A Linguagem e Sapir 1 PDF
A Linguagem e Sapir 1 PDF
A Linguagem e Sapir 1 PDF
estudos
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~\\IIi.
~ .I EDITORA PERSPfCTIVA
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A Linguagem
I' I
I fI£:. 3,.
Coleçfo Estudos
Dirigida por J. Guinsburg
Tradução e Apêndice
de J. Mattoso Camara Jr.
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~ ~ EDITORA PERSPECTIVA
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Título do original
LANGVAGE, An lntroductlon lo Ih. Sludy of 8p<.ch ,
Advertência à 2~ Edição ; : IX
Prefácio do Tradutor ".. . . . . . . I
Prefácio do Autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
J. MAT1"08O CAM.ARAJIl.
Esta Tradução. que data de 1938, foi o meu primeiro f.sforço paTa
Icx;aliza,r diante dos nossos estudiosos a figura do lingüista norte-ame.
-ica:no Edward Sapir1; tna.f '4$ contingência.! ainda precária.! da MS-
,a atividade editorial só agora permitem que ela se publique, graças à
direção esclarecida de Augusto Meyer no Instituto Nacional do Lit'TO.
A eda altura já me havia. resignado ti relegá-l.a para o /u11.dc da
gaveta dos empreendimentos frtL$trados. Fizera-o com tanto mais pesar
quanto mais convencido me cu;ho da suma importância de uma obra. em
que foram trCl{Odtu linha.! nova.! de interpretação e pesquisa e de que
parte um movimento teórico e técnico de singular relevo nos quadro,
do pe1LSamento contemporâneo.
O Autor aprofundou e ampliou as suas idéias atrGt,és do ensino uni-
versitário e de numerosos artigos e monografias, anteriores e posteriores
ao livro e hoje em grande parte reunidos pelo professor Mandelbaum, da
Universidade da Califórnia, sob o título de Escritos Seletos de Edward
Sapir sobre Linguagem, Cultura e Personalidade'l. Do que ai consta em
matéria de lingüística são de especial importância os estudos sobre -
radrões Sônicos: na Linguagem e A Realidade Psicológica dos: Fonemaa,'
que lançaram as bases da 4lfonémica" norte-americana, e, de caráter ge-
ral, - Diale~o, Linguagem, Linguagem e Ambiente, A Posição da Lin-
güística como Ciência e A Fala como Traço de Personalidade •.
O núcleo da filosofia de Sapir está, porém, todo lUJui, nede lit'ro, e
vazado num estilo de divulgarão d01ltrin.dria, a um tempo empolgante,
colorido e fácil. Trata-se de uma exposição básica para os upecialutal
e, ainda, particularmente indicada para o grande público; poU aqui,
ainda mais que em outro! trabalhos, se revela n.o A utor aquela capaci-
dade estilística, que, na fra.se de Stanley Newman "fala Q() leitor como
ti uma pessoa e não como a um intelecto desencantado",' Q() contrário da
lingu.agem abstraia, seca e inte1l.CionaZmente monótona da modenWJ
"lingüística científica" norte-americana.
Quando a obra apareceu, em 1921, Edward Sapir já tin1uz em ,eu
ativo muitas e perctu::ientes pesquisas nas líng1UJS índias dOI Estado,
Unidos e do Canadá, como o takelma (Oregon),' o yana (Califórnia), o
2 A LINGUAGEM
21. Why doeI Lang1UJge Changtl, Modcrn Lang'UlJoe Qllatt1'ly, 8eattle, W&l'h. ]O~3,
4, 415.6. Ao eontr6.rio, para Trubehkoy a teoria de Sapir 'Ifoi criada em total indo.
pendência de Bl\udouin de Courtenay e IDellmode Baullsure" (JO\lrnal de P,ycholog-ic,
cit., pig. 230)
22. O termo, que jâ existia. em grego para designar "emiss~o vocal", foi U8adO
pratieamcnte ao tnpsmo tempo pelos médicos do laboratório de Marly, por S&US8Ure
e por Bll.udouin. de Courtenny; mas neste é que tem llÍ8tema.ticnmente um conceito
ni.tido novo.
23. The Conccpt of PlIondk Law tu telted -in Pritnie-ive Language8 by LeonnrJ
Bloomficld (Selectrd WJ"itingl, cit., 73.82).
2.. Os esclarecimentOll do Tradutor, no testo ou em notai, se aeham entre colehetn..
Prefácio do Autor
mos sequer uma tendência apreciável para elaborar.se com elas a trama
de fundo da linguagem. Nunca passaram, quando muito, de um debrum
decorativo para aquele amplo e complexo tecido.
O que dissemos das interjeições aplica-se. ainda com mais razão, às
palavras de som imitativo.
Palavras como whippoOTll.!ill, to mew, to caw [ou, com exemplos por-
tugueses, "miar", jjgrugrulejar" 2] não são em absoluto sons naturais que
o homem tenha reproduzido instintiva ou automaticamente. São cria~õc.<o
do espírito humano, arroubos da fantasia humana, como tudo mais na
linguagem. Não nos vieram diretamente da naturezaj foram apenas
sugeridos por ela e modulam-na à sua feição.
Por isso, a teoria onomatopaica da origem da linguagem, segundo a
qual nós falamos por gradual evolução dos sons de caráter imitativo, não
nos conduz realmente a um ponto de partida no instinto, como a ele não
nos conduz o exame da linguagem geral hodierna.
A teoria em si não merece mais crédito do que a sua equivalente em
referência às interjeições.
É verdade que certo número de vocábulos que não nos parecem hoje
ter valor imitativo, vão relacionar-se a uma forma fonética' anterior que
nos leva, com probabilidade, a originá-los das imitações de sons natura i".
É o caso do verbo inglês to laugh. [porto "rir"]. Não obstante, é ue todo
impos'l>ívelprovar, e não parece sequer razoável supor, que uma propor-
ção apreciável dos elementos de linguagem ou qualquer coisa dJ seu me-
canismo formal possam ter provindo de uma fonte onomatopaica.
Por mais propensão que se tenha, sob o fundamento de certos prin-
cípios teóricos, a atribuir importância precípua, nas línguas dos POV<t.i
primitivos, à imitação dos sons naturais, não-é possível fugir à eridência
de que essas Hnguas não mostram especial predileção para os vocábulos
de origem imitativa. Entre os povos mais primitivos da América aborÍ4
~ne, as tribos athabáskan do rio Mackcnzie falam idiomas que parecem
quase ou em absoluto prescindir de palavras dessa espécie,-ao passo que
em muitos idiomas supf>rcivilizados,como o alemão e o inglês, as onomn-
topéiac" são usadas com bastante freqüência. Isso prova quão pouco fi
essência da linguagem depende da mera imita~ão das eois.l~da natureza.
Estamos agora em condições de estabelecer uma definição satisfató-
ria da lin~uagem. f~um método puramente humano e não-instintivo de
comunicação de ,-jéias, emoções e desejos por ll1:eiode um sistema de sím-
bolos voltmtariamcnte produzidos. Entre eles, avultam primacialmente
os símbolos auditivos, emitidos pelos chamados "órgãos da fala". Não há
uma base discernÍl,"cl de instinto na fala l;umana considerada como tal,
embora muitas expressões instinth-as e a própria natureza ambiente sir-
,"am de estímulo ao desrnvoh.imento de certos elementos lingüísticos, e
embora muitas tendências instintivas, motrizes e outl'aS, ofel'eçam um
teor oa molde predeterminado à expressão lingüística. Comunica,:õcs, hu-
manas ou animais, (se é qUf' mrreccm este nome) decorrentes dos grito~
involuntários instintivos não constituem, a nosso vcr, fatos de linguagem.
Acabo de referir-me aos "órgãos da fala", e pode parecer à primeira
vista que isso importa na incoerência de admitir que a fala é uma ativi-
dade instintiva, biologicamente predeterminada.
