A Relacao Entre Habilidades Sociais e An PDF
A Relacao Entre Habilidades Sociais e An PDF
A Relacao Entre Habilidades Sociais e An PDF
Organizadores
Nádia Kienen
Silvia Regina de Souza Arrabal Gil
Universidade Josiane Cecília Luzia
Estadual de Londrina Jonas Gamba
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
Conceitos e aplicações a processos educativos,
clínicos e organizacionais
Organizadores
Nádia Kienen
Silvia Regina de Souza Arrabal Gil
Josiane Cecília Luzia
Jonas Gamba
Universidade
Estadual de Londrina
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Vários autores.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.uel.br/pos/pgac/publicacoes/
ISBN 978-85-7846-537-7
2018
Universidade
Estadual de Londrina
Comissão Científica
Os capítulos desta obra foram avaliados e receberam pareceres ad
hoc dos seguintes membros da comissão científica:
Dr. Guilherme Bergo Leugi | Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer – São Paulo
Doutoranda Izadora Ribeiro Perkoski | Universidade Federal de São Carlos – São Paulo
Dra . Tatiane Carvalho Castro | Universidade Federal da Grande Dourados – Mato Grosso do Sul
Nádia Kienen
Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e pós-doutora em Psicologia
aplicada à saúde pela University of Alabama at Birmingham – EUA, docente do Departamento de Psicologia
Geral e Análise do Comportamento e do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento da
Universidade Estadual de Londrina.
Jonas Gamba
Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Doutor em Educação
Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Pós-doutorado pelo Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de São Carlos e atualmente realiza pós-doutorado em Análise do Comportamento no
Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina.
Análise do Comportamento:
Conceitos e aplicações a processos educativos,
clínicos e organizacionais
Apresentação 9
João dos Santos Carmo, Gabriele Gris, Lívia dos Santos Palombarini, Paulo Sérgio
Teixeira do Prado, Vitor Geraldi Haase, Christiana Almeida e Silvia Regina de Souza
9 Coragem... Amor... “E uma vida que vale a pena ser vivida”: a prática das 134
terapias contextuais
Nione Torres, Priscilla Araujo Taccola, Silvia Aparecida Fornazari da Silva e Victor
Hugo Bassetto
Almir Del Prette . Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo. Atualmente é
Professor Titular (voluntário) vinculado ao programa de Pós-Graduação em Educação Especial e em
Psicologia da Universidade Federal de São Carlos.
André Demambre Bacchi . Doutor em Ciências Fisiológicas pelo Programa Multicêntrico de Pós-Graduação
em Ciências Fisiológicas pela Universidade Estadual de Londrina. Docente de Farmacologia do
Instituto Ciências Exatas e Naturais da Universidade Federal do Mato Grosso, Campus Rondonópolis.
Camila Muchon de Melo . Doutora em Filosofia e Pós-Doutora pela Universidade Federal de São Carlos,
docente do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento e do Departamento de Psicologia
Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina.
Christiana Almeida . Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, docente do curso
de Pós-Graduação Lato Sensu em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo - LAHMIEI -
UFSCar e do curso de Especialização em Análise do Comportamento Aplicada-ABA - NEPNEURO.
Dainon Eric de Souza Machado . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual
de Londrina.
Fernanda Calixto . Pós-doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos e Centro
Paradigma de Ciências do Comportamento. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal
de São Carlos.
Gabriela Zin . Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Docente no Centro
Universitário Central Paulista – UNICEP.
Gabriele Gris . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda
em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos.
Helder Lima Gusso . Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
João dos Santos Carmo . Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, docente do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos e do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da UFSCar.
Karina Casacola Cinel . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina.
Kester Carrara . Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Docente
do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP, Campus Bauru.
Lívia dos Santos Palombarini . Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos.
Nádia Kienen . Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e Pós-doutora em
Psicologia aplicada à saúde pela University of Alabama at Birmingham- EUA, docente do Departamento
de Psicologia Geral e Análise do Comportamento e do Programa de Mestrado em Análise do
Comportamento da Universidade Estadual de Londrina.
Paulo Sérgio Teixeira do Prado . Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo,
Pós-doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos e docente da Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho.
Priscilla Araujo Taccola . Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo.
Rodrigo Dal Bem . Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos.
Selma Maria Coelho Pitz . Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Shimeny Michelato Yoshiy . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina.
Silvia Aparecida Fornazari da Silva . Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento
da Universidade Estadual de Londrina.
Silvia Regina de Souza . Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo e Pós-doutora
em Motricidade Humana pela Universidade Técnica de Lisboa e em Psicologia Experimental pela
Universidade de São Paulo, docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento
e do Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de
Londrina.
Taís da Costa Calheiros . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina.
Docente no Colegiado de Psicologia da UniFil.
Victor Hugo Bassetto . Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina
Zilda A. P. Del Prette . Doutora em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Pós-doutora
pela Universidade da Califórnia. Docente da Universidade Federal de São Carlos de Pós-Graduação em
Educação Especial e Psicologia.
Apresentar uma obra que reúne trabalhos apresentados em um Congresso Científico não é uma tarefa
fácil. Primeiro porque há muitos tipos do que poderia ser chamado de “apresentação”. Segundo porque ela é
mais do que apenas contar o que estará nas páginas da obra. Terceiro porque há muito mais na história que
propiciou um evento do que apenas aquilo que nele é feito ou apresentado. Seja na história institucional,
seja na história dos envolvidos, tanto veteranos como iniciantes, em relação ao evento e aos trabalhos
nele apresentados. Obviamente, muito da história dos envolvidos, escapa às condições e possibilidades de
observação ou conhecimento por parte de quem faz uma apresentação. O risco de parcialidade, injustiça,
exagero ou mera inadequação dos comentários é alto. Mesmo assim, aceita a tarefa, a responsabilidade é
enfrentá-la e receber, sempre que possível, todas as críticas que puderem ser feitas. Como qualquer trabalho
humano, a apresentação de uma obra é algo a ser construído com os perenes riscos das limitações do
construtor. De antemão, peço perdão pelas dificuldades em evitar limitações que carrego comigo ao longo
de meus 70 anos de vida ao escrever esta apresentação. É útil destacar que o objetivo de uma apresentação
como esta é também realçar as características importantes - tanto os atributos positivos quanto os cuidados
que merecem ser considerados na leitura ou estudo dos textos - existentes nos trabalhos que resultaram do
Congresso, mesmo que sejam apenas parte do que resultou dele.
Desde a década de 1960, as contribuições da Análise Experimental do Comportamento aparecem em
eventos públicos no Brasil. Houve, nessa época, uma potencialização do aparecimento de contribuições
de tal área para o desenvolvimento do conhecimento em Psicologia nas atividades da Sociedade de
Psicologia de Ribeirão Preto (SPRP) em suas reuniões periódicas, realizadas na conhecida cidade do
Estado de São Paulo. Aos poucos apareceu também nas Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC) um incremento em comunicações e trabalhos que tornavam públicas e
mais acessíveis vários tipos de contribuições relacionadas ao conhecimento da Análise Experimental
do Comportamento.
Mais algum tempo e, já em meados dos anos de 1970, começa a existir a Associação de Modificação
de Comportamento (AMC), com foro em São Paulo, como uma iniciativa de integrar e articular os
profissionais que se interessavam pelo trabalho, produziam conhecimento ou gostavam das contribuições
do conhecimento a respeito do fenômeno conhecido pela designação de “comportamento”. Os “Anais
de Congressos” em que tais trabalhos eram apresentados, algumas revistas de Psicologia (ainda não
especificamente de Análise Experimental do Comportamento), e a Revista Ciência e Cultura da SBPC,
eram os “veículos” mais comuns para publicações das contribuições dos que se reuniam sob a designação
de “analistas do comportamento”, como um nome geral para os que trabalhavam tanto em intervenções
profissionais, como para os que estavam produzindo conhecimento, seja em laboratórios seja em outras
circunstâncias de produção de conhecimento. Pesquisa básica, comunicações de avaliação de conceitos,
descrição de intervenções e artigos de divulgação de conceitos eram comuns no que era apresentado nos
congressos e publicado no país.
A Associação de Modificação de Comportamento (AMC), transformou-se em Associação Brasileira de
Análise do Comportamento (ABAC) e ampliou seus participantes com pessoas de outros estados brasileiros,
além de São Paulo. Com novas características, realizou vários eventos entre os associados com apresentações
de trabalhos de vários tipos e muitos debates entre os participantes desses eventos. As publicações ainda
foram precárias até os anos de 1990. Foram criados os “Cadernos de Análise do Comportamento”, com
algumas edições. A ABAC organizou um “Congresso específico de Análise do Comportamento” como parte
da Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizado em Curitiba (PR).
Nesse período havia alguns núcleos de formação em Análise do Comportamento no Brasil.
Uma experiência de ensino de Análise Experimental do Comportamento com o Ensino Programado
Individualizado em Brasília foi interrompida pelo regime militar e os professores se espalharam pelo país
em várias universidades. A Universidade de São Paulo concentrou uma parte dos que realizavam essa
10 experiência de Brasília e, nela, consolidou-se o Departamento de Psicologia Experimental, um núcleo
de formação de analistas experimentais do comportamento, com vários ramos de trabalhos também de
intervenção profissional com o comportamento, concretizados em conjuntos de disciplinas em cursos
de graduação e dando início a um Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental que reuniu
pessoas com afinidades em relação ao trabalho com o comportamento. A Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUCSP) realizou, nas décadas de 1970 e 1980, algumas experiências de ensino de graduação
importantes como parte de uma “Reforma Universitária” (em destaque na época como denominação de
esforços de atualização e aperfeiçoamento do ensino superior) e onde também foi realizada uma experiência
de formação em curso de graduação com um projeto específico de capacitação de Analistas Experimentais do
Comportamento. Tal projeto foi organizado em um conjunto de disciplinas articuladas durante a formação
de Bacharelado e Licenciatura (quatro anos) no Curso de Psicologia e com um sub-projeto que completou
esse conjunto com um curso de Psicólogo de dois anos especificamente com análise experimental do
comportamento, envolvendo tanto os trabalhos de complementação de uma formação científica, quanto a
preparação específica (e científica) para a intervenção profissional de psicólogos com o comportamento. Em
outras universidades do país foi gradualmente intensificada a capacitação de analistas de comportamento
em cursos de graduação. Em algumas universidades chegou a haver uma predominância de disciplinas e
de professores dedicados ou voltados para o trabalho com o comportamento no sentido mais próximo ao
que desenvolveram os analistas experimentais do comportamento. Em Brasília e Londrina logo houve um
destaque de concentração de professores e estudantes com afinidades com a contribuição típica da Análise
Experimental do Comportamento para o desenvolvimento da Psicologia.
A ABAC não existiu por muitos anos e, em seguida, foi criada a Associação Brasileira de Psicologia e
Medicina Comportamental (ABPMC) que, desde os anos de 1990, congrega analistas do comportamento
de diferentes campos de atuação profissional e faz reuniões anuais voltadas para a apresentação de trabalhos
nessa área e troca de informações e experiências profissionais. Paralelamente, ocorreram várias criações
de sociedades, associações e revistas no Brasil. A ABPMC, criou sua revista e também passou a divulgar
os trabalhos de seus associados e dos encontros anuais nessa revista e em uma publicação seriada com um
volume a cada ano.
Em Brasília foi criada a Revista Brasileira de Análise do Comportamento (REBAC) e várias
instituições profissionais com foco em Análise do Comportamento. A ACBr (Associação Brasileira
de Análise do Comportamento) também foi criada em Brasília nessa mesma progressão de eventos,
instituições e instrumentos de publicação e divulgação do conhecimento e das experiências de trabalho
com relação ao comportamento
Vários cursos de graduação no país, tiveram seus professores oriundos dessas Universidades nas quais
havia reunião de professores e cursos de graduação e, progressivamente, cursos de pós-graduação voltados
ou com extensa dedicação de pessoas ao trabalho apoiado pelas contribuições da Análise Experimental
do Comportamento. Núcleos em Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Londrina e Belém, além de outros
também em sequência, foram crescendo e sendo consolidados até construírem também programas de
pós-graduação com foco ou concentração em Análise Experimental do Comportamento ou, como ficou
generalizado, com o nome mais abrangente de “Análise do Comportamento”.
Nos anos 2000, o Brasil todo passou a ser contemplado com um diferenciado estágio de trabalho com
Análise do Comportamento. Uma dessas diferenciações está na sempre destacada contribuição do grupo
que se localizou na Universidade Estadual de Londrina (UEL) no Paraná.
Os tempos de grupos pequenos, isolados, muitas vezes com concentração de pessoas e trabalhos em
alguns grandes centros, além de condições precárias e atuações limitadas, estão distantes. Ficou, nas décadas
iniciais do século XXI, o desafio não mais de crescer em quantidade de agentes, multiplicidade de trabalhos,
superação de preconceitos da sociedade e das instituições de ensino superior, apesar de ainda permanecerem
acentuados pela redução de agentes e condições de ensino voltados para o desenvolvimento da Análise
do Comportamento. O desafio maior apareceu aos poucos, particularmente no final dessas duas décadas
APRESENTAÇÃO
11 iniciais, e está na exigência de consolidar um efetivo conhecimento dos processos comportamentais, um
necessário aprofundamento e uma exigente sistematização (inclusive histórica e com uma avaliação crítica)
do conhecimento e das condições e procedimentos de intervenção profissional em tais processos. Também
está sendo cada vez mais importante a consolidação das organizações científicas e profissionais relacionadas
ao trabalho com o comportamento de forma a garantir os necessários aperfeiçoamentos a todos esses
esforços. Esforços que precisam ir muito além da mera repetição de eventos em seus rituais aparentes ou
de meras atividades, com baixa ou confusa e imprecisa consideração de seu papel no desenvolvimento
da Análise do Comportamento no país. Nas décadas iniciais do século XXI está cada vez mais presente e
sufocante a tendência a um mimetismo de conceitos, técnicas e procedimentos, no qual o que é mais forte
são a adesão e a cópia ou repetição de referenciais do passado ou de contribuições alheias, por meio da
mera semelhança com o que foi feito ou é feito por outros, às vezes com o pretexto de “diálogo com áreas
diferentes”, de forma a evitar ou atenuar críticas, avaliações e até mesmo meros debates ou questionamentos.
A fuga ou esquiva das diferenças que as críticas, avaliações e debates podem evidenciar, parece ocorrer por
considerá-las ameaças (como se pudessem ser predatórias) das quais é necessário distanciar-se.
Em 2018, foram realizados, agora, já com uma experiência veterana de um Programa de Pós-graduação
em Análise do Comportamento, o V Congresso de Psicologia e Análise do Comportamento e a VI Jornada
de Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina. Esses dois eventos já representam,
pela sua reiterada ocorrência, uma contribuição de várias gerações de profissionais e estudantes de Análise
do Comportamento. O mote desses dois eventos também reitera a declaração de uma responsabilidade: a
Psicologia a serviço da sociedade - o compromisso da Psicologia e da Análise do Comportamento com as
necessidades da população. Não poderia ser de outra forma, até por coerência da história de desenvolvimento
da Análise Experimental do Comportamento e, especificamente, da construção progressiva da experiência
realizada no âmbito da Universidade Estadual de Londrina. Resta saber o que podemos encontrar, debater,
avaliar, acentuar e prosseguir em relação aos trabalhos apresentados nesta obra como parte importante do
que foi realizado nesses eventos...Não apenas o V Congresso e a VI Jornada, mas como possível acúmulo
das múltiplas contribuições nas variadas apresentações de trabalhos ao longo de muitos anos, como
benefício social e para o conhecimento que todos esses eventos, com a grande quantidade de trabalho que
constituíram, produziram. O debate - essa característica fundamental de qualquer Congresso Científico -
não está explícito no corpo dos textos, mas, sem dúvida existe desde a gênese do trabalho que os produziram
e que precisa ter continuidade. Tomara que os destaques feitos na apresentação de cada capítulo auxiliem no
aproveitamento e em um possível prosseguimento de debate das contribuições existentes nos registros que
constituem os 11 trabalhos que compõem esta obra.
O primeiro texto, e primeiro capítulo apresentado neste livro está sob a designação “A relação entre
habilidades sociais e análise do comportamento: história e atualidades”. Mesmo considerando o uso da
expressão “Análise do Comportamento” englobando (ou como sinônimas de) outras expressões como
“Análise Experimental do Comportamento”, “Análise Funcional do Comportamento” ou “Análise Aplicada
do Comportamento”, como a utilizam os autores, as várias designações não correspondem aos mesmos
referentes e seu uso indiscriminado geralmente resulta em uma compreensão confusa do que significa
cada uma dessas expressões. Vale acrescentar que a antiga confusão entre psicologia experimental e análise
experimental do comportamento também permanece para muitos como se fossem sinônimos ou pelo
menos não são algo diferente. Cada um dos termos dessas expressões já teve um desenvolvimento dentre
de seus próprios âmbitos de uso restrito e ao final da segunda década do século 21 não significam a mesma
coisa que significavam nas décadas de 1970, 80 ou 90. Há diferenças e refinamentos já evidenciados não só
pelo uso como também por estudos que sistematizaram conhecimentos ao longo dos anos de produção de
informações, descobertas e conceitos sob essas designações.
Outras expressões que utilizam o termo “comportamento” ou seus derivados como “técnicas
comportamentais”, “clínica comportamental”, “terapia comportamental” também estão relacionadas aos
mesmos problemas e não têm mantido, ao longo dos anos, os significados que pareciam similares há
APRESENTAÇÃO
12 algumas décadas. Também nesses casos o desenvolvimento do conhecimento já destacou, inclusive pelo uso
diferenciado, que tais termos não são propriamente sinônimos. Ao apresentar o objetivo do capítulo como
sendo “apresentar informações a respeito da história e o desenvolvimento do campo teórico-prático e de
pesquisa das habilidades sociais em sua relação com a Análise do Comportamento” os autores já indicam
que estão utilizando essa variada terminologia. O que exige que a historicidade e o desenvolvimento dessa
terminologia e seus correlatos também precisa ser considerado.
Em tempos passados, por exemplo, o termo “habilidade” era utilizado como sinônimo de uma espécie
de “pré-requisito” que o sujeito precisava “ter” para poder desenvolver algum comportamento, em que pese
que o significado de comportamento não comportava, na época, distinções entre atividade, respostas, classes
de respostas, comportamento e classe de comportamentos. Os termos, pelas próprias condições históricas e
de estágio inicial, nem sempre eram utilizados com uma referência única e precisa.
Um exame similar pode ser feito com as relações de significados entre “habilidade” e “comportamento”.
Quando alguém diz que alguém apresenta um comportamento habilidoso provavelmente não se refere a
um outro tipo de comportamento, mas a um refinamento (em qualquer das dimensões de uma unidade
comportamental) que o leva a acrescentar o adjetivo “habilidoso”. Em épocas em que ainda não havia
suficiente conhecimento acumulado e problematizado para destacar e exigir tais diferenciações foi natural
usar termos conforme o entendimento que cada um conseguia ter, preenchendo as lacunas que não conhecia
com uma terminologia que o auxiliasse a trabalhar. No campo profissional os comportamentos sociais
(com certas características de adequação, qualidade ou relevância para as interações entre organismos)
foram considerados como “habilidades sociais”. Até a segunda década do século 21, porém, ainda não ficou
esclarecido no que exatamente um comportamento social é diferente de uma habilidade social, fora do
referencial de que “habilidades sociais” se referem a comportamentos que são considerados socialmente
adequados em algum aspecto ou grau. Variações do mesmo comportamento, porém, deixariam de ser
“habilidades sociais”? Interagir verbalmente com outra pessoa pode ser considerado uma “habilidade
social”? Mesmo quando essa interação é agressiva e confusa, produzindo condições aversivas para os
interlocutores? O treinamento de alguma “habilidade social” é diferente do treinamento de qualquer tipo
de comportamento? No que diferem, além de ser no nome e nos graus ou tipos de comportamento que
estão sendo “treinados”? O próprio treino assertivo (treinamento de comportamento assertivo é diferente
do treinamento da “habilidade assertividade”) e o Treino de Habilidades Sociais já foram usados como
equivalentes, com o destaque dos autores do trabalho em apresentação, embora sejam independentes quanto
aos países de origem e aos seus objetos, destacando que o Treino Assertivo considera classes e sub-classes de
comportamentos que se opõem a comportamentos de passividade ou de agressividade.
Mas, esses nomes só escondem o problema da aparente diferença ou sinonímia que possa existir
entre essas designações. Eles referem-se a graus de uma mesma classe mais ampla de comportamentos em
que a variação de algumas de suas características podem fazer com que qualquer comportamento possa
ser considerado “passivo” (e ser considerado na categoria de “passividade”). Ou, em outros graus de suas
características, possa ser considerado como “agressivo” (e ser considerado na categoria “agressividade”).
E isso, sem contar que, em muitas circunstâncias as duas categorias (passividade ou agressividade) são
consideradas como algo que “causa” os comportamentos reunidos sob seu nome como se fosse uma entidade,
um repertório ou um “pré-requisito” que alguém “possui”. Um nome genérico para um extenso repertório
de comportamentos relacionados a relações sociais pode ficar resumido sob o nome de “habilidades
sociais”, mas ninguém poderá deixar de especificar quais são os comportamentos reunidos sob esse nome,
sem comprometer a eficácia das intervenções orientada por uma nomenclatura que pode ser imprecisa ou
inadequada. Em um tempo em que havia um forte movimento para a superação dos modelos tradicionais
de tratamento psiquiátrico para os pacientes viverem em sociedade houve um desenvolvimento da ênfase
no Treinamento de Comportamentos Sociais (ou de Habilidades Sociais?) que os capacitassem a viver em
comunidade com outras pessoas. O trabalho com Terapia Ambiental (o ambiente físico e social planejado
como instrumento de terapia) no qual as interações usuais do dia a dia eram consideradas como instrumentos
APRESENTAÇÃO
13 de terapia (nisso incluído os procedimentos com o que ficou conhecido como Token Economy) também
surge nessa época e, durante algum tempo, são incentivados e se desenvolvem até ficarem absorvidos em
vários movimentos que os institucionalizaram e, até certo ponto, descaracterizaram.
Os autores indicam que entre os vários “modelos explicativos” para o comportamento social está a
Análise do Comportamento quanto “aos processos básicos de aprendizagem por consequenciação, imitação
e instrução”. Os demais e muitos aspectos da análise do comportamento não servem para o trabalho com
habilidades sociais? Consequenciação, imitação e instrução são apenas os nomes de três “técnicas” simples
de lidar, ainda grosseiramente, com processos comportamentais. Para lidar com o comportamento a Análise
Experimental do Comportamento produziu, inclusive, um conceito de comportamento composto por
um sistema de pelo menos seis tipos de relações básicas entre aspectos ou propriedades da atividade do
organismo, propriedades do ambiente que ocorre junto à apresentação dessas atividades e do ambiente
que ocorre como decorrência dessas atividades, possibilitando algumas dezenas de relações básicas que
constituem ou podem constituir qualquer classe de comportamentos. Denominar um comportamento
pelo uso de um verbo e um complemento geralmente encobre essas relações que dependem de análise
(no sentido de separação dos constituintes dessas relações) e de verificação (a palavra “experimental”
no nome da área tem esse sentido) de qual é efetivamente a relação que está existindo e que possibilita
nomear o comportamento por sua “funcionalidade” (pelas relações que o constituem e que influem em sua
manutenção, incluindo as facilidades que o meio lhe oferece junto com as consequências que as atividades,
de alguma forma, obtém).
As distinções e semelhanças entre “habilidades sociais” e “comportamentos sociais” podem ser da
ordem de adequação, relevância, pertinência ou qualidade de qualquer classe de comportamento. Quando
alguém é considerado “apto” (ou com aptidão)? Quando ele passa a ser mais do que “apto” e pode ser
considerado “competente” (ou com competência)? E, além disso, quando alguém poderia ser mais do que
“competente” e passar a ser “habilidoso” (com habilidade para apresentar ou realizar um comportamento)? E,
indo mais longe, quando um “habilidoso” se destaca entre os “habilidosos” e apresenta um comportamento
que possibilita considerá-lo um “expert” (perito) ou alguém com “perícia” na execução de algum tipo de
trabalho, destacando-se dos que atuam na área de maneira marcante? Como os termos para qualificar
esses graus de comportamento estão sendo usados nesses casos? Não como entidades ou tipos diferentes
de comportamentos, mas como mudanças ou gradientes nas características de propriedades das interações
de alguém com seu ambiente por meio de suas atividades, inadequadamente denominadas “respostas” (ou
classes de...) antes de estarem em um sistema de interações como as que estão sendo examinadas. Se dirigir
um automóvel pode ser considerado um comportamento, ele poderá variar no aperfeiçoamento de suas
características desde um grau de “aptidão” para dirigir (o que é reconhecido para quem recebe uma carta
de motorista), ou como competente (com exigências maiores para o mesmo tipo de comportamento, em
variações, complexidade e perfeição (como é o caso da concessão de carta para motoristas profissionais).
Se a pessoa chegar a um grau de perfeição e capacidade de direção de um veículo acentuada poderá
ser considerado “habilidoso” (o que costuma ser considerado como qualificação para profissionais do
automobilismo com graus variados). Uns poucos recebem a qualificação de “experts” (peritos) quando se
destacam em relação ao conjunto dos “habilidosos” (é o caso de pilotos de corrida que são campeões em
várias competições, destacando-se pela excelência na condução de veículos em situações extremamente
exigentes). Os exemplos apenas ilustram o debate com relação ao entendimento das relações entre
habilidades sociais: dirigir um veículo na cidade é uma habilidade social? Ou é um comportamento social?
Deixa de ser um comportamento? Quando ele for feito de forma lesiva a outras pessoas (anti-social) isso
deixa de ser comportamento? Deixa de ser um comportamento social? Deixa de ser uma habilidade? Deixa
de ser uma habilidade social?
Responder essas perguntas de forma inequívoca possibilitaria avançar no entendimento das relações
entre comportamentos sociais e habilidades sociais, sem transformar em oposições, “mundos” ou teorias
diferentes ou ainda conhecimentos incompatíveis ou antagônicos. Ou, menos ainda, como comportamentos
APRESENTAÇÃO
14 diferentes apenas por nomearem categorias diferentes de comportamentos. A qualificação de qualquer
comportamento exige que, antes dos adjetivos ou das quantificações, exista um conceito de comportamento
claro e preciso o suficiente para possibilitar acréscimo e acumulação de conhecimento mais do que disputa
e competição de quem tem razão ou quem é dono de que conceitos.
Um raciocínio semelhante vale para aquilo que é denominado por “práticas culturais”. Não é
outro fenômeno que não o próprio comportamento. O que vem a mais são os controles exercidos pelos
comportamentos de outras pessoas e pelas condições criadas pelos próprios comportamentos repetidos e
aprovados, aceitos ou tolerados pelos demais. A denominação de “práticas”, poderia ser também considerada
como equivalente a “comportamentos”. O adjetivo “culturais” acrescenta que são fortemente determinados por
comportamentos de outros e por produtos de comportamentos que são aceitos coletivamente e constituem
condições para outros comportamentos que também estarão sob controle dos processos coletivos (ou
sociais). O termo “anti-sociais” apenas se refere a um grau ou variação de um comportamento que também é
“social”, embora prejudicial para outras pessoas. O comportamento criminoso é (anti?) social, mas também,
para o grupo de criminosos, ele é parte dos procedimentos que as pessoas do grupo aprovam, incentivam e
criam condições para ser facilitado, mantido, incentivado etc. Se esse comportamento criminoso for efetivo
e conseguir obter sucesso como tal seria adequado “considerá-lo um criminoso com habilidades sociais? E
um comportamento criminoso habilidoso? A terminologia do senso-comum ou das tradições das “práticas”
de cada um não são um bom referencial para resolver as controvérsias terminológicas que, acumulando-se,
dificultam o desenvolvimento do conhecimento e dos trabalhos profissionais de intervenção na sociedade.
Os autores dão exemplos e comentam a existência de controvérsias com terminologia como
“habilidades sociais positivas” (comportamento leal, lealdade, comportamento honesto, honestidade...)
e “habilidades sociais negativas” (mentira, engodo, ironia...). Em ambos os casos estão sendo usados
adjetivos (ou qualificativos verbais) para quantificar variações em aspectos das habilidades sociais. Os
conceitos de variável e de classe (ou conjunto) de variáveis, graus de uma variável (ou de um conjunto)
e de níveis de mensuração ajudaria a entender esse problema da variação de uma habilidade social (ou
de um comportamento social?) em lugar de artifícios de qualificação como certo/errado, adequado/
inadequado, bom/ruim, honesto/desonesto... Os graus de variação são muito mais do que apenas dois que
criam distorções e “moralismos” na avaliação dos comportamentos (ou das habilidades?). Sem tais graus
de variação conhecidos e utilizados de forma coerente com os referenciais de cada conceito, a possibilidade
de que alguns graus dos comportamentos (ou das habilidades) recebam nomes desse tipo são grandes. E,
nos casos de comportamentos sociais relevantes considerados como habilidades, os graus contrários seriam
considerados inabilidades?
Os comportamentos que produzem malefícios sociais também podem ser considerados em graus de
aptidão, competência, habilidade, perícia ou “expertise” em função do grau de refinamento com que são
apresentados e o “aperfeiçoamento” para produzir malefícios não os tornaria menos comportamentos ou
menos “habilidades sociais”. A menos que o critério para os comportamentos sociais serem genericamente
chamados de “habilidades” sejam os de relevância social. O que acarretaria outros problemas a respeito da
distinção entre “comportamento” e “habilidade”. Como relacionar tudo isso em um conjunto harmônico
de conceitos, capaz de orientar uma integração e desenvolvimento do conhecimento? Talvez responder a
essa pergunta seja um dos objetivos dos autores ao apresentarem o presente trabalho. Que todos possam
encontrar-se nas informações e nos questionamentos apresentados no trabalho e nesta apresentação que
lhe é feita. Com tranquilidade, é possível empreender esforços na direção oposta do protagonismo de uma
ou outra “escola”, “abordagem”, “técnica” ou “autor” prosseguindo com o trabalho de construção coletiva,
de integração das múltiplas informações reunidas sob a designação de “conhecimento” que, sem debate e
crítica dos contrastes e contraditórios, ficaria difícil senão impossível de conseguir.
O segundo capítulo examina questões “teóricas e experimentais” a respeito de “habilidades numéricas
em bebês pré-verbais”. Uma das primeiras exigências para alguém analisar comportamentos, no sentido
técnico ou científico do verbo analisar e de acordo com as descobertas a respeito do comportamento
APRESENTAÇÃO
15 operante, é ser capaz de identificar processos comportamentais sob denominações diversas. Por exemplo,
as designações generalização, discriminação, memória, funções executivas, habilidades cognitivas, práticas
sociais, cultura, formação de conceito, linguagem, habilidades acadêmicas (leitura, escrita, cálculo). Isso
pode começar pelo uso de um verbo (ou mais de um, conforme o caso) em lugar de utilizar um substantivo.
O perigo de transformar processos comportamentais em “coisas”, “objetos”, “estados” ou “entidades” quando
não se é capaz de identificar esses processos sob nomes atribuídos por outras áreas de conhecimento ou
pelo senso-comum é muito grande. O que seria, por exemplo, “cognição” identificada como o processo que
também pode ser denominado por “conhecer”? Pode ser uma ampla classe de comportamentos com muitos
subtipos de comportamentos. Por exemplo, conhecer cientificamente, conhecer filosoficamente, conhecer
religiosamente, conhecer superficialmente... Ou pode ser várias cadeias de comportamentos de complexidades
variadas... Seja qual for o processo comportamental, nesse caso, ele, como qualquer comportamento vai se
concretizar com um corpo e um sistema biológico, fisiológico, neurológico em interação com o ambiente
que, por sua vez, vai provocar reações, induzir, facilitar, dificultar atividades ou sinalizar a oportunidade para
sua ocorrência (ou para sinalizar que sua ocorrência produzirá sofrimento). Na leitura do 2° Capítulo deste
livro, pode estar presente a pergunta: o comportamento é “produzido” pelo ambiente ou pelo “organismo”?
No organismo, é o sistema nervoso que controla e regula o comportamento? Ou, pode ser o contrário: o
comportamento regula e controla o sistema nervoso? Ou ambas as possibilidades? Ou nenhuma delas? Em
qualquer caso, como ocorrem as relações entre ambiente, fisiologia, sistema nervoso periférico e sistema
nervoso central? Qualquer estudo e conhecimento em relação a esses fenômenos precisa considerar a
possibilidade de que as interações entre esses tipos de fenômenos não dispensam a consideração de que
qualquer deles pode ser iniciador ou provocador de processos, dependendo da própria história anterior de
como o organismo interagiu com seu ambiente, por meio de suas atividades. Sem esquecer que o ambiente
não é apenas o que existe, mas o que é produzido pelo organismo que passa a fazer parte até por associação
do que existe com o que pode decorrer de uma atividade.
Por exemplo, “padrões de respostas” são padrões devido ao sistema nervoso? Ou podem ser “padrões”
em função das circunstâncias em que tais “respostas” são realizadas? A linguagem e os procedimentos
de investigação podem conter distorções conforme for formulado o próprio problema de pesquisa ou
enunciado o que quer que seja a respeito dessas interações. Neurocognição, nesse caso, é exatamente o que?
O que esse nome designa como processo fisiológico, comportamental, neurológico ou cerebral? Se for para
dizer que o cérebro é alterado quando alguém “conhece” ou dizer o contrário (que o conhecer é alterado
conforme o cérebro funciona), estamos trabalhando com algo que exige a descrição minuciosa de como
essas relações ocorrem. E o minucioso significa uma microscopia de todas as áreas envolvidas. Isso é mais
do que justapor informações ou nomenclaturas. Dizer que um processo é neurocognitivo equivale a dizer
que um comportamento é neurológico ou que o fenômeno é um neurocomportamento?
Se alguém acrescentar a isso mais palavras como, por exemplo, neurocognição numérica, o problema
ainda vai ficar mais complexo. O que quer dizer “conhecer numérico”? Isso significa que alguém está falando
de matemática? De quantidades? De distinções entre variações de quantidade? Para fazer essas distinções
precisa de linguagem matemática? Ou matemática é um recurso para lidar com quantidades, variações de
quantidade, relações entre quantidades de qualquer objeto, fenômeno ou processo? A quantidade de livros
sobre uma mesa pode ser expressa por números ou por palavras. Mas quando alguém diz “há um número
grande” está cometendo um equívoco. A quantidade é grande o número representa o tamanho dessa
quantidade. O número tem sempre o mesmo tamanho a não ser que alguém o desenhe em um painel para
mostrar que o “número de livros aumentou”. Isso é primário para lidar com o problema da quantificação de
fenômenos ou objetos e com sua representação em linguagem matemática. No texto do Capítulo isso exigirá
atenção e avaliação a cada momento.
A afirmação dos autores de que é pouco conhecida “a cognição numérica em bebês pré-verbais” está
considerando as contribuições de Piaget com suas observações a respeito dos processos cognitivos nas fases
iniciais de interação de uma criança com seu ambiente por meio de suas atividades? Diferenciar, agrupar,
APRESENTAÇÃO
16 generalizar e formar conceitos é cognição lógica, matemática ou numérica? O que significa essa designação
em relação aos estudos já existentes a respeito desses últimos processos? De forma semelhante, afirmar
que “a infância é uma etapa do desenvolvimento que capacita o indivíduo com habilidades de linguagem
e comunicação necessárias para adaptação e sobrevivência” exige que seja esclarecido o que é exatamente
“infância” como “etapa” e porque é ela que “capacita” o indivíduo com “habilidades”. A afirmação poderia
ser formulada de outra forma? Por exemplo, “a infância é um nome dado a um período da vida em que é
importante haver um desenvolvimento de interações com o ambiente que possa constituir pré-requisito
para outras interações mais complexas como falar, comunicar-se e, com isso, ter maior probabilidade de
continuar desenvolvendo-se em seu ambiente (mais do que adaptar-se e sobreviver)”?
O papel da genética e o papel do sistema nervoso, assim como o papel do ambiente, precisam continuar
a ser esclarecidos - também quanto às interações entre esses papéis - e os cuidados com os conceitos - a
terminologia e os arranjos verbais - ficam muito mais exigentes e importantes quando há um trabalho
que busca a integração entre conhecimentos de áreas de conhecimento muito diferenciadas com variados
graus de microscopia de fenômenos de estudo. Particularmente quando as áreas correspondem a partes
de processos complexos, nas quais algumas são meios para outras em condições até de reciprocidade nas
interações. O grau de microscopia de exame de um comportamento é diferente do grau de microscopia do
exame da fisiologia envolvida nesse comportamento. A diferença é ainda maior quando o exame vai ser feito
no sistema neurológico (uma parte da fisiologia) do organismo que se comporta. Integrar esses processos,
exige uma avaliação dos processos e conceitos envolvidos e um exame minucioso de qual instância de
interferência cada tipo de fenômeno tem nos processos mais macroscópicos (como o comportamento) e, ao
contrário, qual instância de interferência um fenômeno mais macroscópico tem em qualquer processo mais
microscópico nele envolvido. Sem isso, poderá haver suposições sem fundamento nas bases de observação
e interpretação de quaisquer dados. O que compromete o conhecimento em foco.
