua montagem e compreender sua real significação.
(Carvalho, 2005, p. 62)
Parte do livro
Fotografias Legendas originais em que a foto
foi citada
Uma vista de São Luiz do Paraitinga Histórico, p.47
52
Além de pessoas, objetos e plantas, o autor acrescentou folhetos com orações correntes na época. Como são
reproduções textos, elas não foram inseridas neste trabalho.
116
A obra Alguns ritos mágicos de Araujo (1958) divide-se nas seguintes partes:
4- Medicina Popular.
a. Medicina Caipira.
b. Medicina Preventiva.
c. Pinga-Terapia.
d. Benzeduras.
e. Simpatias.
5- Galeria de Informantes.
6- Bibliografia
125
A única imagem do livro que possui uma descrição mais precisa na legenda e
que não consta na “Galeria de Informantes”, é a de Benedito de Souza Pinto, uma
das pessoas mais próxima de Araújo (1958) e que contribuiu de forma decisiva para
o desenvolvimento de sua pesquisa. O fato de a legenda ser mais completa deve-se
ao status assumido pelo Sr. Benedito, ou o “Pinto”, como é conhecido pelos
moradores. “Pinto” tornou-se uma figura folclórica, cuja imagem tem sido retomada
por um morador local, responsável pela organização da folia de Carnaval que atrai
centenas de turistas para São Luiz do Paraitinga53. Na memória local, Pinto, foi o
responsável pelo folclore na cidade, pois incentivou a permanência de muitas
tradições, como a malhação de Judas no sábado de Aleluia, um dia antes da Páscoa
cristã. Além disso, como consta na legenda, esse célebre morador contribuiu para a
feitura de documentários organizados por Araújo (1958).
53
Benedito de Souza Pinto, também conhecido como o Pinto, Major Pinto ou Nhô Juca Teles do Sertão das
Cotias, foi um importante artista local que descalço, vestido com cartola, casaca, gravata, calça (todas da cor
preta) e uma camisa branca, animava as festas locais. Após a sua morte, em 1962, Juca Teles caiu em
esquecimento. Mas, em 1983, alguns luizenses, liderados por Benito, Nilson e Ciça, retomaram a imagem desse
ilustre personagem e criaram o Bloco Juca Teles do Sertão das Cotias, que anima o Carnaval de São Luiz do
Paraitinga. Todos os anos, Benito veste-se com um traje semelhante ao de Juca Teles e, com um megafone feito
de lata, convida os foliões a participarem do Carnaval de rua.
127
54
A de que os benzedores, os raizeiros e os práticos, na maioria das fotos, aparecem como coadjuvantes, pois
posam ao lado dos objetos que usam para a benzeção ou cura, sugerindo que a autoridade desses agentes
reside não em suas habilidades e méritos pessoais, mas sim em símbolos socialmente reconhecidos.
132
55
Jovêncio é o único benzedor citado no livro que não foi fotografado por Araújo (1958).
134
Todas as vezes que nascia um filho de Araújo (1958), Monteiro era levado a
São Paulo para conhecê-lo. E assim foram se estendendo os fortes vínculos entre
os dois, até 1974, quando Monteiro recebeu a notícia do falecimento do “Sr. Arceu”.
D. Ditinha falou-nos das brincadeiras em torno do sotaque caipira dos moradores da
região que não conseguiam pronunciar “Alceu”, mas sim “Arceu”. Sempre que se
aproximava a data da chegada do amigo, o Sr. Monteiro mandava-lhe um recado:
“Arceu, pode vir que já mandei comprar nossa calninha”. Essas intimidades e
brincadeiras revelam o carinho e o respeito que um tinha pelo outro, ultrapassando a
relação fria e distante entre pesquisador e seu objeto. Araújo (1958), envolto pelas
teias da solidariedade caipira, ampliou sua visão de pesquisador, uma vez que
passou a encarar a cultura popular não apenas como um elemento ligado a um
mundo rústico, em vias de desaparecimento.
56
Identificamos apenas o nome e o último sobrenome.
