Artigo 4 A Apatridia
Artigo 4 A Apatridia
Artigo 4 A Apatridia
07 A 10 OUTUBRO DE 2015
Dourados, MS
2015
2|Página
COMISSÃO ORGANIZADORA
Me. Arthur Ramos do Nascimento – UFGD
Dr. César Augusto Silva da Silva – UFGD
Dr. Gustavo de Souza Preussler – UFGD
Me. Henrique Sartori de Almeida Prado – UFGD
Dr. Márcio Augusto Scherma – UFGD
Dr. Matheus de Carvalho Hernandez – UFGD
Acadêmica Élida Mylenna Lhiopes Appelt – UFGD
Acadêmica Adriana dos Santos Correa – UFGD
Acadêmica Bianca Pereira de Andrade – UFGD
Acadêmico Caio Morelli Marques – UFGD
Acadêmica Debora Ester - UFGD
Acadêmica Gabriela dos Santos Silva – UFGD
Acadêmica Juliana Tosta – UFGD
Acadêmica Julia Stefanello Pires – UFGD
Acadêmica Lais Torres Alves – UFGD
Acadêmica Mariana Rodrigues Zamprogna – UFGD
Acadêmica Thais da Silva Alpires – UFGD
Acadêmica Thays de Mello Moraes – UFGD
Técnico Administrativo Alexsandro Felix de Moura – UFGD
Ficha catalográfica
3|Página
PROGRAMAÇÃO
18h Credenciamento
07/10
4|Página
SUMÁRIO
A QUESTÃO DOS REFUGIADOS NA CONTEMPORANEIDADE: O CASO DA EUROPA - 7
Paulo Cesar dos Santos Martins
Alessandro Donaire de Santana
5|Página
O MOVIMENTO DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS NA AMÉRICA LATINA, O CONTEXTO
BRASILEIRO E AS INICIATIVAS DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS MUNICIPAIS DA CIDADE DE
DOURADOS PARA A ASSISTÊNCIA AS PESSOAS EM TRÂNSITO - 134
Adriana dos Santos Correa
Caio Morelli Marques
6|Página
A QUESTÃO DOS REFUGIADOS NA
CONTEMPORANEIDADE: O CASO DA
EUROPA
Paulo Cesar dos Santos Martins1
Alessandro Donaire de Santana2
1- INTRODUÇÃO
1
Universidade Federal da Grande Dourados
2
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
7|Página
Em 1951, a Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas, realizada na
cidade de Genebra, Suíça, tendo em vista redigir uma Convenção regulatória do status
legal dos refugiados, apresenta a seguinte definição:
Assim, de um modo geral, o que se tem observado de fato é uma violação dos
direitos humanos por parte dos países europeus, já que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948), é pautada por princípios que garantem ao ser humano
viver com dignidade e não ser distinguido por gênero, etnia, religião, etc.
Neste sentido, tendo como base esse documento da ONU, esta breve análise
procura discutir a situação dos refugiados que se deslocam para os países europeus, as
dificuldades que encontram para adentrar suas fronteiras, bem como sua permanência
nesses países.
8|Página
Os governos ocidentais acreditavam que a disseminação dos refugiados por
todo o mundo iria fomentar uma distribuição mais favorável de população,
descongestionando a Europa e beneficiando “democracias ultramarinas”
menos desenvolvidas e subpovoadas. Entretanto, a OIR não conseguiu
atingir seus objetivos, restando ainda cerca de 40.000 pessoas deslocadas
na Europa, o que fez com que a organização cessasse suas atividades em
fevereiro de 1952. (ACNUR, 2000).
9|Página
Sendo assim, as políticas que deveriam ser colocadas em pratica para garantir
com mais clareza e rapidez os direitos desses refugiados acabam não ocorrendo de
forma satisfatória. As análises de dados históricos, veículos de mídia, artigos, etc.,
revelam que as medidas adotadas por países da Europa são cada vez mais restritivas
ao reconhecimento dos refugiados, dificultando a inserção destes na sociedade e
diminuindo seus direitos. Além disso, muitos se posicionam contra o recebimento de
refugiados em seus territórios.
É fato notório que a maior parte dos refugiados do Oriente Médio é acolhida
pelas nações vizinhas, que também sofrem carências estruturais agudas. Assim,
milhares de pessoas têm de se sujeitar a viver nos campos de refugiados, espaços que
têm se tornado moradas definitivas, em virtude do prolongamento dos conflitos na
Síria e Iraque, por exemplo. Vide o caso do campo de refugiados de Zaatari, na
Jordânia, que conta com cerca de meio milhão de pessoas (ACNUR) e que as
autoridades do país avaliam tornar uma cidade,
Até mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que consiste
basicamente em um conjunto de princípios que serviriam de base para o bem-estar
humano, sua dignidade, independente do gênero, etnia, religião, etc., e também como
um mecanismo importante para a manutenção da paz, é violado cotidianamente, no
caso da Europa, já que o que se tem observado na pratica não condiz com os princípios
defendidos nos artigos.
Para Flores (2002), vivemos na época da exclusão generalizada. A miséria e a
pobreza se fazem cada vez mais presentes no Mundo contemporâneo. A diferença
entre as classes sociais é cada vez maior; os ricos ficam cada vez mais ricos e a
população mais pobre só tende a aumentar. Milhões de famílias ainda vivem em
condições subumanas: sem água potável, alimentação básica, sem acesso a redes de
tratamento de esgotos, etc. As doenças e proliferam cada vez mais nesses locais e os
índices são sempre alarmantes.
10 | P á g i n a
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. 2000. A situação dos
refugiados no mundo - cinquenta anos de ação humanitária. Genebra.
UNIDAS, NAÇÕES. 2005. “Década das Nações Unidas para a Educação em matéria de Direitos
Humanos 1995|2004 Direitos Humanos e Refugiados”. In: A Convenção de 1951 relativa ao
Estatuto dos Refugiados. N.º 20 pag. 09.
11 | P á g i n a
A SITUAÇÃO DO RECONHECIMENTO DE
DIREITOS TRABALHISTAS DO MIGRANTE
HAITIANO EM CASOS REGISTRADOS NO
BANCO DE DADOS DO PROJETO
“MIGRAÇÃO, REFÚGIO E HOSPITALIDADE”
THE SITUATION OF RECOGNITION OF LABOR RIGHTS OF HAITIAN MIGRANTS IN
CASES REGISTERED IN THE DATABASE OF THE “MIGRAÇÃO, REFÚGIO E
HOSPITALIDADE” PROJECT
1
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: lohan.couto@gmail.com
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: marinavilasboas@hotmail.com
12 | P á g i n a
Palavras-chave: migrante haitiano, direitos trabalhistas, reconhecimento,
Curitiba.
ABSTRACT: Over the past four years, the Haitian migratory flow to Brazil has
increased and, in this context, the city of Curitiba represents one of its big
target centers. Against the adversities in Haiti, as a result of the 2010 and
2012 catastrophes and other unfavourable living conditions, many Haitian
citizen have left their country and see in Brazil a new horizon of existence
and hope. Alone or accompanied, with levels of formal education, they
enter the country and are regularised through the granting of a
humanitarian visa, which grants them access to health, employment and
education. The process of entering the labour market, however, brings up a
particular problem: the question of the Haitian migrants’ vulnerability to
injustice, exploitation, and violation of their labour rights. Through the
database of the “Migração, Refúgio e Hospitalidade” Project, it can be
noticed that, in Curitiba, there are recurrent cases involving lack of overtime
pay, inexistance of remuneration, lack of recognition of labour-related
accidents and other occasions the disrespect to the worker’s ’s dignity,
including the manifestation of racial discrimination and mistreatment. The
data shows, indeed, that the guarantees of these people in the working
environment are unprotected, and that they can be subject to abuses and
prejudice. There is, in fact, a burocratization of the implementation of
labour rights inasmuch as the regularization of the right to work is
insufficient to the effective protection of the migrant worker. Their
condition of lack of information regarding the Brazilian legislation, added to
factors such as xenophobia and ethnic discrimination, makes the Haitian
migrants even more vulnerable and often complicates the due recognition
of their labour rights.
1. INTRODUÇÃO
13 | P á g i n a
acerca da realidade em que se encontra sujeito a injustiças, casos de exploração e situações
de violação de seus direitos trabalhistas. Considerada a notoriedade da cidade de Curitiba
como receptora do movimento haitiano, apresenta-se de significativa relevância a análise
do contexto de trabalho no qual está inserido o migrante e dos infortúnios a que
eventualmente está submetido, com uma vida diferente, numa sociedade, num espaço e
num amálgama cultural diversos daqueles de sua pátria.
O Projeto “Migração, Refúgio e Hospitalidade” é um programa de Extensão e
Pesquisa no Setor de Ciências Jurídicas inserido no conjunto de atividades desenvolvidas
pela Universidade Federal do Paraná por meio do Projeto Política Migratória e Universidade
Brasileira, com vistas à proteção internacional de migrantes e refugiados. Relacionando o
saber acadêmico ao saber popular, o projeto visa ao comprometimento da comunidade
universitária com interesses e necessidades dos migrantes e refugiados, em todos os níveis,
promovendo prestação de assessoria jurídica, cursos de língua portuguesa e outras
realizações que contam com a participação de vários Setores e Departamentos da UFPR. Por
meio das informações obtidas nas entrevistas de assessoria jurídica realizadas pelos
participantes do projeto, foram registrados diversos casos em que se fizeram presentes
demandas trabalhistas envolvendo cidadãos haitianos que domiciliam em Curitiba e região
metropolitana.
Posto isso, o presente artigo tem por objetivo investigar a situação do migrante
haitiano em sua experiência no ramo de trabalho e o modo como são reconhecidos os seus
direitos trabalhistas. A partir da análise das informações contidas no banco de dados do
Projeto “Migrações, Refúgio e Hospitalidade”, pretendese levantar um diagnóstico das
possíveis causas dos abusos que estas pessoas sofrem no contexto de emprego. Nesta
leitura, o corpo do artigo foi segmentado, primeiramente, numa contextualização acerca do
conceito de visto humanitário e do perfil do migrante haitiano. Em seguida, uma segunda
partição foi destinada à análise dos dados coletados e à construção do diagnóstico proposto.
Diminuição do tempo de deslocamento, intensificação das relações sociais e
alterações no mercado político-econômico são apenas alguns dos fatores que potencializam
a entrada e saída de pessoas dos seus países. A migração, contudo, juntamente com a
atividade econômica e o exercício da livre iniciativa, segundo Gediel (2010, p. 150), só são
possíveis se estiverem conformados pelo respeito à dignidade da pessoa humana e aos
direitos fundamentais. Portanto, apontar as falhas na recepção, no acolhimento e na
hospitalidade pode, com efeito, denunciar um cenário possivelmente velado e trazer à tona
problemas sociais com o intuito de preparar o solo para futuras campanhas de
conscientização, para a intervenção das autoridades públicas e para projetos engajados em
tutelar os direitos trabalhistas de migrantes haitianos. Trata-se de um diagnóstico de recorte
de casos em Curitiba e região metropolitana, mas que uma vez reconhecida a adversidade, a
mesma pode ser identificada em outras localidades do Paraná e, possivelmente, a nível
nacional.
2. O VISTO HUMANITÁRIO
14 | P á g i n a
que a nacionalidade que mais solicitou pedido de residência no Brasil foi a haitiana (2.070
pedidos em 2013 e 1891 em 2014), de acordo com dados fornecidos pelo CNIg (Conselho
Nacional dos Imigrantes).
O processo de entrada se dava, majoritariamente, pela fronteira norte, através dos
Estados do Amazonas e do Acre. No início de 2011, este quadro tomou rumos peculiares na
medida em que aumentava o número de pedidos de refúgio apresentados ao CONARE
(Comitê Nacional para os Refugiados), resultando na adoção de um procedimento interno
único do CNIg. Tratava-se, na verdade, de uma medida de caráter humanitário e
excepcional, pois eram considerados os infortúnios advindos do terremoto para a vida
dessas pessoas e esperava-se que tal processo migratório fosse temporário.
Segundo Fernandes et al. (2013, p. 59), entretanto, percebeu-se que o movimento
de haitianos não era um caso passageiro e que demandava cada vez mais a atuação das
autoridades públicas, podendo ser observada no norte do país uma situação de alarmante
adversidade humanitária. Na busca por uma solução, em função de incumbência do
Governo Federal ao CNIg, o Conselho aprovou a Resolução Normativa nº 97/2012, a qual
possibilitava a concessão de visto permanente ao nacional do Haiti, por razões humanitárias
e com duração de cinco anos, estabelecendo um limite ao número de vistos a serem
concedidos pelas autoridades do Haiti fixado em 1200 por ano, numa média de 100
concessões por mês pelo consulado.
Apesar da tentativa, conforme a avaliação dos autores, o resultado esperado não
foi atingido: não houve redução da chegada de migrantes haitianos e o limite estabelecido
de vistos emitidos não atendia à demanda, criando um ambiente hostil nas regiões
fronteiriças.
Diante dessa situação, o governo, por meio da RN nº 102, em abril de 2013, retirou
o limite de 1200 vistos concedidos a haitianos e permitiu sua emissão em consulados no
Peru, no Equador, na Bolívia e na República Dominicana. A última alteração na Resolução
Normativa nº 97 ocorreu em 12 de agosto de 2015, pela Resolução Normativa nº 117,
prorrogando sua vigência até 30 de outubro de 2016.
É importante ressaltar, neste ponto, que a resolução normativa é uma medida
atípica e a expectativa concernente à condição humanitária era de que fosse excepcional e
temporária.
O migrante haitiano, portanto, não é considerado refugiado ao ingressar no Brasil,
uma vez que sua condição não se enquadra na definição de refugiado prescrita pela Lei
9.474 de 22 de julho de 1997:
15 | P á g i n a
3. PERFIL DO MIGRANTE
3
Neste tópico, foram consideradas somente as informações obtidas por meio das entrevistas relacionadas às
demandas trabalhistas.
16 | P á g i n a
manifestaram interesse no reingresso ao Ensino Superior. Neste contexto, uma considerável
dificuldade que se apresenta para que seja efetuado o pedido de reingresso é a escassez de
documentos que comprovem o histórico acadêmico: a desestabilização econômica, social e
da infraestrutura haitianas colaboraram para a eclosão de um verdadeiro colapso
educacional. A desestruturação das instituições de ensino afetou as vias de contato que
permitiam o acesso comunicativo aos seus setores administrativos e resultou na perda de
diversos documentos atinentes a ex-alunos. Apesar dos obstáculos, os pedidos de reingresso
ainda se mostram numerosos e, como apresenta o Gráfico 2, representam 39% do total de
demandas registradas no projeto:
Quanto à situação familiar dos cidadãos haitianos que residem no Brasil, por meio
de um levantamento de dados realizado em 2013 em seis cidades brasileiras e promovido
pelo Projeto “Estudos sobre a Migração Haitiana ao Brasil e Diálogo Bilateral”, através de
empreendimento da Organização Internacional para a Migração e com colaboração do MTE
(Ministério do Trabalho e Emprego) e do CNIg, 340 haitianos foram entrevistados
(FERNANDES etal.,2014, p. 44). Segundo a pesquisa, cerca de 60% dos entrevistados são
solteiros, incluindo os dados das entrevistas de homens e mulheres. Verifica-se também que
15,4% das mulheres e 31,3% dos homens estavam casados.
Com base nas informações do Projeto Hospitalidades, de um total de dez que
17 | P á g i n a
informaram o estado civil, cinco (50%) são solteiros. Três (30%), por sua vez, são casados e
dois (20%) declaram-se em união estável. Vale pontuar que o número de solteiros é notável
em ambas as fontes e que, dentre aqueles que se encontram em algum tipo de união,
muitos ingressam no Brasil sozinhos e somente depois de um período buscam a reunião
familiar. Quanto a este último modelo de situação, um dos três casados tinha sua esposa no
Brasil, mas sua filha residia na República Dominicana.
Mostra-se relevante abordar, neste tópico, o caráter primordial do trabalho regular
como um dos requisitos para a concessão de visto temporário ou permanente ao
companheiro ou companheira em união estável, bem como, pelo chamante, do depósito de
recursos suficientes para o sustento do chamado no pedido de reunião familiar. Quanto à
concessão de visto temporário ou permanente a título de reunião familiar, assim estabelece
o art, 6º, I, da Resolução Normativa nº 36 de 28 de setembro de 1999: “que o chamado não
dispõe de renda suficiente para prover o próprio sustento e que o chamante deposita
mensal e regularmente, de forma comprovável, recursos para sua manutenção e
sobrevivência”. Semelhantemente, no que concerne à concessão de visto temporário ou
permanente ao companheiro ou companheira em união estável, assim prevê a Resolução
Normativa nº 77 de 29 de janeiro de 2008:
No que concerne à ocupação no Brasil, Faria (2013, p. 114) afirma que geralmente
exercem atividades que não demandam grande qualificação e domínio da língua
portuguesa, sendo a construção civil a atividade econômica que mais emprega. Segundo os
dados do Projeto Hospitalidades, dentre onze que informaram acerca de sua ocupação,
quatro (50%) estavam empregados na área de construção civil e dois (25%) exerciam alguma
função em estabelecimento comercial do ramo de alimentação. Como verifica-se na Tabela
1, três estavam desempregados na época da entrevista.
4. ANÁLISE DE DADOS
18 | P á g i n a
discriminação e injustiça. Nesta seção, as informações obtidas no banco de dados do Projeto
“Migração, Refúgio e Hospitalidades” serão utilizadas para explanar acerca dos problemas
que vivenciam essas pessoas na esfera trabalhista de um inédito ambiente sociocultural
curitibano. A base informativa consiste nas entrevistas realizadas pelo projeto no período
entre o segundo semestre de 2014 e o primeiro semestre de 2015, resultando em 14 fichas
cadastrais (Cf. Anexo “A”) relacionadas a questões trabalhistas. Utilizaram-se pseudônimos
em referência às pessoas envolvidas nos casos apresentados a fim de preservar sua
identidade e privacidade.
De início, compete assinalar os eventos mais recorrentes que constam nos registros
do projeto. Vale ressaltar que, concernente aos dados apresentados, é possível que ocorra
casos de intersecção entre as informações, isto é, em relação a pessoas que eventualmente
tenham relatado mais de um problema.
Conforme o Gráfico 3, denota-se que há um maior número de episódios
envolvendo obstáculos quanto à remuneração de horas extras (cinco). Dentre estes,
pontua-se o caso de René Bonet que, mantendo vínculo de emprego com jornada de
segunda à sexta-feira, perfazendo total de 40 horas semanais, não recebia a devida
contraprestação pela atividade desempenhada aos sábados. Nestas condições, e ante a falta
de notícias de banco de horas, a conduta antijurídica do empregador viola os artigos 59 e 61
da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a despeito de, neste especifico caso, ser o
sábado dia de descanso remunerado: “Art. 59 a duração normal do trabalho poderá ser
acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo
escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”. (CLT,
1943)
19 | P á g i n a
Em seguida, nota-se a manifestação de duas situações de inadimplência salarial e
de atraso no pagamento. Neste contexto, é destacada a circunstância a que esteve sujeita
Marie Blanche, que, numa primeira entrevista, relatou ter sido demitida sem justa causa e
não ter recebido as verbas indenizatórias que lhe eram devidas, tampouco lhe foi
oportunizado o benefício do aviso prévio. Estes fatos contrariam a legislação trabalhista,
notadamente os artigos 477 e 487 e demais direitos consectários, em referência aos
seguintes termos:
“Art. 477 É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a
terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para
cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma
indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma
empresa”. (CLT, 1943)
E, ainda:
“Art. 487 Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser
rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência
mínima de: I - oito dias, se o pagamento for efetuado por semana ou tempo
inferior; II trinta dias aos que perceberem por quinzena ou mês, ou que tenham
mais de 12 (doze) meses de serviço na empresa”. (CLT, 1943)
Além disso, Marie alegou não ter sido remunerada por atividade de horas extras e,
em outra entrevista, que seus créditos trabalhistas não foram honrados pelo empregador,
apesar da natureza de alimentos que têm. Em ambas as situações, incorreu o empregador
nas previsões contidas no art. 483 da CLT, que prevê a rescisão indireta nos seguintes
termos: “O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida
indenização quando: [...] d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato”.
Dentre outros casos de caráter igualmente contestável e prejudicial à vida dos
migrantes, dois podem ser ressaltados em função de peculiar agressão à dignidade da
pessoa humana: a questão do preconceito étnico, referente a um caso, e de maus-tratos no
ambiente de trabalho, presente em dois deles. Aqui, encontra-se a situação de Jacqueline
Suzie, menor de idade à época da entrevista, que sofria preconceito racial ao ser chamada
de “preta” por seu empregador e era vítima de maustratos na empresa em que trabalhava
como auxiliar de limpeza. A atitude repugnante do empregador agride significativamente os
fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro e pactos internacionais de que o Brasil é
signatário, em um primeiro momento, conforme as disposições da Constituição Federal em
seu art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”. (CF, 1988) O pacto de San José da Costa Rica, do mesmo
modo, atribui a obrigação dos Estados-partes da Convenção, dentre os quais encontra-se o
Brasil, de respeitarem os direitos e liberdades da pessoa e garantirem o direito à integridade
pessoal, como é disposto em seu artigo 5º. A postura em questão é ilícita também sob a
égide da CLT, a qual protege o empregado de atos lesivos do empregador à sua honra e boa
fama, nos termos do art. 483, “e”.
Vale comentar, com igualdade, acerca da categoria de “desrespeito à dignidade da
pessoa do trabalhador”, cuja ocorrência se deu em uma ocasião. Esta classificação referese
ao caso de Remy Lacazette, que trabalhava na cozinha de um estabelecimento de
alimentação e, ao haver passado mal durante o expediente, seu empregador recomendou
20 | P á g i n a
que pedisse demissão caso não pudesse comparecer. Uma conduta abusiva do empregador,
caracterizada pelo rigor excessivo que era imposto ao empregado durante o exercício de
suas de funções, forçando a sua dispensa. O empregador ultrapassou os limites do poder de
direção, autorizando que o empregado buscasse a reparação por danos morais, com
espeque no art. 5º, X, da Constituição Federal: “são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Instrumento de mobilidade social e meio para uma distribuição mais justa de bens
entre classes (MEIRELES, 2012, p. 31), o trabalho constitui um dos principais objetivos de
cidadãos haitianos que, ao deixarem sua terra de origem, vislumbram no Brasil um novo
horizonte de vida. Entretanto, a realidade aqui pode apresentar dificuldades no processo de
inserção social e torná-los vulneráveis às vicissitudes da vida em uma sociedade
significativamente diversa, especialmente no ambiente de trabalho e nas relações de
emprego.
Em Curitiba, essas circunstâncias de infortúnio na esfera trabalhista se fazem
presentes na vida de migrantes haitianos. Há casos em que, imersos numa situação de
vulnerabilidade e desproteção, seus direitos trabalhistas não são devidamente reconhecidos
pelo empregador, encontrando-se em ocasiões adversas de manipulação e injustiça. É uma
realidade complexa cujas causas edificam uma totalidade de fatores, seja em relação a
aspectos especiais à situação de migrante ou ao modo como o Estado e os cidadãos
brasileiros concebem o fenômeno migratório, pressupondo-se que se trata de um povo
estrangeiro cujas raízes étnicas, sociais e culturais lhe são peculiares.
Primeiramente, assevera-se que, apesar de toda uma complexa e planejada divisão
de competências, políticas públicas e leis, muitos dos migrantes haitianos entram no
mercado de trabalho sem conhecer seus direitos. Conforme o art. 2 da Convenção n. 97 da
OIT, denominada “Convenção sobre Trabalhadores Migrantes” (1949), a qual passou a viger
no ordenamento jurídico brasileiro a partir de 18 de junho de 1966, estabelece-se que:
21 | P á g i n a
necessário que o governo brasileiro ratifique a “Convenção sobre a Proteção dos Direitos
dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família”, posto que o Brasil é o único país
membro do Mercosul (Mercado Comum do Sul) que não é signatário do acordo, em vigor
desde 2003. Trata-se de um tratado da ONU (Organização das Nações Unidas) que visa a
não-discriminação, a garantia dos direitos humanos de todos os trabalhadores migrantes e a
promoção de condições saudáveis, dignas, equitativas e legais em matéria de migração
internacional de trabalhadores e membros de sua família. Enquanto não adere à Convenção
da ONU, um dos principais instrumentos jurídicos que regulam a situação de migrantes no
país é o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), contemporâneo ao regime militar e, em
muitos aspectos, contraditório a princípios da Constituição Federal de 1988.
Além da insuficiente política de implementação de direitos, a vulnerabilidade do
migrante à violação de direitos humanos e garantias trabalhistas é intensificada em função
de fatores cotidianos e intrínsecos à vida material. O cidadão haitiano se vê, de fato, em
circunstâncias peculiares à sua condição de migrante, uma vez que eventualmente não
possui o devido conhecimento da legislação brasileira e acha-se à mercê da ilimitada
deliberação de seu empregador. Neste contexto, Martins etal. (2014, p. 40) afirmam que:
22 | P á g i n a
REFERÊNCIAS
FARIA, Andressa Virgínia de. A diáspora haitiana para o Brasil: onovo fluxo migratório (2010-2012).
Dissertação - PUC-MG. Belo Horizonte, 2013.
______; MILESI, Rosita; PIMENTA, Bruna; CARMO, Vanessa do. Migração dos haitianos para o Brasil a
RN nº 97/2012: uma avaliação preliminar. Caderno de debates “Refúgio, migrações e cidadania”, vol.
8 nº 8 IMDH/ACNUR, Brasília, 2013.
MARTINS, José Renato Vieira; SOUZA, Maria Adélia Aparecida de; ARAUJO, Danielle Michelle Moura
de; ZOMICHANI, James Humberto. A diáspora haitiana: da utopia à realidade. Projeto de pesquisa da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana, 2014.
23 | P á g i n a
ANEXO “A”
CADASTRO DE ATENDIMENTO
Projeto Refúgio, Migrações e Hospitalidade
Nome:
DEMANDA:
Data de Nascimento:
E-mail:
Telefone:
Passaporte:
Situação Familiar:
Escolaridade:
Informações complementares:
Data:
Área de atendimento:
Nome do atendente:
Encaminhamento:
24 | P á g i n a
CLÁUSULA DE CESSAÇÃO DE REFÚGIO: A
SOLUÇÃO BRASILEIRA FRENTE AO CASO
DOS REFUGIADOS ANGOLANOS
REFUGEE CESSATION CLAUSE: THE BRAZILIAN SOLUTION TOWARDS THE ANGOLAN
REFUGEES CASE
Angelica Furquim1
Melissa Martins Casagrande2
1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), integrante do projeto de extensão
“Hospitalidade, Migrações e Refúgio”(UFPR) – autora.
2
Doutora em Direitos Humanos e Pluralismo Jurídico pela McGill University, Canada (2011) revalidado no
Brasil pela Universidade de São Paulo - USP (2013), Mestre em Direito do Estado (2003) e Bacharel em Direito
pela Universidade Federal do Paraná - UFPR (2000) – orientadora.
25 | P á g i n a
Key Words: Angolan refugees; Angolan Civil War; Refugee Cessation Clause;
Durable Solutions; CPLP.
1. INTRODUÇÃO
26 | P á g i n a
a. Refúgio, Cessão e Brasil
3
Nesse sentido, dispõe a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados adotada em 28 de julho de 1951 pela
Conferência das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, convocada
pela Resolução n. 429 (V) da Assembléia Geral das Nações Unidas: “Artigo 1º Para os fins da presente
Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa: (...) 2) Que, em consequência dos
acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que
não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem
nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais
acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (...)”
4
A Declaração de Cartagena dispõe que são refugiadas “as pessoas que tenham fugido dos seus países porque
sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira,
os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado
gravemente a ordem pública”.
27 | P á g i n a
para a fixação do refúgio, não é estritamente necessária e tampouco, única. É, em realidade,
uma manifestação de um fenômeno maior: a ausência de proteção do Estado em relação
aos direitos mais básicos de seus cidadãos. São refugiados, portanto, em essência, aqueles
cujos Estados falharam em proteger seus mais básicos direitos e necessidades, não tendo,
portanto, nenhum outro recurso, senão buscar proteção e o auxílio internacional na
reparação de tais injustiças e na recuperação de seus direitos (SHACKNOVE, 1985). Para a
caracterização de refúgio, para além da perseguição, são elementos também necessários o
fundado temor e a extraterritorialidade.
Entretanto, quando mudanças positivas são verificadas no país de origem da
população refugiada, e quando é reconhecido que as causas de fuga e temor deixam de
existir, a Convenção de 19515 dispõem sobre a cessação da concessão do status de
refugiado. O artigo 1, C da Convenção de 1951 enumera de forma exaustiva as razões de
cessação de refúgio6, de forma que as quatro primeiras hipóteses tratam de um
comportamento voluntário por parte do refugiado, e as duas últimas se referem à situação
do país de origem, as quais são comumente chamadas de”cláusulas de cessação em razão
do desaparecimento das circunstâncias” ou cláusulas “sobre circunstâncias que cessaram de
existir”:
5
Convenção das Nações Unidas sobre Refúgio, de 1951.
6
“Cessation differs from cancellation of refugee status. Cancellation is based on a determination that an
individual should not have been recognized as a refugee in the first place. This is, for instance, so where it is
established that there was a misrepresentation of material facts essential to the outcome of the determination
process or that one of the exclusion clauses would have been applicable had all the relevant facts been known.
Cessation also differs from revocation, which may take place if a refugee subsequently engages in conduct
coming within the scope of Article 1F(a) or 1F(c)” (ACNUR, 2003, p. 3)
7
Livre tradução da autora: “Les raisons énumérées à l’article 1C sont exhaustives. Les quatre premières ont
trait à un comportement volontaire de la part du réfugié; les deux dernières concernent la situation dans le
pays d’origine. Cellesci sont souvent appelées “clauses de cessation pour cause de disparition des
circonstances”, ou clauses “sur les circonstances ayant cessé d’exister”. La fin du statut de réfugié pour ces
raisons découle d’un changement de situation dans le pays d’origine, qui est fondamental, durable et réel. Un
changement n’est considéré comme réel que s’il fait disparaître les raisons de la crainte de la persécution.”
(ACNUR, 2005, p. 74)
8
Livre tradução da autora: “Las cláusulas de cesación son de carácter negativo y se encuentran enumeradas
taxativamente. Por tanto, deben interpretarse de manera restrictiva y no pueden aducirse otras razones
mediante analogía para justificar la cesación del estatuto de refugiado” (ACNUR, 1996, p. 10).
28 | P á g i n a
determinado(s) indivíduo(s) a voltar para uma situação de vulnerabilidade. Isso porque,
como as hipóteses de cessação assinaladas independem do consentimento ou da
voluntariedade do refugiado, uma aplicação prematura ou pouco fundamentada pode
implicar em sérias consequências (ACNUR, 2003). Assim, as cláusulas de cessação
normalmente se aplicam em situações em que houve o fim das hostilidades, uma completa
reforma política e o retorno de uma situação de paz e estabilidade, levando-se em conta o
controle de aspectos como conflitos armados, sérias violações de direitos humanos,
discriminação contra minorias ou ausência de proteção estatal. Tais mudanças, uma vez
observadas devem ser expressivas, profundas ou substanciais.
9
Para a convenção de 1951 é refugiada toda pessoa que: “em conseqüência dos acontecimentos ocorridos
antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse
temor, não quer valerse da proteção desse país ( ...).”. Portanto, temos assim que, ao passo em que a
Convenção de 1951 se serve principalmente das fontes dos direitos humanos, Cartagena vai além disso,
estabelecendo uma ponte com o direito internacional humanitário.
10
A Revolução dos Cravos culminou no fim do período ditatorial português. Até Abril de 1974, sob o comando
de Marcelo Caetano, sucessor de Salazar, Portugal passava pelo domínio de uma ditadura ferrenha, na qual
partidos e movimentos políticos estavam proibidos, prisões políticas estavam cheias, líderes oposicionistas
estavam exilados, sindicatos eram fortemente controlados, a greve era proibida, as demissões fáceis e a vida
cultural estritamente vigiada. O cenário começou a mudar com a transmissão pelo rádio da música “Grândola,
vila morena”, até então proibida. A partir de então, as Forças Armadas ocuparam locais estratégicos por todo o
país, que juntamente com o povo, acuou o líder do regime, que buscou exílio no Brasil. Derrubada a ditadura
fascista, a conjuntura portuguesa passa por mudanças com a volta de artistas, políticos e desertores que
retornam do exílio e da independência das colônias (Guiné Bissau, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe, Angola e Timor). (FISCHER)
29 | P á g i n a
Angola (MPLA), União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA)11. Entretanto, pouco tempo após a assinatura, os
movimentos angolanos deram início a conflitos armados na disputa pelo controle do país
(SAMPAIO, 2013). Juntamente com os movimentos político-ideológicos, parte da população
africana que havia sido brutalmente afetada com a perda de terras, trabalho forçado e
economia em declínio também estava pronta para se rebelar.
No dia 11 de novembro de 1975, conforme fixado no Acordo de Alvor, o MPLA
proclama a independência da República Popular de Angola. Ao mesmo tempo, a FNLA e a
UNITA também proclamam a República Democrática de Angola, dando continuidade aos
conflitos pelo poder - UNITA e FNLA lutando com o apoio da África do Sul, EUA e aliados
ocidentais, e MPLA apoiada por soldados cubanos e pela União Soviética (SAMPAIO, 2013).
No período das quase três décadas em que decorreu a guerra civil, o ACNUR estima
que aproximadamente um milhão de pessoas foram mortas e 4 milhões foram deslocadas
(2014). Durante a guerra civil, os grupos armados cometeram inúmeras atrocidades contra a
população a um nível extremamente elevado de brutalidade: a tortura, a mutilação sexual
de vítimas e mortos e o estupro passaram a integrar o status quo, ao passo que também
táticas de morte por crucificação e a abdução de civis para o trabalho forçado eram
empregadas. A partir de um certo ponto, a morte já não mais configurava o objetivo
primário, mas as dolorosas formas de tortura passaram a tornar-se objetivos em si mesmas
(ZIEMKE, 2008)12.
Após a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi, em fevereiro de 2002, a assinatura
do Memorando de Entendimento, ou Acordo de Luena, em 4 de abril de 2002, entre as
Forças Armadas Angolanas e as Forças Militares da UNITA, pôs fim ao conflito. Durante
longo o período de guerra civil enfrentado por Angola, para além dos massacres
provocados, houve também a destruição de grande parte da infra-estrutura do país. Uma
das grandes dificuldades ainda enfrentadas pelo governo angolano é eliminação de milhares
de minas espalhadas por seu território, que além de colocarem a população em risco, ainda
impedem o movimento e acesso às terras de cultivo (BAPTISTA, 2007).