A própria suposição de que tais processos (ou fatores neles envolvidos) podem ser inatos ou adquiridos,
como se essa dicotomia fosse estática e absoluta e fatores desses tipos não se alterassem reciprocamente, cria,
no mínimo, uma condição que vai provocar uma dicotomia falsificadora na tentativa de explicar. O levaria
a, caricatamente, voltar ao caricato dilema da conhecida metáfora: o que acontece primeiro - o surgimento
do ovo ou da galinha?
“Senso numérico em bebês” pode ser uma expressão para explicar as discriminações e generalizações
entre propriedades do ambiente, incluindo variações na quantidade, no volume ou na variedade dessas
propriedades? Isso é o desenvolvimento do raciocínio antes de utilizar a linguagem matemática (ainda não
envolve números)? Quantidade de objetos não é “número” de objetos. E perceber quantidade vai desde
uma percepção visual na variação das propriedades até a capacidade de perceber as maneiras pelas quais
é possível identificar as variações (ver, por exemplo, o que são níveis de mensuração por meio dos quais
alguém pode falar ou nomear a variação de quantidades). A linguagem matemática só é utilizável quando as
variações têm um intervalo fixo e, mesmo, nesses casos, só para operações de somar e subtrair. Para realizar
operações de multiplicação ainda há uma exigência de que a quantidade em foco tenha a possibilidade de
não ter existência nenhuma e isso corresponda a uma denominação linguística de “zero” (em linguagem
matemática em qualquer escala ou instrumento de quantificação ou medida que for utilizado).
“Senso” em bebês pode significar que discriminações e generalizações eles conseguem fazer com
processos de aprendizagem apropriados? Com os bebês em condições de integridade e saúde adequados?
Com cuidados apropriados em ambientes também não lesivos, prejudiciais, aversivos ou insuficientes?
As perguntas exigem que sejam examinadas as propriedades do ambiente com que uma criança terá que
interagir e daquele em que esteve interagindo até o momento. Seria possível imaginar o que aconteceria
com uma criança privada de conforto térmico, com pouca iluminação, mal alimentada, sem condições de
higiene, com pouca ou mínima interação com adultos, privada de movimentos (permanecer deitada por
exemplo)? O que aconteceria com seu “senso” depois de um ano nessas condições? Os exemplos não são
APRESENTAÇÃO
17 invenções ou absurdos. Isso acontece com grande quantidade de crianças em orfanatos, em condições de
pobreza ou, como atualmente pode ser visto, com refugiados em muitos países.
Falar de quantidades, de números e de numerosidade é usar uma terminologia inadequada para referir-
se a algo do que talvez não tenhamos muita clareza. Não são a mesma coisa e não se referem a qualquer coisa
em comum. A linguagem numérica não é redutível à percepção de quantidade, nem a quantidade é redutível
a números de qualquer maneira. As exigências envolvidas com a precisão dos processos de quantificação
podem levar a utilizar escalas ou categorias que viabilizam o uso de linguagem matemática para lidar ou
operar (comportar-se diferencialmente) com variações de quantidade, mas isso é uma operação de alta
complexidade linguística, de observação e de raciocínio. Estudar isso em crianças exigiria, no mínimo,
retomar os estudos de Piaget, sem um viés apenas biológico, genérico, neurológico ou comportamental. Não
há dúvida que o estudo disso exige uma capacidade de integrar conhecimentos - e conhecimentos muito
bem produzidos - a respeito dessas várias instâncias de observação, estudo e linguagem.
O desafio não é pequeno. No capítulo 2 os leitores poderão debater e avaliar com os autores os problemas,
possíveis contribuições, muitos problemas e controvérsias existentes com o trabalho de investigar e elucidar
as complexas interações entre comportamento, fisiologia, atividade, neurologia, bioquímica etc. Não é para
menos que cada vez mais as profissões se isolam em especialidades estanques e são criadas novas áreas e
campos de atuação - às vezes meras burocracias supersticiosas - enlevadas com seu próprio isolamento e
autocontemplação.
“Elaboração de um livro auto-instrucional para desenvolver ‘gerenciamento de tempo’ em estudantes
universitários” é o título do terceiro texto (Capítulo 3) apresentado neste livro. Ele faz referência a um tipo de
problema comum, em vários casos grave e caro, para muitas pessoas na sociedade: como administrar várias
atividades com um tempo escasso e, em geral, em condições precárias ou, pelo menos, não apropriadas ao
que precisa ser feito. Até a decisão do que precisa ser feito é um problema para muitas pessoas. A contribuição
do capítulo está não apenas em relação ao conhecimento do processo de gerenciamento a ser realizado, mas
também quanto ao trabalho de construção de um instrumento para tornar acessível, e em forma didática, as
informações disponíveis para auxiliar alguém a realizar as tarefas inerentes a tal gerenciamento.
Um livro auto-instrucional é algo conhecido há muitas décadas (mais de meio século). No Brasil, porém,
isso foi, até por preconceitos e estereótipos, ignorado como uma tecnologia útil e até otimizadora para tornar
acessível e educativa a informação disponível a respeito de uma grande quantidade de conhecimentos. O
texto programado foi uma das primeiras experiências com programação de condições de ensino e já há
uma extensa e minuciosa tecnologia a respeito de como realizar essa programação. Do texto programado,
para as máquinas de ensinar (agora já computadorizadas), para o ensino programado e, finalmente, para
a programação de condições de ensino (ou de aprendizagem) houve mudanças e complexificação grande
e complexa, exigindo, inclusive uma terminologia apropriada e precisa que ainda está em construção ao
final da segunda década do século 21. No meio desse processo houve algumas particularidades e técnicas
no desenvolvimento dessas diferentes fases de existência do Ensino Programado no país. Uma delas foi
o Ensino Programado Individualizado ou Ensino Personalizado (conhecido pela sigla PSI - Personalized
System of Instruction). No Brasil houve um bom desenvolvimento desses sistemas, na Universidade de
Brasília, com o ensino de Psicologia nos anos de 1960, interrompido com uma intervenção do governo
militar (alguns professores retomaram experiências com isso mais tarde), com várias experiências de ensino
e algumas pesquisas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), na elaboração de material
para o ensino técnico agrícola (Cenafor, em Paulo, extinto no governo Sarney) e, de forma esporádica,
em algumas escolas pelo país. Na USP, durante vários anos, foi uma das disciplinas do Programa de Pós-
graduação em Psicologia Experimental. Nesse programa, sob a orientação e coordenação da professora
Carolina M. Bori, foi desenvolvido um prolongado trabalho com Análise e Programação de Condições de
Ensino e Aprendizagem, com desdobramentos em outras universidades do país. Na Universidade Federal
de São Carlos (SP), durante 12 anos, houve um curso de especialização a respeito, também sob a orientação
da Professora Carolina e com a participação de vários professores.
APRESENTAÇÃO
18 Os desenvolvimentos constantes nesses trabalhos e as pesquisas expressas em um significativo volume
de teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de cursos de especialização foram
apresentados em vários congressos, desde a década de 1970, de várias instituições científicas de Psicologia e
de outras áreas. No Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina,
esse tipo de trabalho foi parte da aprendizagem dos alunos, em uma perspectiva generalizada a respeito
de “procedimentos básicos de programação de condições para o desenvolvimento de comportamentos”
como meio para desenvolver ensino e outras modalidades de trabalho de intervenção com comportamentos
(como terapia e planejamento de organizações de trabalho).
Neste capítulo, os autores mostram uma parte do processo de produção de informações básicas a
respeito do comportamento para construir um texto programado. Mesmo sem o teste e a demonstração
da eficácia do texto escrito (uma modalidade de material programado), o capítulo é uma contribuição
significativa pela apresentação e descrição do processo de construção desse tipo de “tecnologia - ou
instrumento? - de ensino”: um texto programado. A Programação de Condições para o Desenvolvimento de
Comportamentos (PCDC, na sigla indicada pelos autores) não é uma técnica, mas um procedimento básico,
ainda não descrito de maneira tecnológica, para construir e programar condições que possam desenvolver
aprendizagem, ainda como um recurso de ensino. Não parece ser benéfico considerá-la uma tecnologia
(até porque não atende ainda os requisitos para ser designada como tal) e menos ainda criar uma sigla para
designá-la sem também ser algo conhecido ou ter uma referência específica e unívoca como procedimento
básico. Há muitas versões de procedimentos - e de conceitos envolvidos - no que recebe o nome genérico de
Programação de Condições de Ensino ou, na perspectiva de uma utilização mais ampla desse procedimento
básico, de condições para o desenvolvimento de comportamentos.
De qualquer forma é útil a apresentação de um procedimento e dos resultados que foram obtidos
para a construção de um texto programado para administrar as atividades em um tempo disponível. Essa
maneira de designar o texto programado anunciado no capítulo já indica que é possível questionar que pode
ser propriamente o tempo que é “gerenciado”, embora essa seja a maneira tradicional de referir-se a esse
tipo de comportamento (gerenciar). Mais do que o tempo disponível, o que é gerenciado é a distribuição
das atividades a serem realizadas em um período de tempo. E esse processo “gerenciar” é algo complexo
que precisa ser aprendido de forma cuidadosa ou não será eficaz como trabalho. Há muitos aspectos das
atividades, do repertório do “gerenciador”, do tempo e das atividades e tarefas concorrentes que precisam
ser consideradas além de uma cadeia de comportamentos que constitui o “gerenciar” com muitos
comportamentos intermediários componentes. Fora o processo comportamental que, ao desenvolver-se,
precisa, progressivamente, colocar as atividades sob o foco orientador dos aspectos do meio, tanto como
condições para a ocorrência dessas atividades como de seus resultados nesse meio. Cada um poderá, ao
longo do texto, avaliar o quanto descobre a respeito desses processos.
O exame dos dados - até pela sua quantidade - não é muito fácil e talvez, se for dividido em partes menores
para estudo fique mais fácil entender as contribuições do texto. A principal parece ser a demonstração
do grande volume de comportamentos envolvidos (vistos pelos nomes apresentados nas tabelas) e cuja
“decomposição” (ou organização) pode ser vista na representação da Figura 1.
O trabalho ainda não contém um exame e descrição completa do comportamento de “Programar
Condições...”, mas ilustra um processo de exame e decomposição de comportamentos complexos para compor
uma sequência de comportamentos que vão constituir uma complexa cadeia do que ficou denominado
por “gerenciar...”. A constituição de um possível “livro programado” a ser construído com os dados que
o texto apresenta é outra etapa com procedimentos e técnicas específicas em relação, especificamente, a
programação de texto como um recurso de ensino. Não se trata de cortar um texto em pedaços e apresentá-
los de uma forma didática. As etapas que o texto apresenta já constituem uma maneira específica de entender
como pode ser feita a programação de um texto como recurso de ensino (ou de aprendizagem). Cada um
poderá aproveitar de diferentes aspectos do Capítulo em exame.
APRESENTAÇÃO
19 O quarto trabalho (Capítulo 4) incluído neste volume tem a denominação de “Leituras essenciais em
Análise do Comportamento: um levantamento com editores brasileiros”. As fontes e os informantes para
obter dados a respeito de textos importantes em uma área são uma decisão crucial. As fontes que registram
conhecimentos de uma área são muitas e, mais ainda, quando incluem estudos importantes de outras áreas
para o desenvolvimento da área de interesse aumentam não só a quantidade de fontes como sua diversidade
em tipos de publicação. A escolha das fontes de informação, no caso do estudo em consideração, ser os
editores de revistas parece conter uma tendência. Os informantes talvez mais aptos e que podem revelar
o que está sendo utilizado na formação de novos profissionais talvez sejam os professores de cursos de
graduação e de pós-graduação, acrescidos de professores ou orientadores em outras agências de ensino do
país (clínicas e institutos que realizem formação de profissionais da área). Editores provavelmente tem um
foco muito mais em popularidade (leitores) dos artigos (talvez entre o público profissional e o público em
geral) do que em sua importância na formação, mesmo considerando o que esses dois “focos” tenham em
comum. Novidades, popularidade e importância como leitura ainda são diferentes de importância como
aprendizado ou formação. Além disso, a quantidade de publicações não acessíveis ao público por meio
das publicações formais são um material também importante (textos didáticos, teses e dissertações dos
programas de pós-graduação) para o ensino e a formação de profissionais. Os sujeitos que forneceram
informações representam no que e quanto em relação aos que estão trabalhando com a formação de analistas
do comportamento. Se o interesse for a divulgação da Análise Experimental do Comportamento, talvez os
editores sejam uma representação dos que estão trabalhando com isso. Além disso, dos editores que já são
apenas 61 das centenas de pessoas trabalhando com AEC no país (em congressos da ABPMC já passaram
dos milhares), apenas 14 responderam ao questionário utilizado no levantamento feito. Os autores deste
texto consideram esses problemas e levantam questões a respeito da representatividade do levantamento
feito, mostrando melhor o que tais questões podem significar.
A denominação genérica de “análise do comportamento” ou “analistas do comportamento” também
pode ser um problema: quantos excluem o conhecimento básico de Análise Experimental do Comportamento
e vários outros conhecimentos básicos em Filosofia, indispensáveis para o entendimento e o trabalho com
o comportamento operante e os princípios fundamentais do conhecimento em análise experimental do
comportamento. Ao utilizar essa denominação genérica, mais entendida como sinônimo do que são os
que trabalham com intervenções no comportamento humano, fundamentalmente os clínicos ou terapeutas,
não está sendo mantida uma distorção ou tendência no uso desses termos designativos da área? Mesmo
considerando que a maior parte dos sujeitos que responderam declarem a AEC como área de interesse, há
uma forte indicação de trabalho em clínica em segundo lugar, sendo que os demais interesses caem para
menos de metade e chegam a uma proporção próxima de 1/8 das indicações. Dos quatro periódicos em
exame, dois deles são da instituição que reúne grande parte dos que trabalham com Psicologia Clínica e
que só recentemente mudou seu nome de Associação de Psicoterapia e Medicina Comportamental para
Associação de Psicologia Comportamental como sua designação institucional. O que isso pode significar na
seleção dos periódicos e nas indicações dos editores (também editores desses mesmos periódicos)?
Teses, livros de AEC para outras áreas, dissertações, artigos didáticos e artigos em revistas científicas
de outras áreas ou instituições estão excluídos no que foi solicitado. O que indica a possibilidade de alguns
aspectos a investigar mais em relação ao que sejam leituras “essenciais” para quem quer trabalhar com
Análise Experimental do Comportamento. De artigos publicados por brasileiros há apenas quatro, o que
pode indicar que ou não conhecemos ou não consideramos o que está sendo publicado por brasileiros
como importante? Das centenas de artigos publicados, apenas menos de 1% interessa como leitura para os
analistas do comportamento? Isso merece um exame mais demorado e algum debate que ajude a identificar
possibilidades a respeito do que isso significa. Quando se trata de livros, há apenas dois: um manual de dois
autores e um livro a respeito de Clínica analítico-comportamental. Com três indicações cada um. O que tais
dados podem indicar a respeito do problema da leitura em análise do comportamento no país?
APRESENTAÇÃO
20 Ainda vale a pena examinar o que exatamente cada um considera, além do conceito de Análise
Experimental do Comportamento, o que seja uma “leitura essencial”. Os critérios para isso podem ir desde
o que “cada um gosta ou prefere” até o que considera “perfumaria” em relação a trabalhos que até pode
conhecer pouco. Deixar sem delimitação os “critérios” ou “possíveis” concepções do que seja AEC ou do
que seja “essencial” e até do que seja “leitura” pode ser perda de precisão a respeito do que está sendo
conhecido ou descoberto com os dados apresentados. O mesmo pode ser dito para áreas correlatas nas
quais são indicados um livro a respeito de metodologia (escrito em uma linguagem simples e acessível,
para estudantes de graduação (pelo que o autor declara na obra considerada por ele considerada como
“uma introdução”) e outro a respeito de Ciência em um best-seller de Sagan (O mundo assombrado pelos
demônios). Um livro como o de Sidman a respeito do método científico (Táticas da pesquisa científica),
publicado no Brasil em 1976, não é considerado (talvez não lembrado?).
O que significaria a pergunta “quais os materiais de estudo importantes para entender e trabalhar
com Análise do Comportamento de acordo com a concepção mais fundamental do que seja essa área?”
precisaria de muitos esclarecimentos a respeito da variedade de entendimentos existentes no país a respeito
do que seja ou abranja a área. A formação filosófica, os estudos conceituais e a avaliação crítica de conceitos,
a metodologia básica de trabalho com o comportamento na pesquisa básica, na pesquisa de laboratório,
na pesquisa de campo, no trabalho de intervenção, nos estudos de procedimentos de trabalho, os efetivos
avanços no conhecimento e na tecnologia na área são alguns exemplos a considerar para indicar o que
poderia ser considerado pelos sujeitos nas indicações que fazem. A pesquisa com observação indireta (por
depoimentos, por respostas a questionamentos, por produtos ou indícios) exige cuidados que não podem
ser ignorados em procedimentos de mera repetição de pesquisas com instrumentos como entrevistas ou
questionários. Ainda mais quando isso é feito por meio eletrônico ou por correspondência. A fidedignidade
dos dados (incluindo os problemas de amostragem já que se trata de um levantamento de opiniões) é um
problema sério. Quanto efetivamente do que foi descoberto corresponde ao que é o problema ou a pergunta
da pesquisa feita?
As considerações dos autores já orientam em algumas das direções e problemas aqui examinados e a
leitura do que produziram pode ser uma boa condição para formularmos perguntas ou nos inquietarmos
com o que exatamente sabemos coletivamente a respeito de um conhecimento e de uma tecnologia que
mudou o entendimento do que era a Psicologia na história da humanidade e que tem menos de um século
de existência. Nos últimos tempos, o ensino de AEC nos cursos de graduação do Brasil tem sido reduzido
e até extinto. Na contramão do desenvolvimento da Psicologia em diversos países. O ensino no país volta
a enfatizar concepções antigas que combinam com os costumes do ensino superior (fábula, adesão) além
daquilo que predomina como informação como sendo “psicologia” desde o começo do século, com descaso
com as contribuições específicas da Ciência. Os avanços são “fechados” dentro do que é conhecido ou
considerado como “teoria”, “escola” ou “abordagem”, com um isolamento que faz com que o trabalho em cada
desses tipos de contribuição se configure como o de uma facção ou seita, com recusa a trocar informações
ou debater o trabalho feito com quem considera outras contribuições como partes importantes a considerar
no desenvolvimento do conhecimento em Psicologia. Nos últimos tempos o que menos é encontrado é um
efetivo debate de ideias, conceitos ou contribuições. Geralmente a desqualificação do diferente é a ênfase na
troca de informações ou avaliação de contribuições alheias. Principalmente quando são diferentes daquele
que faz a “crítica”. Tomara que o debate que cada um fará com o que vai ler ao longo desse artigo seja
um “bom debate”, em busca de caminhos ainda melhores com as indicações que este estudo dos autores
possibilita descobrir por meio de suas informações. Esta apresentação pretende colaborar para esse “bom
debate”. Que o seja de fato.
O quinto texto apresentado neste livro refere-se a “Autocontrole, uma questão de escolha?”. Trata de
(qualquer pessoa) ser capaz de identificar como seu próprio comportamento é selecionado pelo ambiente
(facilitado, dificultado, provocado, induzido, forçado ou impedido) e de que maneira o que se segue
a suas atividades ou é decorrência delas o afeta. As interações entre o que acontece, as atividades que o
APRESENTAÇÃO
21 organismo apresenta nelas e o que se segue a tais atividades é o conjunto básico de eventos que constituem
um processo comportamental e, que conforme forem os arranjos entre esses três tipos de circunstâncias, tais
interações ficarão mais fortes ou mais fracas chegando até a não existirem mais. A expressão “autocontrole
do comportamento de alguém” refere-se a quanto alguém identifica essas interações, de que maneira elas
acontecem e o que esse alguém pode alterar de cada uma das instâncias envolvidas em qualquer dessas
interações. Os autores anunciam isso no início de seu texto e, no decorrer do mesmo, vão examinar vários
aspectos desse tipo de comportamento - autocontrolar-se - que, na Psicologia, em geral, ainda está em
um universo de referências antigas como “força mental”, “vontade própria”, “autoconhecimento”, “força de
vontade”, “capacidade mental” e outros conceitos ou termos presentes nas crenças e informações do senso-
comum. As contribuições da análise experimental do comportamento ainda são desconhecidas em relação
a isso e qualquer contribuição para auxiliar alguém a conhecer melhor como ocorrem os próprios processos
comportamentais e de que maneira eles se tornam “frequentes”, ficam “padrão” ou “automatizados” - como
é comum entender no jargão cotidiano - será uma contribuição útil para a sociedade.
Vale salientar que há alguns problemas com os estudos e textos a respeito do que ficou conhecido
como “comportamento de autocontrole”. Um deles é dizer que “as ações de interesse são fortalecidas”. O
“fortalecimento de um comportamento” refere-se a quanto e como a ocorrência de uma atividade (ou
“ação?), eventualmente já como reação a um ambiente (e, nesse caso, “resposta”) está sendo influenciada
pelas características do ambiente e de que forma as modificações nesse ambiente indicam quanto essa
atividade está sendo adequada, suficiente e oportuna (em graus variados). Essas interações é que ficarão
mais ou menos “fortalecidas”, a tal ponto que o próprio ambiente passará a provocar a ação (que então
poderá ser considerada uma “resposta do organismo ao meio”) e o sentido (o significado ou definição) do
que estiver sendo feito será dado pelo que a ação obtiver como mudança ou resultado nesse ambiente. Dessas
considerações decorre que nomear um comportamento é nomear o sistema de interações e não apenas as
características da atividade ou da “ação” (ou mesmo da “resposta”). Isso tudo, porém, não é facilmente
observável ou manejável, sendo necessário identificar graus de cada um dos aspectos componentes e das
interações entre eles, além de identificar que tipos de efeitos podem ocorrer no sistema de interações em
função das características de cada um desses componentes. Não são as ações que ficam fortalecidas, são as
interações (que constituem cada sistema de interações do qual uma ação faz parte ou é uma instância) que
ficam fortalecidas.
As metáforas comuns como “adquirir comportamentos”, “condições patogênicas” (para referir-se a
propriedades do ambiente), “emitir comportamentos ou respostas” e outras, muitas vezes copiadas de outras
áreas de conhecimento não auxiliam a entender a natureza e a especificidade de um processo comportamental.
“Reforçador” para referir-se a algo que ocorre após um comportamento é uma simplificação. Um evento só
pode ser considerado “reforçador” se, efetivamente, ele influi na força das relações entre os três tipos de
constituintes de um comportamento qualquer. Sem a verificação se, de fato, tal evento é responsável pela
força das relações evidenciada no aumento da frequência de atividades com determinadas características, ele
não pode ser denominado como “reforçador”. A exigência de precisão e clareza é particularmente desejável
no exame do que é designado como “autocontrole”. Metáforas, analogias com outras áreas e suposições
(adquirir, patogenia, emitir), por exemplo, não auxiliam no esclarecimento dos processos envolvidos em
qualquer processo de autocontrole.
A Análise do Comportamento não é uma “ciência comprometida com o aprimoramento das pessoas em
tomarem decisões saudáveis para si mesmas e para o mundo em que vivem”. Esse é uma designação genérica
para todos os tipos de trabalhos feitos com o comportamento. No caso a Ciência do Comportamento,
designada pela expressão “Análise Experimental do Comportamento” é um tipo de trabalho científico que
exige algumas especificações para ser realizado e considerado como “Ciência”. (a Psicanálise, por exemplo,
também faz análise do comportamento embora seja de outra maneira, com outros referenciais e dispensa
o que é considerado “experimental” ou a verificação inequívoca das suposições de relação entre o que é
considerado para interpretar o comportamento). A AEC pode ser “responsável” pela grande possibilidade
APRESENTAÇÃO
22 de as pessoas serem capazes de tomar decisões...se esse conhecimento estiver acessível e, nesse sentido, o
conhecimento precisa ser bem elaborado, bem constituído e ficar ao alcance das pessoas que dele necessitam.
Os cientistas precisam ficar comprometidos com o uso adequado de suas descobertas pela sociedade, mas
até isso tem limites. O problema, no caso do conhecimento a respeito do autocontrole, fica mais significativo
na medida em que a própria pessoa deve ser capaz de, por meio de suas próprias ações, alterar as condições
existentes para viabilizar uma outra de suas ações de interesse para sua vida e para a sociedade. E ser capaz
de avaliar isso, com condições de mudar o que for necessário. Nem sempre as ações de interesse são fáceis de
realizar e o próprio indivíduo aprender a organizar seu ambiente para torná-las mais prováveis é um desafio
muito maior do que parece à primeira vista.
Vale destacar que o debate dos dados apresentados ainda pode envolver extensões e possibilidades de
uso em problemas sociais concretos, existentes no mundo contemporâneo. Isso ajudará o leitor a ampliar
a percepção de quão útil pode ser o exame de processos comportamentais reunidos sob a denominação de
“autocontrole”. Que isso efetivamente aconteça como parte da leitura e do debate que ela pode provocar
entre o leitor e os autores do texto.
No trabalho “Causal versus funcional: um diálogo entre Mayr e Skinner” (Capítulo 6), o debate
ou a leitura do artigo podem começar com algumas indagações. O que significa exatamente o “diálogo”
entre conhecimentos de diferentes áreas? A palavra, neste contexto, é uma metáfora e merece algum
exame para localizar o que exatamente isso quer dizer. A integração e a articulação do conhecimento
produzido no âmbito de diferentes áreas exigem mais do que encontro ou comparação de terminologias.
Exigem uma cuidadosa avaliação dos conceitos a que os termos se referem com uma precisão de análise
microscópica desses conceitos, esmiuçando as propriedades importantes dos referentes de cada um. O
próprio conceito de “causa”, desde os tempos de Aristóteles, é objeto de exame e de avaliação por múltiplas
áreas de conhecimento, tanto à maneira da Filosofia como à maneira da Ciência. Desde Galileu - muitos
séculos após Aristóteles - há uma importante contribuição que vai além do conhecimento filosófico e exige
observação e coerência entre conceitos e seus referenciais empíricos. O próprio conceito de “variável”
(aspectos de qualquer objeto, acontecimento ou fenômeno que variam - cada um deles - ao longo de graus)
possibilitou a identificação de grande complexidade nos conceitos filosóficos e científicos, particularmente
quanto aos que se referem às relações entre acontecimentos ou eventos. O determinismo (com o sentido
de provocação de um acontecimento) deixou de ser apenas o absoluto (uma “causa” para cada “efeito”, um
“efeito” para cada “causa”). A descoberta de múltiplas variáveis podendo ser responsáveis pela ocorrência
de um acontecimento criou o primeiro problema para os conceitos de “causa” e “efeito”. Isso ficou mais
complexo ainda quando foram identificadas “cadeias de determinação de um acontecimento” nas quais
vários acontecimentos provocavam a ocorrência de outros em sequência, levando a mais um grau de
complexidade na compreensão de “processos de determinação” (ou “causação”?). A complexidade aumenta
quando é considerado que alguns graus de alguns acontecimentos provocam a ocorrência de alguns graus
de outros que, por sua vez, terão outros graus que provocarão graus de ocorrência do evento que lhes
deu origem. A microscopia do conhecimento, resultantes de processos de decomposição e de análise (no
sentido de separação de partes constituintes e não como sinônimo de exame ou avaliação) trouxeram a
possibilidade de progressos enormes para o entendimento dos processos de “provocação da ocorrência de
fenômenos”. A compreensão dos fenômenos químicos na Alquimia pôde ser superada pela capacidade de
decomposição das substâncias em seus constituintes passiveis de serem “contados” (quantificados) de tal
maneira que possibilitou o entendimento de “quanto de cada substância constituinte” era importante para
caracterizar a substância ou para possibilitar certos tipos de substâncias (ou “substâncias determinadas”,
com o termo significando agora “especificadas com precisão” e não mais “provocadas por...”). Com isso ficou
viabilizada a Química como área de conhecimento científico. Já no final do Século 19 e começo do Século
20 na Física Quântica, houve uma contribuição preciosa para aumentar a percepção do que estava em jogo
com os conceitos relacionados à “determinação” (agora no sentido de provocação) dos acontecimentos:
os procedimentos e processos de observação também influenciavam a ocorrência do fenômeno em
APRESENTAÇÃO
23 observação e dificultava (ou “impossibilitava”) o cálculo preciso e bem determinado (a “determinação
matemática de um ponto e momento”) de sua ocorrência (em um ponto ou momento específico). Foi o
suficiente para aumentar a confusão com os conceitos até então existentes. Embora a palavra “função” (em
lugar de “causa”) já houvesse indicado que havia múltiplos outros fenômenos interferindo na ocorrência
de qualquer fenômeno em observação, a análise (separação das partes constituintes) microscópica de
variáveis possibilitou a identificação de mais aspectos interferindo na ocorrência de qualquer fenômeno.
Mesmo com essas múltiplas contribuições a respeito do conceito de “causação”, até os dias atuais ainda há
confusões a respeito desse conceito. As expressões “determinismo absoluto” e “determinismo probabilístico”
referem-se, respectivamente a uma concepção de “causalidade simples” (causa - efeito) e a uma concepção
de “causalidade múltipla” (vários fenômenos ou aspectos de fenômenos interferem com a ocorrência de
diferentes aspectos de outros fenômenos em graus variados e em formas diferentes conforme a variação
desses graus). Não há “caos” como alguns apregoaram como resultado das descobertas da Física Quântica
(não há “ausência de determinação”). O que foi descoberto é a existência de uma complexidade muito maior
só passível de percepção e manejo com acuidade microscópica de todos os aspectos envolvidos em uma
relação. Obviamente, para cada uma das áreas de conhecimento, a microscopia com que são examinados
os acontecimentos é muito variada e isso cria uma exigência muito grande para o exame das “relações
de causalidade” (de determinação ou relações funcionais) relacionadas à ocorrência de um fenômeno.
As contribuições de cada área são de diferentes graus de microscopia (alguns consideram de diferentes
“naturezas”) e a integração ou a articulação entre tais diferentes graus exige refinamento, análise, avaliação
e exames conceituais muito cuidadosos para poder ser entendida. Esses problemas estão presentes no
texto que examina um “diálogo entre Mayr e Skinner”. É possível examinar alguns exemplos em torno da
contribuição que o artigo traz. O que está anunciado em seu título é, de fato, um desafio ou uma convocação
para cuidadosos estudos a prosseguir em um grande desvendamento de relações complexas como aquelas
em que ocorrem os processos comportamentais.
Tem sido frequente, particularmente na Psicologia, uma expressão de que “as diferentes abordagens
da Psicologia precisam dialogar” e, a partir dessa expressão, mesmo considerando ser uma metáfora de
uso controverso, alguns defendem o uso de uma terminologia abrangente ou a consideração dos termos
de qualquer “abordagem” como possíveis “sinônimos” de termos de outra “abordagem”. Isso distorce as
contribuições específicas de cada tipo de construção feita como conhecimento por diferentes cientistas,
filósofos ou pesquisadores em qualquer modalidade de conhecimento. Há uma tendência nisso a evitar,
fugir ou encobrir discordâncias ou controvérsias para que não haja desaprovação ou conflito entre pessoas,
grupos ou “discursos”. “Diálogo” (usando a metáfora do texto em apresentação) não é cópia, adesão, ou
mimetismo semântico (para evitar desaprovação ou crítica por ser “diferente”). Em Ciência e Filosofia,
pelo menos, o contraditório, o conflito de entendimento, a discordância entre observações ou discursos
é matéria prima para prosseguir investigações até descobrir a fonte do conflito. No caso dos conceitos de
“causa”, “funcionalidade” ou “determinação”, as diferenças das contribuições precisam ser bem avaliadas
e esclarecidas. O perigo de repetir ou mimetizar um discurso - supor semelhanças ou considerá-lo como
equivalente a outro com terminologia similar - é desconsiderar os referentes dos conceitos e a microscopia
variada com que podem ser conhecidos e apresentados em conceitos, mesmo que matemáticos, lógicos
ou estatísticos (por exemplo, os conceitos de variável, conjunto de variáveis, unidade de variável, graus de
qualquer variável e níveis de mensuração de qualquer variável são ainda muito pouco conhecidos no âmbito
do ensino superior no país e das instituições de Ciência e Filosofia).
Comportamento para a Biologia tem muito mais a ver com as atividades que os organismos apresentam
(e que, na Biologia, são considerados como “comportamentos”) e com possíveis determinantes fisiológicos,
bioquímicos, anatômicos, neurológicos, fortemente ligados à herança genética. Na Psicologia, Pavlov
descobriu que isso era uma parte insuficiente para entender as atividades. Ao selecionar uma atividade (o
salivar de um organismo) para investigar, ele considerou essa atividade como uma “resposta fisiológica” do
organismo à presença do alimento na boca. Suas pesquisas procuraram quantificar as variáveis “propriedades
APRESENTAÇÃO
24 do alimento” e “salivação” e observar as relações existentes entre elas. As observações de Pavlov já estavam
fortemente influenciadas pelo conhecimento que o orientava: as relações entre sistema fisiológico e salivação
na presença de um alimento. O alimento, em suas investigações, “provocava a salivação” dos sujeitos que
observava. Obviamente Pavlov conhecia os processos relativos a essas relações, mas surpreendeu-se quando
um barulho começou a provocar a salivação do animal e resolveu investigar o que acontecia e descobriu
a “salivação condicional”: aquela que dependia de uma condição diferente da fisiológica para ocorrer. A
condição foi descoberta e revelada por Pavlov: a relação de contiguidade entre o som e o alimento. Como
sempre que ocorria o som, o animal recebia alimento, houve um pareamento temporal entre som e alimento.
Tal pareamento (tal contiguidade) foi fundamental para entender o papel de um evento ambiental (não da
biologia do organismo) capaz de afetar (produzir) uma reação e um processo fisiológico.
Até essa época o termo “comportamento” era apenas um sinônimo de atividade. Dessa descoberta,
porém, originou-se a expressão “comportamento condicional” (conforme Pavlov) ou “comportamento
condicionado” (conforme outros difundiram a descoberta de Pavlov). Para ele a atividade não era
“condicionada”. Era condicional: dependia (era função) de outras condições, outros eventos que não eram
necessários para provocar a salivação, mas ocorrendo circunstancialmente (contingentemente) associados
por contiguidade, passavam a “produzir” (seria “causar”?) a atividade. Para muitos isso ficou sendo o
entendimento de comportamento, incluindo o psicólogo americano Watson, embora seja uma generalização
indevida e uma conceituação inadequada e imprecisa - como sinônimo de “comportamento condicionado”.
Alguns anos mais tarde, Skinner destacou que o reflexo não era a resposta eleita como objeto de estudo por
Pavlov (a atividade ou o que era considerado comportamento na época) mas a “relação entre um aspecto
(circunstancial) do ambiente associado (contiguo) à atividade em exame e as propriedades dessa classe de
atividades” (o que está entre aspas é um arranjo deste autor para evidenciar o que está sendo examinado
e não é exatamente o que Skinner escreveu na época). O destaque de Skinner foi crucial para aumentar e
complexificar o que poderia ser entendido por “determinação do comportamento”. Não era a fisiologia,
nem mesmo o sistema nervoso central que “provocava” a salivação... O cheiro e, posteriormente, a visão
ou o sabor do alimento poderiam ativar os processos de produção de saliva. E, provavelmente, tal ativação
poderia ser entendida como parte da herança genética do animal de um conjunto de condições que reagiriam
a condições mecânicas, de odor, ou luminosas capazes de ativar partes do organismo. No entanto não
explicariam a relação estabelecida entre tal atividade e acontecimentos circunstanciais, fora do organismo,
diferentes do alimento ou de suas propriedades... Embora o organismo tivesse acesso a esses acontecimentos
por meio de seu equipamento biológico, fisiológico, neurológico, sensorial e até proprioceptivo (será que
salivar estimula mais salivação?), eles não poderiam ser considerados como “causas” da salivação, embora
estivessem envolvidos como aspectos cruciais para que o final de uma complexa rede de acontecimentos (o
salivar) ocorresse. Os conceitos de “causa” e “efeito”, como já destacou Skinner, passaram a ser substituídos
em Ciência, há muito tempo, pelo conceito de função, destacando que isso significa uma complexa interação
entre eventos que tem como resultado final um acontecimento que é considerado “função desses eventos”.
