Atos e Romanos Trad. Figueiredo 1778
Atos e Romanos Trad. Figueiredo 1778
Atos e Romanos Trad. Figueiredo 1778
JESU CHRISTO.
TRADUZIDO EM PORTUGUÊS
SEGUNDO
A VULGATA,
COM VARIAS ANNOTAÇÕES
HISTÓRICAS, DOGMÁTICAS, E MORAES,
E APONTADAS
AS DIFFERENqAS MAIS NOTÁVEIS
DO ORIGINAL GREGO.
ANTONIO° PEREIRA
DE FIGUEIREDO,
DEPUTADO ORDINÁRIO DA REAL MEZA CENSÓRIA.
TOM. III.
Que comprehende os Actos dos Apostolos ,
e a Epistola de S.Paulo aos Romanos.
LISBOA
Na Regia Ofkic. Typograf. mdcclXxix.
Com licença da Real Meza Censoria.
Vende-se na loja da Viuva Bertrand e Filbos , Mer
cadores de Livros junto á Igreja de N, Senbora dos
Martyres ao Xiado em Lisboa.
V
I
PREFAÇÃO
IN-
INDICE
C A P I T°U LOS,
que se contém neste Livro.
EPISTOLA DE S. PAULO
AOS ROMANOS.
OS
о s
ACTOS DOS APOSTOLOS,
ESCRITOS PELO EVANGELISTA
S. LUCAS.
CAFITULO I.
AJcensao de Jefu Chrißo ao Ceo : oraçao
dos Difcipulos no Cenáculo : elezfäa
de Mathias em lugar de Judas.
O meu primeiro Li
vre, óTheofilo, fallci
en de todas as coufas,
que fez , e enfínou Je-
fus,
2 Defde que começou a apparecer
até o día , em que , tendo dado pelo
Efpirito Santo asfuas ordens aosApoC
tolos , que elegêra , foi aflumpto af-
lima.
3 Elle fe Ibes havia tambem mof-
trado depois dafuaPaixáo, dando-lhes
Tom. III. A mui-
a Os Actos dos Apostolos ,
muitas provas de que estava vivo , cem
lhes apparecer por espaço de quarenta
dias , e fallar-lhes (#) do Reino de
Deos. ,
4 E comendo com elles , lhes or
denou, que não sahissem de Jerusalem,
mas que esperassem a promessa do Pai ,
que vós ouvistes (disse elle) da minha
boca.
5 Porque João baptizou em agua ;
porém vós haveis de ser baptizados (b)
no Espirito Santo, passados não muitos
dias.
En-
(«) Do Reino de Deos. Isto he , da sua Igre
ja j e da Doutrina Evangelica , em que sc con
tem muitas verdades náo escritas , que o Se
nhor revelou «ntão aos Apostolos de viva voz ,
e que nos forão depois transmittidas pelo ca
nal da Tradiçáo Apostolica. Saci.
(#) No Espirito Santo. Os Apostolos já ti-
nháo recebido o baptismo de Christo. Faltava-
lhes porém aquella inundaçáo do Espirito San
to , que consistia no dom da confirmaçáo , c
que de todo os habilitasse para com toda co
ragem , e intrepidez exercitarem o Episcopa
do j até se sacrificarem pela Igreja. E este era
o segundo baptismo , ou eíFusão da divina gra
ça , que elles havião de receber dia de Pen
tecostes. Saci, Amelote, Duhamel. --
-y; Capitu lo t 3
6 Então os que tinhão concorrido
lhe perguntavão , dizendo : Senhor , a-
cafo será este o tempo , em que Vós res
tituais o Reino de Israel?
7 E elle lhes rcspondeo : Não he
da voíTa conta saber os tempos , nem
momentos , que o Pai reservou ao seu
poder.
8 Mas vós recebereis a virtude do
Espirito Santo , que descerá sobre vós ,
e me sereis testemunhas em Jerusalem ,
e em toda a Judéa , e Samaria , e até
as extremidades da terra.
9 Depois que aflìm lhcsfallou, el
les o virão (c) elevar-se em alto , até
que huma nuvem recolhendo-o em íl,
o occulton a seus olhos.
A ii E
(c) Elevar-se em alio. Severo Sulpicio , ,e
S. Paulino de Nola , Escritores do quinto se
culo , attestão , que ao subir Jesus do Monte
do Olival ao Ceo, deixara impressas na terra >
as suas divinas pegadas. Santo Agostinho , e
o Veneravel Beda acerescentão , que em seu
tempo hião muitos de romaria aviiìtallas. Ad
virto mais , que este monte, que os Evange
listas chamão do Olival , he o que adoptando
em Portuguez o mesmo nome Latino , chama
mos commummerite o Monte OUiiete. Pereira.
4 Os Actos fios Apostolos,
10 E como elles cstiveíTera atten-
tos avellosubiraoCeo, eis-que se Ihes
pozerao diante dos olhos dous homens
vcstidos de branco , que lhes disseráb :
11 Homens de Galiléa , por que es
tais vós olhando para o Ceo ? Este Je
sus , que separando-fe de vós, foi ele-
vado aoCeo, delá vira da níesma sor
te que vós o vistcs subir.
12 Entáo voltárao elles para Jeru
salem do Monte , chamado do Olival ,
que dista delia oespaço decaminho, (d)
que sepóde andar hum dia desabbado.
13 (e) E tendo entrado n'uma casa ,
subírão ao quarto de lima , onde ficá-
rao Pedro, e Joao ; Tiago, e André;
Filippe , e Thomé ; Bartholomeu , e
Mattheus ; Tiago , fîlho de Alfeo , e
Simao oZeloso, eJudas, irmáo de Tiago.
Os
00 Que se póde andar , érc. Era o espaço de
doixs.mil covados , ou de mil passos , que tan-
tos diíèava do campo dos Iíraelitas oTaberna-
culo no deserto. Amblote.
(j) E tendo entrado n'uma casa. Dizem, que
fora a de Maria , mái de João Marcos , de quem
adiarite se faz menjão neste Livxo , xii. 12.
Çalmet, -
Capitulo I. . O £
14 Os quacs todos perseverarão
orando n'um mesmo espirito , junta
mente com as mulheres , e com Ma
ria , Mãi de Jesus , e com os irmãos
delle.
15 Naquelles dias levantando-se Pe
dro no meio dos irmãos , que era© to
dos juntos perto de cento e vinte , dis-
se-lhes : o..
16 Meus irmãos , importa que se
cumpra o que o Espirito Santo predis
se na Escritura por boca de David á-
cerca de Judas, que foi oconductor dos
que prenderão a Jesus. . • > ;
17 Elle era hum do nosso Colle-
gio, e tinha parte nas funções do mes
mo ministerio.
1 8 Mas depois de possuir hum cam
po, adquirido do premio da sua iniqui
dade , elle se pendurou , e arrebentou
pelo meio da barriga , e todas as suas
entranhas se derramárão.
19 O que foi huma cousa tão no
toria a todos os habitantes de Jeru
salem , que aquelle campo se chama
na
6 Os Actos dos Apóstolos,
na lingua delles Haceldama ; isto he ,
o campo do sangue,
psaim. 10 Porque no Livro dos Salmos
pcvui. efá escrito : A sua habitação fique de
serta , e não haja quem nella more, e
tome outro o seu lugar no Episcopado.
21 Convem Jogo , que d'entre os
sogeitos , que estão em noíla companhia ,
des do tempo que o Senhor Jesus vi-
veo entre nós , :V- -'-
22 Começando pelo baptismo de
João , até o dia que o vimos subir ao
Ceo , se escolha delles hum , que com-
nosco seja testemunha da sua Resurrei-
çao.
23 Então propuzerao elles dous,
José chamado Barsabas , por sobreno
me o Justo , e Mathias.-
24 E pondo-se em oração , diíTerao:
Tu, Senhor, que conheces os corações
de todos , mostra-nos qual he destes dous
o que escolheste ,
25- Para entrar neste ministerio , e
no Apostolado , de que descahio Judas ,
para ir para o seu lugar.
Lo-
Capitulo I. e II. 7
a 6 Loge lançarão sortes sobre os
dous , e cahio a forte sobre Mathias ;, e
foi este associado com os onze Apostolos.
C A P I T U L O II.
Desce o Espirito Santo sobre os Jpostolos
dia de Pentecostes. Falido todas as ?in-
guas. Os Judeos os accusao de estarem
tomados do vinho. Pedro os refuta , pré-
gando-lhes a innocencia , e Resurreiçao
de Jesus. Diz que elle he o que lhes
mandou o Espirito Santo , e que he o
Mestias. Exborta-os d penitencia , e con
verte a tres mil. Vendem os convertidos
todos osseus bens , e os fazem communs.
CAPITULO III.
Pedro , e João curão a hum coxo de naj-
cença. Concurso do peva a ver o mila
gre. Segunda Prégaçao de Pedro.
CAPITULO V.
Ananias , e Safira , por mentìrem ao EJpi-
rito Santo , casttgados por Pedro cent
morte subita. Fazem os Apostolos mut--
tos mïlagres. A sombra de Pedro curà
os ensermos. O Conselho supremo mand&
pren- ^
go Os- Actos dos Apostolos ,
. prender aos Apostolos. Hum Anjo vs li
berta , e manda-lhes que préguem livre
mente a fé. Pedro em presença dos Jui
zes sustenta , que Jesu Christa resusci-
. tara , e que elle era o Messias. Gama
liel os dijjuade , que os não matem. Os
' Apostolos açoutados se alegrão de ter pa-
! decido por amor de Jesus.
C A P I T U L O VI.
Queixume dos Judeos Gregos , de Ihes def-
attenderem assuas vìuvas. Elegem os A-
postolos a fete Diaconos para dìstribui-
rem as esmolas. Convertem-se muitos dos
mesmos Sacerdotes. Vans disputas con
tra Santo EJìevao , a que Jeseguem mui
tos falsos testemunhos. Oseu rojlo pare-
ce aos mesmos Juizes comoorojìo ethum
Anjo.