PARTE INTRODUTÓRIA: LINGUAGEM E SUA DEFINiÇÃO 15
zes não são, contudo, a conclusão, o ponto de parada final. São simple.+
mente um meio de atingir e reger a percepção auditiva, tanto de quem
fala como de quem ouve. A comunica~ão, que é o' verdadeiro objeto do
discurso, só se efetua eficientemente, quando as percepções .auditivas de
quem ouve são vertidas para a série, apropriada e colimada, de imagens,
de pensamentos, ou de umas e outros combinados.
Logo, o ciclo da fala, na medida em que se pode considerar um ins-
trumento puramente exterior, comec;:ae termina no reino dos sons. A
.concordância entre as imagens auditivas iniciais e as percepções auditi.
'~8Sfinais é o selo, a garantia social do. bom êxito do processo executado.
Como já. vimos anteriormente, o curso típico desse processo pode
sofrer inúmeras modificações, ou transferenllias em sistemas equivalenteM 1
.Kste grupo por sua vez, consta de um radical de adjeti.vo (E) ("preto")
que não se usa independente (pois a no~iío absoluta de llpreto" só pode
ser comunicada sob o aspl:'eto de particípio verbal: "feito preto"), e de
um nome composto C + d ("búfal<rmnnso"). O radical C significa pro-
priamente "búfalo", mas o elemento d, na realidade um nome, de ,;da"
independente, que significa "cavalo" (originàriamente Ucão" ou uanimal
dom~ico" em geral). costuma a se usar regularmente como, elemento
meio-subordinadot para indicar tp.:e o animal expresso pelo radical con.
trguo é propriedade do alguém.
Observa-se que o todo completo (F) + (E) + +
O d + A + B,
quanto à sua fun~ão, não é mais que uma base verbal, correspondente
ao "ng- de uma forma inglêsa como singing,' que continua com forçn
verbal dcpois do aeréscimo do elemento tcmporal (g) - ficando enten-
dido que este (g) não está prõpriamente apenso apcnas a B mas a tõda
8 base complexa una; e que os elementos (h) + (i) +(O) transfor-
roam a expressão verbal n.um nome formalmente bem definido.
~ tempo agora de procurarmos decidir o que se entende por pa-
lavra.
O no.~ primeiro impulso, sem dúvida, teria sido definir a pa-
lavra como 8 contrapartc simbólica, lingüística, de um dado conceito .
•lã vemos que tal definic:ão é impossível. Na realidade, é impossível de-
finir o vocábulo dentro de seu aspecto funcional, pois pode ser tudo,
desde li expressão de um conceito simples concreto, abstrato, ou pura-
mente relacional '(como nas partrculas "de", upor", 'Ie") até à expressão
de um pensamento completo (como no latim dico, udigo", ou, sob forma
mais elaborada, numa forma verbal nutka que designa "Estou acostuma-
do 8 comer vinte coisas redondas", isto 'é, ''maçãs'" "enquanto faço isso
ou aquilo"). Neste último. caso, identifica-se com a senten~a.
O vocábulo ê apenas uma forma, uma entidade de contornos defi.
nidos que chama a si grande ou pequena parte do conceito do pensa-
Illento integral, na medida em que o gênio da 1fngua se eompraz em o
permitir. e por isso que, se de um lado os elementos radicais e gramati.
C4is,que encerram os c~nceitos isolados, são comparáveis de uma língua
a outra, não o são os vocábulos propriamente ditos.
Elemento radical (ou gramatical) e sentenc:a, eis as unidades "fun-
cionais" primordiais da linguagem, sendo aquele o minimo aootraídG
e esta a encarnação esteticamente satisfatória de um pensamento unifi-
cado. As unidades práticas "formais" da linguagem, os vocábulos ou pa-
lavras, podem ocasionalmente identificar-se com uma daquelas unidades
funcionais; mais a miúdo, porém, medeiam entre os dois extremos, en-
carnando uma ou mais noções radicais com uma ou mais no,:õcs subsi-
diárias.
de arte em miniatura. [Em porto a frase teria outro teor, neste ~8SO es-
pecial; seria qualquer coisa como - l~ão se pode pensar nisto"].
mente, por meio de formas análogas. Uma Ilngua que, porventura, f•••.
se plenamente "gramatical", seria um engenho perfeito para a expressão
dos conceitos. Infelizmente, ou afortunadamente, nenhuma tem essa coe-
rência tirâniea. Todas as gramáticas vnzam.
Supusemos até agora que o material da linguagem s6 reílete "
mundo doe conceitos e, também no que cu
me aventurei a chamar o pIn-
n.o "pre-racional", o mundo' das imagens, que são a matéria-prima do~
conceitos. Supusemos, em outros termos, que a li~guagem se move in.
wiramente no âmbito ideacioDal ou cognitivo.
:fJ tempo de alargar este quadro.
O aspecto volitivo da consciência é também, até certo ponto, expU.
citamente servido pela linguagem. Quase todas as Hnguas têm meios
especiais de exprimir as ordeIL'~ (nas formas irrtperativas do verbo, por
exemplo) e oe desejos inatingidos ou inatingíveis (lV ould he might come!
ou W01tld he were here!) [Tomara que ele venha!" qu, uQuem o dera
8.qui"].
As emoções, de maneira geral, parecem ter na linguagem um e..-'lCoa-
douro menos adequado. A emoção tende, aliás, prO\'erbialmente, para 8.
perda da voz. Contudo, quase todas se não todas as interjeições deyem ser
creditadas à expressão emocional, além de uma por~ão de elementos lin~
güisticos que traduzem certos modos, como M formM duhitativas ou po-
tenc~iais, talvez possíyci~ de interpretar como o refll~xo de estados emo--
cionai~ de hesitação ou dúvida, isto é, de um medo, atenuado.
De maneira geral, cumpre admitir quc a idea~iio reina suprema na
linguagem, c que a ,,"oliçio e II emoção entrsij1 como fatores nitidamente
secundários.
Isto, aliáB, é perfeitamente compreensivel.
O mundo da imagem e do conceito, a pintura infinita e cambiante
da realidade objetiva, é o assunto inevitável da eomunicaçáo humana,
pois é exclusivamente, ou pelo menos essencialmcntc, nos termos deste
mundo que é pO&~ívela ação efetiva. Desejo, intenção, emoção são uma
cor pe&'>Oslprojetada sôbre o mundo objetivo; ~ií.o aplicação privativa
de cada alma individual e-, como tal, de somenos importância para uma
alma pr6xima.
Is.w não quer dizer que a \'oliÇ<lioC a. emo<;ão deixam de manifcs-
tar-se. Não estão a rigor jamai,'! ausentes da fala normal, mas a sua
úXprcss.~o não li de natureza propriamente lingüística. Os matizes de
ênfase, de tom, de fraseado, a variável r&pi<1ez.e continuidade de pro--
núncia, os movimentos do corpo que a acompanham, tudo isso. exterio.
rixa alguma ('oisa da vida Íntima dos impulsos e dos sentimcntosj mas,
como l::SSCS meios de expressão são, em última análise, mero.~ aspecto.~
modificados de enunciação instintiya que o homem partilha com O'l ani.
mais inferiores, não podem ser considerados parte integrante da lingua-
gem, na sua concepção essencialmente eultural, por mais inseparávei'i
qUE: sejam da vida atual dela. E tal expressão meramente inBtintÍVa, da
volição e da emoção é, o mais das ve1.es, suficiente, e muitas vezes mais
que suficiente, para o propósito da comunicação.
os ELEMENTOS DA FALA 37
1. (O termo inglês u'ord foi aqui traduzido ora por l)alal'ra ora por v()(6bulo.]
8. Neste e noutros exempl05 tirados de Iinguas exóticas :rui forçado por con-
sidel'll.ções práticas a 9implificar as formas fonética:4 reais. Isto não terA. maior
importância, pois estamos tratando das formas como tais e nAo do scu conteúdo
fonético.