O termo “evento” também tem um significado importante. Ele se refere a uma propriedade específica de
um acontecimento para fazer parte de uma rede de influências na determinação de um resultado final: a
propriedade de eventualidade (ser eventual ou circunstancial e não fixo ou necessário). Não precisa haver
uma relação necessária; apenas uma ocorrência eventual é suficiente para que ocorra uma associação ou
algum outro tipo de “influência” no resultado final.
Essa quantidade de considerações está voltada para esclarecer que o objeto de estudo de uma área
pode estar próximo do de outra área na aparência (reflexos e reações neurológicas, por exemplo), mas
também pode ser muito distante: atividade de um organismo e reflexos condicionais, pelo menos no que
foi examinado até aqui. A atividade não é o reflexo condicional... O reflexo condicional é outro fenômeno
que, de certa maneira, está fora da fisiologia do organismo no que diz respeito ao que o faz acontecer além
das condições usuais da biologia do organismo. Skinner, foi muito mais longe quando, ao longo dos anos,
verificou e demonstrou muitas outras relações que constituem uma unidade comportamental entendida
APRESENTAÇÃO
25 como relação entre aspectos da atividade de um organismo, aspectos do ambiente no qual essas atividades
são realizadas e aspectos do ambiente subsequente à sua realização. Não é suficiente ou adequado definir
comportamento como “interação entre organismo e ambiente” ao referir-se ao comportamento operante.
São as propriedades das atividades do organismo alteradas ou construídas pela interação com esses aspectos
dos ambientes antecedente e subsequente que constituem objeto de estudo do que ficou conhecido como
“Análise Experimental do Comportamento”.
A Biologia Evolutiva pode nos esclarecer de que forma mudou a fisiologia do organismo em sua
adaptação ao meio, mas não nos diz exatamente como é que ocorre essa adaptação. A complementaridade
entre as áreas da Psicologia e da Biologia Evolutiva não se resumem a considerar o que podem ser “causas”
do comportamento ou “do que o comportamento é função”. O que parece ser importante na imensidão
de variáveis envolvidas na interação entre o conhecimento de como o organismo funciona em si e como
funciona na interação de suas atividades com o meio ambiente exige uma complexa interação de conceitos
muito precisos com um processo de depuração, análise e avaliação de realização complexa e que exige um
refinamento nos conceitos. O que está longe da mera adoção, recíproca ou não, dos conceitos existentes na
literatura das várias áreas. A própria história de desenvolvimento desses conceitos em uma única área fez
com que tal desenvolvimento, mesmo mantendo a designação nominal, mudasse os referenciais a que se
refere ou possibilitasse uma melhor e mais microscópica (precisa) percepção dos processos envolvidos em
sua ocorrência e uma consequente melhor conceituação.
A diferença entre o Biólogo Funcional e o Biólogo Evolucionista não pode ser reduzida a que o primeiro
descreve “como” e o segundo “por que” algo acontece. Ambos estão investigando “funcionalidade”. Um
investiga os eventos atuais e presentes em um acontecimento - como as condições atuais fazem com que um
processo aconteça ou de que forma as condições atuais determinam a ocorrência de um processo. Outro
está investigando como as condições do passado levaram às atuais características do organismo ou de que
forma as condições existentes mudaram em cada época as características do organismo. Em ambos os casos
há uma preocupação com explicação (por que e como) algo acontece ou aconteceu. A explicação científica
de “por que” algo acontece não está na especificação de “causas últimas”, mas na caracterização de processos
que fazem (ou fizeram) com que algo aconteça (ou acontecesse). Isso, em geral, obriga a interações entre
conhecimentos de diferentes áreas com exigências tanto de integração metodológica quanto de conceitos
instrumentais e conceitos básicos das respectivas áreas, com as correções de entendimento de uma área para
outra. As “causas genéticas” do canto do rouxinol dizem respeito a como ele chegou a ter o aparato que tem
para apresentar os sons que apresenta quando canta. Quando e quanto ele vai cantar, provavelmente, estará
relacionado ao que ele aprende na interação com o canto de seus pais, pares da espécie e outros eventos
no ambiente em que se desenvolverá como organismo. A genética e o comportamento atual precisam
de um esclarecimento de como se relacionam. Ou haverá sempre um envolvimento com as distorções
de uma área que absolutiza seu conhecimento e minimiza o de outras áreas como explicação (final?)
para os acontecimentos. As áreas de conhecimento são apenas parte das contribuições que constroem
o conhecimento. Cada uma das demais áreas sempre complementam ou otimizam o conhecimento dos
múltiplos processos envolvidos em qualquer evento que for presenciado ou estudado por alguém ou do
qual esse alguém participe como realizador.
Dizer que o comportamento é a variável dependente das investigações e das intervenções para o
Behaviorismo Radical é desconsiderar que o comportamento é um grande sistema de relações entre
variáveis e é, de fato, um “conjunto de variáveis” que, como tal, pode ser considerado como o objeto de
estudo da Psicologia. As múltiplas interações entre propriedades das atividades de um organismo e aspectos
dos ambientes antecedente e subsequente a essas atividades são algo mais complexo do que “uma variável”.
Quando em interação com outras áreas esse conhecimento, esse entendimento precisa ser esclarecido
uma vez que “variável” não tem necessariamente o mesmo entendimento ou a mesma abrangência ou
especificidade em diferentes áreas de conhecimento e até para pesquisadores em diferentes pesquisas ou
profissionais em diferentes intervenções. O debate entre os conceitos de funcionalidade e “causalidade”
APRESENTAÇÃO
26 também não pode ignorar essa variação, principalmente se for no exame e comparação de conhecimento
de diferentes áreas como é o caso da Biologia Evolutiva e o Behaviorismo Radical. Parece que isso, de certa
forma, é o mote ou a direção do trabalho do artigo que está sendo apresentado. Vale conferir.
A frase “no Behaviorismo Radical, entende-se que o comportamento do indivíduo é determinado
por variáveis ambientais” não é precisa. Nem parece ser verdadeira. Ou, pelo menos, possibilita muitos
entendimentos. O que está sendo entendido como comportamento nesse caso? Atividade, resposta,
interação entre organismo e ambiente, interação entre propriedades da atividade, do meio antecedente
e do meio subsequente? O que exatamente são “variáveis ambientais”? As que ocorrem no corpo de um
organismo são ambiente também? Ou não? Por exemplo, coçar o braço está sendo determinado por quais
aspectos do ambiente? Como os aspectos do ambiente se relacionam com que propriedade da resposta?
A força, a latência, a frequência, a intensidade, o tempo entre os episódios das atividades? No que está o
comportamento denominado pelo termo “coçar”? Há várias modalidades de coçar? Todas as modalidades
são determinadas pelas mesmas variáveis? Nos mesmos graus? Quais delas são pertinentes à influência
genética? Quais dependem das características físicas do organismo? O comprimento das unhas determina
alguma propriedade da atividade de coçar? E o alívio da coceira influi em qual propriedade da atividade?
E do comportamento? E se não houver alívio quando o organismo coçar, está “coçando” mesmo assim?
As perguntas em torno do exemplo, banal e simplificador, são feitas para ilustrar as múltiplas dificuldades
existentes na afirmação inicial deste parágrafo e mostra como pode haver muito mais problemas do que
aparenta a expressão “diálogo entre...”. Bastaria conferir como cada uma das partes “em diálogo”, consideraria
as funções envolvidas no “coçar”.
Quando há referencia ao “nível cultural” da determinação do comportamento, qual a diferença, além
de considerar o ambiente social, com o comportamento que não é determinado pelo nível cultural? A
inclusão de aprovações sociais, ensino por outras pessoas, proibição, impedimento ou punição para alguns
comportamentos é o que o faz ser “cultural”? As variáveis estão em uma relação diferente daquelas das
ocorrências não culturais? O que é aprendido ao longo da vida de um organismo pode ser entendido sem
os elementos culturais? Novamente, o “diálogo” entre Behaviorismo Radical e Biologia Evolutiva precisa
de um exame mais microscópico do que significa “cultural” em cada um dos casos. O ambiente social não
parece ser funcionalmente (saliente-se os problemas de entendimento também dessa expressão) diferente
do ambiente físico a não ser pelo tipo das variáveis envolvidas. E isso precisa ser bem esclarecido ou ficarão
comprometidos os conceitos de “ambiental”, “social”, “cultural” e até de “genético”. Por exemplo, quando ou
no que “coçar” é genético, ambiental ou social? Isso pode render ou exigir muitos exames e elucidação de
muitas controvérsias aninhadas nos termos utilizados no sistema conceitual de cada contribuição. Não é
para menos que a Ciência já foi considerada uma “Torre de Babel”. O artigo aqui apresentado, sem dúvida,
provoca essas questões e exige esses exames.
Enfim, o exame das relações em torno do conceito de determinação do comportamento para a
Psicologia e para a Biologia Evolutiva são em grande parte dependentes do ambiente de debate e de avaliação
dos conhecimentos em torno dos trabalhos em exame nos encontros, congressos ou outras modalidades de
interação profissional, em Ciência, em Filosofia ou como professores e usuários desses conhecimentos. O
artigo aqui apresentado provoca muito mais do que essas questões e nisso reside talvez o principal desafio:
por onde prosseguir na elucidação do que os autores chamam de “diálogo”.
O trabalho “Neuropsicologia e educação: parceria possível” (Capítulo 7) é um exame em torno de
possíveis relações entre “neurologia”, “psicologia - ou análise do comportamento” e “educação”. O texto
apresenta um exame de informações dessas áreas de conhecimento e desse campo de atuação profissional
que mescla informações e conceitos pertinentes a esses três tipos de fontes de informação, apresentando
pesquisas e artigos produzidos no âmbito das mesmas ou com estudos que as relacionam. Um trabalho
desse tipo tem exigências muito grandes em relação ao exame dos conceitos e ao uso dos mesmos no
esclarecimento das relações entre eles. Análise e avaliação de conceitos e de suas relações com outros conceitos
é sempre uma tarefa que exige formação específica com quatro tipos de trabalhos (classes complexas de
APRESENTAÇÃO
27 comportamentos): formular conceitos, analisar conceitos, avaliar conceitos e relacionar conceitos. Isso é
especialmente difícil e exigente quando os conceitos se referem a diferentes áreas de conhecimento e ou
campos de atuação profissional. Os tipos de variáveis e os graus de microscopia das mesmas envolvidas
em cada conhecimento das múltiplas áreas ou campos de trabalho são muito diferentes e as relações entre
tais áreas ou campos exige uma capacidade de integrar conceitos de tipos muito diversos de referência e
de elaboração. Variáveis que se referem a eventos bioquímicos em um organismo, por exemplo, são muito
diferentes das que ocorrem na interação entre as atividades desses organismos e o ambiente em que elas são
realizadas. É inclusive inadequado supor que as atividades do organismo sejam “provocadas” pelas reações
bioquímicas e fisiológicas que elas mesmas, muitas vezes, também provocam no organismo. No entanto,
a tradição de conhecimento em cada área, muitas vezes, enfatiza os fenômenos de sua abrangência como
tendo apenas um papel (“causa” ou “determinante”) dos fenômenos relativos a outra área. O exemplo mais
evidente disso são os estudos que indicam as condições e o funcionamento de áreas do sistema nervoso
- periférico ou central - como provocadoras de comportamentos. Os sistemas físicos, fisiológicos ou
bioquímicos dos organismos é um suporte das interações entre atividades dos organismos e aspectos de seus
ambientes, mas não são os causadores de todos os aspectos dessas interações ou das propriedades ou graus
dessas interações. Até mesmo o entendimento de que o comportamento é “a interação entre organismo
e ambiente” é um equívoco que iguala o comportamento do organismo a qualquer outro ser ou material
existente. As atividades dos materiais, dos vegetais, do clima ou das marés não deve ser considerado como
sinônimo do comportamento operando dos organismos vivos. O comportamento dos organismos, como foi
entendido ao longo dos anos de contribuições da Análise Experimental do Comportamento, é muito mais
um determinado conjunto de interações entre propriedades das atividades de um organismo e propriedades
dos ambientes que existem quando da sua ocorrência e após ela ser realizada. A complexidade dessas relações
é muito mais microscópica do que esse breve exame e exige conhecimentos também microscópicos de várias
áreas para poder ser estudado, entendido, observado ou sofrer intervenções profissionais com vistas a seu
aperfeiçoamento, especialmente no que diz respeito a interações com outras áreas do conhecimento.
É meritório o estudo dessas interações. Elas, porém, tem exigências muito grandes de formação e
procedimentos de pesquisa, de estudo, de análise e avaliação de conceitos, além de um uso muito cuidadoso
e sofisticado para integrar conhecimentos de múltiplas áreas em relação a algum aspecto em comum
entre elas: pode ser que cada uma seja parte de um processo complexo, abrangido em diferentes graus por
essas áreas; pode também ser que cada uma tenha uma participação na provocação de diferentes graus de
ocorrência ou produção de algum aspectos dos processos em estudo. Dificilmente, porém, uma área poderá
ser apenas “provocadora” ou “resultante” de outra. As interações são muito variadas, muitas vezes com
reciprocidades de ação de umas em relação a outras. A complexidade exige um trabalho que integre e
avalie linguagem, terminologia de qualquer das áreas envolvidas e uma clareza muito grande a respeito do
grau de abrangência e da variação de microscopia que os termos utilizados por cada área representam em
cada construção verbal que busque esclarecer a complexidade dos eventos em interação e a complexidade
dinâmica da própria interação que é objeto do discurso que se propõe como descrição ou explicação do
que estiver ocorrendo.
O mérito do presente trabalho já está no esforço de relacionar variados conhecimentos na elucidação
das interações entre neuropsicologia e educação. Sem dúvida, além do mérito do engajamento na difícil
tarefa, também há o de fazer com que isso evidencie mais problemas de interesse para conhecimento e
investigação. Nesse sentido, vale a pena, examinar algumas afirmações como provocação para o exame
e debate a respeito do que está apresentado no trabalho sob a designação de “parceria possível entre
neuropsicologia e educação”. Dizer, por exemplo, que “a educação objetiva entender como o indivíduo
adquire e desenvolve o conhecimento e a aprendizagem” é já utilizar uma terminologia que compromete os
conceitos básicos para a clareza da linguagem e do raciocínio que será desenvolvido no trabalho. “Adquirir”
é uma expressão metafórica com uma abrangência muito grande de referenciais e é inadequada para falar
do que acontece quando alguém “conhece” algo. Ninguém “adquire” conhecimento. São determinados
APRESENTAÇÃO
28 tipos de interações entre atividades de um organismo e aspectos do ambiente que vão fazer com ele mude
suas atividades em relação a esses aspectos do ambiente e, progressivamente, eles funcionem de maneira
diferenciada na influência das propriedades das atividades dos organismos. Algumas atividades são parte
das reações bioquímicas do organismo, de acordo com sua constituição desde a herança genética. Tais
reações - relações entre propriedades do ambiente existente e características das atividades do organismo
- são geralmente muito mais fisiológicas do que psicológicas. No entanto, desde que ocorra uma primeira
atividade, o ambiente também exercerá uma ação com o que se segue à realização dessas atividades -
movimentos, posturas... A partir disso, as relações entre atividade do organismo e aspectos do ambiente,
ficarão cada vez mais complexas e se afastarão das interações iniciais, predominantemente biológicas. As
atividades tornar-se-ão “respostas” diferenciadas em função do que acontecer depois de sua ocorrência no
meio ambiente. Com isso, as interações cada vez mais estarão afastadas da mera determinação biológica
ou de uma influência do ambiente que desconsidere as características dos organismos (seus suportes e
processos biológicos, bioquímicos, neurológicos, anatômicos, físicos, fisiológicos etc.). Mesmo que alguém
usando esse termo (aquisição) esteja se referindo à mera repetição oral (ou gestual) de informações lidas,
vistas ou ouvidas por alguém.
Conhecer é um processo comportamental complexo que envolve muitas classes e sub-classes de
comportamentos e um verbo (conhecer) ou um substantivo (conhecimento) para referir-se a ele não auxilia
a entender o que exatamente acontece com tal abrangente e complexa classe de comportamentos, com uma
múltipla constituição e com também múltiplos e variados determinantes de cada parcela de um complexo
encadeamento entre todas essas parcelas constituintes. Isso se ficarmos apenas no âmbito de microscopia
típico da Psicologia. Considerar os processos neurológicos envolvidos nos múltiplos comportamentos nas
várias etapas de cada um dos elos da extensa e complexa cadeia de comportamentos em diferentes estágios
de desenvolvimento é, não parece descabido afirmar, um desafio para muitos anos de trabalho de muitas
áreas e pesquisadores refinando não só os instrumentos e as técnicas de observação e de mensuração como
também os cuidados com a formulação de conceitos, construção dos raciocínios e elaboração de uma
linguagem adequada. Isso será fundamental para o desafio com que se defronta o artigo em consideração
no momento e como uma leitura que deve ser um debate com os autores mais do que uma contemplação
passiva do que estiver escrito.
Considerações semelhantes podem ser feitas em relação à aprendizagem. “Em neuropsicologia,
aprendizagem fruto de modificações químicas e estruturais do Sistema Nervoso”? Ou “aprender é mudar
condições químicas e estruturais do Sistema Nervoso”? Se houver condições químicas ou estruturais com
alguma característica no Sistema Nervoso de um organismo o processo de aprender poderá ocorrer de
forma diferenciada, mas o “aprender” não será “fruto” de tais condições. Quais influências exatamente vão
existir em cada caso é o que precisa ser elucidado. Lembrando que aprender não é um processo apenas
neurológico, mas constituído pelo processo de mudança de uma interação entre determinadas propriedades
das atividades de um organismo e propriedades dos ambientes envolvidos em cada parcela dos processos
comportamentais desse organismo. Não é a mera “interação entre organismo e ambiente” que pode elucidar
como se dá essa interação específica entre características e propriedades de cada atividade e os aspectos dos
ambientes antecedente e subsequente a cada uma delas. Sem esquecer que qualquer atividade designada com
certa amplitude pode ser um complexo conjunto de atividades mais microscópicas desse mesmo organismo.
Essas considerações devem ser suficientes para mostrar quão importante pode ser a investigação e a
elucidação entre processos de diferentes áreas do conhecimento e diferentes graus de microscopia do exame
dos fenômenos ou processos, sejam eles psicológicos, biológicos, neurológicos ou sociais (como é o caso
da educação e da cultura, seja lá qual for o entendimento que se tenha delas). Dizer que a “aprendizagem”,
para a Psicologia, é “como se adquire conhecimento e habilidades cognitivas”, é ignorar a complexidade já
conhecida desse processo designado por “aprender”.
O que, por exemplo, significa a expressão “habilidades cognitivas”? É um tipo de comportamento
diferente de “conhecer”? É um pré-requisito “para conhecer” ou para “comportar-se de acordo com
APRESENTAÇÃO
29 informações”? Habilidade é sinônimo de Comportamento? É algo diferente? É um grau de perfeição de
algum tipo ou classe de comportamentos - comportamentos habilidosos? Usar termos que podem até ser
considerados como sinônimos ou termos que já significaram “pré-requisito” (como o termo “habilidade”)
para algum tipo de comportamento exige esclarecimentos do significado do uso desses termos no contexto
em que são utilizados. Ainda mais quando são usados em estudos de integração de informações de diferentes
áreas. Os exemplos de exigência de terminologia são múltiplos. Por exemplo: percepção ou perceber?
Atenção ou atentar (um elo inicial de qualquer processo comportamental)? Dizer “falta de concentração
devido à falta de interesse” não é ignorar as contribuições de setenta anos de análise do comportamento já
existentes? Termos e expressões como memória, tipos de memória, informação adquirida, memória requer
prática mas quando sistematizada é automática e rápida podem ser equivocados. O que exatamente ocorre
em relação a processos comportamentais quando são utilizadas expressões desse tipo? Não está havendo um
mero empréstimo de expressões de outros procedimentos de conhecer diferentes daqueles que a Psicologia,
e talvez até a neurologia e a educação, já estudaram há muito tempo?
“Conteúdo” para referir-se a “conhecimento” ou a “informações” é utilizar uma analogia com “recipientes
com conteúdo” (os professores?) derramando-os em “recipientes vazios” (os alunos). A representação de
um processo educativo à semelhança da “teoria dos vasos comunicantes na Física” já é criticada e já é algo
risível há muitos anos para continuarmos a usá-la ao fazer referência a uma consolidação “do conteúdo
trabalhado” associando-o a outros “conteúdos já trabalhados”.
O debate, aparentemente necessário, que esses comentários representam é uma forma de apresentar
o trabalho que destaca o enorme desafio que os autores enfrentaram ao escolher e trabalhar com essas
interações entre áreas de conhecimento e campo de atuação (um âmbito de uso do conhecimento de muitas
áreas). Os próprios conceitos básicos de qualquer área são, muitas vezes, cheios de controvérsias na própria
área. No caso da Psicologia por exemplo, as sobreposições e confusões com conceitos como comportamento,
atividades, respostas, classes de respostas, classe de comportamentos, habilidades sociais ou culturais ou,
práticas sociais, culturais, profissionais, educativas são parte de uma longa lista, ilustrando esse problema.
Isso tudo indica a exigência de um cuidadoso refinamento no uso de conceitos e terminologia ao examinar
um campo controvertido e exigente como são as interações entre diferentes áreas e quaisquer campos
de atuação profissional. Mais do que explicitar em termos gerais e, às vezes, parciais, a contribuição de
diferentes áreas do conhecimento, o exame da abrangência e da microscopia dos termos utilizados em cada
área e sua relação com os de outra área com o mesmo exame de abrangência e microscopia conceitual é uma
tarefa hercúlea e, sem dúvida, em processo de realização e desenvolvimento em muitos graus de perfeição
conforme as fontes que forem utilizadas para relacionar conhecimentos e conforme os procedimentos
utilizados para construir esse relacionamento.
Nisso tudo está o mérito, com todos os riscos e dificuldades, do trabalho desse capítulo a respeito da
“parceria possível entre Neuropsicologia e Educação”. Seja qual for o grau de qualidade que for conseguido
enquanto está sendo construída essa “parceria”. Tomara que a leitura desse capítulo provoque muitas
perguntas e evidencie a grande quantidade de controvérsias que terão que ser resolvidas nos processos de
entendimento das contribuições de conhecimentos de diferentes áreas para os variados campos de atuação
profissional existentes na sociedade. Um trabalho cada vez mais indispensável para o desenvolvimento do
conhecimento e da vida no planeta.
Um oitavo conjunto de contribuições (Cap. 8), apresentadas no Congresso está reunido sob a
denominação “Depressão maior: contribuições da Epidemiologia e das Neurociências para a Análise do
Comportamento Clínica”. Talvez a própria designação desse título para o trabalho já enseje um debate a
respeito de um dos atuais costumes existentes nos congressos científicos da área: a nomenclatura utilizada
para referir-se à área: Análise Clínica do Comportamento? Isso é diferente de Análise do Comportamento?
É “pesquisa experimental”, “pesquisa em laboratório”, “pesquisa de campo”, “pesquisa aplicada”, “aplicação
da pesquisa básica”, “análise aplicada do comportamento”, “intervenção em análise do comportamento”?
As visíveis variações terminológicas entre essas expressões e a provável ausência de clareza a respeito
APRESENTAÇÃO
30 de seus significados precisos atrapalham muito o entendimento a respeito do que é essencial ou nuclear
na conceituação de cada uma dessas expressões e seu uso diferencial para referir-se a evento específicos
relacionados à variedade de trabalhos realizados pelos profissionais. Os termos e as expressões são utilizados
em função da familiaridade com que cada um as considera pela própria história de contingências a que
está exposto, sem uma avaliação pública ou coletiva do que, específica e precisamente, está convencionado
como básico na avaliação conceitual de cada termo comumente empregado. A tradição, a cópia, a repetição,
a adesão ao conhecido, familiar ou socialmente aceito, acolhido ou “tolerado” podem ser armadilhas a
construir lenta e sutilmente uma utilização de terminologia cuja “função” pode ser a de fugir ou evitar
crítica, discordância, avaliação ou questionamentos, indicando um processo de “mimetismo conceitual”
no qual o comportamento (uso dos conceitos com um outro significado ou referência) está sendo mantido
pelo evitamento ou pela fuga dessas possíveis consequências sociais. Alguns podem até considerar que
esse comentário - e as exigências a ele relacionadas - possam ser apenas “preciosismo linguístico ou
conceitual”. Precisaria esclarecer então o que, exatamente quer dizer “preciosismo” além de ser uma
designação desta crítica que leva a minimizá-la e fugir das exigências que ela representa e que, enquanto
não são atendidas ou resolvidas, constituem, para qualquer um uma condição aversiva como qualquer
ausência ou imperfeição de conhecimento com as quais não se consegue lidar com eficácia. As distinções
já foram feitas em variados momentos da história do comportamento em múltiplas contribuições
registradas em uma extensa literatura e parece valer a pena retomar seu exame para não cair na tentação
de “inventar” um significado para os termos a partir de uma experiência pessoal ou circunscrita sem
uma historicidade relevante e crítica como uma avaliação do desenvolvimento dos conceitos. Uma
avaliação apoiada nas múltiplas descobertas feitas pelo conhecimento produzido ao longo de mais de um
século de investigações cuidadosas e controladas, junto com experiências profissionais com as mesmas
características, compondo uma grande quantidade de conhecimento sempre precisando ser avaliado e
sistematizado para, progressivamente, orientar aperfeiçoamentos e atualizados também nas definições
dos conceitos que vai além do nome designativo dos próprios.
O começo do artigo, no que os autores designaram como “introdução” há comentários a respeito do
conceito de “diagnóstico”, com uma apresentação da contribuição considerada a partir do Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais (5a. ed.- 2014) DSM para caracterizar a Depressão (sem examinar
ainda o que pode significar denominá-la como “Depressão Maior”). Considerar como “diagnóstico” de um
problema a identificação de sintomas (ou sinais) e sua inclusão em uma categoria, no caso a depressão,
deixa de considerar o que a Análise Experimental do Comportamento revelou a respeito dos costumes
e informações a respeito do que ficou conhecido (tradicionalmente!) como “doença”, no caso a “doença
mental”. Mesmo quantificando alguns sintomas (humor deprimido a maior parte do dia, todos os dias, por
pelo menos duas semanas) a informação é superficial do ponto de vista do que acontece na interação entre
atividades de um organismo, seus ambientes existente e decorrente quando ele apresenta atividades com tais
características, incluindo as mudanças no sistema fisiológico desse organismo. A enumeração (no manual
citado) de “dificuldades” (do organismo) ainda inclui que pode haver “outras características e ansiedade”
e excluem o luto, esse último como se essas atividades fossem “normais” com a ocorrência do falecimento
de alguém próximo ao organismo. Esse conceito de “diagnóstico” é anterior e está de acordo com o que
foi considerado “modelo médico tradicional”, anterior aos avanços criados pela Medicina Coletiva, pela
Medicina Social, pela Epidemiologia e, principalmente, pela Saúde Pública.
Nessa tradição do modelo médico, feita a inclusão em uma categoria, os sinais e sintomas devem
ser “tratados” também de acordo com alguma convenção, “protocolo” ou técnica (e até equipamentos) já
conhecidos e definidos como “tratamentos” ou “meios” para sua realização. A mistura entre acontecimentos
relevantes para orientar um comportamento e convenções e regras burocráticas, legais ou administrativas
de uma corporação ou Estado fica escamoteada e impede uma discriminação que o conhecimento,
particularmente o produzido pela Análise Experimental do Comportamento, já viabilizou para o
comportamento profissional desenvolver-se. “Caracterizar um problema-alvo de intervenção” pode ser um
APRESENTAÇÃO
31 nome mais adequado do que “diagnosticar” (pelo menos nos limites da definição acima examinada) e isso já
é algo avaliado pela literatura da área de conhecimento relacionada com o comportamento operante. Resta,
porém, especificar melhor o que pode significar os termos “problema” e “caracterizar” como aspectos do
ambiente de um profissional (o problema?) e seu procedimento inicial de trabalho (caracterizar?) com esses
aspectos do ambiente reunidos sob tal designação.
O termo “terapêutica” (também da tradição médica?) reduzido ao uso de técnicas (ou remédios),
aumenta a dependência do comportamento profissional a padronizações (regras mais ou menos minuciosas)
de sua conduta quando não fica reduzido a prescrição de medicamentos ou equipamentos. Procedimentos
de observação, avaliação, delimitação das variáveis envolvidas e de suas possíveis ou prováveis variáveis
determinantes ficam escamoteados em função das convenções que, pelo bem jurídico dos profissionais
e pela fidelidade aos “protocolos” (as técnicas convencionadas), criam ambientes sociais (considerados
“técnicos” como critérios ou como referenciais) artificiais e protetores do profissional em substituição ao que
seria mais relevante observar como processos de interação entre as múltiplas nuances das atividades de um
organismo e os vários aspectos dos ambientes (antecedente e subsequente) em que tais atividades (incluindo
as fisiológicas) ocorrem. Mesmo variáveis distantes no tempo, mas que foram ambientes anteriores quando
o organismo atuou, também contam como possíveis determinantes de um processo de desenvolvimento
(aprendizagem) de processos de interação das atividades do organismo com seu ambiente atual.
Como fica tudo isso, diante das tradições de concepção e tratamento do que ficou designado como
“depressão”? Que relações são ou precisam ser feitas entre depressão, punição, extinção ou supressão
de comportamentos? E os estudos a respeito de ambientes aversivos (seja qual for a dimensão deles que
possa ser aversiva) e suas decorrências a respeito do comportamento de um organismo? Como considerar
os estudos e conhecimentos a respeito de “desamparo aprendido” na indicação de mais circunstâncias
(contingências) que se relacionam com o que é tradicionalmente conhecido como depressão? Como fica
a noção de gradiente para o exame e classificação de comportamentos como “depressivos”? Um desânimo
quando acontece algo inesperado ou quando fazemos algo que “não dá certo” não pode ser considerado
“um grau de depressão”? A prevenção desses comportamentos depressivos não exige esse exame para poder
antecipar controle de variáveis antes que eles ocorram em um grau avançado e de difícil reversão? O termo
“depressão” é algo diferente de “comportamento depressivo” ou de “deprimir-se”? Qual maneira de nomear
(por meio de um substantivo, de uma expressão adjetivada ou de um verbo) é mais adequada para designar
esse fenômeno e orientar o trabalho a realizar em relação a ele?
As perguntas podem continuar e, mesmo com o exame das contribuições da Epidemiologia, da Medicina
Coletiva ou Social e da Saúde Pública, ainda falta muito para encontrar a conexão com as contribuições
da Análise Experimental do Comportamento, incluindo as intervenções sob essa designação ou sob a
orientação do conhecimento a que ela se refere. Correlações estatísticas, prevalência da depressão em uma
população ou sua incidência, não mudam os problemas que as perguntas acima indicam como exigências a
examinar. Continuar utilizando a expressão “doença mental” e dizer que a Epidemiologia considera aspectos
psicológicos e culturais, além de biológicos, genéticos, físicos e econômicos não diminui a importância de
elucidar os processos comportamentais que constituem o processo designado por “depressão”. Continua
a necessidade de elucidar como, quanto, com que graus e com que variáveis específicas ocorrem os vários
aspectos indicados por tais nomes para os aspectos considerados. São classes amplas e sua ocorrência são
designados por termos com referenciais de microscopias variadas. Qual a que corresponde às contribuições
que a Análise do Comportamento tornou possível no âmbito do que foi ou é considerado “psicológico”? Os
aspectos considerados “culturais” ou “sociais” não excluem atividades e aspectos ambientais relacionados
ou constituintes dos processos comportamentais e nem devem ser considerados apenas como “tipos de
determinantes” ou de “decorrências” do comportamento. Talvez eles sejam apenas tipos ou aspectos das
atividades ou dos ambientes em que um organismo atua. E, novamente, isso exige uma minuciosa análise dos
comportamentos e a verificação se os constituintes encontrados com essa análise podem ser considerados
como partes dos processos comportamentais de interesse para o trabalho. As demais etapas de um trabalho
APRESENTAÇÃO
32 com depressão parecem depender fortemente desses entendimentos ou problemas de entendimento do que
está acontecendo quando é usado o termo “depressão” para falar de alguma coisa que está acontecendo com
algum organismo.
No âmbito da Farmacologia, a expressão “depressão se deve a deficiência em monoaminas, atrofia
neuronal e estresse” exige, também, um exame dos processos comportamentais relacionados à produção ou
perda de monoaminas e lesões neuronais. Como a palavra “estresse”... o que ela abrange ou indica quando
se refere a processos comportamentais? É uma explicação ou “causa” de depressão? É parte dos efeitos de
um processo de comportamento depressivo? É uma condição do organismo exposto a condições aversivas
inevitáveis durante algum (ou muito) tempo? E se a condição aversiva for generalizada e intensa e ocorrer
desde cedo na vida de um organismo ele terá depressão ou ficará autista? Ou não há relação nenhuma entre
esses acontecimentos? A farmacologia, verifica e estuda como ocorrem os processos no organismo quando
ele está exposto a uma condição que provoca depressão ou quando ele já está “deprimido” e, até, quando
ele sai de um processo de depressão. Mas, mesmo com tudo isso, ainda não parece explicar ou caracterizar
as relações entre comportamento e depressão. Isso não significa que o conhecimento de diferentes áreas
não tenha valor ou que não seja necessário para entender os processos comportamentais envolvidos na
depressão e para intervir neles.
As técnicas utilizadas, seja de que “onda” forem, não são análise do comportamento depressivo ou do
que poderia ser chamado de “depressão”. São, antes, alguns procedimentos delimitados como sendo uma
ou outra técnica e, padronizados, podem ser utilizados até como “remédios prontos” para oferecer quando
alguém é “diagnosticado” com depressão. Cada técnica, porém, foi caracterizada em circunstâncias definidas
e delimitadas, nem sempre coerentes com o conhecimento em análise experimental do comportamento
e, com o risco de serem apenas parciais no entendimento e possibilidade de intervenção com o que é
considerado “comportamento problema”. Mesmo que se diga que uma técnica possibilita “flexibilidade
psicológica” como alvo de uma terapia comportamental, a expressão é muito genérica para considerar
como sendo o comportamento-alvo (ou objetivo) de uma intervenção com o comportamento problema
que precisa ser superado. Mesmo definindo “flexibilidade psicológica” como ampliar repertório sensível às
circunstâncias a despeito do seguimento de regras ou como exposição a ambientes variados de acordo com
valores e objetivos pessoais e relevantes”, há uma generalidade que ignora o que é exatamente que acontece
quando alguém é considerado “em depressão”: como isso acontece e de que forma pode haver uma mudança
nas condições em que o organismo está, de forma progressiva e na direção de uma possível maneira de lidar
com o ambiente que possa receber a designação de “flexibilidade psicológica”?
O trabalho apresentado é, de qualquer maneira, uma apresentação panorâmica de vários aspectos
relacionados ao conhecimento da Medicina, da Epidemiologia e da Farmacologia em relação aos processos
que ocorrem quando alguém está em depressão. Ainda fica em aberto como cada um desses aspectos se
relaciona com cada aspectos constituintes dos processos comportamentais que são considerados como sinais
e sintomas de uma depressão. Também não fica claro se eles são algo além ou diferente de tais processos ou
se são partes integrantes desses processos ou, mesmo, decorrências ou alterações no organismo que ocorrem
em função de ele defrontar-se de determinadas maneiras (e quais seriam elas?) com também determinados
aspectos de seu ambiente (e quais seriam eles também?), incluindo as decorrências de seus comportamentos.
Fica o debate com as contribuições, sem dúvida relevantes, apresentadas neste trabalho.