137
Tabela 6 - Benzedeiros/benzedeiras que não foram citados por Araújo (1958): dados sobre o
ritual
57
Esclarecemos que há a possibilidade de existirem outros sujeitos não identificados nessa pesquisa,
reconhecendo assim, os limites de nosso trabalho que não pretende, de forma alguma, esgotar o assunto.
138
Maria das Catolicismo Terço de capiá, plantas (batia Relações de parentesco: neto
Neves galhos de Cambará e arruda (JS)
(Maria para espantar o mal) e orações.
Servina) Prece sussurrada perto do altar
58
Mesmo se tratando de poucos sujeitos, optamos por apresentar alguns dados em forma de porcentagem para
facilitar a compreensão do(a) leitor(a).
140
Nas palavras de um dos padres locais (P1), Joaquim Honório construiu uma
forte reputação na cidade:
Joaquim Honório, octogenário, afamado benzedor. “Este sim é que sabe benzer e
curar... e o resto é prosa”, é a opinião de muitas pessoas entrevistadas. O pesquisador
também foi benzido por ele. Pesquisa de observação participante. (Araújo 1958, Galeria
dos informantes, s/p.)
A ação de Maria Servina marcou tanto a memória local que no dia de sua
morte foi decretado feriado municipal:
141
Não transmitiram
55%
Transmissão
cosangüínea
36%
Transmissão de
parentesco por
afinidade 9%
[...] Então, aí a mamãe ia pro Rio, assistir os... ficava lá 3 meses neh, e lá ela participava
em centros, lá eles faziam muito campanha do quilo neh, pra caridade, e ela então trazia
aquilo, de lá pra cá, e aqui ela continuou trabalhando como médium dentro da minha
casa, então tinha uns dia na semana que eu reunia a família, fazia as prece, lia o
evangelho, conseguia os guias, doutrinava, tinha muito sofredor.
[...] Centro, era centro de caridade. Uma vez por semana reunia a família, alguns
amigos, silêncio, rezava, orava, lia o evangelho, era uma coisa linda, e todo dia as 6 hora
da tarde ela pedia licença pra quem fosse, entrava no quarto dela e fazia a prece das 6.
Aí ela pedia de tudo neh, ficava mais de 2 hora lá rezando, enquanto ela rezava todo
mundo ficava em silêncio em casa. (Moradora, julho de 2008)
Jovêncio e Pedro Arruda são casos que se diferenciam dos demais. Ao serem
questionados sobre esses dois sujeitos, os moradores respondiam sempre com
muita cautela. Davam um leve sorriso e abaixavam o tom de voz, lembrando que a
história deles está rodeada de mistérios. Esses dois homens são associados a
elementos de magia, que até mesmo os moradores não sabiam informar de qual
vertente. Alguns chegaram a dizer que ambos tinham “parte com o Demo”.
Houve relatos de que Pedro Arruda era capaz de desaparecer na frente das
pessoas e reaparecer em outro lugar e, até mesmo, de adentrar num ambiente sem
destrancar a porta. D. Ditinha disse-nos que ele fazia isso rezando a oração “Creio
em Deus Pai” ao contrário, mas que ela mesma havia tentado e nunca conseguiu
abrir nenhuma porta. Contou-nos ainda que, certa vez, um homem tentou matá-lo,
mas Pedro Arruda fez uma mágica e conseguiu escapar da perseguição do inimigo.
Esse benzedeiro foi citado por Araújo (1958), pois era cunhado do Sr. Amaro
Monteiro e indicou algumas benzeduras para o autor.
Jovêncio, tio de Pedro Arruda, era conhecido por curar diversos males e
desfazer o mal, isto é, feitiços. Uma moradora que não quis ser identificada e nem
permitiu que nossa entrevista fosse gravada, revelou que seu casamento aconteceu
graças a esse benzedeiro, pois ele conseguiu desfazer um feitiço contra o seu futuro
esposo. Para a moradora isso é um segredo e deve permanecer como tal.
No que diz respeito ao ritual, observamos que a maioria aliava a cura por
orações a tratamentos naturais, por meio de ervas, chá e garrafas (remédios do
mato, como dizem os moradores).