/
Capitulo VI. 45
8 Ora Estevao cheio de graça , e
de força , obrava grandes prodigios , e
grandes milagres entre o povo.
9 Mas algnns (e) da Synagoga
chamada dos Libertinos , e dos Cyre-
nenses , e dos Alexandrinos , e dos que
eráo da Cilicia , e da Afia , se levantá-
rao contra, e disputavao com elle.
10 E nao podião reíìstir á sabedo-
ria, e ao Espirito, que nelle fallava.
11 Entao suborna'rão a certos ho-
mens , para dizerem, que elles Ihe ti-
nhao ouvido blasfemias contra Moysés,
e contra Deos.
12 Seguio-se dahi commoverem ao
povo, aos Senadores , e aos Doutores
daLei; e arremettendo a elle, o arre-
batárao , e levárao ao Conselho :
13 E alli produzírão falsas teste-
munhas , que disserao : Este homem náo
cessa de fallar contra o lugar santo , e
contra a Lei. Por-
(f) Da Synagoga cbamada dos Libertinos. Isto
he , dos que depois de serem cativos , e fei-
tos escravos por Pompeo , e por outros Ca-
pitáes Romanos , vierão a alcançar liberdade
de suas peflbas , e religião. Amblote.
46 Os Actos dos Apostolos,
14 Porque nós o ouvimos dizer,
que este Jesu Nazareno ha de destruir
este lugar, e ha de tirar as tradições,
que Moysés nos deixou.
15- Entretanto , todos os que esta-
vao assentados no Conselho , quando
olhavão para elle, o seu rosto lhes pa
recia como o rosto d'hum Anjo.
CAPITULO VII.
Santo Estevão diante dos Juizes mostra ,
que elle não faliou contra Moysés , nem
contra o Templo. Mas que os Judeos se
oppuzerãosempre aos Profetas , e ao Es
pirito Santo. Vê ao Filho de Deos as
sentado â dextra do Padre. Os Judeos
o apedrejão , guardando lhes Saulo às ves
tidos. Santo Estevão de joelhos ora a
Deos por elles.
•
Capitulo VII. $1
Abrahão tinha comprado em moeda de
prata aos filhos de Hemor, filho deSi-
quem.
17 Mas chegando-se o tempo da
promefla , que. Deos fizera a Abrahão ,
crcsceo , e se multiplicou rnuito o po
vo no Egypto,
18 Até o governo d'outro Rei , que
não conhecera a José.
19 Este Principe usando de hum
malicioso artificio contra a nossa gen
te, attribulou nossos pais, até o ponto
de os constranger a exporem as suas
crianças, para se extinguir a casta.
20 Neste tempo foi que nasceo Moy-
D ii sés ,
os filhos o que- em nome de todos vendera
Efron : outro! com Calmet discorrem , que
Santo Esteváo não tomara na boca a Abraháo a
mas a Jacob ; e que em lugar deste escapou
aos copiadores o nome daquèlle. E pelo que
toca á outra circumstancia , de se chamar aqui
a Hemor filbo de Siquem , quando no' Genesis
se diz que era seu pai : já advertio Cano, que
o Texto Grego de S. Lucas só diz Hemor de
Siquem , sem exprimir se era pai , ou se era
filho: e já tambem advertio Saci , que as Ver
sões Syriaca , e Arabiga náo trazem as pala
vras, filbo de Siquem, Pbrbira.
$í Os Actos dos Apóstolos,
fés , que era agradavel a Deos , e íb
criou tres stiezes em casa de seu pai.
2i Depois , como elle fosse expos
to , a filha de Faraó o levantou , e o
criou como filho.
ai Depois foi Moysés instruido em
toda a literatura dos Egypcios , e sa-
hio poderoso em palavras, e obras.
23 Mas quando elle completava os
quarenta annos da sua idade , veio-lhe
ao pensamento ir visitar os filhos de
Israel seus irmãos.
24 E vendo que se fazia injúria a
hum delles, elle odefendeo, e vingou,
matando ao Egypcio , que o ultrajava.
25 Ora Moysés cuidava que seus
irmãos estavão bem capacitados , de que
por sua mão òs havia de livrar Deos :
mas elles não o entenderão.
26 Ao dia seguinte deo-se-lhes Moy
sés a ver em occasião , que huns He-
breos pelejavão de palavra entre si. E
elle procurando apaziguallos , lhes dis
se : Homens, vós sois irmãos : Como
logo vos estais injuriando hum a outro?
- . ' . . . 'Eílr
Capitulo VII. 5-3
27 Então o que fazia injúria ao ou
tro , o repellio , dizendo : Quem te con-
ftituio a ti Principe > e Juiz sobre nós ?
28 Dar-se-ha caso que tu me quei
ras matar, affim como mataste hontem
aquelle Egypcio.
29 Moysés ouvindo esta palavra,
fugio, e esteve como estrangeiro na ter
ra de Madian , onde ouve dous filhos.
30 . Quarenta annos depois lhe ap-
pareceo hum Anjo no deserto do Mon
te Sina , na chamma d'huma çarça ,
que ardia em fogo.
31 O que tanto que Moysés per-
cebeo , ficou maravilhado do que via ;
échegando-se para considerar que feria,
ouvio a voz do Senhor , que lhe disse :
32 Eu sou o Deos de teus pais-, o
Deos de Abrahão , o Deos .de Isaac , o
Deos de Jacob. Moysés todo cheio de
medo, não ousava considerar.
33 Então lhe disse o Senhor: Des
calça osçapatos de teus pés; porque o
lugar, onde esta's , he huma terra sani
ta.
. Te
5'4 Os Actos dos Apostolos ,
34 Tenho visto , e considerado a
afflicção de meu povo , que reside no
Egypto , e tenho ouvido os seus ge
midos , e baixei a livrallos. Vem pois
agora , para eu te enviar ao Egy
pto.
35- Este Moysés , a quem elles ti-
nhão recusado , quando disserão : Quem
te constituio a ti Principe , e Juiz : es
te mesmo foi, o que Deos enviou por
Principe , e por Libertador debaixo da
conducta do Anjo , que lhe appareceo
na çarça.
3 6 Este o que os fez sahir , obran
do prodigios , e maravilhas no Egy
pto , no mar vermelho , e no deserto
por espaço de quarenta annos.
37 Este heaquelle Moysés , que dis
se aos filhos de Israel : Deos vos susci
tará dentre vossos irmãos hum Profeta,
como eu ; ouvi-o.
38 Este aquelle , que quando a con
gregação do povo estava no deserto, ti
nha trato com o Anjo , que lhe falla-
ya no Aíonte Sina. Este o que estava
eprn
Capitulo VII. 57
com nossos pais , e que recebeo as pa
lavras da vida para no-las dar.
39 Nossos pais não lhe quizerão
obedecer ; mas repellírão-no , tornando-
se com os seus corações para o Egy
pte,
40 E dizendo a Arão : Faze-nos
Deoses, que vão adiante de nós; por
que nós não sabemos que he feito da-
quelle Moyfés, que nos tirou da terra
do Egypto.
41 Em consequencia disto fizerão
elles hum bezerro , e osserecêrão sacri
fícios ao idolo , pondo a sua alegria nas
obras de suas mãos.
42 Então Deos se retirou delles,
e os desamparou de maneira , que ado
rarão (d) o exercito do Ceo , como es
tá escrito no Livro dos Profetas : Ca- Amós
fa de Israel, forão por ventura alguns v' n
os sacrifícios , e forão algumas as hos
tias, que vós me offerecestes no deser
to em quarenta annos ?
Mui-
(4) 0 exercito do Ceo. Isto he , a multidáo
dós Astros , e das Estrellas. Amblotb.
f6 Os ÁCTOS DOS Apostolos,
43 Miiito pelo contrario , (e) vós
tomastes o pavilháo de Moloch, e o
astro do vosso Deos Ramfam , que sáo
as figuras, que vós fizestes.
44 Tivcráo nossos pais comsigo no -
deserto oTabernaculo doTestemunho,
conforme lhes havia Deos ordenado,
dizendo a Moysés que o fizefle , segun-
do o modêlo que vira.
45- E nossos pais , depois de o te-
rem recebido , o levárao debaixo da con-
ducta de Joíué á terra , que havia lìdo
possuida das Naçóes , que Deos expul-
sou á vista delles. E alli perseverou até
o tempo de David,
46 O qual achou graça diante de
Deos , a quem pedio , que o deixaíTe
edi-
(e) Vós tomastes 0 pavilbão de Molocb. A Vul-
gata Latina de Amôs, v. 26. diz , nós levas
ses. E Moloch , que íìgnifica Rei , era huma
Estatua vasada , que tinha a cabeça de novi-
íhò , e as mãos estendidas a modo de quem
ueria receber alguma cousa. Os Sacerdoces
cppis de lhe metterem fogo nas fete conca-
vidaJeSj que tinha , punhão-lhe nas mãos por
offerta a feus filhos, que alli erão queimados
yivos. Amjeloxe.
Capitulo VII.
edificar huma morada fixa ao Deos de
Jacob.
47 Salamão com tudo he que foi,
o que edificou hum Templo.
48 Mas oAltislimo não habita em
Templos, feitos por mão cie homens,
conforme esta palavra do Profeta:
49 O Ceo he o meu Throno , e a
terra o escabéllo de meus pés. Que ca
sa me edificareis vós, diz o Senhor, e
qual poderá ser o lugar do meu des-
canço ?
5-o Não he a minha mão , a que
fez todas estas cousas?
51 Homens de dura cerviz, e que
estais por circumeidar no coração, e nas
orelhas : vós sempre resistis ao Espirito
Santo , e sois inteiramente como forão
vossos pais.
$2 Que Profeta houve, a quem vos.
sos pais não perseguissem ? Elles matá-
rao aos que lhes predizião a vinda do
Justo, a quem vós acabais de entregar,
e de quem vós fostes os homicidas.