9. Esl.las experiências orni:l, que eu tenho tido mais de uma \'ez como estu-
dioso de campo da:o 1io~uas índias americanas, foram c1ll.rnmente confirmadas lJvr
experiências pt'!'soais de outra sorte. Por dua." Vézes (;C\!tineiint('ligt>nt('s jO\"t'TlSi.n-
dios a e!'crCVCi" suas própria.s Iinguas de acordo com o sistema fonético qu(' rou ('01'
prl'go. Aprenderam comi~o ap('tlas n r('prt'Sentar com pn'ci!t1i.o os sons fonéticO'!
considerado!'! em !li. Ambos tin'ralU cNta ~ificuldade em aprender a df'Compor o
\'ocúhulo nos 80ns constituintes, mll.!l não, absolutam •... nte, em determinar os vo.
l'ábuhs. bto amlX'R o fi1:•...ram t'om ph'na e espontânea prl'Cisão_ Em c('ntt'nas de
I':í.g-inas de um texto manus('rito nutka que obtive de um desses rapazl'8, ().'I \'ocá.
fJUI,,!', quer fossem entidades abstratas relacionai!l como tique" e "mas", quer
fõ!'sem palavras proposicionais complexa." como o exemplo nutk3. supracitado, fo-
I:Uli, pmticamrontc 8('m exc('t;ão, i!l011ld08precisumente como 1"t: ou outro qualqucr
"ntendido o teria f('ito. T&.i~ •...xperii'ncias COIUpt"880as ingênuas, a falar e a ('5-
crever. concorrem mais para convcnce••-nos da unidade plasticamente delimitada da
palavra, do qu(' a~ lauda." dl' urna arg-umt'ntaçáo purame!lte te6ric&.
10. 'E; duvidOllOque "sent('nças coordenadas", como "Ficarei mas você pode ir",
p088tUIl !ler eOm!ider3.das predicllç~ realmente unas, verdadeiras Bentenças. BiW
sentença" num sentido estilistieo que nA.o é o ponto de vista ling'Üilltico e estri-
40 A LINGUAGEM
ticulaçõcs dos órgãos da fala a que de início não habituamos 0.<; nO!i&O-">
órgãos. Pode-se, aliás, afirmar, sem receio, que o número total dos sons
vocais possíveis é muito superior ao que está prati('.lUnf'llte('m uso. Um
foneticista experimentado não teria, com eferto, dificuld:tde em inn't1tnl'
sons desconhecidos à investigação objetiva:
Um dos motivos que nos tornam árduo acreditar que a s,.;tte do.'i
sons possíveis da fala seja indefinidamente extensa, está em' 11('SSO há.
bito de conceber o som como impressão simples c inanalisável, em Vl!'7. de
aceitá.lo como a resultante de uma porçlw de articula<:&>smusculares,
distintas, que se realizam si!Uultâneamente. I...evemudança em uma des-
tas dá. nos novo som, relacionado com o antigo por causa da persistência
das demais articulações, mas acusticamente distinto, -tão sensível se tor-
nou o om'ido humano ao jogo cambiante do mecanismo da voz.
Outro motivo da nossa falta de imaginação fonética está em que,
embora o nosso ouvido seja delicadamente apto a surpreender os sons
vocais, os músculos dos nossos órgãos da. fala se tornaram, muito cedo
na vida, exclusivamente habituados às especiais articula,:ões e si'itemns
de articulação, que nos impõe a enunciação dos soI1s tradicionais da
nossa língua. Todas ou quase todas as outras articulações estão perma-
nentemente inibidas, quer por falta de experiência, quer por uma, eli.
minaç.ão gradual. Naturalmente que não perdemos completamente o p0-
der de executá.las; mas a extrema dificuldade quc sentimos em aprcn-
ttf'r novos sons 'de uma língua csfrangeira, é prova suficiente da C3tra-
oha rigidez que a maioria das p<,.ssoasadquiriu no governo voluntário
dos órgãos da fala. É o que ressalta irrefragável, se contrastamos essa
relativa falta de liberdade no.~movimentos'voluntários da elocução' com
a liberdade inegavelmente plena da gesticulação voluntária.
mobilidade da língua permite que um dos seus pontos, o ápice por exem-
plo, se articule de encontro a uma porção de pontos opostos de contacto.
Daí, decorrem muitas posições de articulação com que nno estamos fa-
miliarizados, como a posição dental típica do t e d em russo e italinno;
ou a posição ucerebraI" do sflnscrito e outros idiomas da índia, quando o
ápice da língua se articula contra o palato duro. Como não há solução
de continuidade da arcada dentária até a úvula e do ápice u raiz da lín-
gua, é e\;dente que todas as articulações em que este último órgão ful)-
eiona, constituem uma série orgânica (e acústica) continua. As posiçõcs
succdem.se gradativamente, mas cada idioma escolhe um número limi-
tado de posições claramente definidas, como características do seu si'l-
tema consonântico, fazendo abstração das intermediárias ou extremas.
lIuita.c; vezes há certa latitude na fixação da posição requerida. É o
que sucede, por exemplo, com o som inglês k que numa palavra como
kin [port. "parentesco"] se articula muito mais para a parte anterior da
boca do que em cool [porto ufresco"]. Psicologicamente, não chegamos a
tomar conhecimento desta diferença, que fica sendo, portanto, meramen-
te mecânica, não-es..'JCncial.
Já outro idioma poderá dar à diferença, ou ~
outra pouco maior, um valor preciso, assim como o fazemos para a dis-
tinção de posiçõesentre o k de kin e o t de tin [port. llestanho").
A classifiea~ão orgânica dos SQnsda fala é coisa simples, depois
do que acabamos de ver quanto à sua produ~ão. Um som qualquer pod"
ser posto no seu devido lugar com a resposta apropriada a estas quatro
principais perguntas: - Qual a posição das. cordas glotais durante a
articulaçãoT A corrt'nte de ar passa apenas pela boca ou também se
escoa em parte pclo nariz' A corrente passa livremente na boca ou 8(,-
fre um impedimento qualquer, e, neste caso, ae que espécie' Quais os
pontoB precisos da articulação na boea1H gssa classificação quádrupla.
explorada em todas as suas ramificaçõesu, é suficiente pura explicar
todos ou praticamente todos os sons da linguagem18•
01'1hábitos fonéticos de uma língua não ficam, entret.'mlo, exaus.
tivamente definido..
•• com dizer que ela utiliza tais e quais Mns dentre
a gama sem fim a que acabamos de lan~ar um rápido olhar. Subsiste ain-
da a importante questão da dinilmica desses elementos fonéticos.
Duas lín~nas podem, teoricamente, consistir das m~sma.'isérie'i ní-
tidas de conSO'lntcse vogais, e produzirem, não obstantc, efeitos acús-
ticos totalmente diversos. Uma delas não reconhecerá variaçôcs notá-
veis na duração ou "quantidade" dos elementos fonéticos, enquanto a
outra procurará as.••inalá-las euidadosame\lte (na maioria, talyez, das
línguas, há distinção entre as vogais longas e breves; e, em muit.'l8,
como o ita.liano, o sueco e o ojíbwa as consoantes longas não se eonfun-
c1<>m com as breves da mesma natureza). Ou uma língua, o inglês, diga.
mos, será muito sensível para as. rela~Ó('sde intensidade, enquanto em
outm, o franel'S. digamos, a intensidade merece muito menor considera-
(:<10. Ou, ainda, as difercn~as de altura da voz, que MO inseparáveis da
prática da 1ing'ungcm,não se consub&tanciarão~no vocábulo, ma.'i,como
l'lll inglês, serão mais ou meno..')
caprichosas, ou, quando muito: um fcnô-
11l<:no retórico, ao passo que em outras línguas, como em sueco; em lituâ-
nio. em l~h!nl3s, em siamês e na maior parte das língul1s africanas serão
48 A LINGUAGEM
vez como sistema aos homens em geral, pode muito mais facilmente ser
tra"ido para o campo da consciência, à maneira de um padrão" defini.
do, de um mecanismo. psicol6gico. Esse sistema fonético intimo, sobre-
carregado embora que esteja pelo que há a mais de mecânico e insig-
nificante, é um principio real e imensamente importante Da vida de uma
Hngua. Pode persistir como padrão, ineluindo o número, a relação e
o funcionamento dos elementos fonéticos, muito tempo depois de o seu
conteúdo fonético ter mudado. Duns línguas ou dialetos, historicamente
relacionados, podem não ter um som em comum, sem que 08 seus siste-
mas fonéticos ideais deixem de constituir um só padrão. Com isso, não
quero absolutamente dar a entender que um padrão desses seja imu.
tAvel. Pode reduzir, ampliar ou alterar a sua conformação funcional, mas
em marcha infinitamente menos rápida do que a dos sons propriamente
ditos.