[...] Ahh, tanto benzedor santo... Nossa! Eu era benzedor (risos), mas o caso é que, num
era daquele jeito, e assim mesmo eu admirava muito porque realmente os curandeiro da
roça tinha já o remédio na mão, plantava os remédios neh, parto! Colosso de parto!
[...] É, e aqueles remédios, hoje em dia, vem das coisas naturais, e cada um tem a sua ...
sabedoria. Então um homem assim, que sabia lidar com os remédios, com as doenças...
Então, (risos) todo mundo ia na roça, longe, estrada ruim, não podia vir à cidade, tinha
um médico só, então... Espalhavam mesmo, parteiros, parteiros, iihhh quantos parteiros
por aí. A mulherada lá, vai chamar o compadre fulano de tal, e eles faziam que as
crianças nascerem, dentistas, e curavam mesmo. (P1, padre, julho de 2008)
P1 - Ajudava... Deus num engana ninguém... Agora, quem num aceita é porque não tem
instrução. Agora comigo, jamais, jamais, ninguém faltava com respeito. É tanto que eu
visitei todas as roças, se tinha capelinhas, se tava lá na casinha. (P1, padre, julho de
2008)
Capítulo IV
entre grupos que disputam o poder no interior dos campos. Tal autonomia relativiza
a crítica segundo a qual teoria de Bourdieu (2007) é considerada mecanicista.
59
De acordo com Santos (2006, pp. 64-65), o município vem sofrendo um processo de estímulo ao
desenvolvimento do Turismo Regional desde os anos 70 e 80 do século XX. Nesse processo, assim como outras
cidades do Vale do Paraíba, São Luis está redescobrindo suas potencialidades históricas, culturais e ambientais,
o que possibilitou investimentos em infra-estrutura para o turismo.
152
ou confirmar a todo momento sua autoridade religiosa, uma vez que sua função
resguarda sua imagem e os protege do fracasso de suas ações religiosas.
Minha dificuldade grande foi a tradição [...] não a tradição, porque tradição é boa, mas o
tradicionalismo. Uma coisa que eles querem resgatar lá de trás, mas só que ninguém
quer arregaçar as mangas e fazer. Eles querem que os outros façam, mas eles que
sabem fazer, não ensinam [...]. Não tem aquilo assim de passar para os outros. ‘O que
eu sei eu guardo’ ‘Eu sei fazer, mas não ensino’. (P2, padre, julho de 2007)
60
Uma das festas mais populares da cidade, praticada há mais de duzentos anos. Sobre esse assunto, ler o
artigo citado em http://jornal.valeparaibano.com.br/2005/05/04/viv01/divina1.html acessado em 27/08/2007
154
[...] Contou-nos o major Benedito de Souza Pinto que certa feita “um grupo de
protestantes, dessa nova seita de ‘tremedores e aleluias’, tentou iniciar o trabalho
evangélico na cidade. Foram tocados a toque de caixa, por sugestão do tutunqueba... O
instrumental dos religiosos inovadores, que condenam os bêbados, os que fumam, os
que beijam imagens, foram amassados e atirados no rio Paraitinga, sob a ponte por
onde tiveram que sair às carreiras” [...] (Araújo, 1958, p.51)
Diz o folclorista Gentil de Camargo que tal apelido é dado aos protestantes, pois estes
quando recebem as “boas novas de salvação”, ficam alvoroçados e alviçareiros,
procurando anunciar a sua crença aos outros, tal qual as galinhas, depois que põem ovo.
É mesmo um adjetivo pejorativo o de “pararacas”, o que revela, por outro lado,
preconceito. (Araújo, 1958, p.51)
61
Tabela 10 - População residente por religião em São Luiz do Paraitinga (1991-2000).
61
Constatamos que a soma dos adeptos das religiões ultrapassa o número de moradores, no entanto, optamos
por reproduzir os dados fornecidos pelo IBGE. Talvez a diferença entre os números se explique pelas diferentes
nomenclaturas dadas às igrejas evangélicas e a adesão simultânea.