53 Vós ? que recebestes a Lei por
mi-r
58 Os Actos dos Apostolos,
ministerio dosAnjos, eque anaoguar-
dastes.
54 Aoouvir estas palavras, enchê-
rao-se elles de raiva , que lhes despeda-
çava o coraçáo , e rangião com os den
tes contra elle.
5' <y Mas Estevao , cheio do Espiri-
to Santo , olhando para o Ceo vio a
Gloria deDeos, e ajesus empé ámao
direita de Deos. E disse : Eis estou eu
vendo os Ceos abertos, e o Filho do
homem em pé á máo direita de Deos*
$ 6 Entao elles levantando huma
grande grita , (/) tapárão as orelhas,
e todos juntos arremettêrão a elle com
su ria.
5-7 E tendo-o lançado fóra da Ci-
dade , o apedrejaváo ; e as testemunhas
(g) depozerao os feus vestidos aos pés
de hum moço, que sechamava Saulo,
58 E apedrejaváo a Estevao , que
in-
(f) Tapárao as orelbas. Acção de quem não
queria ouvir blasfemias. Phreira.
Cê) Depozerao os seus •vestidos. A fim de fi-
caiem mais desembaraçados para 0 apedreja-
rem. Calmet.
Capitulo VII. e VIII. S9
itivocava a Jesus , e dizia : Senhor Je
sus, recebe o meu espirito.
59 E tendo-se posto de joelhos , diC-
se gritando : Senhor, (h) náo lhes im
putes este peccado.
£o E ditas estas palavras, dormio
no Senhor. He de saber, que Saulo ti-
nha consentido na morte de Esteváo.
CAPITULO VIII.
Perseguiçao contra os Fieis. Todos se des
mantelao para diverjas partes , a exce-
pçaodos Apostolos. Saulo devasta algrt*
ja. Filippe baptiza a muitos em Sama-
ría. Pedro , e Joao sao allì enviados pa
ra lhes dar o Espirito Santo. Simao quer
comprar por dinheiro o poder de o dar
aosoutros. Pedro oreprehende dijso. Fi
lippe he enviado a hum Grande da Ethio-
pia. Elle o instrue pelo caminho , e o ba
ptiza. EumAnjo leva Filippe a Azot.
1
78 Os Acros dos Apóstolos ,
gos explicáo este nome. Estava ella cheia
de boas obras , e de esmolas que fazia.
3 7 Neste tempo cahio enferma , c
morreo. (d) E depois de a lavarem,
pozerao-na em hum quarto alto.
38 E como Lydda estava perto de
Joppe, os Discípulos ouvindo que Pe
dro Ia' estava , enviárâo-lhe dous ho
mens , pedindo-Ihe que tivesse o traba
lho de vir a elles sem perda de tem
po.
3 9 Partio Pedro logo com os dons :
e chegado que foi , o conduzirão ao
quarto superior , onde todas as viuvas
se lhe apresenrirão chorando , e mos-
trando-lhe as faias, e os vestidos, que
Dorcas lhes fazia.
40 Neste passo mandou Pedro sa-
hir todos para fora , (e) e se poz de
joe-
(á) E depois de a lavarem. Segundo o costu
me , que então era geral entre os Hebreos ,
Gregos , e Romanos ; e que ainda hoje se pra
tica entre nós nalgumas partes , e principal
mente nos Mosteiros. Pbreira.
(e) E se por. de joelbos a sazer oraçãa. Pois -
que? Não he este o mesmo Pedro , que há-
via pouco tinha curada era Lidda a hum pa-
Capitulo IX. 79
joelhos a fazer oração. Depois voltan-
do-se para o corpo, disse: Tabitha, le-
vanta-te. Abrio ella os olhos ; e tendo
visto a Pedro, se assentou.
41 Pedro lhe deo logo a mão , e
ella se levantou. E havendo chamado
os Santos , e as viuvas , elle lha deo
viva. ,»..-.-
42 Este milagre foi sabido em to
da a Cidade î e forão muitos os que
crêrão no Senhor. ' '
43 E Pedro se deixou ficar emjop-
pe por muitos ,<JiasTí em casa de hum
curtidor de pelles, chamado Simão.
CA-
ralytico de oito annos ; e que só com a sua
sombra sarara de caminho outros muitos en
fermos ? Como logo aqui para obter de Deos
a resurreição de Tabitha , manda sahir todos
para fóra , e se põe de joelhos :a orar ? He
para que entendamos, que ó dom de milagres
náo he graça , que esteja sempre na mão dos
Santos; e que tudo o que elles obrão, he in
teiramente dependente da vontade de Deos.
Pereira.
8o Os Actos dos Apóstolos,
CAPITULO X. \ . '
Hum Jlnjo adverte a Cornelio , que mande
chamar Fedro a Joppe. Vê Pedro des
cer do Ceo buma como grande toalha ,
sustida pelas pontas , em que havia to-
1 da a casta de animaes immundos. Recu-
' sando Pedro comer dettes , Deos lhe diz ,
que elle os tinha purificado. Daqui -vem
fliconhecer Pedro , que se devido : rece-
. her na Igreja os Gentios. Vai a casa
de Cornelio , e annuncia-lhe a Jesu Chri-
sto. Desce o Espirito Santo sobre Corne-
' lio , e sobre os seus. O que vendo Pe
dro y baptiza a todos.
C A P I T U L O XI.
Disputa dos Judeos convertidos contra São
Fedro , por elle ter tratado com os Gen
tios. Convertem-se muitos em Antioquia.
Barnabé , e Paulo sao lá enviados. Os
Fieis se chamão alli Chrijlãos. Huma
grande fome he predita pelos Profetas.
A Igreja de Antioquia ajuda com suas
esmolas a de Judéa.
CAPITULO XII.
Manda Herodes cortar a cabeça a Tiaga
Maior , e metter em prizâo a Pedro. Hum
Anjo 0 livra delia. Herodes falla aopo-
vo ; e depois de permittir que Ihe dent
honras divìnas , he cajìigado por Deos ,
e morre comido de bichos.
/
102 Os Actos dos Apostolos,
assentado no feu throno , lhes fez huma
falla.
22 E o povo exclamava : (e) Voz
Jie esta de hum Deos , e náo de hum
homem.
23 Porém fubitamente o ferio o An-
jo do Senhor , por elle náo ter dado
gloria a Deos : e comido de bichos mor-
reo.
24 Entretanto a palavra de Deos
crefcia, e fc multiplicava.
25- E Barnabé com Saulo tendo
cóncluido o feu ministerio , tornárao a
sahir de Jerusalem , levando comsigo a
Joao , por sobrenome Marcos.
CA-
(?) lsto bt ^0% de bum Deos. José no Livro
XIX. das Antiguidades Judaicas , cap. 7. des-
creve com individuação estas , e outras nvui-
tas lisonjas, com que o povo fez evaporar-se
todo em Huma vaidade louca , e temeraria 0
coração do feu Principe ; que no fim conhe-
peo lem remedio a falsidade das lisonjas , e 0
castígo de as não ter reprimido. Pereira.
io3
CAPITULO XIII.
OEJpirito Santo fepara a S. Paulo , e a
S. Barnabe. Sao ambos enviados aos Gen
tíos. S. Paulo priva da vifla dos olhos
a hum Mágico. Com efle milagre fe con
verte o Proconful Sergio Paulo. S. Pau
lo préga em Antioquia de Pißdia. Os
Judeos combatem a fuá doutrina. Tor
na-fe para os Gentíos. Os Judeos levan-
täo contra elle huma fediçao.
■
i©4 Os Actos DOS Apostolos,
elles Ihes impozerao as máos , e os des-?
pcdírão.
4 AflìmenviadospeloEspiritoSan-
ro , derão comsigo em Sefencia , e dalli
se embarcárao para paflàr a Ghipre.
5- Chegados que forao a Salamina ,
prégaváo a palavra de Deos nas Syna-
gogas dos Judeos : e tinháo comsigo a
Joao , por lhes servir de coadjutpr , e de
ministro.
6 Tendo discorrido por toda a Ilha
até Páfos , ( b ) encontrárão a hum Ju-
deoMagico, e falso Pròfeta, chamado
Barjesus ,
7 Queestava com o Proconsul Serv
gio Paulo , homem íìfudo. Este Procon
sul
G A P I T U \f O XV.
Os Judeos convertìdos pretendent obrigar
os Genths á observancia da Lei Mojai-
ca. Paulo , e Barnabé vao a Jerusalem y
à que os Apostolos decidao esta questao.
Hllles a decidem afavor dos Gentios. Pau
lo defeja ir visttar os lugares , onde ti-
Capitulo XV. 121
- nha prégaão. Barnabé se separa ãeJle ,
por cauja de João Marcos.
CAPITULO XVL
Paulo circumeida a Timotheo. O Efpirjtj
Santo o defvia da Afia , e da Bithynia ,
e o chaina a Macedonia. Chega a Filip.
pes , onde converté a Lydia , mulhef que
vendía purpura ; e expelle de huma Py-
ihonijja o efpirito maligno. Levant a-fé
opovo contra elle. He açoutado , e met-
tido ent prizâo com Silas. Abre-fe-lhe à
prizâo de noite. Converte-fe 0 Carcerei-
ro. Os Magifirados 0 mandao foltar. Ë
Paulo os obriga aferem elles mefmos os
qué 0 façao.
CAPITULO XVII.
Vai Paulo a Thejsalonica , depois a Beréa.
He perfeguido dos "Judeos. Vem a Athe-
nas. Préga no Areopágo , onde con-
verte a Dionyjìo Areopagita , e
a muitos outros.
CAPITULO XVIII.
Paulo emCorintho trabaïha demaos. Dei-
xa os Judeos por ir instruir os Gentios.
He levado ante 0 Proconsul. Vat á Sy-
ria , dahi a Jerusalem , dahi á Galacia ,
e d Frygia, Apóllo he injìruido de Pris-
cilla , e de Aquila.
CAPITULO XIX.