Angola se apresenta na conjuntura atual como um país com grande potencial
econômico, guarnecido de terras férteis e riquezas minerais, porém carece fortemente de
infra-estrutura, hoje um de seus grandes desafios, juntamente com a redução da pobreza.
Por esses motivos, “os refugiados angolanos não encontram muita motivação para voltar. O
país é rico. Os diamantes e o petróleo dominam a economia nacional, sendo responsáveis
pela quase totalidade das receitas, no entanto, esses setores estão pouco articulados com o
resto da economia do país” (BAPTISTA, 2007).
Anos após o fim da guerra civil, reputou-se que tanto Angola quanto Libéria (que
também passara por um sangrento período de conflito), estariam já em situação de paz e
estabilidade, de forma que muitos dos quase 600.000 indivíduos que procuraram refúgio em
11
Com o acordo a data de 11 de novembro de 1975 é fixada como o estabelecimento da independência.
12
“In the old days people were treated as valuable, if only as chattels. Now they are tortured and killed, their
mutilated bodies left unburied in the fields. People used to matter-both as slaves and as subjects. Now, be they
civilians in war zones, captives in either army's camp, or refugees in Namibia, they are despised and discarded
as worthless.” (BRINKMAN, 2000, p.9)
30 | P á g i n a
países vizinhos à Angola já haviam retornado. Conforme o próprio ACNUR, para facilitar os
retornos, um programa de volta fora lançado ao final de 2011. Estima-se que cerca de
20.000 angolanos retornaram no ano de 2012, com a assistência do ACNUR (2013).
Frente a essa conjuntura, na conferência realizada no dia 12 de junho de 2012, no
Palácio das Nações, em Genebra, o porta voz do ACNUR, Adrian Edwards informou que as
situações de refúgio concernentes às duas situações específicas do continente africano
chegariam ao fim. Declarou que em 30 de junho, cláusulas de cessação entrariam em vigor
para com os refugiados da Libéria e de Angola:
Este fim de semana, duas das situações de refúgio mais prolongadas na África vai
finalmente chegar a um fim. Em 30 de junho, cláusulas de cessação entrarão em
vigor para os refugiados da Libéria e Angola, tendo como base o fundamento de que
ambos os países já têm vivenciado anos de paz e estabilidade após amargas guerras
civis.
Isso significa que aquelas pessoas que fugiram desses dois países e continuam no
exterior, doravante não serão mais vistas como refugiadas pelo ACNUR ou pelos
países que os acolhem. Estamos trabalhando com os Estados de origem e de asilo
para encontrar soluções para aqueles que desejam tanto retornar ao seu país de
origem, quanto permanecer em seus países de asilo devido ao desenvolvimento de
laços fortes no local. Regressos voluntários continuarão a ser auxiliados enquanto
possibilidades de integração local e/ou um estatuto jurídico alternativa estão
também sendo debatidos. (ACNUR)13
Com a medida, portanto, todos aqueles que fugiram desses países para o exterior,
entre os períodos de 1989 a 2003, no que concerne ao caso da Libéria e de 1975 a 2002, no
caso de Angola, não mais seriam vistos, tanto pelo ACNUR, quanto pelos países de acolhida,
como refugiados.
Em maio de 2012, antes mesmo da cessação da condição do status de refugiados
de angolanos e liberianos, o ACNUR emitiu um relatório anual acerca do panorama
envolvendo refugiados de todas as etnias no Brasil, analisando as situações vivenciadas,
apontando seus desafios e dirigindo, para cada desafio, recomendações ao governo
brasileiro. O quinto ponto14 abordado no relatório foi no sentido de que mais esforços se
faziam necessários para facilitar a integração local de refugiados.
Quando do anúncio da cláusula de cessação de refúgio em relação à Angola e
Libéria, o Brasil contava, segundo estatísticas do Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE), com cerca de 4.500 refugiados de mais de 70 nacionalidades diferentes. Do total,
aproximadamente 37,5% de origem angolana. Evidente, portanto, que a cessação da
13
Livre tradução da autora: “This weekend, two of the most protracted refugee situations in Africa will finally
come to an end. On June 30, cessation clauses will enter into force for refugees from Liberia and Angola on the
basis that these countries have both enjoyed many years of peace and stability after bitter civil wars. This
means people who fled the two countries and remain abroad will no longer be regarded as refugees by UNHCR
and host governments. We are working with the governments of origin and of asylum to find solutions for those
refugees who wish either to return home or to remain in their host countries due to strong ties there. Voluntary
returns will continue to be assisted while possibilities for local integration and/or an alternative legal status are
also being discussed. (UNHCR, 2012)”
14
Ponto (issue) 5: “More efforts are needed to facilitate the local integration of refugees, including those being
resettled to Brazil from first countries of asylum and ensure that their specific protection needs are effectively
addressed. The respective activities in this field are still largely carried out and financed by UNHCR and its
implementing partners and address the most vulnerable populations. Recommendation: UNHCR advocates for
the Government to take on the resettlement program and to continue in its efforts to facilitate the local
integration of refugees building on the good practices developed in the past years.” (ACNUR, 2005)
31 | P á g i n a
condição de refúgio causaria grande impacto na maior população de refugiados acolhida
pelo Brasil. Assim sendo, a questão foi apresentada pelo ACNUR ao CONARE, para uma
análise mais aprofundada. Como soluções, foram consideradas a repatriação voluntária, a
concessão de residência permanente e até mesmo a naturalização, vez que, à época,
estima-se que a grande maioria de refugiados angolanos já vivessem no Brasil há mais de 15
anos, tendo assim, direito à solicitação da naturalização (ACNUR, 2012).
Tendo o refúgio dos cidadãos liberianos e angolanos cessado com base na
orientação expedida pelo ACNUR, em 25 de outubro de 2012 o Ministério da Justiça
brasileiro publicou a Portaria n. 2.650 no Diário Oficial da União possibilitando que aqueles
então refugiados pudessem aqui receber residência permanente.
O Ministério da Justiça explicou que a medida da conversão do refúgio para
residência permanente ocorreu em virtude de a maioria dos indivíduos já estar bastante
integrada no país, participando ativamente tanto da vida social quanto econômica do Brasil
e atendendo assim, também aos requisitos para a concessão da residência (ACNUR, 2012).
Assim, a resolução de transformar o refúgio em residência permanente foi emitida pelo
Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional do Ministério da Justiça, com vistas à
regularização dos migrantes no país e à proteção jurídica imediata.
De acordo com a Portaria, angolanos e liberianos, após a notificação do governo,
teriam 90 dias para contatar a Polícia Federal e solicitar a residência permanente. Os
solicitantes deveriam preencher ao menos um dos seguintes requisitos: a) estar morando no
país há pelo menos quatro anos em condição de refúgio; b) ser profissional contratado por
instituição brasileira ou; c) ter capacitação reconhecida por órgão da área ou tendo negócio
com capital próprio. Aqueles que não se enquadrassem nos requisitos especificados teriam
seus processos avaliados individualmente (ACNUR, 2012). A possibilidade da residência
permanente não seria aplicada a refugiados que estivessem respondendo por processo
criminal.
Conforme observou-se, uma vez reconhecido que as causas de temor e fuga deixam
de existir no país de origem da população refugiada, a cessação do status de refugiado é
estabelecida, o que implica em uma série de consequências, jurídicas e práticas. Isso
porque, cessado o reconhecimento da situação de refúgio, em uma primeira análise, resta
ao indivíduo migrante retornar ao seu país de origem, já que em tese, não há mais razão que
justifique o temor e, portanto, seu deslocamento. Frente à mudança de paradigma, a grande
questão que se coloca frente à cessação é: como proceder? Afim de responder tal
questionamento, o primeiro passo a ser dado é compreender o arcabouço principiológico
que ampara a cessação de refúgio em cotejo com a noção de uma solução duradoura, em
suas três vertentes adotadas pelo ACNUR.
Uma solução duradoura é aquela que coloca fim ao ciclo de deslocamento
resolvendo a condição de refúgio, de forma que se possa viver normalmente15. (ACNUR).
Tradicionalmente, a ONU concebe três formas de soluções duradouras, não hierarquizadas
15
“A durable solution for refugees is one that ends the cycle of displacement by resolving their plight so that
they can lead normal lives. Seeking and providing durable solutions to the problems of refugees constitutes an
essential element of international protection, and the search for durable solutions has been a central part of
UNHCR’s mandate since its inception.” (ACNUR, 2011, p. 21)
32 | P á g i n a
entre si: a repatriação voluntária, o reassentamento em um terceiro país e a integração
local. Normalmente, as situações demandam a aplicação das três soluções, de forma
simultânea e complementar, ou, ainda requerem a aplicação de uma em detrimento de
outra. Essa aplicação, entretanto, especialmente frente à realidade da cessação de refúgio,
deve ser pensada à luz do princípio da repatriação voluntária,aqui tomada enquanto
cânone, que emerge como princípio básico para o envolvimento do ACNUR, o qual para
além de uma questão de liberdade de escolha, é garantia de um retorno viável e seguro
(MCNAMARRA, 1999). Toda e qualquer forma de repatriação, portanto, deve ser
essencialmente voluntária, devendo conter em si, portanto, o livre consentimento do
ex-refugiado. Esse direito é reconhecido e afirmado por diversos instrumentos
internacionais, dentre os quais e talvez, para nós, mais o significante, Cartagena, que nesse
sentido, carrega consigo interessantes perspectivas que merecem ser mencionadas.
A Declaração de Cartagena sobre Refugiados, de 1984, promovendo o
estabelecimento e a consolidação de práticas humanitárias e princípios, estabelece como
critério que “toda a repatriação de refugiados seja de caráter voluntário, manifestado
individualmente e com a colaboração do ACNUR”, frizando mais adiante que “em caso16
algum se enviará o refugiado contra a sua vontade para um país terceiro” e findando por
reiterar o caráter voluntário e individual da repatriação dos refugiados e a necessidade de
que este se efetue em condições de completa segurança, preferencialmente para o lugar de
residência do refugiado no seu país de origem17(p. 4).
Dez anos mais tarde, a Declaração de San José sobre Refugiados e Pessoas
deslocadas, apresentada no colóquio internacional “Cartagena +10” conclui por afirmar que
a problemática dos deslocados internos, apesar de ser fundamentalmente da
responsabilidade dos Estados de que são nacionais, constituem também objecto de
preocupação da comunidade internacional por se tratar de uma questão de direitos
humanos que pode estar relacionada com a prevenção das causas que originam os fluxos de
refugiados. Nesse sentido, deve-se garantir às pessoas que se encontram nessa situação: (d)
a atenção aos direitos que são essenciais para a sua sobrevivência, segurança e dignidade e
outros direitos tais como: documentação adequada, a propriedade das suas terras e de
outros bens e a liberdade de movimentos, incluindo a natureza voluntária do regresso18 (p.
4).
Em 2004, elaborada em comemoração aos 20 anos da Declaração de Cartagena a
Declaração do México de 2004 é acompanhada de um plano de ação que inclui três
programas inovadores em favor das soluções duradouras, calcado ainda mais solidamente
com os princípios de solidariedade e responsabilidade (CASTILLO, 2015). O Plano de Ação do
México, dando ainda mais ênfase à importância das soluções duradouras, destina uma
16
"Detectar, con la colaboración del ACNUR, otros posibles países receptores de refugiados centroamericanos.
En ningún caso se trasladará al refugiado en contra de su voluntad a un tercer país."
17
“Duodécima. Reiterar el carácter voluntario e individual de la repatriación de los refugiados y a necesidad de
que ésta se produzca en condiciones de completa seguridad, referentemente, al lugar de residencia del
refugiado en su país de origen.”
18
“Afirmar que la problemática de los desplazados internos, no obstante ser fundamentalmente
responsabilidad de los Estados de los que son nacionales, constituye también objeto de preocupación de la
comunidad internacional por tratarse de un tema de derechos humanos que puede estar relacionado con la
prevención de las causas que originan los flujos de refugiados. En tal sentido se debe garantizar a las personas
que se encuentren en esta situación:(d) la atención a los derechos que son esenciales para su supervivencia,
seguridad y dignidad, y otros derechos tales como: la documentación adecuada, la propiedad de sus tierras
otros bienes y la libertad de movimiento, incluyendo la naturaleza voluntaria del retorno”
33 | P á g i n a
sessão especificamente voltada à temática:
19
“Las reuniones preparatorias señalaron las prioridades operativas en las diferentes subregiones y países de
la región. Se constató que América Latina cuenta con una amplia tradición solidaria de protección al perseguido
y que ha sido una región que ha sabido encontrar soluciones a sus propios refugiados dentro del
sub-continente. Se reconoció que la repatriación voluntaria es la solución óptima para los refugiados, como
derecho individual que ha de ejercerse de manera voluntaria en condiciones de seguridad y dignidad. Asimismo,
se subrayaron las necesidades existentes para facilitar la autosuficiencia y la integración local de un creciente
número de refugiados y el desafío que esto representa para los países de América Latina.” (p. 10)
20
Livre tradução da autora: “Sin embargo, la cuestión de la "voluntariedad" en el sentido de la ausencia de
cualquier presión física, psicológica o material, frecuentemente se ve empañada por el hecho de que, para
muchos refugiados, la decisión de retornar está dictada por una mezcla de presiones por factores políticos,
problemas de seguridad o necesidades materiales.”(ACNUR, 1996, p. 11)
34 | P á g i n a
Nesse sentido, extrai-se o princípio de que uma repatriação somente pode ser
considerada legitima quando é presente a anuência do então refugiado, ou seja, de acordo
com sua livre decisão. Por óbvio, portanto, a repatriação nunca pode ser forçada ou imposta
pelo país que tenha recebido o refugiado ou pelo país de que seja nacional.
A partir dessa estrutura, a repatriação voluntária, enquanto solução duradoura,
portanto, consiste no retorno, em segurança (física e material) e dignidade, do refugiado
para seu país de origem, baseado em sua livre e esclarecida decisão21 (ACNUR, 2011). Isso
ocorre quando considera-se que as situações de paz e reconciliamento são duráveis no país
de origem. O ACNUR busca coordenar o trabalho de reintegração com o apoio da
comunidade internacional para assegurar um ambiente estável, em parte, a partir da
introdução do conceito dos 4 “R”: repatriação, reintegração, reabilitação e reconstrução
(repatriation, reintegration, rehabilitation e reconstruction)22. Antes mesmo do anúncio da
cessação de refúgio, em 2012, o ACNUR lançou uma campanha de repatriação voluntária
para refugiados angolanos, que apresentou, entretanto, poucos ou quase nenhum resultado
significativo. A repatriação sempre foi a solução mais preferível, mas somente quando os
refugiados podem voltar para casa de forma voluntária e segura. Poucos vão se voluntariar
livremente para voltar aos próprios perigos ou perseguição de que fugiram. Alguns podem
fazê-lo porque as condições de refúgio tornaram-se intoleráveis e porque não existem
alternativas viáveis. Em outras situações, os refugiados podem não querer voltar para casa,
mesmo quando é seguro fazê-lo, por medo de discriminação ou por razões econômicas
(MCNAMARRA, 1999). Há ainda, quem tenha criado fortes laços, sejam eles familiares,
afetuosos ou econômicos no país de acolhimento, e que não deseja retornar a um local
onde esses vínculos sejam colocados em risco.
O reassentamento, por sua vez, se constitui na transferência de refugiados do país
em que se encontra ou no qual busca acolhimento para um outro Estado que os tenha
aceitado e permitido seu estabelecimento permanente e pleno exercício de cidadania. Isso
porque alguns refugiados não podem ou não querem voltar para o seu país de origem,
muitas vezes pelo medo ainda presente de sofrer perseguições, por viverem em situações
perigosas ou possuírem necessidades específicas que não possam ser resolvidas no país de
origem ou ainda porque as autoridades do país primeiramente buscado não queiram ou não
possuam meios de proporcionar efetiva proteção aos solicitantes de refúgio. Nesse viés, são
priorizadas as pessoas que necessitam de proteção imediata, tais quais aquelas ameaçadas
de devolução (refoulement) ou agressões físicas, principalmente, violência sexual. O
reassentamento, entretanto, não é um direito, na medida que o Estado não é obrigado a
aceitar refugiados por esta via. É uma solução que visa a oportunizar a proteção e
consubstanciar a solidariedade internacional, fazendo com que os países compartilhem da
responsabilidade pela questão do refúgio23.
21
Tal decisão não pode ser, sob hipótese alguma coibida. Conforme o ACNUR, “the refugee’s decision to
repatriate should not be coerced by factors such as the asylum situation in the host country, lack of or reduction
in assistance, or threats to family or property in his or her country of origin.” (2011, p. 32)
22
“Le HCR prend la tête des activités de rapatriement, auxquelles d’autres institutions des Nations Unies et la
Banque mondiale sont plus étroitement associées dès le début afin que leurs efforts ultérieurs de
développement soient plus aboutis. Cette stratégie vise à incorporer les besoins des rapatriés dans les plans de
développement national, de manière à accroître leurs perspectives économiques dans le moyen et le long
terme.” (ACNUR, 2005, p. 163)
23
Comparativamente aos outros meios, o reassentamento costuma beneficiar um número menor de
refugiados. Isso porque não muitos países participam dos programas de reassentamento do ACNUR. Por esse
35 | P á g i n a
Já a integração local, é um processo que tem como escopo proporcionar ao
refugiado o direito permanente de permanecer em seu país de asilo, incluindo em muitos
casos, a possibilidade de naturalização. A integração local tem como escopo a noção
adotada pela Convenção de 1951 de que com o passar do tempo e na medida em que os
seus laços com o Estado de acolhimento crescem, aos refugiados deve ser permitido o gozo
de uma maior gama de direitos. Nesse sentido, a integração local é vista como um processo
gradual que ocorre na interconexão das dimensões jurídica (no que concerne à
progressividade de direitos, chegando, eventualmente à residência permanente ou à
naturalização), econômica (gradualmente os refugiados se tornam menos dependentes ou
do próprio Estado de acolhimento ou de ajuda humanitária e passam a atuar e contribuir na
economia local) e socio-cultural (na medida em que permite que os refugiados participem
da vida social do país de acolhimento sem que sejam alvos de hostilidades ou discriminação)
(ACNUR, 2011).
Enquanto a maioria dos refugiados opta pela repatriação voluntária e outros são
recepcionados pelo reassentamento, a integração local, em muitos casos é preferível,
notadamente quando há um histórico de passado bastante traumático no país de origem
e/ou nos casos em que o indivíduo alcança profundos laços com o país de acolhimento,
sejam eles familiares, sociais, culturais e econômicos. No caso dos refugiados angolanos,
tanto a vinda quanto a possibilidade de integração local foram incentivadas em virtude dos
laços aqui estabelecidos e de aspectos em comum entre os dois países. E é especialmente
no contexto Brasil-Angola que observa-se que a existência de uma língua comum, que além
de permitir uma maior comunicação e integração entre os cidadãos, de certo modo também
auxilia no sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade, figurando assim como
uma importante ferramenta no desenvolvimento da cidadania e portanto, como elemento
catalisador do processo de integração local.
Após a vinda, muitos angolanos passaram a considerar o Brasil como um local de
fácil adaptação, onde o ambiente, de acordo com muitos, chega a ser muito próximo ao de
Angola e principalmente ao de Luanda, seja com relação às ruas, às pessoas - que são
abertas, simpáticas e gostam de conversar - quanto aos hábitos e costumes (AGÊNCIA
BRASIL, 2014). Esse sentimento somado à realidade fática dos laços travados com o país, fez
com que frente à cessação do refúgio, por meio da portaria 2.650 de 2012 o Brasil facilitasse
a adoção por aqueles que assim desejassem da integração local como solução para a
realidade dos cidadãos angolanos aqui residentes.
Estar refugiado não é uma circunstância escolhida ou planejada. Em grande parte
dos casos, diante do temor e da conjuntura na qual o indivíduo está inserido, não é possível
supor que disponha de condições para uma “cuidadosa” escolha de seu destino. A escolha
normalmente é feita tendo em vista a proximidade entre as localidades, em caráter
emergencial. Nos casos em que se torna possível uma certa “margem de escolha”, os
elementos comuns partilhados entre os países - tal como no caso Brasil-Angola, o idioma -
permitem tanto uma melhor recepção quanto adaptação.
Dentro da lógica de aproximação entre nações por conta de aspectos comuns,
partindo de uma premissa bastante similar, porém não voltada especificamente à questão
do refúgio, institucionalizada na década de 1990, a Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) introduziu um propósito coletivo entre os países que têm em comum a
motivo, nos últimos anos, o ACNUR e os Estados vêm trabalhando para aumentar o uso do reassentamento
como estratégia de solução duráveis.
36 | P á g i n a
língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), o de “partilhar e consolidar no
plano externo os laços de amizade entre os países de língua portuguesa”. Seus objetivos
centrais se resumem à concentração político-diplomática, cooperação em todos os domínios
e à promoção e difusão da língua portuguesa.
Pautando-se em uma pressuposição de igualdade entre os nacionais dos nove
Estados membros, os cidadãos provenientes de países membros da CPLP, no que concerne a
distintos aspectos do cotidiano, são beneficiados. Especificamente em matéria de circulação
e cidadania, acordos foram firmados de modo a facilitar a integração entre os
Estados-membros e o fluxo de migrantes de um país lusófono a outro. Cinco projetos 24 já
foram adotados para a favorecer a circulação no espaço da CPLP, e nessa gama, no que diz
respeito à migração, talvez o “Acordo sobre Isenção de Taxas e Emolumentos devidos à
Emissão e Renovação de Autorizações de Residência”,na prática, seja o mais representativo.
Por meio dele, indivíduos pertencentes às demais nações da CPLP estão isentos do
pagamento de taxa de pedidos de prorrogação, prazo de estada, permanência ou registro de
estrangeiro. Recentemente foi assinado o “Acordo de Cooperação Consular” (em 24 de
Julho de 2008), ainda não ratificado pelo Brasil, estabelecendo as condições em que
qualquer das partes assegurará, na medida das suas possibilidades e nos limites do disposto
no acordo, a assistência e proteção consular aos cidadãos nacionais. Na prática, acordos
como esses beneficiam diretamente a circulação e a permanência no âmbito dos países
membros da CPLP. No que diz respeito à época da cessação da situação de refúgio no caso
angolano, já vigorava no Brasil o Acordo sobre Isenção de Taxas e Emolumentos,
promulgado em 2009, fato este que a seu modo também contribuiu para uma maior
aderência à integração local dos então refugiados angolanos aqui residentes.
5. CONCLUSÃO
24
São eles: Acordo sobre a Concessão de Vistos de Múltiplas Entradas para Determinadas Categorias de
Pessoas, nacionais da CPLP; Acordo sobre Estabelecimento de Requisitos Comuns Máximos para a Instrução de
Processos de Visto de Curta Duração; Acordo sobre Concessão de Visto Temporário para Tratamento Médico a
Cidadãos da CPLP; Acordo sobre Isenção de Taxas e Emolumentos devidos à Emissão e Renovação de
Autorizações de Residência para os Cidadãos da CPLP; Acordo sobre Estabelecimento de Balcões Específicos
nos Postos de Entrada e Saída para o Atendimento de Cidadãos da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.
25
“Definitively, only the firm determination of reconstruction of the international community on the basis of
human solidarity can lead to mitigating or alleviating some of the sufferings of the uprooted (whether refugees,
internally displaced persons, or migrants)”. (TRINDADE, 2008, p. 142)
37 | P á g i n a
de origem, procede-se à cessação da concessão do status de refugiado. Diante da cessação,
medidas devem ser adotadas, seja pelo país de acolhida ou pelo de origem e intermediadas
pelo ACNUR, a fim de prestar o amparo necessário à fixação definitiva da população então
refugiada. Essas medidas são chamadas pelo ACNUR de soluções duradouras e podem
ocorrer, seja simultânea ou complementarmente, nas modalidades de repatriação
voluntária, reassentamento e integração local. As cláusulas de cessação, dessa forma,
norteadas pelo princípio da repatriação voluntária, exigem ser interpretadas em
consonância com tais soluções duradouras.
A experiência selecionada para a elucidação desses conceitos foi a da solução
adotada pelo Brasil, em outubro de 2012, que frente à cessação de refúgio de angolanos e
liberianos, possibilitou que aqueles ora refugiados e residentes no Brasil pudessem a partir
de então ser titulares de permanência definitiva no Brasil. Tal opção é um exemplo de
efetivação de integração local a ser tomado como paradigma em situações futuras similares.
Ressalta-se aqui que o fato de ambos os países - de fuga e destino - compartilharem do
mesmo idioma provavelmente contribuiu tanto para a vinda quanto para a integração
daqueles ora refugiados. No que diz respeito aos pontos de contato entre Angola e Brasil
para essa inserção, buscou-se averiguar a existência ou não de impactos da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, no que diz respeito à cidadania e circulação de pessoas. O
impacto da condição de países-membros da CPLP na integração dos cidadãos angolanos em
território brasileiro, nesse sentido, foi tímido e restrito, tendo como principal benfeitor a
isenção em taxas e emolumentos, em razão de acordo firmado entre os países membros da
CPLP e sua promulgação no Brasil em 2009.
A condição de refúgio, enquanto matéria de preocupação global, requer uma maior
concentração a nível universal, a fim de assegurar a prevalência dos direitos mais básicos da
população refugiada. Diante disso, um grande papel é reservado às políticas públicas, bem
como à mobilização de entidades da sociedade civil na tentativa de apaziguar seus
sofrimentos e melhorar as condições de vida de postulantes de refugio e refugiados
(TRINDADE, 2008)26. É dentro desse contexto que se buscou fazer a aproximação da
experiência brasileira com a cessação de refúgio dos cidadãos angolanos aos benefícios
trazidos pela CPLP, como forma de possíveis contribuições à integração, haja vista, os
aspectos comuns partilhados entre os países. Ainda que os resultados não tenham se
mostrado tão expressivos, não há que se questionar que mecanismos de cooperação entre
os países, que explorem seus aspectos em comum, principalmente, figuram como
ferramentas hábeis a permitir uma melhor integração e nos casos de refúgio, tornar o país
de destino o mais acolhedor e receptivo aos postulantes de refúgio e refugiados.
REFERÊNCIAS
ACNUR. Angolans head homewards by train from Democratic Republic of Congo. 2014 Disponível
em http://www.unhcr.org/53f36c049.html
26
“As a true global issue, the phenomenon of forced migrations requires greater concertation at universal level
to secure the prevalence of the rights of migrants and their families. A relevant role is reserved to public
policies, as well as to mobilization of entities of the civil society to mitigate their sufferings and improve their
conditions of day-today life. Such entities can, at first, help the organs of assistance and protection in the
identification itself of the distinct characteristics assumed by the migratory phenomenon in different
countries.” (TRINDADE, 2008, p. 165)
38 | P á g i n a
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41 | P á g i n a
CORUMBÁ: BERÇO DE
OPORTUNIDADES AOS IMIGRANTES
CORUMBÁ: CRADLE OPPORTUNITIES FOR IMMIGRANTS
1. INTRODUÇÃO
1
Aluna de Graduação em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados.
Membro do grupo de pesquisa “Política Migratória Brasileira para Refugiados no Contexto do Século XXI
- O Papel do Mato Grosso do Sul”. e- mail: thais.alpires@gmail.com
2
Os árabes que serão tratados neste documento não será apenas aqueles que nasceram na Arábia
Saudita. Serão os árabes em geral, como os palestinos - árabes que nasceram na Palestina- que vivem
em outras regiões, mas são árabes pela sua etnia.
pesquisas de campo entre os anos de 2014 e 2015, visitando comércios, instituições e
buscando informações em literaturas existentes sobre o local.
Por lá existe uma pluralidade de nacionalidades, porém as informações sobre
a sua analogia se delimitam aos bolivianos, os quais não terão destaque nesse
trabalho. Objetivo é mostrar outra nacionalidade tão importante quanto à presença
boliviana no desenvolver da economia. Para comprovar essa afirmação se têm os
relatos de imigrantes que optaram construir suas vidas na cidade e a apresentação do
trabalho de algumas instituições com esse público, informações obtidas por meio de
um questionário semiestruturado. Infelizmente não foi possível contar com os dados
de algumas instituições públicas como Secretaria de Educação, INSS e Policia Federal,
por falta de comunicação.
De inicio uma revisão histórica sobre migração no Centro-Oeste e Estado do
Mato Grosso, destacando Corumbá como receptor de imigrantes internacionais e
migrantes internos, usando tabelas com base nos dados do FIBGE dos anos de 1940 a
1960, gráficos disponibilizados pela Secretaria Municipal de Assistência Social e as
entrevistas irão provar os elementos decorridos no artigo. Por fim, concluiremos com
apresentação das tendências verificadas, e uma discussão sobre o resultado alcançado.
43 | P á g i n a
O governo de Getulio no período de 1930 até 1954 dinamizou o lugar, as
fronteiras foram delimitadas possibilitando a articulação com as demais
regiões, e assim atraindo um fluxo migratório, entretanto o episódio da crise
de 1929 e a Segunda Guerra Mundial provocaram o sentimento do
nacionalismo, que resultou na proibição do ensinamento de qualquer
idioma que não fosse o português nas escolas, além de dificultar a entrada
de estrangeiros no País, tudo em nome da criação de uma “identidade”
brasileira.
44 | P á g i n a
A inserção destes dois maiores grupos se explica pelas fronteiras secas com
Bolívia e Paraguai, as quais permitiram também a entrada de imigrantes dos demais
países da América do Sul. Já imigrantes europeus, asiáticos e demais países, vieram por
meio de navios.
A cidade de Corumbá é um dos destinos desses imigrantes, pois seus negócios
com o Paraguai via o Rio Paraguai e juntamente o comércio com a Bolívia,
promoveram ela a um lugar de oportunidades.
O lugar passou por um processo longo para se tornar uma cidade, primeiro
foi descoberta por portugueses que buscavam ouro nas terras pantaneiras,
se tornando então o vilarejo denominado de Arraial de Nossa Senhora da
Conceição de Albuquerque em 1778, e com o comércio mantido com o
Paraguai pelas vias fluviais foi elevada a distrito em 1838 e a município em
1850. (MADUREIRA, SEIXAS; 2013, p.5)
45 | P á g i n a
Em 1850 ela já abrigava uma população estrangeira significativa, havia
italianos, portugueses, árabes, palestino, sírios, bolivianos, paraguaios, argentinos e
libaneses. A tabela 2.0 demonstra esse fenômeno.
Fonte: FIBGE, Censos Demográficos 1940, 1950, 1960, 1970. Maiores de 10 anos.
Foram excluídos inativos e atividades domésticas.
46 | P á g i n a
Após a chegada deles a cultura corumbaense foi se moldando, e a presença
árabes se destacou através dos comércios estabelecidos. Atualmente uma mesma
família possui entre um a três negócios.
5. IMIGRANTES
a. Entrevista Nº1
O primeiro entrevistado é Ghagi Mohamed Ibraim que tem 80 anos e seu país
de origem é a Palestina. Sua família (esposa, filhos e netos) se encontra no Brasil,
especificamente na cidade de Corumbá e no Paraná, uma família de classe média
brasileira. Chegou ao país em 1955, desembarcando no porto de Santos em São Paulo,
durante sua viagem para o Brasil passou pela África e Europa até chegar a America
Latina, uma viagem de 50 dias, com cerca de 2 a 3 mil pessoas no navio.
Sua decisão de mudar para Brasil incide na busca de novas oportunidades, e a
curiosidade em conhecer a Amazônia, interesse despertado após ver imagens do lugar
pela TV, ainda na Palestina, além do fato dos seus amigos já estarem residindo no país,
os quais o ajudaram quando chegou. O primeiro lugar no Brasil a residir foi no Paraná
onde começou trabalhar de Mascate (mercador ambulante), profissão aprendida com
os árabes mais velhos - é costume dos árabes, “os árabes mais velhos deve ajudar os
mais novos sempre”. No começo foi difícil, ele veio sozinho e morou em pensão com
outros árabes e palestinos, não falava português, não entendi os costumes brasileiros,
mas foi aprendendo com os amigos e logo que conseguiu juntar dinheiro comprou sua
casa, e sua família saiu da Palestina para o Brasil.
Naturalizou-se brasileiro depois de quatro anos residindo no país, uma
escolha, pois chegou ao território brasileiro com visto permanente obtido na Turquia,
por onde teve que passar antes de embarcar para o Brasil, o carinho pela terra
brasileira o fez tomar esta decisão. Sobre questões de acesso a educação e saúde
pública, todos os membros de sua família recorrem por instituições privadas, jamais
teve problemas ao acesso de seus direitos.
Em 1984 se mudou para Corumbá, pois sua filha se casou e iria mudar para a
região, e segundo a tradição de sua terra “aonde os filhos vão, os pais vão atrás”, um
povo muito unido. O Ghagi não sabia nada sobre Corumbá, foi para cidade sem saber
como era, mas logo na estrada que ainda era de chão se deslumbrou com a beleza do
lugar, e disse que assim que viu, quis morar no Pantanal. Considera o povo
47 | P á g i n a
corumbaense receptivo, e a diversidade de nacionalidades na cidade o faz se sentir
acolhido. Logo que chegou a cidade abriu seu comércio, o qual seus filhos tomaram
gosto, e hoje tem lojas pela cidade, cada um com negócio diferente. Para terminar os
fatores que mantém o Ghagi na cidade é o sentimento de pertencimento ao local e a
presença da sua família.
b. Entrevista Nº2
O segundo entrevistado foi o Yahyar Muhd um comerciante de 66 anos e que
tem como país de origem a Palestina. Sua família (esposa, filhos e netos) está no Brasil
na cidade de Corumbá, ocupam a classe média da família brasileira e seus irmãos e tios
ainda vivem na Palestina e sempre que possível vai visita-los. Chegou ao Brasil em
1965 de navio, uma viagem de 25 dias, desembarcou no porto de Corumbá com a sua
mãe e irmãos, atrás de seu pai, onde já vivia há dez anos. Sua viagem seguiu da
Palestina, direto para a cidade. Suas maiores dificuldades no novo lar foram o idioma e
os costumes.
O pai de Yahyar Muhd veio para o Brasil por questões econômicas, uma
tentativa de melhorar a vida, começou como Mascate, e depois abriu seu comércio, o
qual hoje o Yahyar toma conta. Uma de suas irmãs também vive na região e seguiu os
passos de seu pai.
O Yahyar junto com sua mãe e irmãos chegaram com vistos permanentes que
conseguiram na Turquia, o que explica o motivo da população corumbaense em
denominar os palestinos de turcos, pois muitos têm em seu passaporte o visto da
Turquia, por onde conseguiram passar ao fugirem da guerra instalada na Palestina
naquele tempo. Ele não se considera refugiado, pois saiu apenas de sua terra para ir
atrás de seu pai, sendo assim um imigrante econômico. Atualmente ajuda amigos
sírios que estão fugindo da guerra na Síria.