O nono texto (Capítulo 9) deste livro examina terapias contextuais, sob o título “Coragem...amor... ‘E
uma vida que vale a pena ser vivida’: a prática das terapias contextuais”. Nele, está em exame o que ficou
conhecido como “Terapias de terceira geração” (um nome já extensamente examinado até por sua analogia
- genérica e imprecisa - com equipamentos eletrônicos). Psicoterapia analítico-funcional (FAP), Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT) e Terapia Dialético Comportamental (DBT), com suas siglas derivadas no
nome em inglês, são as três “modalidades ou técnicas” de terapia examinadas como sendo recursos para a
realização de terapias com o comportamento. Dizer que “tais abordagens terapêuticas dão ênfase ao contexto
e à função do comportamento, ressaltando, dessa maneira, o pragmatismo como critério de verdade” é uma
APRESENTAÇÃO
33 frase que parece estar solta como anúncio do que será examinado. Há alguma terapia com o comportamento
que possa deixar de dar atenção (e ênfase) ao contexto e à função do comportamento (ou das atividades
do organismo)? E o critério de verdade ser o que é pragmático? Como entender isso como proposição que
parece ignorar o que foi, desde a gênese, a orientação de terapeutas comportamentais? A própria exigência
de “evidências empíricas” para o trabalho de psicoterapia, que aparece também como “modalidade (ou
exigência?) recente” para as terapias comportamentais parece simplesmente uma desconsideração da gênese
e da história do conhecimento do comportamento. Por definição, o próprio objeto da terapia, no caso do
comportamento, é um sistema de relações funcionais que constituem o que é considerado tal processso. A
tradicional expressão “tríplice contingência” (ou, traduzindo, três circunstâncias) que, em relação, constitui
um sistema de relações funcionais já põe exigências de observação e verificação até para identificar qual
o comportamento vai ser alvo de um trabalho terapêutico e qual será o objetivo de tal trabalho. Porém,
não basta fazer isso. A história de contingências (ou circunstâncias) que foram responsáveis pelas funções
identificadas nas relações entre os aspectos do ambiente, as classes de atividades do organismo e as
propriedades do ambiente subsequente e decorrente dessas atividades, também é um aspecto constante
como parte da busca de entendimento (baseado em evidências) do que pode ter levado alguém ao atual
sistema de interação de suas ações ou atividades com seu ambiente, mantendo-o quase como se fosse um
prisioneiro dessas relações. Relações que, geralmente, são fortes o suficiente para alguém precisar de auxílio
para reconstruir tais relações corrigindo-as na direção de comportamentos de valor para sua vida.
As modalidades de terapia apresentadas parecem ser mais uma adaptação dos terapeutas a
modalidades conhecidas de terapia em outras modalidades de contribuição da psicologia do que derivadas
de um conhecimento sólido e profundo das descobertas e contribuições típicas da Análise Experimental do
Comportamento. O que são exatamente essas contribuições e quanto de seu entendimento é desenvolvido
entre os profissionais que trabalham com o comportamento é outro problema. O que exatamente caracteriza
os processos comportamentais envolvidos no uso das técnicas ou modalidades de terapia? No que essas
caracterizações diferem de um exame do que constitui o ambiente que está relacionado com uma atividade de
um organismo, das propriedades e características dessas relações, e da avaliação e interpretação (verificada)
das funcionalidades existentes nessas relações?
Tais técnicas são, como procedimentos convencionados ou operacionalizados, modalidades de auxílio
para facilitar a realização de processos terapêuticos. Mas qualquer terapeuta precisará aprender a observar
(tanto direta quanto indiretamente por meio de depoimentos, indícios e produtos ou documentos que
registraram ocorrências de comportamentos e situações), organizar as observações a respeito dos três
aspectos constituintes de qualquer unidade comportamental, interpretá-las comparando o que observa
com o que é conhecido e estudado a respeito da vida humana em circunstância, principalmente dos
aspectos funcionais dessas circunstâncias para a ocorrência e desenvolvimento do comportamento e, como
decorrência, intervir com uma clara orientação a respeito de que comportamentos desenvolver e como isso
pode ser feito com o máximo de respeito às características de aprendizagem de seu paciente (o que implica
em uma investigação da história de desenvolvimento dele). Isso vale para qualquer terapia. As técnicas
em exame não são “modelos” para a clínica. São técnicas e procedimentos específicos que podem facilitar
alguém identificar as possíveis dificuldades e lidar com o desenvolvimento dos comportamentos. Mas não
dispensam o entendimento de como se faz para decompor comportamentos complexos em intermediários
ou em classes envolvidas na sua consecução e aprendizagem, a sequenciar as aprendizagens intermediárias
necessárias para a superação dos comportamentos (relações funcionais de suas atividades com aspectos
de seus ambientes antecedente e subsequente e suas decorrências), os processos de desenvolvimento de
comportamentos, de enfraquecimento de comportamentos e com as implicações, inclusive fisiológicas, de
custos e de dificuldades para o próprio organismo.
Sem dúvida se, pelo repertório do paciente, for necessário haver uma dessensibilização ou relaxamento
em relação a qualquer coisa (até ao próprio terapeuta ou a seus procedimentos), isso precisará ser feito.
O cuidado, porém, é não confundir “pacotes técnicos” ou “pacotes de técnicas” com o que é um processo
APRESENTAÇÃO
34 terapêutico do comportamento. Por mais ferramentas que as técnicas representem elas são apoios ou
instrumentos para usar com um repertório básico ou fundamental muito extenso e complexo que não está
sistematicamente disponível nas escolas de formação dos psicólogos. Tal condição precisa ser considerada no
exame e no estudo de técnicas ou de novidades como tecnologia para o desenvolvimento de comportamentos.
Conceitos de outras contribuições do conhecimento em Psicologia ou de outras áreas de conhecimento
precisam de um adequado exame e avaliação conceitual da terminologia que está sendo utilizada no discurso
registrado nos livros, manuais e artigos a respeito do comportamento. Aliás, não está sendo ensinado como
se faz análise e avaliação conceitual nas escolas ou nos cursos de análise experimental do comportamento,
agravando os problemas com a disseminação de informações nem sempre suficientemente escoradas em
precisão conceitual. Empréstimos de termos podem ser enganosos e envolver as pessoas com aspectos
secundários dos conceitos ou com equívocos no entendimento dos mesmos por diferentes autores em
diferentes épocas. A própria historicidade do conhecimento científico em cada área relativiza e destaca
aspectos que são irrelevantes ou muito importantes para o desenvolvimento do conhecimento em qualquer
área e das decorrentes tecnologias para trabalho e intervenção em diferentes campos de atuação. Isso precisa
estar presente em artigos que divulgam técnicas de trabalho ou há o risco de haver um mero envolvimento
com discursos confusos, imprecisos, cheios de metáforas e analogias conceituais e que pode aproximar o
trabalho profissional de uma grande quantidade de “truques de autoajuda” para terapeutas. Para os que
tiveram poucas oportunidades de formação, para inexperientes ou para noviços no trabalho, as técnicas são
uma ajuda e possibilitam até uma facilitação, mas são, com perdão da metáfora, aparelhos ortopédicos a
serem descartados tão logo alguém consiga ter um conhecimento claro a respeito do que é o trabalho com o
comportamento de acordo com os conhecimentos mais significativos e profundos da área. O que exige muito
mais tempo do que cursos rápidos ou breves, leituras dispersas e, muitas vezes rápidas e superficiais de texto
com terminologia imprecisa e analógica com as de outras áreas ou campos de trabalho. O discernimento
disso é, como em qualquer outra leitura, o desafio também para as contribuições deste capítulo.
O décimo trabalho que compõe este livro diz respeito a “Reflexões sobre os valores norteadores de
planejamento cultural à luz de teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais”. Os autores, de
início, já destacam que um debate recorrente no âmbito do planejamento cultural refere-se à definição dos
valores que orientarão esse planejamento, uma vez que é preciso decidir que ‘tipo de cultura’ será planejada,
quais práticas culturais serão produzidas. As sinalizações nos textos dos autores se relacionam com um
exame de Melo e Castro (2015), apresentado no final do primeiro parágrafo: “ao longo da obra de Skinner
é possível identificar diversos valores que o autor aponta como aqueles que devem nortear o planejamento
de práticas culturais, como, por exemplo, felicidade, cooperação, etc.”. A consideração de Dittrich (2010),
apresentada, em relação a que “a prescrição de valores que nortearão uma intervenção cultural é feita a partir
de uma linguagem normativa, a fim de apontar quais valores serão assumidos” (os grifos são nossos) está de
acordo com o que os autores afirmam, em seguida a respeito de que vários estudos buscam identificar na
obra skineriana o valor principal prescrito por Skinner. Mais adiante (4°. Parágrafo), citando Dittrich (2008),
a sobrevivência das culturas, mesmo conjugada com outros valores, figura na obra de Skinner como um valor
fundamental: um objetivo que deve ser promovido em detrimento de qualquer outro.
No capítulo, os autores vão examinar esses referenciais e avaliar as implicações para o planejamento
cultural. Vale destacar, quanto a essas considerações iniciais, uma pergunta de orientação no estudo do
texto e debate com os autores desse capítulo: Skinner prescreve ou propõe a sobrevivência da cultura como
objetivo a ser previsto como orientação do planejamento de condições para ocorrência de comportamentos
de uma coletividade? Ou isso é a avaliação que ele faz do que tem sido a circunstância determinante dos
controles sociais existentes para o comportamento de coletividades nas variadas “culturas” existentes?
O valor de sobrevivência do indivíduo também é uma circunstância fundamental na orientação de seus
comportamentos, mas ela não é necessariamente o referencial utilizado para todos os comportamentos de
alguém que pode até colocar isso em segundo plano em determinadas circunstâncias. De forma semelhante,
o que tem feito com que as culturas permaneçam e se multipliquem é o referencial de que as pessoas
APRESENTAÇÃO
35 defendem e sacralizam tudo o que será importante para manter as condições e os processos que lhe são
caros ou comuns no coletivo. Se não fosse assim, as culturas durariam pouco tempo. Talvez seja necessário
um exame cuidadoso para verificar se não é o caso de distinguir o que efetivamente é afirmado por Skinner.
Identificar os processos culturais e especificar como ocorrem não é equivalente a propor ou prescrever as
características desses processos ou as circunstâncias que os mantêm como objetivos, critérios, referenciais
ou valores para planejar uma cultura. Se tal distinção for adequada, tal exame mais cuidadoso pode ajudar
a aprofundar o que Fernandes (2015, p.121), citado pelos autores, alerta: “é fundamental que notemos as
limitações de sua prescrição ética da sobrevivência das culturas”. Nos exames de Skinner de como se dá a
seleção cultural, a sobrevivência de uma cultura é um valor, uma referência ou um dado a respeito de como
ocorre tal tipo de seleção? Os autores desse capítulo examinarão isso ao longo do texto, contribuindo para
aumentar a perceptibilidade em relação a essas questões. De qualquer forma, examinar o nível de seleção
cultural (como o exame dos níveis genéticos e ontológicos), destacando a similaridade dos processos de
sobrevivência das espécies, dos indivíduos e das culturas, acarreta problemas para o exame a ser realizado
na “definição de valores” para o planejamento cultural, como também ocorre nos processos de planejamento
genético ou no de comportamentos de indivíduo nos trabalhos de ensino, de treinamento de atletas ou de
terapias de vários tipos.
Critérios, evidências ou referenciais para entender os processos de seleção cultural, não é o mesmo
que “valores” a defender como orientação para o planejamento de um processo cultural. Como não o é
para qualquer direção que se dê para um trabalho com planejamento do comportamento de alguém (aluno,
paciente, cliente...seja indivíduo, seja instituição, seja comunidade).
Vale a pena destacar que talvez o debate possa realçar outro referencial que é resultante da obra
de Skinner, talvez não claramente “indicado” (prescrito, proposto, verbalizado...), mas decorrente das
descobertas que fez e do que defendeu em vários momentos como contribuição importante de sua obra: a
identificação do equilíbrio das relações de poder como um referencial importante para orientar qualquer
programação de condições para o desenvolvimento de comportamentos. Por exemplo, as leis, em uma
democracia, têm o papel fundamental de ser um contrato coletivo que garante que ninguém abusará ou
exercerá poder abusivo ou desequilibrado sobre outra pessoa ou organismo. Os órgãos de justiça deveriam
cuidar de que esses contratos (as leis, a constituição) sejam respeitados. Os órgãos legislativos produzir leis
cujo papel fundamental seja delimitar o que é importante para garantir o equilíbrio dessas relações de poder
na sociedade. O poder executivo dever administrar os recursos importantes para todos de acordo com
essa legislação. O equilíbrio, nesse caso, não é algo fixo ou pré-definido e implica em avaliação constante,
até por ser instável e precisar ser administrado continuamente. O que traz implicações importantes para
o que é denominado por “planejamento cultural” ou, pela base, “planejamento comportamental”. Álvaro
Duran e Jefferson Machado Pinto, na década de 1970, fizeram um exame (não publicado e que os autores
consideraram um “exame precário”) de como o conceito de comportamento possibilitaria identificar
microscopicamente as relações de poder em relações individuais, nas quais quem controla as condições em
que alguém atua, controla o comportamento de outro tanto quanto quem controla as consequências para a
atuação desse alguém. Quanto a pessoa “controlada” tem de poder para participar desse controle dará uma
percepção melhor de como a “liberdade” pode ser considerada como as condições de equilíbrio coletivo das
relações de poder sempre presentes em qualquer interação comportamental. O conceito de comportamento
operante e de contingências de reforçamento ainda precariamente conhecidos no país, até nos meios
profissionais da psicologia, foram e parecem continuar sendo contribuições poderosas para ter ou construir
o “equilíbrio das relações de poder” em graus aceitáveis para a convivência em um coletivo de qualquer
amplitude. Talvez por isso também, o poder concedido aos cargos em uma instituição ou comunidade
precisa ser regulado e constantemente avaliado. Além de ser corrigido se promover desequilíbrio além de
limites que comprometam o equilíbrio das relações entre os comportamentos das pessoas.
Sacralizar a sobrevivência como referencial talvez seja uma distorção nas contribuições de Skinner para
o planejamento cultural. O que precisa ser avaliado, como o fazem os autores do capítulo. As religiões fazem
APRESENTAÇÃO
36 distorções nesse equilíbrio. As seitas e as facções o fazem de maneira ainda mais absoluta e prepotente,
garantindo a sobrevivência da religião, da seita ou da facção. Se o referencial maior for o equilíbrio das
relações de poder, talvez a sobrevivência de uma cultura seja decorrência de quanto esse equilíbrio é mantido.
Ela é consequência e não o referencial para o planejamento das condições que viabilizarão uma cultura em
que as relações de poder sejam equilibradas e sua sobrevivência seja algo construído pela própria dinâmica
das relações comportamentais que constituirão “a cultura”. Talvez a sobrevivência, nesse caso possa ser uma
das consequências que faça com que a cultura se mantenha mais tempo. A solidariedade é algo que também
é definida por equilíbrio nas condições de poder entre pessoas. O desequilíbrio nas condições sociais é uma
das evidências de que há desequilíbrio nas relações que as pessoas estabelecem entre suas atividades e as
condições dos ambientes em que são realizadas, junto com os resultados dessas ações.
Os governos, os legisladores e os administradores lidam com os processos comportamentais existentes
em uma comunidade (cultura?) e que são por ela mantidos, chame-se isso de “práticas”, “práticas sociais”,
“práticas culturais”, “habilidades sociais”, “habilidades culturais”, “costumes” com graus variados de
frequência ou estabilidade de ocorrência em qualquer agrupamento de indivíduos. O que está no centro e
na base de tudo isso são relações entre as atividades das pessoas, as condições que as facilitam, dificultam,
induzem, provocam, impedem ou forçam e as decorrências e consequências que servirão como orientação
para a repetição dessas atividades de alguma forma. As circunstâncias que configurarão essas relações
precisam ser vistas com clareza e construídas com cuidado e precisão o suficiente para que as combinações e
interrelações entre os comportamentos dos indivíduos garantam que ninguém exercerá um poder que possa
prejudicar outros organismos. Mesmo que faça isso indiretamente, controlando aspectos das condições
gerais importantes para todos poderem viver de uma forma que seja compatível com o critério de que as
relações de poder sejam as mais equilibradas possível. Um equilíbrio, talvez esse sim um critério, em função
da manutenção da vida e das condições para que ela seja o melhor possível para todos e, talvez, seja esse
seja o critério para o planejamento do que deverá “sobreviver” pelos esforços não mais de circunstâncias
fortuitas, mas que pode ser feita por meio de um bem fundamentado e cuidadoso planejamento.
Aproveitem as contribuições e as controvérsias que os autores proporcionam com suas “reflexões” em
torno de um possível critério norteador para o planejamento de uma cultura.
O último trabalho (Capítulo 11) que constitui este livro diz respeito à proposição da missão de uma
organização, destacando e examinando contribuições de uma análise de sistemas comportamentais para
caracterizar organizações. A própria exigência de exame, esclarecimentos e debate já está presente na
variedade de termos, na aparente familiaridade de seus significados e na complexidade dos processos que
designam já na formulação do próprio título do trabalho. Tem sido frequente o aparecimento de termos
que, por alguma razão, passam a ser frequentes em textos de natureza acadêmica ou profissional no âmbito
da Psicologia: sistema, organização, análise, missão, visão, vocação (das instituições e organizações?),
diagnosticar... A “visão” de uma área do conhecimento, por exemplo, não existe. O termo utilizado é
analógico e refere-se provavelmente às concepções de uma área ou à compreensão que ela provoca nos
que a estudam. A área, em si, não tem uma “visão”. A generalidade de termos, com tanta abrangência de
significados, pode simplesmente perder de vista que a precisão e a clareza são uma das exigências para a
linguagem de comunicação de trabalhos científicos ou profissionais, com vistas a orientar outras pessoas em
relação ao que o conhecimento possibilita realizar. O aspecto a considerar é que o conhecimento aparece por
meio de uma linguagem resultante de processos comportamentais relacionados a alguém comunicar o que
está sendo descoberto e que constitui uma contribuição para o desenvolvimento do conhecimento existente.
O entendimento comum a respeito do termo “análise” como sinônimo de exame ou de avaliação, pode
ser um problema. Especialmente no caso de um texto que vai examinar contribuições de uma área conhecida
pela designação de “Análise Experimental do Comportamento”, no qual o termo “análise” tem um sentido
preciso de “identificar os constituintes específicos de algo complexo “ (como é o caso do comportamento).
Se houver descuido com a precisão desse termo, aumentará a probabilidade de discrepâncias de significado
e entendimento e aumentarão os equívocos e confusões semânticas. O que obviamente poderá ser repetido
APRESENTAÇÃO
37 e consolidar distorções conceituais que comprometerão o trabalho científico na sua origem. Esclarecer isso
deve estar nos esforços dos autores do texto tanto quanto no dos leitores, ao examiná-lo, buscando um
entendimento preciso das contribuições nele apresentadas. Pela própria história de desenvolvimento do
que foi entendido como Comportamento Operante (uma complexa interação entre aspectos do ambiente
antecedente, características da atividade de um organismo nesse ambiente e características do ambiente
que se seguem a essa atividade), o termo “análise” significa, à semelhança da Química, uma identificação
dos constituintes dessa interação e das relações existentes entre eles. É imprescindível ter claro que houve,
inclusive, uma superação do conceito de “comportamento” como uma “reação ao ambiente” ou “reação a
um estímulo”. Tal superação já estava no exame feito por Skinner ao conceito de “comportamento reflexo”,
esclarecendo que o reflexo não era a “resposta” do organismo a um “estímulo”, mas a própria interação
entre estímulo e resposta. Isso ficou mais complexo quando Skinner desenvolveu o conceito de “tríplice
circunstância” ou “tríplice contingência” como condição para identificar um comportamento. A dimensão
analítica no trabalho com o comportamento (incluída e descrita na Tabela 1 do Capítulo 11) não pode ser
feita sem a devida demonstração ou verificação empírica (experimentação). Sem tais exigências ela pode
tornar-se mera especulação ou nomeação arbitrária, como acontece em muitos casos de designação de
comportamentos por um verbo acompanhado (nem sempre) de um complemento. Isso pode servir como
denominação de um comportamento, mas não como sua caracterização. As decorrências disso não são
poucas ou de pequena exigência. O texto indica várias delas.
Apesar de nem sempre compreendido em sua historicidade e exigências, o nome da área é correntemente
usado e, nas últimas décadas progressivamente simplificado e utilizado com uma nomenclatura genérica,
perdendo o significado mais preciso e específico que a designação da área contém até como uma caracterização
de seu objeto de trabalho, de seus procedimentos de investigação (análise) e de verificação e demonstração
do que for considerado como seu objeto de estudo e de intervenção, algo complexo constituído por um
sistema de interações entre suas três instâncias de delimitação e configuração. A Tabela 1, apresentada no
Capítulo, mostra uma parte das definições das características do campo de trabalho que foi designado como
Análise Aplicada do Comportamento há cinquenta anos (em 1968) e aperfeiçoada há outros trinta (em
1987). Ainda é possível desenvolver novos aperfeiçoamentos. A Tabela já inclui comentários dos autores
deste capítulo e pode ser estudada pelos leitores com as interpretações que forem pertinentes ao que cada
um puder identificar no que ela registra. O próprio conceito “Aplicada” foi examinado por Ribes Iñesta que
indicou várias perguntas em relação a “o que é que está sendo aplicado?” e “o que exatamente é ‘aplicar’”?
Em ambas as perguntas Ribes Iñesta examina vários problemas para responder. Saliente-se que “aplicar”
também é um termo metafórico. Talvez o conhecimento (ou as informações que o representam) não seja
propriamente “aplicado”, mas transformado em processos comportamentais por meio de comportamentos
ainda mais complexos do que o verbo “aplicar” consegue abranger. Mas, novamente, isso é parte do debate
que os autores parecem também provocar com seu texto.
De forma semelhante, o termo “diagnosticar” que os autores chamam a atenção para sua correspondência
com “caracterizar um problema a ser objeto de intervenção” (indo além da usual concepção de diagnóstico:
identificação de sinais e sintomas, inclusão em uma categoria de patologia e utilização de procedimentos
já estabelecidos para tratamento ou intervenção). O destaque dos autores já anuncia a necessidade de
atenção para examinar essa diferença e suas decorrências, embora não seja objetivo do Capítulo estender
esse exame. O debate do leitor com os autores pode explorar isso. Como em outras anotações em que os
autores destacam aspectos esclarecedores ou controvertidos em relação a expressões usadas no texto. Na
nota 2, por exemplo, ao esclarecer o uso genérico da expressão “análise do comportamento”, os autores
indicam explicitamente um uso que inclui vários graus de abrangência, embora a nota seja insuficiente
para esclarecer o problema que tais distinções representam para o texto que está sendo apresentado como
oitava contribuição neste livro.
A linguagem analógica ou metafórica pode ficar com distorções acentuadas quando usada em contextos
mais complexos para o conhecimento e desenvolvimento de processos comportamentais. Tão mais acentuadas
APRESENTAÇÃO
38 quanto mais familiares e costumeiros os termos forem usados nos seus respectivos contextos de ocorrência.
O que, geralmente, ocorre com alta frequência. A repetição e a ausência de questionamento ou discordância,
implicando em aceitações mesmo que apenas tácitas ou aparentes, fazem com que eles pareçam ainda “mais
naturais” e “verdadeiros” para os interlocutores. Um exemplo presente no texto em exame está no uso do
termo “nível” em muitas circunstâncias: níveis mais estratégicos, nível de análise, nível de desempenho,
níveis da organização, outros níveis de análise, nível do comportamento individual, níveis mais sociais...
Em outros momentos o texto usa expressões diversas sem deixar claro a razão da mudança de terminologia:
dimensão mais estratégica, dimensão organizacional, instâncias da organização... Talvez a palavra nível seja
apenas uma referência à representação da organização em algum hierarcograma indicando a hierarquia de
poder e comando, mas está sendo uma analogia com a representação e não uma nomenclatura para indicar
exatamente a que âmbito ou localização dos processos da empresa está havendo referência. Os leitores
poderão fazer suas observações disso na leitura do texto. De qualquer forma, identificar o que significam os
termos de uma linguagem variada e analógica aumenta o desafio para aproveitar as contribuições do texto.
O desafio que o texto mais apresenta é o de manter uma linguagem precisa e própria no desenvolvimento
de um trabalho com comportamentos em interação e que constituem, nessa interação, o que pode ser
chamado de organização. Pelo menos quando considerados com seus respectivos ambientes que os
cercam na nas suas ocorrências e o que decorre dos mesmos em vários momentos do tempo e em vários
graus de abrangência no espaço. O desafio não é pequeno e parece estar apenas nos primórdios de seu
desenvolvimento. O texto provoca avaliar isso com cuidado especial.
Nestas três dezenas de páginas de apresentação deste livro vocês não encontram uma “apresentação”
no sentido coloquial da palavra. O “apresentador” que lhes escreve procurou manter o que um
congresso busca: ressaltar os múltiplos aspectos que um trabalho contém, principalmente aqueles
que o levam a integrar-se com as demais fontes de conhecimento. Criar interrogações e destacar
aspectos problemáticos em torno do que está sendo relatado é uma forma também de apresentar
um trabalho para um meio científico. Sem dúvida se fosse um evento social qualquer, seria de
‘bom tom” apenas elogiar e destacar as qualidades dos que trabalharam, que, sem dúvidas, são muitas. Mas,
em um evento científico o maior elogio e a maior valorização podem ser as dezenas de horas que foram
dedicadas ao exame dos trabalhos e o desconforto de tanto tempo estudando o que poderia ser destacado.
Acreditem, por favor, que o “apresentador”, só de notas para compor estas páginas, registrou um volume de
páginas quase igual ao que consta no conjunto dos trabalhos apresentados. Ele espera que, apesar de suas
limitações e das ainda grandes limitações desses comentários, tenha indicado o suficiente para provocar a
leitura e o debate dos leitores com os autores, mesmo que não estejam fisicamente presentes. Talvez essa
seja uma das riquezas do que escrevemos: o texto nos faz, para o bem e para o mal, presentes em um lugar
em que não estamos. Tomara que minha presença na leitura de vocês seja algo bom ou produtivo. Pelo
menos para aumentar as interrogações e, talvez, a irritação com os cansativos comentários. Aproveitem mais
este congresso à disposição dos senhores pela dedicação generosa dos coordenadores que organizaram este
volume.
APRESENTAÇÃO
A relação entre habilidades sociais e análise do
comportamento: história e atualidades 1 1
Almir Del Prette
Universidade Federal de São Carlos
Zilda A. P. Del Prette
Universidade Federal de São Carlos
1 Endereço para O objetivo deste capítulo é apresentar informações sobre a história e o desenvolvimento do campo
correspondência:
zdprette@ufscar.br teórico-prático e de pesquisa das habilidades sociais em sua relação com a Análise do Comportamento
2 O termo Análise (AC)2. Com base na análise de vários textos teóricos e empíricos produzidos especialmente a partir da
do Comportamento
engloba, neste texto, as
década de 1970, é enfatizado que essa relação ocorreu em mão dupla: de um lado, a contribuição da
expressões correntes AC na constituição do campo teórico prático das habilidades sociais, incluindo a adoção de técnicas
como, por exemplo,
“análise experimental comportamentais no Treinamento de Habilidades Sociais; de outro, a contribuição do movimento do
do comportamento”, Treinamento de Habilidades Sociais ao desenvolvimento inicial da Análise Comportamental Aplicada, em
“análise funcional do
comportamento” e particular, da Terapia Comportamental. Nesse sentido, descreve-se a fase inicial da constituição do campo
outras designações das habilidades sociais, com ênfase na aplicação do THS sob a perspectiva da AC, esclarecendo a relação
assemelhadas desde
que derivadas dos entre os movimentos das habilidades sociais e do treinamento assertivo, seguido de questões relacionadas a
princípios operantes
formulados por Skinner
seu estatuto atual e trajetória de inserção na Psicologia em nosso país.
e pesquisadores
associados (Catania,
1968/1975; Skinner, História passada
1953/1967; 1957/1978; O campo teórico-prático e de pesquisa das habilidades sociais teve seu início na Inglaterra, próximo dos
1974/2006;).
anos de 1970, na Universidade de Oxford, com Michael Argyle (Argyle, 1967/1978, 1969) e pesquisadores
associados (Argyle & Kendon, 1967; Argyle, Bryant & Trower, 1974). O interesse de Argyle pelas interações
sociais é anterior, desde a década de 1960, quando utilizou, pela primeira vez, os conceitos do campo das
habilidades sociais, ainda em formação. Entretanto, conforme Kelly (2002, p. 175), com frequência os termos
treinamento de habilidades sociais e treinamento assertivo foram utilizados como equivalentes. Com o
objetivo de dirimir qualquer dúvida sobre isso, pode-se afirmar que esses movimentos são independentes
e, segundo Hargie, Saunders e Dickson (1981/1994), os termos habilidades sociais e treinamento de
habilidades sociais foram adotados antes que os conceitos de assertividade e treinamento assertivo tivessem
sido completamente definidos.
Mesmo considerando a concomitância temporal, os movimentos das habilidades sociais e do
treinamento assertivo se iniciaram independentes quanto aos países, respectivamente Inglaterra e Estados
Unidos e, também, em relação aos seus objetos. O Treinamento Assertivo (TA) se referia, e ainda se
refere, exclusivamente a classes e subclasses de comportamentos assertivos que se opõem, por um lado, a
comportamentos indicativos de passividade e, por outro, de agressividade (Lange & Jakubowski, 1976; Wolpe,
1976; Wolpe & Lazarus, 1966). Do campo das habilidades sociais derivou-se o Treinamento de Habilidades
Sociais (THS), cuja abrangência incluía, inicialmente, classes de habilidades sociais amplas como, por
exemplo, dar aulas (Argyle, 1967/1978) e coordenar grupo (Hargie, Saunders e Dickson 1981/1994), bem
como subclasses relacionadas à civilidade (cumprimentar, apresentar-se, agradecer etc.), comunicação em
geral (fazer e responder perguntas, gratificar, manter conversação etc.), expressão de sentimentos positivos,
além das assertivas (fazer e recusar pedidos, lidar com críticas, discordar etc.).
40 O TA continua sendo utilizado, como terapia principal ou como coadjuvante de outras intervenções,
quando a avaliação diagnóstica aponta para déficits específicos em habilidades assertivas. No caso de
dificuldades em assertividade, associadas a outras classes de habilidades sociais, a opção preferencial tem
sido para o emprego do THS (Bornstein, Bellack & Hersen, 1977), inclusive na educação infantil (ver
Dowd & Tierney, 2005). O TA, desenvolvido inicialmente por Wolpe (1976) sob a perspectiva da AC foi,
3 O primeiro livro
de Robert E. Alberti e
posteriormente, mesclado com outras abordagens (ver Alberti & Emmons, 1970; Lazarus, 1980).
Michael L. Emmons A partir da década de 1970, o THS ganhou evidência, nos Estados Unidos e Canadá, aplicado ao
(1970) foi publicado
no Brasil em 1978, processo de ressocialização de pacientes psiquiátricos para a vida em comunidade, principalmente na
com base na primeira esteira do movimento contrário aos manicômios tal como eram então estruturados (ver Bellack, & Hersen,
edição americana. Uma
segunda publicação veio 1978; Bellack, Hersen, & Turner 1976; Goldsmith, & McFall, 1975; Hersen, & Bellack, 1976; Liberman,
a público, com título Nuechterlein, & Wallace, 1982). Na sequência, e em parte concomitantemente, o THS passou a ser utilizado
modificado (Como se
tornar mais confiante como estratégia principal ou coadjuvante no atendimento a pessoas com outros problemas “psiquiátricos
e assertivo), baseada
na versão americana
e psicológicos”, como depressão (ver Wells, Hersen, Bellack, & Himmelhoch, 1979), problemas de
de 2008, já bastante comportamento, no caso de crianças (ver Bornstein, Bellack, & Hersen, 1977; Gresham, 1997) e, ainda ao
ampliada. O título
do original é Your treinamento de profissionais, por exemplo, de saúde (Durlak & Mannarino, 1977).
perfect right: A guide to
Assertive Living.
4 Como exemplo de
História atual
difusão da abordagem A partir dos anos de 1980, as publicações sobre o THS continuaram aumentando, sendo que alguns
teórico-prático do
campo das habilidades relatos de intervenções incluíam também habilidades assertivas (ver Hops, 1983). Esse período é marcado
sociais nos Estados por um aumento expressivo nas publicações dos handbooks, com estudos teóricos e relatos de intervenções
Unidos, pode-se
destacar a adoção dos com THS (ver entre outros: Curran & Monti, 1982; Greene & Burleson, 2003; Holin & Trower, 1984; L’ Abate
princípios educacionais & Milan,1985; O’Donohue & Krasner, 1995). Concomitantemente, o aumento na quantidade de livros com
das HS para crianças
e jovens, que ficou propostas de programas de THS para problemas específicos evidenciava a difusão considerável desse campo
conhecida por Boys em diferentes setores de aplicação (serviço social, enfermagem, ensino universitário, educação fundamental
Town Model. Esse
modelo é derivado do etc.), na sociedade americana4. Verifica-se uma vasta literatura, desse período e seguintes, endereçada a
nome de uma instituição
conhecida por “Cidade
pais, educadores e terapeutas sobre o uso do THS em diversos problemas em que os déficits em habilidades
dos Meninos”, voltada sociais estejam presentes.
para a assistência e
programa educacional A expansão e atualização do campo das HS pode ser vista também na inclusão de outras classes
destinados a crianças de de habilidades sociais, tanto na perspectiva teórica como da prática, como empatia (Del Prette & Del
diferentes faixas etárias
(mais detalhes em A. Prette, 2001; Falcone, 2000) e habilidades sociais profissionais (Cournoyer, 2008; Del Prette & Del Prette,
Del Prette & Del Prette, 2003; Lopes, Gerolamo, Del Prette, Musetti, & Del Prette, 2015; Pereira-Guizzo, Del Prette & Del Prette,
2011).
2012). No Brasil, novas classes de habilidades sociais foram também propostas e vêm sendo investigadas,
com destaque para as habilidades sociais educativas (Bolsoni-Silva, 2003; Del Prette & Del Prette, 2001;
Del Prette & Del Prette, 2008; Del Prette & Del Prette, 2009; Vieira-Santos, Del Prette & Del Prette,
2018), parentais (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2011) e conjugais (Del Prette & Del Prette, 2001; Cardoso
& Del Prette, 2017), entre outras. Adicionalmente, vale ressaltar que as habilidades sociais em geral, e
as habilidades sociais específicas, vêm sendo avaliadas por instrumentos padronizados tanto visando
programas de THS como em pesquisas de caracterização e validação nomológica de relação com outras
variáveis. Em Del Prette e Del Prette (2009) pode-se localizar resumos dos principais instrumentos
padronizados produzidos ou adaptados para uso no Brasil.
Ao longo da evolução do campo teórico-prático das habilidades sociais, várias questões foram sendo
enfrentadas e debatidas, tanto em seu aspecto teórico, quanto em relação à aplicabilidade do THS. Como
já referido, o THS pode ser entendido como derivado do campo teórico-prático das habilidades sociais.
Nesse sentido, o termo habilidades sociais pode se referir à base teórica do campo como também às classes
de comportamentos assim designadas. Quando se refere à base teórica (atualmente designada por campo
teórico-prático e de pesquisa), ela inclui vários modelos explicativos para o comportamento social. Entre
esses modelos, desde as primeiras teorizações formuladas por Argyle e colaboradores (ver referências
TABELA 1
Transtornos psicológicos para os quais o THS é indicado como intervenção
principal ou complementar
Como se pode constatar, os problemas e transtornos para os quais o THS é indicado como intervenção
principal são aqueles que apresentam maior comprometimento nas relações interpessoais, associado a
déficits de habilidades sociais e/ou a comportamentos concorrentes. Tais problemas têm sido encaminhados
a diferentes profissionais de saúde e educação, como psicoterapeutas, psiquiatras, psicopedagogos etc.
No caso de intervenção complementar, o THS pode ser utilizado como um recurso importante, algumas
vezes desde o início do processo e outras vezes como uma intervenção que se inicia após algum tempo e
que “se aproveita das melhoras do organismo”, ampliando contatos sociais que fortaleçam as aquisições
comportamentais.
60
Frequência
40
20
0
Até 1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014
Quinquênios
Figura 1
Distribuição dos artigos teóricos, empíricos e de revisão, produzidos sobre Habilidades
Sociais produzidos até 2015, por quinquênio de publicação (Fonte: Del Prette & Del
Prette, 2016).
Conforme se observa na Figura 1, houve uma evolução exponencial das publicações, de pesquisadores
brasileiros, no país e no exterior, com crescimento inclusive dos ensaios conceituais. Parte desses ensaios
destacou a contribuição específica da AC na constituição da área (ver por exemplo, Bolsoni-Silva, 2002;
Bolsoni-Silva & Carrara, 2010; Carrara, Silva, & Verdu, 2006; 2009; Del Prette & Del Prette 2009; 2010). Em
outro ensaio, Del Prette e Del Prette (2009) faz uma análise de relações entre classes de habilidades sociais
e categorias de operantes verbais de Skinner, apontando para uma importante linha de estudos que foi
Esse posicionamento encontra respaldo em autores do campo da AC, que defendem as habilidades
sociais como “bem da cultura”, o que está alinhado com a dimensão ética da Competência Social. Conforme
Carrara, Silva e Verdu (2006; 2009), os programas de habilidades sociais se situam entre as práticas
compatíveis com uma perspectiva ética aplicada ao comportamento social e benéficas à cultura.