Torna Paulo a Efefo. Baptiza os Discípu
los , que só tinhao recebido o baptismo
de João. Faz curas extraordinarias. Ex
orcistas Judeos. Os Gregos convertidos
confefsao seus peccados , e queimao os
Livros da Arte Magica. Os ourives sub-
levão os Efesios contra Paulo. O Magis
trado os aquieta.
C A P I T U L O XX.
Paulo em Troade. Bjsuscita hum moço , qui
tinha cahido do terceìro andar. Préga
0 Evangelho em dìversas partes. Sa-
he da Asia corn grande sentimento
dos Fieis.
CAPITULO XXI.
Viagem de Paulo d Fenícia , e dahi a Je
rusalem. Agabo lhe prediz o que tem de
lhe succeder naqUella Cidade \ mas nem
for iffò deixa Paulo de lá ir. A Igreja
de Jerusalem o aconselha , que com ou
tros quatro cumpra no Templo o seu Do
to. Os Judeos o prendem. 0 Tribuno lho
tira das mãos. Pede Paulo licença de
faliar ao povo. O Tribuno lha concede.
1
184 Os Actos dos Apostolos,
do se devia offerecer a oblação por ca-?
da hum.
27 Mas quando estavão a findar os
sete dias , como os Judeos da Asia o
virão no Templo , concitárão o povo to
do , e lança'rao as mãos a elle , gritando ,
28 Soccorro , ó Israelitas : Eis o
homem , que em toda a parte dogma
tiza contra o povo, contra alei, e con
tra este santo lugar : e què de mais a
mais introduzio Gentios no Templo , e
profanou este lugar santo.
29 Isto dizião elles , por conta de
que , como virão na Cidade (g) a Tro-
'
(g ) Como virão na Cidade aTrofmo dc Eseso.
A este Trofimo celebra a Igreja de Arfes em
França por seu primeiro Bispo: Opiniáo, que
sesão genuínas as Cartas do Papa Zozimo, que
do Arquivo da mesma Igreja publicou Sirmond,
era já constante naquelle Reino nos princípios
do seculo quinto. Mas dos mesmos Críticos
Nacionaes, huns com Launoy fustentão ferem
fupposiricias , tanto as Cartas de Zozimo aos
Bispos de França , como as dos Bispos da Pro
vença a S. Leáo Magno : outros comTillemont,
ainda admittidas as raes Cartas , duvidão da
verdade dos factos , que nellas se suppõem : e
náo querém reconhecer por. Bispo deArlés «b
Capitulo XXI. i8j
fimo de Efeso com Paulo , julgarão que
Paulo o tinha introduzido no Templo.
30 Seguio-se logo commover-se to
da a Cidade , e concorrer amotinado
o povo. E elles tendo lançado mão de
Paulo , o tirárão para fora do Templo ,
cujas portas ao mesmo tempo forão fe
chadas. . . .
31 quando elles se dispunhão a
matallo , (h) chegou aos ouvidos do Tri
buno da Cohorte , como toda Jerusa
lem estava posta em confusão.
32 O Tribuno logo, tomando
comsigo soldados , e CentUrióes , veio
a elles : os quaes vendo ao Tribu
no, e aos soldados, cessarão de ferir a
Paulo.
- 33 O Tribuno chegando-se , pegou
nelle ; e tendo-o feito liar com duas
ca-
gum Trofimo , que foíTe mais antigo , que o
que no meio do terceiro seculo veio a França
com S. Saturnino , segundo a Historia de S. Gre
gorio de Tours. Pereira.
(b) Cbegou aos ouvidos do Tribuno da Coborte.
~S.Lucas nos informa mais adiante, xxin. 26.
que elle se chamava Claudio Lyfias, PjjrbIi
iZ6 Os Actos dos Apostolos,
cadeias , perguntava quem era , e que
tinha feito.
34 Mas nesta confusão de gente,
huns gritavão d'huma forte , outros
doutra. Vendo pois que por causa do
tumulto não podia vir no conhecimen
to de cousa alguma ao certo, (/) man
dou que o levaífem á Cidadela.
35- Quando Paulo chegou ás es
cadas , foi necesTario tomarem-no os
soldados , de grande que era a violen
cia do povo.
36 Porque era grande o alluviáo,
que o seguia , dizendo a gritos : Ma-
ta-o.
37 Estando a ponto d'entrar na
Cidadela , diíTc Paulo ao Tribuno : Dás-
me licença que eu te diga huma pala
vra ? Refpondeo-lhe o Tribuno : Tu
sabes fallar Grego ?
3 8 Tu não es aquelle Egypcio , que
os dias passados sublevaste , e conduziste
ao deserto quatro mil aíFaíEnos?
* Pan-
(«) Mandou que o levaffem d Cidadela. Esta pa
rece fer a que José chama a Torre Antoni». JUp
LEMONT.
Capitulo XXI. e XXII. 187
39 Paulo lhe respondeo : Afleguro-
te que eu sou Judeo , natural de Tar
so na Cilicia , Cidadão desta Cidade ,
que he bem conhecida. Agora pois o
que te peço he, que me permittas fal-
lar ao povo.
40 Como lho permittisse o Tribu
no , poz-se Paulo em pé sobre os de-
gráos, e fez sinal com a mão ao povo.
E tendo-se feito hum grande silencio,
(/) fallou-lhes affim em Lingua Hebraica:
CAPITULO XXII.
falia de Paulo , contando asua conversão ,
e a sua missão aos Gentios. Gritão os
Judeos , que he necessario tirar-lbe a vi
da. O Tribuno o manda açoutar. Paulo
se declara Cidadão Romano. O Tribuno
0 manda desliar , e chamou os Judeos a
euvillo.
CAPITULO XXIII.
Paulo se justifica diante dos Sacerdotes. O
Summo Pontífice o manda esbofetear. Dd-
Jè a conhecer por Fariseo. Descobre huma
conjuração contra a sua vida. He remet-
tido a Cesaréa ao Governador Felis.
1
Capitulo XXVI. e XXVII. 223
vem , se fizcssetn hoje taes , quaes eu fou ,
excepto estas prizóes.
30 Entao se levanta'rão oRei, e o
Governador , c Berenice , e os que es-
tavao assentados com elles.
31 E retiraiiòs à parte, fallárao huns
com outros , e disserâo : Este homem
náo fez cousa , que feja digna de mor
te, nem de prizao.
32 E Agrippa disse para Festo: Elle .
podia fer solto, se náo tivcsse appella-
do para o Cesar. .
CAPITULO XXVII.
Paulo he remettìdo prezo a Roma. O ven
ts contrario o faz arrihar a Creta.
Aconselha que invernem allì. Nao ejìao
pelo seu parecer , e huma furiosa tem
pestade faz naufragar o navio. AUjao
toda a carga , e equipagem. Paulo Ihes
promette a vida a todos. Todos se fal-
vao , ou a nado , ou sobre pranckas.
GAPITULO XXVIII.
Arrìba Paulo a Malta. Mordeo-o huma vi-
bora , e «ao o damna. Os barbaros ç
íem for hum Deos. Cura o Senbor da
ìlha, e outros muìtos. Pajsados fres me'
zes chega Paulo a Puzzólo , e desois a
Roma. Declara aos judees o motivo da
sua uinda , e fréga-lhes a Jesu Çhriflo
for effaço de deus annos.
I
236 Os Actos dos Apostolos,
das. E Paulo como os vio, deo graças
a Dcos, e cobrou animo.
16 Chegados que fomos a Roma,
deo-se licença a Paulo que ficasse onde
quizesse com hum soldado , que o guar
dasse»
17 Passados tres dias, convocou Pau
lo os principaes dos Judeos : e depois
que elles chega'rao, disse-lhes: Meus ir
mãos, ainda que eu não commetti na
da contra o povo , nem contra os cos
tumes de nossos pais , fui com tudo pre
zo em Jerusalem, e entregue em mãos
dos Romanos.
18 Osquaes tendo-me examinado,
querião soltar-me , visto que não acl?a-
vão em mim crime algum , que mere
cesse morte.
Mas
primeiro lugar distava de Roma mais de sin-
cocnta milhas , e tomou o nome de Claudio
Appio, que nelle tinha sua Estatua, em me
moria da grande Estrada, que por alli fizera,
chamada por isso rambem Via Appia. O segun
do distava trinta e quatro milhas. E o virem
de tão longe os Fieis de Roma buscar a S. Pau
lo, mostra bem o amor, a devoçáo, c o refr
peito, que lhe tinhão todos, Perbira.
Capitulo XXVIII. 237
19 Mas oppondo-se a isso osJudeos,
vi-me obrigado a appellar para o Ce
sar , sem intentar com tudo accusar dal-
guma cousa os da, minha Nação.
20 Por esta causa pois he que vos
mandei chamar aqui , para vos ver, e
vos fallar: pois que pela esperança de
Israel he que estou prezo com esta ca
deia.
2 r Elles lhe responderão , dizendo :
Nós nem temos recebido carta de Ju-
déa , que falle em ti ; nem de lá tem
vindo irmão algum , que nos dissesse
mal da tua pessoa.
22 Porém quizeramos que tu nos
dissesses o que sentes : porque o que nós
sabemos desta feita , he que em toda a
parte a impugnão.
23 Tendo-lhe pois apprazado dia ,
vierão muitos vello ao seu hospício : aos
quaes elle expunha , e demostrava o Rei
no de Deos , convencendo-os do que
tocava a Jesus , pelos testemunhos da
Lei , e dos Profetas , des da manhã até
a tarde.
Huns
238 Os Actos DOS Apostolos,
24 Huns criao o que elle dizia , ou
tras não crião.
2S Ecomo náoconvinhao entre íì,
retiraváo-se : o que deo occafiáo a que
Paulo lhes diíTeiïe esta palavra : Corn
muita razáo o Efpirito Santo, que fal-
lou a noflbs pais por boca do Profeta
Iíaias, diíTe:
26 Vai ter com este povo, e dize-
»• lhe : Vós ouvireis de orelha , e náo en-
tendereis : vereis com os olhos , e náo
devisareis.