Toda língua, por conseguinte, é caracterizada tanto pelo seu sis-
tema ideal de BOns e pelo seu padrão fonético de subsolo (sistema, di.
riamos nós, de átomos simbólicos) quanto por uma definida estrutura
gramatical. Ambas essas estruturas, a fonética e a conceptual, mos-
tram o sentimento instintivo da forma que há na linguagem.
Notas ao Capítulo 3
5. Como !la parte final de um no! pl'OlIunciado l'O!:l rai,'a (r às vezes ('1l.
crito nope!), ou na pronúncia d.' at dl/. fcita (,O!II ('uidado t'x~.t'Sl'ih'r., onde sc OUW!
um:\ leve pausn {"ntre o t p o a.
6. [Ufll..se aliás, muit~'l H'Zl'S em lingüistica o t~rmo inC"l~s!itClnl; glottal dof'.}
i. L!':HI(! aqui "c:\lllar" rnt H'utido lalo. Xin~utõm poile t':\l1tnr imlf'finidn..
rol'nh' um l'Oln cúmo b ou d, m:'!.S ql~alquer pes.~oa ('OIh' t>mlllinr uma toada numa 'lé.
rie de bb ou dd. il rnant'ira do "pizzieato" arrancado aos iostrumrntoo dI' rorna.
52 A LINGUAGEM
Uma fI,~rie di) ton9 f>XecUtM08 50brl." consoantes continuas como m. ::, ou i, dá I)
efeito de um murmúrio, assobio ou zumbido. AliAs, o murmúrio nia ê mais do que
uma unsaJ continua sonora, mo.ntida numa s6 altura. ou de altura variável, con.
forme se deseje.
14. Por "pontos de articulação" deve.sc t:J.mb~m entenuer a.! posiç3r:s lin-
guais e labiais da.! voga.is.
15. Incluindo.se, na quarta categoria, certo número de ajulltamcntos espe.
dais de ressonância que não pudemos especificar.
16. Apenas na medida em que se trata de sons expiratórios, isto é, pronun-
ciados com a corrente de ar expelida dos pulmões. Certas lingutl.'l, como o hoten-
tote e o boximane da Africa do Bul, também U:m SOM iMpirat6ri08, pronunciadO<'!
com uma sucção de ar em vários pontO<'!de contaelo bucais. Sii.o os chamados cJi.
'lUI"'!l [aportuguesamento do inglês click).
tipo de X1nor c nnob, 0\1 por outros tipos de mutaç:ão yocAlica interna.
Certos verbo!'!sufixnm um cl~mcJlto t para o infinitivo, e. g., ten.eth lidar",
1teyo-th, "scr". Por outro lado, ns idéias pronominais, podem ser expres.
sas por yocábulo~ indcpcndcnt~s (c. g'l anoki, "eu"). por prefixos (c.
g. e.:z:mo" "eu guardarei"). por sufixos (c. g. :romar-ti, ueu guardei").
Em nass, HnRua India da Colúmbia Britânica, formam.se 08 plu~
rais por quatro rnétooOB distintos. A maior pu rte do.<;nomes (e dos ver.
boa) são r.oouplicados no plural, isto é, uma parte do radical se repete,
e. g. UVat, llpcssoa", gyigyat, Ugente". Já um segundo método está no
UBOde r.crtos prefixos C'aracterísticos. e. g., an'on, "mão", ka-an'on, "mãos";
wai "um remo", lu-wai, "vúrios remos". Outros plurais, ainda, se formam
por .meio de uma mutac;:iiointcrna de vogal, e. g., gwula "manto", gwila,
Umantos" .. Enfim, uma quarta classe de plurais é constitufda por nomes
que sufixam um elemento gramatical, e. g., u:aky, "irmão", wakykw,
u'1l1lla06
- " •
uma vez que a relação entre 08 elementos também fiea preMUpoata e não
explicitamente estabelecida. Difere noutro sentido, porque 08 elemen~
tos componentes são compreendidos como partes constituintes de um
.organismo vocabular único. Línguas como o chinês e o inglês, em que.
o princípio da ordem rígida se acha bem desenvolvido, tendem não p?ucas
vezes a desenvolver palavras compostas. De urna seqüência vocabu.
lar chinesa do tipo jin tak, "homem virtude", i. e.,
lia virtude dos homens",
s6 há um passo para justaposições mais convencionais e psicologicamente
unificadas como t'ien tsz, "céu filho", i. C, "imperador", ou xui fu, uágua
homem'" i. c, f.carregador dágua". No último exemplo podemos até,
aliás, francamente escrever xui.fu numa só palav"ra, pois a significação
do composto, considerado em seu todo, é tão divergente dos valores eti.
mol6gicos exatos do..'Jelementos componentes quanto a do vocábulo inglês
typewriter [port. "dactilógrafo"] o é dos valores meramente combina-
dos de type e writer [respectivamente, fltipo de impressão" e uescritor"J.
Em inglês a unidade de typewriter é além disso assegurada por um
acento predominante na primeira s.Oabae pela possibilidade da adjunção
de sufixos à palavra em seu conjunto, como o s do plural; e o chinês
também unifica 08 scus compostos por meio da acentuação.
Resta-nos a')Sim concluir quc, o processo de composição, embora nas
suas longínquas origens vá ligar-se a ordens vocabularcs tfpicas na sen-
ten~a, é hoje na sua maior parte um método especializado de expressar
relaçõcs.
Era de esperar, por exemplo, que uma palavra nutka, como uquando,
segundo dizem, ele ficou ausente por quatro dias", contivesse pelo me-
nos três elementos radicais, correspondentes aos conceitos de "ausente",
I'quatro" e "dia". Ma..~,na realidade, qualquer palavra nutka é absoluta-
mente incapaz de composição, no' sentido que damos a este termo. Coml-
trói-se, invariavelmente, de um só radical e maior ou menor número
de sufixos, cuja significa~ão pode ser quase tüo conereta quanto a do
próprio radical. No exemplo particular que citamos, o radical dá a
idéia de "quatro", sendo as no~ões de "dia" e "ausente" expressas por
sufixos tão inseparáveis do núcleo da palavra quanto o é de sing ou hunt
OS PROCESSOS GRAMATICAIS 59
mente, não possuam valor independente como radicaisj mas Hnguas des-
sa espécie são pouco comuns.
Dos três tipos de afixação, - o uso de prefixos, de sufixos e de in-
fixos -, é o segundo o mais encontradiço. Pode-se até adiantar, sem re-
eeio, que os ~ufixos entram em maior escala na obra fonnal da linguagem
do que todos os outros métodos reunidos. Vale salientar que há não poucas
Jinguas de afixação, que absolutamente não fR7.f'In lL'>O de prefixos e pos_
suem um aparelhamento complexo de sufixos. Tais são o turco, o hoten-
tote, o esquimó, o nutka e o yana. A.lgumas delas; como as três últimaa
citadas, têm cente"nasde sufixos, e muitos (luja significação é tão con-
creta que, na maioria das 'outras linguas, teria de expressar-se por
meio de radicais. O caso inverso, do uso de prefixos com completa ex-
clusão de sufixos, é m•..ito menos comum. Tem-se um bom exemplo em
khmer (ou cambodjiano) t falado na Cochinchina francesa,. mas ainda aí
há tra~os de antigos sufixos, que deixaram de funcionar como tais, e
hoje s:io sentidos como partes integrantes do radical.