Depois de dezessete anos vivendo no Estado, Yahyar se naturalizou, decidiu
isso por amor à nação. Para Yahyar e muitos palestinos o Brasil é o melhor destino, é
um país bom para se morar, tem uma beleza e um povo muito hospitaleiro, bem
diferente da França, EUA e Israel os quais os palestinos acreditam existir um racismo
forte aos árabes.
Seus filhos e netos e demais membros da família nunca tiveram problemas a
acesso a educação e saúde, pois optaram por instituições privadas, embora seus filhos
tenham cursado universidades federais, e seguiram outros caminhos profissionais.
Por fim Yahyar jamais pensa mudar da cidade, uma vez que seus amigos e
familiares vivem na região, e por ter sido conquistado pela paisagem do local.
c. Entrevista Nº3
O terceiro entrevistado optou por não se identificar, um comerciante de 48
anos, com o país de origem Palestina, atualmente naturalizado brasileiro, faz parte de
uma família de classe média e tem sua família (pais, esposa e filho) residindo na cidade
de Corumbá.
Chegou ao Brasil de navio, que desembarcou no porto de Santos em São
Paulo em 1977, em seguida foi para Corumbá com seus pais, na época era apenas uma
criança, seu pai decidiu isso influenciado pelos amigos que já moravam lá e que
poderiam ajudar a recomeçar sua vida. Toda sua família veio para o Brasil com visto
48 | P á g i n a
permanente, obtidos na Turquia. Seus pais decidiram sair da Palestina devido ao
conflito entre os palestinos e os judeus.
Sua chegada a Corumbá não representou tanto desconforto, pois já residiam
por lá muitas crianças palestinas, o que facilitou sua rápida interação com o lugar. Seu
pai assim como outros palestinos se tornou Mascate por um bom tempo até abrir seu
comércio.
A sua educação de seus irmãos foram em escolas particulares, e pouca vez
recorreu ao serviço público, opta pelo atendimento sempre que possível em hospitais
particulares. Ele se naturalizou após oito anos vivendo no Estado pelos mesmos
motivos dos outros entrevistados. Assim como os demais comerciantes árabes, ele
herdou o negocio do pai, e hoje coordena os negócios da família, e espera que seu
filho siga no ramo após terminar a faculdade.
Segundo o entrevistado ter vindo para Corumbá foi a melhor escolha, mesmo
ter cogitado a ideia de viver no Rio de Janeiro e em São Paulo. Atualmente ele não
pensa em mudar da cidade, pois é grato a terra que lhe deu a oportunidade de crescer,
ademais a simplicidade do povo, a facilidade para se viver na cidade e as amizades
conquistadas, fazem do lugar aconchegante.
d. Entrevista Nº4
O quarto entrevistado preferiu não se identificar, um jovem estudante de 17
anos, e seu país de origem é a Arábia Saudita. Chegou ao Brasil em 2009 de avião,
embarcou em Abu Dhabi e chegou ao Brasil em São Paulo, de lá embarcou em outro
avião até Campo Grande de onde seguiu de ônibus para Corumbá. Naturalizou-se
brasileiro no mesmo ano que chegou, sua mãe é brasileira casada com um árabe, que
por muitos anos viveu com seu marido na Arábia Saudita, mas voltou a sua terra natal
em 2009 na companhia de seu filho.
Antes de se mudar definitivamente, ele tinha visitado a cidade em 2001 nas
férias. Sua mãe tratou de providenciar seu visto permanente ainda na Arábia Saudita
junto à embaixada brasileira situada no país, sendo assim decidiu se naturalizar por
vontade própria. A única dificuldade ao chegar à região foi o idioma, pois sabia fala
pouco o português, mas como a família de sua mãe é brasileira, o convívio permitiu
que aprendesse rápido.
A sua família é de classe média e possuem um pequeno negócio na cidade.
Frequenta escola pública, e sempre que precisa procura hospitais públicos, sua opinião
sobre o atendimento de ambos é positiva. Embora tenha uma sugestão para o
atendimento aos imigrantes; ele verificou uma carência de interpretes no hospital,
segundo ele facilitaria o atendimento de imigrantes se houvesse intérpretes.
Por fim sua permanência no local se dá pela presença da sua mãe e a família
dela, todavia cultiva apreço pelos encantos do Pantanal, e acredita que é uma das mais
belas paisagens que já viu na vida, e não pensa deixar pra trás esse cenário.
e. Entrevista Nº5
O último entrevistado é o Bassem Hussein, comerciante de 56 anos, com o
país de origem Palestina, que tem toda sua família (esposa e filhos) vivendo na cidade
de Corumbá, e pertence à classe média brasileira. Veio para o Brasil em 1968 de navio,
desembarcando diretamente no porto geral de Corumbá. O motivo pelo qual deixou
sua terra foi à mudança de seus pais que buscavam novos lugares para ser
49 | P á g i n a
conquistados. Bassem não sabia nada sobre o novo lar, já seus pais tinham escutado
de amigos sobre como o local estava prosperando e como poderia ser um lugar para o
recomeço de suas vidas, e devido a isso embarcaram na viagem.
Tanto Bassem quanto seus pais e irmãos vieram para o Brasil com visto
permanente obtido na Turquia, contudo em 1986 ele decidiu se naturalizar. Suas
dificuldades ao chegar ao Brasil foram saudades do lar e o idioma. Seu pai assim como
os outros palestinos começou a trabalhar de mascate até poder abrir seu próprio
negócio, e contou com a ajuda dos árabes mais velhos. Bassem e seus irmãos
frequentaram escolas particulares, e alguns fizeram faculdade, Bassem iniciou o curso
de Engenharia Elétrica em São Paulo, mas não terminou o curso, e hoje segue os
passos de seu pai trabalhando no comércio. Em questão de saúde, similar aos outros
entrevistados busca atendimento em hospitais particulares.
Sua permanência na cidade está relacionada com o laço que se formou ao
longo dos anos, a tranquilidade é a maior qualidade que ele verifica na cidade, além
das diferentes nacionalidades que residem nela e constrói uma comunidade parceira, e
a presença dos seus filhos e o comércio que estabeleceu.
Os entrevistados apresentaram o perfil de pessoas positivamente
selecionadas, enxergaram no comércio a oportunidade, e hoje ganham muito mais que
alguns brasileiros e outros imigrantes, e através disso alcançaram a classe media
brasileira, conquista obtida sem ajuda de nenhuma instituição de apoio.
6. INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
50 | P á g i n a
que fazem divisa com o território brasileiro e não possuem disponibilidades de
hospitais.
Não só os bolivianos buscam atendimentos na Santa Casa, muitos mochileiros
colombianos, chilenos, argentinos e outros buscam o serviço publico de saúde.
Atualmente os que têm buscado atendimento com frequência são os sírios, muitos são
refugiados ou solicitantes de refúgio, que na maioria das vezes tem desentendimentos
na rua, por não saberem falar português, são mal compreendidos e vítimas da
violência urbana. A maioria dos sírios são amigos dos palestinos e árabes da cidade,
como o Yahyar Muhd que abriga alguns amigos sírios refugiados.
Os primeiros problemas enfrentados no atendimento aos imigrantes é o
idioma, alguns chegam sem acompanhantes e nem todos os profissionais sabem falar
outro idioma a não ser português e o espanhol – aprendido com a convivência com
bolivianos. Os sírios sofrem com a carência de intérpretes no hospital, e os
profissionais para atendê-los recorrem à comunicação gestual e verificação do estado
físico do paciente para poder prestar os primeiro socorros, apesar de que alguns sírios
contam com a ajuda de amigos árabes da cidade, que os encaminham ao Pronto
Socorro e repassam todas as informações para os enfermeiros e médicos do hospital.
O contato com familiares do paciente é mais uma das dificuldades, alguns
estão sozinhos na cidade ou apenas de passagem, tornando difícil a comunicação com
algum parente do paciente, este problema é frequente com sírios, chilenos,
argentinos, colombianos e outras nacionalidades, já os bolivianos chegam com
familiares, mas estes vão embora assim que o paciente precisa ser internado, vão sem
deixar nenhum contato, o que dificulta no caso de avisar que o paciente teve alta,
precisa ser transferido para Campo Grande ou até mesmo entra óbito. Já teve caso de
óbito, o qual não se conseguiu achar familiares, e o corpo foi enterrado com indigente.
Em casos assim a assistência social em parceria com policia federal e consulado do
respectivo país, buscam os familiares, mas nem sempre obtém resultados positivos,
como no caso acima.
O hospital requer algumas melhorias, principalmente para os imigrantes,
como a presença de intérpretes e de um sistema de informação avançado, que possa
detalhar as nacionalidades, o perfil do imigrante e contato de familiares. Mesmo que
haja reclamações sobre o atendimento, este nunca é negado ao um imigrante, mesmo
que não possua documentos, o que geralmente ocorre, ele é atendido primeiramente
no Pronto Socorro e se requer um acompanhamento médico é direcionado a Santa
Casa, não é negado internação a ninguém, seja brasileiro ou estrangeiro. Outros
desafios enfrentados pela instituição surgem quando é necessária a transferência do
paciente para a Santa Casa de Campo Grande, quando o tratamento requer recursos
avançados, se não há documentos não é possível à transferência, pois o sistema no
hospital da capital só aceita a internação com os devidos documentos, cartão do SUS,
Rg, CPF e no caso dos estrangeiros o RNE, fato similar que ocorre nos atendimentos
em postos de saúde.
Para finalizar a entrevista Andreia fala das mudanças que precisam ocorrer na
saúde pública. Segundo ela, o Ministério da Saúde deve enxergar mais as cidades
fronteiriças, observar que o fluxo é alto e que precisa de um serviço mais elaborado,
algo que possa fazer com que as transferências sejam possíveis a estrangeiros
indocumentados, um sistema que burle essas exigências, e que haja mais verba para o
atendimento aos imigrantes.
51 | P á g i n a
b. Albergue da Fraternidade – Jose Lins
Os imigrantes entrevistados comentaram sobre como foi a sua chegada a
capital do Pantanal, onde na época não contaram com ajuda de instituições públicas
para abriga-los, a maioria contou com o acolhimento de amigos - os árabes mais
velhos, porém atual realidade sofreu mudanças, transformações boas. Hoje a cidade
conta com o Albergue da Fraternidade – Jose Lins, instituição mantida pela prefeitura
de Corumbá que acolhe moradores de rua.
O albergue possui duas alas, a masculina e feminina, onde cada um possui 13
(treze) camas. Na instituição o abrigado conta com o apoio de uma psicóloga,
assistente social e médicos, além de monitores e um vigia na parte da noite. Visitas
podem ser feitas a partir das 14h30min da tarde e o albergue não fecha durante a
noite, sempre de portas abertas caso alguém precise de abrigo.
A instituição é parceria da Pastoral Da Mobilidade Humana, oferecendo o
serviço de abrigo aos imigrantes que chegam à cidade sem nenhum dinheiro. Essa
visita a instituição ocorreu em outubro de 2014, e só havia um imigrante boliviano na
casa, todavia em junho do mesmo ano, três solicitantes de refugio foram acolhidos
pela casa, no tempo de um mês até obterem a carteirinha de refugiado. Pela casa já se
passaram diversas nacionalidades, assim como diferentes casos de imigração. Nos
gráficos abaixo estão os dados de quantidade e os países pertencentes aos imigrantes
que passaram pela casa entre os anos de 2012 a 2014. O publico alvo dessas migrações
são homens na faixa etária de 18 a 40 anos.
Figura 1 Quantidade de imigrantes que passaram pelo albergue em 2012. Total de 105 pessoas
52 | P á g i n a
Figura 2 Quantidade de imigrantes que passaram pelo albergue em 2013. Total de 192 pessoas.
Figura 3 Quantidade de Imigrantes que passaram pelo albergue de janeiro a abril de 2014. Total de 32
pessoas.
7. SOCIEDADE CIVIL
53 | P á g i n a
a. Pastoral da Mobilidade Humana
A Igreja Nossa Senhora de Fátima é uma das mais antigas igrejas católicas da
cidade de Corumbá, ela conta com algumas pastorais que ajudam a população carente
da cidade, e uma dessas pastorais amparam imigrantes que chegam desorientados na
cidade. O trabalho da pastoral sobrevém dos ensinamentos de Scalabrini, padre
Agostinho Betu responsável pela paróquia de Nossa Senhora de Fátima, contou a
história por trás desse projeto.
Na Itália no final do século XIX milhares de italianos começaram a deixar suas
terras e embarcar para as Américas em busca de uma vida melhor. Em meio ao alarme
das viagens o D. João Batista Scalabrini ficou comovido ao ver muitos camponeses
tristes na estação ferroviária de Milão, esperando o trem que os levaria para os portos
para embaraçar nos navios. Após ver aquela cena, Scalabrini quis entender os motivos
e os sentimentos de cada migrante ali, e para isso decidiu fundar algumas casas de
apoio, as quais abrigaram muitos imigrantes desamparados, permitindo orienta-los e
acolhe-los como membro da família. Os ensinamentos do bem-aventurado Scalabrini
se estenderam as Américas. A sua boa ação lhe valeu o titulo de “Apostolo dos
migrantes”, que em 1997 foi nomeado de Bem- Aventurado pelo papa João Paulo II.
Scalabrini conquistou missionárias e missionários, os quais deram
continuidade ao seu trabalho de acolhimento a migrantes, seu trabalho foi se
ampliando pelo mundo, e hoje é conhecido em várias partes do mundo. A missão é
colocar-se a serviço do imigrante, para acolhê-lo e caminhar com ele, lado a lado, nas
estradas do mundo. Os Scalabrinianos chegaram à cidade de Corumbá no ano de 1998,
devido a fronteira, para acompanhar os migrantes, e não permitir que percam sua
cultura, identidade e fé.
A Pastoral se mantém a base de ajudas, não há uma parceria com a prefeitura
da cidade, nem ajuda do Estado. A visita a pastoral ocorreu em 2014 e quem estava
responsável no momento era o padre Marco Antônio. A direção da pastoral sofre
constantemente com a mudança do padre responsável, e devido isso alguns
documentos podem se perder, mas para evitar esse problema o João responsável pela
tradução de documentos e o mais velho na coordenação, armazena todos os casos já
atendidos pela instituição.
Os casos mais vivenciados pela casa são de narcotráfico, tráfico de pessoas,
indocumentados ou documentos falsos. Os aliciadores são os responsáveis pela
produção destes documentos falsos, e as pessoas os procuram, porque esperam
encontrar no Brasil uma qualidade vida melhor. Essas pessoas são apreendidas pela
Policia Federal, mas o fluxo da entrada destes é facilitado pela fronteira seca entre
Corumbá e a Bolívia. A pastoral lida com muitos casos de pedidos de refúgio, que na
maioria vem dos colombianos que fogem das ameaças das FARCs. A instituição orienta
e da assistência ao solicitante de refugio para obter o pedido aceito, para isso eles
acompanham os imigrantes nas entrevistas com a Polícia Federal e Receita Federal,
buscam primeiramente ver a veracidades das informações repassadas pelo solicitante
e depois acompanhá-los nas entrevistas.
Casos de asilo são poucos, o ultimo caso desse tipo foi do ex-prefeito de
Puerto Quijarro, que por desentendimento político foi ameaçado e perseguido em sua
cidade, e atualmente reside em Corumbá.
54 | P á g i n a
Uma das maiores dificuldades passadas pela pastoral é a questão dos idiomas,
pois há uma carência de interpretes, os membros da pastoral possuem o inglês e o
espanhol como idiomas complementares, mas isso não é suficiente, pois a diversidade
de nacionalidades atendidas supera a capacidade dos membros da pastoral, é nesse
momento que entra em ação os amigos dos membros, servindo de interprete ao
imigrante, do qual ele conhece o idioma.
A pastoral busca integrar o imigrante a sociedade, após ajuda-lo a se
regularizar no Brasil, auxiliam o imigrante na busca de um trabalho. Como exemplo
tem um egípcio atualmente trabalhando em uma das embaixadas em Brasília,
conseguiu o trabalho com ajuda da casa.
Por fim, os anos de trabalho da Pastoral da Mobilidade Humana na cidade de
Corumbá permitiram a muitos migrantes um lar, ajudaram com pedidos de refúgios, os
quais no total quinze foram concedidos, e muitos imigrantes econômicos e ambientais
conseguiram se regularizar no Brasil. A pastoral da cidade de Corumbá recebe
imigrantes o ano todo, e esses chegam orientados pelo trabalho dos scalabrinianos
realizados ao redor do mundo. O que se deseja é que nenhum migrante sofra mais
violência física nem psicológica ao migrar, porque todos têm o direito de sair de sua
terra a ela retornar.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
55 | P á g i n a
suficiente, logo o número aumentará e o acolhimento dos amigos já não comportará
todos, e as instituições precisam estar prontas para acolher, orientar e inserir esses
novos moradores.
Por fim a cidade se tornou ao longo dos anos um berço que acalentou muitos
imigrantes, as oportunidades de negócios impulsionaram a migração para o local, e
ainda hoje é foco de imigrantes, em busca dessas chances. Os árabes conseguiram
avistar as oportunidades, e com as suas habilidades erguerem suas historias, um povo
empreendedor, que pode ser considerado positivamente selecionado, isto quer dizer,
que eles pertencem ao grupo de pessoas ativas no mercado, e que recebem mais
dinheiro do que brasileiros natos ou outros imigrantes. Mas isso ocorre porque são
determinados, e meio a dificuldade do novo lar, construíam seus negócios.
REFERÊNCIAS
CORRÊA, L. S.; BRAZIL, M. D. C. Escravos: conflito e violência em Corumbá. História, São Paulo,
v.10, p.145, 1991.
FIBGE. Censos Demográficos de 1920, 1940, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000.
GRAHAM, D.; HOLANDA, S. B. Migration, regional growth and urban development in Brazil.
Instituto de Pesquisas Econômicas. Universidade de São Paulo, 1971.
56 | P á g i n a
Albergue da Fraternidade – Jose Lins;
Pastoral da Mobilidade Humana;
Santa Casa de Corumbá;
Comerciantes Árabes.
57 | P á g i n a
COTAS PARA REFUGIADOS NAS
UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: UMA
JUSTIFICAÇÃO A PARTIR DO DIREITO
QUOTAS FOR REFUGEES IN BRAZILIAN UNIVERSITIES: A JUSTIFICATION FROM
THE LAW
Danielle Annoni1
Guilherme Athaides Guimarães2
Yara Maria3
Papa Francisco
1
Doutora em Direito Internacional pela UFSC. Professora de Direito Internacional da UFPR. Titular da
Cátedra Sérgio Vieira de Mello pela UFSC.
2
Graduando do curso de direito da UFPR.
3
Graduanda do curso de direito da UFPR.
58 | P á g i n a
Palavras-chave: Refúgio; Cotas educacionais; Integração social.
1. INTRODUÇÃO
4
A Resolução nº 17 do CONARE, de 20 de setembro de 2013, com prazo de vigor de 2 anos, regulou a
concessão de vistos especiais, por razões humanitárias, a indivíduos afetados pela Guerra Civil Síria que
objetivam buscar refúgio no Brasil. Recentemente, em 21 de setembro de 2015, pela Resolução nº 20 do
CONARE, foi prorrogada a concessão destes vistos pelo período de mais 2 anos.
5
Em decorrência do agravamento da situação de vida da população haitiana em razão do terremoto
ocorrido naquele país em janeiro de 2010, a Resolução nº 97 do CNIg, de 12 de janeiro de 2012, veio
regulamentar a concessão anual de 1200 vistos permanentes por razões humanitárias pela embaixada
brasileira em Porto Príncipe aos nacionais do Haiti. No entanto, em abril do ano seguinte, por meio da
Resolução nº 102 do CNIg, este limite de vistos anuais foi retirado. A Resolução nº97 vem sendo
sucessivamente prorrogada, de forma que em 2013, seu prazo inicial de 2 anos foi estendido por mais
59 | P á g i n a
vulneráveis na atualidade. Ademais, o Estado brasileiro é signatário de uma gama de
tratados que proíbem a discriminação contra pessoas de outras nacionalidades e,
inclusive, que também preveem que sejam adotadas ações afirmativas para promover
a redução da discriminação e maior integração econômico-social desses indivíduos na
sociedade.
Com o aumento do fluxo de refugiados para o Brasil, algumas universidades,
tanto da rede pública como da rede privada de ensino, vêm facilitando o acesso de
refugiados ao ensino superior. Esta ação tem sido bem recebida por parte da
sociedade, uma vez que promove a maior integração dessas pessoas e fomenta a
diversidade nas universidades.
Nesse sentido, este artigo tem por objetivo demonstrar que a adoção de cotas
para refugiados pelas universidades brasileiras representa um meio pelo qual o Estado
age conforme o Direito e que, portanto, é oportuno que ele incentive essa postura por
parte das instituições de ensino. Para melhor abordar essa questão, o artigo está
dividido em três partes. Na primeira seção, será brevemente analisada a formação do
instituto do refúgio no Direito Internacional e a sua progressiva adoção pelo Brasil. Na
segunda parte, será examinado o funcionamento do mecanismo de cotas para
refugiados nas universidades e quais são as instituições que o adotam. Na última
parte, serão analisados os argumentos jurídicos que apoiam a tese de que a adoção de
cotas para refugiados pelas universidades é uma conduta amparada e incentivada pelo
Direito. Nesta parte, serão elencados dispositivos, nacionais e internacionais, bem
como argumentos jurídicos que corroboram com essa tese.
um ano pela Resolução nº 106 do CNIg, e, em 9 de dezembro de 2014, ela foi mais uma vez prorrogada
até outubro de 2015, por meio da Resolução nº 113 do CNIg.
6
Dentre esses direitos, pode-se indicar o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal, a não ser
submetido a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
60 | P á g i n a
perseguido no seu próprio Estado de origem (Araújo e Barichello 2014: 64). Os
Tratados das Minorias, desenvolvidos no âmbito da LDN, estão no cerne dessa
compreensão, uma vez que conferiam à Liga, e não aos governos, a responsabilidade
pela proteção das diferentes nacionalidades residentes nos países, seja porque elas
ficaram sem Estado próprio ou seja porque elas acabaram dele separado, devido,
sobretudo, aos conflitos, internos e externos, que ocorriam na Europa naquele período
(Arendt 1985: 272). Em um segundo momento, por conta da ascensão, sobretudo ao
longo da década de 1930, de movimentos como o Nazismo, que tinha como um de
seus objetivos a perseguição em massa e o extermínio de determinados seguimentos
da população, a aplicação do instituto do refúgio passou por mutações. James C.
Hathaway (apud Carneiro 2007) aponta que, entre 1935 e 1939, desenvolveu-se o
“critério social” de aplicação do instituto, que objetivava proteger as pessoas, não em
razão da sua nacionalidade ou origem étnica, mas unicamente pela situação de
vulnerabilidade em que se encontravam diante de determinados acontecimentos
políticos e sociais. Houve uma ampliação na definição de refugiado, pois deixou-se de
exigir o pertencimento a determinado grupo social para que o sujeito o fosse
considerado. Não obstante, até o final da década de 1930, os refugiados ainda eram
coletivamente contemplados. Foi somente a partir do final da década de 1930 e início
da de 1940 que os refugiados passaram a ser individualmente considerados, ou seja,
caso a caso, conforme a realidade vivenciada por cada um (Araújo e Barichello 2014:
69-71).
Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, por iniciativa da Assembleia Geral
das Nações Unidas foi criada a Organização Internacional dos Refugiados (OIR), através
da Resolução nº 62 (I)-I, de 15 de dezembro de 1946. Suas funções eram garantir a
repatriação, o reassentamento, bem como a identificação, a assistência, o transporte e
a proteção jurídica e política de pessoas refugiadas e deslocadas. No entanto, em
dezembro de 1949, a Assembleia Geral das Nações Unidas decidiu substituir a OIR pelo
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que foi inicialmente
estabelecido como um órgão dela subsidiário. O trabalho do ACNUR, porém, só se
iniciou em 1951, contando com um staff de apenas 33 pessoas e um orçamento de
US$ 300.000. Naquele mesmo ano, foi estabelecida a Convenção de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados de 19517, único instrumento vinculante de proteção de
refugiados na atualidade, que, apesar de se focar mais na definição do status de
refugiados que em soluções para o problema, contribuiu fundamentalmente ao
fornecer uma definição global de refugiado (Feller 2001: 584). Este se tornou aquele
indivíduo que se encontra fora do país de sua nacionalidade e não pode, ou não quer,
a ele retornar por recear ser perseguido por razões de raça, religião, nacionalidade,
filiação a determinado grupo social ou por suas opiniões políticas.
Na Convenção de 1951, porém, havia duas limitações ao conceito de
refugiado. Uma de ordem geográfica, outra de ordem temporal, já que refugiados
eram apenas aqueles que haviam sido vítimas de acontecimentos ocorridos na Europa
antes de 1º de janeiro de 19518. Posteriormente, em 1967, um Protocolo Adicional a
essa Convenção removeu a barreira temporal9.
7
Esta Convenção foi promulgada no Brasil por meio do Decreto 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Na
ocasião, foram feitas reservas aos artigos 15 e 17.
8
A Convenção, não obstante, permitia aos Estados refutar desde já a limitação geográfica, já que
estavam disponibilizadas duas formulas precisando o alcance do termo refugiado, uma que o restringia
61 | P á g i n a
Deve-se observar, entretanto, que não é somente por conta de raça, religião,
nacionalidade ou filiação política ou social que determinada pessoa é perseguida. Os
governos e as sociedades latino-americanos tiveram tato para perceber isto. Foi nesse
sentido que um grupo de juristas e governos reuniram-se em um colóquio na cidade
de Cartagena das Índias, Colômbia, em 22 de novembro de 1984, e redigiram a
Declaração de Cartagena, documento que recomendava aos Estados, para além da
adoção da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, a extensão do conceito de
refugiado para abranger também pessoas que fugiram de seus países por temerem
que sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela a “violência
generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos
direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a
ordem pública”.
Apesar do Brasil ter promulgado a Convenção de 1951 em 1961, foi só no final
da década de 1970 que se desenvolveu uma efetiva política de acolhimento a
refugiados em território brasileiro, como observa Carina Soares (2012: 86). Luiz
Barreto (2010: 17) ressalta que a década de 1970 foi marcada por regimes ditatoriais
por quase toda América do Sul, os quais forçaram a saída de milhares de pessoas para
o exterior. Durante o regime ditatorial brasileiro, não houve o desenvolvimento de
uma política de proteção de refugiados, pois, naquele momento, eram os brasileiros
que se refugiavam no exterior10. Não obstante, havia sim pessoas de países vizinhos,
muitas vezes desprovidas de meios para realizar uma viagem maior, que vinham
buscar abrigo no Brasil. As Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e de São Paulo,
desde 1975, assumiram a vanguarda no acolhimento dessas pessoas.
Com a redemocratização, na década de 1980, o fluxo de refugiados para o
Brasil aumentou consideravelmente. Embora já houvesse presença do ACNUR em
território nacional, foi somente em 1982 que ela foi oficialmente reconhecida pelo
governo brasileiro. O Brasil, porém, ainda não havia abandonado de jure a reserva
geográfica da Convenção de 1951, de forma que só conferia o status de refugiado a
europeus, mesmo que já tivesse acolhido pessoas que se enquadravam na condição de
refugiados, sem a elas atribuir esta qualidade. Foi somente em 1989, por meio do
Decreto nº 98.602, que o Brasil levantou a barreira geográfica, retirou suas reservas
aos artigos 15 e 1711 e aderiu aos preceitos de Cartagena (Andrade e Marcolini 2002:
169-170).
Interessante observar que, até o início da década de 1990, poucos eram os
refugiados de jure presentes no Brasil. Muitos chilenos, paraguaios, colombianos,
bolivianos e argentinos chegaram ao país, mas acabaram sendo reassentados para
outros países, por aqui não serem reconhecidos como refugiados. Esta situação,
62 | P á g i n a
porém, não demorou a mudar. No fim de 1992, cerca de 1.200 angolanos, fugindo da
guerra civil em seu país, chegaram ao Brasil, único país que lhes concedia visto de
turista, solicitando refúgio. Cabe destacar que esses angolanos não se enquadravam na
definição clássica do termo de refúgio apresentada pela Convenção de 1951, já que
não sofriam perseguição, mas o governo brasileiro deu um passo à frente, adotando a
definição de refúgio propugnada pela Declaração de Cartagena (Andrade e Marcolini
2002: 169-170).
No entanto, ainda faltava ao país uma lei regulamentando o refúgio. Em 1996,
o Presidente Fernando Henrique enviou ao Congresso, juntamente com Plano Nacional
de Direitos Humanos, o Projeto de Lei sobre Refugiados. O texto, elaborado com
auxílio do ACNUR, foi promulgado em 22 de julho de 1997 por meio da Lei nº 9.474,
mais conhecida como o Estatuto do Refugiado (Andrade e Marcolini 2002: 170). Juan
Carlos Murillo González (2010: 52) aponta que esta lei assumiu uma posição de
vanguarda no continente latino-americano, uma vez que, além de tomar a proteção
internacional dos refugiados como uma política de Estado, adotou uma definição de
refugiado ampla, conforme a Declaração de Cartagena, criou um órgão próprio
(CONARE) para tratar de matérias relacionadas a refugiados – o qual conta, na sua
constituição, com representantes da sociedade civil –, regulamentou direitos e
obrigações dos refugiados, previu assistência administrativa aos refugiados e buscou
soluções duradouras para políticas de reassentamento. É por conta destas e outras
contribuições que, como aponta Luiz Barreto (2006: 38), a Lei do Refúgio brasileira é
“considerada pela ONU uma das mais modernas do mundo.”.
Desde então, tem-se observado o desenvolvimento de uma política nacional
de acolhimento, da qual todos os entes federativos participam. Apesar de estar a cargo
da União a determinação do status de refugiado, os estados e municípios não são
impedidos de participar das questões de integração e proteção dos mesmos, de tal
modo que Comitês regionais vêm sendo instituídos, como o Comitê Estadual de
Refugiados (CER), em novembro de 2007, e o Comitê Intersetorial Estadual de Políticas
de Atenção aos Refugiados (CIEPAR), em dezembro de 2009, respectivamente, em São
Paulo e no Rio de Janeiro (IKMR).
O desenvolvimento de regulações nacionais que se preocupam com o bem-
estar dos refugiados somado à intensificação dos conflitos e situações que colocam as
pessoas em estado de vulnerabilidade nos seus países de origem provocaram uma
considerável alteração no quadro de refúgio no Brasil nos últimos anos. Segundo
levantamento feito pelo ACNUR (2014) com base nos dados do CONARE, aumentou
em 930% do número de pedidos de refúgio entre os anos de 2010 e 2013. Além disso,
no ano de 2014, o CONARE reconheceu 1.320 pedidos de refúgio a mais em relação ao
ano de 2013.
Cabe ressaltar que o aumento do número de refugiados no Brasil foi
acompanhado da mudança de perfil dos mesmos. Até 2012, os colombianos
correspondiam à maioria dos solicitantes de refúgio no território brasileiro;
entretanto, sucedeu uma queda dos pedidos dos mesmos e acréscimo por parte do
dos sírios, os quais, apenas em 2014, registraram cerca de 1.070 solicitações. Esse
cenário se deu devido à aprovação pelo CONARE da Resolução Normativa nº 17, em
outubro de 2013, cujo objetivo foi desburocratizar a emissão de vistos humanitários
aos cidadãos sírios, em razão da Guerra da Síria e à crescente busca de refúgio por
parte dos deles no Brasil. Segundo relatório do CONARE, o grupo sírio se tornou o
63 | P á g i n a
maior entre os refugiados no Brasil no ano de 2014, com um crescimento de cerca de
9.000% em comparação a 2011 (ACNUR 2014).
Esses dados apontam para a tendência do Brasil de se afirmar cada vez mais
como um país acolhedor e de adotar progressivamente mais mecanismos que
favoreçam a vinda de refugiados para território brasileiro. É nesse sentido que a
adoção de políticas afirmativas, voltadas à integração dos refugiados à economia e à
sociedade brasileiras assumem imprescindível importância.
64 | P á g i n a
atendiam a cursos universitários nos mesmos. Dessa maneira, a atitude tomada pela
UFGRS seria uma forma de retribuição a esse acolhimento.
É importante ressaltar que algumas universidades, apesar de ainda não
possuírem cotas destinadas exclusivamente à população de refugiados, já contam com
estudantes nessas condições em suas salas de aula. Este é o caso da síria Lusia Luxsa,
estudante universitária que, por conta da guerra, precisou deixar seu país após a
destruição de sua antiga faculdade em Aleppo, na Síria (Terra 2014). Desde 2014, Lusia
cursa arquitetura na Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo a primeira
refugiada a ingressar na instituição.
No final de 2013, foi criado na UFPR o projeto de pesquisa e extensão
"Migrações, Refúgio e Hospitalidade" composto por vários setores da universidade e
coordenado, no setor de ciências jurídicas, pelo professor José Antonio Peres Gediel. O
projeto, dentre outras atividades, fornece aulas de português e informática e apoio
jurídico para refugiados. No âmbito deste último, desde 2014 têm sido feitos processos
de reingresso na universidade12 e de revalidação de diploma. As normas de revalidação
e reingresso se destinam a migrantes em situação regular no Brasil, portadores de
visto ou protocolo de refúgio.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) possui um projeto com
a mesma base que o projeto de extensão da UFPR, o Grupo de Assessoria a Imigrantes
e Refugiados – GAIRE (UFRGS). Este, que iniciou suas atividades em 2007
(originalmente destinado apenas a refugiados, atendendo pelo nome de GARE),
assume uma característica multidisciplinar, contando com a atuação de estudantes da
instituição das mais diversas áreas, com o objetivo de oferecer assessoria jurídica e
social a refugiados e imigrantes.
Em paralelo às universidades brasileiras, instituições ao redor do mundo
também vêm tomando providências para facilitar o ingresso de refugiados no ensino
superior. Este é o caso da University of Canberra (UC), na Austrália, que possui um
programa de bolsas para migrantes e refugiados que oferece AUD$ 2,000 ao ano para
estudantes de graduação da universidade (University of Canberra). Para concorrer a
uma das 4 bolsas ofertadas pela UC, o interessado deve se encaixar em uma das
situações acima, comprovar baixa renda e possuir um documento homologado que
relate como a bolsa contribuiria em seus estudos.
Além das iniciativas por parte das próprias universidades, organizações
públicas e privadas têm se reunido visando angariar fundos para que refugiados ao
redor do mundo possam ter acesso à educação superior. Em 1992, o governo alemão
fundou a Iniciativa Alemã para Refugiados Acadêmicos Albert Einstein, visando apoiar
a educação de refugiados ao redor do mundo (UNHCR). O programa, que possui cerca
de 2000 bolsistas, expandiu-se devido à parceria com o ACNUR, tendo sua presença
em cerca de 40 países (Sibum 2014). Seu objetivo é fornecer apoio à educação de
pessoas na condição de refúgio, garantindo bolsas em universidades, escolas técnicas e
faculdades nos países nos quais elas residem. Desde 2008, o programa passou a
oferecer educação nos países de origem dos refugiados, para aqueles repatriados.