27 (c) Porque o coraçáo deste po
vo sefez pezado, e as suas orelhas fur-
das , e elles fcchárão os feus olhos ; pa
ra náo aconrecer verem com os olhos,
e ouvirem com as orelhas , e entende-
rem no coraçáo , e converterent-fe , e
serem por mim làrados.
2 8 Sabei pois que a salvaçáo de Deos
he enviada aos Gentios , e que estes a
háo de receber. Co-
(c) Porque 0 coraçáo de/le povo , &-c, Com es
te mesmo Texio delsaias amcaçou Christo Se-
nhor noffb o lJovo judaico , como vimos , e
observámos no tvangelho de S.Matcheus, xih»
X4. 15. i^BKJilKA.
Capitulo XXVIII. 239
29 Como elle lhes dissesse estas cou
sas , deixárão-no os Judeos , tendo en
tre si grandes altercações.
30 Dons annos permaneceo Paulo
num aposento , que allugára , onde re
cebia a todos os que o vinhao ver;
31 Prégando o Reino de Deos, e
ensinando o que respeitava ao Senhor
Jesu Ch riflo, com toda a liberdade, e
sem que ninguem lho prohibisse.
EPIS-
EPISTOLA
DE S. PAULO
APOSTOLO
AOS ROMANOS,
Escrita de Corintho no anno 5-8. da Era
vulgar , segundo do Imperio de Nero.
""capitulo I.
Recommenda Paulo a excellencia do seu
Apostolado. Deseja exercital/o em Roma.
Os infieis são inexcusaveis : porque co
nhecendo a Deos , não o glorificarão co
mo devião. Por ijso permittio Deos , que
elles cahiffèm em abominaveis torpezas
de peccados contra a natureza.
pos.
2^ Elles , que trocarão a verdade
de Deos pela mentira; e que mais- qui-
zerao adorar , e servir á creatura , do
que ao Greador, que he bemdito por
todos os seculos. Amen.
Por
(g) A transserirão para a imagem do bomem cor
ruptível. Porque homens forão , os que os Gen
tios adoravão com os nomes de Saturno , Ju
piter , Plutão , Marte , Mercurio , Apollo , Escu
lapio , Hercules : mulberes forão , as que ado
ravão com os nomes de Ceres , Proserpina , Ju
no j Venus j Diana. E não só a estes homens,
e mulheres , mas aos seus mesmos simulacros ;
e não só aos simulacros de homens corrompi
dos , e de mulheres prostitutas , mas tambem
aos dos animaes immuridos derão o nome , e
culto de Deoscs Nações inteiras , grandes, e
pequenos, e os mesmos sabios delias. íï&REir
JIA.
ifz Epistola de S. Paulo
26 (r) Por isso os entrcgou Deos
a paixóes vergonhosas. Porque entrel-
les as femeas mudárão o uso , que he
segiindo anatureza, emoutrouso, que
he contra a natureza.
27 Por semelhante modo os machos ,
deixada a uniao natural dos dous sexos ,
se abrazárão em mutuos desejos hu-ns
pelosoutros, commettendo homem corn
homem huma infame torpeza ; e rece-
bendo desta forte em si mesinos o justò
castigo , que era devido á sua cegueira.
28 E comoelles nao fizerão ufo do
conhecimento , que tinháo de Deos ; as-
sim Deos os entregou a hum sentimen-
to
(V) Por iffo es entregou Deos a paixoes vergo
nbosas. O entregar aqui , e noutros lugares a-
diante , he delamparar Deos da sua mão os
peccadores , deixando-os ir apôs os feus aspe
rites de abominação em abominação , atc se
precipitarem nas torpezas mais nerandas. E be
o que succedeo aos antigos Filoíofos , dentre
os quaes ainda os mais bem opinados , e mais
famolos , como Socrates , Platão , Zeno , e
Aristoteles , são notados por S. João Chrysot-
torao no segundo Sermão sobre S. Babylas Mar
tyr, do abominavel vicio , de que falla o A'
postolo no verso 27, Pjbreira.
aos R 0 m a no s. Cap. I. 25:3
to depravado , segundo o qual commet-
têráo cousas , que sao contra toda a or-
dem , c contra toda a razáo.
29 Cheios detodo ogenero dcin-
justiça , de malicia , de fornicaçáo, de
avareza , de maldade : cheios de inve-
ja, de homicidio, de contenda, dedó-
lo, de malignidade :
30 Mexeriqueiros , calumniadores ,
inimigos de Deos , contumeliosos , lo-
berbos , altivos , inventores de novos
modos de fazer mal , desobedientes a
feus pais , e mais :
31 Sem prudencia , sem compostu-
ra , sem affeiçao , (s) sem palavra , sem
misericordia.
32 E tendo conhecido a justiça de
Deos , (í) nao comprehendêrao , que os
que fazem senjelhant.es cotisas, sáo di-
gnos
(j) Sem palavra. Traduzindo todos os Fran-
cezes aqui , sem sé , e Martini Italiano , sem
W, o que no Latim diz a Vulgaia absque sœ-
itre ; cu singularmente verti jsem palavra ; mo-
vido da reflexão , de que aos que taltão aos
tratados , e ajustes , chamamos nós em bom
ïortuguez , boment sem palavra. Pbreira. /
(0 Nào comprebendêrao que os que sazem , <ò-c
25'4 Epistola de S. Paulo
gnos de morte ; e não fómente os que
as fazem , mas tambem os que appro-
vao, que as facão outros.
CAPITULO II.
Os Judeos , que condemnavao os Çentios,
são culpaveis , como elles , porque os imi-
tão nas mesmas desordens. Deos ha de
retribuir a cada hum , segundo o mere
cerem as suas obras. Os que são justos
sem a Lei , salvar-se-hão sem a Lei. El
la não salvará aos que a violarem. 0
Gentio guardando a Lei , fica circum-
cidado. OJudeo não a guardando , fica
por circumeidar. A verdadeira circum-
cisão he a do coração , e do espirito.
1
aos Romanos. Cap. II.
15: Mostrando que tem nos seus co
rações escrito o que a Lei manda , pe
lo testemunho , que lhes dá a sua propria
consciencia , e pelas diversas reflexões ,
que ora os accusao , ora os defen
dem , ,
R ii No
quaes todos por isso escreveo com razáo San
to Agostinho , que ainda que no nome não fo-
rão Christãos 9 o forão todavia na realidade:
tfondum nomine , sed reipsa cbristiani. Aflim o
entendem , e ensináo com S. Joáo Chrvsostomo
neste lugar , Santo Agostinho no Livro Do Es
pirito, e da Lttra , cap. 26. S. Prospero nò Li
vro contra Cafliano , cap. 22. S. Fulgencio no
Livro Da Graça de Cbristo , cap. 2$. e 26.
Mas se estes Gentios observaráo a Lei de
Deos illustrados da fé no Redemptor, e aju
dados da graça sobrenatural ; como diz o A-
postolo j que a observaráo naturalmente ì He
orque a observárão , náo tendo quem lha en-
nafle , senáo o lume da razáo natural , quan
do os Judeos a tinhão de mais a mais eicrita
nos Livros de Moysés : ou tambem porque a
observavão espontaneamente , de boa vonta
de , de coraçáo ; e náo como os Judeos , que
estavão debaixo delia , como debaixo dè hum
["S0 j e aflim a observaváo por coacçáo , è
servilmente , só pelo medo da pena. De sorte
^ue neste Texto de S. Paulo náó se deve en
tender a natureza contraposta à Graça y mas
•onuaposta á Lei escrita. Fb&bïúa.
aóo Epistola de S. Paulo
1 6 No dia , em que Deos ha de jul
gar por Jesu Christo , segundo o Evan
gelho, que eu prego , tudo o que está
escondido nos corações dos homens.
1 7 Porém tu , que tens o nome de
Judeo , que descanças na Lei , que te
glorias dos favores de Deos:
1 8 Tu , que conheces qual he a sua
vontade, eque instruído pela Lei sabes
discernir , o que he melhor :
19 Tu , que presumes de ser o con-
ductor dos cegos , e a luz dos que es
tão em trévas:
ao De ser o Doutor dos ignoran
tes, o Mestre das crianças , como quem
na Lei tem a regra da sciencia , e da
verdade:
21 Tu pois que ensinas o outro,
não enfinas a ti mesmo : tu , que pré-
gas que se não deve furtar, furtas;
22 Tu, que dizes que senão deve
commetter adulterio, commettes adul
terio : Tu , que abominas os idolos , fa
zes sacrilégios:
23 Tu , que te glorias da Lei , des-
hon
aos Romanos. Cap. II. 261
honras a Deos pela transgressão da
Lei.
^14 Porque, como diz a Escritura-, is»»-"*,
vós sois a causa , de que o nome de Deos 5jzeq.
seja blasfemado entre os Gentios. X*VI-
2j Isto não he dizer , que a circum- 20"
cisão não he util , se tu observares a Lei.
Mas se tu quebrantas a Lei , affim cir
cuncidado como es , vens a ser como
se o não fosses.
26 Se pois hiim homem, que não
he circumcidado , guarda os mandamen
tos da Lei j não he verdade , que assim
por circumeidar , será elle considerado
como circumcidado?
27 Equeí affim aquelle, que sendo
naturalmente incircumeidado cumpre a
Lei , te ha de condemnar a ti , que ten
do recebido a letra , e a circumeisao,
es hum transgressor da Lei ?
28 Porque o verdadeiro Judeo não
he aquelle , que o he por fóra : nem a
verdadeira circumeisao he a que se vê
na carne :
29 Mas o verdadeiro Judeo he o
que
2Ô2 Epistola de S. Paulo
que o he no interior : e a verdadeira
circumcisao he a do coração no espiri
to , e não segundo a letra : e este ver
dadeiro Judeo tem o seu louvor não dos
homens, mas de Deos.
