Os Choros de Villa-Lobos
Os Choros de Villa-Lobos
Os Choros de Villa-Lobos
CAMPINAS
2010
Escritos entre 1921 e 1930 a série Choros de Villa-Lobos exercem considerável
nacional.
vanguardista da Paris dos anos 20, pois reflete uma postura mais agressiva e avançada
se orgulhavam das novas obras erguidas onde antes existiam cortiços com construções
com tudo que representava o Brasil ―atrasado‖. Manifestações artísticas populares como
a capoeira, o choro, o maxixe e o samba eram combatidos e tidos como selvagens pela
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elite carioca. A elite paulistana da Belle Époque1 via na cultura francesa o ideal de
modernismo e desejava tornar São Paulo uma cidade ―francesa‖, ―paradigma de uma
Andrade esbarrava naquilo que a elite não desejava aceitar, a cultura popular e
tendência ―universal‖ que abrangeu diversos Estados europeus e das Américas. O lema
Américas.
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O período entendido como Belle Époque vai do último quarto do século XIX até o início da
Primeira Guerra Mundial. Após o fim da Guerra um forte sentimento de afirmação nacionalista
tomou conta de várias nações do mundo.
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BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna: Europa, 1500-1800. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
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Além da abominação por parte das elites da Belle Époque, a forte imigração
europeia ocorrida em São Paulo tornava a cidade distante das tradições folclóricas
brasileiras e mais presas àquelas europeias (ainda que discordantes entre si). O próprio
brasileira deveria ser nacionalista e que era na música popular que estavam os critérios
Sagração da Primavera (violência sonora dos ruídos), Balé Parade (influenciado pela
arte socialmente primitiva que nem a nossa, é arte social, tribal, religiosa, comemorativa
[...] o indivíduo que não siga o ritmo dela é pedregulho na botina [...] A pedra tem que
ser jogada fora‖. Criticava até mesmo adeptos do nacionalismo por supostos ―desvios
(1972, p. 4).
cultura‖ não deveria se apropriar da cultura popular, rural ou urbana de maneira a copiá-
la, mas a buscar nessa música o espírito verdadeiro daquilo que é realmente brasileiro,
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preservando, entretanto, o processo que torna sua música ―nacionalmente
reconhecìvel‖.
experiências vividas em sua primeira passagem pela capital francesa. Em 1928, ano do
alcançado, nem posteriormente superado. A série Choros surge como resultado desta
chorões. O primeiro grupo que ele começou a tocar foi o do violonista Quincas
2009, p. 26 e 28). O biografo do compositor, Vasco Mariz, aponta que com a morte de
Raul Villa-Lobos, Heitor começou a vender os livros mais valiosos da biblioteca do pai
para pagar bebidas aos músicos com os quais queria tocar (MARIZ, 2005, p. 139).
compositor entre 1905 e 1912, o que leva os biógrafos de Villa-Lobos a admitirem o fato
de ele estar em viagens pelo país durante este período. Segundo relatos e descrições
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do próprio compositor, foi nestas viagens que ele coletou materiais musicais dos povos
teve contato direto com a cultura do norte e nordeste do Brasil. Embora os relatos feitos
pelo próprio compositor sobre suas viagens sejam bastante duvidosos, apenas dois
empreendeu tais viagens. O primeiro, um concerto dado por ele em Paranaguá, cidade
Brasil, inclusive o rio Amazonas e o Xingu, a bordo de uma canoa.3 Entretanto, tais
nacionalista e tentava ganhar a vida em Paris promovendo concerto em uma cidade que
GUÉRIOS continua:
3
A escritora Lisa Peppercorn comenta detalhadamente as supostas viagens de Villa-Lobos no
segundo capítulo – Viagens Pelo Brasil - de seu livro: Villa-Lobos – Biografia ilustrada do
mais importante compositor brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
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Esse outro pertencimento de Villa-Lobos o afastou da música popular
em seus primeiros anos como compositor. De fato, a música popular
era muito depreciada no Rio de Janeiro até 1920; após esta data,
alguns estudiosos e folcloristas iniciaram sua valorização em um
movimento que a tornaria um dos símbolos da nacionalidade. Mas
durante a década de 10, quando um músico ―sério‖ queria ofender seu
concorrente, as categorias de acusação acionadas eram expressões
como ―compositor de maxixes‖ ou ―assobiador‖ (2003, p. 87).