12
Este processo é regulado pela Resolução Nº13/14-CEPE, vigente desde 6 de julho de 2014, que,
levando em conta a sua situação desfavorável, facilita ao refugiado o reingresso no ensino superior em
um dos cursos da UFPR, sendo que o mesmo deve ter correspondência com o curso por ele iniciado no
país de origem. Para a solicitação ser aceita, deve ser apresentada documentação que comprove o início
de curso acadêmico na instituição de origem e a regularidade no país.
65 | P á g i n a
Outro exemplo é o da Said Foundation, também parceira da ACNUR, que
apoia financeiramente bolsas destinadas a cobrir mensalidades de refugiados sírios na
Jordânia e no Líbano desde setembro de 2014. Até o momento, 100 estudantes foram
contemplados com o auxílio, sendo 40 na Jordânia e 60 no Líbano (Said Foundation
2014).
Medidas como essas mostram a importância da inserção desses grupos de
migrantes que se encontram em situação de vulnerabilidade. Para a concretização
desse objetivo, a educação superior representa um meio de facilitar a integração dos
refugiados à nova sociedade que eles passaram ser parte. Sendo assim, o acesso à
universidade deve ser uma garantia, não um privilégio.
66 | P á g i n a
garante tanto aos brasileiros como aos estrangeiros residentes a inviolabilidade do
direito à igualdade. No entanto, nos últimos anos, a noção de igualdade no direito
sofreu um revés para melhor responder à realidade presente. Como aponta Walter
Rothenburg (2008: 78), “a igualdade não é encontrada espontaneamente na sociedade
[...] As pessoas são diferentes”. Assim, as pessoas devem ser reconhecidas nas suas
diferenças, nas suas peculiaridades. O Direito pode servir tanto para manter situações
de privilégio, como pode oferecer um tratamento diferenciado que promova a
igualdade material. Na atualidade, essa dimensão de reconhecimento das diferenças
materiais entre os indivíduos está se afirmando. O Direito, em algumas situações,
passou a tratar os indivíduos de maneira desigual, considerando suas condições reais,
a fim de realizar uma discriminação positiva voltada a corrigir as desigualdades reais
presentes no tecido social.
Os refugiados não estão isentos desse conceito. Por sua condição desigual,
devem ser positivamente discriminados para que se possa promover a isonomia entre
eles e os demais membros da sociedade. Nesse sentido, o uso de cotas para refugiados
em universidades públicas vai de encontro ao reconhecimento da situação de
vulnerabilidade e desigualdade na qual eles se encontram
A Constituição Federal, em seu art. 206, I, aponta que o ensino no Brasil deve
ser ministrado com base no princípio da “igualdade de condições de acesso e
permanência na escola”. Além disso, no art. 208, V, aponta que a educação fornecida
pelo Estado deve garantir “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Vê-se que a Constituição, em seu
texto, combina a igualdade de acesso com a meritocracia. No entanto, não se trata de
uma igualdade de acesso meramente formal. Como observa o Ministro Ricardo
Lewandowski (2009: 13) no julgamento da ADPF 186, que dispõe sobre cotas étnico-
raciais para ingresso em universidades públicas, “o constituinte buscou temperar o
rigor da aferição do mérito dos candidatos que pretendem acesso à universidade com
o princípio da igualdade material que permeia todo o Texto Magno.”. Dessa forma,
para promover a igualdade de acesso, deve-se considerar as condições materiais de
cada um, afastando-se, portanto, uma concepção de igualdade formal cega à realidade
presente.
A Constituição, nesse sentido, não faz discriminação entre brasileiros e
estrangeiros, uma vez que garante condições equânimes de igualdade entre eles.
Dessa forma, não há vedação para que sejam adotadas cotas para refugiados nas
universidades públicas. Por outro lado, também não há na Constituição uma
determinação legal expressa determinando que cotas sejam adotadas, tanto para
nacionais quanto para estrangeiros. As universidades públicas brasileiras são
autarquias federais e, portanto, gozam de autonomia13. São elas que, respeitadas as
determinações legais, dispõem sobre suas políticas de cotas.
Muito embora não haja a previsão de cotas para refugiados na Constituição, a
Lei 9.474/97, Lei do Refúgio, aproxima-se um pouco mais desse ideal. Ao tratar da
integração local dos refugiados, dispõe no seu art. 44 que:
13
Conforme o art. 5º do Decreto Lei nº 200 DE 1967, autarquia é “o serviço autônomo, criado por lei,
com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da
Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada.”.
67 | P á g i n a
O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para a obtenção
da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de todos
os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação
desfavorável vivenciada pelos refugiados. (grifo nosso).
6. DIREITO INTERNACIONAL
14
Importante observar, nesse sentido, que a Constituição de 1988 consagrou, em seu art. 4º, inc. II e IX,
que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, respectivamente, pelo
princípio da “prevalência dos direitos humanos” e da “cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade”.
68 | P á g i n a
disso, os direitos e garantias consagrados em tratados internacionais são incorporados,
ipso jure, ao rol de direitos e garantias constitucionais (Cançado Trindade 2006: 228-
229). A isto, soma-se a aplicabilidade imediata desses direitos e garantias, por força do
artigo 5º, §1º. Como elucida Flávia Piovesan (2013: 143):
15
Art. 5º, § 3º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”.
16
O RE foi interposto por Instituição Financeira contra acórdão do TJ-SP que havia firmado
entendimento no sentido da inconstitucionalidade da prisão civil do devedor fiduciante em contrato de
alienação fiduciária em garantia, em face do que dispõe o art. 5º, LXVII, da CF.
17
Diz-se supralegalidade e não constitucionalidade pois, o STF pode declarar a inconstitucionalidade de
tratado internacional. Segundo o art. 102, III, (b), da CF, compete ao STF julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
69 | P á g i n a
brasileiras, como um meio de ação afirmativa para a integração dos refugiados na
sociedade. Para tornar mais clara esta exposição, ela será dividida em duas partes. Na
primeira, serão abordadas três declarações regionais - Declaração de Cartagena
(1984); Declaração de São José sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas (1994); Plano
de Ação do México para Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na
América Latina (2004) –, as quais, embora sejam dispositivos de soft law, têm sido
incorporadas nas legislações nacionais dos países da América Latina e servido de
verdadeiras bússolas para os governos que visem aperfeiçoar e melhorar suas
legislações de proteção de refugiados. Na segunda, será abordada Convenção
Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância (2013), a qual,
além de proibir condutas discriminatórias contra refugiados, prevê a adoção de ações
afirmativas para reduzi-las.
70 | P á g i n a
estudadas com os países da região. De maneira semelhante, na Declaração de São José
(1994) os participantes do colóquio chegaram à conclusão de que era necessário
encorajar os governos a adotarem, “na medida do possível, programas que facilitem a
integração local”. O Plano de Ação do México (2004) também não se furta a essa
necessidade, dispondo em seu capítulo I, que “é necessário planejar e pôr em prática
novas políticas criativas que facilitem a busca de soluções adequadas. Isto obriga o
delineamento de novas estratégias em matéria de auto-suficiência (sic) e integração
local”.
É preciso chamar atenção, porém, para as condições de inserção em si.
Grande parte dos refugiados são inseridos, mas não em condições igualitárias, que
permitam sua progressão social e econômica. Não é desconhecido o fato de que
muitos refugiados acabam por serem inseridos no mercado de trabalho informal, com
baixa remuneração, ou fiquem impossibilitados de exercer sua profissão de origem por
não conseguirem validar seus diplomas. Para combater esse cenário, uma opção
coerente de integração é a adoção de cotas para refugiados pelas universidades.
Garantir-se-ia a inclusão do migrante no primeiro estágio da formação produtiva de
um indivíduo, ou seja, naquele no qual ele vai aprender uma profissão, que permitirá
sua melhor inserção no mercado de trabalho.
71 | P á g i n a
trabalho condizente com a sua qualificação profissional, por não obterem a validação
de seus diplomas de ensino superior, requisito para exercer a profissão no Brasil,
muito embora sejam bem qualificados e profissionais requisitados nos seus países de
origem. Quem sai perdendo com isso não são apenas eles, mas o Brasil como um todo,
que perde a oportunidade de expandir qualitativamente o capital humano do seu setor
produtivo.
No entanto, questiona-se: embora seja flagrante a condição de desigualdade
em que se encontram os refugiados, seja por serem discriminados no mercado de
trabalho, seja pela postura de intolerância por parte da sociedade, encaixam-se eles na
condição de indivíduos que devem ser beneficiados por ações afirmativas? Como
anteriormente visto, no direito interno isto fica expresso no art. 44 da Lei do Refúgio.
No Direito Internacional, esta previsão é ainda mais incisiva.
O Brasil, recentemente, assinou a Convenção Interamericana contra Todas as
Formas de Discriminação e Intolerância (2013)18 – que tem por objetivo combater a
discriminação, tanto por meios repressivos quanto promocionais. No entanto, esse
tratado vai além, ao prever no seu art. 1º que “discriminação pode basear-se em
nacionalidade [...], condição de migrante, refugiado, repatriado, apátrida”. Vemos que
ela, diferentemente de outros diplomas que visam combater o racismo e a
discriminação19, protege de forma expressa os refugiados contra a discriminação. Além
disso, prevê ações afirmativas para promover a igualdade nos seus artigos 5 e 6:
18
Importante observar que a Convenção em questão, assinada pelo Brasil em junho de 2013, ainda não
foi ratificada. Trata-se, porém, de mera questão de tempo, requerida pelos tramites legais e
benevolência do Congresso Nacional.
19
Nesse sentido, pode-se apontar outros dois diplomas. O primeiro é a Convenção Interamericana
contra Racismo, Discriminação Racial e Formas Relacionadas de Intolerância (2013). Esta, prevê que
discriminação racial é a distinção ou restrição de direitos de indivíduos por conta da sua raça, cor,
ascendência ou origem nacional ou étnica. Assim, sua proteção aos refugiados é feita de forma implícita,
ao mencionar a origem nacional e a raça como elementos qualificadores da discriminação. A segunda é
a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965). Esta
também prevê a origem nacional e a raça como elementos qualificadores da discriminação, mas dá um
passo atrás no que tange à proteção aos refugiados e migrantes, uma vez que aponta no seu art. 1º, §2º
que ela “não se aplicará às distinções, exclusões, restrições ou preferências estabelecidas por um Estado
Parte entre cidadãos e não-cidadãos seus.”.
72 | P á g i n a
da Convenção, a finalidade das ações afirmativas é “promover condições equitativas
para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas ou
grupos.”. E, como aponta o art. 6, cabe ao Estado implementar políticas – dentre as
quais se encontram “políticas de caráter educacional” – que garantam essas condições
de igualdade.
Os refugiados devem ser destinatários dessas ações afirmativas, por conta da
situação de desigualdade e vulnerabilidade em que eles estão socialmente inseridos.
Ao dissertar sobre o estrangeiro, o filósofo búlgaro Tzvetan Todorov (2012: 183)
aponta que “com frequência, ele conhece mal a língua e os códigos culturais do país de
adoção; além disso, sofre animosidade dos autóctones, que consideram estranhas suas
maneiras”. O fato é que eles ocupam uma posição assimétrica em relação à maioria
dos indivíduos da sociedade, situação que pode vir acompanhada, ou não, de condutas
discriminatórias e atos de intolerância expressos, mais comuns do que se imagina. Para
evitar isso, é preciso promover a integração do refugiado na sociedade. Uma das
formas eficazes pela qual isto pode ser feito é através da adoção de cotas para
refugiados nas universidades, uma ação afirmativa tanto juridicamente como social e
politicamente oportuna.
7. CONCLUSÃO
Ao longo do texto, foi possível observar que o Brasil passou, nas últimas
décadas, por uma transformação no que se refere à aplicação do Direito dos
Refugiados e ao tratamento conferido aos estrangeiros. O país, que só foi abandonar a
cláusula geográfica da Convenção de 1951 em 1989, em menos de uma década depois
já possuía uma das leis de refúgio mais modernas do mundo. A isto, somou-se o
progressivo aumento da vinda de refugiados para o Brasil, o que tornou necessário à
sociedade e ao governo brasileiros adotarem cada vez mais medidas para o
acolhimento e integração dos refugiados. Nesse paradigma, inserem-se tanto a
concessão de vistos por razões humanitárias para sírios e haitianos, como a
implementação de cotas para refugiados pelas universidades brasileiras.
Neste último quesito, foi possível observar que a adoção de cotas para
refugiados pelas universidades encontra amparo tanto no direito nacional quanto no
internacional. No âmbito internacional, a Declaração de Cartagena, a Declaração de
São José e o Plano de Ação do México ressaltam, cada um a seu modo, a necessidade
de se adotarem medidas de integração local dos refugiados. Embora tais documentos
sejam mecanismos de soft law, os governos latino-americanos têm observado suas
recomendações e integrado seus dispositivos às suas respectivas legislações nacionais.
Além disso, a Convenção Interamericana contra Todas as Formas de Discriminação e
Intolerância considera os refugiados e migrantes como grupos que podem ser alvo de
condutas discriminatórias e possui uma vertente promocional que determina que os
Estados adotem políticas afirmativas – dentre as quais estão as políticas educacionais –
que visem promover a igualdade.
No ordenamento pátrio, a Constituição garante os mesmos direitos e
garantias aos estrangeiros residentes e aos nacionais, de forma que refugiados não
podem ser negativamente discriminados, mas apenas positivamente discriminados,
73 | P á g i n a
garantindo-se a eles um tratamento diferenciado que vise melhorar a condição em que
eles se encontram, promovendo a igualdade.
O uso de cotas para refugiados pelas universidades é uma ação afirmativa que
pode ser implementada em curto prazo e que gera grande impacto social. Muitas
instituições, como a UFPR, a UFSCar e a UFRGS, já vêm adotando medidas nesse
sentido. Cabe ressaltar que a adoção de cotas para refugiados é amparada pelo direito
pátrio, no art. 44 da Lei do Refúgio, e também se insere como uma medida de
integração apoiada por instrumentos internacionais.
Como as universidades possuem autonomia na determinação da sua política
de seleção de alunos, cabe aos seus conselhos administrativos a estipulação de cotas
para refugiados. Não obstante, o governo brasileiro, por meio do Ministério da
Educação e outras instâncias, pode incentivar esse tipo de ação afirmativa, apesar da
palavra final ficar a cargo das universidades. Nesse sentido, também é desejável a
atuação da sociedade civil, por meio de ONGs ou organizações, reclamando uma
atuação mais ativa das instituições de ensino superior para com a integração dos
refugiados.
O Brasil, ao incentivar a adoção de cotas para refugiados pelas universidades,
estará agindo conforme o direito internacional e, principalmente, como um Estado
respeitador dos direitos humanos, que busca a igualdade social e o bem de todos, sem
qualquer forma de discriminação.
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78 | P á g i n a
MIGRAÇÃO E CIDADANIA: O AVANÇO
NA BUSCA DE SOLUÇÕES PARA A
APATRIDIA
MIGRATION AND CITIZENSHIP: ADVANCES IN SEARCH OS SOLUTIONS TO
STATELESSNESS
79 | P á g i n a
when foreseeing naturalization when possible. The article will also
analyze the International Standards concerning statelessness in
Brazilian legislation, as well as the mechanisms already implemented
towards the eradication of this phenomenon.
“(A expressão ‘refugiados’) foi inventada durante a guerra com a finalidade única de liquidar o
problema dos apátridas de uma vez por todas, por meio do simplório expediente de ignorar sua
existência” Hannah Arendt. Origens do Totalitarismo
1. INTRODUÇÃO
80 | P á g i n a
em 2010. Os apátridas de facto possuem uma nacionalidade, mas mesmo assim lhes
são negados direitos. Dentre os motivos, cita-se: residência habitual em um país e o de
nacionalidade em estado de guerra; residência habitual em um país que não possui
relações diplomáticas com o de nacionalidade. Ou seja, são indivíduos que não estão
no país de sua nacionalidade e não são protegidos e regidos por ele. A reunião de
especialistas definiu a apatridia de facto como:
“Os apátridas de facto são pessoas fora de seu país de nacionalidade que
devido a motivos válidos não podem ou não estão dispostas a pedir
proteção a este país. A proteção, neste sentido, se refere ao direito de
proteção diplomática exercida pelo Estado de nacionalidade a fim de corrigir
um ato internacionalmente ilícito contra um dos seus nacionais, bem como
a proteção diplomática e consular e assistência geral, inclusive com relação
ao retorno para o Estado de nacionalidade.” 1
81 | P á g i n a
substancial lembrar que os apátridas também são estrangeiros, porém, estrangeiros
sem nacionalidade.
Podem ocorrer conflitos entre os diferentes vieses de concessão de
nacionalidade, como na reorganização de fronteiras e territórios. A dissolução da
União Soviética, Iugoslávia e Checoslováquia, nos anos 1990, são exemplos disso. No
Quirguistão, ex-integrante da URSS, foram identificados 20 mil apátridas, entretanto, o
país asiático, em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR), vem adotando medidas para reduzir este número.
Para que a apatridia não ocorra nessas circunstâncias é necessário cautela na
reelaboração legislativa após mudanças geopolíticas. Mark Manly, representante atual
do ACNUR no México, corrobora que “Se novas leis não forem cuidadosamente
redigidas, muitas pessoas serão deixadas para trás". Este fenômeno tem longos anos
de existência. “É tão antig[o]a como a sociedade humana, remontando de toda sorte
às primeiras migrações dos homens.” 4
O ACNUR cita a legislação discriminatória contra as mulheres como geradora
de apatridia no Oriente Médio5. O governo de Saddam Hussein privou de
nacionalidade diversos curdos feili, determinação esta que foi revogada em 2006. Os
núbios do Quênia não têm direito à nacionalidade e na Costa do Marfim existem
amplas dificuldades na interpretação do direito à nacionalidade.
É válido salientar a efetividade dos programas realizados no Nepal, que em
2007 protagonizou o maior programa de redução de apatridia até então. Contudo, o
ACNUR afirma a existência de 800 mil pessoas de nacionalidade indefinida no país no
presente. Já em Bangladesh, os 240 mil indivíduos da etnia Bihari que não eram
considerados cidadãos, passaram a sê-lo a partir de 2008 por decisão do Supremo
Tribunal. O motivo desse caso de apatridia remete à separação de Bangladesh do
Paquistão em 1971, quando muitas pessoas se mudaram da Índia para Bangladesh. O
consequente não reconhecimento da nacionalidade a estas pessoas resultou em
péssimas condições de vida e pouquíssimos direitos garantidos.6
Outro exemplo de causa de apatridia pode surgir em razão da mudança na
legislação de nacionalidade do Canadá. Característico por ter legislação acolhedora, o
país concede visto permanente seguido de naturalização a partir de quatro anos de
moradia. Além disso, costumava adotar tanto o critério ius sanguins como o ius soli,
sem grandes restrições. Pessoas que vivessem por pouco tempo no Canadá e depois se
mudassem, poderiam transmitir sua nacionalidade para todos os descendentes,
mesmo que não fossem integrados à cultura e à sociedade. Em abril de 2009 o Canadá
efetivou mudança em sua legislação de nacionalidade, passando a prever que
descendentes de canadenses nascidos fora do território do Canadá não terão direito à
nacionalidade canadense se seu pai ou mãe canadense também tiver nascido de pais
canadenses fora do território do Canadá (sendo assim a segunda ou subsequente
geração nascida fora do Canadá), e se seu pai ou mãe canadense tiver recebido a
4
VICHNIAC, Marc. “Le Statut International des Apatrides”. In: Académie de droit international de La
Haye, Recueil des cours, v. 43, 1933, p 119.
5
Quem são e onde estão os apátridas ? In: http://www.acnur.org/t3/portugues/quem-
ajudamos/apatridas/quem-sao-e-onde-estao-os-apatridas/ (acessado em 25 de setembro de 2015).
6
Apatridia em Bangladesh: os Biharis. In: http://www.acnur.org/t3/portugues/quem-
ajudamos/apatridas/campanha-das-convencoes-sobre-apatridia/apatridia-em-bangladesh-os-biharis/
(acessado em 16 de agosto de 2015).
82 | P á g i n a
nacionalidade canadense em razão de adoção internacional (sendo assim a segunda
geração nascida fora do Canadá).7
No início deste ano a lei canadense de nacionalidade teve novas mudanças e
passou a dividir seus nacionais em duas classes: os cidadãos que não possuem
nenhuma outra cidadania e os que já possuem outra cidadania e que podem ter seu
direito de viver no Canadá retirado em razão desta. A nova lei prevê que todos os
cidadãos naturalizados podem ter sua cidadania canadense revogada se o governo
verificar que a pessoa nunca teve a intenção de viver realmente no Canadá, e que os
canadenses com dupla cidadania podem ter sua cidadania canadense removida devido
a uma condenação criminal no outro país de que são nacionais ou em razão de
determinadas condenações penais graves no Canadá, mesmo que já tenham cumprido
sua sentença.8 O ministro de cidadania e imigração do Canadá, Chris Alexander, que
ocupa o cargo desde 2013 até o presente, afirmou: “Os canadenses compreendem que
cidadania não deve ser simplesmente um passaporte de conveniência. Cidadania é a
promessa de responsabilidade mútua e compromisso com os valores enraizados na
nossa história”.9
No entanto, dois grupos de defesa de direitos canadenses, a British-Columbia-
Civil Liberties Association e a Canadian Association of Refugee Lawyers, entraram com
apelação constitucional em corte federal contra a nova lei de nacionalidade, tendo
como principais argumentos a alegação de que a lei viola a garantia de direitos iguais a
todos, ao discriminar alguns canadenses ao dar a eles direitos limitados à
nacionalidade em razão de seus pais ou ancestrais terem nascido em outro país; o
direito ao devido processo legal, ao deixar nas mãos de oficiais burocráticos do
governo a decisão de revogar a cidadania ao invés dessa decisão advir de um tribunal
de justiça; o direito de ir e vir dos canadenses, ao limitar a livre entrada e saída do país
pela cláusula de intenção de residir; também alega que a nova lei permite que os
cidadãos sejam punidos duplamente, uma no Canadá e uma no país em que cometeu o
crime ou em seu país de dupla nacionalidade.10 Desse modo, na busca de solucionar
certas dificuldades internas o governo canadense acabou gerando um potencial
causador de apatridia.
Também ocorrem casos de apatridia em virtude da imigração irregular,
problema que assola amplamente o cenário mundial; e ainda devido às falhas de
documentação e registro de grupos marginalizados socialmente. A expatriação
forçada, cujo exemplo mais notório é a situação dos judeus durante a Alemanha
nazista, levou Arendt a escrever que os campos de concentração eram “o único
7
Changes to Citizenship Rules. In: http://www.cic.gc.ca/english/citizenship/rules_2009.asp (acessado
em 16 de agosto de 2015).
8
Nova lei pode dificultar o processo de cidadania canadense para imigrantes. In: http://www.immi-
canada.com/blog/nova-lei-pode-dificultar-processo-de-cidadania-canadense-para-imigrantes/ (acessado
em 20 de agosto de 2015).
9
Mudanças na lei dificultam processo de cidadania canadense. In:
http://oitoronto.com.br/32091/mudancas-na-lei-dificultam-processo-de-cidadania-canadense/
(acessado em 16 de agosto de 2015)
10
Court challenge slams new Citizenship Act as ‘anti-Canadian’. In:
http://www.thestar.com/news/immigration/2015/08/20/court-challenge-slams-new-citizenship-act-as-
anti-canadian.html (acessado em 20 de agosto de 2015)
83 | P á g i n a
território que o mundo tinha a oferecer aos apátridas.”11. Foi, assim, após a II Guerra
Mundial, na busca de evitar mais atrocidades, que a comunidade internacional decidiu
que a expatriação arbitrária era ilícita.
Adicionalmente, foram tomadas medidas universais para a prevenção e
solução da apatridia, apesar de que, frequentemente, elas não alcancem a aderência
necessária. As convenções promovidas pela ONU em combate ao problema refletem,
por exemplo, o descaso de muitos países frente à questão. O Estatuto dos Apátridas,
criado em 1954, era primeiramente relacionado aos direitos dos refugiados. Ele
acabou por receber menor adesão do que o Estatuto dos Refugiados, devido à
relutância frente à concessão de direitos aos apátridas, como por exemplo, o de
exercer uma profissão e o de associar-se. A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas
de 1954, que buscou a definição do termo (“toda a pessoa que não seja considerada
por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional”) e a delimitação de
algumas diretrizes de conhecimento do tema, contou com 66 países signatários. Hoje
ela possui 68 adesões, tendo sido promulgada pelo Brasil em 2002 pelo Decreto
nº4246. Entretanto, a nação brasileira incluiu a Convenção à sua legislação a partir de
2014. André Ramirez, representando atual do ACNUR no Brasil afirma: “Podemos
considerar que o Brasil está avançando. É um dos poucos que assinou as convenções.
O fato do governo brasileiro ter decidido incorporar à sua legislação é um passo muito
significativo”12.
Já a Convenção de 1961, a qual lançou medidas legais para prevenir a
apatridia, conteve a assinatura de somente 38 países, contabilizando 40 atualmente.
Esse quadro preserva o principal problema repercutido pela apatridia: a negação de
direitos vitais, como à saúde, educação, ir e vir e acesso ao mercado de trabalho.
Também há empecilhos no acesso à vida civil, como no caso de certidões. Afinal, os
apátridas são sequer englobados pelos códigos civis. Além disso, se não houver
preocupação suficiente dos países em tentar interromper e prevenir a apatridia, os
não-direitos são transmitidos por gerações, pois não há o registro dos novos nascidos.
O Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres afirma:
11
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. 7ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
p.318
12
Brasil vai oferecer cidadania a apátridas. In: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-vai-
oferecer-cidadania-a-apatridas,1544049 (acessado em 24 de setembro de 2015).
13
Brasil é destaque em campanha global contra apatridia. In:
http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/brasil-e-destaque-em-campanha-global-contra-
apatridia/?L (acessado em 27 de julho de 2015).
84 | P á g i n a
Diante do quadro preocupante das condições de vida de milhões de pessoas,
a Assembleia Geral da ONU criou, em 1950, o Alto-Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR), e a partir de então, a proteção dos apátridas passou a ser
encarada pela comunidade internacional com mais seriedade. A responsabilidade
conferida ao ACNUR em relação aos apátridas iniciou-se com os refugiados que
também eram apátridas, sendo expandida aos demais indivíduos em situação de
apatridia após a adoção da Convenção de 1954 relativa ao Estatuto dos Apátridas e da
Convenção para Redução dos Casos de Apatridia, de 1961. A Assembleia Geral da ONU
conferiu ao ACNUR o mandato de identificar, prevenir, reduzir e proteger os apátridas
em âmbito global.14
A Convenção de 1954 compartilha das mesmas origens da Convenção de 1951
com relação ao status de refugiado. Tendo sido elaborada em 1954, entrou em vigor
somente em 1960, em razão da disposição do artigo 39, que afirma seu vigor a partir
do nonagésimo dia seguinte à homologação da sexta ratificação ou adesão. 15 Os seis
primeiros países foram, em ordem de adesão, Dinamarca, Israel, Reino Unido, França,
Bélgica e Luxemburgo.16 Esta Convenção foi pensada como forma de garantir aos
apátridas o acesso a direitos fundamentais, tendo como princípio central a ideia de
que nenhum apátrida deve ser tratado de maneira inferior a qualquer estrangeiro
possuidor de uma nacionalidade. No entanto, nenhum dos direitos concedidos aos
apátridas por meio da Convenção de 1954 equivale à titularidade efetiva de
nacionalidade.
A Convenção de 1961 surgiu justamente com a finalidade de garantir uma
nacionalidade aos apátridas, fornecendo aos Estados ferramentas para evitar e
solucionar a questão da apatridia. Neste sentido verifica-se já no primeiro artigo da
Convenção que “todo Estado Contratante concederá sua nacionalidade a uma pessoa
nascida em seu território e que de outro modo seria apátrida”.17 Seguindo essa linha
os demais artigos da Convenção de 1961 buscam encontrar soluções para as diversas
possibilidades de perda – ou não aquisição – de nacionalidade, também instruindo os
Estados de não privarem de nacionalidade aqueles que possam se converter em
apátridas em decorrência de tal privação; ao conceder a sua nacionalidade àqueles
que, não tendo nascido em território de qualquer dos Estados Contratantes, venham a
ser apátridas de nascimento; e a permitirem renúncia à nacionalidade apenas àqueles
que tiverem possibilidade de adquirir outra nacionalidade. A Convenção de 1961 foi
promulgada pelo governo brasileiro em 18 de agosto de 2015, pelo decreto 8.501.
Para além das Convenções de 1954 e 1961, podem ser elencados como
instrumentos legais de proteção aos apátridas: documentos universais de garantia dos
direitos humanos; instrumentos regionais de proteção aos direitos humanos;
resoluções da Assembleia Geral da ONU; e a implementação das normas sugeridas por
todos os instrumentos acima através das leis de nacionalidade de cada Estado. Os
tratados internacionais de garantia aos direitos humanos, essencialmente, dizem
14
UN High Commissioner for Refugees (UNHCR), UNHCR Action to Adress Statelessness: a strategy note,
March 2010.
15
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Convenção sobre o Estatuto dos
Apátridas. Nova Iorque, 28/09/1954.
16
UN. Convention relating to the Status of Stateless Persons. New York, 28 September 1954.
17
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Convenção para a Redução dos Casos
de Apatridia. Nova Iorque, 30/08/1961.
85 | P á g i n a
respeito aos apátridas. Essa é uma vantagem quanto à proteção destas pessoas, pois
diversos países que não ratificaram as Convenções sobre apatridia são signatários de
um ou mais instrumentos universais de garantia aos direitos humanos, como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre os Direitos da Criança,
o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
4. O BRASIL E A APATRIDIA
1. Mecanismos de Prevenção
18
Notícia disponível in: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/brasil-e-destaque-em-
campanha-global-contra-apatridia/.
19
Campanha I Belong: http://ibelong.unhcr.org/en/home.do.
86 | P á g i n a
Ao escolher o critério do ius soli o Brasil passa a ser um país que previne a apatridia e
que tem cada vez mais importância nessa questão em função do crescimento do
processo migratório que temos observado nos últimos anos no país. Ao recebermos
imigrantes advindos de países que adotam exclusivamente o critério do ius soli para a
concessão de nacionalidade e que venham a ter filhos em nosso território, evitamos o
surgimento da apatridia ao conceder nacionalidade a todos aqueles nascidos no Brasil,
independentemente de sua ascensão.
12
Idem, ibidem.
21
Idem, ibidem.
22
Campanha das Convenções sobre Apatridia disponível in:http://www.acnur.org/t3/portugues/quem-
ajudamos/apatridas/campanha-das-convencoes-sobre-apatridia/apatridia-entre-expatriados-
brasileiros/
87 | P á g i n a
Depois de dois anos, em 25 de maio de 1996, foi apresentada a primeira
Proposta de Emenda Constitucional a respeito desta questão, a chamada PEC
382/199623, que propunha o reestabelecimento da redação vigente até a promulgação
da ECR-3. A referida PEC passou anos em tramitação, sendo arquivada em 2 de
fevereiro de 1999, nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados24, tendo sido desarquivada em 4 de março de 1999, nos termos do mesmo
artigo do Regimento Interno, apensada à PEC13/1999 25e à PEC 272/200026, a qual
propunha não apenas uma nova redação à alínea modificada pela ECR-3, mas também
o acréscimo de um artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que
assegurava o registro de brasileiros nascidos no exterior em consulados. A PEC
272/2000 foi finalmente aprovada em 20 de setembro de 2007 e transformada na
Emenda Constitucional 54/200727.
Com a Emenda Constitucional 54/2007 a redação da alínea c, inciso I, art. 12
da Constituição Federal de 1988 passou a prever que são brasileiros natos:
2. Mecanismos de solução
Para além dos mecanismos de prevenção destacados, podemos elencar as
iniciativas regionais de inclusão dos apátridas, como a Declaração de Brasília Sobre a
Proteção de Refugiados e Apátridas no Continente Americano, de 11 de novembro de
2010; as declarações adotadas na Conferência Cartagena +30, realizada em 2014 em
Brasília, quais sejam a Declaração do Brasil: Um Marco de Cooperação e Solidariedade
Regional para Fortalecer a Proteção Internacional das Pessoas Refugiadas, Deslocadas
e Apátridas na América Latina e no Caribe, e o Plano de Ação do Brasil: Um Roteiro
Comum para Fortalecer a Proteção e Promover Soluções Duradouras para as Pessoas
Refugiadas, Deslocadas e Apátridas na América Latina e no Caribe em um Marco de
Cooperação e Solidariedade; o visto de trânsito para pessoas em condição de apátrida
previsto no Estatuto do Estrangeiro e o pré-projeto de lei apresentado pelo Ministério
da Justiça em 13 de agosto de 2014, que cria o processo de determinação da condição
de apátrida no Brasil, estabelecendo direitos e obrigações para estes indivíduos.
23
In: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14744.
24
In: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/18847.
25
In: http://camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14256.
26
In: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14641.
27
In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc54.htm.
28
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.
88 | P á g i n a
i. Declaração de Brasília sobre a proteção de refugiados e
apátridas no continente americano
A Declaração de Brasília 29 é fruto do encontro dos países da América Latina
que ocorreu em 2010 em celebração ao sexagésimo aniversário do ACNUR e da
Convenção de 1951 e do quinquagésimo aniversário da Convenção de 1961. Como
resultado do encontro a declaração traz algumas metas para os países latino
americanos relacionadas à apatridia, como a adesão dos países ainda não signatários
aos instrumentos internacionais, a revisão das legislações nacionais para prevenir e
reduzir o problema e o fortalecimento dos mecanismos nacionais para o registro
universal de nascimentos.
O encontro e a Declaração serviram como base para as discussões realizadas
posteriormente na Conferência Cartagena +30, e desta forma as metas traçadas em
2010 foram aprofundadas e postas de maneira ainda mais detalhada visando uma
maior e mais prática efetividade na Declaração do Brasil e no Plano do Brasil, frutos de
Cartagena +30.
29
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Declaração de Brasília Sobre a
Proteção de Refugiados e Apátridas no Continente Americano. Brasília. 11/11/2010.
30
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Declaração do Brasil. Brasília.
03/12/2014.
31
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Plano de Ação do Brasil. Brasília.
03/12/2014.