CAPITULO III.
Vantagens dosjudeos sobre os Gentios. A
elles he que Deos fez assuas promejfas.
A sua incredulidade não destruirá a fi
delidade deDeos. Todos são peccadores,
Judeos , e Gentios. A hei a ninguemjus
tifiea , mas sim a fé em Jeju Lhristo.
Ninguem logo se pôde gloriar.
diante de Deos.
20 (d) Porque nenhum homem será
jus-
justificação. Porque do que se affirma , e ve
rifica dos Judeos pelo que delies eícreveo o
Salmista , conclue o Apostolo tacitamente o que
íuccedeo aos Gentios , por aquella espece de
argumento , que os Logicos cnamão Do maior
ao menor. Porque se os Judeos tendo recebido
a Lei com tanto apparato, e solemnidade , e
conservando-a escrita em caractères sensiveis,
Îiara ella lhes servir de Pedagogo; ainda affim
è deixaráo corromper do vicio , e do pecca-
do : Que seria dos Gentios , que se náo tinháo
a Lei natural apagada
ções, tinhào-na certamente muito escurecida;
e cegos com as suas idolatrias , e paixões , dif-
ficultosamente podião reflectir nos feus dictâ
mes? Pereira.
(á) Porque nenbum bomem será justificadõ dian
te de Deos pelas obras da Lei. No Capitulo II,
verso 15. aifirmou o Apostolo , que os que sa~
%em o que manda a Lei , effes serão os que se jus
tifiquem diante de Deos. Agora no Capitulo IH.
verso 20. diz, que nenbum bomem será justificado
diante de Deos pelas obras da Lei. E mais adi
ante no verso 28- que o bomem be justificado pe
la sé , sem as obras da Lei. Como se háò. oppóe
huma doutrina á outra ? Respondo : que no
primeiro lugar falia o Apostolo das obras da
|^ei , que tem por princípio a fé , e a divina
ias Romanos. Cap. III. 267
justificado diante de Deos pelas obras
da Lei ; pois que a Lei o que deo , foi
o conhecimento do peccado.
21 Agora porém sem a Lei , nos
foi manifestada a justiça , que vem de
Deos , da qual deráo testemunho a Lei ,
e os Profetas.
2z E esta justiça , (e) que Deos dá
pe-
graça , e que são por ultimo informadas da ca
ridade. No segundo porém, e no terceiro fal
ia das obras da Lei , que os homens fazem sem
oùtro soccorro , que o que lhes dá a melma
Lei pelo seu conhecimento , e pelo das suas
promessas , e ameaças. E todo o assumpto do
Apostolo nesta Epistola, he desenganar os Ju-
deos , e com o exemplo dos Judeos os Gen
tios , de que nem aos primeiros podia a Lei
escrita per si dar as forças , e diiposições , que
erão necessarias para obrarem de forte , que se
fizeíTem justos diante de Deos ; nem aos se
gundos podia a Lei natural per si dar as mes
mas forças , e disposições , para conseguirem
o mesmo fim : mas que esta virtude só a po-
dião, e devião attribuir huns , e outros á íé ,
e graça de Jefu Christo ; faltando as quaes ,
não servia a Lei senão de mostrar a todos o
peccado , e de os fazer por este mesmo conhe
cimento prevaricadores delia. Pbréira.
(«) Que Deos dd peia sé em Jesu Cbrisio. Sem
pre que o Apostolo diz, que a justiça he pe
to fé , ou que pela fé se fazem os homens jus
2Ó8 Epistola de S. Paulo
pela fé em Jesu Christo , he para todos
aquelles , e sobre todos aquelles , que
cretn nelle: porque não ha aqui distin
ção nenhuma.
Por-
tos ; se devem entender as suas palavras neste
sentido , que pela fé no Evangelho he que Deos
chama os homens á justificaçáo : Enão no sen
tido dos Protestantes, que para obter a justi
ficaçáo basta a fé , ou que a nossa justificaçáo
he a nossa fé. Porque começando por este se
gundo ponto , em dizer S. Paulo que a justi-
;ça de Deos vem a todos pela fé em Jesu Chri
sto , claramente dá elle a entender , que não
he o mesmo adequadamente a fé , que a jus
tificaçáo , ainda que seja princípio , e parte
delia. O mesmo se confirma do que o mesmo
S. Paulo disse aos de Efeso , Act. xx. 21. que
elle publica , e particularmente pregara aos "Judeos ,
e aos Gentios a penitencia para com Deos , e a sé
em JcsuCbriflo. Onde para a conversáo, e jus
tificaçáo põe o Apostolo a penitencia , como
importando mais alguma cousa, do que a fé.
E ia antes tinha dito S. Pedro aos Judeos, Act. 11.
38. Fazei penitencia, e cada bum de vós seja ba
ptizado. E outra vez , Act. Hl. iq. Fazei peni
tencia , è convertei-vos , para que os voffos ptc-
- eados se apaguem.
Passando ao segundo , Jesu Christo no
Evangelho diz a hum Judeo , que o consulta
va sobre o que lhe era necessario para a sal
vaçáo : Se queres entrar á vida , guarda os man-
damsntQs. E quando manda aos Apostolos , que
àòs Rom an os. Cap. III. 269
23 Porque todos peccárao , (/) e
necellìtáo da gloria de Deos;
M (s) Sendo jnstificados gratuita-
men-
preguem o Evangelho a toda a creatura , e
que baptizem aos que crerem , accrescenta,
«ïatth. xxviii. 20. que os enstnem a guardar ta
ins os seus mandamentos.
Por ultime» para que melhor se entenda
a razáo
tribue principalmente a fc a nossa justisicação ,
he admiravel , e terminante a seguinte senten-
ça de Santo Agostinho no Livro Da Graça , e
Do Livre Arbitrio , cap. 14. Ideo Aftoflolus affidue
kgi prteponit fidem , quoniant quod Le* jubet sa
tire non valemus , nifi per fidem rogando impeire-
ttus , ut sacere valeamus. Quer dizer : Por isso
tão frequentemente antepõe o Apostolo a fc
á Lei, porque nós não podemos fazer o que
a Lei manda , senão quando oramos pela te ,
e orando alcançamos de Deos o podello fazer.
Pereiha.
(O E neceffuâo da gloria de Deos. Affim cm
termos a Vulgata , &. egent gloria Dei , e corn
aVulgata os de Mons, c Saci. Outros expli-
cando o Apostolo pela interpretação de Santo
Agostinho , vertem aflim : £ neceffuão de dar
gjoria a Deos , entende-se, da sua graça.' As*
iìn> Calmet. Pbrbira.
(f) Sendo justificados gratuitamente , &-c. Em
«pie sentido se diga o homem gratuitamente jus-
"ficado , declara o mesmo Apostolo , quando
08 segunda a Timorheo , 1. o. escreve affim :
270 Epistola de S. Paul o
mente por sua graça , pela redempçáo
que tem em Jesu Ghristo ;
25: Ao qual propoz Deos para fer
vi-
Deos nos livrou , e ebamou por sua santa voca-
çâo , não segundo as noffas obras , mas segundo 0
seu decreto , e grasM , que nos soi dada em Jesu
Cbristo antes da creaçâo do Mundo. E na Episto
la a Tito, III. ç. Elle nos salvou , não pelas obras
de justiça , que nós fize(semos , mas segundo asua
tnisericordia. Diz-ie pois gratuits a justiíìcaçáo
do homem , em quanto como eníina o Conci-
lio Tridentino na Sessão vi. cap. 8. nada da-
quel las cousas , que precedem a justiíìcaçáo ,
quer seja a fé , quer sejão as obras , merece
esta graça da justiíìcação : visto que segundo
o mesmo Apostolo diz noutra parte, seliuma
cousa he graça, já não he pelas obras ; dou-
tra sorte a graça jà não será graça. Gratis au-
tem justificari ideo dicimur , quia nibil eorum ,
quiè justistcationem precedunt , ftve Jtdes , fwt
opera , ipsam jujlìficationis gratiam promeretur:
Si enim gratia est , jam non ex operibus : alioquin
ut idem Apostolus inquit , gratia jam non est gra
tia.
v.-.-Jï Como o Ccncilio no cap. 6. desta mcs-
ma Sessão vi. tinha já requerido nos adultos,
como disposiçóes necelTarias para a justificação ,
certos actos fobrenaturaes do homem , a fa-
ber , a té , a esperança , o amor de Deos ini-
cial , a dor, o proposito , ovoto doSacramen-
to : E estes actos ao penitente não podem fer
disposições para a justificação , fetn dalguma
aòs Romanos. Cap. III. 271
victima de propiciaçáo , pela fé no feu
sangue , para dar a conhecer a justiça ,
que elle mesmo dá ,
Per-
C APITUL O IV.
Abrahão justificado pela fé , ainda antes
de circumcidado. A sua circumcisão foi
hum final da sua fé. As promejsas forao
feitas a Abraháo não peta hei , mas pe
la fé. Ajustiça da fé vem da graça. À
fé fez a Abrahão pai de todos. Elie creo
contra o que fe lhe representava que de
via esperar. A sua fé lhe foi imputada
ajustiça. Élla o será tambem aos que o
imitarem.
1
ï8o Epistola de S. Paulo
mos de dizer, que a fé deAbrahão lhe
foi imputada a justiça.
10 (d) Em que estado porém lhe
foi ella imputada ? No de circumeida-
do , ou no de incircumeidado ? Não foí
no estado.de circumeidado , mas no de
incircumeidado.
11 E elle recebeo o final da circum-
cisão , (»-) como sello da justiça , que
el-
(<í) Em que estado porém , &c. Tambem aqui
nos pareceo mais claro o Texto Grego , ao qual
porilTo seguimos a exemplo dos de Mons, de
Amclote , de Saci , de Calmet , de MetTcn-
gui : o que tambem primeiro que todos pre
ferira Estio. Porque onde a Vulgata Latina diz:
Quo modo ergo reputata, est \ in circumcistone , un
in preputio ? tem o Grego á letra : Reputata tf
in circumeistone existente , an in preputio, ì Pb-
REIRA.