contexto popular, porém não desejava ser reconhecido como compositor popular, ou
Ele compôs várias peças entre 1912 a 1920. As que mais se destacam são suas
no Instituto Nacional de Música. Foi ali que Villa-Lobos teve contato com a obra de
Instituto nacional de Música serviu algumas vezes de palco para a estreia de obras
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Em 1919 Villa-Lobos foi lembrado para compor uma sinfonia em comemoração a
Epitácio Pessoa, que retornava de Paris, após ter participado como representante do
Brasil de uma conferência sobre o fim da Primeira Guerra Mundial. Três obras deveriam
relatam como a peça de Villa-Lobos fora a mais aplaudida, o que contribuiu para que o
concerto realizado em abril de 1921 e patrocinado por Laurinda Santos Lobo. Foram
apresentadas além do quarto ato da ópera Izaht as peças A lenda do Caboclo, Viola e
Sertão no Estio. O motivo da apresentação de peças com temática nacional foi por ele
nos festejos da ocasião. Um segundo concerto foi promovido por dona Laurinda, incluía
além de peças influenciadas pela estética de Debussy, obras influenciadas pela cultura
Paulo. Veio então o convite para a participação na Semana de Arte Moderna de 1922.
compostas durante sua segunda permanência em Paris 1927-30, das quais os Choros
de Stravinsky. Uma declaração sua durante a Semana de Arte Moderna de 22, portanto
anterior à sua primeira viagem a Paris, demonstra concepções que vão além de suas
Se comparada com uma declaração feita após seu retorno ao Brasil em 1924 é
foi descrita pelo próprio Villa-Lobos como ―a maior experiência musical de minha vida‖.
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Lobos aos poucos altera a sua concepção estética frente ao primitivo e a rusticidade
música.
Debussy colocou-se frente a um embate estético (e por pouco físico)4 com Jean
Cocteau.
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Por ocasião da chegada de Villa-Lobos a Paris, Tarsila (do Amaral) ofereceu um jantar, no qual,
dentre muitos outros, estavam o poeta Blaise Cendrars e o compositor Eric Satie. Até mesmo
Jean Cocteu aceitara o convite: o gênio universal era considerado mentor intelectual da
vanguarda parisiense na literatura e sentia-se tão à vontade com as artes plásticas quanto à
música. O animado debate entre brasileiros e franceses concentrava-se progressivamente na
música e em sua improvisação. Villa-Lobos sentou-se com a habitual altivez ao piano da casa e
começou a improvisar, enquanto Jean Cocteau, atentamente ouvindo, colocou-se atrás do
instrumento. Passados os primeiros minutos, Cocteau sentou-se novamente em sua poltrona e
criticou sem piedade o que havia ouvido, condenando aquilo como uma fusão estilística à moda
de Debussy e Ravel. Villa-Lobos sentou-se novamente e tentou outra coisa, recebendo mais
uma vez protestos de Cocteau. Ele duvidava que uma improvisação ―sob encomenda‖ pudesse,
artisticamente ter algum sentido. A discussão acalorada que se seguiu entre Cocteau e Villa-
Lobos acabou em atos hostis. [...] Em 1918, Cocteau havia reivindicado, em sua obra Le coq et
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Pode-se imaginar a decepção de Villa-Lobos quando, ao invés de ser
aclamado ao mostrar suas obras ―modernas‖ para artistas de
vanguarda franceses, foi duramente criticado. Na verdade, o
desentendimento entre Cocteau e Villa-Lobos pode ser visto como um
curto-circuito entre as concepções que ambos portavam enquanto
personagens de universos sociais muito distintos, apesar de tratarem
da mesma manifestação cultural — a produção de música erudita
ocidental moderna e anti-romântica. No Rio de Janeiro, Villa-Lobos era
considerado ousado e vanguardista por utilizar elementos da estética
de Debussy; em Paris, esse mesmo uso faria com que ele fosse
criticado pelo principal representante da vanguarda. Esse encontro foi
apenas o primeiro momento de todo um processo de mudanças que
sofreriam a partir de então as preocupações estéticas de Villa-Lobos.