89 | P á g i n a
O Plano de Ação do Brasil juntamente com o programa Erradicação da
Apatridia, prevê a harmonização da normativa e prática interna sobre nacionalidade
segundo os padrões internacionais; a facilitação do registro universal de nascimentos e
a concessão de documentação; o estabelecimento de procedimentos efetivos para
determinar a condição de apátrida, propondo que essa função seja incluída no rol de
competências dos CONAREs; a adoção de marcos normativos de proteção que
garantam os direitos das pessoas apátridas; a facilitação da naturalização e o
restabelecimento ou recuperação da nacionalidade, mediante legislação ou políticas
inclusivas.
v. Naturalização
A naturalização é uma das formas de solução da apatridia, é vista como uma
forma eficiente em razão de sua durabilidade, no entanto, não se deve considerá-la
como única ou mais importante forma de solução do problema enfrentado. Em
consequência da soberania dos Estados lhes cabe exclusivamente a atribuição de
nacionalidade, portanto, depende-se do Estado para a implementação de uma
legislação que permita e facilite a naturalização de estrangeiros apátridas que se
encontrem em território nacional.
O Brasil tem se mostrado cada vez mais preocupado e em busca de soluções
para o problema da apatridia, especialmente em virtude do crescente fluxo migratório
em sua direção que vem ocorrendo nos últimos anos. Como mais uma resposta
32
Brasil. Presidência da República. Estatuto do Estrangeiro, Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980.
90 | P á g i n a
brasileira a isso temos o pré-projeto de lei anunciado pelo Ministério da Justiça em 13
de agosto de 2014, que cria o processo de determinação da condição de apátrida no
Brasil, estabelecendo direitos e obrigações para estes indivíduos. De acordo com o
texto, elaborado e apresentado pela Secretaria Nacional de Justiça, o Brasil
reconhecerá como apátrida qualquer pessoa que “não seja considerada como nacional
ou cidadão por nenhum Estado” ou que não puder provar sua nacionalidade “por
circunstâncias alheias à sua vontade”.33 O Projeto de Lei aguarda a conclusão de
consultas internas para ser encaminhado ao Congresso Nacional. Uma vez
determinada a situação de apatridia, o apátrida reconhecido pelo Brasil poderá
adquirir a nacionalidade brasileira.
Esta iniciativa, em conjunto com todas as outras apresentadas neste artigo,
demonstra o compromisso do Brasil com a causa da apatridia, tornando-se um modelo
para os países vizinhos, bem como incorpora à legislação interna do Brasil as
Convenções de 1954 e 1961. Em razão de tudo isso, o ACNUR considera o Brasil como
modelo para que outros países iniciem um compromisso maior com a erradicação da
apatridia, especialmente nos dez anos consequentes, em resposta à campanha I
Belong.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
33
Notícia publicada pelo ACNUR in: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/governo-do-
brasil-anuncia-projeto-de-lei-para-proteger-pessoas-sem-patria/.
91 | P á g i n a
medidas contra sua vontade. Resta exclusivamente ao Estado a prerrogativa de
reconhecer o problema e, consequentemente, conferir direitos fundamentais
inerentes a todo ser humano independente da presença ou não da nacionalidade.
Diante deste quadro, e ao observar o sucesso do movimento “Brasileirinhos
Apátridas”, faz-se necessário que a sociedade civil se mobilize e se envolva no processo
de árduas mudanças que se tem a frente para solucionar este problema. Sendo assim,
é imprescindível exercer pressão para que o poder público tome medidas, no âmbito
de jurisdição interna, mas de acordo com as diretrizes internacionais, e, neste sentido,
vale a movimentação tanto de forma exclusivamente interna em cada país, quanto
internacionalmente, tornando esta luta conhecida por todos e uma preocupação de
todas as comunidades.
Na realidade atual, esta mobilização torna-se possível, pois a disseminação
das atrocidades cometidas contra os direitos humanos tem cada vez mais tomado um
papel importante no cenário internacional e comovido todos os tipos de comunidade,
levando-as a lutar contra as discriminações ainda presentes em nossa sociedade, como
no caso de cerceamento de indivíduos em relação ao direito de transmitir sua
nacionalidade a seus filhos tornando-os invisíveis aos olhos da lei e privando-os de
direitos básicos a qualquer ser humano.
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Informativa. 2012. In:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues
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o_dos_Casos_de_Apatridia_de_1961.pdf?view=1 (acessado em 20 de julho de 2015).
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s_pi2%5Bpointer%5D=1&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bdownload%5D=yes&tx_danpdocumen
tdirs_pi2%5Bdownloadtyp%5D=stream&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Buid%5D=583 (acessado
em 20 de julho de 2015).
92 | P á g i n a
______. Declaração do Brasil: Um Marco de Cooperação e Solidariedade Regional para
Fortalecer a Proteção Internacional das Pessoas Refugiadas, Deslocadas e Apátridas na
América Latina e no Caribe. Brasília, 03/12/2014. In:
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no Caribe em um Marco de Cooperação e Solidariedade. Brasília, 03/12/2014. In:
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La Haye, Recueil des cours, v. 43, 1933, pp. 119-245.
94 | P á g i n a
MIGRAÇÃO FEMININA E TRÁFICO DE
MULHERES
FEMALE MIGRATION AND WOMEN TRAFFICKING
1. INTRODUÇÃO
1
Discente do curso de Relações Internacionais da UFGD; Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq;
<biancandradep@gmail.com>
95 | P á g i n a
“A grama do vizinho é sempre mais verde”, diz o ditado popular, e talvez seja
grande a influência desse pensamento sobre os fluxos migratórios internacionais. É
herança do pensamento colonial2, enxergar a metrópole com a crença de que a real
prosperidade está lá, que as grandes oportunidades estão em terras longínquas, que
uma vida melhor e a possibilidade de ascensão socioeconômica residem, de fato, no
país rico. Esses são argumentos comumente usados para justificar o desejo de migrar.
A ambição é legítima bem como a tentativa, ainda mais quando as grandes promessas
no exterior estão acompanhadas também de “incômodos” locais, que figuram desde
catástrofes da natureza até grandes conflitos bélicos, grandes crises econômicas,
passando inclusive por opressões de classe, gênero, religião ou etnia. Entretanto,
pouco se fala das atrocidades enfrentadas por aquelas que optam pelo sonho de
migrar em detrimento da própria integridade física e segurança, pouco se discute
sobre as condições precárias e da total ausência de sucesso em muitos casos, e sobre
as causas e consequências da mobilidade humana arriscada e sob coerção.
O século XXI trouxe consigo inúmeras oportunidades e facilidades, e quando
se fala em migração, a globalização é uma variável fundamental. Com ela, grandes
distâncias puderam ser “reduzidas” graças aos avanços na tecnologia e transporte,
enquanto a velocidade nas trocas de informação, instantâneas e de qualidade
passaram a se tornar gradativamente mais presentes no cotidiano daqueles que foram
privilegiados por esse fenômeno.3 Mas, segundo Ana Maria Nogales Vasconcelos e
Tuíla Botega (2015), “a globalização constitui-se, assim, num processo que segrega,
seleciona e exclui” e esse problema se expande às questões migratórias.
Para as migrações, a globalização traz à tona soluções, com os sistemas de
informação avançados e tecnologia de ponta, os trâmites burocráticos são em grande
parte digitais e online, como a compra de passagens, check-in, contratação de serviços,
etc. Mapas e rotas estão disponíveis na internet e em domínio público, os avanços das
ciências de engenharia trouxeram melhoras aos trechos rodoviários e novas
alternativas para o desempenho dos meios de transporte, que passaram a ser mais
rápidos e eficientes. Entretanto, trouxe também grandes desafios, seja no aparato de
segurança que a mobilidade entre países exige nos aeroportos e portos, seja tratando
2 Entende-se que a lógica do pensamento colonial, continua sendo aquela que fora aplicado durante as
descobertas além-mar das Grandes Navegações no século XVI, seguindo o padrão de domesticação e
dominação de um ser “superior sobre um inferior”. Esse pensamento advém de uma construção social
tendenciosa de “colonizar para explorar”, abdicando de um olhar empático, invisibilizando o outro e
naturalizando violações. Assim, a lógica da relação colônia/metrópole permanece existindo, já que o
país rico, europeu, tem por padrão, uma imagem de prosperidade e superioridade.
3 Escolho por não generalizar o alcance da globalização, já que trata-se de um fenômeno paradoxal e
perverso. Como cita Milton Santos em Por uma outra globalização, “As novas condições técnicas
deveriam permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das sociedades
que o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca. Todavia, nas condições atuais, as técnicas da
informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos
particulares. Essas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por
algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. É desse modo que a
periferia do sistema capitalista acaba se tornando ainda mais periférica, seja porque não dispõe
totalmente dos novos meios de produção, seja porque lhe escapa a possibilidade de controle.”
96 | P á g i n a
fronteiras e migrantes como assuntos de segurança e ameaça à soberania nacional, ou
mesmo nos desafios enfrentados já no destino, pelas dificuldades encontradas pelas as
diferenças culturais e políticas entre país origem e país destino.
As interações entre Estados e cidadãos passam a ser facilitados com o
advento de recursos interligados em rede, através da internet, redes sociais e
ferramentas de comunicação instantânea. Contudo, os Estados passam a ter mais
dificuldades para controlar os fenômenos transnacionais (acontecimentos que
envolvem mais de um país, que envolvem trocas e intercâmbios em trânsito), dando
espaço para o fortalecimento não só de movimentos positivos, mas de redes
criminosas internacionais, por exemplo, que usam a realidade globalizada a favor de
seus objetivos. Como sugere Otávio Ianni (1994), quando se fala em sociedade global4,
passamos a lidar com uma realidade problemática, complexa e contraditória, aberta
em movimento.
O presente artigo pretende apresentar uma conexão entre os problemas da
migração contemporânea, em especial da migração feminina e o fenômeno do tráfico
de mulheres. Sabe-se que ambas as realidades são comumente confundidas, mas têm
diferenças importantes entre si. O objetivo deste trabalho é, pois, esclarecer a relação
entre tráfico de mulheres e migração feminina, questionando os processos de
emancipação e empoderamento feminino ante a realidade da mobilidade, através de
uma perspectiva crítica de caráter feminista. Inicialmente, disserto sobre a questão do
tráfico de mulheres, suas causas, consequências e peculiaridades migratórias. Na
sequência, faço uma problematização sobre a realidade da migração feminina, suas
faces e motivos e vínculo intrínseco com o fenômeno globalização. Finalmente teço
algumas considerações finais através da intersecção dos temas, diferenciando-os e
apontando críticas à conduta dos Estados e da sociedade no que tange ao tratamento
das pessoas migrantes, e possíveis alternativas aos impasses apresentados.
2. FERRAMENTAS ANALÍTICAS
4 Ianni sugere quea sociedade nacional estaria sendo “recoberta, assimilada ou subsumida” pelo que se
denomina por “socidade global”, graças à globalização. “O conhecimento acumulado sobre a sociedade
nacional não é suficiente para esclarecer as configurações e os movimentos de uma realidade que já é
sempre internacional, multinacional, transnacional, mundial ou propriamente global. É óbvio que a
sociedade nacional continua a ter vigência, com seu território, população, mercado, moeda, hino,
bandeira, governo, constituição, cultura, religião, história, formas de organização social e técnica do
trabalho, façanhas, heróis, santos, monumentos, ruínas. (...) Mas a sociedade nacional não dá conta,
nem empírica nem metodologicament e/ou histórica e teoricamente, de toda a realidade na qual se
inserem indivíduos e classes, nações e nacionalidades, culturas e civilizações. Aos poucos, e às vezes de
repente, a sociedade global subsume formal ou realmente a sociedade nacional.”
97 | P á g i n a
interseccionalidades, patriarcalismo, globalização, pensamento colonial e colonialidade
de gênero que necessitam ser definidos para que se compreenda a perspectiva por
meio da qual o trabalho foi elaborado.
Entende-se feminismo como o pensamento que busca promover a igualdade
de gêneros, lutando contra as opressões causadas pelo patriarcalismo.
98 | P á g i n a
Entende-se que as interseccionalidades são pontos de encontro entre
diferentes formas de opressão e subordinação (classe, gênero, raça, orientação sexual,
localidade, etc.), que não podem ser classificadas como mais ou menos opressoras ou
importantes. Elas se somam e devem ser analisadas de acordo com seus contextos
diferentes (Crenshaw, 2002).
6 Anibal Quijano analisa relações de poder sob a seguinte perspectiva: “All power is structured in
relations of domination, exploitation and conflict as social actors fight over control of “the four basic
areas of human existence: sex, labor, collective authority and subjectivity/intersubjectivity, their
resources and products” (LUGONES, 2008). Assim, o patriarcado como um sistema que dita relações de
poder, se apropria e gera opressões para as mulheres nas quatro áreas básicas da existência.
7 LUGONES, María. (2008: 1-17)
99 | P á g i n a
3. TRÁFICO DE MULHERES E O ESTIGMA DA MULHER TRAFICADA
8 De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade
Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em
especial de Mulheres e Crianças, a definição de “tráfico de pessoas” é: o recrutamento, o transporte, a
transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a
outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de
uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. (OIT, 2000).
9 SANTOS, Boaventura de Sousa, GOMES, Conceição e DUARTE Madalena. (2008: 69-94)
100 | P á g i n a
A Global Alliance Against Trafficking in Women (GAATW)10, coalizão feminista
global que empenha esforços de enfrentamento ao tráfico de mulheres no mundo
todo por uma visão crítica ao patriarcado, e não abolicionista das mulheres vítimas, já
que “opera com perspectivas afinadas com os interesses das trabalhadoras do sexo”
(PISCITELLI, 2008, p.32), enxerga as mulheres em meio ao patriarcado como “sujeitos
atuantes, autodeterminados e, capazes não só de negociar e concordar, mas também
de conscientemente opor-se e transformar relações de poder” (KEMPADOO, 2005,
p.62).
4. MIGRAÇÃO FEMININA
11 Las remesas sociales son las ideas, los comportamientos, las identidades, y el capital social que
fluye desde las comunidades de destino hacia las comunidades de origen, y viceversa (RICO, 2006)
102 | P á g i n a
Os fluxos migratórios no mundo todo, ao longo da história têm características
específicas de tempo e espaço, fatores axiológicos, infinitas motivações e personagens
inerentes. Por muito tempo estudou-se a mobilidade humana pelo viés do homem
(gênero masculino, necessariamente) migrante. As mulheres eram consideradas
sujeitos passivos do fenômeno, geralmente acompanhantes e não foram objeto de
estudo por aparentemente “não possuírem peculiaridades expressivas para tanto”. O
que fica incerto é se essa falta de estudos foi de fato causada por essa razão, ou se sim,
a mobilidade feminina tinha peculiaridades, mas foram ignoradas pela cultura
patriarcal que enxergaram apenas os homens como sujeitos ativos (MARINUCCI, 2007).
Atualmente, discute-se a “feminização das migrações”, um fenômeno possivelmente
provocado pelo empoderamento e emancipação feminina ante ao mercado de
trabalho, sociedade e família. Em números, uma pesquisa da ONU aponta que “em
2005, 49,6% dos migrantes internacionais eram mulheres, o que corresponde a cerca
de 94,5 milhões de pessoas.” (MARINUCCI, 2007).
103 | P á g i n a
Dessa maneira, são necessárias políticas migratórias específicas a este público,
para que o processo migratório seja bem sucedido e para garantir a integridade da
migrante, prevenindo-a de ser enganada por outrem, inclusive de traficantes de seres
humanos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
104 | P á g i n a
todo o mundo em busca de soluções eficazes àquelas que transcenderam o seu local e
são seres transnacionais, em trânsito.
A colonialidade de gênero é um fator crucial para analisar a presença feminina
nos movimentos migratórios, e o fato de terem sido por tanto tempo ignoradas. Esse
conceito destaca que formas coloniais e históricas de opressão seguem vigentes. O
tráfico de mulheres é uma evidencia disso, na qual a liberdade, a dignidade, os corpos
e sua essência são colonizados e comercializados.
Conclui-se que cada Estado precisa garantir não só boas condições de
educação, inclusão e ascensão socioeconômica, para reduzir a evasão das pessoas que
migram em busca de oportunidades, mas garantir também um respaldo eficiente caso
o cidadão escolha migrar. Além de criar políticas direcionadas aos migrantes e à suas
necessidades, e cuidar do bem estar social daqueles que estão em seu território
protegendo-os de qualquer ofensiva a seus direitos fundamentais. Devem também
pensar na mobilidade humana como um fator de integração cultural e econômica
muito importante, graças às remessas sociais mandadas e recebidas constantemente,
deixando de analisar o fenômeno apenas como uma pauta de segurança nacional, de
ameaça à identidade nacional ou de substituição da força de trabalho de nativos por
estrangeiros.
Há de se questionar, entretanto o papel dos Estados ante as alternativas
apresentadas. Sabe-se que a luta pela garantia de Direitos Humanos não é recente e
não está com seu fim próximo, pois os grandes violadores e legitimadores de violações
são as próprias unidades estatais, através da negligência, corrupção, abuso de poder e
violências institucionalizadas. Também há de se criticar a invisibilização das pessoas
colocadas à margem pelo sistema capitalista, machista, racista, eurocêntrico,
homolesbotransfobico e xenofóbico no qual vivemos, através do pensamento fascista
e conservador que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, por exemplo, que
fomenta atitudes violentas diante das diferenças. Negligenciar o sofrimento das
mulheres em situação de tráfico, os abusos sofridos pelas prostitutas dada a falta de
regulamentação da profissão, as dificuldades enfrentadas pelas migrantes em trânsito
ou já em seu destino e os ataques xenofóbicos de todas as naturezas é legitimar e
permitir que tantas atrocidades aconteçam. Invisibilizar é contribuir para a
impunidade.
Ademais, há de se incentivar a formação e atuação de organizações da
sociedade civil voltadas a assuntos migratórios, além de fomentar a realização acordos
de cooperação internacional que busquem combater os crimes internacionais ligados à
migração forçada, de maneira a criar uma rede transnacional de prevenção,
atendimento de vítimas e punição dos responsáveis pelas atrocidades cometidas
contra todas (os) aquelas(es) que tem seus direitos fundamentais reduzidos, negados
ou roubados no trânsito ou depois na chegada a se destino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CSEM
107 | P á g i n a
MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS E O
TRÁFICO DE PESSOAS: A QUESTÃO DOS
REFUGIADOS NO BRASIL 1
REFUGIADOS
.... Para onde iremos após a última fronteira?
Para onde voarão os pássaros após o último céu?
Onde dormirão as plantas após o último vento?
Escreveremos nossos nomes com vapor carmim, cortaremos a mão do canto para que nossa carne o
complete.
Aqui morreremos. No último desfiladeiro.
Aqui ou aqui... plantará oliveiras
Nosso sangue.
(Poema A terra nos é estreita de Mahmoud Darwish, poeta palestino e refugiado, traduzido por Paulo
Farah.)
1
O presente artigo originou-se de reflexões e ampliação do texto originalmente apresentado, pelos
autores, no X Congresso Internacional de Direitos Humanos – CIDH (ocorrido no ano de 2013 em Campo
Grande/MS, de responsabilidade da UFMS e da UCDB), cujo título foi “TRÁFICO DE PESSOAS, MIGRAÇÃO
E SUSTENTABILIDADE HUMANA”.
¹ En este artículo se originó a partir de las reflexiones y la expansión del texto originalmente presentado
por los autores, "el X Congreso Internacional de Derechos Humanos - CIDH (ocurrió en 2013 en Campo
Grande / MS, la responsabilidad de UFMS y UCDB), cuya título era "TRATA DE PERSONAS, MIGRACIÓN Y
SOSTENIBILIDAD HUMANO".
108 | P á g i n a
de pessoas, na espécie trabalho escravo, ou mesmo, a questão atual
dos trabalhadores refugiados, no Brasil, ou mais especificamente, no
Mato Grosso do Sul. O trabalho escravo, como fenômeno sociológico,
econômico e jurídico tem sido observado em diversas áreas da cadeia
produtiva agroindustrial (mas não apenas) no Brasil e, nas regiões de
fronteira; por suas características próprias, o trabalho escravo tem sido
recorrente; sem falar da superexploração ilegal do trabalho do
imigrante em diversos setores da economia. Metodologicamente
foram utilizados os procedimentos de pesquisa e revisão bibliográfica
em torno das categorias conceituais tráfico de pessoas, trabalho
escravo, migração e refugiados haitianos.
RESUMEN
El fenómeno de la migración irregular (o incluso la migración regular,
como en el caso de los refugiados haitianos) da lugar a varios otros
ejemplo fenómeno sirven trata de personas en el trabajo esclavo tipo,
o incluso el último número de refugiados trabajadores en Brasil ., o
más específicamente, en Mato Grosso do Sul trabajo esclavo, como un
fenómeno sociológico, económico y legal se ha observado en varias
áreas de la cadena de producción de la agroindustria (pero no sólo) en
Brasil y en las regiones fronterizas; por sus propias características, el
trabajo esclavo ha sido recurrente; por no hablar de la explotación
ilegal de mano de obra inmigrante en diversos sectores de la
economía. Metodológicamente los procedimientos de investigación y
revisión de la literatura en torno a las categorías conceptuales trata de
personas se han utilizado mano de obra esclava, la migración y los
refugiados haitianos.
1. INTRODUÇÃO
109 | P á g i n a
2. MIGRAÇÃO
110 | P á g i n a
federação, preponderando, no caso do Estado de Mato Grosso do Sul a prestação de
serviços desses trabalhadores refugiados haitianos na indústria da construção civil e na
construção pesada (duplicação da Br 163, por exemplo).
Todas estas questões envolvendo migrações internacionais, inclusive dos
trabalhadores refugiados em geral e haitianos, no particular teria solução rápida com a
adoção pelos países envolvidos da Convenção Internacional de Proteção de todos os
Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, a qual entrou em vigor em
primeiro de julho de 2003, no âmbito das Nações Unidas, a qual “pretende exercer
papel de prevenção e eliminação da exploração dos trabalhadores migrantes (PEREIRA,
2015, p. 109)”.
3. TRÁFICO DE PESSOAS
Então, resta evidente que uma das espécies do gênero tráfico de pessoas é o
“trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares a escravatura, bem
como a servidão”. Caso o tráfico de pessoas, em qualquer uma de suas espécies,
ocorra entre Estados (ou seja, entre países) distintos, será cognominado de tráfico
internacional de pessoas. Por outro lado, o “tráfico interno de pessoas” é aquele
realizado dentro de um mesmo estado-membro da federação, ou de um Estado-
membro para outro, dentro do território nacional (artigo 2º, § 5º da “Política” Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, Decreto 5948/2006).
Tanto o Protocolo de Palermo quanto a Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas determinam que o consentimento dado pela vítima é irrelevante
para configuração do tráfico de pessoas. Este entendimento é válido para qualquer
uma das espécies do gênero tráfico de pessoas, portanto também vale para a espécie
111 | P á g i n a
trabalho escravo, inclusive na modalidade tráfico internacional de pessoas para fins de
trabalho escravo.
4. TRABALHO ESCRAVO
112 | P á g i n a
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. [grifo
nosso]
5. REFUGIADOS NO BRASIL
113 | P á g i n a
Superando o número de refugiados da Segunda Guerra Mundial, desde o ano de
2014, mais de 51,2 milhões de pessoas deixaram suas casas para solicitar asilo em outro
país (BBC NEWS, 2014).
Segundo Claro (2012), refugiare, é uma palavra originária do latim, e significa
buscar abrigo ou proteção de algo que seja uma ameaça à sua vida. Portanto, são
denominados como refugiados pessoas vítimas da violência de um conflito ou
temerosos de perseguição motivada por nacionalidade, raça, opinião política ou
participação em grupos sociais e religião, e acabam por cruzar suas fronteiras nacionais
em busca de proteção.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos ratifica:
114 | P á g i n a
deslocado é exclusivamente econômica “trata-se de um migrante e não de um
refugiado” (ACNUR-BRASIL, 2004, p. 25).
Analisando-se tudo quanto foi tratado até agora sobre a categoria dos
refugiados, percebe-se que a definição tradicional ou clássica de refúgio não atende a
questão dos assim chamados “refugiados ambientais”; pois estes, caso desejem,
podem retornar a seu país de origem, eis que seus deslocamento não decorreu de
perseguições políticas, ameaças ou intolerantes divergências de consciência, mais sim
de desastres naturais, tais como vulcões, terremotos, enchentes, pragas naturais e
interferência humana na natureza em geral.
Então, a característica do exercício da vontade para voltar ou não ao país de
origem diferenciador das migrações internacionais em geral e da imigração forçada
decorrente do refúgio, resta relativizada no caso do refúgio ambiental. Neste, mesmo
não havendo impedimento legal do retorno ao país de origem, existe a figura do
refúgio (ambiental).
115 | P á g i n a
que estão completamente livres de qualquer tipo de objeção, como no caso da
definição do termo refugiado e do princípio de non-refoulement (“não-devolução”),
que determina que nenhum país pode “devolver” um refugiado para uma área onde o
mesmo sofra perseguição, contra sua vontade, seja em qualquer ocasião,
(UNHCR/ACNUR, S/D).
Para sanar algumas lacunas existentes, através da Resolução 1186 de do
Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e pela Resolução 2198 da Assembleia Geral das
Nações Unidas foi adicionado um protocolo adicional à Convenção de 1951, o
Protocolo e 1967, o qual também pode ser conhecido como Protocolo Nova York,
cidade onde fora assinado, e entrou em vigor no dia 4 de outubro de 1967.Este
Protocolo considera que os Estados que o aderirem não devem adotar mais a reserva
geográfica limitada ao continente europeu. Rocha & Moreira (2010) explicam:
116 | P á g i n a
Em novembro de 2004, na cidade do México, como produto de um colóquio
realizado para comemorar o vigésimo aniversário da Declaração de Cartagena, vinte
países latino-americanos, firmam o Plano de Ação do México (PAM).
O PAM visa criar medidas de longa duração que assegurem o exercício dos
direitos fundamentais aos quais abrangem os refugiados e atua de maneira a
responder o fluxo crescente de refugiados acolhidos na América Latina (BARICHELLO,
2009).
No âmbito da legislação brasileira, a questão das migrações internacionais é
tratada, dentre outros, pelo Estatuto do Estrangeiro, Estatuto do Refugiado (lei n.
9474/1997), bem como pelas Resoluções Normativas do Conselho Nacional de
Refugiados (CONARI), como por exemplo a Resolução Normativa (r.n) 97/2012,
atualizada por diversas outras Resoluções Normativas mais recentes, a qual trata da
concessão de visto humanitário aos “nacionais do Haiti”, como consequência do
terremoto ocorrido naquele País em janeiro de 2010.
6. À GUISA DE CONCLUSÃO
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119 | P á g i n a
O DIREITO À NACIONALIDADE DAS
CRIANÇAS APÁTRIDAS: UM ESTUDO DOS
CASOS RELACIONADOS À APATRIDIA DA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS
Danielle Annoni1
Lina Tieco Doi2
Wendy Moreira de Lima3
1
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e Professora do Curso de Graduação em
Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal do Paraná.
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
3
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná .
120 | P á g i n a
statelessness, which refers the idea of a person doesn’t have any
nationality, is reaching more people today around the world, creating
concrete situations of social vulnerability and violating the fundamental
nationality law and his rights resulting. The Inter-American System for the
Protection of Human Rights, in turn, has been developing and taking
important steps in this matter, especially with regard to the protection of
the child, because of their vulnerable condition, guiding the decisions in
the matter of nationality and reduction of statelessness.
1. INTRODUÇÃO
4
Elke Maravilha foi presa no Aeroporto Santos Dumont, em 1971, durante o período da Ditadura Militar,
por desacato às autoridades, após rasgar os cartazes de procurados nos quais aparecia Stuart Angel Jones,
filho de sua amiga Zuzu Angel, o qual fora assassinado pelos militares. Atualmente Elke possui atualmente a
nacionalidade alemã, adquirida por meio de sua descendência.
5
2 - Esta Convenção não será aplicável: i) Às pessoas que actualmente beneficiam de protecção ou
assistência por parte de organismos ou agências das Nações Unidas, que não seja o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Refugiados, enquanto estiverem a receber essa protecção ou assistência; ii) Às
pessoas a quem as autoridades competentes do país onde tenham fixado a sua residência reconheçam os
direitos e obrigações inerentes à posse da nacionalidade desse país; iii) Às pessoas sobre as quais haja
razões fundadas para considerar que: 2 a) Cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um
crime contra a Humanidade, como definido nos instrumentos internacionais que contém disposições
relativas a esses crimes; b) Cometeram um grave crime de direito comum fora do país da sua residência
antes da sua admissão no referido país; c) Praticaram actos contrários aos objectivos e princípios das Nações
Unidas.
121 | P á g i n a
da Ásia, do Leste Europeu e da África, em razão dos problemas como a redefinição de
fronteiras e a secessão.
O território da América Latina é considerado o de menor incidência de apatridia
no mundo, isso devido à maioria destes países concederem nacionalidade a todos aqueles
que nascem em seu território (ACNUR, 2011). Mas essa realidade é recente, pois até
poucos anos atrás, o maior território da América Latina, ou seja, o Brasil, era responsável
por um enorme contingente de apátridas, decorrente de uma falha legislativa que
suprimiu do artigo 12 da Constituição Brasileira o direito à nacionalidade por ius sanguini
dos filhos de brasileiros nascidos no exterior que não viessem a residir no país.
Esta realidade perdurou até 2007, quando em razão de um intenso movimento
denominado “Brasileirinhas Apátridas”, foi feita uma reforma constitucional que permitiu
que cerca de 200 mil crianças apátridas adquirissem a cidadania junto a um consulado
brasileiro (ACNUR, 2011), tornando um caso de sucesso de repatriação, segundo a Agência
da ONU para Refugiados.
Todavia, mesmo com exemplos como o do Brasil e dos esforços internacionais
para a erradicação da apatridia, este problema está longe de terminar, afetando homens,
mulheres e crianças de todo o mundo. Cabe aos países buscarem não somente a proteção
destes indivíduos, como também sua repatriação, pois somente “a nacionalidade fornece
às pessoas um senso de identidade, e é fundamental para a participação integral na
sociedade” (ACNUR, 2010).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 15, dispõe
que “todo homem tem direito a uma nacionalidade”, complementado com o inciso II que
dispõe “ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de
mudar de nacionalidade”.
No âmbito das Américas, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969,
o Pacto de São José da Costa Rica reitera os dizeres da Declaração Universal de 1948,
complementando com o entendimento do direito à nacionalidade do território de seu
nascimento, no caso de não ter direito à outra.6 A Declaração Universal apresenta a
nacionadade sob duas perspectivas: a primeira emana da ideia de fornecer um mínimo de
proteção jurídica em todas relações ao indivíduo, já a segunda remete a relação do
individuo com um determinado Estado, visando a proteção contra a supressão arbitrária
da nacionalidade, que geraria a privação de diversos outros direitos civis provenientes da
nacionalidade. (MIGRANTES, 2015)
Sociologicamente descrevendo o termo, a nacionalidade “corresponde ao grupo
de indivíduos que possuem a mesma lingua, raça, religião e possuem um ‘querer viver em
6
Artigo 20 - Direito à nacionalidade
1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito
a outra.
3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade, nem do direito de mudá-la.
122 | P á g i n a
comum’” (MELLO, 2011: 929). Juridicamente, podemos entender que a nacionalidade
transforma o indíviduo em parte elementar da constituição do Estado.
Apesar de tais premissas da declaração universal e das demais legislações
internacionais acerca da nacionalidade, pertence à jurisdição interna de cada país decidir
acerca dos critérios de nacionalidade, por meio de legislações próprias que, em muitos
casos podem levar à polipatridia (uma pessoa possuir mais de uma nacionalidade) ou levar
à apatridia por certos indivíduos ou grupos minoritários que moram no mesmo território.
No plano interno de um Estado, a nacionalidade pode ser de duas espécies:
primária ou secundária. A nacionalidade primária, também denominada originária, é
aquela imposta pelo Estado como resultado de um fato natural, ou seja, o nascimento,
sendo, portanto, involuntária, pois, ocorre pela vontade soberana do Estado, a partir das
regras por ele estabelecidas.
Enquanto que a nacionalidade secundária, impropriamente conhecida por
nacionalidade adquirida (SILVA, 2011: 231), é contraída após o nascimento, por livre
manifestação de vontade, e firmada mediante acordo de vontade entre o indivíduo e o
Estado, ocorrendo normalmente pela forma de naturalização. (LENZA, 2008: 670)
Com relação à aquisição da nacionalidade primária, o nascimento relaciona-se
com o poder soberano do Estado que impõe regras para sua atribuição. Há dois critérios
que podem ser adotados pelo país para a determinação da nacionalidade: o ius sanguini e
o ius soli.
O ius sanguini, normalmente utilizado por países emigratórios, como os países
europeus, os quais buscam manter o vínculo com seus descendentes, baseia-se no vínculo
sanguíneo, ou seja, a filiação. Já os países que adotam o ius soli consideram como seus
nacionais todos aqueles que nascerem em seu território, pouco importando se são filhos
de nacionais do país. Ao contrário do anterior, esse critério tem prevalência em países
imigratórios.
Cada Estado opta por utilizar um desses critérios como legitimadores da
nacionalidade primária ou pode prevalecer a forma mista, na qual tanto os nascidos no
local quanto os descendentes tornam-se nacionais. Consequentemente, uma legislação
amparada por ambos os critérios tende a prevenir a ocorrência de apátridas, todavia
cumpre-nos lembrar que, nem nestas situações, torna-se impossível a sua ocorrência.
Independentemente do método adotado pelo país, novos casos de pessoas sem
nacionalidade aparecem a todo momento, muitos dos quais o Estado não é capaz ou não
deseja resolver ou não deseja, por motivos diversos. Cumpre então aos órgãos
internacionais essa árdua tarefa de orientar os Estados em prol da prevalência dos direitos
fundamentais de todo ser humano.
123 | P á g i n a
jurisdicional de proteção a partir das atividades de dois órgãos autônomos: a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Dessa forma, o Sistema Interamericano, através de seus dois principais órgãos,
possui a incumbência do controle e supervisão do cumprimento dos tratados
interamericanos de direitos humanos por parte dos Estados, abrangendo o recebimento
de denúncias de possíveis violações ou descumprimentos.
No ano de 1969, o Pacto de San José da Costa Rica foi aprovado, entrando em
vigor somente em 1978. Possuindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos como
um ponto de referência, o Pacto estipula um rol de direitos humanos a serem cumpridos e
respeitados internacionalmente pelos Estados ratificantes. Portanto, os Estados também
se comprometem a propiciar máximas condições e garantias de que esses direitos sejam
executados, tendo em vista o ideal do ser humano livre e possuidor de condições que lhe
oportunizam usufruir dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
O documento também cria a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão
autônomo da OEA, composto por sete juízes membros nomeados em Assembleia Geral,
cuja sede está localizada em San José da Costa Rica. Com incumbências consultivas e
contenciosas, a Corte possui a responsabilidade de proteção dos direitos humanos nas
Américas, julgando casos de violação dos direitos humanos ocorridos nos territórios dos
Estados membros da Organização dos Estados Americanos.