Uma maioria considerável de línguas conhecidas usam a prefixação
c a sufixação a um só e mesmo tempo, mas a importância relativa dos
dois grupos de afixos muito varia naturalmente. Em alguns idioma.~.
como o latim e o russo, só aos sufixos cabe relacionar o vocábulo ao res-
to da senten-:a, circunscrevendo-se os prefixos à expressão daquelas idéias
Que delimitam a significação concreta do radical, sem influir no com.
portamento dele na proposição. Uma forma latina, como remittebantur
(leram mandados de volta" pode servir de ilustração 'para esse tipo de
distribuição de elementos. O'"prefixo Te-, lide volta apenas qualifica,
lt
-o(ht)- indica atividade que recai no sujeito (ou, seja,.8 chamada voz
mediaI ou médi~passiv8 do grego) j -(a)ti- é o elemento de reciprocida-
de l'um ao outro"j 4wa--ch(i)- é a terceira pessoa animada. do plural'
(-wa- para o plural e chi, mais propriamente pessoal) das"chamadas
formas "conjuntivas". Pode-se' traduzir a palavra mais literalmente
(mas, apesar de tudo, só aproximadamente quanto à impressão grama-
tical do conjunto) por "então eles (seres animados) fizeram um ser
qualquer animado andar cá e lá em fuga de um para outro entre si", O
esquim6, o nutka, o yana e outros idiomas têm equipamentos analogamen-
te complexos de sufixos, embora difiram em grande escala as funções
que tais sufixos realizam e os principios por que se combinam.
Reservamos para ilustração separada o curiosíssimo tipo de ele-
mentos de afixação conhecidos pelo nome de "infixos" . .t completamente
ignorado em inglês, a menos que consideremos o .n. de stand [presente
de l'ficar de pé"), em contraste com stood [pretérito), uma consoante
infixada.
Ufazer uma fogueira", chewati, Ueu fiz uma fogueira"; :ruta, "perder'\
x1lunta-pi, un'ós perdemos" (um objeto).
Processo subsidiário, mas não de maneira alguma, ~em importância,
é o da mutação interna vocálica ou consonantal. Em algumas Unguas,
como em inglês (sing, !anu, !ung, longj goose, geese), a primeira dessas
mutações tornou-se um dos maiores métodos para indicar mudança bá-
sica de função gramatical. E, seja como fór, o processo continua vivaz,
ao ponto de atrair 08 nossos filhos para caminhos ínvios. Todos conhece-
mos algum meninote que fala em "kaving brung something" [em vez
de broughl, particípio paaaado do verbo lo brillg, trazer J por analogia
com formas como sun..!Ae flung [verbos to sing, Ucantar" e to fUng,. Har_
rerncssar"]. Em hebraico, já o vimos, a mutação vocálica ainda é mais
significativa do que em inglêsj e o que é verdade para o hebraico, tam.
bém o é, naturalmente, para todas as outras línguas semíticas. UM pOU.
cos exemplos do chamado plural Ilquebrado" do arábicou servirão de au-
plemen~ à."1 formas verbais hebraicas que já citei a outro propósito. O
neme balad, Hlugar", tem para plural a forma bilad18; gild, uesconde-
rijo" faz o plural gulud; de ragil, Ilhomem", o plural é rigal; de xibbBl.:,
"janf!la", o plnral é xababik. Fenômenos muito semelhantes encontram-
se nas línguas hamíticas da África Setentrional, e. g., em shilhll izbil,
"cabelo", plural izbelj G-slem, "peixe", plural i-slim-en.; sn, "saber", sen
"estar sabendo"j nni, "cansar", rumni, "estar cansado"j ttss20, "adorme-
cer", ttoss "dormir". Dc analogia impressionante com as altcrnâhcias in-
glêsas e gregas do tipo sing-sang e leipo, "deixo", leloipa "deixei", são
em somalill os éaaos de ai, "sou", il, "era"; i.dah-a, "digo", i-di, "dizia",
deh, "dize!"
A mutação vocálica é também de grande significação em certo nú-
mero 4e línguas índias americanas. No grupo athabáskan muitos verbos
mudam a qualidade ou a quantidade da .••. ogal do radical ao mudar, de
tempo ou' de modo. O verbo návaho correspondente a "ponho (grão)
numa vasilha" é bi-hi-x-dja, em que dja é o radicalj o tempo pretérito
bi-hi-dja', tem um a longo seguido da "oclusão glotal"U; o futuro é bi.h-
de-:r-dji com a mudança completa da vogal. Em outros tipos de verbos
návaho, as mutações ,"ocáBcM seguem linhas diferentes, e. g., yah-a-ni-ye
"carregais (um fardo) para (uma cavalariça)"j pretérito yaJt-i-ni-yin
(com i longo em yin, sendo o n aqui usado para. indicar nasalação) j fu-
turo, yah-a-di-yehl (com e longo). Em outra língua" índia, o yokutsU, as
modificações vocálicas manifestam-se tanto nas formas nominais como
nas verbais. Assim. buchong "filho" forma o plural boch.ang.i (em con~
traste com a forma objetiva b'UGhong-a)i de enax, uavô", o plural é inax-a;
o .••.
erbo engtyim Hdormir forma o continuativo ingetym-ad, Uestal' dor-
tl
línguas funções que não parecem ter a menor relação com a idéia de
aumento.
Talvez os exemplos mais conhecidos sejam os da reduplicação ini-
cial das nossas antigas lingus8 indo-européiss, que auxilia a formação do
pretérito de muitos verbos (e. g. sânscrito dadar-xa, ''''i'', grego leilopa
"deixei"; latim, tetigi, '1.oquei", g6tico Zelo', uconcedi"). Em nutka em~
prega.se não raro a reduplicação do elemento radical em ~iação com
certos sufixos; e. g. hluch-, ''1nulher'', forma hluhlucb,-'ituhl, "sonhar com
uma mulher", hluhluch-k'ok 'ÍJareeido com uma mulher". Exemplos psi-
cologicamente semelhantes ao grego e ao latim são, em takelma, muitos
casos de verbos que exibem duas formas do radical, uma usada no pl'&-
sente e no pretérito, a outra no futuro e em certos modos e derivados
verbais. A primeirà tem uma reduplicação final, que não figura na se-
gundaj e. g. al--yebeb-i'n 'mostro-Ihe (ou mostrei-lhe)'" al-yeb-in, f'mos-
trar-lhe-ei".
Chegamos agora ao mais sutil dos processos gramaticais: variações
de acentuação, quer na intensidade, quer na altura.
A principal dificuldade em isolar o acento como proc~~ funcio-
nal está em que ele se acha muitas vezes tão combinado com ~lternâncias
de quantidade ou qualidade vocálica, ou tão complicado pela presença
de afixos que o seu valor gramatical aparece sob aspecto mais seeundá~
rio"do que primordial.
Em grego, por exemplo, é um característico das fonnas verbais re-
cuarem o ac~nto o mais longe possível, dentro das regras prosódicas ge-
rais, enquanto os nomes apresentam maior liberdade de acentuação. Há,
assim, uma importante diferença de acento entre uma forma verbal como
eluthemen, "fomos libertados", acentuado na penúltima silaba, e o seu
derivado principal lutheis, "libertado", acentuado na última. A presença
dos elementos verbais típicos c- e ~men, no primeiro caso, e do s nominal,
no segundo, concorre para obumbrar o valor inerente da alternância de
acentos. Es,<revalor ressalta nItidamente em formas duplas inglesas como
to ref'Und (verbo, oxítono) e a ref'Und (nome, paroxítono), to extract
c an extract, to come down e a come down,' to lack luster e lack-luster
eyes; em que a diferença entre o verbo e o nome só depende da mudan
ça de acentuação (É o que anàlogemente se verifica em português entre
a 1.' pessoa singular do indicativo presente e o Domedeverbal correlato,
de, por exemplo, "(eu) reverbero", paroxítono, e U(o) revérbero", propa.
roxítono, "(ele) iaLrica", paroxítono, e "(a) fábrica", proparoxítono, etc.].