157
Gráfico 2: Dados sobre religiões em São Luiz do Paraitinga - Censos 1991 e 2000
Religiões em 1991 Religiões em 2000
A cada novo censo, a diminuição numérica dos católicos no país ganha visibilidade
estatística. Enquanto alguns deixam de declarar-se religiosos, outros tornam-se
protestantes pentecostais, espíritas ou assumem sua identidade religiosa afro-brasileira.
Em alguns contextos populares o catolicismo já não aparece mais como a religião
dominante. Essas transformações no campo religioso brasileiro são importantes em si
mesmas, na medida em que expõem uma crescente pluralidade religiosa dentro de uma
nação que se constitui incorporando a unidade religiosa como elemento central de sua
identidade. (Steil, 2001, p.9)
158
Das quatro pessoas pesquisadas, três (75%) são mulheres e a faixa etária
varia de 61 a 84 anos. As mulheres são viúvas e com filhos. Apenas uma delas vive
com um segundo companheiro com o qual teve mais filhos. Possuem baixo nível de
instrução formal, sendo uma delas analfabeta. Com relação à etnia, temos uma
benzedeira negra, outra parda e uma branca. O único homem tinha 70 anos na
época da pesquisa – faleceu em 2008 - era branco, solteiro, sem filhos e também
com baixo nível de educação formal.
160
Tabela 11 - Benzedeiro e benzedeiras atuais: dados gerais (sexo, cor, estado civil, filhos e grau
de alfabetização)
Tabela 12 - Benzedeiro e benzedeiras atuais: dados sobre os locais de residência atual, local
de profissionalização religiosa e local de origem.
63
De acordo com a nova nomenclatura, o 5º ano corresponde à antiga 4º série do Ensino Fundamental I.
161
faz freqüentemente. Por isso, apesar de a maioria dos(as) benzedeiros (as) atuar na
cidade, é possível identificar elementos da vida rural, como o conhecimento de ervas
e raízes para a confecção de remédios. Dos quatro entrevistados, uma pessoa vive
em um sítio a dois km da cidade, enquanto as outras três vivem e trabalharam (ou
trabalharam) na cidade. E, apenas uma delas está presente nos dois espaços, DZ,
que possui uma moradia no meio rural e outra na cidade.
[...] desde o momento em que ela faça sem querer nada em troca, é válido. Por que tudo
aquilo que você faz em nome de Deus é válido, certo? Só que tem muitos aí que usam
esse dom para poder ganhar. Então acho que isso aí tá errado. (P2, padre, julho 2007)
Dos quatro sujeitos que benzem na cidade, três utilizam o terço de capiá
como recurso principal no ritual. A única benzedeira que não se encaixa nessa
tradição é DR que veio de Minas Gerais e aprendeu o ofício dentro de outro tipo de
tradição. No caso de DV e DZ, temos um dado relevante, ambas herdaram, além do
dom, o objeto com o qual realizam os benzimentos. O terço é um elemento que tem
sido transmitido há gerações, portanto, rico em simbolismo e importância para
ambas.
Dos quatro casos, observamos que três receberam o dom de algum parente,
sendo dois por consangüinidade (pai e avó) e um por afinidade (marido). Apenas um
caso foi por meio de revelação.
Gráfico 3: Comparações entre os benzedeiros (as) antigos (as) (1950) e atuais (2007-2008)
brancos 50%
brancos 73%
negros 25%
negros 18%
Pardos 25%
pardos 9%
terço 45,45%
terço 755
plantas 18,18%
plantas 25%
outros 36,36%
não
transmitiram
55% não
transmitiram
transmissão 25%
consangüínea
36% transmissão
cosangüínea
transmissão de 75%
parentesco por
afinidade 9%
sacerdotes legitimam seu poder por meio da dominação tradicional64, isso é, contam
com uma instituição ou comunidade de fiéis como legitimadores de sua missão.