A atribuição consultiva da Corte Interamericana remete à possibilidade de
interpretação das disposições do Pacto de San José da Costa Rica, além daquelas previstas
em outros tratados ou documentos pertinentes à proteção dos direitos humanos no
continente americano. Dessa forma, qualquer Estado membro da OEA, mesmo não sendo
aderente da Convenção, pode requerer um parecer da Corte relativo à interpretação
dessas disposições. Além disso, a Corte também possui a competência de fazer sugestões
sobre a compatibilidade de preceitos das legislações internas em face da legislação
internacional.
Concomitantemente, a atribuição contenciosa ou jurisdicional proporciona a
possibilidade de solução de controvérsias acerca da interpretação ou aplicação da
Convenção, ou seja, a deliberação a respeito da violação ou descumprimento das
disposições concernentes à proteção dos direitos humanos, dessa forma, promovendo
essa tutela.
Ao longo do ano, a Corte promove sessões ordinárias e extraordinárias visando à
observância das orientações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que
servem como referência para a elaboração legal e administrativa de suas tarefas
(PIOVESAN, 1997: 90).
O reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos
pelo Brasil ocorreu em 1998, por meio do Decreto-Legislativo nº 89/98. Através desse
documento, para todos os ocorridos a partir da data do reconhecimento, ficou
determinada a competência obrigatória da Corte em todos os casos relativos à observação
e cumprimento do Pacto de San José da Costa Rica.
124 | P á g i n a
Tendo em vista o direito à nacionalidade previsto na Convenção Americana de
Direitos Humanos e as suas perspectivas, a Corte mantém uma posição afirmativa em
relação a responsabilidade internacional dos Estados de evitar as causas de apatridia. Esta
apreciação da Corte pode ser notada a partir de dois casos de violação dos direitos dos
apátridas: caso das Crianças Yean e Bosico e o caso das pessoas dominicanas e haitianas
expulsas, ambos contra a República Dominicana, além do Parecer Consultivo OC 21/2014,
que versam sobre a necessidade da proteção internacional da pessoa humana,
principalmente da criança, no contexto da migração, implicando na defesa dos direitos e
liberdades individuais, e na defesa específica dos direitos da criança, assegurando o direito
da Dignidade da Pessoa Humana.
7
COSTA RICA. 2005. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso das meninas Yean e Bosico vs.
República Dominicana. São José, 8 set. In: Ministério da Justiça, Secretaria da Justiça, Comissão de Anistia.
Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos: Migração, refúgio e apátridas. 2014. Brasília.
Tradução Corte Interamericana de Direitos Humanos. pp.181 - 246. In:
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migracao-refugio-e-apatridas (acessado em 16 de julho de 2015).
8
Artigo 61 - 1. Somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à decisão da
Corte. 2. Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso, é necessário que sejam esgotados os processos
previstos nos artigos 48 a 50.
125 | P á g i n a
Violeta Bosico ser impedida, devido à falta de documentos de identidade, de frequentar
as escolas públicas do país por um ano.
Levando em consideração a inexistência de um mecanismo ou procedimento de
apelação de uma decisão do Registro Civil perante um Juiz de Primeira Instância, além das
ações segregadoras dos funcionários do Registro Civil, a Comissão requereu à Corte que
ordenasse a reparação pelas supostas violações de direitos ocorridas em detrimento das
menores.
Além disso, a Comissão também solicitou a adoção de medidas legislativas por
parte do Estado Dominicano, visando à garantia de proteção aos direitos humanos
consagrados no Pacto de San José da Costa Rica, assim, estatuindo procedimentos sobre o
registro tardio de nascimento, excluindo os requisitos desmoderados e discriminatórios,
visando à facilitação do registro de crianças de ascendência haitiana no país, que são
marginalizadas devido às circunstâncias criadas pelo contexto histórico–social.
A Comissão também solicitou, finalmente, que a Corte decretasse ao Estado o
pagamento das despesas e custas provenientes da tramitação da demanda na jurisdição
interna do país e perante os órgãos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos
Humanos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, ao final do processo,
na sentença de 8 de setembro de 2005, atestou a ocorrência das violações denunciadas e
declarou a responsabilidade da República Dominicana, que deveria realizar um ato público
de reconhecimento de seu dever internacional pelas transgressões, ou seja, um pedido
público de desculpas às vítimas e seus familiares, num prazo de seis meses. Esse ato,
segundo a sentença, deveria ser divulgado nos meios de comunicação do país, a fim de
garantir satisfação às vítimas e não repetição futura das violações. Além disso, também
deveria haver a publicação da sentença, dentro de seis meses, no Diário Oficial do Estado.
Em relação às medidas legislativas solicitadas pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, a Corte decretou que a República Dominicana adotasse tais medidas,
pois são necessárias e compreensíveis para regulamentar as regras e condições do
processo de aquisição tardia de declaração de nascimento. Dessa forma, a Corte quis
garantir que esse processo fosse eficiente, simples e razoável para todos.
A respeito das indenizações requeridas, o Estado ficou responsável por pagar
U$8.000,00 (oito mil dólares norte-americanos) a cada uma das meninas, Yean e Bosico, a
título de indenização por danos imateriais, além de pagar mais a quantia U$6.000,00 (seis
mil dólares norte-americanos) como indenização pelas custas e despesas originadas da
tramitação da denúncia, tanto no âmbito interno como no internacional. Todavia, em
relação à indenização, requisitada pela Comissão, para os familiares das crianças, a Corte
considerou que a sentença, por si só, já valeria como uma forma de reparação do dano
imaterial sofrido pelas mães das crianças.
Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos também se comprometeu a
fiscalizar o cumprimento integral da decisão, de tal forma que a conclusão da demanda só
seria efetivada se o Estado cumprisse de forma total no prazo de um ano o que foi
decretado, contado a partir da notificação da sentença. Por conseguinte, a República
Dominicana ficou com o dever de apresentar à Corte uma nota informativa das
providências adotadas para cumprimento da sentença.
126 | P á g i n a
b. Caso das pessoas dominicanas e haitianas expulsas da
República Dominicana9
Proveniente da denúncia 12.271, o caso em face do Estado Dominicano foi
apresentado perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos pela Comissão em 12
de julho de 2012, nos termos dos artigos 51 e 61 do Pacto San José da Costa Rica (1969) 10.
Segundo a denúncia, a República Dominicana teria violado alguns direitos, previstos na
Convenção, de pessoas haitianas e dominicanas com ascendência haitiana, inclusive
crianças, que teriam sido arbitrariamente detidas e expulsas do território dominicano sem
o devido processo legal de expulsão, regulamentado pelo direito interno do país.
Ademais, a Comissão também afirmou na denúncia que o Estado havia criado
vários impedimentos para os migrantes haitianos registrarem seus filhos nascidos em
território nacional, e assim, obterem a nacionalidade dominicana, uma vez que o critério
de atribuição de nacionalidade adotado pelo país é o ius soli.
Ainda dentre os argumentos apresentados pela Comissão, a República
Dominicana não teria fornecido assistência jurídica às supostas vítimas, que não puderam
recorrer a decisão de detenção e expulsão. Além desse fato, devido o caráter arbitrário
das decisões de encarceramento e expulsão, as vítimas alegaram não terem tido a
oportunidade de apresentar seus documentos de identificação e o que foi apresentado,
foi destruído por funcionários dominicanos, proporcionando um estado de extrema
vulnerabilidade social.
A denúncia também continha relatos de que os haitianos e dominicanos, durante
a prisão, não receberam água, comida e assistência de saúde, além disso, a expulsão
ocasionou o desmembramento familiar e a marginalização, atingindo o desenvolvimento
normal das relações familiares, e demonstrando que o Estado não teve preocupações com
o zelo dos direitos humanos previstos na Convenção Americana.
A Comissão Interamericana ainda fez recomendações à Corte, no sentido de que
Estado deveria permitir que todas as vítimas que ainda estivessem no território haitiano
pudessem retornar ao território dominicano, além disso, deveria haver a implementação
de medidas legislativas ou administrativas necessárias para o reconhecimento da
nacionalidade dominicana para aquelas pessoas que nasceram no país.
9
COSTA RICA. 2014. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso de Personas dominicanas y haitianas
expulsadas vs. República Dominicana. São José, 28 de ago. In:
http://corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_282_esp.pdf (acessado em 18 de agosto de 2014).
10
Artigo 51 - 1. Se no prazo de três meses, a partir da remessa aos Estados interessados do relatório da
Comissão, o assunto não houver sido solucionado ou submetido à decisão da Corte pela Comissão ou pelo
Estado interessado, aceitando sua competência, a Comissão poderá emitir, pelo voto da maioria absoluta
dos seus membros, sua opinião e conclusões sobre a questão submetida à sua consideração. 2. A Comissão
fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que
lhe competir para remediar a situação examinada. 3. Transcorrido o prazo fixado, a Comissão decidirá, pelo
voto da maioria absoluta dos seus membros, se o Estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica
ou não seu relatório.
127 | P á g i n a
Outra recomendação foi a respeito de uma indenização, que deveria ser paga pelo
Estado de forma integral às vítimas ou seus sucessores, visando à reparação de danos
materiais e imateriais. Ademais, a República Dominicana também deveria tomar medidas,
como a revisão da legislação interna, para garantir a facilitação do registro das pessoas de
ascendência haitiana nascidas na República Dominicana e certificar uma melhor atuação
das autoridades, assim, proporcionando uma maior proteção dos direitos fundamentais
de todas as pessoas, combatendo qualquer tipo de discriminação.
A Corte Interamericana, ao final da sentença proferida no dia 28 de agosto de
2014, declarou a violação de vários artigos da Convenção por parte do Estado
Dominicano, dentre eles os artigos 3° (direito ao reconhecimento da personalidade
jurídica), 18 (direito ao nome) e o 20 (direito à nacionalidade), por exemplo.
Dessa forma, a Corte decretou a responsabilidade da República Dominicana
determinando que medidas públicas necessárias, administrativas ou legislativas, deveriam
ser adotadas em um prazo razoável, além da publicação da sentença no Diário Oficial do
país, visando o combate a negação arbitrária, causada pela descriminação de origem
étnica ou racial, da nacionalidade dominicana às pessoas nascidas no território nacional.
Além do mais, essas medidas também possibilitariam a não ocorrência de detenções ou
expulsões desmotivadas, que não seguem o devido processo legal previsto na legislação
interna do país.
As indenizações por danos morais e materiais, solicitadas pela Comissão, foram
acatadas pela Corte, além da restituição de custos e gastos utilizados ao longo da
tramitação da demanda. Também foi estabelecida uma indenização para o Fundo de
Assistência Jurídica às Vítimas.
Por último, foi estipulado um prazo de um ano, a partir da data da notificação da
sentença, para o Estado entregar perante a Corte um relatório sobre a implementação das
providências decretadas. Assim sendo, a conclusão do caso se daria somente após o
cumprimento integral da decisão, supervisionada pela Corte Interamericana objetivando a
proteção dos direitos previstos no Pacto de San José da Costa Rica.
11
COSTA RICA. 2014. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Parecer Consultivo OC-21/14. Solicitado
pela República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do
Uruguai. São José, 19 de ago. In: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_21_por.pdf (acessado
em 20 de julho de 2015).
128 | P á g i n a
Caribe nos últimos anos. Esse movimento, segundo os países solicitantes, pode
oportunizar uma situação de extrema vulnerabilidade social para os migrantes. Em relação
às meninas e aos meninos afetados pela migração, no pedido, havia a sugestão de haver
um enfoque específico em relação aos direitos dessas crianças, com base no fato de que
os Estados possuem a responsabilidade de zelar pelos direitos e garantias fundamentais
do ser humano.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, como órgão competente para
formular um Parecer Consultivo, estabelece que os Estados devem atentar, de forma
transversal e especial, aos direitos da criança, abrangendo a sua proteção e o seu
desenvolvimento integral, que deve preponderar sobre qualquer consideração da
nacionalidade ou status migratório.
Para isso acontecer, a Corte determinou que os Estados, dentro de suas
jurisdições, possuem o dever de identificar as crianças estrangeiras que precisam de
proteção internacional. Essa identificação deve ser feita a partir de uma avaliação inicial
segura, que visa oferecer um tratamento adequado e especificado conforme a
necessidade de cada criança. Depois dessa avaliação, cada Estado pode tomar medidas de
proteção especial e deve garantir o acesso à justiça e o devido processo legal mediante
processos administrativos ou judiciais acessíveis e compatíveis as necessidades das
crianças.
Também ficou determinado que os Estados não podem utilizar a privação de
liberdade de crianças para certificar os fins de um processo migratório, devendo assim,
criar e aplicar, no âmbito jurídico interno, providências que não impossibilitem a
liberdade, que serão aplicadas durante a regularização da situação migratória.
Outro ponto presente no Parecer é a respeito dos alojamentos destinados à
migrantes, que devem atentar ao princípio de separação e ao direito à unidade familiar,
ou seja, crianças desacompanhadas ou separadas, somente se alojarão em locais
diferentes ao dos adultos, enquanto que crianças acompanhadas, devem alojar-se com
seus familiares, a não ser que seja mais adequado a separação, tendo em vista o princípio
do interesse superior da criança.
Finalmente, a Corte proibiu a devolução, expulsão, deportação, oposição ou não
aceitação na fronteira, além da transferência a outro país que apresenta riscos de algum
comprometimento ao bem-estar físico da criança, através de tratamentos degradantes e
desumanos, ou quando a segurança e/ou liberdade do menor estejam ameaçadas por
causa de perseguições, violências ou violações aos direitos humanos. Isso ocorre devido
ao fato de que qualquer decisão sobre a transferência de uma criança a qualquer país,
sendo o de origem ou não, pode ocorrer apenas com base nas solicitações de seu
interesse superior, uma vez que, devido a idade, o risco de violação dos direitos humanos
da criança pode adquirir manifestações específicas, e os Estados possuem a obrigação
internacional de zelar pela guarda dos direitos humanos previstos em vários documentos
do Direito Internacional dos Direitos Humanos, inclusive esse Parecer Consultivo.
5. CONCLUSÃO
129 | P á g i n a
Todo ser humano tem direito à uma nacionalidade, mas devido à sua condição de
vulnerabilidade, as crianças devem receber especial proteção jurídica. O Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 24, dispõe sobre o direito a
proteção em razão de sua condição, “sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo,
língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento”,
determinando o registro imediato após o nascimento e o direito à nacionalidade e a um
nome12.
Destarte, a apatridia continua sendo um enorme problema, pois mesmo com
proteção interna e internacional, ainda há pessoas privadas de nacionalidade, seja por
nunca terem tido uma, seja por terem a perdido de forma arbitrária.
Compete, no domínio do continente americano, à Corte Interamericana de
Direitos Humanos o papel de julgar os casos contenciosos de violação dos direitos
humanos ocorridos dentro do território dos países signatários de sua competência,
motivados por suposta violação de direitos por parte do Estado-membro. Também lhes
incumbe a manifestação por meio de pareceres consultivos acerca da interpretação e
aplicação dos dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica. Nesse caso, qualquer
Estado-membro da OEA pode requisitar o parecer, mesmo que não tenha aderido à
Convenção.
Relevante destacar a imperatividade das sentenças da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, as quais serão definitivas e inapeláveis, além de ser obrigatórias,
produzindo efeito no plano interno nacional (GUERRA: 12). Ressalta-se também o
posicionamento jurisprudencial da Corte no sentido de que “os juízes dos países
signatários da Convenção devem aplicar, diretamente, a Convenção e a interpretação
dada pela Corte Interamericana” (CARVALHAL, 2014).
Nos casos contenciosos apresentados, assemelha-se o fato de ambos terem
como réu a República Dominicana, cujo critério de aquisição de nacionalidade era o ius
soli, negando-se a conceder nacionalidade aos filhos de imigrantes descendentes de
haitianos nascidos no país, numa clara manifestação de discriminação racial.
Nesse diapasão, milhares de crianças ficaram desprovidas de nacionalidade,
sendo incapazes de ter um registro de nascimento, tendo como parte das consequência a
impossibilidade de estudar, como apresentado no caso Yean e Bosico, ou ter assistência
jurisdicional, como ocorreu no caso das pessoas dominicanas e haitianas expulsas da
República Dominicana.
Condenada a pagar indenizações às vítimas e cumprir diversas determinações
visando o combate à discriminação e a possibilidade de aquisição da nacionalidade, a
República Dominicana declarou, em 2014, que não irá cumprir as sentenças, sob o
argumento de que tais decisões vão contra a constituição e os poderes legitimadores do
Estado. Em seguida, o país desligou-se da Corte Interamericana sob a alegação de que a
associação à Corte é inconstitucional (EL PAIS. AYUSO, 2014).
12
Art. 24 - 1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião,
origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição
de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.
2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após seu nascimento e deverá receber um nome.
3. Toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade.
130 | P á g i n a
Pouco antes, em setembro de 2013, o Tribunal Constitucional da República
Dominicana publicou uma sentença na qual decidiu revogar a nacionalidade,
retroativamente desde 1929, de todos os imigrantes que incapazes de comprovar a
regularidade da imigração, dos quais, a maioria é de descendentes de haitianos (LIGUORI,
2014). Na mesma sentença o Tribunal reconheceu a nacionalidade por meio de “critérios
‘históricos, linguísticos, raciais e geopolíticos’” (ROSAS, 2014), reconhecendo a
discriminação racial existente na sociedade dominicana e dando indícios da negação de
cumprimento das sentenças condenatórias.
Na contramão dos casos contenciosos, os países solicitantes do Parecer
Consultivo OC-21/14 demonstraram preocupação com a situação de vulnerabilidade dos
migrantes, em especial com as crianças e o risco de se tornarem apátridas.
Sob a alegação do intenso fluxo migratório que tem ocorrido nos últimos anos, a
solicitação do parecer girou em torno do dever de proteção do Estado que recebe os
migrantes, especialmente com relação às crianças, as quais devem ser identificadas no
caso de apatridia, assegurando-se seus direitos como tal.
Percebe-se por meio deste parecer a busca da efetivação dos direitos humanos e
o respeito à legislação internacional, a qual determina a obrigação dos Estados de evitar a
apatridia. É papel do Estado proteger aqueles que encontram em seu território, sejam
nacionais ou não, em especial, os migrantes, refugiados ou apátridas, que muitas vezes se
encontram às margens da sociedade, desprovidos de qualquer proteção legal.
É nesse sentido que vislumbra-se a necessidade do respeito ao direito à
igualdade, evitando-se a discriminação e a abolição da nacionalidade, reiterando-se o fato
da necessidade de cooperação entre os Estados, que devem buscar a prevenção da
apatridia, e não a sua perpetuação.
REFERÊNCIAS
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campanha global do ACNUR sobre apatridia. In:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/ev
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Casos de Apatridia. In:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Pu
blicacoes/2011/Prevencao_e_Reducao_da_Apatridia (acessado em 27 de julho de 2015).
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http://internacional.elpais.com/internacional/2014/11/06/actualidad/1415230815_658290.html
(acessado em 30 de julho de 2015).
CARVALHAL, Ana Paula. 2014. Corte Interamericana decide pela vinculação de sua
jurisprudência. In: http://www.conjur.com.br/2014-set-27/observatorio-constitucional-corte-
interamericana-decide-vinculacao-jurisprudencia (acessado em 30 de julho de 2015).
131 | P á g i n a
CASSIMIRO, Tatiane. 2014. Direito à nacionalidade: a questão dos apátridas. Relações
Internacionais. In:
http://relacoesinternacionais.com.br/2014/03/20/direito-a-nacionalidade-a-questao-dos-
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COSTA RICA. 2005. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso das meninas Yean e Bosico
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http://www.sdh.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/sentencas-da-corte-
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haitianas expulsadas vs. República Dominicana. São José, 28 de ago. In:
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LIGUORI, Chiara. 2014. República Dominicana: mais de 250.000 pessoas perderam direito à
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132 | P á g i n a
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Republica Dominicana - acão nº 130 de 08 de setembro de 2005 - Se C da Corte Interamericana
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SILVA, Andressa de Sousa e. 2006. A corte interamericana de direitos humanos. Revista Jurídica,
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SILVA, José Afonso da. 2011. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª ed. São Paulo,
Malheiros.
TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. 1991. Curso de Direito Constitucional. Texto revisto e atualizado
por Maria Garcia. Rio de Janeiro, Forense Universitária.
133 | P á g i n a
O MOVIMENTO DE PROTEÇÃO AOS
REFUGIADOS NA AMÉRICA LATINA, O
CONTEXTO BRASILEIRO E AS
INICIATIVAS DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
MUNICIPAIS DA CIDADE DE DOURADOS
PARA A ASSISTÊNCIA ÁS PESSOAS EM
TRÂNSITO
THE REFUGEES PROTECTION MOVEMENT IN LATIN AMERICA, THE BRAZILIAN
CONTEXT AND THE MUNICIPAL PUBLIC INSTITUTIONS’ INITIATIVES OF
DOURADOS CITY FOR THE ASSISTANCE TO PEOPLE IN TRANSIT
1
Discentes do terceiro semestre do curso de graduação de Relações Internacionais da UFGD, membros
do grupo de pesquisa “Políticas migratória brasileira para refugiados: o papel do Mato Grosso do Sul”,
coordenado pelo professor doutor César Augusto Silva da Silva.
134 | P á g i n a
inserted in the international context of the refuge. Brazil had
distinction in this context; however it was in his re-democratization
period that it consolidated with other countries the guidelines of the
multilateralism and defense of the human rights. Through literature
and field research we seek to analyze the Brazil and Mato Grosso do
Sul as highlighted in assisting refugees regarding other countries of the
Latin America, his difficulties how the several stages of the process
involved, and the important role of initiatives to these people at the
municipal level, in specific the city of Dourados (MS), as city “of
passage” of immigrants and of possible refugees, as strategies to
current problems of assistance to this group.
1. INTRODUÇÃO
2
Ao longo do artigo os termos refugiados, imigrantes e migrantes são empregados várias vezes, com isso
se faz necessário diferenciá-los para melhor compreensão do leitor.
Refugiados: De acordo com a Convenção de 51, são indivíduos que se encontram fora de seu país por
causa de fundado temor de perseguição (religiosa, política, racial, etc). Posteriormente, o termo foi
ampliado para abranger pessoas que são obrigadas a deixarem seu país devido a conflitos armados,
violência generalizada e violação em massa dos direitos humanos.
Imigrantes: são aqueles que em um país estrangeiro como a intenção de residir ou trabalhar. O
imigrante é visto pela perspectiva do país que o acolhe, é o indivíduo que veio do exterior.
Migrantes: são aqueles que mudam de local, região, estado ou país de maneira periódica.
3
Disponível em http://oestrangeiro.org/2015/06/07/salvando-vidas/. Acesso em 28.06. 2015.
135 | P á g i n a
Por ser um país com dimensões continentais, o Brasil recebe muitos
imigrantes internacionais, incluindo refugiados, por suas fronteiras. Estes municípios
de entrada são conhecidos como cidades de passagem, que é o caso do município de
Dourados, no estado do Mato Grosso do Sul, o qual está bem próximo da fronteira
paraguaia. Por esse motivo, passam pela cidade uma grande quantidade de imigrantes,
principalmente da América Latina, e dentre estes se encontram possíveis solicitantes
de refúgio.
O presente artigo exibe uma breve análise histórica do movimento de
proteção aos refugiados na América Latina, a atual situação latina americana e
brasileira em relação a esse fenômeno, as dificuldades encontradas pelos solicitantes
de refúgio no Brasil, e por fim, centraliza sua análise no caso específico da cidade de
Dourados, no estado do Mato Grosso do Sul. O artigo tem como base a política
migratória brasileira, com abordagem das relações internacionais e da ciência política.
Os resultados apresentados são parciais e busca expor as políticas municipais
existentes na cidade para auxílio e recebimento dos imigrantes internacionais.
Para essa finalidade, foi realizado levantamento bibliográfico nacional e
internacional, pesquisa de campo, a qual consiste em entrevistas semiestruturadas
realizadas em duas instituições públicas municipais de assistência social da cidade de
Dourados - MS, as quais lidam diretamente com indivíduos em situação de trânsito,
além de coleta de dados e análise dos resultados.
136 | P á g i n a
se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência
habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito
receio, a ele não queira voltar (ACNUR, 1996a, p. 61).
137 | P á g i n a
armados. Ou seja, o documento rompe com a barreira do âmbito individual, e passa a
enxergar um contexto coletivo. Segundo TRINDADE apud BARICHELLO, 2011.
Apesar do Documento não ter caráter obrigatório, o mesmo foi assinado por
diversos países da América Latina, como Venezuela, Nicarágua, Guatemala, Colômbia,
Belize, Honduras, Costa Rica, El Salvador e Panamá. Mesmo os Estados que não
assinaram vêm adotando o conceito ampliado de refugiado. Além disso, há nações que
adotaram a definição da Declaração em suas próprias constituições nacionais e o
incorporaram no seu texto infraconstitucional, este é o caso do Brasil.
A Declaração de Cartagena adquiriu grande importância no contexto latino
americano, e com isso, em comemoração aos vinte anos da Declaração, foi assinado o
Plano de Ação México em 2004, o qual propõe maior integração entre governos locais,
sociedade civil e a comunidade internacional para a proteção dos refugiados, fato que
culmina com os projetos: Cidades Solidárias, Fronteiras Solidárias e Reassentamento
Solidário. Dez anos depois, em 2014, foi assinado o documento Cartagena + 30 em
Brasília, o qual mais uma vez afirma os conceitos propostos pela Declaração de 1984,
além de analisar a situação atual dos refugiados, deslocados internos e apátridas em
toda a região da América Latina.
Todos estes movimentos de proteção aos refugiados na região possibilitou a
criação de mecanismos legais, em diversos países latinos americanos, os quais são
reconhecidos internacionalmente como Estados acolhedores de indivíduos em busca
de refúgio, entretanto, a população de refugiados ainda enfrentam certas dificuldades,
principalmente no âmbito da integração com a comunidade nacional. Fato que mostra
a constante necessidade de inovar as políticas públicas, para que sejam promovidos
avanços na recepção e integração dos mesmos.
138 | P á g i n a
Desde então, o Brasil passou a se destacar quanto à criação de políticas
públicas para ampliar sua proteção aos refugiados e promover soluções duradouras,
com o ponto culminante com a aprovação da lei 9.474/97, conhecida como Estatuto
dos Refugiados. O procedimento de reconhecimento da condição de refugiado no
Brasil é garantido pela legislação correspondente, segundo a mesma, os solicitantes de
refúgio têm direito à documentação provisória, incluindo a carteira de trabalho, até
que as solicitações sejam analisadas pelo órgão competente (CONARE). Em caso de
indeferimento, o solicitante é possível apresentar recurso junto ao Ministro da Justiça.
O refugiado reconhecido no Brasil tem os mesmos direitos e deveres que qualquer
estrangeiro em situação regular no país.
A lei 9.474 foi criada em 22 de julho de 1997 com o intuito de proceder em
relação à proteção desse grupo dentro de suas normas internas. Segundo o 1 o artigo
da lei “será reconhecido como refugiado todo o indivíduo que devido a fundados
temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupos sociais ou
opinião políticas encontram-se fora de seu país de origem e não possa e não queira
acolher-se a proteção de tal país”.
No contexto da legislação são responsáveis pela questão dos refugiados, o
CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados), que é constituído de um representante
do Ministério da Justiça que ocupa o cargo de presidência no órgão, de Relações
Exteriores (vice-presidência), do Trabalho, da Saúde, da Educação e do Departamento
da Polícia Federal, um representante da sociedade civil que possui direito a voto e um
representante do ACNUR que não possui poder de voto.
E também a Polícia Federal no auxílio da obtenção de documentos como o
Registro Nacional do Estrangeiro (RNE), Carteira de Trabalho e Previdência Social
definitiva (CPTS) e um número de cadastro de pessoa física (CPF). A representante da
sociedade civil, a Cáritas Brasileira, vem se destacando, uma entidade que presta
serviços de acolhida e interação de refugiados no Brasil, além de Pastorais do
Imigrante e ONGs em várias cidades brasileiras.
Conforme o CONARE, o Brasil possui atualmente em torno de 7.700
refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades incluindo os reassentados (dados de
meados de 2015). Os principais grupos são nacionais da Síria, Colômbia, Angola e
República Democrática do Congo (RDC)4.
O ACNUR conta com uma sede em Brasília e duas unidades em São Paulo, que
são responsáveis pela proteção e integração de refugiados além de arrecadações de
fundos privados. Precisa trabalhar em parceria com o governo nos âmbitos federal,
estadual e municipal, com o setor privado e organizações civis em regiões estratégicas
no país para efetivar suas políticas. O reconhecimento internacional do Brasil como um
líder regional na temática de proteção aos refugiados, na atualidade, é
fundamentalmente explicado por essa relação triparte construída historicamente
entre o governo, a sociedade civil e o ACNUR no que tange às políticas nacionais para
refugiados e que levou ao fortalecimento e engajamento do país no tema nos últimos
anos.
4
Disponível em http://oestrangeiro.org/2015/06/07/salvando-vidas/. Acesso em 28.06. 2015.
139 | P á g i n a
4. DIFICULDADES ENCONTRADAS PELOS REFUGIADOS NO BRASIL
5
Disponível em http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/ministerio-da-justica-anuncia-
fortalecimento-do-conare-e-lanca-campanha-de-sensibilizacao/. Acesso em: 22.08.15.
140 | P á g i n a
servirá de documento até a emissão do Protocolo Provisório que pode ser pedido
diretamente na Polícia Federal até a decisão definitiva em Brasília (SILVA, 2013, p.
149).
As diversas dificuldades para a legalização e inserção do refugiado na
sociedade brasileira, como a garantia da educação, trabalho e saúde assegurados pela
Constituição Federal vão muito além das questões burocráticas. Para se inserir na
sociedade, o refugiado precisará trabalhar e nessa etapa da integração encontram
muitas barreiras, principalmente pelos “mitos” criados pela própria população por
conta do desconhecimento da causa: o “medo” de que esses “imigrantes” (como
generalizam) tomem seus postos de trabalho, uma vez que há um número
considerável de refugiados que são bem qualificados.
O fato de não conseguirem emprego, faz com que o ingresso dos refugiados
no mercado de trabalho aconteça principalmente por meio da economia informal e
que fiquem mais vulneráveis á organizações criminosas. São prejudicados no que se
refere à saúde, microcrédito e direitos trabalhistas. Há ainda a resistência da sociedade
civil em aceitá-los sem preconceitos ou discriminação.
Por meio da análise de diversas interpretações normativas que em sua
maioria são restritivas e securitárias6 quanto ao que se refere às migrações
internacionais, observamos que o que consta na Lei brasileira para proteção a esse
grupo em específico, não condiz com a realidade enfrentada pelos mesmos. “Ora o
tratamento aos refugiados é encarado como uma questão de direitos humanos, ora é
vislumbrado como de segurança nacional.” (HAMID 2012, apud SILVA, 2013, p. 191). O
primeiro passo, para soluções duradouras é lutar contra o desconhecimento sociedade
em geral quanto a esses dois conceitos e principalmente aos órgãos competentes
como a Polícia Federal quanto à criminalização das migrações internacionais.
Sendo assim mesmo que essa localidade não represente o destino final do
possível refugiado, os locais de passagem, também precisam ser incluídos no que
tangem tais políticas, principalmente por se tratar de cidades fronteiriças em sua
maioria, e muitas vezes já nessas cidades iniciam o processo de solicitação de refúgio.
Assistir á essas cidades com as políticas para refugiados, pode significar um grande
avanço estratégico para a eficiência, desburocratização e melhorias na assistência aos
mesmos.
6
O termo se refere à criminalização dos imigrantes como um problema de segurança nacional, o que os
impossibilita de usufruírem dos direitos presentes na legislação.
141 | P á g i n a
Além disso, um levantamento estatístico do ACNUR de 2012, afirma que a
região Centro- Oeste é segunda região nacional que mais recebe solicitações de
refúgio, com 16% do total, apenas atrás da região sudeste, a qual recebe 66% das
solicitações. Porém, apesar de sua posição de destaque, os estados que compõem a
região Centro-Oeste não possuem comitês estaduais de Refugiados, os quais estão
presentes em somente quatro unidades federativas: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná
e Rio Grande do Sul. A partir desta situação, é possível concluir que dentre os
imigrantes que entram pelo estado do Mato Grosso do Sul e passam por suas cidades
de fronteira, há um número evidentemente relevante de possíveis refugiados, que
muitas vezes, não são identificados ou sequer passam por qualquer tipo de registro.
Devido á ausência de órgãos estaduais para o acolhimento dos solicitantes de
refúgio nessas localidades, o trabalho se concentra nas mãos de organizações não
governamentais, e também em políticas municipais. A cidade de Dourados está
inserida neste contexto, uma vez que a mesma está localizada a aproximadamente 120
km da fronteira paraguaia, muito próxima de Ponta Porã, cidade gêmea de Pedro Juan
Caballero (em território paraguaio). Como não há uma instituição estadual específica
para este tema no município, os processos de acolhimento, e encaminhamento
acontecem no âmbito municipal, através de políticas que incluem o atendimento aos
imigrantes de todo o tipo.
Segundo os dados oficiais do Município, em 2001, duas instituições da cidade
trabalhavam diretamente com os imigrantes, a Casa da Acolhida e a Cada da Divina
Providência. Esta última era uma organização não governamental, e atualmente se
encontra desativado. A Casa da Acolhida é uma instituição pública municipal, a qual
recebeu, em 2001, 87% dos imigrantes que passaram pela cidade.
Em 2014, foi inaugurado pela prefeitura do município de Dourados, o Centro
de Referência especializada para População em Situação de Rua – Centro POP, o qual
atende e presta assistência aos moradores de rua e à população em situação de
trânsito. Com isso, no contexto atual, a Casa da Acolhida e o Centro POP são as duas
instituições que recebem e trabalham de maneira direta com os imigrantes que
chegam a Dourados.
Logo, para o estudo e análise da situação atual dos imigrantes internacionais,
e possíveis refugiados na cidade de Dourados, foram realizadas entrevistas com as
coordenadoras de ambas as instituições. Vale ressaltar que somente as duas
instituições trabalham diretamente com indivíduos em situação de trânsito e possíveis
potenciais solicitantes de refúgio, apesar de não ter os migrantes como público- alvo
específico, porém os abrangem seus atendimentos. Ambas as instituições pertencem á
gestão da política de assistência social de Dourados. Não foram realizadas entrevistas
com órgãos públicos estaduais e municipais, pois o artigo tem como objetivo analisar
apenas as iniciativas públicas municipais. É importante citar que era desejado realizar
entrevistas com migrantes atendidos pelas instituições, porém não houve
oportunidade.
142 | P á g i n a
centro tem como público os indivíduos em situação de rua, o que inclui os moradores
de rua da cidade, e também os migrantes que passam por Dourados, uma vez que os
mesmos não possuem uma moradia.