(?) Como sello ia justiça , 4>c Para duas cou
sas ferve o sello : ou para conservar fechado,
e escondido o que se mune com elle; ou pa
ra ficar rato , e firme. Num , e noutro sentia
do se pôde dizer, que o sinal da circumeisáo
fora em Abrahão hum como sello da sua, jus
tiça : ou porque na circumeisão se occultou
a justiça da fé , para ser depois revelada no
tempo do Evangelho , como entende Orige-
nes : ou (o que he mais provavel , e çonior-
pie com a mente do Apostolo) porque pela
aos Romanos. Cap. IV. a8i
tlle tivera pela fé , estando ainda por
circumcidar ; para ses pai de todos os
que crem fendo incircumcidados , a fim
de que a sua fé lhes seja tambem im
putada a justiça ; . ...
12 E pai dos que são circumcida-
dos , que não fómente reccbêrão a cir-
cumcisão , mas tambem seguem as pi-
zadas da fé , que nosso pai Abrahão te
ve , quando ainda não era circumcida-
do.
13 Affimque, não he pela Lei , que
foi feita a Abrahão , ou á sua posteri
dade , a promessa de ter o Mundo por
herança , mas fim pela justiça da fé.
14 Porque se os que pertencem á
Lei , são os herdeiros j (/) fica fendo
in-
crrcumcislo ficou declarada , ratificada , e con
firmada a justiça antecedente de Abraháo, co
mo explica S. João Chrysostomo com o com-
mum de Gregos, e Latinos. Estio.
(/) Fica sendo inutil asé S ejem effeito apra-
mt(sa. O argumento do Apostolo he : Que se
os Hebreos descendentes de Abraháo insistem ,
em que a justiça y e; a herança lhes vem das
obras da Lei ; íegue-se o absurdo, que de na
da servio a fé a Abraháo , porque se suppóe
que náo foi contemplada neste negocio ; e que
28z Epístola de S. Paulo
inutil a fé , e sem effeito a promes
sa.
1$ {g) Porque a Lei , o que produz ,
hè
a prometia ficou sem effeito , pois este se at
tribue às obras da Lei , e não á promessa de
Deos : quando pelo contrario he expresso no
Genefis , que pela fé , com que creo no que
Deos lhe disse , he que Abrahio alcançou a
justiça, e mereceo a promeiïa de ter por he
rança o Mundo. Elie mesmo argumento Te-
pete o Apostolo escrevendo aos Gaiatas , m.
i8- Estio.
Cs) Porque a Lei o que produz, be ira. Prova
o Apostolo o seu assumpto pelo esteito da Lei ,
Î|ue he obrar ira contra o transgressor. Como
e dissera S. Paulo : Tanto não he a Lei a
que dá a herança, que antes o que se alcan
ça pela Lei , he a ira, isto he , a pena, ou
o castigo. E a razáo aponta-a elle immediata-
mente : porque se náo houvesse Lei, não ha
veria transgressáo delia. Não porque a Lei di
rectamente produza a ira ; mas porque servin
do de occasião a que ella se quebrante , pro
duz indirectamente o castigo do transgressor.
Ora de tres modos dá a Lei occasião a que os
homens a quebrantem , e a que a transgressáo
lhes traga o castigo. Primo : porque mais gra
vemente pecca o que pecca conhecendo a Lei ,
do que o que pecca ignorando-a. Secundo: por
que por occasião da Lei cresce em nós o de-
lejo de a violar: pois fomos táo inclinados ao
ma.1 , que mais nos deleita o que he prohibi'
aos Romanos. Cap. IV. 283
lie ira : pois que onde não ha Lei , não
lia transgressão da Lei.
16 Por tanto , pela fé he que são
os herdeiros ; a fim de que elles o se-
jao por graça, e a promessa fique firme
para todos os descendentes de Abra-
hao ; não só para os que receberão a
Lei , mas tambem para os que seguem
a fé deAbrahão, (h) que he pai de nós
todos ,
17 (Segundo o que está escrito:
Eu
C A P I T ULO V.
4 justiça adquirida pela fé tios faz espe
rar a gloria defilhos de Deos. Jesu Chri
sto, que morreo pelos impios , fahar-nos-
ba , Jendo justos. Todos são mortos em
Adão ,.
i86 Epistola dë S. Paulo
Adão , e todos vivirdS por Jesu Chrislo,
Asua graça he mais abunda nde , do que
o peccado.
CA-
tos peccados , em quanto com a sua mesma
proiibição accende a noíTa concupiscencia. Ubi
non est gratta liberatoris , auget peccandi destde-
riurt. probibitio peccatorum , diz Santo Agostinho
no Livro Bas Oitenta t Tres Qttestoes , Questão
LXVí. n. 1. E na Expofição do Salmo lxxxiii.
discorre aflîm o mesmo Santo Domor ; A Leì
soi dada ao bomem , para concerter o bomera , e
tara o sazer conseffar , que elle estava enserme ,
entâo mesmo quando o bomem cria que estava sao:
Foi-lbe dada para Ibe sazer ner o seu peccado , e
nw para o curar. E que produzio nelle o conbe-
ctmento do seu peccado ? Augmentou-se mais o sec*
cado , cobrou 0 peccado novas sorças ; de sorte ,
lue quando antes era o bomem peccador , depôts tor-
fpu-se 0 bomem prevuricador. No Capitulo VII.
je aclararà ainda muito mais esta domiina pe-
las mesmas palavias do Apostolo. Pbueira.
iy6 Epistola de S. Paulo
CAPITULO VI.
Forser a graça mais abundante que o pe
cado , nao devemos por isto peccar pff
augmentar a graça. O baptismo nos fas
morrer ao peccado , para este não tornar
arevher em nós. A agua representa tn
nós o sepulcro de Jesu Christo. Por irri
tação deste não devemos viver senão pi
ra Deos. O estipendio , e paga do peca
do be a morte : o da justiça be a vHa
eterna.
CAPITULO VII.
Nds fmos absoltos da hei pela morte de
Jesu (.hrtsto. A hei augmenta o pecca-
do. Jesu Lhrijlo no-lo faz vencer pelo
seu Espirito. A hei era santa ; mas o
homem carnal a violava. Ella foi causa
de recrescer o peccado. As paixões às
justo peleja j contra elle. Elle não faz 9
bem que deseja. A graça nos ha de li-
vrar deste cativeiro.
CAPITULO IX.
Afflige-se Paulo com a perdição dosjudeos.
Ella não frustra as divinas promessas :
porque o objecto das promejsas de Deos
são osfilhos de Abrahão , segundo a elei
ção , e não segundo a carne. Isaac , e
Jacob forão vsfilhos da promejja > enao
Ismael , nem os outros. Deos he Senhor
das suas misericordias. Elie endurece a
quem quer. O que era povo seu , deixa
de o sèr ; e o que o não era , vem a ser
seu povo. Os fudeos com a Lei perdê-
1 rão-se : os Gentios pela fé em Jesu Chri-
fio falvárão-fe.
CAPITULO X.
Ora Paulo pela salvação dos Judeos. O
zelo destes não he segundo asciencia. El
les ignorão o fim da hei , que he JeJu
Chriflo. Ajustiça não consiste nas obras >
mas nafé viva. Afé he para todos : mas
he necessario que haja Missionarios , que
a preguem. Todos ouvirão a fé , mas só
os Gentios a recebêrão.
GA-
CAPITULO XT.
T>eos reservou para st alguns dos Judeos,
Isto foi pela eleição de Deos , e não pe
las obras dos homens. Os outros ficdrãa
na sua cegueira. A sua perda , que deo
occasião a se salvarem os Gentios , deve
no exemplo destes achar oseu remedio. A
sua conversão será util para todo o Mun
do. Os Gentios não devem desprezar os
Judeos. Os Judeos são ramos naturaes
da oliveira : os Gentios ramos enxerta
dos do zambujeiro. Os juízos de Deos
são incomprehenstveis.
CAPITULO XII.
Exhorta Paulo os Romanos a se offerece-
rem a Deos como viãimas ; a não se con
formarem com ejle seculo \ a conhecerem
o que Deos quer delies ; a serem sabios
com moderação. Todos pois se devem a-
judar mutuamente como membros cfhum
mesmo corpo. Cada hum deve empregar
os seus talentos a bem de todos. Sobre
tudo os exhorta o Apostolo A caridade
com os proximos , até chegarem afazer
bem aos que lhes fazem mal.
CAPITULO XIII.
CA-
AOS R O M A N O S. 37?
, CAPITULO XIV.
Os valentes devem support ar os fracos , e
osfracos nao devem condemnar os va len
tes. Nao devemos julgar a nojsos irmaos.
Jeju Chrifto he o Juiz de nós todos. Im
porta nao escandalizar aquelles, por qucm
Jesu Chrifto morreo. O Reino de Deos
consiste na carìdade. He melhor abfler-fe
hum das cousas permìttidas , do que ufar
delias com perigo doutrëm. O que óbrd
contra a sua conscìencìa , perde-se. ~
/
aos Romanos. Cap.XIV. 377
4 Quem es tu , para condemnares
o fervo d'outrem ? Se elle cahe , 011 se
elle se conserva firme , isso pertence lá
a seu Senhor. Mas elle conservar-le-ha
firme , (c) porque poderoso he Deos pa^
ra o segurar.
5- Por semelhante modo (d) hum
faz differença de dias , outro todos os
dias considera iguaes. (e) Cada hum obre
conforme a persuasão,. em que está.
O
(c) Porque poderoso be Deos para o segurar. Es
te Texto está consagrado por todos os Padres ,
e pelo Concilio de Trento, Sessáo vi. cap. 13.
para estabelecer o dom da perseverança. O que
eu noto aqui , para que ninguem se engane ,
lendo na Versáo de Ricardo Simáo , chamada
a Versáo de Trevoux , huma Nota , em que
este Theologo fendo Catholico , expõe o se*
gurar , por absolver , seguindo aos Socinianos.