Em geral, os estudos de intervenção com THS ocorreram em uma perspectiva da AC, tanto no período
inicial quanto em períodos subsequentes à sua utilização nos Estados Unidos, expandindo-se posteriormente
para outros países da Europa e alguns países da Ásia (Colepicolo, 2015). Pode-se constatar que muitas
intervenções em THS eram publicadas em periódicos de “terapia comportamental” e vários livros e manuais
sobre o desenvolvimento da AC aplicada traziam capítulos sobre o THS (ver, por exemplo, Twentyman &
Zimmering, 1979).
As principais técnicas derivadas da Análise do Comportamento, utilizadas no THS têm sido as
de: reforçamento, instrução, ensaio comportamental, modelação, modelagem, ensaio comportamental
(behavioral rehearsal), troca de papéis (role reversal), desempenho de papéis (role play) e tarefas de casa (ver
Monti, Corriveau, & Curran, 1982). Com a difusão crescente do THS (e também do TA) e a importância de
testar técnicas específicas derivadas dos experimentos de laboratório, muitos estudos enfatizaram a eficácia
de algumas técnicas e fizeram comparações entre elas. Apenas como exemplo, destacamos alguns estudos
enfocando: modelação e ensaio comportamental (Hersen, Kazdin, Bellack, & Turner, 1979); modelação
e role playing (Gutride, Goldstein, & Hunter, 1973), instrução (Zahavi & Asher, 1978), comparação de
procedimentos (Linehan, Goldfried, & Goldfried, 1979) modelação, modelação encoberta, troca de papéis
(role reversal) e tarefas de casa (ver Monti, Corriveau, & Curran, 1982).
Neste estudo defende-se, com base na análise de uma ampla literatura que, na história passada e atual,
há uma bidirecionalidade da relação entre AC e HS, desde a consolidação desse campo, conforme ilustrado
a seguir.
Figura 2
Bidirecionalidade da relação entre HS e AC (Fonte: Os autores).
Assim, de um lado, se constata que os princípios da AC e técnicas dela derivadas, estão na origem
dos programas de TA e THS, o segundo englobando posteriormente as classes de habilidades assertivas.
Por outro lado, as aplicações do THS foram gradativamente se expandindo em áreas da AC aplicada que
impulsionaram o desenvolvimento inicial da Terapia Comportamental e continuam se expandindo para
outros campos de aplicação da Psicologia sob a perspectiva da AC.
Conclusão
O interesse sobre o campo teórico-prático e de pesquisa das HS no Brasil vem aumentando
significativamente, o que levou a considerar esse fenômeno como um movimento social (ver Del Prette &
Del Prette, 2016). O interesse pela AC também é crescente, não apenas nas instituições de ensino superior,
mas também na sociedade de maneira geral. Neste capítulo buscou-se explicitar a relação histórica de mão
dupla entre esses dois campos de conhecimento: o campo teórico-prático e de pesquisa das habilidades
sociais e a Análise do Comportamento. Ainda que alguns estudos tenham focado a relação entre AC e HS
(conforme referidos), eles não contemplaram a história pregressa, a bidirecionalidade e a inserção desses
dois campos de conhecimento no Brasil. Este capítulo tem, portanto, o objetivo principal de sanar essa
lacuna, oferecendo aos interessados uma razoável fonte de informações que sustentam essa ideia de relação
de mão dupla.
Lembrando Argyle, as habilidades sociais parecem ser fáceis de serem apreendidas, porém na verdade
formam um campo complexo e de difícil compreensão. Por analogia o mesmo pode se dizer sobre a AC. O
equívoco é reduzir o campo teórico e de pesquisa das habilidades sociais a uma lista de classes e subclasses
de habilidades interpessoais e a uma técnica de terapia (THS) tipo panaceia. Por analogia, o mesmo pode-
se dizer na Análise do Comportamento e o equívoco seria reduzir esse campo tão vasto, em suas bases
filosóficas, experimentais e aplicadas, principalmente à teoria do reforço, com ênfase em algumas terapias
“não profundas”.
1 Endereço para Neurocognição é um neologismo criado para se referir a processos cognitivos diretamente associados
correspondência
ao funcionamento de uma ou mais áreas do encéfalo e a uma área emergente que investiga tais processos.
João dos Santos Carmo
Rua João Batista de Processos neurocognitivos podem ser investigados a partir da observação do desempenho de um
Arruda, 127, Vila indivíduo em tarefas e testes que mensuram habilidades cognitivas, como memória, atenção, funções
Brasília, São Carlos/SP,
Cep 13566-604 executivas, linguagem, formação de conceito, e processos básicos de aprendizagem, como a discriminação
e a generalização (Lepage, Bodnar, & Bowie, 2014). Apesar de muitos trabalhos já terem sido conduzidos
nessa área, em especial, aqueles referentes às habilidades acadêmicas de leitura, escrita e cálculo, pouco foi
produzido quando se trata de neurocognição numérica em bebês pré-verbais. O presente capítulo discute
o surgimento de padrões de respostas diferenciadas em bebês humanos pré-verbais diante de pequenas
quantidades discretas (descontínuas) manipuláveis. O objetivo é oferecer um panorama acerca de uma
subárea da Neurocognição, chamada de Neurocognição Numérica, apresentando um tópico ainda carente
de estudos experimentais, particularmente no Brasil: neurocognição numérica em bebês que ainda não
adquiriram linguagem produtiva, aqui chamados de bebês pré-verbais. Para tanto, o capítulo tem início com
uma discussão acerca da neurocognição e neurocognição numérica. A finalidade das primeiras seções do
capítulo é oferecer suporte conceitual ao leitor. Por fim, dados de pesquisa sobre tarefas numéricas em bebês
pré-verbais são apresentados.
6
Tempo do olhar (seg.)
Estímulo novo
4
Estímulo familiar
2
0
1 2 3 4
Número de repetições
Figura 1
Desempenho ilustrativo de desabituação em tarefa visual em bebês pré-verbais.
Referências
Agrillo, C., Dadda. M., Serena, G., & Bisazza, A. (2008). Do fish count? Spontaneous discrimination of
quantity in female mosquitofish. Animal Cognition, 11, 495-503. https://doi.org/10.1007/s10071-008-
0140-9
Barbosa, H. H. J. (2007). Sentido de número na infância: uma interconexão dinâmica entre conceitos e
procedimentos. Paidéia, 17(37), 181-194. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000200003
Berger, A., Tzur, G., & Posner, M. I. (2006). Infant brains detect arithmetic errors. Proceedings of the National
Academy of Sciences, 103(33), 12649-12653. https://doi.org/10.1073/pnas.0605350103
Cappelletti, M., Barth, H., Fregni, F., Spelke, E. S., & Pascual-Leone, A. (2007). rTMS over the intraparietal
sulcus disrupts numerosity processing. Experimental Brain Research, 179(4), 631-642. https://doi.
org/10.1007/s00221-006-0820-0
1 Endereço para Muitos estudantes universitários ingressam no ensino superior sem ter desenvolvido comportamentos
correspondência:
Rodovia Celso Garcia relacionados à execução de atividades acadêmico-profissionais ao longo do tempo de maneira eficiente e
Cid, Km 380, s/n - eficaz. O gerenciamento de tempo é caracterizado, de forma geral, como um processo para caracterizar
Campus Universitário,
Londrina - PR, 86057- necessidades e objetivos pessoais ou profissionais; técnicas ou métodos para gerenciar as atividades e recursos
970 E-mail: shimeny. disponíveis ao longo do tempo (Claessens, Van Eerde, Rutte, & Roe, 2007). A partir da perspectiva analítico-
michelato@gmail.com
2 Este texto tem como comportamental, é possível compreender o “gerenciar o tempo” como um processo comportamental
base a dissertação de complexo composto por diversos outros comportamentos pré-requisitos. Assim, é necessário desenvolver
mestrado da primeira
autora, intitulada vários comportamentos a fim de realizar um bom gerenciamento das atividades ao longo do tempo.
“Gerenciamento de Uma das maneiras de caracterizar e analisar sistematicamente os comportamentos constituintes da
tempo: elaboração
de um livro classe geral “gerenciar o tempo” é por meio da tecnologia de ensino da Programação de Condições para
autoinstrucional para
estudantes universitários
o Desenvolvimento de Comportamentos (PCDC). Essa tecnologia é baseada nos pressupostos da Análise
(2018)”. O livro ainda do Comportamento. Os princípios provenientes do estudo do comportamento operante investigados na
será submetido a um
estudo piloto antes de Análise Experimental do Comportamento (AEC) são norteadores dos processos e procedimentos envolvidos
sua publicação. na PCDC: consequenciação imediata, consideração do ritmo individual, exigência de respostas ativas do
aprendiz, exigências pequenas e graduais para maximização do processo de aprendizagem (Kienen, Kubo,
& Botomé, 2013).
A PCDC pode ser considerada um processo composto por ampla classe de comportamentos
complexos: descobrir os comportamento-objetivo, identificar os comportamentos intermediários que
precisariam ser aprendidos para alcançar cada comportamento-objetivo, construir, aplicar, avaliar e
aperfeiçoar o procedimento de ensino e o processo de aprendizagem (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013). Na
presente pesquisa, as etapas de identificação dos comportamentos e elaboração do livro autoinstrucional
para desenvolver comportamentos constituintes da classe geral “gerenciar o tempo” foram desenvolvidas.
Utilizando a PCDC, comportamentos referentes ao gerenciamento de tempo foram sistematizados
no estudo de Kienen, et al. (2017). Foram identificados 626 comportamentos constituintes da classe
geral “Estudar textos em contexto acadêmico”, a partir de artigos e livros referentes ao comportamento
de estudar que tratam de técnicas e procedimentos de estudo, os quais foram distribuídos em 12 classes
gerais de comportamento. Os comportamentos constituintes de cada uma dessas classes gerais foram
organizados em um diagrama de decomposição, conforme seus graus de complexidade, o que possibilitou
visualizar a relação de pré-requisito existente entre esses comportamentos. Dentre essas 12 classes gerais
de comportamentos, uma diz respeito à classe “Gerir o tempo de forma eficaz por meio de planejamento”,
composta por 79 comportamentos pré-requisitos. Esses 79 comportamentos foram distribuídos em cinco
subclasses: “Organizar-se para estudar”, “Planejar o próprio tempo de estudo de acordo com os horários
estabelecidos”, “Realizar as atividades no horário estabelecido”, “Avaliar o controle que possui sobre o tempo
de realização das atividades de estudo” e “Aplicar técnicas que ajudem a aproveitar melhor o tempo”.
67 Esses resultados denotam a amplitude e a complexidade envolvida nessa classe geral de comportamento.
Estudos indicam que é recorrente a dificuldade de estudantes universitários administrarem o grande
número de atividades acadêmicas de acordo com o tempo disponível (Claessens et al., 2007; Leite, Tamayo &
Günther, 2003; MacCann et al., 2012; Pellegrini et al., 2012). Pode-se levantar a hipótese de que a amplitude
e complexidade dessa classe geral “gerir o tempo de forma eficaz por meio de planejamento” pode estar
relacionada à alta frequência com que estudantes universitários apresentam dificuldades para organizar sua
rotina acadêmica.
Dentre as dificuldades mais relatadas pelos universitários, Basso, Graf, Lima, Schmidt, e Bardagi (2013)
destacaram: dificuldades para organizar o tempo e a rotina de estudos; problemas de focalizar a atenção;
dificuldade em se disciplinar; baixo desempenho acadêmico e dificuldade em melhorar tal desempenho;
desequilíbrio entre a vida acadêmica e a vida pessoal. Além desses fatores, pode-se considerar que uma
das principais consequências do mau gerenciamento das atividades de acordo com o tempo disponível é a
procrastinação acadêmica. A recorrência da procrastinação em estudantes universitários, principalmente
nos primeiros anos da graduação, e as consequências de procrastinar são tratadas em diferentes estudos:
procrastinar propicia o acúmulo de tarefas; produz sentimentos de inadequação, culpa e irritação; e está
associada ao mau desempenho acadêmico, estresse e ansiedade. (Enumo & Kerbauy, 1999; Ferrari & Díaz-
Morales, 2007; Glick & Orsillo, 2015; Hamasaki, & Kerbauy 2001; Sampaio & Bariani, 2011).
Desenvolver ou aprimorar comportamentos de “gerenciar o tempo” pode contribuir para lidar com as
diversas dificuldades decorrentes do mau gerenciamento de tempo. No entanto, o desenvolvimento desse
repertório comportamental não deve ser considerado como a única forma de lidar com essas dificuldades.
Uma das dificuldades ao lidar com o “gerenciar o tempo” é o valor social atribuído ao excesso de atividades
de trabalho ou estudo; essa valorização da “superprodução” ou da quantidade de atividades pode prejudicar
o bem-estar físico, social, econômico e emocional dos indivíduos.
Em oposição aos efeitos prejudiciais do mau gerenciamento do tempo, estudos indicam que
comportamentos de gerenciamento de tempo estão positivamente relacionados ao controle percebido de
tempo, satisfação no trabalho e saúde; e negativamente ao estresse, sendo que o treinamento em gestão
de tempo pode melhorar as habilidades de gerenciamento de atividades (Claessens et al., 2007; Oliveira,
Carlotto, Teixeira, & Dias, 2016; Pellegrini et al., 2012). O gerenciamento de tempo também pode ser
considerado uma vantagem competitiva no mercado de trabalho (Claessens et al., 2007). Desse modo,
investir em ferramentas que auxiliem no gerenciamento das atividades de estudantes universitários pode
contribuir para o desenvolvimento dessa classe de comportamentos para o contexto de trabalho no futuro.
No estudo de N1Tecnologia Comportamental (2017), empresa de consultoria na área de Psicologia
Organizacional e do Trabalho, foram identificadas 234 classes de comportamentos de “Gerir comportamentos
em relação ao tempo”. O estudo objetivou elaborar um programa de desenvolvimento da classe de
comportamentos de “Gestão de comportamentos em relação ao tempo”. As fontes de informação utilizadas
para identificar esses comportamentos são de uma revisão bibliográfica e de uma pesquisa realizada por
meio de questionário para identificar e avaliar as variáveis que interferem na realização das atividades
acadêmicas e profissionais.
Tendo em vista a relevância do desenvolvimento de repertório de gerenciamento de tempo e,
considerando as possibilidades decorrentes do uso da PCDC como tecnologia de ensino, este estudo
objetivou elaborar livro autoinstrucional para desenvolver as classes de comportamentos constituintes da
classe geral “gerenciar o tempo” em estudantes universitários. A elaboração do livro autoinstrucional foi
realizada a partir de princípios básicos da PCDC (pequenos passos; resposta ativa; verificação imediata;
ritmo individual; teste de avaliação), apresentados por Botomé (1970). “A ideia básica para orientar uma
programação de ensino é a aprendizagem ser mais eficiente, agradável e permanente quando o estudante
progride em um curso por meio de um grande número de pequenos passos (exigências ou unidades de
aprendizagem) fáceis de realizar.” (Botomé 1970, p.2). Ademais, a opção pelo livro autoinstrucional e não por
outras ferramentas ou estratégias justifica-se pela possibilidade desse tipo de material ser acessível a vários
Método
A elaboração do livro autoinstrucional foi realizada em três etapas que estão sumarizadas na Tabela 1.
Tabela 1
Etapas e procedimentos da elaboração do livro autoinstrucional.
Etapas Procedimentos
3. Confeccionar o livro
3.1 Redigir os capítulos do livro autoinstrucional de acordo com as
autoinstrucional de acordo
condições de ensino planejadas.
com os princípios da PCDC
Equipamentos e materiais
Para a etapa de elaboração do diagrama de decomposição, foi utilizado o software de livre acesso
denominado “Bizagi Modeler”, que permite a notação e modelagem de processos.
Instrumentos
Na Tabela 2 é apresentado um protocolo (Protocolo A) adaptado de Cortegoso e Coser (2011) como
instrumento de registro e organização dos dados de planejamento das condições de ensino para compor o
livro autoinstrucional
Tabela 2
Protocolo A – Planejamento das condições de ensino
Condições Consequências
Respostas
antecedentes de a serem Materiais
Comportamentos- Atividades esperadas
ensino a serem garantidas e recursos
objetivos previstas do
criadas pelo pelo necessários
aprendiz
capacitador capacitador
1.1 Selecionar e adaptar os nomes das classes de comportamentos constituintes da classe geral
“gerenciar o tempo” a partir dos estudos de Kienen et al. (2017) e N1TC (2017)
A partir dos resultados dos estudos de Kienen et al. (2017) e de N1TC (2017) foi formada uma
nova classe geral de comportamentos denominada “gerenciar as atividades acadêmico-profissionais
e pessoais ao longo do tempo”. O critério para selecionar as classes de comportamentos foi que elas
apresentassem aspectos do gerenciamento de tempo do público-alvo deste trabalho, como exemplo, àqueles
relacionados ao planejamento e execução das atividades acadêmicas e profissionais. Foram excluídas as
classes de comportamentos do estudo de Kienen et al. (2017) que estavam relacionadas exclusivamente
aos comportamentos de estudar (e.g. “183- Planejar os estudos em longo, médio e curto prazos” e “192-
Estabelecer um plano de estudo para o ano letivo”). Foram excluídas as classes de comportamentos do
estudo de N1TC (2017) relacionados a conceituar (e.g. “Conceituar o que é recurso material”, “Conceituar
o que são recursos imateriais”), e com ênfase na operacionalização de comportamentos menos complexos
(e.g. “Identificar nível adequado de iluminação”, “Identificar nível adequado de ruído”, “Identificar nível
adequado de temperatura”).
Foram feitas alterações nos nomes das classes de comportamentos de Kienen et al. (2017) e de N1TC
(2017) considerando o objetivo e público-alvo deste trabalho. As alterações são apresentadas em itálico.
Por exemplo, “204- Utilizar uma agenda para melhor gestão do tempo” de Kienen et al. (2017) foi alterado
para “204- Utilizar ferramentas para melhor planejamento da gestão do tempo”, pois neste caso o uso
de ferramentas no planejamento é mais abrangente do que utilizar apenas a agenda como ferramenta.
O comportamento “Garantir condições favoráveis para a realização da atividade” de N1TC (2017) foi
alterado para “Estabelecer condições favoráveis para a execução das atividades”, pois estabelecer é um
verbo mais preciso para indicar que o aprendiz deve ser capaz de promover condições favoráveis para
executar as atividades.
2.1 Estabelecer a sequência de ensino das classes de comportamentos-objetivo por meio do livro
autoinstrucional e organização em unidades de aprendizagem
Para ordenar as classes de comportamentos-objetivo numa sequência que facilitasse a aprendizagem,
foram considerados alguns dos critérios propostos por Botomé (s/d) para estabelecer a sequência de
ensino: (a) do geral para o específico – ensinar primeiro aspectos do todo e depois as partes componentes,
(b) sequência de interesse – refere-se ao grau de interesse dos aprendizes pelos comportamentos a serem
ensinados, considerando aspectos de motivação (c) sequência lógica – estabelecer numa determinada
ordem a depender dos objetivos de ensino, (d) hierarquia de conjunto de habilidades – agrupar
aprendizagens em conjuntos significativos para o aprendiz, (e) sequência de frequência – ensinar primeiro
comportamentos que vão ser utilizados com mais frequência pelo aprendiz, (f) prática do trabalho
completo – refere-se a finalizar as atividades que constituem o objetivo de ensino da unidade e, por fim,
(g) simplicidade para realizar ou facilidade para aprender – ensinar primeiro o que for menos complexo
e mais simples de aprender.
Uma vez que não é possível utilizar todos os critérios simultaneamente, o critério de “simplicidade
para realizar ou facilidade para aprender” foi considerado prioritário para definir a sequência de ensino.
Assim, o desenvolvimento das classes de comportamentos menos complexas foi priorizado por elas serem
pré-requisito para o desenvolvimento de outras classes de comportamentos mais complexas.
Após sequenciar as classes de comportamentos-objetivo, elas foram agrupadas em unidades de
aprendizagem, conforme relação existente entre elas (e.g. as classes de comportamentos “Avaliar a execução
das atividades acadêmicos-profissionais conforme planejamento”, “Avaliar quais atividades realizadas não
foram relacionadas ao objetivo”, “Identificar possíveis aperfeiçoamentos no planejamento na execução
das atividades” foram agrupadas na unidade “Avaliando a execução do planejamento”. Essas unidades de
aprendizagem serviram de base para elaborar o livro também em unidades.
3.1 Redigir os capítulos do livro autoinstrucional de acordo com as condições de ensino planejadas.
O livro autoinstrucional foi elaborado a partir dos princípios da PCDC. Quatro princípios básicos
da “PCDC”, conforme descritos por Botomé (1970), foram utilizados na elaboração do livro: pequenos
passos, resposta ativa, verificação imediata e ritmo individual. O Princípio dos Pequenos Passos possibilita a
elaboração de unidades de aprendizagem pequenas e fáceis; o grau de complexidade das unidades aumenta
de acordo com o desempenho do aprendiz, assim é possível progredir de forma gradual e com menos
erros. O Princípio da Resposta Ativa refere-se a respostas programadas para o aprendiz apresentar, pois
é necessário que se comporte para aprender. O Princípio da Verificação Imediata permite que o aprendiz
verifique imediatamente a adequação de seu desempenho. O Princípio do ritmo individual permite que o
Resultados
Os procedimentos adotados para elaborar o livro autoinstrucional resultaram na obra intitulada
“Domine seu tempo: um livro programado para te ensinar a gerenciar o tempo”, constituído por 101
classes de comportamentos distribuídas em cinco unidades de aprendizagem. Este estudo possibilitou
a sistematização e organização das classes de comportamentos a serem desenvolvidas, o planejamento
das condições de ensino e elaboração do livro autoinstrucional para desenvolver o “gerenciar o tempo”
em estudantes universitários. Todas as etapas do estudo foram baseadas por princípios e procedimentos
da PCDC.
A partir da seleção, organização e decomposição das classes de comportamentos, foi possível
construir um diagrama de decomposição indicando o sistema de relações de abrangência entre as classes
de comportamentos constituintes da classe geral “gerenciar o tempo”, conforme apresentado na Figura 1.3
Figura 1
Diagrama de decomposição da classe geral “gerenciar o tempo”
LEGENDA
Gerenciar as atividades acadêmico-profissionais e pessoais de acordo com o tempo disponível
Foram identificadas 101 classes de comportamentos constituintes da classe geral, as quais foram
distribuídas em cinco subclasses: avaliar o uso do tempo (N=11); definir objetivos acadêmico-profissionais e
pessoais em curto, médio e longo prazo (N=19); planejar as atividades de acordo com os objetivos acadêmico-
profissionais e pessoais (N=32); executar as atividades acadêmico-profissionais e pessoais conforme
planejamento (N=25); e, avaliar a execução das atividades acadêmico-profissionais e pessoais conforme
planejamento (N=13). Dessas 101 classes de comportamentos constituintes da classe geral “gerenciar o
tempo”, quatro foram selecionadas do estudo de Kienen et al. (2017), 27 foram selecionadas do estudo de
N1TC (2017) e 69 foram descobertas a partir do procedimento de decomposição de comportamentos.
Com base no diagrama de decomposição nota-se que a maioria das classes de comportamentos
(N=69) foi descoberta por meio do procedimento de decomposição de comportamentos. Foram
descobertas 19 novas classes de comportamentos relacionadas a definir objetivos. Destaca-se também
a descoberta de 13 novas classes de comportamentos relativas a “Avaliar a execução das atividades
acadêmicos-profissionais e pessoais conforme planejamento”. Em relação às classes de comportamentos
identificadas nos estudos de Kienen et al. (2017) e N1TC (2017), a maioria delas está relacionada às
subclasses de comportamentos relativas a “Avaliar o uso do tempo” e “Executar as atividades acadêmico-
profissionais e pessoais conforme planejamento”.
Após a definição das classes de comportamentos a serem ensinadas, a primeira etapa para planejar
as condições de ensino dessas classes foi estabelecer a sequência de ensino e, em seguida, agrupá-las em
unidades de ensino. A Tabela 3 apresenta a sequência e unidades de ensino das classes de comportamentos
a serem desenvolvidas por meio do livro autoinstrucional.
Atividade física – AF
Atividades lazer (ver amigos, namorado(a), cinema, teatro) – AL
Universidade – UN
Estudo – EST
WhatsApp – WA
Transportes e deslocamentos (carro, ônibus, etc.) – TR
Comer – CO
Tomar banho e se vestir – BA
Responder e-mails de trabalho – EM
Acessar internet como forma de lazer (Facebook e outras
redes sociais) – IN
Assistir televisão – TV
Figura 2
Atividades da Unidade 1 “Como você utiliza seu tempo”
O objetivo da Unidade 1 é que o aprendiz seja capaz de avaliar como usa seu tempo. Para isso, o leitor
deve realizar um “diagnóstico do uso do tempo” em que registra os horários e as atividades que realiza em
uma semana. Em seguida, deve fazer uma avaliação dos possíveis desgastes físico, cognitivo e emocional
decorrente das atividades que realiza. A Unidade 2 visa elaborar os objetivos acadêmico-profissionais e
pessoais. Para isso, as atividades abordam os fatores e resultados acadêmico-profissionais e pessoais que
o leitor considera relevantes para uma vida satisfatória em curto, médio e longo prazo. Nessa unidade
Discussão
No processo de planejar condições de desenvolvimento de comportamentos, a primeira etapa é definir
quais são os comportamentos a serem ensinados. Essa definição foi feita com base nas necessidades sociais dos
aprendizes e em literatura especializada. Neste trabalho, foram consideradas as necessidades de estudantes
de melhorar o gerenciamento das atividades em relação ao tempo, uma vez que é frequente a dificuldade
dos estudantes de administrar inúmeras atividades acadêmicas e pessoais ao longo do tempo (Claessens
et al., 2007; MacCann et al., 2012; Pellegrini et al., 2012). Essas dificuldades estão relacionadas à falta de
rotina de estudo, baixo desempenho acadêmico e focalizar atenção (Basso et al., 2013). Com base nelas, foi
possível identificar a necessidade de estudantes desenvolverem comportamentos relacionados a gerenciar
melhor as atividades ao longo do tempo. Essa primeira etapa de definição dos comportamentos a serem
ensinados afeta todas as outras etapas relativas ao planejamento de condições de ensino de comportamentos
e a diferencia de programas de ensino que são elaborados exclusivamente a partir da definição de conteúdos
a serem ensinados.
Além das necessidades sociais dos aprendizes, para definir a classe geral “gerenciar o tempo” foram
utilizados os resultados de dois estudos diferentes e, além disso, foram adicionados novos comportamentos
à classe geral por meio do procedimento de decomposição de comportamentos complexos. Apesar de os
estudos de Kienen et al. (2017) e N1TC (2017) apresentarem comportamentos relativos ao gerenciar o tempo,
quando se trata de capacitação para desenvolver comportamentos, essa adequação ao público-alvo – neste
caso, estudantes universitários – e ao objetivo – de elaborar um livro autroinstrucional – foi fundamental.
As subclasses de comportamentos “avaliar o uso do tempo” (N=11); “definir objetivos acadêmico-
profissionais e pessoais em curto, médio e longo prazo” (N=19); “planejar as atividades de acordo com
objetivos acadêmico-profissionais e pessoais” (N=32) representam quase 60% (N=62) das classes de
comportamentos de “gerenciar o tempo”. Essas classes de comportamentos sinalizam ações que o aprendiz
deve ser capaz de apresentar antes de agir conforme o planejamento. Isso indica que “gerenciar o tempo” é
muito mais complexo do que apenas aplicar ferramentas ou executar o que foi planejado.
A subclasse “definir objetivos acadêmico-profissionais e pessoais em curto, médio e longo prazo”
(N=19) apresentou um número considerável de classes de comportamentos, indicando que, para definir
objetivos, é preciso mais do que “propor” objetivos. Isso porque definir objetivos implica em considerar os
resultados que se quer obter, avaliar os aspectos profissionais e pessoais para uma vida satisfatória, avaliar
recursos necessários e disponíveis etc. Segundo Luiz (2008), esses aspectos podem ser considerados como
“caracterização de variáveis” necessárias para definir objetivos, envolvendo tanto as variáveis relevantes para
a vida profissional quanto para a vida pessoal. A definição clara de objetivos é fundamental para gerenciar o
tempo, pois o planejamento das atividades para alcançar tais objetivos depende desta definição.
As classes de comportamentos de “gerenciar o tempo” envolvem comportamentos complexos, tais como
autocontrole, autoconhecimento e tomada de decisão. Autocontrolar-se é emitir respostas de manipulação
de variáveis do ambiente (respostas controladoras), alterando a probabilidade de outra resposta (resposta
controlada) (Skinner, 1953/2003). A importância do autocontrole no processo de gerir as atividades ao longo
do tempo deve-se a aspectos como evitar a procrastinação, dificuldades de lidar com demandas alheias,
Considerações Finais
A partir da definição das 101 classes de comportamentos constituintes da classe geral “gerenciar o
tempo” pode-se afirmar que este é um processo comportamental complexo que envolve a avaliação do uso do
tempo, definição de objetivos acadêmico-profissionais e pessoais, planejamento, execução e monitoramento
do planejamento. Vale destacar que as classes de comportamentos de “gerenciar o tempo” parecem estar
diretamente relacionadas aos comportamentos complexos de autoconhecimento, autocontrole, resolução de
problemas e tomada de decisão. Os comportamentos constituintes de “gerenciar o tempo” são relevantes para
que estudantes universitários organizem as demandas acadêmicas e pessoais, tanto na universidade quanto
no ambiente de trabalho depois de formados. “Gerenciar o tempo” de forma eficaz pode ser considerado
uma vantagem competitiva no mercado de trabalho e está positivamente relacionada ao controle percebido
de tempo, satisfação no trabalho e saúde; e negativamente ao estresse. Além disso, pode diminuir as
consequências negativas de procrastinar, tais como ansiedade, irritabilidade e acúmulo de tarefas.
Planejar condições para o desenvolvimento de comportamentos envolve (a) caracterizar as necessidades
de aprendizagem, como a de “gerenciar o tempo” para estudantes universitários. Em seguida, (b) elaborar
programas para desenvolver aprendizagens, como o desenvolvimento do livro “Domine seu tempo: um
livro programado para te ensinar a gerenciar o tempo” para desenvolver os comportamentos de “gerenciar
o tempo” por meio dele. As próximas etapas envolvem (c) aplicar o programa de aprendizagem, (d) avaliar
o programa de aprendizagem, (e) aperfeiçoar o programa de aprendizagem e por fim, (f) comunicar as
descobertas para a comunidade científica. Por limitações de tempo não foi possível aplicar e avaliar a
eficiência e eficácia do livro autoinstrucional. Desta forma, considerando essas etapas, pesquisas futuras
são requeridas para verificar empiricamente se são esses os comportamentos relacionados ao “gerenciar
o tempo”, se outros poderiam ser incluídos, por exemplo; para avaliar quanto o livro autoinstrucional
possibilita desenvolver os comportamentos propostos; e para testar a possiblidade de outros instrumentos
diferentes do livro autoinstrucional, como um aplicativo para celular ou oficinas presenciais.
Há aproximadamente 80 anos, as bases da Análise do Comportamento (AC) foram lançadas pelo trabalho
pioneiro de Skinner (1938) na descrição do papel das consequências na seleção de comportamentos. Desde
então, milhares de publicações evidenciaram os avanços e contribuições da Análise do Comportamento para
a compreensão do comportamento de organismos humanos e não humanos (e.g., Madden, 2013). Diante
da extensão de tal literatura, um conjunto de indicações de leituras essenciais pode direcionar os primeiros
passos de estudantes interessados em AC (graduandos e pós-graduandos), leituras essas que os equipariam
com um conhecimento básico sólido e os permitiriam encarar pesquisas e aplicações avançadas nos seus
tópicos de interesse. O presente estudo oferece um panorama das listas já publicadas, apresenta uma lista
criada a partir de um levantamento com editores brasileiros e, por fim, descreve uma atualização que está
em andamento. Vale notar que as duas listas mais recentes (i.e., Frieder et al., 2018; Pastrana et al., 2016)
são apresentadas ao final do texto, dado o seu papel fundamental em informar a atualização em andamento.
A primeira lista de leituras essenciais em AC foi criada por Michael (1980) em uma reflexão sobre o
desenvolvimento e o futuro da AC. Com base em sua experiência pessoal, o autor apontou 22 referências e
periódicos que permitiriam a doutorandos em AC um conhecimento mínimo sobre a área. As indicações
englobam leituras sobre princípios básicos (e.g., Millenson, 1967/1975), Behaviorismo Radical (e.g.,
Skinner, 1974/1982), e aplicação (e.g., Brigham & Catania, 1978). Além disso, o autor também recomenda
15 tópicos que os estudantes interessados na aplicação da AC deveriam dominar (e.g., definição de objetivos
comportamentais, avaliação crítica de pesquisas). Duas décadas depois, Saville, Beal e Buskist (2002)
realizaram um levantamento com o corpo editorial dos periódicos Journal of the Experimental Analysis of
Behavior e Journal of Applied Behavior Analysis e identificaram 28 leituras (livros e artigos) que abordavam
os princípios, a filosofia e a metodologia essencial da AC (e.g., Skinner, 1953/2003; Sidman, 1960/1976).
Além disso, outras sete leituras de disciplinas afins também foram consideradas essenciais (e.g., biologia;
Dawkins, 1989/2017).
A despeito da importância das leituras recomendadas pelas pesquisas descritas anteriormente,
nenhuma delas é de autoria brasileira. Considerando que mais de 400 artigos e capítulos foram publicados
86 em veículos nacionais com foco em AC na última década e que o Brasil é “o maior centro de Análise do
Comportamento depois dos Estados Unidos e seus pesquisadores publicam nos melhores periódicos
nacionais e internacionais” (Todorov & Hanna, 2010, p. 143), um levantamento foi realizado junto aos
membros dos corpos editoriais dos principais periódicos nacionais em AC. Tal levantamento seguiu o
método descrito por Saville et al. (2002) e buscou produzir uma lista de leituras essenciais com o potencial
2 Daqui para frente
referidos como editores.
de confirmar as leituras essenciais indicadas nas listas anteriores e, ao englobar a produção brasileira, melhor
3 Essa pesquisa foi informar estudantes brasileiros interessados em AC.
aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisas
com Seres Humanos da Método
Universidade Federal de
São Carlos (parecer n.
32619414.9.0000.5504). Participantes
Os 61 profissionais que no ano de 2014 eram membros dos conselhos editoriais2 das revistas Perspectivas
em Análise do Comportamento (PeAC), Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC),
Revista Brasileira de Análise do Comportamento (REBAC), e da coleção de livros Comportamento em Foco
(CF) foram convidados a participar. Desses, 14 (23%) responderam ao questionário (descrito a seguir)3.
Instrumento
Um questionário composto por cinco perguntas foi utilizado. Duas delas eram relacionadas à
formação dos participantes e perguntavam sobre: (a) o maior título acadêmico do participante e qual
o ano de sua obtenção, e (b) qual a principal área de interesse do participante: Análise Experimental
do Comportamento (AEC); Avaliação Psicológica (AP); Educação Especial (EES); Epistemologia da
Psicologia (EP); Estudos Empíricos e Teórico/Conceituais em Análise do Comportamento (EETC);
Neuropsicologia (NP); Percepção/Psicofísica (PP); Psicobiologia (PB); Psicofarmacologia (PF); Psicologia
Clínica (PC); Psicologia Comunitária (PCO); Psicologia da Religião (PR); Psicologia da Saúde (PS);
Psicologia do Desenvolvimento Humano (PDH); Psicologia do Esporte (PE); Psicologia do Trânsito (PT);
Psicologia e Educação (PED); Psicologia Institucional/Organizacional (PIO); Psicologia Jurídica/Forense
(PJ/PF); Psicologia Social (PSO); ou outra.
As três perguntas restantes solicitavam aos participantes a indicação de até 10 artigos científicos
essenciais em AC; 10 livros essenciais em AC; e cinco artigos ou livros essenciais de disciplinas correlatas.
Nenhuma definição do termo essenciais foi fornecida.
Coleta de Dados
Uma lista com os endereços eletrônicos dos 61 editores foi inserida na plataforma Survey Monkey. Um
convite com informações gerais sobre a pesquisa, com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e com
um link para o questionário, foi enviado para cada participante. Os editores que escolheram participar da
pesquisa foram orientados a não comentar suas respostas com outros colegas da área. Para aqueles que não
acessaram o questionário, os convites foram reenviados após 30, 45, e 50 dias do primeiro envio.
Resultados e Discussão
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes entre os editoriais. Cinco atuavam em mais de um
periódico (dois participavam de todos os periódicos, P10, P11; dois faziam parte da PeAC e CF, P13, P14; e
um fazia parte da PeAC e RBTCC, P12). Onze participantes tinham o título de Doutor, com obtenção média
no ano 2000 (variando entre 1981 e 2012) e três tinham o título de Mestre, com obtenção média no ano 2005
(variando entre 2000 e 2012).