Segundo dados oficiais do Centro, no ano de 2014 foram atendidos 468
imigrantes pela instituição, uma média de 68 indivíduos por mês. Os usuários, em sua
grande maioria são homens (429) com idade a cima de 20 anos. No ano passado, 39
mulheres passaram pelo Centro. A instituição não fornece atendimento para menores
desacompanhados. É importante esclarecer, que os números apresentados englobam
todos os tipos de migrações, inclusive a deslocação de brasileiros de uma região do
país para outra. As maiorias dos imigrantes recebidos são haitianos paraguaios,
uruguaios, bolivianos, africanos, chilenos, argentinos e libaneses (Informação Verbal)
7.8
7
AMORIM, Amarilda de Jesus Alves. Coordenadora do Centro POP. Depoimento em março de 2015.
Dourados (MS).
8
Vale lembrar que o público alvo da instituição são pessoas em situação de trânsito, o que inclui
imigrantes que não se qualificam como possíveis refugiados.
9
IBIDEM.
10
Não foram fornecidos, durante a entrevista, dados numéricos em relação ao número de indivíduos
que se apresentam á instituição em situação regularizada e com o porte de documentos.
11
IBIDEM.
12
IBIDEM.
13
IBIDEM.
14
IBIDEM.
143 | P á g i n a
O Centro trabalha a partir da escuta qualificada, também disponibiliza
atendimento psicossocial, orientação jurídico-social, e diagnóstico socioeconômico.
Porém, a maioria dos imigrantes que se apresentam ao Centro vão em busca de
passagens para outras localidades (Informação Verbal)15. Quando o imigrante já foi
atendido por outra instituição em outra cidade, o Centro entra em contato com a
mesma. Além disso, mantêm contato com o posto da Polícia Federal local, a Cáritas
Arquidiocesana de São Paulo e Rio de Janeiro, e outras instituições (Informação Verbal)
16.
b. A Casa de Acolhida.
A Casa da Acolhida de Dourados é uma instituição pública mantida pela
Secretaria Municipal de Assistência Social, a Casa opera no município desde 2001, e
tem como principais usuários, classes distintas de indivíduos, as quais são: abrigados
(pessoas que perderam totalmente o vínculo familiar, moram na casa por tempo
15
IBIDEM.
16
IBIDEM.
17
IBIDEM.
18
IBIDEM.
19
IBIDEM.
20
IBIDEM.
144 | P á g i n a
indeterminado), pessoas em situação de rua, mochileiros, indivíduos em trânsito e
migrantes. Ainda há aqueles não estão hospedados na instituição, mas recorrem a ela
para realizar refeições diárias.
De acordo com dados oficiais, durante os meses de Janeiro a Agosto de 2013
a Casa recebeu 609 acolhidos, dentre eles 473 (77,66%) homens, 101 (16%) mulheres,
e apenas 34 (6%) crianças e adolescentes. O número baixo de menores é explicado
pelo fato da instituição estar de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente,
com isso, não recebe menores desacompanhados. Em relação á faixa etária, a maioria
dos usuários compreende entre 21 e 30 anos (44%), 46, 30% dos indivíduos atendidos
alegam ser solteiros.
Quando o indivíduo chega á Casa da Acolhida, é realizado um cadastro, e
preenchida uma ficha, a qual abrange vários dados, inclusive os três últimos estados e
cidades por onde ele passou. De acordo com as informações adquiridas, grande
número dos atendidos já passou por outras cidades do estado do Mato Grosso do Sul.
Os estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso também se destacam como lugares da
última parada dos indivíduos antes de chegarem a Dourados. Há também os
imigrantes estrangeiros que são atendidos pela Casa, em sua maioria são argentinos,
paraguaios, uruguaios, peruanos, colombianos, equatorianos, haitianos e africanos em
geral (Informação Verbal)21
Os migrantes acolhidos pela instituição, geralmente chegam à rodoviária da
cidade, e são levados a Casa pela guarda municipal. Outros tomam conhecimento do
local através de encaminhamento popular, ou de outras instituições, como por
exemplo, igrejas locais (Informação Verbal)22. Estes indivíduos alegam estarem em
busca de uma melhor qualidade de vida e novas oportunidades, muitos deles não
permanecem na Casa da Acolhida por muito tempo, outros chegam em busca de
passagens para outras cidades, e ficam na instituição até a aquisição da mesma
(Informação Verbal) 23.
Assim como no Centro POP, os indivíduos que se apresentam á instituição
sem documentos passam pelo atendimento inicial sem complicações, entretanto são
acompanhados até a Delegacia para a realização de um Boletim de Ocorrência
(Informação Verbal24.
A Casa possui parcerias com órgãos públicos municipais e federais, mantém
vínculos com a OAB e a Casa dos Conselhos, além de contar com o apoio do SESC e da
Mesa Brasil para capacitação das cozinheiras (Informação Verbal)25. Durante sua
estadia, o acolhido não recebe apenas refeições hospedagem, tem acesso a
atendimento psicológico, é orientado a respeito de seus diretos, e quando necessário,
a Casa realiza encaminhamentos para outras instituições, as quais fornecem um
atendimento mais rápido devido a mediação da mesma (Informação Verbal)26.
Quando se trata dos migrantes internacionais, a principal dificuldade
encontrada pela instituição é o idioma, porém, nestes casos eventuais, a Casa busca
21
SILVA, Cleibe Maria da. Coordenadora da Casa da Acolhida. Depoimento em Março de 2015. Dourados
(MS).
22
IBIDEM.
23
IBIDEM.
24
IBIDEM.
25
IBIDEM.
26
IBIDEM.
145 | P á g i n a
parceria com universidades e indivíduos da comunidade local que tenham
conhecimento do idioma estrangeiro (Informação Verbal) 27. Outro obstáculo
encontrado é a discriminação da sociedade em relação á estas pessoas, preconceito
que deve ser descontruído a partir de informação e conhecimento.
A Casa da Acolhida é um lugar para todos, os migrantes estrangeiros são
acolhidos e tratados da mesma maneira como são os usuários nacionais. Os
imigrantes, geralmente, são pessoas inteligentes e capacitadas, com experiência
prática no trabalho; em certa ocasião a Casa recebeu um chileno, o qual cozinhava
muito bem, no período de um dia, conseguiu dois empregos, a ideia de que os
imigrantes são intelectualmente inferiores não condiz com a realidade (Informação
Verbal)28. A instituição sempre buscar fazer algo a mais, que possa trazer melhorias
para a vida do acolhido.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
27
IBIDEM.
28
IBIDEM.
146 | P á g i n a
A criação de um comitê municipal ou estadual para refugiados nas cidades de
fronteiras do Mato Grosso do Sul. Em toda a região da fronteira seca do Estado,
particularmente nas cidades de Ponta Porã e Dourados- MS seria de grande valia, a
partir do momento em que as autoridades do estado percebessem que a questão
migratória impacta, de maneira relevante, o Estado e os municípios, devendo ser
tratada como algo estratégico dentro do espírito dos direitos humanos. O comitê,
junto à gestão municipal, contribuiria tanto para modernizar os processos de
reconhecimento da condição de refugiado, diminuindo as dificuldades encontradas
pelos solicitantes, como para ajudar na sua integração com a comunidade local.
Neste sentido, o desenvolvimento estratégico de postos de atendimento para
imigrantes internacionais nestas regiões de passagem, com uma maior estrutura
burocrática e de recursos humanos, para além apenas do atendimento dos postos da
Polícia Federal, seria extremamente relevante. Ou seja, uma maior presença do
Estado, de modo a aumentar a capacidade resposta pública no que tange ao
recebimento e acolhimento de migrantes internacionais, incluindo refugiados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Entrevistas
AMORIM, Amarilda de Jesus Alves. Coordenadora do Centro POP, em Dourados. Depoimento
em março de 2015. Dourados (MS).
Referências Bibliográficas
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Apátridas. UNHCR. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2012/Lei_947_97_e
_Coletanea_de_Instrumentos_de_Protecao_Internacional_de_Refugiados_e_Apatridas.pdf?vi
ew=1. Acesso em: 21 de setembro de 2014.
ARENDT, Hannah. Nós, os Refugiados. Tradução de Ricardo Santos. LusoSofia: press. Covilhã,
2013.
147 | P á g i n a
BARICHELLO, Stefania Eugenia. A evolução dos instrumentos de proteção do direito
internacional dos refugiados na América Latina: da convenção de 51 ao plano de ação do
México. Universitas Relações Internacionais. Brasília, v. 10, n. 1, p. 35-51, jan./jun. 2012.
BARRETO, LUIZ Paulo T. Ferreira; LEÃO, Renato Z. Ribeiro. O Brasil e o espírito da Declaração
de Cartegena. Mini-feature: Brasil. Revista Forced Migration. Edição 35, Julho de 2010.
BARRETO, Luiz Paulo T. Ferreira. Refúgio no Brasil. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça,
2010. 216 p.
MOREIRA, Julia Bertino; BAENINGER, Rosana. Refugiados e política pública no Brasil. VII
Encontro da ANDHEP. São Paulo, 2014. Disponível em:
<http://www.encontro2014.andhep.org.br/resources/anais/1/1397572174_ARQUIVO_ANDHE
P2014PaperRefugiadosePoliticaPublicanoBrasil.pdf>. Acesso em: 13 de maio de 2015.
PACÍFICO, Andrea Maria C. Pacheco. O capital dos refugiados: bagagem cultural versus
políticas públicas. São Paulo: PUC 2008. 490f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais –
Sociologia) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
SILVA, César Augusto S. da. Desafios para uma política brasileira para refugiados no contexto
contemporâneo. Revista da Faculdade de Direito Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre: Faculdade de Direito/ UFRGS, v. especial, p. 182-208, Jan. 2014.
148 | P á g i n a
POLÍTICA MIGRATÓRIA BRASILEIRA : 1
OS REFUGIADOS SÍRIOS
1
Artigo apresentado na 6 edição do Seminário da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Faculdade de
Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados em Outubro de
2015.
2Acadêmica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
alessandracmesquita@gmail.com
3Professora Associada do curso de Direito e do programa de Mestrado em Direito da Universidade
2. METODOLOGIA
4
Dados da Agência da ONU para refugiados. In: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/
(acessado em 27 de agosto de 2015).
5
A Hungria mandou construir uma cerca para afastar os imigrantes, maiores informações em:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/08/hungria-pede-dinheiro-para-ue-e-constroi-cerca-para-conter-
migrantes.html (acessado em 31 de agosto de 2015). Com a deteriorização da situação em decorrência do
aumento da quantidade de imigrantes que tentavam passam pela Hungria para chegar à Alemanha e a
outros países do Norte da Europa, em 16 de setembro de 2015, a Hungria mandou fechar sua fronteira com
a Sérvia; apesar de fazer parte do tratado de Schengen (http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-
do/policies/borders-and-visas/schengen/index_en.htm) e dispersou os refugiados com jatos d’àgua e gás
lacrimogêneo (http://www.bbc.com/news/world-europe-34272765). Cabe mencionar que esse país é
Estado-parte da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967
(https://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=V-5&chapter=5&lang=en).
Acessados em 16 de setembro de 2015.
6
Para mais informações, ver o Discurso do Primeiro Ministro sobre controle imigratório. In:
https://www.gov.uk/government/speeches/pm-speech-on-immigration (acessado em 28 de agosto de
2015).
150 | P á g i n a
artigos científicos, bem como das convenções internacionais que se encontram
diretamente relacionadas ao tema.
3. DISCUSSÃO E RESULTADOS
7
Jornal do Brasil de 26/09/2015. Instalada comissão especial que discutirá mudanças no Estatuto do
Estrangeiro. http://www.jb.com.br/pais/noticias/2015/09/24/instalada-comissao-especial-que-discutira-
mudancas-no-estatuto-do-estrangeiro/ e Câmara dos Deputados. PL 2516/2015.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1594910 (acessado em 26
de setembro de 2015).
151 | P á g i n a
discricionário, dessarte, constitui-se em direito do Estado, não dever, como é o caso do
refúgio uma vez que as exigências sejam atendidas (Ibidem, p.346-348). Para Braga (2010,
apud PORTELA, 2012: 349), a perseguição no refúgio acaba sendo, via de regra, coletiva, já
que se trata de motivos que se aplicam a um grupo, enquanto no asilo ela normalmente é
dirigida àquela pessoa.
Para a Agência de Refugiados das Nações Unidas, deve-se separar ainda os
refugiados dos migrantes. Já que aqueles, essencialmente, estão fugindo de conflitos
armados e de perseguições, enquanto estes decidem fugir para buscar condições
melhores de vida.8 Essa distinção é por vezes criticada, já que, muitas vezes, os migrantes
por razões econômicas se veem impossibilitados de permanecer em seus Estados sem pôr
em risco direitos humanos básicos, como alimentação, saúde, etc.
Um dos temas principais ao tratar da situação jurídica do estrangeiro diz respeito à
sua entrada em território de Estado do qual não é nacional. Os Estados podem negar a
entrada a estrangeiros tendo em vista o interesse nacional, por isso o ato de admissão é
considerado discricionário. A esse respeito, afirma Rezek (2008: 193):
8
UNHCR viewpoint: ‘Refugee’ or ‘Migrant’ – which is right? In: http://www.unhcr.org/55df0e556.html
(acessado em 06 de setembro de 2015).
152 | P á g i n a
4. DIREITO DOS REFUGIADOS
Ҥ2. Para os fins do presente Protocolo, o termo "refugiado", salvo no que diz
respeito à aplicação do §3 do presente artigo, significa qualquer pessoa que se
enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as
palavras "em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1o de janeiro
de 1951 e..." e as palavras "...como conseqüência de tais acontecimentos" não
figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro.
O presente Protocolo será aplicado pelos Estados Membros sem nenhuma
limitação geográfica; entretanto, as declarações já feitas em virtude da alínea
“a” do §1 da seção B do artigo1 da Convenção aplicar-se-ão, também, no regime
do presente Protocolo, a menos que as obrigações do Estado declarante tenham
sido ampliadas de conformidade com o §2 da seção B do artigo 1 da
Convenção.”
9
Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados. Disponível para download em:
http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/ (Acessado em 10 de setembro de 2015).
153 | P á g i n a
restrito apenas a europeus.
Para a concessão do refúgio, a perseguição e o fundado temor devem estar
configurados. Uma das metodologias mais utilizadas no caso concreto é a do Prof. James
Hathway, para quem a perseguição se define quando ocorrem violações a direitos
fundamentais, tais como a liberdade de pensamento, de religião e de consciência,
garantia de não ser submetido à tortura ou à escravidão, nem ser preso arbitrariamente
(Ibidem, p.454).
Uma das principais características do Direito Internacional dos Refugiados é a
adoção do princípio do non-refoulement, que proíbe os Estados de rechaçarem ou
expulsarem os refugiados tendo em vista que, caso retornem aos Estados de origem,
correrão sério risco de vida ou de perseguição (PORTELA, 2012: 913). O artigo 33,
parágrafo 1 da Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado estabelece que:
10
Supremo Tribunal Federal. Informativo 579, Brasília, DF, 15 a 19 de março de 2010. Processo: Ext
1.170/República Argentina. Rel. Min. Ellen Gracie.
154 | P á g i n a
definição de refugiado no ordenamento jurídico brasileiro é um pouco mais ampla que a
definição da Convenção de 1951 por incluir, no inciso terceiro do Artigo 1º, o
reconhecimento do indivíduo que “devido a grave e generalizada violação de direitos
humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro
país.” Ademais, os efeitos da condição estendem-se aos cônjuges, ascendentes e
descendentes, bem como outras pessoas que dependam economicamente do refugiado,
com a condição de que aqui se encontrem, conforme o artigo 2º.
Entretanto, essa definição sofre algumas críticas quando comparada com a que
consta na Declaração de Cartagena de 1984, pois consideram-na mais restritiva que a da
Declaração tendo em vista que ela inclui a compulsão como causa da fuga (WALDELY et al.
2014: 40). Nas conclusões adotadas pela Declaração basta apenas a ameaça de violência
generalizada, como podemos verificar abaixo:
A lei 9474/97 foi elaborada para facilitar a aplicação do Estatuto dos Refugiados no
Brasil. Antes de sua promulgação, as decisões sobre a concessão de refúgio no Brasil
baseavam-se, principalmente, nas recomendações do ACNUR. Ela garante aos refugiados
direito a documentos de identidade, trabalho e viagem (art. 6º), além de outros direitos
civis.
Essa lei criou o Comitê Nacional para os Refugiados, órgão que faz parte da
estrutura do Ministério da Justiça e que é composto por representantes deste e de outros
ministérios, quais sejam, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde, Educação, Desporto, bem
como da Polícia Federal e de alguma ONG que se dedique aos refugiados. O ACNUR
participa como convidado com direito a voz, porém, sem direito ao voto (PORTELA, 2012:
917).
Ao CONARE compete analisar os pedidos de refúgio e reconhecer o status de
refugiado ou declarar sua perda em primeira instância. Também encontra-se em sua
alçada a orientação e coordenação de ações para a proteção, apoio e assistência jurídica
aos refugiados, assim como a aprovação de instruções normativas, conforme
analisaremos abaixo (Ibidem, p.917).
11
Dados sobre Refúgio no Brasil. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/ (acessado em 19
de setembro de 2015).
12
Ministério da Justiça. Conare renova medida que facilita emissão de vistos a pessoas afetadas pelo
conflito na Síria. In: https://www.justica.gov.br/noticias/conare-renova-medida-que-facilita-emissao-de-
vistos-a-pessoas-afetadas-pelo-conflito-na-siria (acessado em 23 de setembro de 2015).
13
Immanuel Wallerstein. The contradictions of the Arab Spring. Disponível em:
http://iwallerstein.com/articles/ Acesso em: 19 de setembro de 2015.
156 | P á g i n a
Segurança da ONU, onde encontrou resistência da Rússia e da China, aliados de Assad. Na
opinião de Wallerstein (2012), as potências ocidentais relutaram com a ideia de uma
intervenção militar na Síria, dentre outros fatores, pela resistência que Assad
representaria (em comparação à de Gaddafi), pela falta de legitimidade em decorrência da
divisão do Conselho de Segurança nessa matéria e, talvez a razão mais importante, pela
incerteza do que viria a acontecer na Síria caso o regime caísse.
No quinto ano do conflito, a crise síria conta com mais de 4 milhões de refugiados,
sendo que a maioria se encontra nos países vizinhos. A Turquia abriga 1,938 milhão,
seguida pelo Líbano com 1,113 milhão de refugiados sírios e pela Jordânia com 630 mil.
Iraque e Egito abrigam 250mil e 132mil, respectivamente. Quando considerado os
deslocados internos, esse número é quase três vezes maior. Para a maioria dos refugiados
sírios, deixar o país é o último recurso. Nos países vizinhos, a maioria desses refugiados
vive fora dos campos formais e os recursos de muitos começam a esgotar-se após algum
tempo, deixando essas famílias em estado de vulnerabilidade e levando, na Jordânia e no
Líbano, algumas famílias a mendigar.14
A situação piorou muito com o surgimento do Estado Islâmico do Iraque e do
Levante. No início do conflito, Bashar al-Assad teria libertado alguns prisioneiros, dentre
eles jihadistas, para comprovar sua tese de que os rebeldes eram terroristas, dessa forma,
acabou contribuindo para o surgimento do EI, que nasceu a partir dos escombros da Al-
Qaeda iraquiana, e com quem tem disputado território.15
A expansão do Estado Islâmico somada à restrição impostas pelos países vizinhos à
entrada de refugiados sírios podem ser entendidas como algumas das principais causas
que levam muitos refugiados a buscar abrigo na Europa. Até 1º de setembro, a OIM
contabilizou a chegada de mais de 350mil migrantes (contando com os líbios e migrantes
de outros países do norte da África) na Europa e mais de 2 mil mortes na travessia.16
Em uma entrevista à rede de notícias CNN, quando perguntados se não tinham
medo que seus filhos morressem na travessia de barco para a Europa, apenas alguns dias
após a morte do pequeno Aylan Kurdi por afogamento nessa mesma rota, um pai
respondeu que se ficassem na Síria, eles morreriam do mesmo jeito. Essa é a extensão do
desespero que muitos refugiados sentem.17
14
ACNUR – Situação interna na Síria se deteriora e força milhares de pessoas para a Europa. In:
http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/situacao-interna-na-siria-se-deteriora-e-forca-
milhares-de-pessoas-para-a-europa/ (acessado em 22 de setembro de 2015).
15
CartaCapital. O Estado Islâmico veio para ficar. In: http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-
estado-islamico-veio-para-ficar-7652.html (acessado em 22 de setembro de 2015).
16
El País. Por que os refugiados emigram maciçamente para a Europa? In:
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/02/internacional/1441203464_243164.html (acessado em 22 de
setembro de 2015).
17
Reportagem especial sobre a crise de refugiados que divide a opinião pública europeia. Foi ao ar dia 12 de
setembro de 2015, aproximadamente às 19:45 (horário de Brasília).
157 | P á g i n a
sírio na travessia para a Europa e a descoberta do caminhão na Áustria com 71 refugiados
mortos, como exemplos dessa tragédia humanitária e afirmou que a comunidade
internacional “não pode mais ficar inerte”. O Brasil já concedeu 7752 vistos humanitários
aos refugiados sírios, segundo a Presidente.18
A iniciativa do Brasil de conceder o visto humanitário é pioneira no âmbito global.
Como normalmente o refúgio só pode ser solicitado quando o requerente se encontra em
solo do Estado receptor, essa resolução foi crucial para garantir abrigo a pessoas que, de
outro modo, não conseguiriam escapar do conflito (GODOY, 2014: 91). O Brasil fechou sua
embaixada em Damasco em 2012 por razões de segurança, dessarte, os vistos
humanitários para os sírios são expedidos, principalmente, pelos consulados de Beirute,
Amã e Istambul.
Apesar de não receber tantos refugiados quanto países como a Alemanha e a
Suécia, com 65.075 e 39.325 respectivamente, o Brasil concedeu quantidade considerável
de reconhecimento de refúgio19, como fica evidente no quadro comparativo abaixo:
Refugiados acolhidos
Grécia
Argentina
França
Itália
Estados Unidos
Brasil
0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000
Refugiados acolhidos
Como dito alhures, os refugiados têm direito aos documentos de identidade, carteira de
trabalho e CPF, entretanto, há quem critique o governo pela demora na emissão desses
18
Folha de S. Paulo. ROUSSEFF, Dilma. 2015. Os refugiados e a esperança. In:
http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11231:folha-de-s-paulo-os-
refugiados-e-a-esperanca-artigo-dilma-rousseff&catid=196&lang=pt-BR&Itemid=447 (acessado em 23 de
setembro de 2015).
19
BBC Brasil. Brasil acolhe mais sírios que países na rota europeia de refugiados. In:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150904_brasil_refugiados_sirios_comparacao_internaci
onal_lgb (acessado em 23 de setembro de 2015). Nota: dados da Argentina são referentes a 2014. Dados do
Brasil atualizados em 21 de setembro de 2015 em publicação do Conare.
158 | P á g i n a
documentos, deixando os imigrantes em situações de vulnerabilidade e impedindo-os de
entrar no mercado de trabalho formal. Nota-se então a ambiguidade do discurso
brasileiro, que se dispõe a acolher, mas não fornece as condições necessárias para um
acolhimento adequado (FERNANDES et al., 2014: 94).
Como consequência dessa demora, o Ministério Público Federal de São Paulo e a
Defensoria Pública da União entraram, em março do presente ano, com uma ação civil
pública em face da União para buscar um atendimento mais célere aos imigrantes em
geral. Para obter uma carteira de trabalho, muitos estrangeiros chegaram a esperar quase
dois meses. Essa demora era resultado de uma política centralizadora na emissão desses
documentos, que no caso de estrangeiros era feita apenas pelas Superintendências
Regionais do Ministério do Trabalho e Emprego.20
Com a Portaria nº 699/2015, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) autorizou
os “órgãos da administração pública direta e indireta, no âmbito federal, estadual, distrital
e municipal a prestarem o atendimento de solicitação” e entrega da CTPS ao
estrangeiro.21 Da mesma forma, a Resolução Normativa nº 18 do Conare estabeleceu, em
seu artigo 2º caput, que a Polícia Federal deverá emitir, imediatamente após o
recebimento do Termo de Solicitação de Refúgio, o Protocolo de Refúgio. Ele servirá,
conforme o §3º do mesmo artigo, para obter o CPF e a CTPS.
6. CONCLUSÕES
20
Procuradoria da República em São Paulo. 20/03/15 – MPF/SP move ação para que União agilize a
emissão de Carteira de Trabalho a imigrantes residentes no Brasil. In: http://www.prsp.mpf.mp.br/sala-de-
imprensa/noticias_prsp/20-03-15-2013-mpf-sp-move-acao-para-que-uniao-agilize-a-emissao-da-carteira-de-
trabalho-a-imigrantes-residentes-no-brasil (acessado em 24 de setembro de 2015).
21
Diário Oficial da União, nº 101, sexta-feira, 29 de maio de 2015.
159 | P á g i n a
dessas pessoas poderia beneficiar à sociedade brasileira e torná-la mais aberta,
contribuindo positivamente na inserção dos refugiados que aqui se encontram.
Devemos levar em consideração que na raiz do problema dos enormes fluxos de
refugiados gerados nos últimos anos, encontram-se as sistemáticas violações de direitos
humanos e que, enquanto elas não forem combatidas, o problema persistirá. Dessa
forma, torna-se necessário uma ação por parte dos atores relevantes no cenário
internacional; caso contrário, devemos esperar números cada vez maiores de refugiados.
REREFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_____. 2015. Situação interna na Síria se deteriora e força milhares de pessoas para a Europa. In:
http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/situacao-interna-na-siria-se-deteriora-e-
forca-milhares-de-pessoas-para-a-europa/ (acessado em 22 de setembro de 2015).
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. 2008. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas.
BBC Brasil. Brasil acolhe mais sírios que países na rota europeia de refugiados. In:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150904_brasil_refugiados_sirios_comparacao
_internacional_lgb (acessado em 23 de setembro de 2015).
BRASIL. Ministério da Justiça. 2015. Conare renova medida que facilita emissão de vistos a
pessoas afetadas pelo conflito na Síria. In: https://www.justica.gov.br/noticias/conare-renova-
medida-que-facilita-emissao-de-vistos-a-pessoas-afetadas-pelo-conflito-na-siria (acessado em 23
de setembro de 2015).
BRASIL. Procuradoria da República em São Paulo. 20/03/15 – MPF/SP move ação para que União
agilize a emissão de Carteira de Trabalho a imigrantes residentes no Brasil. In:
http://www.prsp.mpf.mp.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/20-03-15-2013-mpf-sp-move-acao-
para-que-uniao-agilize-a-emissao-da-carteira-de-trabalho-a-imigrantes-residentes-no-brasil
(acessado em 24 de setembro de 2015).
Carta Capital. LIMA, José Antonio. O Estado Islâmico veio para ficar. In:
http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-estado-islamico-veio-para-ficar-7652.html
(acessado em 22 de setembro de 2015).
160 | P á g i n a
CONVENÇÃO RELATIVA AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS, 1951. In:
http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/ (Acessado em 10 de setembro de
2015).
FERNANDES, Duval; CASTRO, Maria da Consolação Gomes de; MILESI, Rosita. 2014. “O gluxo de
imigração recente para o Brasil e a política governamental: os sinais de ambiguidade. Notas
Preliminares.” Caderno de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania. Brasília, Instituto Migrações e
Direitos Humanos, 93-102.
FURTADO, Gabriela. RODER, Henrique. AGUILAR, Sérgio L. C. 2014. A Guerra Civil Síria, o Oriente
Médio e o Sistema Internacional. In:
http://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacionais/a-guerra-
civil-siria.pdf (acessado em 18 de setembro de 2015).
GODOY, Gabriel Gualano de. 2014. “A crise humanitária na Síria e seu impacto sobre o Brasil.”
Caderno de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania. Brasília, Instituto Migrações e Direitos
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PIOVESAN, Flávia. 2009. Temas de direitos humanos. 3ª Edição. São Paulo: Saraiva.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. 2012. Direito Internacional Público e Privado. 4ª edição.
Salvador: JusPODIVM.
REZEK, Francisco. 2008. Direito Internacional Público. 11ª Edição. São Paulo: Saraiva.
SANTOS, Milton. 2000. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: Editora Record.
161 | P á g i n a
WALDELY, Aryadne Bittencourt et al. 2014. “Cartagena +30: pelo fortalecimento do direito de
refúgio”. Caderno de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania. Brasília, Instituto Migrações e
Direitos Humanos, 31-51.
162 | P á g i n a
REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA PARA
REFUGIADOS NO BRASIL: UM OLHAR
SOBRE AS CRIANÇAS
REFLEXIONES SOBRE LA POLITICA PARA REFUGIADOS EN BRASIL: UNA
MIRADA SOBRE LOS NIÑOS
1. INTRODUÇÃO
1
Graduando Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados.
2
Doravante referida como Convenção de 1951.
163 | P á g i n a
deslocarem por todo o mundo. Na maioria dos casos, o Estado originário é incapaz de
promover a segurança de seus cidadãos; em outros, é o próprio agente perseguidor.
Diante do fato de o instituto do Refugio estar condicionado a haver
perseguição ou temor de violação de Direitos humanos, a decisão de reconhecer uma
pessoa ou não como refugiado depende de múltiplos fatores, dentre os quais a política
internacional. Esse instituto já fora diversas vezes utilizado como instrumento para
denegrir a imagem de outros Estados taxando-os como perseguidores. Esse fato
demonstra que há um interesse maior do que simplesmente ser solidário e protetor
para com os Direitos Humanos.
Desde o fim da segunda guerra mundial os refugiados vêm aumentando e
ocupando cada vez mais espaço nos debates na seara de Direito e Política
Internacional. Desde que um grande número de pessoas que deixou seu país devido ao
medo de terem suas vidas ceifadas pela segunda guerra mundial, a solidariedade e o
humanitarismo buscam estabelecer Direitos e uma política para fornecer segurança
para essas pessoas.
Atualmente, existem cerca de 60 milhões de deslocados por todo o mundo,
sendo que há aproximadamente 8.300 pessoas, de 81 nacionalidades, reconhecidas
como refugiados dentro do território brasileiro, segundo o ACNUR.
O Brasil é considerado vanguardista em sua lei e política para refugiado,
atuando como um líder regional na América do Sul. Todavia, em termos práticos, o
Brasil ainda está longe de promover a devida integração e assegurar os Direitos que
esses refugiados tanto temiam perder, como será demonstrado mais a diante.
Dentro da categoria de Refugiados, há um grupo que merece atenção
redobrada devido a suas condições especiais: as crianças. Estas que ao invés de
conviverem com seus pares e brincar na escola, são apresentadas ao sangue da guerra
e ao temor da perseguição. Muitas vezes chegam ao país sem pais ou documentação,
sem o mínimo conhecimento do idioma. Mesmo diante de toda a sua fragilidade e
necessidade de atenção especial, as crianças não foram mencionadas na convenção de
1951 e nem na lei 9.474, principal lei sobre refugiados do Brasil.
O presente trabalho não busca encontrar soluções duradouras para o
problema das crianças refugiadas, mas sim, lançar luz sobre os problemas que muitas
vezes passam despercebidos diante do descaso para com as crianças refugiadas. Com
isso, espera-se que autoridades que atuam com essa categoria de indivíduos comecem
a atuar no sentido de solucionar os problemas.
164 | P á g i n a
(...)
III – devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado
deixar seu aís de nacionalidade para buscar refúgio em outro país ( Brasil,
1977)
165 | P á g i n a
Embora o Brasil seja considerado vanguardista e avançado quando tratamos
de Refugiados, há falhas e deficiências na política e na legislação nacional que, com as
diversas experiências – algumas mau sucedidas- que o Brasil adquiriu com essa
categoria, principalmente no século XXI, é chegada a hora de reconhece-las e supera-
las.
a) Ausência de Participação dos refugiados: Um dos principais problemas
encontrados na política brasileira para refugiados é a não participação deles em
decisões importantes que dizem respeito a sua sobrevivência. O CONARE é composto
por membros da sociedade civil, governo e organizações internacionais, todavia, não
possui participação dos principais interessados em sua atuação: os refugiados.
Por mais que a doutrina especializada se dedique a identificar os problemas
que impedem a devida integração dos refugiados no país, não há ninguém mais apto a
identificar os problemas que os atingem do que eles mesmos. A participação ativa
deles nas políticas e decisões que atingem diretamente a sua vida é uma questão de
democracia e integração. Não basta que sejam simples interlocutores dos debates que
irão guiar o rumo de suas vidas. Nas palavras dos próprios refugiados, durante um
protesto em frente ao ACNUR:
“Por que é sempre que alguém, nas posições de alto escalão dos governos,
diz alguma coisa, aquilo é considerado verdade? Por que eles não nos
perguntam diretamente? Se alguém não sabe o que queremos, é muito
simples: venham até nós e perguntem. Durante esses quatro meses que
estivemos em Brasília, qualquer um já sabe onde nos encontrar. 3” (blog
refugiados com dignidade, ag. 2008)
3
MOULIN, Carolina. OS DIREITOS HUMANOS DOS HUMANOS SEM DIREITOS: refugiados e a politica de
protesto.
4
PRATES, Daniele R. A . “NÃO QUERO LEMBRAR... MUITO SOFRIMENTO”: PERCURSOS DA MEMÓRIA
ENTRE OS REFUGIADOS PALESTINOS NO BRASIL.
166 | P á g i n a
experiências vividas. Eles buscam retomar o controle sobre sua própria vida. Em trecho
de entrevista com uma refugiada chamada Rania (nome fictício), tais traumas tornam-
se evidentes:
“A vida no campo era muito difícil, como você sabe. Mas eu não consigo
lembrar como a gente viveu lá por quase cinco anos... Se você me perguntar
como a gente viveu todo esse tempo, eu vou te dizer que foi como se o
temo parasse. Como se a gente fosse para uma outra dimensão, onde nada
acontecia. Era como se a gente não estivesse vivendo!...” 5
“Se fizermos uma comparação com esse campo [de Rwesheid] e a situação
que enfrentamos aqui no Brasil, nós vivemos muito melhor, com muito mais
orgulho, nos sentíamos muito mais humanos lá no campo do que aqui.
Porque aqui nós nos sentimos tratados pior do que se trata um animal. Para
o animal existem leis, direitos, nós não temos nada. Aqui no Brasil, as
Nações Unidas e o governo que nos trouxe nunca nos trataram como
humanos, nem protegidos como prometeram. A única coisa que nós
queríamos era o orgulho. Mas aqui eu nunca vou encontrar. O Acnur, as
Nações Unidas, não nos trata como refugiados, aqui não tivemos nem
direitos humanos, então não temos direitos de nada. Nós não aceitamos
mais isso, essa situação. Por isso estamos pedindo nossa saída do Brasil. Não
é porque não gostamos do Brasil, mas porque fomos maltratados pelas
Nações Unidas, por essas ONGs que disseram que nos acolheriam, mas
nunca o fizeram (Entrevista, 2009)”.