64
Para Weber, na dominação tradicional, a legitimação “repousa na crença na santidade de ordens e poderes
senhoriais (‘existentes desde sempre’). Determina-se o senhor (ou vários senhores) em virtude de regras
tradicionais. A ele se obedece em virtude da dignidade pessoal que lhe atribui a tradição.” (Weber, 1999, p. 148)
171
eclesiásticos, representados por eles. De acordo com Brandão (1980), tal equilíbrio
depende:
P1 é um morador que foi estudar para tornar-se padre, mas voltou para sua
cidade, é um elemento interno, que conhece muito bem os códigos sociais
172
Antigamente existia muito disso, hoje em dia eu já não vejo mais falar disso.
(P2, padre, jul 2007)
populares de bênção com a Igreja Católica local, ele nos forneceu uma significativa
resposta:
P2 - Charlatanismo. [...] Desde o momento que ela faça sem querer nada em troca, é
válido. Porque tudo o que você faz em nome de Deus é válido, certo?. Agora, só que tem
muitos aí que usam, vamos dizer, esse dom, pra poder ganhar. Então, acho que isso aí
está errado. O ruim é esse pessoal que cobra consulta: ‘Eu benzo, mas custa tanto’.
‘Para mim ir lá na sua casa benzer, cobro tanto’. Daí é charlatanismo. (P2, padre, julho
de 2007.)
[...] no âmbito da mesma formação social, a oposição entre a religião e a magia, entre o
sagrado e o profano, entre a manipulação legítima e a manipulação profana do sagrado,
dissimula a oposição entre as diferenças de competência religiosa que estão ligadas à
estrutura da distribuição do capital cultural. (Bourdieu, 2007, p 44)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os(as) benzedeiros(as) não podem receber uma remuneração por sua ação.
Baseando seu discurso na idéia de que “deve-se dar de graça o que de graça se
178
recebe”, aceitam apenas “agrados”, tais como gêneros alimentícios, tidos como
gestos de gratidão pelo bem que se fez. Aceitar pagamento é renegar o “dom” que
foi dado, ou seja, a graça divina. Por atenderem àqueles que necessitam de ajuda,
sem exigir pagamento, os agentes da benzeção são cercados por laços de
afetividade, mesclados aos de respeito e medo pelos membros da comunidade.
Vistos como intermediários entre os seres humanos e o divino, são tratados com
admiração e discrição, o que contribui para a aceitação dos(as) benzedeiros(as) no
grupo em que estão inseridos.
ANEXOS
187
ANEXO A
1. Nome: ___________________________________________________
2. Data de nascimento: _____/____/_____
3. Data de falecimento: _____/____/_____
4. Estado civil:
( ) solteiro (a) ( ) outro: _______________
( ) casado (a)
( ) viúvo (a)
5. Profissão:
__________________________________________________________________
6. Endereço:
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
7. Filhos/filhas:
( ) Sim
___________________________________________________________
( ) Não
8. Religião:
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
b. Gestos:
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
Nome: ___________________________________________________
1. Idade: ___________
2. Estado civil:
( ) solteiro (a) ( ) outro: _______________
( ) casado (a)
( ) viúvo (a)
3. Profissão:
__________________________________________________________________
4. Endereço:
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
5. Filhos/filhas:
( ) Sim
___________________________________________________________
( ) Não
6. Religião:
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
ANEXO B
A – Dados pessoais:
• Idade/ data de nascimento
• Formação
• Origem da família
• Tradição religiosa
• Tempo de residência na cidade
• Estado civil
• Filhos/filhas
• Profissão
Grupo B: Padres
I – Dados pessoais/formação:
• Nome, idade, origem.
• Formação
• Como é trabalhar em comunidades católicas de pequeno porte, na qual
se predomina o catolicismo popular.
• Como convive com as manifestações do catolicismo popular.
ANEXO C
I - A transmissão da tradição.
Benze com um terço feito com sementes de capiá (herança paterna), ao lado
da bandeira do Divino Espírito Santo.
Para adulto: “Senhor, tenha misericórdia, o nome desta pessoa é ... todo o
mal que tiver no corpo desta moça em uma palavra: inveja, macumba, tristeza,
infecção, inflamação, dores, problemas difíceis de resolver, aborrecimento, nervoso,
dificuldade, angustia, depressão.