Periódicos N Participantes
A Figura 2 apresenta a principal área de interesse dos participantes. A área mais indicada foi a Análise
Experimental do Comportamento (12 indicações), assim como em Saville et al. (2002); seguida da Psicologia
Clínica e Psicologia e Educação.
Figura 2
Distribuição das áreas de interesse dos participantes
A Tabela 2 lista 12 artigos em AC considerados essenciais por, pelo menos, dois participantes. Entre
eles, o mais antigo foi Skinner (1945) e o mais recente foi Todorov (2007). A recomendação de Skinner
(1981/2007) por mais da metade dos participantes, indica ser fundamental, na visão dos editores, que os
estudantes conheçam o modelo de seleção pelas consequências. Esse modelo, na obra de Skinner, é o fio
condutor para explicar desde os níveis de seleção comportamental mais básicos (e.g., Skinner, 1984) até os
mais complexos (e.g., Skinner, 1986) e, assim, oferecer um modelo explicativo para fenômenos psicológicos.
Tal recomendação também esteve presente no levantamento realizado por Saville et al. (2002).
Nº % Artigos
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied
3 21
behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(1), 91–97.
Carvalho Neto, M. B., Salina, A., Montanher, A. R. P., & Cavalcanti, L. A. (2003). O
projeto genoma humano e os perigos do determinismo reducionista biológico na
2 14
explicação do comportamento: Uma análise behaviorista radical. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(1), 41–56.
Glenn, S. S. (2004). Individual behavior, culture, and social change. The Behavior
2 14
Analyst, 27(2), 133–151.
Laraway, S., Snycerski, S., Michael, J., & Poling, A. (2003). Motivating operations
2 14 and terms to describe them: Some further refinements. Journal of Applied Behavior
Analysis, 36(3), 407–414.
Nota: Os artigos que receberam o mesmo número de indicações foram organizados em ordem alfabética.
Sempre que disponíveis, as traduções para o português foram preferidas. Além disso, os identificadores
digitais (DOI) foram omitidos para facilitar a leitura da tabela.
Dois terços dos artigos recomendados envolvem discussões conceituais e filosóficas da AC (e.g.,
Tourinho, 2006; 8 artigos), indicando a importância de uma base filosófica sólida como repertório inicial
em AC. Não obstante, os demais artigos (4) envolvem análise experimental e aplicações, o que, em conjunto
com o maior número de indicações de artigos conceituais, pode representar uma preocupação dos editores
em promover uma formação completa e que diminua o hiato entre Behaviorismo Radical, pesquisa básica,
pesquisa aplicada e aplicação em AC (e.g., Mace & Critchfield, 2010; Poling, Picker, Grossett, Hall-Johnson,
& Holbrook, 1981).
Tabela 3
Número de indicações (Nº) e porcentagem (%) dos livros essenciais em Análise do
Comportamento segundo editores nacionais
Nº % Livros
Skinner, B. F. (2000). Para além da liberdade e dignidade. Lisboa: Edições 70. Obra
3 21
original publicada em 1971.
Nota: Os artigos que receberam o mesmo número de indicações foram organizados em ordem
alfabética. Além disso, sempre que disponíveis, as traduções para o português foram preferidas.
A comparação entre os livros listados por Saville et al. (2002, p. 32) e os indicados no presente estudo
revela que Skinner (1953/2003), Catania (1999), Skinner (1974/1982), Skinner (1957/1978), Baum (2006) e
Johnston e Pennypacker (2008) foram recomendados em ambas as listas, indicando um alinhamento entre
as comunidades analítico-comportamentais norte-americana e brasileira.
Em resposta à última questão, que pedia pela indicação de livros essenciais de disciplinas correlatas à
AC, apenas dois livros foram recomendados por mais de um participante: Luna (1996) e Sagan (1995/2006),
com duas e três indicações. A recomendação de Luna (1996), autor brasileiro, aponta para a importância
de reflexões sobre o conhecimento metodológico envolvido em pesquisas e intervenções na formação
de estudantes interessados em AC. Já a indicação de Sagan (1995/2006) aponta para a relevância da
compreensão do empreendimento científico como uma atividade humana de amplo alcance, que pode
ser pensada desde as atividades cotidianas até as aplicações mais complexas. Nenhum destes livros esteve
presente nas indicações de Saville et al. (2002, p. 33), que, por sua vez, incluíram publicações relacionadas
à seleção natural (Darwin, 1859/2014) e interação entre variáveis ambientais e biológicas (Barrett, 2011). A
ausência de recomendações de leituras sobre processos biológicos pelos editores brasileiros pode indicar
uma diferença na ênfase que a interação entre variáveis ambientais e biológicas recebe na formação de
estudantes brasileiros e norte-americanos.
Tabela 4
Número de listas nas quais a referência é citada (Nº) e Referências
Nº Referências
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior
4
analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1(1), 91-97.
Skinner, B. F. (1978). Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix. Obra original publicada em
4
1957.
Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. Obra
4
original publicada em 1953.
Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T R. (1987). Some still-current dimensions of applied
3
behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 20(4), 313-327.
Cooper, J. O., Heron, T. E., & Heward, W. L. (2007). Applied behavior analysis (2nd ed.). Upper
3
Saddle River, NJ: Pearson Prentice Hall.
Iwata, B. A., Dorsey, M. F., Slifer, K. J., Bauman, K. E., & Richman, G. S. (1994). Toward a
3
functional analysis of self-injury. Journal of Applied Behavior Analysis, 27(2), 197–209.
Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix. Obra original publicada em
3
1974.
Wolf, M. (1978). Social validity: The case of subjective measurement or how applied behavior
3
analysis is finding its heart. Journal of Applied Behavior Analysis, 11(2), 203– 214.
2 Bailey, J. S., & Burch, M. R. (2016). Ethics for behavior analysts (3rd ed.). New York: Routledge.
Bailey, J. S., & Burch, M. R. (2010). 25 essential skills and strategies for the professional
2
behavior analyst: Expert tips for maximizing consulting effectiveness. New York: Routledge.
Bannerman, D. J., Sheldon, J. B., Sherman, J. A., & Harchik, A. E. (1990). Balancing the right
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Nota: Os artigos que receberam o mesmo número de indicações foram organizados em ordem alfabética.
Além disso, sempre que disponíveis, as traduções para o português foram preferidas.
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266. doi: 10.1901/jeab.1970.13-243
1 Endereço para Um grande interesse científico e provavelmente popular são os fatores que afetam nossas decisões
correspondência:
em diversos aspectos de nossas vidas (e.g., profissional, pessoal, de consumo, dentre outros). Em poucas
Fernanda Calixto
e-mail: Fernandac. palavras, por que nos comportamos ou escolhemos do modo como o fazemos? Um fato interessante a ser
calixto@gmail.com.
Rodovia Washington
observado é que diante de situações muito similares alguns indivíduos podem se comportar de maneira
Luís, km 235 - SP-310 semelhante ou muito diversa entre si. Por exemplo, diante de uma situação de escolha entre se alimentar
São Carlos - São Paulo
- Brasil de um hambúrguer ou um prato de salada, muitas pessoas escolheriam a primeira opção, enquanto outras
CEP 13565-905. pessoas escolheriam a segunda. Mas o que afeta o comportamento de escolha entre essas duas opções? É
Departamento de
Psicologia. possível que alguns indivíduos escolham o alimento com base no que seria mais apetitoso, nesse caso o
hambúrguer seria o “vencedor”. Outras pessoas poderiam escolher a salada para manter a boa forma ou se
manter saudável. Dificilmente os benefícios de comer a salada seriam sentidos imediatamente e, portanto, é
provável que a escolha por alimentos saudáveis seja relacionada a uma história que fortaleceu a escolha dos
alimentos que, em longo prazo, privilegiem a saúde.
Escolher algo com base nos prováveis benefícios em longo prazo - em detrimento da outra opção
que garantiria benefícios imediatos, como o hambúrguer apetitoso no exemplo anterior – na perspectiva
analítico-comportamental é entendido como uma escolha autocontrolada (Rachlin, 2000). De modo geral,
dizemos que uma pessoa é autocontrolada quando com certa frequência ela se comporta de modo a garantir
vantagens no futuro, ou em termos mais específicos, o comportamento é consequenciado com reforçadores
atrasados de grande magnitude. O autocontrole, nesse caso, não é entendido como um traço pessoal ou
de personalidade, mas sim como um conceito que se refere a um padrão comportamental emitido em
condições ambientais funcionalmente equivalentes (e.g., em escolhas alimentares escolher com maior
frequência alimentos saudáveis). É possível que um mesmo indivíduo se comporte de modo autocontrolado
em determinados contextos, mas não em outros. Por exemplo, ao escolher com regularidade alimentos
saudáveis e, também com regularidade, consumir álcool em excesso (o que, provavelmente, seria uma escolha
determinada pelas suas consequências imediatas, tais como reforço social e efeitos fisiológicos do álcool
no organismo). Quando se observa comportamentos topograficamente e/ou funcionalmente semelhantes
sendo emitidos com regularidade, como nas escolhas sob o controle de consequências imediatas, identificar
como este padrão comportamental foi selecionado e fortalecido é fundamental para a previsão e controle
do comportamento.
De acordo com Skinner (1953), ao analisarmos o autocontrole devemos nos referir a dois tipos
de respostas, a controladora e a controlada. A resposta do organismo que aumenta a probabilidade de
autocontrole é denominada como “controladora” e o comportamento de escolha da consequência que
garanta maiores benefícios em longo prazo seria a resposta “controlada”. Por exemplo, programar o
despertador para as 7h00 seria uma resposta controladora do comportamento de acordar no mesmo
horário. As diversas respostas tidas como controladoras são normalmente descritas como respostas de
96 automanejo, no sentido de que o indivíduo manejaria o próprio ambiente e tornaria mais prováveis as
escolhas classificadas como de autocontrole.
A escolha autocontrolada, por ser mais vantajosa em longo prazo, é normalmente percebida como
a melhor escolha a ser feita. Entretanto, é igualmente comum que as pessoas se comportem sob controle
de consequências imediatas, mesmo que elas ocasionem desvantagens em médio e longo prazo. Mas por
que isso acontece, mesmo quando seria logicamente melhor fazer o inverso? Por que as pessoas não se
comportam de acordo com o que é mais “lógico”? O que mantém as pessoas fazendo escolhas “ruins” que
trarão prejuízos a elas mesmas e/ou a seus semelhantes?
Nas ciências do comportamento considera-se, com base em largas evidências científicas, que
as consequências daquilo que fazemos retroagem sobre nossas próprias ações, as fortalecendo ou as
enfraquecendo (Schneider, 2012), sendo que, quanto mais próximas temporalmente as consequências estão
da ação, maiores são seus efeitos sobre esta (Rachlin, 2000). Todavia, a relação consequência-comportamento
nem sempre se dá de forma simples. Autocontrole, na perspectiva analítico-comportamental é entendido
como um comportamento operante multideterminado. A determinação ocorre em nível filogenético,
ontogenético e cultural. Com relação ao nível filogenético podemos destacar a sensibilidade que cada
organismo apresenta aos eventos potencialmente reforçadores. O comportamento é especialmente sensível
às consequências reforçadoras imediatas. De acordo com Corr (2008), a depender da sensibilidade que
os organismos apresentem a determinados estímulos, diferentes respostas são selecionadas. Devido a uma
seleção filogenética, os indivíduos tendem a preferir alimentos ricos em alguns componentes, como sal,
açúcar e gordura, mas tal preferência pode variar entre indivíduos. Para um indivíduo com sensibilidade
maior à alimentos ricos em açúcar, por exemplo, visualizar um anúncio de sorvete poderia ser o bastante
para um aumento da frequência dos comportamentos que tivessem como produto o contato com esse
alimento (ou similares) e padrões compulsivos alimentares podem ser desenvolvidos.
Em relação ao nível ontogenético, nossa análise é focada nas contingências responsáveis por selecionar
as classes de respostas tidas como autocontroladas ou impulsivas ao longo da vida de um indivíduo. Exemplo:
vamos supor que André, ao longo da sua infância, entrou em contato com alimentos extremamente ricos em
açúcar. Tais alimentos estariam disponibilizados em seu ambiente e, seus mandos (na forma de birra, por
exemplo) foram consequenciados com seus doces preferidos. Na vida adulta, em situações socias, André
consumia doces em alta frequência. Após ser diagnosticado com Diabetes, André decidiu que diminuiria
a quantidade de doces consumidos, mas todo encontro social era contexto para a ingestão excessiva de
alimentos ricos em açúcar.
Em relação as variáveis culturais podemos imaginar que André estava imerso em um ambiente
no qual exista práticas culturais de consumo de alimentos doces em alta frequência - como ocorre nos
Estados Unidos da América. Deste modo, o comportamento de André de consumo excessivo também é
afetado por um ambiente social que mantém e consequencia com poderosos reforçadores sociais tal padrão
comportamental. O comportamento de André, portanto, de ingerir compulsivamente alimentos ricos em
açúcar, provavelmente, é multideterminado por variáveis filogenéticas (sua sensibilidade ao açúcar que
estabelece alimentos ricos neste componente como especialmente reforçadores), ontogenéticas (história de
aprendizagem ao longo de sua vida relacionadas ao padrão de consumo) e culturais (práticas culturais que
privilegiam o consumo de doces).
Um complicador comum nos casos de tomada de decisão, é a possibilidade de existirem contingências
conflitantes em vigor. Por exemplo, é possível que ao longo da vida de um indivíduo exista um histórico de
comer alimentos gordurosos e que, ao se mudar para uma região ou outro país, seus hábitos alimentares
sejam “mal vistos”. Em uma situação de escolha alimentar esse indivíduo estará em conflito entre o
comportamento que foi fortalecido ao longo dos anos (comer alimentos gordurosos) e o comportamento
incentivado socialmente (comer alimentos saudáveis). Ainda considerando o mesmo exemplo, o mesmo
indivíduo ao invés de se mudar poderia ter adquirido alguma condição patogênica relacionada ao seu
padrão alimentar. Nesse caso, poderia existir o conflito entre se alimentar do modo fortalecido no passado
Monitoramento
O monitoramento se refere ao comportamento de medir a frequência de um comportamento específico
durante certo período (e.g., quantos cigarros eu fumo ao longo de uma hora, quantos salgadinhos eu ingiro
enquanto assisto novela). O monitoramento geralmente é realizado de forma manual pelo registro de
um comportamento em tabelas ou gráficos, porém, atualmente, é possível de ser realizado pelo auxílio
de diversos aplicativos instalados em smartphones. Em estudos e intervenções com foco no aumento de
escolhas autocontroladas o monitoramento é realizado para medir o comportamento autocontrolado/
impulsivo previamente e posteriormente a alguma intervenção realizada, porém, alguns estudos indicaram
Controle Social
O controle social, de maneira ampla, pode ser entendido como uma variável importante de ser
considerada no contexto de grupo e diz respeito ao quanto as respostas de um indivíduo, inserido em um
grupo, pode ser afetada pela presença ou monitoramento dos demais. Mais especificamente, em se tratando
da promoção de escolhas de autocontrole, os estudos têm apontado para duas variáveis relacionadas ao
controle social como sendo relevantes para a mudança do comportamento em direção a escolhas que
favoreçam o grupo como um todo em longo prazo, em detrimento de escolhas consideradas “egoístas”, ou
seja, controladas por reforçadores individuais imediatos: o acesso às escolhas uns dos outros e o contato
verbal entre os participantes.
O estudo de Borba et al. (2014) investigou os efeitos dessas variáveis em um procedimento envolvendo
uma matriz de apostas de 8 x 8 (8 linhas e 8 colunas), com linhas pretas e brancas. Na tarefa experimental,
os participantes eram submetidos a uma condição de escolha entre: (a) reforçadores individuais de maior
quantidade e consequências aversivas atrasadas para o grupo; ou (b) reforçadores individuais de menor
quantidade e consequências positivas atrasadas para o grupo. Em cada tentativa do jogo de apostas, escolher
as linhas pretas da matriz era seguido pelo ganho de R$ 0,40 para o participante (a intersecção entre a linha
escolhida e a coluna escolhida pelo computador era um sinal positivo), mas havia a retirada de R$ 0,10 do
banco coletivo que seria dividido entre os participantes do grupo ao término do experimento. Por outro
lado, escolher as linhas brancas da matriz era seguido pelo ganho de R$ 0,20 para o participante, mas,
neste caso, eram acrescentados R$ 0,40 ao banco coletivo. Quatro condições diferentes foram avaliadas
entre os grupos experimentais: na Condição 1 os participantes trabalharam de forma totalmente isolada,
não tendo qualquer contato entre si; na Condição 2 os participantes trabalhavam ao mesmo tempo, tendo
acesso às escolhas uns dos outros e podendo falar entre si; a Condição 3 era semelhante à anterior, mas
os participantes não tinham acesso às escolhas uns dos outros; e na Condição 4 os participantes apenas
trabalhavam simultaneamente no mesmo ambiente, mas não podiam conversar nem ter acesso às escolhas
dos demais. Os resultados mostraram que as escolhas consideradas de autocontrole, e que traziam benefícios
em longo prazo para o grupo, foram mais frequentes nos grupos em que era permitido o contato verbal entre
os participantes, tanto quando as escolhas eram públicas (Condição 2) quanto quando o acesso às escolhas
era privativo (Condição 3), o que indica um papel importante do controle social e do comportamento verbal
para o controle e articulação das escolhas entre os membros dos grupos.
A pesquisa de Nogueira e Vasconcelos (2015) manipulou variáveis semelhantes às trabalhadas
por Borba et al. (2014) utilizando como tarefa experimental o jogo Dilema dos Comuns, que simula a
pesca de peixes. No jogo, os participantes trabalhavam em grupos de três pessoas e deveriam escolher,
Indicativos e Feedbacks
Em situações como a do Dilema dos Comuns, que envolvem o conflito entre o consumo imediato de
uma quantidade maior ou menor de recursos pelos indivíduos, com efeitos em longo prazo para o grupo,
oferecer indicativos sobre a quantidade de recursos disponíveis ou feedbacks sobre o nível de consumo
pode ser importante para o estabelecimento de um padrão comportamental considerado de autocontrole e,
consequentemente, para promover a manutenção dos recursos comuns em longo prazo para o grupo como
um todo, principalmente quando não é possível recorrer às variáveis relacionadas ao controle social para
alcançar tais objetivos.
O estudo de Camargo e Haydu (2016), por exemplo, trabalhou com uma versão computadorizada
do jogo Dilema dos Comuns, no qual os participantes poderiam escolher pela extração individual de 1 a
9 peixes por rodada, a partir de um recurso comum. Em todas as condições os participantes dos grupos
trabalhavam de forma isolada entre si, não tendo acesso às escolhas dos demais e sendo a comunicação
permitida apenas quando havia a entrada de um participante novo no jogo. Dado esse tipo de isolamento,
as variáveis manipuladas eram externas aos jogadores e apresentadas diferencialmente entre os grupos, tais
como mensagens de alerta sobre o consumo (informações sobre a necessidade de se preservar os recursos),
indicativos sobre a quantidade disponível do recurso comum (a quantidade de recursos disponíveis era
apresentada na tela e atualizada em tempo real) e feedbacks sobre o consumo exacerbado (apresentação de
mensagens escritas sempre que havia a redução na quantidade de recursos disponíveis entre uma rodada
e outra). Os resultados mostraram que os participantes optaram por um consumo individual menor e
conseguiram manter o recurso comum por um maior número de rodadas apenas nos grupos em que houve
a disponibilização de indicativos sobre a quantidade disponível ou quando havia a apresentação de feedbacks
em relação às rodadas em que havia a redução na quantidade de recursos disponíveis para o grupo. Uma
limitação discutida pelos autores é que nem sempre, em situação natural, há certeza sobre a quantidade
disponível de determinados recursos naturais (e.g., petróleo), o que dificulta o uso de tais variáveis em
intervenções culturais, sendo que o uso de feedbacks em outras condições e a partir de diferentes critérios
ainda precisa ser melhor estudado.
Os estudos experimentais sobre o comportamento de escolha realizados em microculturas ressaltam
a importância de variáveis diferentes das observadas em nível individual, entre elas o controle social e a
Considerações Finais
Observando de forma mais superficial, pode parecer que as escolhas ditas impulsivas afetam apenas
aqueles que escolhem, quando na verdade afetam a sociedade como um todo. Os recursos utilizados para
tratar doenças crônicas das pessoas que não escolheram bem no passado, são geralmente recursos públicos.
Sofremos atualmente com problemas como falta d’água e pobreza, que são reflexos da má utilização de
recursos naturais e públicos. Embora a situação seja alarmante, ainda está razoavelmente contornável, mas
não é difícil prever que, se continuarmos a tomar decisões impulsivas e irresponsáveis, ensinando as próximas
gerações a seguir nosso modelo, hora menos hora a situação se tornará irreversível, comprometendo as
condições de vida na Terra e, consequentemente, a preservação da espécie humana.
Apesar de já existir a tecnologia necessária para identificar e manipular variáveis com o intuito de
aumentar o autocontrole em situações que afetam os indivíduos, de modo particular, ou o grupo como
um todo, muitas vezes o estabelecimento de intervenções baseadas em tais tecnologias é dificultado ou
barrado devido a conflitos de interesse que vão além dos indivíduos ou mesmo dos grupos que seriam
beneficiados. Uma sociedade com hábitos alimentares mais saudável, ao mesmo tempo que representa
gastos menores com a Saúde Pública em longo prazo, significa lucros menores e a necessidade de
adaptação das companhias que baseiam suas práticas na produção de alimentos ricos em açúcar, gordura,
sódio etc., tais como doces, fast-food e refrigerantes. Muitas vezes, a balança só pende para o lado dos
interesses da sociedade quando ocorrem intervenções governamentais, por exemplo, o estabelecimento
de limite máximos de sódio nos alimentos industrializados e multas para as empresas que não seguirem
as normas. Mas a conta não é tão simples, uma vez que a mudança na cadeia produtiva normalmente
vem acompanhadas de uma nova estrutura organizacional, redução no número de funcionários e,
consequentemente, o aumento no desemprego.
Outra grande limitação é que muitas vezes os governantes, que são responsáveis pelas medidas em larga
escala, não estão cientes das possibilidades de manipulações ambientais que levem as pessoas a fazerem
escolhas melhores para elas mesmas e para a sociedade e, quando estão, enfrentam resistências por parte dos
que entendem que o governo, ao estabelecer medidas para promoção do bem-estar social, está interferindo
na liberdade das pessoas. No livro Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness, os
pesquisadores Richard Thaler e Cass Sunstein (Thaler & Sunstein, 2009), envolvidos com a proposição de
políticas públicas no governo de Barack Obama, tratam do uso do conhecimento sobre as variáveis que
afetam as ações e decisões das pessoas no dia a dia para proposição de intervenções em larga escala e que não
afetem diretamente a liberdade das mesmas, mas tornem mais prováveis as escolhas que tragam benefícios
maiores para elas e para o grupo. Os autores citam um exemplo de intervenção realizada em cantinas de
escolas públicas americanas, que consistiu basicamente em colocar os alimentos saudáveis mais próximo
do campo de visão das crianças e como primeiras opções nos balcões de escolha dos alimentos, o que já foi
suficiente para aumentar a escolha por alimentos mais saudáveis na hora do lanche.
Talvez mudanças em larga escala não ocorram tão prontamente, por demandarem maiores recursos e
enfrentarem entraves legais e políticos. No entanto, com base nas variáveis discutidas ao longo deste trabalho,
é possível afirmar que diversas estratégias são passíveis de serem incluídas no repertório comportamental
das pessoas, de forma a promover escolhas autocontroladas no dia a dia. Considerando o efeito agregado de
diversas pessoas passando a exibir um padrão comportamental considerado de autocontrole, podemos ter
a esperança de, em longo prazo, termos uma sociedade com menos problemas sociais e com a qualidade de
vida das pessoas cada vez mais satisfatória.
Olhando para os répteis do Permiano, quem teria previsto que a maior parte dos grupos mais
abundantes se tornaria extinto (muitos, bem rapidamente), e que um dos grupos mais indistintos
teria dado origem aos mamíferos? Qual estudante da fauna Cambriana teria previsto as mudanças
revolucionárias na vida marinha de eras geológicas subsequentes? A falta de previsibilidade
também caracteriza a evolução em pequena escala. Criadores e estudantes de seleção natural
repetidamente descobriram que linhas paralelas independentes expostas à mesma pressão de
seleção responderão com taxas e com efeitos correlacionados diferentes, nenhum deles sendo
previsíveis (Mayr, 1961, p. 1505).
Essa incapacidade de previsão, contudo, não significa ausência de causa, afirma o autor. Significa que
na Biologia Evolutiva existe o que ele chama de indeterminância relacionada à previsão. Indeterminância
(ver, Tabela 1) não significa falta ou ausência de causa, mas sim, certa incapacidade de previsão. Assim, Mayr
conclui que previsibilidade não é necessariamente um componente de causalidade na Biologia Evolutiva.
Essa ausência pode ser percebida como complexa, porém não a ponto de justificar a adoção de ideologias
chamadas por ele de não-científicas, tais como o vitalismo ou finalismo.
A explicação que leva em consideração eventos passados, a partir de uma visão selecionista também
apresenta vantagem na previsão do comportamento. A previsão e controle do comportamento não é
importante somente para a ciência, mas também para a sociedade e para o próprio indivíduo. Entender
porque as pessoas se comportam de determinada maneira também fornece informações para o planejamento
cultural, por exemplo (Skinner, 1953/2003). A visão de mundo determinista adotada pelo Behaviorismo
Radical apoia-se nessa previsão. É mais provável que o rato pressione a barra quando está em uma caixa
experimental do que quando está fora dela. Assim como se seu nível de privação for alterado, a probabilidade
de emissão dessa resposta também é alterada em função da alteração no valor de certos eventos reforçadores.
Como uma ciência natural, a Análise do Comportamento busca explicar regularidades na natureza.
Isso implica partir do princípio de que existem tais regularidades, i.e., que o comportamento – seja humano
ou não-humano – é determinado. Tradicionalmente o determinismo é tratado como uma corrente oposta
ao livre-arbítrio. No determinismo, os eventos são determinados, i.e., causados por alguma variável (seja
interna ou externa), enquanto que no livre-arbítrio supõe-se a escolha livre por parte do indivíduo, i.e., a
causa do evento é indeterminada, pois depende inteiramente dessa escolha. Baum (1994/2006) argumenta
que, para que uma ciência possa prever e controlar o comportamento, ela deve partir do determinismo.
Portanto, em uma ciência do comportamento, o livre-arbítrio seria totalmente negado. Caso contrário, essa
ciência não seria possível, já que o comportamento seria causado por escolhas livres que não são passíveis
de previsão e controle. Para o Behaviorismo Radical, os eventos que ocorrem, ou como os organismos se
comportam, não são derivados de “escolhas livres” que os organismos fazem (Zuriff, 1985)4.
Diferentemente de outras abordagens também deterministas, o Behaviorismo Radical não utiliza de
agências internas ou de explicações mentalistas para explicar o comportamento. Segundo o behaviorista,
o comportamento é determinado por variáveis ambientais e não por caprichos ou agências internas, como
vontade e desejo, por exemplo (Skinner, 1945). “Para termos uma ciência da psicologia, devemos adotar
o postulado fundamental que o comportamento é um dado sujeito a leis” (Laurenti, 2009, p. 345), mas
principalmente, leis naturais e não de outras naturezas (Baum, 1994/2006).
Nesse ponto, é importante diferenciar determinismo de fatalismo. O determinismo considera que
em dadas condições é mais provável que o organismo faça A ao invés de B, por exemplo. No fatalismo,
o organismo está fadado a fazer A e nada pode ser feito para que isso se altere (Grünbaum, 1952). O
Causas Internas
As críticas do Behaviorismo Radical à psicologia tradicional devem-se à característica de elevar
causas internas como explicações completas para o comportamento, enquanto torna menos relevante, o
controle das variáveis ambientais. Um exemplo claro e muito presente na Psicologia são as explicações
mentalistas. Chama-se mentalistas aqueles paradigmas que visam explicar o comportamento como sendo
efeito de alguma variável própria do indivíduo, particularmente metafísica, atemporal e/ou imaterial (tais
como: mente, alma, psyche e etc.). As objeções ao mentalismo feitas por Skinner a esse tipo de explicação,
devem-se ao fato de o Behaviorismo Radical seguir pressupostos epistemológicos do pragmatismo em suas
investigações. Essa posição remete a William James (1842-1910) e Ernst Mach (1838-1916) – entre outros –
(Baum, 1994/2006). Segundo esses autores, uma ciência não deveria se ocupar em saber se os fenômenos de
fato existem ou não, mas sim com o fato de que existem problemas colocados e cabe ao cientista encontrar
soluções para estes. A ciência deve se prestar a enunciar regularidades na natureza, fatos, e não apenas
construções hipotéticas que afastam a investigação original. “A noção fundamental do pragmatismo é a
de que a força da investigação científica reside não tanto na descoberta da verdade sobre a maneira como
o universo objetivo funciona, mas no que ela nos permite fazer...” (Baum, 1994/2006, p. 36, itálicos no
original). Para Ernst Mach (1960/1893), “economia de comunicação e de apreensão é da própria essência
da ciência” (p. 7). Desse modo, as explicações mentalistas mostram-se ineficientes, pois segundo Skinner
(1953/2003) esse tipo de explicação:
(...) não é de qualquer auxílio, na solução de um problema prático, dizer-se que algum aspecto do
comportamento do homem se deve à frustração ou à ansiedade; precisamos também saber como
a frustração ou ansiedade foi induzida e como pode ser alterada (p. 184).
Pretende-se defender, aqui, uma tese não realista, que parece ser a mais adequada para
uma análise do Behaviorismo Radical. Sendo assim, assume-se que a teoria aristotélica das
categorias pode ser desconstruída mediante a aceitação da relação como categoria primordial.
Portanto, a observação de supostas substâncias são meras abstrações, ou ingenuidade por parte
do observador, que não percebe que, também nesse caso, trata-se de relações (Lopes & Abib,
2003, p. 92, itálicos no original).
Dentro de uma visão monista do comportamento, não há espaço para mentalismos, i.e., vontade não
causa comportamento. A vontade é determinada e as variáveis das quais é função deve ser estudada. De
acordo com Skinner (1953/2003) é problemático quando as explicações mentalistas tornam-se um fim em si
mesmas, de modo que o pesquisador acaba preso em um sistema hipotético, e não mais procura explicar os
A cauda do pavão evolui por meio de preferências de acasalamento das fêmeas, e essas
preferências co-evoluem com a característica do macho. A explicação distal do traço do macho é
a existência anterior da preferência da fêmea, manifesta proximalmente nas decisões de escolha
5 Mais precisamente,
altera-se a probabilidade
As explicações de Mayr (1961) teriam sido aceitas porque o exemplo da migração ocorre por meio
de as respostas de de um processo causal unidirecional, mas outros processos mais complexos não. Portanto, uma visão
uma classe ocorrerem
novamente. Por contemporânea de causalidade em Biologia Evolutiva deveria considerar alguns aspectos que possuíssem
comportamento, características multidirecionais. Laland e colaboradores (2011) apontam aspectos como os seguintes,
entende-se sempre a
relação entre organismo pertencentes a uma teoria de causalidade recíproca:
e ambiente. 1. Evolução e Desenvolvimento (Evo-Devo). Na visão mayriana, evolução e desenvolvimento são
vistos como processos distintos. O papel da biologia evolutiva seria apenas entender as leis que
controlam as mudanças no DNA ao longo das gerações, enquanto para os desenvolvimentistas,
entender de que forma isso acontece. Para Laland e colaboradores (2011), o viés desenvolvimentista
estaria representado em diversos aspectos da natureza e, por isso, poderia contribuir para a estase
evolutiva e, ainda, promover adaptação evolutiva (e.g. fatores inerentes do desenvolvimento
da pélvis podem ter facilitado a rápida adaptação a lagos pós-glaciais nas espécies de peixe
gasterosteus aculeatus – “esgana-gata”). Segundo eles, muitos processos de desenvolvimento não
são apenas resultado de programações genéticas, mas têm impacto na direção que a evolução
toma (Laland et al., 2012).
2. Construção de Nicho. Também estaria desenvolvida a partir de uma análise recíproca entre
causas proximais e distais. Pode-se tomar as minhocas como exemplo. Elas “mudam a estrutura e
composição química do solo em que vivem e, por meio da construção do seu ambiente, modificam
a seleção que age com mudança nelas também, influenciando os órgãos relacionados a equilíbrio
de água” (Laland, et al., 2011, p. 1514).
Considerações Finais
Aparentemente a Biologia Evolutiva pode estar para o conjunto das Ciências Biológicas o que o
Behaviorismo Radical representa para os estudos na Análise do Comportamento. Isto é, ocupando, ainda
que com pesos distintos em suas respectivas comunidades, um posto de filosofia de ciência, em que se
discutem os porquês sobre um determinado fenômeno se apresentar de uma forma específica num dado
contexto, além de avaliar seus graus de previsibilidade.
Embora o Behaviorismo Radical de Skinner tenha se baseado mais em Darwin para criar o seu modelo
explicativo de seleção pelas consequências do que a Biologia Evolutiva contemporânea para dar ênfase nas
suas explicações sobre causalidade, pontos comuns entre tais áreas de investigação podem ser visualizados
em algumas direções. Um destes pontos é a não utilização de explicações teleológicas na consideração de um
fenômeno, o que será novamente abordado adiante.
Uma leitura comportamental sobre o exemplo da migração dos rouxinóis permite visualizar o valor
incondicional de um estímulo para a sobrevivência de uma espécie. Um organismo emite uma determinada
resposta porque a mesma foi selecionada no nível filogenético frente a uma variação ambiental no passado
que garantiu sua sobrevivência e reprodução, caracterizando o que Mayr (1961) chama de causas fisiológicas
intrínsecas. Já quando se fala nas causas fisiológicas extrínsecas, poder-se-ia dizer que uma resposta tem sua
probabilidade alterada pela exposição do organismo a uma dada contingência. Considerando o exemplo
dos rouxinóis, a apresentação de estímulos como a chegada de uma massa de ar fria no habitat em que se
encontram, produziria um aumento na probabilidade de migração, porque além de possuir uma prontidão
para migrar já selecionada filogeneticamente, a emissão dessa resposta seria seguida por uma consequência
relativa ao contato com um meio mais propício para a manutenção de sua espécie e que tem valor reforçador.
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1 Endereço para As neurociências, em geral, e a neuropsicologia, em especial, vêm evoluindo rapidamente nos últimos
correspondência
anos e contribuindo para expandir e aprimorar nosso conhecimento sobre as funções cognitivas e suas
Rua João Huss, 115,
apt.1504, Londrina– implicações no processo de aprendizagem.
PR.CEP: 86050-490
A utilização desses conhecimentos de ordem neurobiológicos nos processos didáticos também
Telefones: 3326-6235 ou
99993-6235 se encontra em expansão, lembrando que a aprendizagem ocorre no cérebro e que o cérebro que se
pestun@sercomtel. desenvolveu de forma diferente - seja por fatores genéticos ou por modificações devido a condições de
com.br
pestun@uel.br gestação - apresentará comportamentos também diferentes e necessitará consequentemente, de estratégias
pedagógicas distintas para a aprendizagem (Cosenza & Guerra, 2011).
Ademais, os resultados práticos da Educação Brasileira mostram-se pífios. Os índices de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB, 2015), registraram notas abaixo do esperado em termos de
desempenho adequado tanto em alunos de escolas da rede pública (média de 5.3) como na rede privada
(6.8). Apesar de esse resultado estar acima das metas estabelecidas pelo governo, ainda está aquém do
esperado para uma educação de qualidade. O Instituto Paulo Montenegro por meio do INAF- Indicador de
alfabetismo funcional – de 2016 identificou em pesquisa brasileira realizada com indivíduos alfabetizados
de 15 a 64 anos que somente 8% leem e escrevem com proficiência. Hoje, o Brasil mesmo tendo ampliado a
escolarização de nossa população com melhorias nas condições de alfabetização, principalmente de jovens
e adultos, ainda encontra-se em uma posição, no mínimo constrangedora de lanterninha do desempenho
escolar mundial. Em 30 de agosto de 2018, o MEC divulgou os resultados da Prova Brasil, aplicada a cinco
milhões de alunos da rede pública e privada de ensino, em 2017. Os resultados são mais desalentadores: ao
término do ensino médio, somente 5% dos alunos apresentam desempenho adequado em matemática e
1,7% em português. 71% dos estudantes apresentam desempenho insuficiente em matemática e 70,3% em
português. O que esperar do futuro da educação brasileira? Precisamos urgentemente buscar parcerias que
possam ajudar a reconstruir nossa educação e formar estudantes com capacidade de pensar, de criar, de
inovar e de produzir (IDEB, 2018).