5
Idem.
167 | P á g i n a
preparar o refugiado e a sociedade receptora. Todavia, há falhas no processo de
integração, por parte das organizações internacionais e também do governo:
168 | P á g i n a
A psicóloga Lucienne Martins Borges alerta para o fato de crianças refugiadas
serem testemunhas de situações de perda, violência, estupro e assassinato. Enfatiza:
“elas sabem o que é fome, o que é sofrimento físico. São marcas que ficam no
psiquismo e no corpo, marcas que aparecem em somatizações, nos pesadelos, na
desconfiança, no sentimento de perseguição. São eventos que colocam a criança em
situações de vulnerabilidade de um quadro clínico de saúde mental”.
Ainda, alerta ara o fato de que o Manual de Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças (CID) classificam
a guerra entre os eventos traumáticos com mais repercussões para a saúde menta. Tal
fato, alerta ainda mais para a necessidade de um tratamento especial para as crianças
refugiadas.
Há casos de crianças que chegam ao Brasil com sintomas de depressão, como
comportamento agressivo e insegurança. A legislação brasileira não prevê tratamento
preventivo para refugiados, devendo estes acionar os serviços quando sentirem
necessidade. Tal situação é dificultada ainda mais pelo fato de a maioria dos
refugiados não conhecerem o idioma nativo e a burocracia do país.
É necessário estruturar a rede de apoio aos refugiados para que serviços
preventivos sejam oferecidos. Quando falamos de crianças, devemos nos lembrar que
muitas delas ficarão pelo pais, tendo em vista que muitos deles ficarão no país e se
tornarão adultos que integrarão a sociedade brasileira. Assim, deve ser fornecido a
assistência necessário para que eles tornem-se adultos saudáveis. A psicóloga Lucienne
Martins Borges é enfática:
169 | P á g i n a
que possam confortar e respaldar a criança diante de qualquer barreira perante sua
completa integração nesse meio.
““El primer día de clase la seño dijo: saquen todos la agenda, ¡miércoles! Y
yo no sabia que era eso, entonces miraba pa´ un lao y pa´ otro y no entendía
bien que era lo que quería la seño. Ya después fui cogiéndole el hilo a todo y
me ha gustado mucho el colegio, porque ajá, aquí nos enseñan cosas
importantes pa´ nosotros que venimos del monte y que tenemos que vivir
ahora aquí en la ciudad... la seño es muy exigente y nos hace estudiar
bastante pero también nos dice de buena manera como son las cosas, cómo
debemos hacer las cosas...”
O menino Carlos relata como foi o seu primeiro dia de aula, de que não estava
acostumado com os instrumentos e o linguajar apresentado em sala de aula e que
observando os colegas aos poucos aprendendo o comportamento e o que a professora
estava pedindo. Também diz que depois de se acostumar, começou a gostar da escola,
pois lá ensinam coisas importantes para eles.
Ao se deparar com o fato de que as crianças como Carlos, deslocados do
Campo, apresentaram dificuldades com a adaptação a educação urbana, foram
realizados estudos sobre essas crianças, comparando-os com crianças que
participaram de um programa Havaiano desenvolvido para crianças havaianas nativas
com baixo desempenho escolar: O Kamehameha Early Education Program (KEEP).
Esse programa se deparou com um paradoxo interessante, uma vez que as
crianças apesar de serem perfeitamente adaptadas e competentes em seu ambiente
doméstico, exibiam um comportamento inadequado em sala de aula, além de lentidão
para assimilar o conteúdo apresentado em sala de aula.
A conclusão do KEEP é de que as crianças nativas aplicavam suas estratégias
cognitivas6 de forma muito menos eficaz do que seus colegas de sala para a escola, por
não estarem ambientadas com a metodologia, devido a seu comportamento cultural.
6
Las estrategias cognitivas constituyen un grupo de estrategias de aprendizaje (los otros tres grupos son
las estrategias comunicativas, las metacognitivas y las socioafectivas). Consisten en actividades y
procesos mentales que los aprendientes realizan de manera consciente o inconsciente; con ellas
mejoran la comprensión del lenguaje, su asimilación, su almacenamiento en lamemoria, su recuperación
y su posterior utilización.
170 | P á g i n a
A solução encontrada pelo KEEP foi fornecer um acompanhamento intensivo,
buscando melhorar a compreensão na leitura, fornecendo instrução em grupo e
individualmente para os alunos, visando a ampliar o vocabulário e interpretação.
As crianças deslocadas que chegava a educação urbana apresentavam o
mesmo problema das crianças havaianas: eram extremamente competentes em suas
tarefas domésticas e em suas antigas escolas, porém, em suas novas escolas
apresentavam comportamento inadequado e apresentam dificuldades no aprendizado
acadêmico.
Ainda, outra grande dificuldade é a descontinuidade entre a rotina vivida no
campo e a nova rotina apresentada no meio urbano. Outro problema também consiste
no ambiente que passam a viver, deixando seus lares no campo para, muitas vezes,
viverem em um abrigo provisório.
A grande maioria dessas crianças passava grande parte do dia nas ruas, onde
aprenderam rapidamente a sobreviver, vendendo doces e dando o troco durante o
sinal vermelho, porém não conseguiam fazer um cálculo simples de matemática
dentro de sala de aula. São destemidos e corajosos na rua, durante sua longa jornada
de trabalho, porém são inseguros e medrosos em sala de aula. Muitos deles estavam
prestes a abandonar a escola, por não ver utilidade nela e nem conseguir acompanhar.
Muitas eram as razões para eles não se adaptarem: variações dialéticas,
desconhecimento do contexto escolar urbano e falta de instrução.
Para ajudar essas crianças, foram oferecidos programas especiais que
buscavam nivelar e auxiliar as crianças camponesas. Assim, foram oferecidos serviços
que desenvolveram o recurso linguístico e comunicativo que deveriam apresentar em
sala de aula, permitindo que eles identifiquem o comportamento a adequado a ser
apresentado em sala de aula. Ainda, o auxílio permitia que eles relacionem suas
experiências cotidianas com o contexto escolar urbana, dando a oportunidade para
que eles utilizem o conhecimento prévio na escola. Desse modo, aos poucos as
crianças camponesas foram sendo adaptadas para a vida escolar urbana, podendo
aproveitar o conteúdo apresentado em sala de aula e, por conseguinte, continuar sua
vida acadêmica.
Como já dito anteriormente, deslocados são diferentes de refugiados. Ao
contrário dos refugiados, os deslocados internos (IPDs em seu acrônimo inglês) não
atravessaram uma fronteira internacional para encontrar segurança mas
permaneceram em seu país natal. Todavia, os motivos que os levam a migrar são
muito semelhantes aos dos refugiados. Ainda, as dificuldades encontradas por um
refugiado na adaptação parecem ser maiores do que a dos deslocados, tendo em vista
o choque cultural em alguns casos (como os de Sírios que chegam ao Brasil).
No Brasil, não há nenhum programa que vise auxiliar a integração de crianças
refugiadas nas escolas. Elas chegam de uma cultura totalmente diferente, sem falar o
idioma e não conhecer as expressões e o comportamento utilizado em sala de aula.
Isso quando não eram instruídas com uma metodologia totalmente diferente a do
Brasil.
Essas crianças estão sendo introduzidas na educação brasileira diariamente,
como destaca Alexey Dodsworth, assessor especial do ministro da Educação, Renato
Janine Ribeiro, durante sabatina na ONU, em Genebra: “Eles se unem a nós como
cidadãos que estimulam o crescimento de nossa nação multiétnica e multicultural.
171 | P á g i n a
Suas crianças são nossas crianças e têm, sim, direito à matrícula em nossas escolas
públicas”.
Todavia, é necessário realizar um estudo e um acompanhamento com essas
crianças, para que se rastreiem e identifiquem os problemas na integração e no
aprendizado dessas crianças.
6. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
ACNUR. ACNUR e UNICEF assinam acordo para proteger crianças refugiadas e apátridas no
Brasil, publicado em acnur.org, [http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/acnur-e-
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Disponibilidade: 23/09/2015.
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disponível em acnur.org [http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/].
Disponibilidade: 09/09/2015.
MENEZES, Thaisa Silva. REIS, Rossana Rocha. Direitos humanos re fúgio: uma análise sobre o
momento pós-determinação do status de refugiado, publicado em
sicelo.org[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
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173 | P á g i n a
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[http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/]. Disponibilidade em:
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Portal Brasil. ONU elogia Brasil por receber crianças refugiadas em escolas, publicado em
brasil.gov.br [http://www.brasil.gov.br/educacao/2015/09/onu-elogia-brasil-por-receber-
criancas-refugiadas-em-escolas]. Disponibilidade: 04/08/2015.
PRATES. Daniele Regina Abilas. “NÃO QUERO LEMBRAR... MUITO SOFRIMENTO”: PERCURSOS
DA MEMÓRIA ENTRE OS REFUGIADOS PALESTINOS NO BRASIL”, publicado em scielo.org
[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
71832014000200006&lang=pt]. Disponibilidade: 05/09/2015.
174 | P á g i n a
REFORMA AGRÁGIA E OS REFUGIADOS:
ASPECTOS SOBRE A NECESSIDADE DO
ACESSO A TERRA PARA GARANTIA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Felipe Borges de Souza Domingues1
Arthur Ramos do Nascimento2
1. INTRODUÇÃO3
1
Graduando do 6º período do curso de Direito da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da
UFGD. Pesquisador – PIVIC. E-mail: felipe_borges1995@hotmail.com
2
Docente efetivo da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD, Mestre em Direito Agrário
(UFG), orientador da pesquisa. E-mail: arthurnascimento@ufgd.edu.br
3
O presente trabalho se configura como análise parcial do projeto de pesquisa de Iniciação Científica
(PIVIC) em andamento: “Reforma Agrária Comparada: o acesso à terra como um Direito Humano para as
famílias rurais nos países membros do Mercosul através de uma análise Constitucional e Agrarista”.
175 | P á g i n a
Em vista dos três entendimentos expostos, conclui-se que a Reforma Agrária
visa redemocratizar o acesso às terras, promovendo o trabalho e ocupação das terras,
o desenvolvimento rural e a justiça social, sem dirimir a produtividade.
Quanto à definição de refugiado, compreende-se como a pessoa estrangeira
que desloca-se de seu país, de origem ou de nacionalidade, porque sua vida, segurança
ou liberdade estão sendo ameaçadas por agressão interna ou externa, em razão de
violação generalizada de direitos humanos ou de outros eventos que perturbem
seriamente a ordem pública do Estado de origem (MELLO, 2002, p. 83). Por sua vez, a
República Federativa do Brasil entende que:
Refugiados são pessoas que se encontram fora do seu país por causa de
fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,
opinião política, participação em grupos sociais ou violação generalizada de
direitos humanos e que não possam (ou não queiram) voltar para casa.
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015).
2. MATERIAIS DE PESQUISA
3. MÉTODOS
176 | P á g i n a
4. DISCUSSÃO E RESULTADOS4
4
Como a questão da análise da Reforma Agrária nos países do Mercosul e o acesso à terra como um
direito humano é uma pesquisa em andamento resultados apresentados nesse tópico não são
conclusivos, configurando como resultados e análises parciais.
5
Conforme descrito pelo INCRA: “O Modulo de Exploração Indefinida (MEI) é uma unidade de medida,
expressa em hectares, a partir do conceito de módulo rural, para o imóvel com exploração não definida.
A dimensão do MEI varia entre 5 e 100 hectares, de acordo com a Zona Típica de Módulo (ZTM) do
município de localização do imóvel rural.” A título de exemplificação, em Dourados-MS, 01 (um) MEI
corresponde à 10 (dez) hectares.
6
Sugestão de leitura: JORDÃO, Luciana Ramos. Da questão agrária e da aquisição de imóveis rurais por
estrangeiros. 2012. 154 f. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário) - Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2012. Disponível em: <https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/3573>. Acesso em 06 de
09 de 2015.
177 | P á g i n a
Dessa forma, conclui-se que a legislação brasileira permite a aquisição de
terras por pessoas estrangeiras, logo, entende-se que refugiados também tem o
direito de adquirir propriedades rurais.
5. CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
178 | P á g i n a
BRASIL. Instituto Brasileiro de Cidadania e Reforma Agrária (s.d.). Reforma Agrária. Disponível
em: <http://www.incra.gov.br/reforma_agraria>. Acesso em 06 de 09 de 2015.
FERREIRA, Pinto (2002). Curso de Direito Agrário (5ª ed.). São Paulo: Saraiva.
MELLO, Celso D. de Albuquerque (2002). Curso de Direito Internacional Público (2º vol. 14ª
ed.). Rio de Janeiro : Renovar.
STREDEL, Juan (1973). Trece años de Reforma Agraria em Venezuela. NUEVA SOCIEDAD, 44-
50.
179 | P á g i n a
REFUGIADOS E O DIREITO AO
BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO
CONTINUADA
REFUGIADOS Y EL DERECHO AL BENEFÍCIO DE LA PRESTACION CONTINUADA
Danielle Annoni 1
Lysian Carolina Valdes 2
Resumo: O fenômeno do refúgio não pode mais ser tratado como algo
isolado ou pontual. A cada dia o número de pessoas que se deslocam
de seus países de origem em busca de sobrevivência aumenta e os
países receptores precisam disponibilizar políticas públicas que visem
assegurar um mínimo existencial à essas pessoas. Dentre essas ações
destaca-se o Benefício da Prestação Continuada, regulamentado pela
Lei Orgânica da Assistência Social. Ocorre que o benefício não pode ser
concedido aos refugiados, mesmo que preencham os requisitos como
hipossuficiência, idade e incapacidade laboral em virtude que a última
regulamentação da lei exige a naturalização. Referida exigência viola o
direito constitucional à isonomia uma vez que a Carta Magna assegura
tratamento igualitário aos nacionais e estrangeiros residentes no país
no que se refere aos direitos e garantias constitucionais, além de
contrariar as normas de direito internacional que tutelam os
refugiados.
1
Doutora em Direito Internacional. Professora de Direito Internacional na UFSC. Professora Permanente
do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UFSC. Professora Colaboradora do Programa de
Mestrado em Relações Internacionais da UFSC. Coordenadora do Observatório de Direitos Humanos da
UFSC. danielle.annoni@gmail.com
2
Mestre em Direito Internacional. Professora de Direitos Humanos na FIP/MAGSUL. Coordenadora do
Curso de Direito da FIP/MAGSUL. Conciliadora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Advogada.
lysian@uol.com.br
180 | P á g i n a
Este requisito viola el derecho constitucional a la igualdad ya que la
Constitución garantiza la igualdad de trato a los nacionales y
extranjeros residentes en el país con respecto a los derechos y
garantías constitucionales, así como viola las normas de derecho
internacional que protegen a los refugiados.
1. INTRODUÇÃO
181 | P á g i n a
estrangeiros residentes no país quando se está diante dos direitos e garantias
fundamentais. Além disso, o artigo 203 da Constituição Federal, que trata da
Assistência Social, não consta nenhuma referência à nacionalidade dos beneficiários,
havendo, ao contrário, a previsão de que a assistência social deve ser prestada a todos
os necessitados.
Não fosse isso destaque-se que a própria Lei Orgânica da Assistência Social,
Lei 8.742/93, não faz distinção relativa à nacionalidade de seus beneficiários, e nem
poderia ser diferente pois esta deve estar de acordo com o texto da lei maior.
Ademais, inserir os refugiados no programa social em tela se coaduna com os
princípios da mencionada lei que prevê a universalização dos direitos sociais e
igualdade de direitos no acesso ao atendimento, se discriminação de qualquer
natureza.
Defende-se, portanto, a possibilidade dos refugiados terem acesso ao referido
programa social, sem perder de vista a necessidade do cumprimento das exigências
legais para obtenção do BPC e do preenchimento de todos os requisitos exigidos, com
excesso da necessidade de naturalização.
Por conta disso a burocracia não pode dificultar ainda mais a vida dessas
pessoas, pois as políticas públicas voltadas à assistência social e integração ao novo
meio são imprescindíveis para assegurar a dignidade humana dessas pessoas.
2. OS REFUGIADOS. CONTEXTUTALIZAÇÃO
3 MOREIRA, Julia Bertino. A questão dos refugiados no contexto internacional (de 1943 aos dias atuais).
Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Área de concentração: Política Externa, p. 10
182 | P á g i n a
Ante o preocupante número de pessoas refugiadas, a comunidade
internacional, editou alguns mecanismos de tutela específica, dentre eles, cite-se a
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951; Protocolo Relativo ao
Estatuto dos Refugiados de 1967; e no âmbito do sistema interamericano, onde o
Brasil se insere, a Declaração de Cartagena sobre Refugiados de 1984.
Quanto ao conceito de refugiado está fundamentado no artigo 1º da
Convenção de Genebra de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, a seguir
transcrito:
{...}
§ 1. Para fins da presente Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a
qualquer pessoa:
Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro
de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de
sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer
valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se
encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência
de tais acontecimentos, não pode, ou devido ao referido temor, não quer
voltar a ele.
4
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-
se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua
residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no
inciso anterior;III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu
país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
5
SOARES, Guido Fernando da Silva. Curso de Direito Internacional Público. v 1. São Paulo: Atlas, 2002 p.
403
183 | P á g i n a
1951 e no Protocolo de 1967, e foi além, expandiu o conceito para incluir aqueles
indivíduos, de modo que, em seu artigo 1º, III, passa a ser considerado refugiado, todo
aquele que “devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”6, aproveitando
também as disposições da Declaração de Cartagena de 1984.
A triste realidade enfrentada por milhões de refugiados em busca da
sobrevivência vem sendo objeto de preocupação dos Estados, os quais movidos pelo
espírito de solidariedade internacional se unem para o encontro de soluções duráveis
e, principalmente, a retirada imediata dessas pessoas, que vivem em meio ao ócio nos
campos de refugiados espalhados pelo mundo.
Verifica-se que da ocorrência do refúgio, que apesar de ser um fenômeno de
natureza internacional, a partir do momento em que o refugiado busca a proteção de
determinado Estado, este é obrigado, em função da incorporação dos instrumentos
internacionais, a garantir a preservação dos direitos humanos fundamentais dessas
pessoas.
Por essa razão ganha destaque a ideia defendida neste texto, na medida em
que se defende a possibilidade do refugiado ser detentor do direito ao benefício da
prestação continuada, dada à sua própria condição e vulnerabilidade. Sendo assim, a
criação de mecanismos eficazes no combate ao problema tem sido encarado pelas
Nações Unidas como uma tarefa a ser compartilhada por todos os países membros,
haja vista que a proteção dos direitos humanos é dever de todos.
Ninguém se torna um refugiado por opção. O deslocamento é movido pelo
instinto de sobrevivência natural de todo ser humano. Ao buscar proteção em outro
estado este busca a oportunidade do recomeço, devendo o estado acolhedor
proporcionar à essas pessoas um tratamento isonômico, na medida em que possam
ter as mesmas oportunidades e acesso aos serviços públicos básicos que estão à
disposição da população, bem como o acesso à moradia e a espaços laborais.
Por conta disso, aos refugiados devem ser asseguradas ações rápidas e
eficazes para a proteção de seus direitos básicos em virtude de estarem em situação
de completa vulnerabilidade, seja em virtude do desconhecimento da língua, da baixa
escolaridade e da situação extrema de pobreza em que viviam em seu país de origem.
Dentre essas ações ganhará destaque a seguir, os direitos sociais, sendo que o
país, além de ratificar os instrumentos internacionais de tutela dos refugiados traz em
sua Carta Política o reconhecimento desses direitos como fundamentais e aplicados de
forma isonômica aos estrangeiros que aqui residam.
6
O artigo citado assim preceitua: Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido
a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou
opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à
proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência
habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso
anterior; III - devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de
nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
184 | P á g i n a
Como constatado alhures os refugiados constituem uma parcela da sociedade
que ocupa, em virtude da sua própria condição, uma situação de marginalidade e
vulnerabilidade. Em virtude disso, os países acolhedores necessitam implantar políticas
públicas que visem a integração social, econômica e cultural; em especial, o acesso ao
trabalho, saúde e educação7. Dentre essas medidas, no presente texto, ganha especial
atenção o Benefício Assistencial da Prestação Continuada8, regulamentado pela Lei
Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.742/93, cuja principal finalidade é a
minimização das diferenças sociais, das quais são principalmente acometidos os
deficientes para o trabalho e os idosos.
No entanto, apesar se ter sido pensada como uma grande rede de proteção
social, parte da população residente no país está fora dessa tutela. Isto porque o
Benefício Assistencial de Prestação Continuada, que garante o pagamento de um
salário mínimo ao idoso ou à pessoa com deficiência que não tem condições de se
manter ou de ser mantido por sua família, não pode ser concedido a estrangeiros,
mesmo que residentes no Brasil. Nessa parcela da população excluída do alcance da lei
encontram-se os refugiados, cujo acesso ao benefício, quando preenchidos os
requisitos legais, é defendido neste texto.
Registre-se por oportuno, que a lei acima não faz qualquer tipo de distinção
atinente à nacionalidade dos destinatários, muito pelo contrário, preceitua que a
assistência social deve ser prestada a todos que dela necessitem.
O benefício em comento foi estatuído por força do inciso V9 do artigo 203 da
Carta Magna, cujo objetivo primordial é o de promover a manutenção do ser humano,
constituída de uma renda mensal mediante a comprovação de não possuir meios de
prover a sua manutenção ou por meio de seus familiares.
Abre-se um parêntese para destacar que a gestão do benefício em tela está a
cargo da Previdência Social, órgão pertencente à Seguridade Social, a qual tem por
força de mandamento constitucional10, o escopo de por meio de ações integradas
entre o Poder Público e a sociedade, assegurar os direitos relativos à saúde,
previdência e assistência social, sendo um de seus princípios a universalização da
cobertura e do atendimento.
7
MILESI, Rosita. Dia do Refugiado. O Dia Mundial do Refugiado 2008: o desafio das Políticas Públicas.
Disponível em htt://www.csem.org.br/2008.
8
O artigo 20 do referida lei assim prescreve: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia
de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou
mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua
família.
9
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,
conforme dispuser a lei.
10
Art. 194 da Constituição Federal: A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base
nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento";
185 | P á g i n a
Uma rápida interpretação do texto constitucional conduz à ideia de que seu
objetivo é o de assistir àqueles que, por alguma razão, estejam em situação de
exclusão social ou vulnerabilidade social, buscando dirimir as mazelas sociais e
garantindo a igualdade de condições para com as demais pessoas. Nesse sentido assim
leciona José Afonso da Silva, ao discorrer sobre a Assistência Social, assim se
manifesta:
11
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1995, 10ª Ed.p.
300
12
Art. 4º. São também beneficiários os idosos e as pessoas portadoras de deficiência estrangeiros
naturalizados e domiciliados no Brasil, desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de
origem.
13
Art. 7º É devido o Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou nato, que
comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a todos os demais critérios estabelecidos neste
Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011).
14
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
186 | P á g i n a
Como quer que seja, no domínio da lei ordinária – que rege a situação os
estrangeiros em geral – a naturalização não é jamais obrigatória, tanto
significando que, caso a caso, o governo pode recusá-la mesmo quando
preenchidos os requisitos da lei15.
E como se não bastasse, os direitos sociais17, que fazem parte desse rol de
direitos e garantias fundamentais, não impõe a condição da nacionalidade para o
acesso. Vê-se, portanto, que o texto constitucional é claro, garantindo tratamento
isonômico, em se tratando de direitos e garantias fundamentais, aos brasileiros e
estrangeiros residentes no país, não havendo, quanto a estes, a exigência de que
sejam naturalizados.
Vale mencionar, portanto, que os estrangeiros residentes no Brasil também
são amparados pelo referido rol de direitos e garantias individuais. Estes integram a
população existente no Brasil e convivem com os brasileiros, possuindo os mesmos
direitos e deveres dos nacionais.
Fato é que os refugiados ocupam na sociedade uma posição discriminada,
devendo o Estado por meio da devida tutela, dentre elas a Seguridade Social,
assegurar-lhes o mínimo de independência e reintegração ao meio social, garantindo-
lhe assim a possibilidade de uma vida digna que o ser humano, independente de sua
nacionalidade, faz jus.
15
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 189.
16
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998.
17
CF Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.
187 | P á g i n a
Importante frisar que o benefício assistencial previsto na Carta Magna não
pode ser restringido pela origem daqueles que dela necessitam, mas tem como um de
seus objetivos e princípios o enfrentamento da pobreza e a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, atingindo-se assim a vontade dos incisos I e III do
artigo 3º da Constituição Federal. Trata-se de se fornecer ao ser humano a garantia
dos mínimos sociais, não podendo os refugiados sofrer tal discriminação em virtude de
não serem nacionais ou estrangeiros não naturalizados.
Ademais, permitir a inclusão dos refugiados ao benefício em comento se
coaduna com os próprios princípios existentes na Lei Orgânica da Assistência Social
previstos no artigo 4º, a saber:
[...]
[...]
18
Artigo 1º. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades
nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua
jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas
ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer
outra condição social.
19
Ar. 24: Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a
igual proteção da lei.
188 | P á g i n a
No nosso sistema, tem a Seguridade Social como postulado básico a
universalidade, ou seja: todos os residentes no país farão jus a seus
benefícios, não devendo existir distinções, principalmente entre segurados
urbanos e rurais. Os segurados facultativos, se recolherem a contribuição,
também terão direito aos benefícios da Previdência Social. Os estrangeiros
residentes no país também devem ser contemplados com as disposições da
Seguridade Social, e não só para aqueles que exercem atividade
remunerada. A disposição constitucional visa, como deve se tratar de um
sistema de seguridade social, a proporcionar benefícios a todos,
independentemente de terem ou não contribuído20.
O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela
vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições
mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não
houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a
igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem
reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a
dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não
passar de mero objeto de arbítrio e injustiças21.
20
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 2003, p. 77
21
SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., p. 59
189 | P á g i n a
Ressalte-se por oportuno que o judiciário não se mantém alheio à temática,
existindo inúmeros pedidos de intervenção visando a concessão do benefício aos
estrangeiros dado o seu indeferimento na esfera administrativa. Inclusive o STF já
reconheceu, em sede de Recurso Extraordinário, a repercussão geral consoante se
ilustra a seguir:
22
Disponível em www.stf.jus.br acesso em 23 set 2015
190 | P á g i n a
aos programas que visem assegurar a subsistência do ser humano que por razões
especiais não pode prover seu próprio sustento.
Não obstante o governo brasileiro estar trabalhando na inclusão dessas
pessoas nas políticas públicas existentes, e, dependendo do caso, implementando
outras específicas, tais medidas não são suficientes pois existem milhares de
refugiados que vivem na total marginalidade social.
Portanto, sendo a assistência social um direito fundamental não se pode
restringir o direito ao benefício assistencial apenas aos brasileiros naturalizados,
excluindo os refugiados que aqui estão, acolhidos pelo mais puro gesto de
solidariedade do governo brasileiro e que necessitam do benefício assistencial para um
mínimo de existência digna.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
191 | P á g i n a
devidamente autorizados residem no território nacional e necessitam ser inseridos nos
programas sociais como forma de salvaguardar sua própria dignidade humana.
Assim, conclui-se que os refugiados devem ter acesso aos programas sociais
desenvolvidos pelo governo federal, sem se perder de vista do preenchimento de
todos os requisitos exigidos na lei.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, Brasília, DF. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em:
01 set.2015
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 2003
MILESI, Rosita. Dia do Refugiado. O Dia Mundial do Refugiado 2008: o desafio das Políticas
Públicas. Disponível em htt://www.csem.org.br/2008. Acesso em 01 set.2015
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federal 9.474/97). In: MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de Direito Internacional: anais do 2º
Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Curitiba: Juruá, 2004. v. 2.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2008
SARLET, Ingo Wofgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.10ª Ed.São Paulo: Malheiros,
1995.
SOARES, Guido Fernando da Silva. Curso de Direito Internacional Público. v 1. São Paulo: Atlas,
2002
192 | P á g i n a
TRÁFICO INTERNACIONAL DE
MULHERES: TRABALHO CONJUNTO NO
ENFRENTAMENTO DAS REDES
CRIMINOSAS
INTERNATIONAL TRAFFICKING IN WOMEN: WORKING TOGETHER IN COPING
WITH CRIMINAL NETWORKS
193 | P á g i n a
Key-words: International People Trafficking, Vulnerability, Rescue,
NGOs
1. O TRÁFICO
194 | P á g i n a
resguardado o direito de ir e vir, diferente do tráfico em que há exploração e cárcere
privado.
3. ALICIAMENTO
4. SITUAÇÃO DA VITIMA
195 | P á g i n a
Quando chegam ao país de destino e descobrem que serão exploradas
sexualmente estas mulheres já possuem uma “dívida” com a quadrilha, e precisam se
sujeitar a exploração pra a pagar, mas não conseguem, justamente porque a divida
sempre aumenta, os criminosos adicionam cobranças cada vez maiores, uma
estratégia para que elas nunca consigam ir embora.
Em um país diferente, com um idioma diferente, em condições sub-humanas,
com o passaporte e documentação confiscada pela quadrilha estas mulheres são
submetidas a jornadas de trabalho esgotantes, muitas vezes obrigadas a manter
relações sexuais sem o uso de preservativos se sujeitando a doenças sexualmente
transmissíveis e a usarem drogas para permanecerem “acordadas”.
A situação das prostitutas e mulheres que embarcam para outros países nas
mãos destas quadrilhas sabendo que trabalharão na indústria do sexo não é diferente
daquelas que foram enganadas com promessas de serem garçonetes ou modelos, pois
mesmo sabendo que irão se prostituir, elas não sabem que serão exploradas, ambas
são consideradas vitimas de Tráfico Humano segundo o Protocolo de Palermo, e
enfrentam maior preconceito tanto da sociedade quanto dos agentes que trabalham
no combate ao tráfico, o que contribui para a impunidade maior de seus exploradores.
Grande parte das mulheres exploradas não se enxerga na condição de vitimas,
pois já tendo sofrido algum tipo de violência no país de origem (crimes sexuais,
abandono, rapto, maus tratos, negligência, violência física e psicológica) não
consideram a exploração sofrida pela quadrilha como violência e sim engano. Algumas
enfrentam ainda, uma dependência psicológica imposta pelos criminosos que as
incapacita de fugir caso tenham a chance.
196 | P á g i n a
próprios policiais e agentes que as deveriam proteger, em esquemas vergonhosos que
movimentam milhões, lá são agredidas e ameaçadas, perdem as esperanças, as forças
e a razão.
As que conseguem fugir ou são abandonadas pelas quadrilhas por “perderem
valor” (na melhor das hipóteses, pois algumas são assassinadas quando não dão mais
lucro) as vitimas do Tráfico Internacional que conseguem efetuar denuncias bem
sucedidas ainda enfrentam o parco sistema de reinserção no país de origem, sistema
este que não se importa se ela deseja realmente voltar ou reconstruir sua vida no país
que está e na maioria das vezes despreparado para proporcionar atendimento
psicológico e social a fim de evitar que ela volte para a mesma situação de
vulnerabilidade que propiciou seu tráfico.
197 | P á g i n a
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-
se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Tráfico interno de pessoas (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
Art. 231-A. Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
da pessoa que venha exercer a prostituição: (Incluído pela Lei nº 11.106, de
2005)
Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº
11.106, de 2005)
Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos
§§ 1o e 2o do art. 231 deste Decreto-Lei. (Incluído pela Lei nº 11.106, de
2005)
Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (Redação dada pela
Lei nº 12.015, de 2009)
Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do
território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de
exploração sexual: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015,
de 2009)
§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou
comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa
condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Incluído pela Lei nº 12.015,
de 2009)
§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,
companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se
assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou
vigilância; ou (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído pela Lei nº
12.015, de 2009)
§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-
se também multa.(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
198 | P á g i n a
§ 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as
condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos,
inclusive salas de bate-papo da internet. (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
§ 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço
no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1o
da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990. (Incluído pela Lei nº 12.015, de
2009)
1
Convenção da ONU para Supressão do Tráfico de Pessoas e Exploração de Prostitutas e outros (1949)
Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres (1979)
Convenção 29 da OIT sobre Trabalho Forçado (1930)
Convenção 105 da OIT sobre Abolição do Trabalho Forçado (1957)
Convenção Interamericana da OEA sobre Tráfico de Menores (1994)
Brasil signatário do Protocolo de Palermo (1999)
199 | P á g i n a
Crimes (UNODC) elaborou o Programa Global contra Tráfico de Seres Humanos (GPAT)
e em 2002 com a Primeira Pesquisa Nacional sobre Trafico de Mulheres, Crianças e
Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (PRESTAF) um
importante passo rumo a um maior conhecimento do assunto foi dado.
E em 2004, o Brasil ratificou o Protocolo de Palermo, referente ao Tráfico de
Pessoas, assumindo assim o compromisso internacional de cumprir as metas para
prevenção e enfrentamento do crime, compromisso intensificado com a criação da
Política Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas em 2006 embasada no Decreto
Presidencial 5.948.
Logo em seguida a PRESTF foram criados Escritórios de Prevenção e
Enfrentamento o Tráfico de Seres Humanos e Núcleos Estaduais de Prevenção e
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETPs) nos estados com maior incidência desta
atividade criminosa. Tais medidas foram consideradas na época modelos a serem
seguidos internacionalmente, entretanto, os projetos passaram por altos e baixos,
muitas vezes correndo o risco de serem extintos por falta de verba ou de treinamento
especializado aos agentes.
Em 2013, a Campanha Coração Azul contra o tráfico de pessoas em parceria
com o Ministério da Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC),mobilizou o Brasil e outros dez países com o slogan “Liberdade não se
compra. Dignidade não se vende”, e alcançou grande espaço na Mídia e na Sociedade
Civil.
200 | P á g i n a
9. MATO GROSSO DO SUL E O TRÁFICO DE PESSOAS
201 | P á g i n a
Exemplo do quanto esta atividade criminosa está presente em todas as
regiões foi o recente caso de Exploração Sexual ocorrido na segunda maior cidade do
estado, Dourados, em março deste ano no qual três paraguaias eram mantidas presas
e obrigadas a se prostituir em uma boate no Parque das Nações I, uma delas consegui
fugir e denunciar a situação a Polícia Militar que rapidamente resgatou as vitimas e
autuou a proprietária da boate por exploração sexual e tráfico internacional de
pessoas.
202 | P á g i n a
Imigração alegando encontrar-se em situação de vulnerabilidade nos seus países de
origem, mas a maioria acaba mesmo voltando.
BIBLIOGRAFIA
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204 | P á g i n a