Nas línguas athabáskan, há não raro sigJ\ificativas alternâncias de acen-
to como em návaho ta-di-gis, uv6s vos lavais" (acentuado na segunda sí-
laba) e ta-di-gi3. uêle se la\'a" (acentuado na primeira)u.
O acento de altura pode desempenhar função tão importante quan.
to o de intensidade e talvez a desempenhe mais a mi6do. O simples fato,
entretanto, de serem as variações de altura essenciais na fonética de
uma Ungua, como em chinês (e. g. feng, "vento" com tom nivelado, [eng,
"servir" com tom decrescente) ou em grego clássico (e. g, lab.on, "ten-
do tomado", com tom simples ou alto no sufixo de particípio -01tj gtt1uzik-
01t, "de mulheres", com um tom circunflexo ou d"'l'escente no sufixo
casual -on) não constitui por si SÓ, neeessariamente, uma aplicação da
OS PROCESSOS GRAMATICAIS
9. Que inclui Hnguas como o návaho, apache, hupa., carner (nome inglês, porto
"carn'gador"], chipew:ran, lO1óCheu.r [nome franci;s].
10. bso poderá surpreender o leitor inglês. Em regra consideramos o tempo uma
funt;:llo que se exprimo apropriadamente de maneira toda formal. Tal noçlio deriva.
fie do pendor que o estudo da gramática latina n08 deu. Na realidade, o futuro in.
glês (l shall gol não se expressa absolutamente 'por um afixo; demai£l, pude ser ex.
presso pelo presente, como em - to.morrow 1 lea~'~ th" pla.ee [l<amanhA.deixo eate
lugar"], onde a função temporal é inerente ao advérbio to.morrow [porto "amanhi."].
Em menor grau embora, o hupa .te é tlio írrelf".ante ao vocábulo verbal propriamente
dito, quanto "amanhã" ao n~::lO"scntimento" de I leave [porto fldeixo"].
11. Dialeto wishram.
12. :r\n r("uliclad("him (forma masculina. ao pa..~soque ~it é neutro); mas .,
chinuk, como o latim e o francês, p08sui gênero gramatical. Pode-se tratar um
ohjcto de "he" [de], "shc" [ela} ou "it" [gênero neutro] de acordo com a forma
característica do nome que o dl'Signa.
13. Esta análise {, inscb"Ura. £:: pro,"ávcl que o .n. possua uma função, ainda
por d('Slindar. As língua.'" algonkin são de uma eomplt"xidadt" fora do comum e apre.
"'l"utnm muitos problema!! de detalhe ainda não r("solvidos.
70 A LINGUAGEM
14. "Radieo.iI locundlÚ'iOl" '-Ao elementOll que 11110 IUf1%OI do ponto' doe "lata
formal, nunca figurando .em o suporte de um v(lrdadeiro radical, mu cuja. funç!o,
qualquer que seja. o teu iDtento ou prop6eito, , tio CODcret&quanto •. do pr6prio
radieaI. Radicai. verbaia .eeundlriOl desae tipo elo earacterÚlticu du l1Dguu aI.
gonkin e do yana.
15. Nas 11pguaa algonkin, todu as pesaOllA I' coilu .10 conheeid •.• como
nnimndlUl ou inaniml1das, da me!m3. lorte que em latim ou alcmlo 110 ('onoohidu
romo DlR!lculinas, :femininas ou neutl'U.
16. [Traduziu.se por "curandeiro" a Iocuçlo medicinc.mon, que a eseola antro-
pológica inglesa de TyIo!' e Fruer vulgarizaram e que os autores franceses (Lel)"
Brühl, por ext'mplo) transpõem literalmente para homme.médiciM.)
17. Dialeto egípcio.
18. lU. também mudanças de acento e quantidade vodJiea nestas formu,
mas as exigências da simplificação impõem.nos desprezA..lns.
19. Lingua. bcrbere de Marrocos.
20. Algumas Hnguas berberes admitem combinações cOD.l!lonantais,que, a n6s
':nltros, parecem impronunei6.vei8.
21. Uma das linguas haml:ticas da Africa oriental.
22. Ver pflg" 56.
23. Falado no ~eDtro meridional da Califórnia.
apenas falando dele i e, além disso, que ele não está matando a ave, mas
recebendo uma ordem minha neste sentido. A relação subjetiva que ha.
,\;8 na primeira sentença, tornou.se uma relação vocatiV8j e a 8tÍ\'i-
dade passa a ser concebida em termos imperativos e não indicativos.
Concluímos, 'portanto, que se o lavrador deve scr apenas uma pes-
soa de quem se fala, o artigo tem de voltar ao seu lugar e o -$ não deve
ser Bupresso.. Este último elemento claramente define, ou antes, auxilia
a definir uma sentença enuneiativa em contraste com uma ordem.
Verifico, além disso, que, se quiser falar de vários lavradores, núo
poderei dizer - the farmers kills lhe duckling, mas sim _ the fanners
kill the duckling. Evidentemente, pois, o -$ pressupõe a singularidade
do sujeito. Se o nome é singular, o verbo tem uma forma que lhe corres-
ponde, e tem outra, se o nome é pluraP. A comparação com fonnas
como I kill [I.> pessoa do singular] e you kill [2.' pessoa do plural] mos-
tra, a mais, que o -s tem exclusiva referência a uma pessoa outra que
não aquela que fala ou "aquela com que se fala. Concluímos, pois, que
conota aí uma relação pessoal, ao mesmo tempo que uma noção de sino
gularidade. E a comparação com uma frase como - The farmer killed
{pretéritoj porto "matou"] the duckli.ng indica haver ainda neste sobre4
carregadissimo -s a designação nítida do tempo presente.
O caráter indicativo da sentença e a referência de pessoa podem ser
considerados conceitos inerentes de relação. O número é evidentemente
sentido pelos que falam inglês como uma relação necessária, pois, do con-
trário não hayeria razão para exprimir-se duas vezes o conceito _ uma
vez no nome, outra vez no verbo. O tempo também é claramentCl senti-
do como conceito de relaçãoj se o não fosse, poder-sc-ia dizer lhe farmer
killed-s para corresponder a - the farmer kills.
Dos quatro conceitos inextricavelmente entrelaçados no sufixo os,
todos são sentidos, pois, como conceitos de relação, sendo que dois t~m
o caráter de relação necessária. A distinção entre um verdadeiro con-
ceito de relação e um que é apenas sentido e tratado como tal, sem que
seja parte intrínseca da natureza das coisas, merecerá maior aten~iio
. nossa daqui a um momento.
Modalidade:
3. Declarativa: expressa pela seqüência de suj~ito mais verbo;
e pressuposta pelo .$ sufixado.
Relações pessoais:
4. Subjetividade de farmer: expressa pela anteposição de far-
mer a kills e pelo .s sufixado.
5. Objetividade de duckling: expressa pela posp08içiio de duc-
kling a kills.
Número:
6. Singularidade do primeiro sujeito dt! discurso: expresso pela
ausência de sufixo de plural em farmer; e pelo sufixo .$ no
verbo seguinte.
7. Singularidade do segundo sujeito do discurso: expresso pela
ausência do sufixo do plural em duckling. .,
76 A LINGUAGEM
Tempo:
8. Presente: expresso pela ausência de sufixo' de pre~rito no
verbo; e pelo -8 sufi.udo.
alguns deles podem ser postos de lado; e que outros conceitos, que não
forani leyados em consideração na construção inglesa, podem passar a
ser tratados como absolutamente indispensáveia à inteligibilidade da pro-
posição.
Consideremos primeiramente a possibilidade de um tratamento di.
verso para os conceitos ineluídos na sentença. inglesa.