O profissional com formação em psicologia e especialização em neuropsicologia pode contribuir, não
só para expandir o conhecimento dos professores sobre o cérebro e seu funcionamento, mas também para o
aprimoramento do ensino e da aprendizagem e, principalmente, para a prática da educação inclusiva. Hoje
o professor deve saber lidar com crianças com paralisia cerebral, transtorno do espectro autista, transtorno
específico de aprendizagem, transtorno do déficit de atenção e aprendizagem, síndrome de Down, entre
outros. Portanto, trata-se de um trabalho de parcerias.
CAP 7 Pestun
118 Percepção Atenção Memória
Funções
Executivas
Raciocínio Raciocínio
Espacial APRENDIZAGEM Lógico
Figura 1
Componentes básicos da Aprendizagem e suas inter-relações.
Percepção
É a construção do sentido da informação sensorial (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2006). Trata-se de
uma representação mental e base de todos os conhecimentos, pois possibilita a construção de conceitos.
Quando percebemos um estímulo, ele se torna consciente e, portanto, foco de nossa atenção (Cosenza &
Guerra, 2011). O produto da percepção é mais do que associar características para formar um todo coerente,
e sim uma busca ligada à memória (Gazzaniza, Ivry & Mangun, 2006). Portanto, percepção envolve atenção
e memória, em constante interação. De nossos cinco sentidos, dois são fundamentais para o aprendizado
escolar: visão e audição. Prejuízos visuais ou auditivos não identificados e corrigidos precocemente vão
interferir na capacidade de receber, processar, integrar e recuperar informações sensoriais. Na maioria das
vezes, no entanto, não são os déficits nos órgãos periféricos da visão ou da audição os responsáveis pelos
prejuízos funcionais e sim, os déficits no processamento central. Por exemplo: alterações no processamento
auditivo central contribuem para prejuízos na aquisição da leitura e da escrita, pois a criança pode apresentar
dificuldade em discriminar sons acusticamente próximos, como por exemplo: o /b/ e o /d/ ou o /f/ e o /v/.
Pode também não conseguir fazer a conversão grafofonêmica. Pode não conseguir refletir sobre as unidades
da fala e manipular os sons nas palavras, prejudicando desta forma a linguagem escrita. Porém, não só
as habilidades linguísticas são prejudicadas por prejuízos na percepção, mas as habilidades não verbais
também. O prejuízo de percepção viso-espacial pode comprometer a aquisição e o desenvolvimento da
matemática, principalmente no que refere à ordenação e espaçamento dos números em operações de adição,
subtração, multiplicação e divisão, na compreensão de gráficos, na localização de objetos em cima, embaixo,
no meio, primeiro, último, entre outros. O neuropsicólogo pode ensinar os professores a identificar sinais
característicos de alteração funcional e fazer os devidos encaminhamentos. Pode inclusive ensiná-los a lidar
com essas dificuldades, favorecendo desta forma o aprendizado.
Atenção
Trata-se de um estado de alerta, de vigília e de consciência (Gazzaniga, Ivry & Mangun, 2006; Lezak,
2004). Pode ser seletiva - quando um estímulo é eleito em detrimento de outros -; sustentada ou vigilância
- quando ocorre a manutenção da atenção por um determinado período de tempo -; e alternada - quando
focamos a atenção ora em um estímulo, ora em outro. Como diz Roger Gil (2005), “a atenção está na origem
do conhecimento e da ação”. Lembrando que a capacidade atencional varia não somente entre indivíduos,
CAP 7 Pestun
119 mas também em cada pessoa, em momentos diferentes e sobcondições diferentes (Lezak, 2004). Sem
atenção não há aprendizado, situação raríssima. Na verdade, o que ocorre com cerca de 6% dos estudantes
é a dificuldade em atenção sustentada e no controle inibitório, ou seja, inibir estímulos competitivos e
manter a atenção por períodos mais longos de tempo. O problema está na concentração, dispersam com
facilidade, devido a um problema de origem neurobiológico (Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem
Hiperatividade), principalmente no circuito pré-frontal, que envolve também a memória operacional. O
TDAH é um prejuízo atencional primário real, que atinge cerca de 6% de crianças em idade escolar e necessita
de uma intervenção multiprofissional. Pode ou não vir acompanhado de hiperatividade/impulsividade.
Contudo, uma parcela significativa de estudantes não apresenta concentração adequada devido ao
desinteresse. Se o assunto não for interessante não participam ativamente. Portanto, antes de encaminhar
um estudante para um neuropediatra, vale a pena verificar se as aulas estão interessantes. Tornar um assunto
interessante é o primeiro passo para manter nossos aprendizes motivados, consequentemente, concentrados
e, finalmente, instruídos.
Memória
É a habilidade do organismo vivo de codificar, reter e utilizar a informação adquirida (Bear, Connors,
& Paradiso, 2002). Depende fortemente da atenção. Atenção comprometida não facilita a codificação, a
armazenagem e a recuperação da informação e, consequentemente, a aprendizagem. Quanto a sua duração,
pode ser de curto prazo – armazenamento de acontecimentos recentes -, ou de longo prazo – registro
permanente de nossas lembranças – (Cosenza & Guerra, 2011). Quanto ao tipo de armazenagem, a memória
pode ser: explícita (verbal/declarativa) ou implícita (procedimento). A memória explícita é dependente da
consciência, da relevância da informação e, claro, da atenção envolvida nela, como por exemplo, lembrar
o que aconteceu no último final de semana, uma viagem realizada nas férias, ou do conteúdo da aula de
ciências da semana passada. Por sua vez, a memória implícita ou de procedimento pode ser automática,
sem esforço ou intenção consciente, como dirigir um automóvel, nadar ou andar de bicicleta. É um sistema
especializado para aprendizagem de predições, tais como, o próximo item em uma sequência ou a resposta a
uma regra. Essa memória requer prática, porém quando sistematizada ocorre de forma automática e rápida.
(Evans & Ullman, 2016). As estruturas principais envolvidas nas memórias são o hipocampo (porção
medial do lobo temporal), o córtex pré-frontal, o cerebelo e núcleos da base, operando como uma rede
interconectada.
A memória não é unitária, mas dividida em subsistemas específicos, como é o caso de um tipo de
memória de curto prazo, conhecida como memória de trabalho (Baddley, 2012). Esse sistema contém
quatro componentes: alça fonológica – armazena e manipula sequências de elementos acústicos -; esboço
viso-espacial – armazena informação visual e espacial -; executivo central – sistema de controle atencional
responsável pelo processamento de tarefas cognitivas -; e o retentor episódico – responsável pela conexão
das informações da memória de longo prazo tornando-as conscientes durante o processo de lembrança, em
uma representação episódica única e coerente. Para maior detalhamento ver Baddeley (2012). A memória
de trabalho é imprescindível para a aprendizagem, pois é um arquivamento temporário da informação
enquanto tarefas cognitivas são executadas. Por exemplo: o professor diz: “pegue o livro de atividades,
abra na página 43 e leia o primeiro parágrafo”. Essa instrução exercita passos sequenciais, escuta atenta e,
naturalmente a memória de trabalho. O aluno tem que guardar que deve primeiramente pegar o livro de
atividades, depois abrir na página 43 e, finalmente ler o primeiro parágrafo. A compreensão da linguagem
(instruções) e o raciocínio também dependem da memória de trabalho. Portanto, todo educador do século
XXI deveria compreender o funcionamento da memória para planejar atividades didáticas coerentes
com esses princípios, facilitando assim, o aprendizado por meio da elaboração, repetição e consolidação
do conteúdo trabalhado. O aluno poderá também associar o novo conteúdo com outros já armazenados,
estabelecendo, desta forma, vínculo significativo e registro mais robusto. Pode fazer uso de recursos visuais,
como figuras, imagens de vídeo ou acústicos, como música. O mesmo assunto pode ser examinado mais de
CAP 7 Pestun
120 uma vez e em diferentes contextos, facilitando a consolidação (Cosenza & Guerra, 2011). Políticas públicas
que priorizem a formação continuada de professores da educação infantil e do ensino fundamental quanto
à estimulação preventiva das funções cognitivas são necessárias.
Funções Executivas
Podem ser entendidas como processos cognitivos de alta complexidade que permitem o controle
consciente de pensamentos, emoções e ações para alcançar objetivos ou solucionar problemas (Papalia &
Feldman, 2013; Lezak, 2004). Atuam como uma interface entre os indivíduos e o ambiente com o qual
interagem (Cosenza & Guerra, 2011). Envolve um conjunto de habilidades, tais como memória de trabalho,
atenção, controle inibitório, autorregulação, tomada de decisões, capacidade de planejamento, integração
temporal, resolução de problemas, flexibilidade mental (capacidade de organizar os elementos em categorias
que compartilham determinadas características), que de forma integrada permite ao indivíduo planejar,
verificar e ajustar o comportamento a metas (Fuster, 2008). A janela de desenvolvimento das funções
executivas - quando o cérebro fica mais receptivo a certos estímulos e muito apto a aprender - ocorre da
infância até o término da adolescência, portanto, durante a principal fase de escolarização. Entre sete e nove
anos, aproximadamente, ocorre um acelerado desenvolvimento da memória de trabalho, da flexibilidade
mental, da capacidade de planejamento viso-espacial e sequencial (Flores-Lozano, Castillo-Preciado &
Jiménez-Miramontes, 2014). Todas essas habilidades estão altamente envolvidas nas atividades escolares.
Quando há comprometimento das funções executivas, mesmo que outros domínios da cognição estejam
preservados, o desempenho do indivíduo em tarefas complexas, sejam elas relacionadas ao trabalho, à vida
escolar ou à vida familiar é altamente prejudicado (Malloy-Diniz et al., 2010). A estrutura principal envolvida
com essas funções é o córtex pré-frontal e seus circuitos. Há vários modelos teóricos explicativos para o
constructo das funções executivas, mas para os propósitos desse capítulo, elegemos o modelo funcional de
Fuster (2008), que destaca a diferença entre as manifestações cognitivas e comportamentais decorrentes
de alterações nos circuitos frontais. Quando os circuitos que envolvem conexões com o cíngulo anterior
e estruturas subcorticais estão comprometidos, o indivíduo geralmente apresenta apatia, desmotivação e
dificuldades no controle da atenção, o que dificulta o automonitoramento e a correção dos erros. Quando o
comprometimento envolve o circuito da região dorsolateral pré-frontal, ocorrem dificuldades relacionadas
ao estabelecimento de metas, de planejamento e resolução de problemas, de memória operacional, de
atenção, monitoramento da aprendizagem e alterações nas habilidades de abstração e julgamento. Quando
o circuito orbito frontal está comprometido, ocorre alteração abrupta da personalidade, do comportamento
e dificuldade em inibir comportamentos impróprios e considerar consequências a longo prazo. Todas essas
manifestações cognitivas e comportamentais são queixas frequentes de professores em relação a alguns de
seus alunos.
Para ajudar os professores a mudarem essa realidade, sugerimos primeiramente estruturar o ambiente
escolar, com rotinas bem definidas, com ambiente motivador. O ensino de estratégias para planejamento das
atividades, para o estabelecimento de metas em uma perspectiva temporal é fundamental para o controle
consciente da aprendizagem e monitoramento do progresso. Identificar erros, refletir sobre eles e saber como
corrigi-los; avaliar risco e identificar oportunidades é outra meta educativa. Todas essas práticas educativas
têm o objetivo maior de levar o estudante a compreender que essas orientações vão ajudá-lo a se tornar um
indivíduo independente, autorregulado, com pensamento flexível e crítico.
CAP 7 Pestun
121 começa o desenvolvimento das habilidades motoras vinculadas à aprendizagem. No primeiro ano de vida,
a criança já senta, engatinha, e muitas, inclusive, andam e começam a pronunciar as primeiras palavras
com significado. Entre dois e três anos desenvolve o esquema corporal (consciência das partes do corpo
e de expressar-se por meio desse corpo). Entre quatro e cinco anos, inicia os movimentos de pré-escrita,
com conhecimento de direita e esquerda, noções temporais e espaciais. Aos seis anos e meio já é capaz de
reconhecer a mão direita ou esquerda de uma pessoa à sua frente.
Exercícios motores são fundamentais para o registro da escrita. São eles que desenvolvem a força
muscular, a flexibilidade e a agilidade de cada articulação do membro superior. Portanto, deveriam estar
presentes, de forma sistemática desde a educação infantil.
Problemas motores na fase escolar vão refletir em caligrafia irregular, muitas vezes incompreensível;
leitura oral sem ritmo, com interrupções, muitas vezes com omissão de linhas inteiras; dificuldade em
distinguir direita e esquerda com prejuízo na direção gráfica da escrita; problemas de orientação espacial
e temporal vão interferir na ordenação dos fonemas nas sílabas, das sílabas nas palavras, das palavras nas
frases; bem como na matemática, na ordenação espacial dos números para que o cálculo seja efetuado.
Construções geométricas também dependem dessas habilidades. A função motora mantém ligações com a
estruturação espacial e a orientação temporal.
A estruturação espacial e temporal pode ser definida como a capacidade de compreender espaço e
tempo e operar sobre eles. Por exemplo: quando a criança aprende os conceitos de frente, atrás, ao lado,
embaixo, em cima, longe, perto - ainda na Educação Infantil - ela está desenvolvendo suas representações
mentais de espaço. Quando aprende os conceitos de ontem, amanhã, dias da semana, meses do ano, está
desenvolvendo sua orientação temporal, que junto com a estruturação espacial permitirão, mais tarde, no
ensino fundamental, traçar com compreensão letras, grafar palavras (discriminar a posição visuoespacial do
b/d, p/q), compreender matemática, história, produzir textos com coesão e coerência.
Já a habilidade viso construtiva é a capacidade de construir ou reunir elementos no espaço de maneira
a formar um produto final. Depende da percepção espacial, habilidade para formar planos ou metas,
comportamento motor e capacidade de monitorar o próprio desempenho. Por exemplo: montar quebra
cabeças, ler mapas, ler e entender gráficos. Portanto, percepção, funções executivas, atenção, memória estão
intimamente vinculados ao comportamento motor e ao raciocínio espacial e temporal.
Desta forma, para que essas capacidades sejam adquiridas e desenvolvidas de forma adequada há
necessidade de muita prática, aliada ao feedback. É preciso fazer, saber se está fazendo certo e como corrigir,
caso necessário. Segundo De Meur e Staes (1991), a função motora, o desenvolvimento intelectual e o
desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados.
Linguagem
É uma forma de comunicação que favorece a adaptação do indivíduo ao ambiente. Envolve aspectos
tanto biológicos quanto sociais (Lepe-Martínez, Pérez-Salas, Rojas-Barahona, & Ramos-Galarza, 2018). Pode
ser do tipo verbal, escrita ou gestual e é considerada primordial para a aprendizagem. Algumas habilidades
linguísticas são fundamentais para a aprendizagem escolar e dependem majoritariamente da memória de
trabalho na organização, retenção e produção da linguagem. Entre elas, se sobressai a consciência fonológica,
que é a capacidade de refletir, analisar e segmentar unidades de sons, ou seja, entender que as palavras que
ouvimos, lemos e escrevemos têm estrutura interna baseada em sons. Esta habilidade é fundamental para
a aquisição e o desenvolvimento da leitura e da escrita. Memória fonológica, nomeação, vocabulário são
elementos importantes para a aprendizagem eficaz. Gramática e sintaxe, também.
Quando o problema de comunicação decorre de alterações do desenvolvimento neurobiológico, temos
o Transtorno de Linguagem (DSM-5, APA, 2013). É definido como um conjunto de dificuldades persistentes
tanto na aquisição como na produção da linguagem, em suas distintas modalidades: falada, escrita e
sinais. Seus problemas principais residem no vocabulário reduzido, nas estruturas gramaticais pobres e na
deterioração do discurso. Não podem ser explicados por problemas sensoriais, motores, neurológicos ou
CAP 7 Pestun
122 deficiência intelectual (APA, 2013). Estima-se a prevalência mundial do transtorno em 7,4% da população
infantil (Acosta, 2014). Uma criança com transtorno de linguagem tem dificuldades não só na produção
ou recepção da linguagem oral, mas também para atender de modo eficiente a estímulos linguísticos e para
codificar as entradas linguísticas que recebem porque não são capazes de reter e nem organizar rapidamente
o armazém léxico de que dispõe, afetando a interpretação adequada da informação e, consequentemente, a
produção da linguagem (Lepe-Martínez et al., 2018). Apresentam também prejuízos no controle da atenção,
na inibição de estímulos competitivos e no processamento verbal e viso-espacial (Marton, 2008). Alterações
em um ou mais desses componentes da linguagem, sejam eles fonológicos, morfossintáticos, semânticos ou
pragmáticos, vão afetar negativamente não só o desempenho acadêmico, mas também o desenvolvimento
social e afetivo das crianças que os manifestam.
No caso em que não há um transtorno de linguagem e, sim, um desinteresse pelo uso da norma culta
do idioma materno, como despertar a motivação em nossos alunos para a língua portuguesa? Algumas
atividades simples, tais como: visita a museus (Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, por exemplo),
fundação de um jornal escolar, promoção de concurso de contos, poesia, artigos; são atividades possíveis de
ser realizadas pela equipe pedagógica. E atraentes do ponto de vista estudantil.
Motivação
É a condição do organismo que influencia a direção do comportamento para um objetivo específico,
aumentando o estado de alerta geral e energizando o indivíduo para a ação (Kandel. Schwartz, & Jessel,
2000). Parece ser resultante de atividade cerebral que processa informações vindas do meio interno
(processos homeostáticos básicos, essenciais para a vida) e do ambiente externo (oportunidades e ameaças)
determinando o comportamento a ser exibido (Cosenza & Guerra, 2011). A maioria dos comportamentos
motivados, direcionados a um objetivo, é aprendida. Aquelas ações que tiveram resultados positivos,
tenderão a ser repetidas, enquanto aquelas com resultados negativos tenderão a ser evitadas, o que é muito
importante para a aprendizagem. O circuito dopaminérgico está muito envolvido na motivação e nas
emoções, tanto positivas - envolvimento, entusiasmo, curiosidade, desafio - como negativas - ansiedade,
apatia, medo, frustração (Cosenza & Guerra, 2011). É o circuito dopaminérgico que provoca a sensação de
prazer e bem-estar, por meio da liberação do neurotransmissor dopamina.
O que a escola deve fazer é eleger emoções positivas como sustentáculo da aprendizagem e reduzir, ao
mínimo, as emoções negativas. Isso significa tornar o ambiente escolar prazeroso, estimulante, cooperativo e
valoroso e, evitar, principalmente o estresse, a competitividade, o medo e a frustração. Um modelo de ensino
que atrai muito a atenção e o interesse dos alunos é a “aprendizagem baseada em projetos – ABP” (Bender,
2014). Os alunos elegem um problema do mundo real, ou uma solicitação da comunidade, determinam
como abordá-lo e, então, agindo em cooperação buscam solucioná-lo. Não é uma técnica recente, surgiu
em 1933, por Dewey e foi inicialmente empregada em cursos de medicina. Hoje, aplicada principalmente
no ensino de ciências e de matemática, com muito sucesso. Lembrando também que desenvolve habilidades
sociais, tais como: cooperação e interação social.
Conclusão
Aprendizagem é um processo por meio do qual as experiências individuais produzem mudança no
SNC, e, em consequência, no comportamento. As sensações, as percepções, as ações motoras, as funções
executivas, as memórias, a atenção, a linguagem, a motivação e as emoções são produto da atividade cerebral
e inter-relacionados constituem o alicerce da aprendizagem. Portanto, conhecer o funcionamento cerebral
é uma prioridade para todo educador do século XXI, lembrando, porém, que somente esse conhecimento
não é garantia suficiente para o sucesso do processo de ensino e de aprendizagem. A partir do conhecimento
neurobiológico, o professor poderá traçar estratégias pedagógicas eficientes de ensino que levem a uma
aprendizagem consistente, significativa e de sucesso, não só para o aluno com desenvolvimento típico, como
CAP 7 Pestun
123 para aquele em situação especial, como os autistas, os disléxicos, os paralíticos cerebrais, os surdos, os cegos,
os Down, entre outros.
Desde os primeiros anos de vida, a criança - sem alteração de ordem neurobiológica - por meio da
atividade lúdica desenvolve as habilidades pré-requisitos para a educação formal, ou seja, ler, escrever e
calcular. Ao manipular objetos, ela aprimora a coordenação motora, a percepção auditiva e visual, a atenção,
a linguagem e o pensamento abstrato. Ao brincar de escola, de casinha, de oficina, a criança desenvolve as
habilidades sociais. Ao brincar com os sons das palavras, por meio de rimas, a criança está construindo
a consciência fonológica, que irá alicerçar a aprendizagem da leitura e da escrita. Ao construir quebra-
cabeças, ela está sedimentando as habilidades necessárias para a aprendizagem da matemática. Portanto,
aprender a ler, escrever e calcular com proficiência depende da integração de várias funções cognitivas.
Ao produzir um texto escrito, por exemplo, o aluno precisará ativar as funções de memória, as executivas
(planejamento, organização das ideias, verificação, correção), a linguagem (vocabulário, sintaxe, semântica),
atenção, entre outros.
A neuropsicologia, como área de conhecimento pode auxiliar o educador a fundamentar a prática
pedagógica, levando em consideração o funcionamento do cérebro, e a orientar as intervenções necessárias
com alunos com necessidades especiais. Pode também participar da formulação de políticas públicas para
o avanço da educação brasileira. Portanto, a parceria entre Neuropsicologia e educação é um desafio,
porém viável.
Para finalizar é importante deixar algumas orientações, que se mostraram muito eficientes com crianças
em intervenção, devido a algum transtorno de aprendizagem e que, com certeza, fariam sucesso com alunos
com desenvolvimento típico:
1. Planejar e elaborar as atividades procurando integrar várias habilidades cognitivas, tais como:
atenção, memória e linguagem (atividades de leitura, escrita); raciocínio espaço-temporal, resolução
de problemas e planejamento (matemática); percepção visual, raciocínio espacial e resolução de
problemas (matemática).
2. Revisar a atividade ou conteúdo trabalhado em um dia, no dia seguinte, após outros três dias e ao
final da semana seguinte, para que seja consolidada.
3. Relacionar o conteúdo novo ao que foi ensinado anteriormente, a fim de construir compreensão
conceitual aprofundada.
4. Limitar estímulos no ambiente de estudo - sala de aula e quarto de estudos – para aqueles altamente
significativos para a atividade em questão. Desta forma, estaremos privilegiando os estímulos que
irão facilitar o processamento e a aprendizagem.
5. Estabelecer disciplina, como horário e tempo de estudos, por exemplo.
6. Feedback efetivo/formativo. Mostrar o erro para o aluno levando-o a refletir sobre o erro e ensiná-
lo a corrigir é crucial para a aprendizagem.
7. Ensino atrelado à vida, ao mundo real. Os conceitos devem ser trabalhados vinculados à realidade
da criança e com a participação do aluno. Priorizar tarefas e problemas altamente motivadores e
envolventes.
8. Resolução de problemas em pequenos grupos, de preferência heterogêneo, desenvolvendo
o comportamento cooperativo, as relações interpessoais, tendo o professor como facilitador,
orientador.
9. Priorizar qualidade em vez de quantidade.
10. Fornecer o tempo necessário para que cada aluno termine a sua tarefa com qualidade.
11. Fazer uso de ferramentas de avaliação diferenciadas e inovadoras, tais como: autoavaliação,
avaliação de colegas, atribuições de notas em grupo e individual, avaliação diária do aluno, por
parte do professor.
12. Valorizar a revisão. Não só o hábito diário da revisão do conteúdo, mas também de cada produção,
por exemplo: um texto escrito ou a análise da interpretação de um conteúdo.
CAP 7 Pestun
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CAP 7 Pestun
Depressão maior: contribuições da epidemiologia e das
neurociências para a análise do comportamento clínica 1 8
André Demambre Bacchi
Universidade Federal do Mato Grosso
Dainon Eric de Souza Machado
Universidade Estadual de Londrina
Iury Florindo
Universidade Estadual de Londrina
1 Endereço para Segundo De Silva (2015), a última década foi marcada por um notável interesse das comunidades
correspondência:
André Demambre científicas no campo da saúde mental global. O intuito destas pesquisas é reduzir o ônus dos transtornos
Bacchi. Autor mentais por meio de uma abordagem baseada em evidências e direitos humanos, com foco nos países de
Correspondente.
Endereço para baixa e média renda, onde as dificuldades e barreiras no cuidado com a saúde mental são maiores. Um dos
correspondência: Rua maiores focos destas intervenções e pesquisas é a depressão.
Alexander Graham
Bell, 560 apto 4401, A depressão é considerada um grande problema na saúde pública global, pela sua alta incidência na
CEP 86063-250,
Londrina-PR. Email:
população geral, sintomas debilitantes e incapacitantes. Desde o ano de 2001, a depressão tem sido uma das
andre.bacchi@outlook. prioridades da Organização Mundial da Saúde (Twynam-Perkins, Pollockk, & Brilikhova, 2011)
com
De acordo com Barros et al. (2017) um ponto de vista epidemiológico, a depressão pode interagir com
outras doenças crônicas, agravando ainda mais o prognóstico. Por exemplo, a depressão pode aumentar o
risco de doenças como o infarto e o acidente vascular cerebral. Como resultado, a depressão é um fator de
risco tão impactante quanto o sedentarismo. Ainda de acordo com os autores, a depressão é fortemente
relacionada com o aumento de consumo de álcool, tabaco e alimentos gordurosos, hábitos que prejudicam
a saúde geral das populações.
Pelo menos um dos estados de humor anormais que causam impacto significativo na vida do indivíduo:
1. Humor deprimido anormal durante grande parte do dia, todos os dias, por pelo menos duas
semanas (disforia).
2. Perda de interesse e prazer anormal a maior parte do dia, todos os dias, por pelo menos duas
semanas (anedonia).
3. Se o indivíduo tiver menos de 18 anos, presença de humor irritado durante grande parte do dia,
todos os dias, por pelo menos duas semanas.
Além dos critérios acima citados, para o diagnóstico de depressão, pelo menos cinco dos seguintes
sintomas devem ocorrer pelo mesmo período de duas semanas: (a) Humor deprimido (critério A); (b) Perda
de interesse e prazer (Critério B); (c) Alterações de apetite ou peso; (d) Alterações no sono; (e) Agitação
ou sonolência; (f) Fadiga ou perda de energia; (g) Sentimento excessivo de culpa; (h) Dificuldades de
Concentração; (i) Pensamentos de morte ou suicídio.
Algumas mudanças em critérios para a classificação de um episódio depressivo causaram críticas à
última revisão do manual; o luto deixou de ser considerado um fator excludente no Transtorno Depressivo
126 Maior e outros sintomas como “características mistas” e “com ansiedade” podem fazer parte do diagnóstico
(Araújo & Neto 2014).
Terapêuticas da Depressão Maior
A psicoterapia e a farmacoterapia são os tratamentos de primeira linha utilizados para os casos de
depressão. As psicoterapias de base comportamental, como a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC)
e Terapias de Terceira Onda como a Ativação Comportamental, Terapia de Aceitação e Compromisso,
Terapia Comportamental Dialética e Terapia Analitico Funcional são comumente relatadas como eficazes
na diminuição dos sintomas da depressão ou remissão de um episódio depressivo (Abreu, 2006; Abreu
& Abreu, 2015; Anthes, 2014; DeRubeis, Siegle, & Hollon, 2008; Silveira et al., 2009 ). Em uma revisão
sistemática de literatura, Ijaz et al. (2018) concluíram que existe maior probabilidade de remissão de um
episódio depressivo maior com a combinação farmacoterapia e psicoterapia, em comparação com casos
tratados apenas com farmacoterapia. Para casos não respondentes aos tratamentos de primeira linha, a
eletroconvulsoterapia é um dos tratamentos mais eficazes contra a depressão maior (Antunes, Rosa,
Belmonte-de-Abreu, Lobato, & Fleck, 2009; Nordanskog, 2015).
Considerando que a combinação entre psicoterapia e farmacoterapia contribui para a maior
probabilidade para a remissão e redução de recorrência de episódios depressivos e considerando a
crescente necessidade em se utilizar tratamentos baseados em evidências, este capítulo tem como
objetivo apresentar as contribuições da epidemiologia, neurociências e da farmacologia para a análise do
comportamento clínica.
Desenvolvimento
Epidemiologia e Depressão
A Epidemiologia pode ser entendida como a ciência que estuda doenças e seus determinantes em uma
população específica (Rothman, Greenland, & Lash, 2011). Um dos objetivos da epidemiologia é encontrar
metodologias refinadas que consigam abordar problemas de causalidade multifatorial. Palmeira (2000)
define a epidemiologia como o estudo dos processos de saúde-doença em populações definidas, com o
objetivo de prevenção e controle.
A epidemiologia pode ajudar a mensurar o impacto das doenças nas populações através de medidas
epidemiológicas, como a prevalência e a incidência de uma determinada doença em uma população. O
termo prevalência corresponde à quantidade de casos existentes de uma doença definida, em uma população
específica e dentro de um período de tempo específico. O termo incidência corresponde ao número de
novos casos ocorridos em população. O número de novos casos de uma doença, em uma população de risco,
em um período de tempo determinado, é chamado de coeficiente de incidência (Palmeira 2000).
Segundo Bonita, Beaglehole e Kjellsrtom (2010) a epidemiologia moderna considera a causa das
doenças como uma combinação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores ambientais são amplamente
considerados com a inclusão de fatores biológicos, químicos, físicos, psicológicos, econômicos e culturais,
que possam de alguma maneira afetar a saúde das populações.
As doenças mentais, como a depressão, são categorizadas como doenças crônicas não transmissíveis e
também são objetos de estudo da epidemiologia. Apesar de a depressão possuir um conjunto de sintomas,
Máximo (2010) aponta para a dificuldade do diagnóstico e tratamento da depressão. Vilano e Nanhay
(2011) afirmam que são poucos os estudos epidemiológicos no Brasil que mensuram a prevalência geral
de doenças mentais. A depressão no Brasil é um fator fortemente associado à busca de serviços de saúde
pública primária, principalmente por mulheres entre 20 e 44 anos, está associado à morbidades e demanda
esforços interdisciplinares. Conhecer e tratar a depressão significa melhor prognóstico para morbidades
como diabetes mellitus, câncer, alcoolismo e hipertensão, por exemplo. As dificuldades em diagnosticar
e tratar a depressão residem na falta de recursos da atenção pública, forte estigma das pessoas com o
Considerações Finais
Até o ano de 2020, a depressão será a segunda maior causa de invalidez no mundo e até 2030, será o
maior fator de contribuição para a carga de doenças, de acordo com um relatório da Organização Mundial
da Saúde (World Health Organization - WHO, 2012). Os relatórios produzidos pelas agências globais de
saúde mostram a necessidade de pesquisa e intervenção, principalmente na identificação de variáveis causais
da depressão maior e estratégias de prevenção e tratamento, em especial, em países subdesenvolvidos como
o Brasil. A Análise do Comportamento é uma ciência que pode interagir com a epidemiologia e produzir
programas de pesquisa e políticas de prevenção e tratamento. Tanto a Análise do Comportamento quanto
a epidemiologia, são ciências contextuais que consideram o poder de impacto de diferentes variáveis,
proximais e distais, sob o comportamento de populações definidas.
Somado a isso, a neurociência e a psicofarmacologia são capazes de contribuir com a Análise
do Comportamento no tratamento da depressão ao demonstrar que fatores ambientais e as respostas
comportamentais a estes fatores contribuem para alterações neurobiológicas consonantes com o estado
depressivo e que o uso de antidepressivos promove alterações que vão muito além do que o conceito
simplista de “aumentar serotonina, o neurotransmissor da felicidade”.
Do ponto de vista clínico, a Terapia de Aceitação e Compromisso, ao contrário do que comumente se
acredita, é uma modalidade terapêutica que pode se adaptar facilmente a diversos enfoques de tratamento.
Como é baseada em princípios comportamentais comuns a outras terapias Analítico-Comportamentais ou
Contextuais, como a Esquiva Experiencial e a promoção de saúde por meio da Flexibilidade Psicológica,
pode facilmente se utilizar de dados de estudos epidemiológicos e farmacológicos para ampliação do
entendimento e intervenção no TDM enquanto entrega melhor tratamento possível de uma perspectiva
funcional e compatível com o Behaviorismo Radical.
Portanto, cada uma destas áreas do conhecimento (epidemiologia, neurociências, farmacologia e
psicoterapia) fornecem algumas peças para montar este complexo quebra-cabeça. Daí a urgente necessidade
de integrarmos estas ciências, pois enquanto enxergarmos as teorias das diversas áreas como concorrentes,
estaremos sempre sujeitos a incorrer em reducionismo.
Referências
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Aplicada? Archives of Clinical Psychiatry, 33(6), 322-328.
1 Endereço para O presente estudo tem como objetivo apresentar de maneira introdutória as teorias que embasam as
correspondência:
Nione Torres chamadas terapias contextuais (ou de terceira geração) e a apresentação de dois estudos de caso clínico. Tais
nionetorresiacep@ abordagens terapêuticas dão ênfase ao contexto e à função do comportamento, ressaltando, dessa maneira,
gmail.com, Av. Carlos
Gomes, 351, Jardim o pragmatismo como critério de verdade. Assim, o trabalho em pauta será conduzido apresentando a
Lago Parque, Psicoterapia Analítico Funcional – FAP (Kohlemberg & Tsai, 2001), a Terapia de Aceitação e Compromisso
Londrina-PR
- ACT (Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999) e a Terapia Comportamental Dialética – DBT (Linehan, 1993).
Dada a essa e outras questões, hoje a DBT baseia-se, de forma consistente, em uma posição teórica
behaviorista e, ao mesmo tempo, trazendo elementos da terapia cognitivo-comportamental, das terapias
psicodinâmicas, da gestalt terapia, da abordagem centrada na pessoa, das abordagens de psicoterapias
paradoxais e, como já dito, da abordagem dialética e da prática Zen budista (Linehan, 2010a apud Dornelles
& Sayago, 2015).
Dessa forma e como resultado dessa fusão de estratégias terapêuticas, a DBT construiu uma proposta de
tratamento com solidez e flexibilidade no sentido de lidar com aqueles pacientes que costumam apresentar
problemas múltiplos e complexos, variedade de comorbidades, comportamentos de autolesão sem intenção
suicida, além de comportamentos com alto risco de suicídio. Entendem Swales e Heard (2009) que, por conta
de tamanha demanda, a DBT possui uma organização fundamentada em princípios e não em protocolos.
Ou seja, os mais diversos princípios orientam o terapeuta como manejar e em que focar no processo clínico,
a partir das mais distintas situações clínicas que se apresentam, notadamente, nas situações de crises.
PARADIGMAS DE INTERVENÇÃO
DIALÉTICAS
ACEITAÇÃO MUDANÇA
ANÁLISE EM CADEIA
VALIDAÇÃO
ANÁLISE DE SOLUÇÃO
Consultoria ao C. Intervenção
Comportamental
MANEJO
DO CASO
Supervisão / Consultoria do T.
Figura 1
Paradigma de Intervenção (Dornelles & Nicoletti, 2018 adaptado de Linehan, 2010)
Cumpre ressaltar que até aqui foi apresentada uma visão geral e resumida da abordagem DBT e que,
tendo em vista o objetivo já citado no presente capítulo, a ênfase dada será no primeiro e mais importante
componente das estratégias de mudança denominada por Linhean (1993a) de Análise em cadeia, inserida,
por sua vez, nas estratégias de mudança.
Fatores de Evento
Elos Comportamentos Consequências
vulnerabilidade desencadeante
Figura 2
(Leonardi, 2018 - adaptado de Linehan, 2018)
Na verdade, para DBT, a análise em cadeia é considerada uma estratégia central de mudança; em
geral todas as demais estratégias são utilizadas ao longo da análise em cadeia (Koerner, 2012; Linehan,
2010). Portanto, um processo de elaboração da análise em cadeia deve contemplar, em especial, as
seguintes questões:
“Qual é o comportamento-problema? Qual foi o evento desencadeante que fez com que o
cliente se direcionasse a esse comportamento? Quais os elos entre o estímulo desencadeante e o
comportamento-problema? O que tornou o cliente mais suscetível a emitir esse comportamento?
Quais foram as consequências desse comportamento?” (Leonardi, 2018, p. 121).
Resultados apresentados pela cliente a partir da intervenção e análise em cadeia: Até final de 2017
várias intervenções foram realizadas e os comportamentos de comer compulsivamente e purgar diminuíram
para 03/04 episódios quinzenalmente. Após essa data, a cliente não apresentou o comportamento-problema
por mais de 30 dias. Em fevereiro de 2018, tal comportamento voltou a ocorrer numa frequência de 02
vezes por semana. Foi, então, introduzida (e retomada em mais duas sessões) a análise em cadeia discutindo
estratégias de como lidar com pensamento, emoções e sentimentos evocados a partir da existência de
estímulos aversivos ambientais (os elos que se apresentavam na cadeia). Após essa data e até o presente
momento não mais apresentou o comportamento-problema.
Como pode ser aqui observado, os passos acima descritos devem direcionar o terapeuta à total
compreensão do problema. Outros passos (aqui não estão sendo abordados uma vez que não contemplam os
objetivos desse trabalho), obviamente, virão sequencialmente e referem-se à implementação de estratégias
clínicas DBT para alterar aquele comportamento-problema.
Finalizando, a análise em cadeia é de uma ferramenta inestimável e notadamente estruturada para
avaliar um comportamento a ser modificado. Entre várias razões, possível destacar que ela proporciona
informações essenciais no sentido de compreensão dos eventos que conduzem àquele comportamento-
problema. Terapeuta e cliente, ao conduzirem repetidamente análises em cadeia poderão identificar qual
padrão que faz links com os diferentes componentes de um comportamento. Ou seja, especificar quais são os
elos é um primeiro (e grande) passo na busca de soluções para interromper um comportamento-problema.
Fundamental: quando qualquer um dos elos da cadeia pode ser rompido, o comportamento-problema pode
ser interrompido (Linehan, 2018, p.141).
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1 Endereço para No livro Beyond Freedom and Dignity, Skinner (1971) advoga pela aplicação dos conhecimentos de
correspondências:
Cassiana Stersa uma ciência do comportamento para a solução de problemas humanos tais como superpopulação, educação,
Versoza-Carvalhal. Rua entre outros. Uma possibilidade de aplicação dos conhecimentos de uma ciência do comportamento para
Alemanha, 633 – Jardim
Igapó. CEP: 86046-050 a solução de problemas humanos está no campo das políticas públicas, ao qual uma assessoria de analistas
Londrina, Paraná, Brasil. do comportamento poderia contribuir para “adequações na dimensão comportamental das políticas de
(43)99917-8779, e-mail:
cassianaversoza@gmail. governo, na elaboração de leis, regras, normas e campanhas” (Carrara, 2015, p.132). Em função disso,
com
estudos de orientação analítico-comportamental na área das políticas públicas vêm crescendo (Carrara et
al., 2012; Machado, 2007; Kaiser, Haydu, & Gallo, 2015) e parecem ser um novo e promissor campo de
atuação para o psicólogo analista do comportamento.
Apesar das inegáveis contribuições que o conhecimento produzido por uma ciência comportamental
tem para a elaboração de políticas públicas nas mais diversas áreas - uma vez que a compreensão sobre o
modo como as pessoas agem é crucial para a solução de diferentes problemas – o corpo de conhecimento
da Análise do Comportamento não é suficiente para o trabalho nesse campo de atuação. Trabalhar com
políticas públicas exige conhecimentos de áreas como o direito, o serviço social, a sociologia, além das áreas
específicas concernentes à cada problema específico: meio ambiente, educação, saúde, e assim por diante.
O diálogo, portanto, com outros campos de saber parece ser um caminho importante para a construção
de um trabalho mais embasado e efetivo, além de ser extremamente necessário para que o conhecimento
da Análise do Comportamento alcance outras áreas, sobretudo as aplicadas, e não fique isolada de outros
saberes, o que parece ser um problema recorrente neste campo de conhecimento. Dentre as diferentes
áreas de conhecimento que se relacionam com o tema das políticas públicas, esse capítulo procura buscar
contribuições no direito para compreender algumas relações entre a elaboração de políticas públicas e os
valores que as norteiam.
Uma discussão recorrente no âmbito do planejamento cultural refere-se à definição dos valores que
orientarão esse planejamento, uma vez que é preciso decidir que “tipo de cultura” planejaremos, isto é, quais
práticas culturais serão produzidas (Skinner, 1971). A prescrição de valores que nortearão uma intervenção
cultural é feita a partir de uma linguagem normativa, a fim de apontar quais valores devem ser assumidos
(Dittrich, 2010). Ao longo da obra de Skinner é possível identificar diversos valores que o autor aponta como
aqueles que devem nortear o planejamento de práticas culturais, como por exemplo, felicidade, cooperação
etc. (Melo & Castro, 2015).
Segundo Dittrich (2010), “diversos autores que se identificam como behavioristas radicais levam a
ética skinneriana para além do autor – interpretam-na, em suma” (p. 39). Assim, encontram-se, também, na
Análise do Comportamento, diversos estudos que buscam identificar na obra skinneriana o valor principal
prescrito por Skinner, ou seja, dentre diversos valores prescritos pelo autor um deles é identificado como
valor principal que deverá nortear todo planejamento cultural. Os demais valores têm sua importância e
147 é objetivo do planejamento cultural assegurá-los, mas eles são valores ditos auxiliares, o que implica uma
hierarquia de valores, subjugando os valores auxiliares ao valor fundamental.
Em vários desses estudos a sobrevivência das culturas é apontada como o valor principal proposto
por Skinner, o que significa dizer que o bem da cultura deve ser o centro de um planejamento cultural
(Melo & De Rose, 2012; Dittrich, 2008; Castro & De Rose, 2014). No entanto, existem também autores que
apontam para os perigos de se eleger a sobrevivência da cultura como valor principal, por exemplo quando
esse valor é entendido como a sobrevivência de uma cultura em detrimento da outra. Fernandes (2015)
alerta que “existe uma negligência de Skinner com as consequências históricas de uma possível ação voltada
para a sobrevivência . . . Em nome da sobrevivência, declaradamente, ou não, as pessoas estão matando,
estuprando, torturando, explodindo...” (p. 120). Apesar de Skinner se preocupar com valores auxiliares, tais
como saúde, felicidade e segurança, “é fundamental que notemos as limitações de sua prescrição ética da
sobrevivência das culturas” (Fernandes, 2015, p. 121).
No âmbito jurídico, valores são garantidos na forma de direitos. Os valores mais importantes de uma
sociedade são expressos nos e garantidos por seus direitos fundamentais e a presença de um rol de direitos
fundamentais no conteúdo de uma constituição, por sua vez, é condição necessária para que a constituição
seja reconhecida como tal – isto é, uma constituição que não prevê um rol de direitos fundamentais, de
acordo com as teorias constitucionalistas, não pode ser reconhecida como constituição.
Os direitos fundamentais possuem algumas características que assim os definem: (a) possuem “caráter
normativo supremos dentro do Estado” (Dimoulis & Martins, 2011), isto é, constituem-se nos direitos mais
caros a uma sociedade, os quais devem ser efetivados pelo fato de existirem, não dependendo de nenhuma
outra condição; (b) tratam-se de “situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não
convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive” (Silva, 2011); e (c) “a todos, por igual, devem ser, não apenas
formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados” (Silva, 2011), ou seja, são comuns a
todos os homens e mulheres de um Estado Democrático de Direito. No entanto, os direitos fundamentais
não possuem caráter absoluto e, em vista de uma aplicação justa e razoável, direitos fundamentais são
passíveis de restrições.
As políticas públicas constituem um tipo de norma jurídica que tem como função garantir a
concretização dos direitos fundamentais (Junior, 2009). Portanto, assim como o planejamento cultural
proposto por Skinner deveria garantir a sobrevivência das culturas, seu valor fundamental, a função das
políticas públicas deve ser a de garantir os direitos fundamentais constitucionais. Há, então, uma relação
direta entre os valores de uma sociedade e as políticas públicas que serão nela elaboradas e praticadas.
De acordo com Junior (2009), uma das etapas de uma política pública, portanto, é a verificação da
compatibilidade da política proposta com os valores adotados. Outro ponto essencial é a sistematização de
critérios ou formas para lidar com situações de conflitos entre esses direitos (ou valores).
Embora seja intuitivo que exista um conteúdo essencial dos direitos fundamentais, isto é, que haja
uma descrição daquilo que efetivamente deve ser garantido por cada direito fundamental, de acordo com
Da Silva (2006) “há questões extremamente complexas, ligadas a essa ideia simples, que não podem passar
despercebidas” (p. 23). De acordo com o autor, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais envolve a
definição do que é protegido pelo direito; a relação entre o que é protegido e suas possíveis restrições; e
a fundamentação tanto do que é protegido, quanto da restrição. Todas essas questões são abordadas por
Da Silva (2006), ao defender a tese de que o âmbito de proteção de um direito fundamental deve ser o
mais amplo possível e de que não há diferença entre regulamentação e restrição de um direito. Esses dois
pontos da tese de Da Silva (2006) serão mais bem abordados ao longo do capítulo, que tem como objetivo
apresentar possíveis contribuições da tese desse autor para a compreensão e definição de valores norteadores
de práticas culturais por analistas do comportamento em situações concretas.
Para isso, serão apresentados, primeiro, os conceitos de regra e princípio, que servirão para compreender
duas teorias (externa e interna) sobre a garantia dos direitos fundamentais. Após, serão apresentadas cada
uma das teorias bem como os argumentos de Da Silva (2006) em prol da Teoria Externa, defendida por ele
Regra vs Princípio
Os direitos são garantidos por normas; e as normas podem ter dois formatos: o de regra ou o de princípio.
Quando um direito é garantido por uma regra ele deve ser cumprido totalmente, isto é, não pode haver restrições
a esse direito, toda vez que a regra se aplicar a um caso concreto. Dessa forma, todas as situações às quais um
direito pode ser aplicado já estão previstas em sua totalidade na descrição da norma, incluindo suas exceções.
Da Silva (2006) ilustra o funcionamento de uma lei com formato de regra com o seguinte exemplo: “A regra que
proíbe a retroação da lei penal tem uma conhecida exceção: a lei deve retroagir quando beneficiar o réu (art. 5°,
XL, da constituição). A norma (regra) deve, nesse caso, ser compreendida como ‘é proibida a retroação de leis
penais, a não ser que sejam mais benéficas para o réu do que a lei anterior; nesses casos, deve haver retroação” (p.
27, grifo do autor). Nota-se, portanto, que uma regra descreve todas as possibilidades de garantia de um direito,
incluindo os casos em que ele não deverá ser garantido, ou seja, suas exceções.
Já direitos garantidos por normas com formato de princípios, geralmente não são realizados em sua
totalidade quando aplicados a casos concretos. Há, então, nesse formato, um direito prima facie, ou seja, a
definição do direito em sua totalidade, de forma mais ampla possível e sem restrições; e um direito definitivo,
isto é, a aplicação do direito a um caso concreto, na qual, via de regra, haverá uma restrição do direito pelas
condições concretas do caso em questão. Portanto, princípios protegem direitos mais amplos, sem previsão
de exceções, no entanto, esses mesmo direitos, quando da aplicação a um caso concreto, poderão sofrer
restrições que não estavam previstas no conteúdo da norma, nos casos em que dois ou mais direitos se
chocam (Da Silva, 2006).
Teoria Interna
A Teoria Interna defende a estrutura das normas em formato de regras e, portanto, adota uma definição
mais restrita para os direitos fundamentais. Compreende-se que nessa teoria há apenas um objeto de estudo:
o direito e seus limites imanentes. Isso significa assumir que o direito possui restrições em si (suas exceções),
as quais estão previstas na própria norma, descrita como uma regra. Assim, a Teoria Interna pressupõe a
não garantia a direitos que poderiam ser subentendidos a partir do direito garantido e essa não garantia
é prevista no conteúdo da lei. Por exemplo, a liberdade como direito fundamental subentende que uma
pessoa é livre para fazer o que ela quiser, no entanto, a lei proíbe o proselitismo de qualquer natureza nas
emissoras comunitárias de radiodifusão, por exemplo, ferindo assim a liberdade de expressão. Apesar disso,
essa proibição é descrita em lei, explicitando os limites imanentes ao direito de liberdade, ou seja, suas
exceções (Da Silva, 2006).
Como a proibição do proselitismo está prevista em lei, essa exceção ao direito de liberdade é entendida
como uma regulamentação do direito – e não como uma restrição – já que a impossibilidade de se cometer
proselitismo já está prevista em lei; ou seja, nenhum direito está sendo tirado. O que acontece, na verdade,
de acordo com a teoria interna, é que o direito de liberdade tem limites em si mesmo e que devem ser
regulamentados. Na Teoria Interna, portanto, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é mais
restrito, pois ele inclui todas as regulamentações cabíveis. Os limites do direito são, portanto, entendidos
como internos ao próprio direito e não como fruto de uma restrição externa como, por exemplo, a colisão
com outro direito fundamental. Ou seja, é imanente ao direito de liberdade a impossibilidade de utilizar-se
do proselitismo, por exemplo, e isso é definido no próprio conteúdo dos direitos essenciais.
Teoria Externa
Já na Teoria Externa, as normas possuem formato de princípios e adota-se uma definição ampla dos
direitos. Há, nesse caso, dois objetos: o direito em si e, separado dele, suas restrições. Isso significa dizer que
não há, a priori, a exclusão de qualquer situação do âmbito de proteção dos direitos fundamentais. O que
acontece é a possível restrição a esses direitos em casos concretos, quando há colisão de direitos fundamentais;
no entanto, essa restrição em nada modifica a extensão do direito restringido, nem o conteúdo do direito
prima facie. Não há, então, diferenciação entre normas plenas e contidas, já que todas são igualmente amplas
em sua definição e restringíveis em sua aplicação.
A teoria dos princípios sustenta que, em geral, direitos fundamentais são garantidos por uma
norma que consagra um direito prima facie. O suporte fático dessa norma – que tem a estrutura
de princípio – é o mais amplo possível. Isso implica, entre outras coisas, que a colisão com outras
normas pode exigir uma restrição à realização desse princípio. (Da Silva, 2006, p. 43)
A Teoria Externa, portanto, postula a relatividade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais,
uma vez que, ao ser aplicado a um caso concreto, é possível haver restrições à garantia do direito – como já
dito, sem que isso altere o conteúdo do direito e sua garantia essencial em outras situações. É como se, a cada
nova situação, todos os direitos fundamentais pudessem, potencialmente, ser aplicados em sua totalidade;
no entanto, como via de regra, nas situações concretas alguns direitos se chocam – ou seja, há colisão de
direitos – esses direitos fundamentais poderão ser restringidos circunstancialmente, voltando “a valer” em
sua totalidade para outras situações. Nota-se, portanto, que a restrição, nesse caso, não é imanente ao direito
e, sim, fruto de uma colisão externa a ele (daí o nome Teoria Externa).
Isso não significa que qualquer restrição seja legal. Para que um direito seja restringido é exigida
uma fundamentação constitucional, isto é, uma argumentação lógica e coerente que defenda as razões
da restrição na aplicação do direito àquele caso concreto. Isso significa dizer que, qualquer restrição ao
conteúdo amplo de um direito fundamental, prescindida de fundamentação, torna-se, automaticamente,
inconstitucional; de forma que o que garante a constitucionalidade da restrição é a fundamentação e não o
a diminuição da proteção não está na abertura das possibilidades de restrição, já que elas impõem
um ônus argumentativo ao legislador, ao juiz e ao administrador; uma diminuição na proteção aos
direitos fundamentais ocorre, na verdade, naquelas teorias que recorrem a figuras pouco claras
como limites imanentes, conteúdos absolutos, especificidade ou a outras formas de restrição ao
suporte fático dos direitos fundamentais. (p. 48, grifo do autor)
Em teorias como a interna, por exemplo, há uma restrição disfarçada que acontece a priori, a qual,
como já dito, libera o legislador de qualquer ônus argumentativo e, assim, diminui a garantia dos direitos
fundamentais, sem que se fale em restrições desses direitos. De acordo com Da Silva (2006), a Teoria Externa,
por outro lado, cria “condições de diálogo intersubjetivo e de controle social da atividade do legislativo e do
judiciário, a partir de um modelo que impõe, a todo tempo, exigências de fundamentação. ” (p. 49)
. . . moralidade designa o campo de ações que lidam com um conflito de interesses, com problemas
que não são facilmente resolvidos, porque a solução é desconhecida. Na esfera da moralidade é
preciso pensar, deliberar, mudar, rearranjar o ambiente, tentar aumentar as chances de que uma
ação nova e criativa, seja executada e conduza a uma solução provisória do conflito. Para tanto, as
ações morais precisam ser sensíveis a diferenças contextuais, elas precisam estar sob controle das
coisas, precisam ser livres de um controle estrito de regras. (p. 146)
Portanto, a moralidade não poderia ser garantida pela transmissão de regras fixas: “Os problemas
éticos que um indivíduo pode encontrar não podem, é claro, ser todos previstos; a cultura pode precisar
Considerações Finais
O objetivo desse capítulo foi propor reflexões a partir de uma tese do direito – teoria externa dos
direitos fundamentais - quanto aos seguintes aspectos que envolvem o pensar e o fazer de um profissional
que atue com políticas públicas: (a) formato das normas que deverão ser concretizadas por meio
das políticas públicas; (b) condições de restrição de direitos no caso de conflitos entre valores; e (c)
fundamentação dessa restrição.
Além da discussão, já presente na área, das diferentes acepções de sobrevivência das culturas bem
como da definição de uma possível acepção mais adequada para a atuação de analistas do comportamento,
levanta-se a necessidade de se refletir sobre o formato do conteúdo desse que seria o valor fundamental
da obra skinneriana, já que o formato de uma norma tem implicações diretas em sua aplicação. Parece
oportuno, também, questionar o critério para restrição de valores que parece ser proposto na obra
de Skinner, o de que todos os valores auxiliares deveriam estar subjugados de antemão ao valor de
sobrevivência das culturas. Além disso, não parece haver critérios explícitos para solução de conflitos
entre os valores auxiliares. A Teoria Externa parece propiciar importantes pontos de reflexão em relação
à definição desses critérios, qual sejam, definição ampla do conteúdo do(s) valore(s) fundamentais;
avaliação da necessidade e possibilidade de restrição dos valores fundamentais em cada caso concreto; e
necessidade de fundamentação das restrições propostas.
Definir o conteúdo dos valores comportamentais norteadores de práticas culturais de uma maneira
ampla implicaria na necessidade, a todo o tempo, de avaliação das situações concretas de intervenção, bem
como na necessidade de um posicionamento frente aos direitos garantidos e, eventualmente, restringidos,
pela ação proposta. É uma postura que exige do analista do comportamento um maior preparo para lidar
com conflitos éticos e levanta a necessidade de formação de um profissional capaz de resolver problemas
novos e imprevisíveis; e não só de seguir regras já prescritas.
Ademais, ressalta-se que os pontos aqui discutidos são apenas alguns dentre as diversas possibilidades
de diálogo entre a Análise do Comportamento do Direito, mais especificamente o Direito Constitucional.
Acredita-se que outros trabalhos que promovam a articulação entre essas duas áreas de conhecimento
podem configurar avanços no campo das políticas públicas e na sistematização teórica da Análise do
Comportamento aplicada à solução de problema sociais e humanos.
Referências
Carrara, K. (2015). Seleção pelas consequências como norte funcional para políticas públicas. In C. Laurenti
& C. E. Lopes (Orgs). Cultura, Democracia e Ética. Maringá: Eduem.
Carrara, K., Souza, V. B., Oliveira, D. R., Orti, N. P., Lourencetti, L. A., Lopes, F.R., & Bonaccorsi, C.
(2012). Delineamentos culturais e políticas públicas: uma avaliação de estratégias comportamentais para
o controle da dengue. Bauru: Relatório de pesquisa ao CNPq.
Castro, M. S. L. B., & De Rose, J. C. (2014). O conflito ético e sua solução no Behaviorismo Radical. Revista
Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 27(2), 46-51.
Da Silva, V. (2006). O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais.
Revista de Direito do Estado, 4, 23-51.
Dimoulis, D., & Martins, L. (2011). Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais.
Dittrich, A. (2008). O problema da “justificação racional de valores” na filosofia moral. Revista Psicolog, 1(1),
21-25
Dittrich, A. (2010). Ética e Comportamento. In E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs.), Análise do Comportamento:
investigações históricas, conceituais e aplicadas. São Paulo: Rocca.
1 Endereço para A Psicologia tem muito a contribuir em trabalhos nos níveis estratégicos e gerenciais em
correspondência:
Departamento de organizações. Essa afirmação poderia ter sido retirada de qualquer livro de Psicologia Organizacional e
Psicologia, Centro do Trabalho (POT), já que é unânime, entre especialistas da área, o potencial do conhecimento da área
de Filosofia e
Ciências Humanas da da Psicologia como contribuição às organizações. Por outro lado, as pesquisas sobre o trabalho realizado
Universidade Federal por psicólogos em organizações no Brasil demonstram que a atuação costuma ser limitada às atividades
de Santa Catarina.
Campus Universitário - operacionais de gerenciamento de pessoas relacionadas aos subcampos de recrutamento, seleção e
Trindade.
treinamento e desenvolvimento (Bastos & Gondim, 2010; Gusso et al., 2018).
CEP 88.040-970
Florianópolis - Santa Diferentemente do estreitamento da atuação visto no campo profissional, na literatura da área
Catarina – Brasil.
E-mail: helder.gusso@ de conhecimento em POT, tipicamente são destacadas três grandes subáreas de atuação: o campo das
ufsc.br organizações, do trabalho e de gestão de pessoas (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2014). O subcampo
de atuação sobre fenômenos organizacionais (aqui distinto da categoria trabalho e da gestão de pessoas)
abrange o conjunto de atividades profissionais mais relacionadas ao nível estratégico da organização, da
análise da estrutura e dos processos organizacionais, das interações da organização com a sociedade. Níveis
de análise menos abrangentes são os relacionados aos processos organizacionais e ao desempenho humano
no trabalho (Diener, McGee, & Miguel, 2009). Gusso et al. (2018), ao caracterizar a atuação dos psicólogos
organizacionais e do trabalho no sul do Brasil, identificaram que 37% deles exercem ao menos uma atividade
relativa especificamente ao campo organizacional, e apenas 8% exerceram alguma atividade especificamente
no nível mais estratégico nas organizações em que estão inseridos. Por que tão poucos psicólogos inseridos
nos níveis mais estratégicos se a Psicologia já dispõe de conhecimentos e procedimentos que contribuem
para tomada de decisões melhores orientadas nas organizações? A resposta a essa pergunta não é simples.
Mas o exame de dois aspectos pode nos sinalizar fatores críticos relacionados ao problema.
O exame dos livros publicados no Brasil relacionados à Psicologia e diagnóstico organizacional
(e.g. Mendonça, Ferreira, & Neiva, 2016; Puente-Palacios & Peixoto, 2015) evidencia que o uso do termo
“diagnóstico organizacional” por psicólogos tipicamente não refere, efetivamente, ao diagnóstico da
organização. O diagnóstico organizacional apresentado tipicamente abrange apenas diagnóstico de processos
psicológicos muito específicos (e.g. clima, satisfação, comprometimento). Isso torna o possível diagnóstico
da organização um conjunto fragmentado de índices relacionados a processos psicológicos, sem contemplar
a análise das variáveis constituintes do sistema que define a organização (Mallot, 2003). Analogamente,
seria como caracterizar um time de futebol descrevendo os jogadores de modo independente, sem falar das
estratégias e táticas do time. O segundo aspecto que ilustra a pouca clareza do que constitui um diagnóstico
organizacional é que o instrumento disponibilizado a psicólogos pela principal editora de testes psicológicos
no país, denominado DO - Diagnóstico Organizacional (Krausz, 1994), é apenas um instrumento de “clima
organizacional”, como sua própria descrição indica. O exame dos livros e instrumentos mais conhecidos
disponibilizados aos psicólogos organizacionais e do trabalho evidencia que nem a literatura sobre o que
155 constitui uma organização e o que constitui o ofício de caracterizá-la explicita adequadamente as variáveis
2 O termo diagnóstico mais críticas para compreensão das organizações como fenômeno psicossocial.
tem seu uso associado
ao modelo médico
Em síntese, o discurso das possibilidades de aplicação da POT em níveis mais estratégicos nas
de compreensão organizações (e.g. Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2014), embora seja coerente com as pesquisas e
das psicopatologias,
que descreve descobertas na área de conhecimento em POT, não é notado nem na atuação dos profissionais no campo,
comportamentos nem na literatura de suporte disponíveis a esses profissionais (Gusso et al., 2018). Em especial, a postura
como sintomas de
causas subjacentes psicologizante de compreender a caracterização (termo mais adequado do que diagnóstico2) de organizações
(Gongora, 2003). como um conjunto de processos psicológicos independentes, dificulta a inserção de psicólogos em níveis
As limitações desse
modelo e a proposição mais estratégicos das organizações, por justamente não oferecer contribuições para a análise das dimensões
de uma concepção
mais nucleares dos sistemas sociais que constituem as organizações. Embora impactante, tal análise não é
mais coerente com
o conhecimento nova. Katz e Khan (1968), no clássico livro Psicologia Social das Organizações, já destacavam a necessidade
produzido no
âmbito da Análise
de exame das organizações como sistemas sociais em interação com os demais sistemas nos quais se inserem,
do Comportamento indicando algumas das variáveis nucleares para sua análise de modo mais integrado. Tal perspectiva parece
já foram objeto de
exame em diferentes possibilitar maior visibilidade acerca da interação entre dimensões estratégicas (adaptativas, nos termos dos
publicações (e.g. autores), gerenciais, de suporte e atividades-fins, bem como a interação entre a organização e a sociedade
Chiesa, 2006; Gongora,
2003; Ullman & na qual se insere. Embora o livro de Katz e Khan (1968) seja amplamente citado na literatura em POT,
Krasner, 1965). O a contribuição seminal dessa obra parece ter sido pouco compreendida ou valorizada nas produções
termo caracterização
enfatiza de maneira relacionadas à caracterização de organizações nas décadas seguintes.
mais clara e precisa o
processo envolvido:
A avaliação de quais são as variáveis mais nucleares para a caracterização de organizações é sempre
a identificação das orientada pelo sistema conceitual ou teórico que fundamenta a atuação do profissional. Diferentes
variáveis constituintes
de um fenômeno, teorias enfatizam diferentes componentes do fenômeno organizacional. A Análise do Comportamento
sem apelo às causas oferece um sistema conceitual coeso, fundamentado em dados empíricos, que possibilita analisar desde
subjacentes
comportamentos individuais até amplos sistemas sociais. Adota uma perspectiva pragmatista (Tourinho,
2 Como exemplo do
uso de conhecimento 2003) e procedimentos metodológicos de trabalho precisos para analisar e intervir em organizações
derivado da Análise
do Comportamento (Vanstelle et al., 2012). Em relação especificamente ao trabalho no nível mais estratégico das organizações,
a campos nos quais apresenta contribuições que já demarcaram de modo significativo o campo, amplamente utilizados por
essa origem nem
sempre é identificada outras áreas do conhecimento, tal como a administração, muitas vezes sem que pessoas que usam esse
pelos profissionais conhecimento saibam da origem dessas contribuições3. Neste capítulo é apresentada uma visão analítico-
que fazem uso dessas
contribuições, podem comportamental do que constitui um tipo de trabalho do psicólogo em organizações, especificamente em
ser citados os trabalhos sua dimensão mais estratégica. Para isso, serão apresentados alguns dos conceitos e dos fundamentos que
de Gilbert (2007), que
desde a década de 1970 embasam tal trabalho, ilustrados a partir de um exemplo de intervenção.
é amplamente utilizada
como referência
para diferentes O trabalho do analista do comportamento nas organizações é a
modelos e sistemas
de gerenciamento delimitação do trabalho com Análise do Comportamento Aplicada (ABA)
de desempenho em um campo profissional específico
humano no trabalho
em organizações, e Ainda sem especificar as características do trabalho do analista do comportamento em organizações,
as contribuições de uma questão mais geral importante: O que caracteriza um trabalho profissional orientado pela Análise do
Rummler e Brache
(1992) ao campo Comportamento? Seria o uso de técnicas específicas? Uso de conceitos da área? Em 1968, Baer, Wolf e Risley
do gerenciamento
examinaram o que constituiria a base de um trabalho coerente com o conhecimento produzido em nossa
de processos, no
qual introduziram área na época. Nesse artigo, organizaram sete dimensões que eram mais constantes na atuação do analista
representações
de processos em do comportamento, a partir das publicações da área até o momento. Em 1987, os mesmos autores revisaram
diagramas de raias ou a descrição dessas dimensões, atualizando-as a partir do desenvolvimento da área, formalizando a descrição
multifuncionais ou
“diagrama Rummler- mais conhecida acerca do que constitui o trabalho aplicado do analista do comportamento (Cooper, Heron,
Brache”, distinguindo & Heward, 1987). Na Tabela 1 estão apresentadas essas sete dimensões, junto a uma síntese das características
diferentes agentes que
devem ser responsáveis nucleares de cada uma dessas dimensões. Além dos aspectos apresentados por Baer, Wolf e Risley (1968;
por cada atividade em 1987), foram adicionados nessas sínteses contribuições decorrentes da reflexão apresentada por Botomé
um processo, tornando
encadeamentos de (2010), a partir de uma experiência vivenciada pelo autor ao longo de uma intervenção profissional em uma
resposta complexos mais
claros e gerenciáveis.
instituição pública brasileira na década de 1980.
Das sete dimensões da ABA, duas - comportamental e analítica - destacam a necessidade de uma
precisa caracterização daquilo que será objeto de intervenção profissional. Seja daquilo que é considerado
como “problema” especificamente, sejam das variáveis que interferem sobre a ocorrência desse problema.
É característico do trabalho do analista do comportamento o cuidado em identificar, analisar, descrever
e avaliar os fenômenos e contextos nos quais se insere como ponto de partida de seu trabalho (Botomé,
2010). Isso se aplica a qualquer campo de atuação, seja no contexto clínico, hospitalar, escolar, universitário,
comunitário ou organizacional, apenas para indicar alguns exemplos.
No caso específico do trabalho de analistas do comportamento em organizações, as sete dimensões
indicadas por Baer, Wolf e Risley (1968; 1987) também parecem orientar boa parte dos trabalhos realizados
na área. Vanstelle et al. (2012) realizaram avaliação das produções na principal revista científica da área,
o Journal of Organizational Behavior Management. Os resultados desse estudo parecem indicar que há
evidências de que os trabalhos publicados atendem as dimensões da ABA. Além disso, também destacaram
que, das intervenções relatadas, 8% foram de trabalhos que atuaram especificamente no nível estratégico das
organizações e 23% de trabalhos com foco na interação entre o nível estratégico e os outros níveis de análise
(desempenho e processos), totalizando 31% de trabalhos que podem ser classificados como estratégicos. Tal
resultado evidencia que além de intervenções diretamente relacionadas a problemas de desempenho no
nível do comportamento individual de trabalhadores, há expressiva proporção de intervenções que lidam
com dimensões mais estratégicas das organizações.
As primeiras intervenções em ABA nas organizações na década de 1960 concentravam-se
predominantemente em demandas de problemas de desempenho específicos, mais próximas a uma unidade
de análise do comportamento individual, pouco vinculadas a análises em nível mais estratégico. Intervenções
com sucesso no aumento da produtividade e qualidade, diminuição de acidentes de trabalho etc., colocaram
o trabalho dos pioneiros de nosso campo em evidência. Dickinson (2000) apresenta uma importante
revisão acerca da história do trabalho com Análise do Comportamento em Organizações nos EUA, na qual
sistematiza diversas publicações que, ao longo das décadas, evidenciaram o quanto os trabalhos aplicados da
área produziam resultados significativos nos contextos em que eram realizados. Na revisão apresentada pela
autora são nítidas algumas mudanças importantes que marcaram a área. Parte importante dessas mudanças
estão relacionadas à ampliação da abrangência das intervenções: foco no comportamento individual ou nas
condições que determinam esses comportamentos?
Produtos
e serviços Pets e seus
Mercado Pet
voltados à pets proprietários
Informações sobre
o funcionamento
do mercado pet
Figura 1
Representação dos componentes centrais do macrossistema no qual a organização
analisada se insere, a partir das contribuições de Mallot (2003).
Informações sobre
o funcionamento
do mercado pet
Figura 2
Representação das categorias de produtos e serviços e do perfil do público consumidor
definidas como constituintes do sistema organizacional. Não era objetivo, neste
momento, a especificação de que informações monitorar quanto ao funcionamento da
própria organização ou de dados sobre consumo ou satisfação dos clientes.
Tabela 2
Caracterização da missão (objetivo geral) e dos objetivos específicos da organização, e
recomendações propostas a partir do que foi caracterizado. Esta tabela foi elaborada
com base nas proposições apresentadas por Diener, McGee e Miguel (2009).
Missão declarada:
(A) A Missão declarada identifica um resultado a Propor uma missão mais específica,
ser produzido e não apenas um processo ou destacando com mais precisão os
comportamento? Sim. resultados a serem produzidos pela
organização na sociedade.
(C) A organização tem controlabilidade sobre os
resultados a serem produzidos? Pouco.
A proposição de uma missão que atenda aos critérios propostos na Análise ACORN (Gilbert, 1997)
aumenta a probabilidade de que a descrição esteja compatível com a função da formulação da missão de
uma organização, que é orientar as decisões de gestores e funcionários. Entretanto, há outras sutilezas
na elaboração de uma descrição de missão que a análise ACORN não torna explícita. Mallot (2003)
apresenta um guia para formulação de missão que pode ser orientador nesse sentido. Na proposição da
autora, uma boa descrição de missão deveria conter (1) os resultados a serem produzidos na sociedade
(produto do macrossitema, nos termos da autora), (2) o que é importante para os clientes (feedback do
Fazer as pessoas e os pets mais felizes juntos por meio da oferta de produtos e serviços de qualidade
que atendam as necessidades dos pets e seus proprietários de modo a promover o bem-estar na
convivência entre cães e/ou gatos e suas famílias.
Sendo a última parte, promover o bem-estar na convivência entre cães e/ou gatos e suas famílias, o
aspecto mais nuclear em relação à função da organização na sociedade, a partir da compreensão do diretor
da organização. Tipicamente, tal expressão estaria apresentada no início da declaração de missão. Mas como
no caso em específico houve a decisão de manter a antiga missão como slogan da organização, poupando
gastos em mudanças imediatas nos materiais de divulgação já elaborados, manteve-se a antiga formulação
como início da descrição, em um processo de mudança mais gradual e viável à organização.
Destacamos como aspectos sutis, tal como a escolha do verbo (fazer ou promover?) ou a explicitação da
necessidade do cliente (bem-estar de cães e gatos, ou bem-estar na convivência desses com suas famílias?),
são críticas para o exame da função da organização na sociedade, bem como de sua controlabilidade em
produzir tais resultados.
Com base na nova formulação da missão da organização, os passos seguintes do trabalho, que não
foram objeto de exame neste capítulo, foram avaliar a adequação dos produtos e serviços, da estrutura
organizacional, das atividades realizadas pelas diferentes instâncias da organização e, também, obter
feedbacks dos clientes e funcionários em relação à pertinência e cumprimento da missão proposta.
Considerações finais
O objetivo neste capítulo foi explicitar algumas das contribuições do campo da Análise de Sistemas
Comportamentais na atuação no campo organizacional. Destacamos o equívoco ainda presente em
publicações no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho em reduzir o trabalho de diagnóstico
organizacional à mensuração de processos psicológicos específicos, sem analisar o fenômeno organizacional
à luz do conhecimento em Psicologia acerca das organizações como sistemas sociais. A Análise do
Comportamento surge como uma teoria que possibilita ampla visibilidade acerca de sistemas sociais,
utilizando conceitos, princípios e procedimentos validados empiricamente ao longo do século XX e com
amplo desenvolvimento neste início do século XXI. Mais especificamente no campo organizacional, a área
de estudos denominada Análise de Sistemas Comportamentais (BSA) tem despontado como uma efetiva
contribuição à caracterização de organizações.
Referências
Almeida, D.S.; Rodrigues, G.M.; Barbosa, G.V.; Campos, R.S.; Gusso, H.L.; Luiz, F.B. (2015). Promovendo
mudanças estratégicas por meio da Análise de Sistemas Comportamentais. Em: Gusso, H.L.; Strapasson,
B.A.; De Luca, G.G. (2015). Caderno de resumos do I Encontro Brasileiro de Análise do Comportamento
nas Organizações. Curitiba: N1 Tecnologia Comportamental. Disponível em: https://obmbrasil.files.
wordpress.com/2013/10/i-obm-caderno-de-resumos.pdf
Almeida, D.S.; Rodrigues, G.M.; Gusso, H.L. (2014). Análise de Sistemas Comportamentais no Nível
Organizacional: Um estudo de caso. Trabalho de conclusão de curso. Curitiba: Curso de Psicologia da
Universidade Positivo.