Sistematização Frei Luís de Sousa (CA) PDF
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1. D. Madalena
• D. Madalena vive numa grande instabilidade emocional: o terror que lhe provoca
a possibilidade de regresso de D. João nunca a deixa desfrutar da felicidade de
viver ao lado do homem que ama. Os seus receios são alimentados pelas contí-
nuas alusões de Telmo à iminente vinda daquele que considerava como o verda-
deiro amo. A tensão nervosa em que vive mergulhada é também aumentada pelo
pecado que lhe pesa na consciência: o facto de se ter apaixonado por D. Manuel
de Sousa Coutinho enquanto ainda era casada com D. João. Muito embora se
tenha mantido fiel ao seu marido, considera que o facto de amar secretamente
D. Manuel era já uma traição. O sofrimento é ainda intensificado pelo profundo
amor que sente pela filha, na medida em que tem consciência de que o regresso
de D. João — ou a simples noção da sua existência — a poderiam matar.
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• A sua crença no oculto leva-a a entrever
presságios de desgraça em vários aconte-
cimentos aparentemente fortuitos.
• Apesar de parecer psicologicamente mais
frágil do que D. Manuel, curiosamente,
é ela quem, no fim, se mostrará mais re-
voltada por ser forçada a separar-se do
marido e a ingressar no convento.
• Ao contrário de D. Manuel, mantém até
ao último momento a esperança de evitar
o desenlace trágico.
3. Maria
• Maria é uma menina muito inteligente e precoce para a sua idade.
• Tendo sido criada por Telmo, tem-lhe um amor profundo, partilhando da sua
crença no regresso de D. Sebastião.
• Maria acredita ter a capacidade de desvendar o oculto, traço que, supostamente,
é agudizado pelo aumento da sensibilidade que o facto de estar tuberculosa lhe
proporciona. A sua intuição apurada leva-a a compreender que há algo que toda
a família lhe quer ocultar, no intuito de a proteger.
• A coragem que demonstra quando incita o pai a queimar o palácio manifesta-se
também no fim, quando enfrenta as convenções sociais e as próprias conven-
ções religiosas, afirmando que nada justifica a destruição de uma família.
• Apesar da sua força interior, a sua fragilidade física não lhe permite sobreviver
ao desgosto de descobrir que é filha ilegítima, acabando por morrer de vergonha.
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4. Telmo
• O escudeiro destaca-se, numa fase inicial, pela sua severidade, que o leva a
criticar D. Madalena por se ter casado segunda vez sem estar certa da morte
do primeiro marido e mesmo a sugerir que, em consequência disto, Maria
poderia não ser uma filha legítima.
• No entanto, a inflexibilidade que revela (e que se manifesta, por exemplo, no
facto de nunca mentir) virá a ser quebrada aquando da chegada do Romeiro.
Confrontado com a necessidade de salvar Maria, apercebe-se de que já a
amava mais do que ao primeiro amo. Assim, dispõe-se, pela primeira vez na
vida, a mentir, em nome dos afetos. É interessante verificar que, desta forma,
se humaniza, aproximando-se de D. Madalena, a quem tanto criticara anterior-
mente, na medida em que se apercebe de que o amor por vezes se sobrepõe
aos princípios morais.
5. Frei Jorge
• Tal como o irmão, Frei Jorge caracteriza-se pela sensatez, procurando sempre
auxiliar a família.
• A personagem tem um papel determinante na resolução do conflito entre
D. Manuel e os governadores ao serviço de Castela.
• No Ato Terceiro, quando D. Manuel se verga ao peso da desgraça, é Frei Jorge
quem toma todas as providências para que o irmão e D. Madalena ingressem
no convento — procurando, simultaneamente, amparar a família e funcionar
como intermediário entre as personagens.
• Apesar de se comover com o sofrimento a que assiste, Frei Jorge mostra-se
inflexível na obediência aos seus princípios, recusando qualquer solução que
passasse pela mentira, mesmo que esta lhe permitisse impedir a catástrofe.
Com efeito, considera que a entrada na vida religiosa proporcionará a D. Manuel
e a D. Madalena o consolo e a redenção de que necessitavam.