Entretanto, tudo isso, e mais ainda, acontece em latim. 11Ia alba te.
mina quae venit e illi albi homin.es qui veniunt, traduzidos conceptual.
mente, correspondem ao seguinte: aquêle - um - feminino - agente'
- um - feminino - branco - agente feminino - fazer _ um - mu.
l1ter que - um - feminino - agente outro 8 - um _ agora _ vir
fi. e. cada palavra latina desdobra-se num nome radical somado a con-
ceitos de unidade, feminino, agente, atualidade, 3.• pessoa, etc.] j e aquele
- muito - m~ulino - agente muito - masculino - branco _ agen-
te masculino - fazer - muito - homem que _ muito _ masculino _
agente outro - muito - agora - vir [i. e. cada pala\'ra latina desdo-
bra-se num nome radical somado aos conceitos de masculino, de plurali.
dade, agente, atualidade, 3.• pessoa]. Cada yocábulo implica nada menos
do que quatro conceito.~:um conceito radical (quer concreto propriamen-
te dito - branco, homem, mulher, vir, quer demonstrativo.- aquele,
que) e três conceitos relacionais tirados das categorias do caso, número,
gênero, pessoa e tempo. Logicamente, apenas o caso' (relação de mulher
ou homem com o verbo seguinte, de que com o seu antecedente, de aquêle
e branco com mulher e homens e de que com vir) exige imperativamen-
te expressão, e isso apenas em conexão com os conceitos diretamente atin-
gidos (não há, por exemplo, necessidade de informar que a brancura é
uma brancura de agente)1°. Dos outros conceitos relaeionais alguns são
A\ v I./> clt.:r juJzv> ~l 'I.c ...•..
os CONCEITOS GRAMATICAIS 81
Mve, llter"), distinção que, por sua vez, poderá ter cessado numa deter.
minada fase vindoura da Ungua li,
I. Conceitos Fundamentais.
Conteúdo Material ..... {
lI. Conceitos de Derivação.
outro elemento da sentença nada tem que ver com o caráter plural ou
diminutivo do lume. Por isso, embora o nutka reconheça uma demsTC8-
ção entre conceitos concretos e menos concretos no grupo lI, os menos
concretos não transcendem do grupo conduzindo-nos à atmosfera mais
abstrata a que nos transporta o nosso -8 do plural:
.Mas com tudo isso, objetará o leitor, já é alguma coisa que o afixo
de plural nutka se coloque à parte dos afixos mais concrctosj e acres-
cendo que talvez o diminutivo nutka tenha um conteúdo mais esgarçado
e fugidio do que o inglês -let ou ~ling ou o alemão -chen ou _lein20•
Posto isto, será. que um conceito como o da pluralidade poderá ja.
mais ser classificado entre os conceitos mais materiais do grupo In
Sem dúvida que pode.
Em yana, a terceira pessoa do verbo não faz distinção entre o sin-
gular e o plural. Não obstante, o eonceito do plúral pode ser expresso,
e quase sempre o é, pela sufixação de um elemento (-ba) ao radical do
verbo. 1t burn8 in the east [east, Uleste"] traduz-se pelo verbo ya--hau..81"21,
flburn-east-s" [i. e., o radical verbal+ leste + a desinência da 3.' pessoa.].
"They bum. in the east" [sujo pl. they, "êles"] êya.ba-hau..sil Note-se que
o afixo do plural imediatamente se segue ao radical (ya-), disjungindlHl
do elemento loca.tivo (.hau-).
Não é necessário grande gasto de argumentação para se provar que
o conceito de pluralidade ê aqui pouco' menos concreto que o de lugar
onde, lia leste", e que a forma yana ê sentida não tanto A maneira do
n0880 "They hum. in ihe east" (ardunt oriente) como A de "Burn-several-
-east-s, "uma coisa pluralmente arde a leste", frase que não conseguimOll
satisfatoriamente assimilar por falta de canais de expressão a~ropriados
onde ela em nossa !fngua possa insinuar-se.
8erá po;Wvel darmos um passo adiante e tratar a categoria de plu-
ralidade como idéia estritamente material, tal que fizesse de "livros"
um "plural livro", como o "branco" de lttivro branco" que ealha fran-
camente no grupo 17
Não é evidentemente o caso das nossas locuções "muitos livros", "vã..
rios livros". Ainda que disséssemos mony book ["muito livro"]; e "vário
livro" (como dizemos "many B book" e "cada livro"), o conceito do plural
~ão emergiria tão claramente como no novo caso que imaginamosj "muito" e
4'vário" estão contaminados por certas noções de quantidade gradativa
que não são essenciais à simples idéia da pluralidade.
Temos de voltar-n,os para a Ásia Central e Oriental em bUBC8do
tipo de expressão que procuramos.
OS CONCEITOS GRAMATICAIS 87
soa são pos.síveis ("n\Í.3", por cxem"plo, concebido como o plural de lIeu",
ou tão distinto de lleu" ('orno de "vós" e de "ele'" - ambas as atitudes
transparecem nas linguas, - além disso, quando é que "n6s" inclui
a pessoa com que eu falo ou a exclui? _ forrn.RQ "in()lu.a.ivc," ••• up:J:l'lm~i_
va"); qual é o plano geral de orientação, nas chamadas categorias de-
monstrativas ("este" e "aquele" numa infindável procissão de yarian-
'tes)Z'; quão a miúdo a forma lingüística exprime a fonte e a natureza. de
informação em que se fundarnf':nta a pessoa que fala (por experiência
própria, por ouvir dizor 28, por interferência) j como se exprimem no
nornA JUI rP.laCÓf'.q
eintáticas (subjetivo e objetivo; agentivo, instrumen-
tal e de pessoa interessaaa2tj vários tipos de genitivo e relações indire-
tas) j e correspondentemente no verbo (ativo e passivo; ativo e estático;
transitivo e intransitivo; impessoal, reflexivo, recíproco, indefinido quan-
to ao objeto, além de muitas outras limitações especiais no ponto de par-
tida e de ehegada da cadeia geral de atividades).
Tais detalhes., por mais importantes que sejam muitos deles para a
compreensão da forma interna da linguagem, cedem o passo, em seu
'valor geral, às distinções mais radicais dos grupos que estabelecemos.
Ao leitor comum basta sentir que a lingua oscila entre dois pólos de
expressão lingiifstic.a - conteúdo material e relação e que esses
pólos tendem a ligar.se por meio de uma longa série de conceitos de
transição.
Tratando dos vocábulos e das suas várias formaa, muito tivemos
que antecipar a respeito da sentença em conjunto.
Toda língua tem seu método ou métodos especiais para reunir 08
vocábulos numa unidade maior. A importância de&ge8 métotl08 é sua-
cetivel' de variar de acordo com a complexidade do vocábulo isolado.
No latim, agit U(ele) procede" não precisa de auxilio externo para
1ÍI7Qar a 8ua posição na frue. Quer eu diga agit domituu "o amo pro-
cede", ou em sic femina agit "aasim procede li mulher" praticamente á o
mesUlo o resultado llquido quanto ao valor sintático de ogit. Só pode
tlier u1I1 "eroo, pred~eado de uma proposição, e só pode ser coneebido COIl1D
enunciação de uma atividade executada por uma pessoa (ou coisa) QU6
não por mim ou por ti. J á não sucede o mesmo com um vocábulo como
o inglês act. Act bóia sem governo na sintaxe, enquanto não definimos
a sua situação na proposição - uma coisa em "they act abominably"
["procedem abominavelmente"] e outr8 muito diversa em that was a kin-
dly act I"isso foi um procedimento gentil"]. A sentença latina fala-nos
através da segurança individual de .seu.<Jmembros; o vOCábulo inglês ne-
cessita o auxílio imediato dos seus companheiros. Isso de maneira apro-
ximada, bem entendido.