Ao longo do ano em que ele ficou em Paris, sua obra sofreu uma
transformação significativa (GUÉRIOS, 2003, p. 93).
entre a elite artística parisiense e o ambiente cultural da capital francesa, fizeram com
como: História de uma viagem à terra do Brasil de Jean de Léry, Rondônia de Edgar
compilada por João Barbosa Rodrigues. Segundo NEGWER (2003, p.162) ―as leituras
folclore sou eu. As melodias que escrevo, assim como eu, que as recolho são folclore
puro‖.
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As condições financeiras de Villa-Lobos no segundo semestre de 1924 não
permitiram que ele continuasse em Paris por muito mais tempo e no fim do mesmo ano
já estava de volta ao Brasil. Pouco tempo depois começou a ouvir no Museu Nacional
minucioso a respeito da música exótica dos indìgenas não foi resultado de ―pesquisas
Debussystas‖, mas também uma nova maneira de evidenciar a junção do maior número
sertanejo, a ginga do malandro carioca, o canto dos índios em música erudita moderna
nacionalismo.
Wisnik (2004, p. 136) ressalta que durante a década de 1920 o grande projeto
ordenação do tumulto musical brasileiro‖ passavam pela confluência das entre as duas
maiores influências exercidas sobre sua formação, erudita e popular urbana, e foram
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Os Choros
a junção das três raças constituintes da nação ou povo brasileiro, a saber: o índio, o
negro e o branco. Segundo França (1990, p. 163) ―são composições que nasceram da
instrumentos solo muito utilizados nas rodas de choro e estiliza com grande liberdade
trombone. Este Choros é conhecido pelo tema ―Nozani-na‖, originalmente dos ìndios
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miscigenação cultural consciente‖. A parte coral executa posteriormente as sìlabas da
pássaro batendo na madeira. Seguem-se figuras rítmicas dos metais, que sugerem
urbano, fazendo florescer uma atmosfera dançante‖. A peça também chama a atenção
porque tanto a parte do coro quanto a parte instrumental do septeto podem ser
apresentadas separadamente.
que compõem o povo brasileiro, sem ser ―exclusivista nem unilateralista‖. Além disso, a
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Muito comum nas obras Villalobianas.
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O uso do folclore e o incentivo à prática coral como fator de educação
musical remontam a corrente modernista nacionalista (liderada por
Mário de Andrade), que pregava a música folclórica nacional como
fonte essencialmente brasileira de criação estético musical, desprovida
da contaminação dos gêneros musicais europeus. Além desses
elementos, a música coral viria carregada de valor social (ao contrário
da ―música de elite‖, tida então como individualista e sem engajamento
social), sendo considerado por Mário de Andrade como ―a mais coletiva
de todas as artes‖. O canto em conjunto era sìmbolo dessa coletividade
(Lisboa e Sekeff, 2005, p. 141).
afirma que ―a peça é inspirada na música popular suburbana, da ―Cidade Nova‖, [...]
que patrocinara sua primeira viagem a Paris, Arnaldo Guinle, a peça escrita para piano
peça foi escrita em 1926, entretanto o fato da mesma ter sido estreada apenas em 1942
levanta a hipótese de que esta tivesse sido composta em 1930, quando o compositor
retorna de Paris. Seria improvável que ele não tivesse estreado a peça na capital
francesa, visto ser ela de grandes proporções instrumentais, o que a tornaria atraente
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vernáculos brasileiros como: bombo, tartaruga, camisão grande, cuíca, reco-reco,
instrumento bastante exótico, o roncador grave, que lembra ritos arcaicos dos índios e
2009, p. 169).