6. D. João de Portugal
• Este fidalgo, apesar de ser considerado pelas outras personagens como uma
figura digna de temor pela dignidade e rigidez na fidelidade aos seus princípios,
acaba por revelar-se muito humano. Confrontado com o facto de que
D. Madalena tinha feito todos os esforços para o procurar e de que ela tinha
uma filha, mostra-se disposto a anular a sua própria existência para salvar toda
a família da catástrofe.
O ESPAÇO E O TEMPO
1. O espaço
• odemos distinguir dois tipos de espaço num texto dramático: o espaço
P
cénico, formado pelo palco e pelo cenário, e o espaço representado, o lugar
a que o espaço cénico pretende aludir («faz de conta» que estamos num
palácio, no campo, etc.). A informação sobre o espaço é dada ao leitor atra-
vés das didascálias, sobretudo as que se encontram em início de ato, mas
também através das falas das personagens.
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2. O tempo
• A peça inicia-se com a apresentação dos antecedentes da ação, que abarcam
um longo período temporal. Há referências à Batalha de Alcácer- Quibir, que
tivera lugar vinte e um anos antes, e a momentos ainda anteriores. Depois da
batalha, e durante sete anos, D. Madalena promoveu buscas para saber se
D. João ainda está vivo. No fim deste período, e como a procura se revelou
infrutífera, acabou por casar-se com D. Manuel.
• Em contrapartida, a ação da peça desenrola-se num breve período de tempo,
sensivelmente uma semana. O segundo ato decorre no dia do aniversário
da Batalha de Alcácer-Quibir. Tendo em conta que esta batalha teve lugar no
dia 4 de agosto de 1578, e que D. Madalena afirmara que já haviam passado
vinte e um anos desde a batalha, é possível localizar a ação deste ato no dia
4 de agosto de 1599. Uma vez que estes acontecimentos se desenrolam oito
dias depois dos do primeiro ato, podemos concluir que o primeiro ato decorre
no dia 28 de julho de 1599. Quanto ao terceiro ato, passa-se durante a noite
do dia 4 de agosto.
• Constatamos que há uma progressiva concentração temporal: da evocação dos
episódios de um longo período de vinte e um anos (Ato Primeiro), passamos a
acontecimentos que se desenrolam em dois dias, separados entre si no período
de uma semana. Nos Atos Segundo e Terceiro, a velocidade dos acontecimen-
tos precipita-se: tudo sucede no dia do aniversário da Batalha de Alcácer-
- Quibir, prolongando-se depois pela noite e pela madrugada, que anuncia já o
dia seguinte.
• Este afunilamento progressivo do tempo contribui para intensificar a tensão
dramática, na medida em que todos os acontecimentos se sucedem de forma
cada vez mais rápida, até ao desenlace trágico.
A DIMENSÃO TRÁGICA
• No que diz respeito à intriga trágica, é interessante verificar que há uma con-
centração de personagens, de espaço e de tempo, como vimos, de modo que
nada seja supérfluo e que tudo contribua para a intensificação da tensão dra-
mática.
• De notar que, de acordo com os factos históricos, D. Madalena tivera três filhos
do primeiro casamento, que são aqui eliminados, para que a aniquilação de
Maria represente, de facto, o extermínio completo da família.
• Da mesma forma, todo o desenrolar da ação converge para o desenlace trá-
gico. Mesmo o momento em que D. Manuel parece revoltar-se contra o destino,
incendiando o seu palácio, acaba por servir a fatalidade que se abate sobre as
personagens, na medida em que as obriga a família a mudar-se para o palácio
de D. João, local aonde este regressará.
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• Hybris — consiste num desafio feito • A hybris é perpetrada tanto por D. Madalena como por
pelas personagens à ordem instituída D. Manuel de Sousa Coutinho. Com efeito, no primeiro caso,
(leis humanas ou divinas). o desafio consistiu no facto de a personagem se ter apaixonado
por D. Manuel de Sousa Coutinho quando ainda era casada com
D. João de Portugal. Além disso, ambas as personagens põem
em causa a ordem instituída ao casarem sem terem provas
irrefutáveis da morte de D. João de Portugal.