Dizer, contudo, que uma estrutura vocabular suficientemente elabo-
rada compensa a falta de métodos sintáticos externos é estabelecer uma
perigoSa petição de princípio. Os elementos do vocábulo ligam-se entre
OS CONCEITOS GRAMATICAIS 89
passo que uma seqüência como aee man' pode indicar que a palavra acen-
tuada até certo ponto limita a aplicação da primeira, como objeto direto
- dif,!smos, donde to &te a man ou (he) aee! the mano Tais alternâncias
de relação, simbolizadas por acentuações variáveis. são importantes e fre-
qüentes em certo número de linguasll•
~ especulação algum tanto arriscada, e contudo admissivel, ver na
ordem vocabular e na acentJlação os métodos primordiais para' a ex-
pressão de todM as rela~ões sintáticas e encarar o atual valor relaei~
nal dos elementos e vocãbulos especificos como uma situação secundária
rle\'!da a uma transferência de valores.
As.~im, podemos aventar que o -m latino de vocábulos como leminam,
dominum e civem não denotavam originàriamente.H'que "mulher", "amo"
e "cidadão" esta\'am objetivamente relacionados ao verbo da' prop08i~
t:iio, mas indicavam Qualquer coisa de muito mais concretoU, estando a
relação objetiva meramente implicada pela' posição ou acentuação do
vocábulo (elemento radical) imediatamente anterior ao -m, e que essa
consoante gradualmente, à medida que se esvaía o seu valor mais con-
creto, chamou a si uma função fioÍntática que não lhe pertencia,
lei do país"] tem hoje um conteúdo incolor, ,índice que ê, tão puramente
relacional como o sufixo de genitivo -ia do latim lu urbit, ua lei da ci-
dade". Sabemos, não obstante, que era a princípio um advérbio p.e va-
lor conereto consideráveP', indicativo de separação, afastamento, e que
a relação sintática era a princípio. expre&U pela forma casual do se-
gundo. nome". Perdendo esla ..últim& a sua. vitalidade, o sdvérbio cha.
mau-lhe a função a si.
Se temos real motivo para admitir que a expressão de todas as re-
lações sintáticas ascende inevitavelmente a esses dois aspectos dinâmicos
da evolução - a ordem e a acentuaçãoSl - resulta uma tese" interes.
sante: - Todo o contp.f1do da linguagem, com seus grupos vocálicos e
consonânticos, limitava-~ na origem à interpretação do concreto; 88 re-
lações não ernm expressas a princípio na forma externa, mas apenas
pressupostas e articuladas com o auxílio da ordem e do ritmo. Em ou-
tros termos, as relações eram sentidas por intuição e apenas Uextrava-
savam-se" através de fatores dinâJuicos, que por sua vez se moviam no
plano da intuição.
Há um mé~odoespecial de exprimir relações, tão freqüente na hist6-
ria das Hnguas que. exige a noo;;saatenção por um momento. ~ o méto-
do da "concordâneia" ou de assinalação repetida.
Assenta no prindpio da palavra de passe ou do rótulo. Todas as
pessoas ou objetos que respondem à mesma senha ou trazem a mesma
marca, ficam eon~qüentemente registradas ('orno relacionadas entre si.
Uma vez isso feito, pouco interessa onde se acham e como se apresentam.
Sabe-se de antemão que urnas pertencem às outras.
Estamos familiarizados com o princípio da concordância em gre-
go e latim. A muitos dentre nós já têm causado espécie essas rimas in-
defectivcis, como t'idi illum bonum dominum, Uvi esse bom amo", ou
quarum dearmn saevarum "cujas deusas cruéis". Não .que o eco sonoTV,
qt1C'rem forma de rima, quer de aliteração38, seja -indispensável à concor-
dância, embora, sob o seu aspecto mais típico e original, a concordâncilJ
Heja quase sempre acompanhada de uma repetição de sons.
A r.ssência do princípio é simplesmente isto: vocábulos (elementos)
que pertencem uns aos outros, especialmente se são equivalentes sintá-
ticos ou estão relacionados da mesma maneira a outro vocábulo ou ele-
mento, levam a marca externa de um mesmo sufixo ou de sufixos fun-
cionalmente equivalentes.
A aplicação do princípio varia consideravelmente de acordo com
o gênio de cada lingaa.
Em latim e grego, por exemplo, há concordância entre o nome e
o vocábulo qualificativo (adjetivo ou demonstrativo) no quc respeita ao
gênero. ao número e ao caso, entre o verbo e o sujeito apenas no que res-
peita 80 número, e nito há concordância entre o verbo e o objeto.
Em ehinnk, há uma concordância de maior alcance entre o nome,
l'ujeito on ohjeto, e o verbo. Todo nome classifica~sede acordo com cin.
co categ"or,lli- masculino, feminino, neutro'o, dual e plural. "Mulher"
é fl'minino, llareia" é neutro, "mesa" é masculino. Se, por conseguinte,
('u quero dizer liA mulher pôs arl'ia na mesa", tenho de colocar no verbo
A LINGUAGEM
dados prefixos de cla&k. ou gênero que concordem com os' prefixos no-
minais correspondentes. A sentença fica então "A {fem.)~mulher ela
(fem.)-e!e (neutro)-e!e (masc.).sobre-pôs a (neutro)-areia a (masc.)-mesa".
Se "areia" tem a q~alificaç.ão de Umuita" e a mesa', de "grande", ex-
primem-se essas novas idéias como nomes abstratos, cada qual com o
seu prefixo de classe inerente ("muito" é neutro ou feminino, Ugrande"
~ masculino) e com wn prefixo possessivo refetente ao nome qualificado.
Assim, o adjetivo reporta-se ao nome, o nome ao verbo. liA mulher pôs
muita areia na mMB. grande" assume, portanto, a forma de: liA (fem.).
-mulher ela (fem.)-e!e (neutro)-ele (masc.).sobre-pôs a (fem.)-da mesma
porção (neutro.)-areia á (masc.)..{la mesma grandeza a (masc.)-mesa".
Insiste-se assim três vezes na classificação de mesa como feminino:
no nome. rio adjetivo e no verbo.
Nas línguas bântu41, o princípio da concordâ.ncia opera quase como
em chinuk. Também nelas. os nomes se classificam em certo número
de categorias e são postos em relação com adjetivos, demonstrativos, pro-
nomes relativos e verbos por meio de elementos prefixados que lembram
a classe e constituem um sistema complexo de concordãnci~. Numa sen-
tença como "Aquele leão feroz que veio cá, está morto", a' classe de
"leão", que podemos chamar a classe animal, será assinalada por meio
de prefixos de concordância nada menos de seis vezes, - com o demons-
trativo (aquele), com o adjetivo qualificativo, com o próprio nome, com
o pronome relaty/o, com o p~efixo subjetivo no verbo da cláusula rela-
tiva e com o prefixo subjetivo no verbo da oração principal ("está mor-
to"). Reconhecemos nesta insistência para a clareza externa da referên-
cia o mesmo espírito que anima a frase mais familiar illum bOl'lum do-
""",um.
Psicologicament.e,os métodos de ordem e acentuação fiC'amno pólo
oposto ao ~a concordância. Ao passo que apelam eles para o implícito,
para a sutileza do sentimento lingüístico, a concordância não suporta a
menor ambigüidade e impõe a cada momento a sua marca registrada.
A concordância tende a dispensar a ordem vocabular.
Bm latim e chinuk, as palavras independentes têm liberdade de
posição, um pouco menos em bântu. Tanto em chinuk como em bântu,
contudo, os métodos de concordância e o de ordem são igualmente im-
portantes para a diferenciação de sujeito e objeto, da mf'sma sorte que
08 prefixos classificadores do verbo se reportam ao sujeito, ao objeto ou
ao objeto indireto consoante a posição relativa que ocupam. Temos as-
sim novamente diante de nós o fato muito significativo de que em dada
emergência a ordem vocabular se reafinna, em qualquer Hn~ua, corno o
mais fundamental dos princípios de relação.
O leitor atento deve estar surpreso de que até agora pouco tenha-
mos tido que ~izer a respeito das tradicionais Upartes do di~urso".
A razão não é difícil de descobrir.