Setimino ou Settimo são nomes pelos quais o Choros 7 ficou conhecido. Foi
composto em 1924 e sua instrumentação conta com: flauta, oboé, clarinete, saxofone
alto, fagote, violino e violoncelo. A fusão entre as culturas primitiva e urbana é mais uma
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vez observada com a presença do tema ―Nozani-ná‖ (do Choros 3), desta vez
temáticos, que rompem cada vez mais os limites entre melodia e ritmo‖. É escrito para
percussivo e outro solista. Mariz (2000, p. 162) o descreve como ―o Choro do carnaval
contraponto atonal, evitando assim a sintaxe tonal. Neste Choros são raras as
inserida em um determinado ponto sobre uma massa orquestral quase imóvel. Villa-
uma variante melódica do Sapo cururu - o ouvido tende a associar a linearidade dessa
forma distanciada como motivo rítmico, contribuindo para o movimento animado. A peça
aproveitar aquilo que o compositor mais tinha em sua inconsciência musical, a música
sua estreia na mesma cidade apenas em 1942. Esta obra, segundo NEGWER (2009, p.
170), reflete a busca por uma ―música pura, absoluta, [...], comprometida também com a
música brasileira‖ (HORTA, 1987, p. 54). Durante os, aproximadamente treze minutos
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natureza. As vozes dos pássaros tropicais (azulão da mata), a revoada de pássaros
segunda metade da peça uma fanfarra de trompetes introduz uma cadência marcial.
Esta canção tornou-se muito conhecida na época em todo o país sob o titulo de
grosso moderno‖. Dedicado a Artur Rubinstein, é o Choros mais longo da série. Nele o
raramente é executado. O próprio compositor sugeriu que a peça fosse dividida em três
ou quatro movimentos e até chegou a fazer uma versão reduzida com 35 minutos de
duração.
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O Choros 12 é caracterizado pela abundância de ideias melódicas. Apresenta
composto para grande orquestra. O compositor comentou sua peça como ―forte, grande
(com uma cadência ad lib. para o violão solo) que Villa-Lobos compôs como uma
compositor, perdidos quando seu apartamento foi desmontado em Paris por ocasião de
sua mudança para o Brasil em 1930 (NEGWER, 2009, p. 173). O biógrafo de Villa-
Lobos, Vasco Mariz (2000, p. 163), escreve que o Choros 13 foi instrumentado para
razões estéticas de toda a obra. Mariz faz tais afirmações baseado em depoimentos do
próprio compositor.
Após breve análise da instrumentação dos Choros é possível constatar que Villa-
Lobos parte do próprio ambiente do choro carioca com o violão (Choros 1), flauta e
orquestrais (Choros 6, 8, 9, 10, 11, 12). As últimas peças da série (Choros 13 e 14),
dialética forma-sonata desenvolvida pela tradição ocidental, tanto quanto seus modelos
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românticos e impressionistas posteriores, e os princípios atonal e serial mostraram-se
série Choros, enquanto nas Bachianas sua ênfase é o retorno à tonalidade. ―Se em
grande parte dos Choros, podemos observar uma orientação harmônica voltada aos
questão de: como voltar a empregar a tonalidade sem soar como Wagner, Puccini e
outras influências importantes do período anterior? Essa é uma pergunta para outro
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estudo. Entretanto a hipótese levantada por Salles merece consideração se vista pela
ótica de Negwer, que ressalta a importância vanguardista da série Choros como a mais
Lobos para a estética musical modernista da primeira metade do século XX. A evolução
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Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3ª ed. São Paulo: Vila Rica;
Brasília: INL, 1972.
FRANÇA, Eurico Nogueira. A Arte da Música Através dos Tempos. Rio de Janeiro:
Atheneu-Cultura, 1990.
HORTA, Luiz Paulo. Villa-Lobos – Uma Introdução. Rio de Janeiro, Zahar, 1987.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5ª ed. Ver. ampliada. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2000.
MORAES, José G. V., SALIBA, Elias T. (orgs.) História e Música no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2010.
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