• Clímax — momento culminante • O clímax ocorre na cena final do Ato Segundo, pois é neste
da ação. momento que a tensão dramática atinge o seu auge: D. João de
Portugal dá a conhecer de forma inequívoca a sua identidade,
demonstrando, ao mesmo tempo, de forma paradoxal, que
o esquecimento a que foi votado anulou a sua existência.
• Ágon — conflito vivido pelas • As atitudes de D. Madalena ao longo da intriga são um reflexo
personagens; pode designar do conflito interior que a atormenta: desde o primeiro momento
o conflito com outras personagens que mostra sentir-se grata por viver com o homem que ama,
ou o conflito interior. tendo, no entanto, consciência de que a sua felicidade é frágil,
dado que a construiu com base na suposição da morte
do marido.
• Por seu lado, também Telmo é vítima de um conflito interior:
depois de ter passado vinte e um anos a desejar o regresso
do antigo amo, apercebe-se de que, na verdade, o seu amor por
Maria acabou por superar o que nutria por D. João de Portugal,
mostrando-se disposto a abdicar dos seus princípios éticos para
a salvar.
(continua)
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(continuação)
• Catarse — efeito purificador que • O terror e a piedade desencadeados nos espectadores são
a tragédia deve ter nos espectadores: adensados pelo facto de a catástrofe se abater sobre uma família
ao desencadear o terror e a piedade, (na qual se inclui Telmo) que se ama profundamente e de todas
permitir-lhes-ia purificarem as suas as personagens serem profundamente retas e dignas.
emoções.
1. Estrutura
1.1 Estrutura externa
• estrutura externa de uma obra diz respeito à organização «visível» do texto
A
literário (e traduz-se na forma como essa organização se apresenta grafica-
mente). Frei Luís de Sousa é uma obra dramática, ou seja, um texto preparado
para a representação teatral.
• C
omo a esmagadora maioria das obras do modo dramático, a peça de Garrett
é composta por um texto principal, que consiste nas falas das personagens, e
por um texto secundário, que é constituído pelas didascálias, ou seja, pelas
indicações cénicas sobre a ornamentação do palco, os adereços, a luz, a movi-
mentação e os gestos das personagens, etc.
• Enquanto drama romântico, Frei Luís de Sousa é um texto em prosa estruturado
em três atos: a mudança de atos corresponde à mudança do local da ação.
(Note-se que as tragédias clássicas eram compostas em verso e dividiam-se,
por regra, em cinco atos.) Por sua vez, cada ato organiza-se em várias cenas,
que terminam com a entrada ou saída de personagens do palco.
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2. Linguagem e estilo
• o contrário da tragédia clássica, por regra escrita em verso, Frei Luís de Sousa
A
foi composto em prosa. Desta forma, os diálogos ganham um sabor de colo-
quialidade e fluidez que dificilmente teriam com o verso.
• Por outro lado, seguindo as regras da tragédia clássica, a linguagem das perso-
nagens centrais adequa-se ao estatuto social da nobreza: assim domina o nível
de linguagem elevado e, frequentemente, encontramos um léxico rico e até
erudito («ignomínia», «opróbrio», «pejo», etc.).
• As falas das personagens de Frei Luís de Sousa são marcadas por uma grande
emotividade, fruto do seu estado de espírito quando confrontadas com os
acontecimentos intensos ou com os seus receios. No texto abundam marcas
linguísticas que traduzem os sentimentos das personagens: as interjeições
(e as locuções interjetivas), as frases exclamativas e os atos ilocutórios expres-
sivos. Os melhores exemplos estão nas falas de D. Madalena e revelam a
influência dos melodramas românticos com uma linguagem demasiado retórica
e emotiva.
• Associados aos sentimentos e ao estado de espírito das personagens estão as
frases suspensas (ou seja, interrompidas), que pontuam as falas de diferentes
personagens, exprimem as suas inquietações, perplexidades e hesitações. Por
vezes, deixam no ar alguns subentendidos cujo significado é partilhado pelas
personagens (ver o diálogo da Cena II do Ato Primeiro). Telmo e D. Madalena
deixam por terminar as frases por não quererem mencionar o que receiam
(o regresso de D. João, a desonra ou a doença de Maria) ou por hesitarem em
verbalizar certos factos (a possibilidade de D. João não ter morrido).
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