Senhor tenha misericórdia e cure essa moça. Todo o mal que tiver no corpo
que suma daqui pra fora!
Senhor tenha misericórdia e cure essa moça! Todo o mal que tiver no corpo
desta moça em uma palavra: inveja, macumba, tristeza, infecção, inflamação, dores,
problemas difíceis de resolver, aborrecimento, nervoso, dificuldade, angustia,
depressão. Senhor tenha misericórdia e cure essa moça. Todo o mal que tiver no
195
corpo que suma daqui pra fora! Em nome de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo,
Santíssimo Sacramento e o Divino Espírito Santo, tenham misericórdia!.
O sangue que vós derramou na cruz que seja o remédio e cure esta moça.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Senhor abençoe esta moça, cure esta
moça e crie esta moça. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”
DV diz ter uma relação tranqüila com os padres locais, sobretudo com os
antigos. De acordo com ela, tanto o P1 quanto o P2, sabem de sua prática na cidade
e nunca a proibiram. Aparentemente, nunca sofreu nenhuma repressão com relação
à benzeção. Vai pouco à Igreja, prefere fazer as orações em sua própria casa.
196
I - A transmissão da tradição
Objeto: Terço feito com sementes de capiá. DZ possui dois terços, um que
fica na roça e outro que ela ganhou do genro. Na roça, ela possui um altar com
várias imagens de santos como: Santa Bárbara, São Jorge (livra do mal), São
Miguel Arcanjo, São Benedito, Nossa Senhora Aparecida (guia e livra do mal), São
João, São Brás (garganta), São Cristóvão (protetor dos motoristas), Nossa Senhora
da Guia (livre o caminho).
Oração:
de dia, nem de noite. Tentação cê cai fora, não entrai comigo dentro. Vou dar meu
repouso a Deus com Santíssimo Sacramento para sempre, Amém.
Mãe minha, mãe minha está dormindo, mãe minha acordada estou estou filho
meu. Tanto martírio passei e tive que passar, ferro, vinagre na boca, coroa de
espinho na cabeça, pé cravado. Quem souber essa oração rezar três vezes no dia
pra deixar a porta do céu aberto e a do inferno (...), para sempre. Amém.
João Batista, Batista João, batizou Jesus Cristo no meio do rio Jordão. Corra
João que seus inimigo vem. Deixa que vem. Tive a perna mais cansada (...)
Faca de ponta, vergão aponta, arma de fogo (...) como correu sangue e leite
na cruz de Cristo para sempre. Amém.
Minha Santa Catarina, Carabina (...) foi na casa de Adão. Contou doze milhão
brabo que nem leão.Se tiver perna mais cansada (...)
Faca de ponta, vergão aponta, arma de fogo com (...) no cano, como correu
sangue e leite na cruz de Cristo para sempre. Amém.
Creio em Deus pai, todo poderoso, criador do céu e da terra. Creio no Cristo
(...) filho, nosso senhor que foi concebido pela graça. (...) Santa Maria virge.
I - A transmissão da tradição.
Benze com um raminho de “vassourinha doce” que ela mesma planta em seu
quintal, enquanto recita as orações.
Local: na sala da casa. A pessoa senta-se no sofá. À frente está uma espécie
de altar com as estátuas dos santos e a bandeira do Divino.
Prece recitada em som inaudível. Foi possível apenas para identificar alguns
trechos de orações católicas que evocam a proteção dos santos, além de descrever
os males que serão combatidos com a oração.
Com relação aos padres, é indiferente. Conheceu bem o antigo padre, P1,
que inclusive chegou a abençoar a sua casa numa visita há muitos anos. Freqüenta
semanalmente a igreja Matriz, no centro da cidade, para participar da missa, mas
está alheia aos fatos que envolvem a atuação dos padres locais.
201
I - A transmissão da tradição
algumas festas locais, Benedito Pinto usava uma roupa de barão com uma cartola e
dizia frases como “Alô, alô mariquinha”.
Apesar de morar próximo dos padres, não estabelece contato com eles e
nunca sofreu nenhuma restrição para a prática de benzimentos.
203
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Sítios consultados: