ARTIGO Jefté Não Imolou Sua Filha

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Jefté não imolou sua filha

Há uma pergunta que não pode ficar sem resposta, no estudo do


Livro de Juízes: Jefté sacrificou realmente sua filha? Sendo que os
eruditos estão divididos na questão, podemos somente expor o que
cada lado tem a dizer sobre o assunto, e deixar que cada um julgue
por si mesmo. Alguns creem que como os sacrifícios humanos eram
proibidos pela lei (Lv. 18.21; 20.2-5) o sacrifício da filha de Jefté
deve ser entendido como uma espécie de dedicação da jovem à
virgindade perpétua (Jz. 11.36-40). Outros dizem que Jefté
realmente sacrificou sua filha, crendo conscientemente que estava
obrigado a isso pelo juramento que fez (Jz. 11.31-39).

Encontramos a narrativa do voto de Jefté em Jz. 11.29-40. Ele foi o


nono juiz do Israel, residente em Tob, um distrito da Síria, no ano
1100 a.C. aproximadamente. Jefté está mencionado na Carta aos
Hebreus como um dos herois da fé (Hb.11.32). Ele foi um dedicado
líder nas guerras contra os amonitas (descendentes de Ló) que
moravam a leste do Rio Jordão. Homem de grande coragem e
sempre disposto a defender os fracos e perdoar os errados, apesar
de ser um filho ilegítimo de Gileade. Não nos parece ser aquele
personagem afoito, como muitas vezes é considerado, capaz de
fazer um voto temerário. Chegamos a esta conclusão, porque
mesmo antes de atacar os amonitas, ele esperou terminar primeiro
as negociações de paz em tramitação.

O dilema em consideração é determinar, segundo os versos 11.29-


31, a natureza de sacrifício que o seu voto envolveu: se realmente
imolou a sua filha como holocausto ou se apenas tratou-se de outro
tipo de sacrifício.

Consideremos, pois, antes de qualquer opinião, os seguintes seis


pontos sobre o assunto em pauta.
Primeiro Ponto: Eminentes eruditos opinam que o texto hebraico do
verso 31, onde se lê nas traduções em português “o oferecerei em
holocausto” deve ser lido “e oferecerei um holocausto”. Daí
depreende-se que a intenção de Jefté era servir ao Senhor e honrá-
lo com este voto. Esta explicação, de fato, elimina a ideia de um ato
horripilante do juiz de Israel de sacrificar a sua própria filha em
nome de Jeová. Parece-nos muito viável esta opinião (Lv. 27.28).
Além do mais, nos ‘targuns’ (interpretação em língua aramaica do
Velho Testamento pelos próprios judeus), encontramos uma
explicação cabível de Levítico 27.1-7, onde o Senhor prescreve o
preço pelo qual, tanto varões como fêmeas que foram devotadas ao
Senhor poderiam ser redimidos. O varão, de 20 a 60 anos, seria
redimido por 50 ciclos de prata, e a fêmea por 30 ciclos. De 5 a 20
anos, o varão seria redimido por 20 ciclos e a fêmea por 10.
Portanto, restava a Jefté este recurso: pagar uma soma
relativamente modesta pelo resgate de sua filha. Tudo indica que
ele não a imolou, mas simplesmente consagrou-se à virgindade
perpétua.

Segundo Ponto: Não podemos conceber que Jefté tivesse intenção


de oferecer em holocausto qualquer coisa que de sua casa viesse
ao seu encontro, pois poderia ser que lhe aparecessse um cão ou
outro aninal imundo qualquer, o qual, de maneira nenhuma,
segundo a lei mosaica e as tradições da época serviria como
holocausto. Por certo Jefté teve outra coisa em mente quando fez
seu voto.

Terceiro Ponto: O sacrifício de crianças a Moloque – deus adorado


pelos amonitas e combatido por Jefté – era terminantemente
proibido ao povo de Israel e declarado abominação pelo Senhor (Lv.
20.2-3), e seria ainda maior o insulto se o juiz de Israel oferecesse a
sua própria filha a Jeová.

Quarto Ponto: Não encontramos na Bíblia precedente para tal oferta


ao Senhor. Pelo contrário, os reis que promoviam a queima dos
filhos a Moloque, eram duramente castigados por Deus. Manassés,
por esse ato abominável, foi levado cativo a Babilônia, onde sofreu
muito.

Quinto Ponto: Nenhum pai tinha autoridade para matar seu filho,
mesmo se este estivesse em falta. Muito menos podia um pai
castigar, com morte, seu filho inocente, como foi o caso de Jefté
(Dt. 21.18-21; 1Sm. 14.24-45).
Sexto Ponto: O verso 39 que diz “seu pai… cumpriu nela [a filha] o
seu voto que tinha votado; e ela não conheceu varão” expressa a
ideia de queajovem foi devotada à vida celibatária.
Consequentemente, a lamentação de suas companheiras não foi
pela sua morte, mas por causa da sua virgindade perpétua (Jz.
11.38-40). No Velho Testamento, por certo, havia no Tabernáculo
uma classe de mulheres que serviam no estilo dos ‘nazireus’ (Êx.
38.8) “que se ajuntavam à porta da tenda da consagração”. Faz-se
também referência a tais mulheres em 1Sm. 2.22; Lc. 2.37. Talvez a
filha de Jefté uniu-se a esse grupo de virgens.
Os eruditos no hebraico ainda apontam, fortalecendo essa ideia, o
fato de que o vocábulo lethanoth, que foi vertido para o português
por lamentar, realmente significa celebrar Portanto, as filhas de
Israel que anualmente ‘celebravam’ o fato, não o faziam com
lamentações, mas sim com cânticos de louvor ao sacrifício da filha
de Jefté.

Para a jovem o voto significou a impossibilidade de cumprir-se em


sua vida o desejo natural de casar-se, pois toda mulher israelita
sonhava em ser a mãe do Messias. Tal sonho, porém, para a filha
de Jefté, jamais poderia tornar-se realidade. Entretanto, ela de bom
grado e por amor aceitou esse destino.

Para o pai, significou o sacrifício de não ter posteridade desta filha,


fato que no Oriente era considerado um desfortúnio muito grande.
Os costumes da época davam muito mais autoridade aos pais
sobre a vida dos filhos do que os costumes e as leis atuais.

Pelas razões aqui apresentadas, e em nossa opinião, o voto de


Jefté resultou na virgindade perpétua de sua filha, e não na
imolação da mesma, coisa que nos parece chocante demais. O
texto de Juízes, examinado sob qualquer ponto de vista bíblico,
também não comporta tal interpretação.

A bela lição a ser extraída desta história é que a filha de Jefté


deixou um bonito exemplo de obediência filial, piedosa e patriótica.
Submeteu-se de bom grado à virgindade perpétua, num tempo
quando não ter filhos era considerado muito indesejável, e isso ela
o fez por amor ao seu pai e à sua pátria, pois naquele momento
estava em jogo tanto a segurança de seu genitor quanto de Israel. A
vitória que resultou veio do Senhor, porque Jefté assim pôs tudo à
disposição de Deus, incluindo a própria filha. E ela teve a sua
participação e carregou com galhardia a sua “cruz” durante o resto
da sua vida. Não vemos, portanto, nenhuma razão para acreditar
que o pai a tivesse imolado.

Pr. Natanael Rinaldi

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