Pjsreira.
(à) Hum saz differença dos dias , &c. Este era
outro ponto da discordia entre os Judeos con
vertidos : guardarem huns ainda certos dias,
como o sabbado , para náo fazerem nelles obras
servis , segundo ordenava a Lei de Movsés :
e náo fazerem outros differença de dez dias,
mas tendo por iguaes a todos. Pereira.
(e~) Cada bum obre segundo a persuasão em
que está. O abuso, que desta sentença do Aposr
tolo fazem os Protestantes, quando delia coiv
378 Epistola de S. Paulo
6 O que distingue os dias , diftin-
gue-os por agradar ao Senhor : o que
co
ei uem , que sem razáo prohibe a Igreja em
certos dias a comida de carne , e de lastici-
nios ; hc hum abuso tão grosseiro , e de tão
má fé , que basta qualquer simples reflexáo no
intento do Apostolo , para logo o convencer.
Porque he mais que evidente , que S. Paulo
náo falia senáo das abstinencias legaes : e a
Igreja mui longe de induzir os Fieis a estas
observancias da Lei de Moysés, lhes tem ab
solutamente prohibido toda a prática delias.
Nem ella tem outro objecto nas abstinencias,
que lhes impõe, que o de elevar os seus es
píritos a Deos , e dar-lhes occafiáo de mere
cerem , e impetrarem o perdáo de seus pecca-
dos , por meio deste exercício de penitencia ,
que tão recommendado se acha pelo exemplo
dos Varões santos do Velho , e Novo Testa
mento. E aflim a liberdade , que o Apostolo
aqui dá de comer de tudo , ou de se abster de
certas viandas ; por isso mesmo que he con-
trahida á observancia , ou náo observancia de
huma Lei , que já per si náo obrigava os Fieis,
só se pôde trazer em consequencia nos casos
semelhantes: istohe, naquelles casos , em que
a materia da acçáo humana he indifferente ou
de sua natureza , ou por falta de Lei , que
determine o que se deve fazer. Nos quaes ca-
"sos a regra de obrar com prudencia , e segu
rança , he seguir cada hum a sua consciencia,
e permittir aos outros que façãg o. mesmo.
PEREIRA*
aos Romanos. Cap. XIV. 379
come de tudo , fa-lo para gloria do Se
nhor , e dá por isso graças a Deos. E
o que não come de tudo , tambem o
faz por agradar ao Senhor , e tambem
dá por isso graças a Deos.
7 Porque nenhum de nós vive pa
ra si : e nenhum de nós morre para si.
8 Porque se vivemos , para o Se
nhor he que vivemos : se morremos , pa-
; ra o Senhor he que morremos. Ou vi
vamos pois, ou morramos, sempre so
mos do Senhor.
9 Porque por isso he que Jesu Chri-
sto morreo , e que resurgio , para ter
hum imperio soberano sobre mortos, e
vivos.
t 10 Tu pois porque condemnas a
t teu irmão? E tu lá porque desprezas o
i teu ? Porque todos nós havemos de com
parecer ante o Tribunal de Jesu Christo ,
f'( 1 1 Segundo este dito da Escritura : ir,;.
Eu juro por mim mesmo, diz o Senhor,
que todo o joelho se dobrará ante o meu 24'
t acatamento , e que toda a lingua me
-4 ^confessará por Deos.
* ; As-
380 Epístola de S. Paulo
12 Aflìm que, cada hum de nós
dará conta a Deos de si mesmo.
13 Não nos julguemos pois mais
huns aos outros ; mas antes julgai , que
não deveis dar a vosso irmão occafião
alguma de quéda, e d'escandalo.
14 Eu sei, e estou persuadido, se
gundo a doutrina do SenhorJesus , que
nenhuma cousa he immunda de si mes-,
ma , e que só he immunda para aquel-
le, que a crê immunda.
15 Porém se tu comendo huma cou
sa , qualquer que ella seja , entristeces
com isso a teu irmão , já te não condu
zes pela caridade. (/) Não queiras que
pe-
(/) Não queiras que pelo teu comer se perca,
aquelle , por quem Jesu Cbristo ntorreo. Este lu
gar mostra claramente 1. que Jesu Çhristo tam
bem morrcQ pelos réprobos , e não só pelos
predestinados. 2. Que não só morreo pelos ré
probos , quanto à 1'urRciencia do preço , que
por todos offereceo no leu sangue ao Padre
Eterno ; mas tambem quanto à applicação do
mesmo preço por alguns , em ordem a elles
obterem efectivamente a graça do Baptismo,
e da justificaçáo : porque o Apostolo talla de
terminadamente de réprobos , que chegaráo a
ser fieis,, e forão algum tempo justos ; o que
aos Romanos. Cap.XIV. 381
J>elo teu comer se perca aquelle , por
quem Jesu Christo morreo.
16 Guardai-vos pois, não exponhais
á maledicencia dos homens o bem, de
que gozamos.
17 Porque o Reino de Deos não
consiste em comer, e beber : mas con
siste na justiça , na paz , e na alegria ,
que vem do Espirito Santo.
18 E o que affim serve a Jesu Chri
sto , he agradavel a Deos, e approva-
do dos homens.
10. Appliquemo-nos pois ao que
póde servir de manter a paz entre nós ,
e de nos edificarmos huns aos outros.
20 Não seja o comer causa de des
truirdes a obra de Deos. Isto não he
que as viandas não sejão todas limpas :
senão que hum homem faz mal em co
mer
não podia ser sem Jesu Christo applicar por
elles o seu sangue , e sem lhes obter a graça
do Baptismo , e da justificaçáo. 3. Que mui
tos ainda dos Fieis , por cuja justificação eftè-
ctiva morreo Jesu Christo , se perdem por cau
sa, que para iflb dáo outros com os seus es
candalos : o que certamente he huma cousa
bem para. se lamentar, e temer. Pereira. .
382 Epistola de S. Paulo
mer dellas , quando fazendo-o , ferve
de tropeço aos outros.
21 E que he melhor não comer car
ne, nem beber vinho, nem outra cou
sa , que possa dar a teu irmão occasião
de cahir , ou de se escandalizar , ou de
se ferir, como fraco que he.
22 Tens tu huma fé illustrada ? (g)
Contenta-te de a ter no teu coração aos
olhos de Deos. (b) Bemaventurado a-
quel-
(g) Contenta-te de a ter no teu coração aos olbo?
de Deos. Quer dizer o Apostolo, que se hum
está plenamente persuadido , que os Christáos
estáo desonerados pelo Evangelho das obser-
vancias da Lei de Moyíés ; e que todas as vian
das são igualmente puras , e permittidas aos
Fieis ; mas ao mesmo tempo vè , que obrando
segundo esta persuasáo em comer de tudo , es
candaliza a outro irmáo , que he mais fraco
por menos illuttrado : Deve contentar-se de
ter a Deos por testemunha da sua fé, e sup-
primilla aos olhos do proximo. Náo que al
guma vez seja licito negar a fé ^>or palavra ,
ou obra ; mas porque n'alguns casos pede a
prudencia , e a caridade que a occultemos. Pb-
REIRA.
(í>) Bemaventurado a^uelle , <ò'c. Esta senten
ça deve- se entender somente daquellas cousas ,
que são simplesmente licitas , como he na Lei
da Graça comer carne de porco , eu de coe
jtos Romanos. Cap.XIV. 383
quelle , a quem a sua consciencia não
condem na no que quer fazer.
23 Mas se hum distinguindo hum
manjar doutro manjar , não deixa de
comer delle , condemna-se ; porque não
obra segundo a fé. (/) Tudo aquillo
porém que se não faz segundo a fé,
he peccado. CA-
Iho ; e não das que são prohibidas pela Lei
divina ,• ou humana. Porque nestas não se es
cusa do peccado o que as faz , cuidando que
não pecca. Estio com S. Thomaz.
(f) Tudo aquillo porém que se nao saz segundo
« sé , be peccado. A fé neste lugar do Aposto
lo , segundo a interpretaçáo mais commum,
toma-se pela consciencia , isto he , pela per
suasáo, com que hum obra , crendo que lhe
he licito o que obra. Aflim o entendèrão to
dos os Interpretes Gregos com S. Joáo Chry- j
sostomo. E dentre os Latinos os Padres do Quar
to Concilio Geral Lateranense , quando no
Canon xu. disseráo aflim : Porque tudo o que
se não saz segundo a sé , be peccado ; definimos
que sem boa sé não valba prescripção alguma , ou
seja canonica , ou civil. Nem por isso com tu
do se deve rejeitar a interpretaçáo de Santo
Agostinho , (que tambem he de S. Prospero,
e de S. Fulgencio) que entende por esta Fé a ,
Fé Theologal naquelle são , e irreprehensivel
sentido , que se pôde ver em seus Discípulos ,
principalmente em Noris nas Vindicias Àugustì-
uianat. Pereira.
384 Epistola de S. Paulo
CAPITULO XV.
Devemos a exemplo de Jeju Christo com
prazer ao proximo , e não a nós mesmos'.
Toda a Escritura be para nossa insìruc-
são. Exhorta Paulo os Romanos d uni
dade d?espirito. Jesu Christo dado aos jf»-
deos , como promettido , e descuberto aos
Gentios por graça. Progressos do Evan
gelho por meio de Paulo. Elie espera ir
a Roma , e vir depois a Hespanha. En-
commenda a sua viagem ás orações dos
Romanos.
/
aos Romanos. Cap. XV. e XVI. 391
ver, será a minha chegada acompanha
da de huma abundancia de beução do
Evangelho de Jesu Christo.
30 Esconjuro-vos pois por Jefn Chri
sto nosso Senhor , e pela caridade do
Espirito Santo , que me ajudeis nas vos
sas orações , rogando por mim a Deos ,
31 Que me livre dos infieis , que
ha na Judéa ; e que fa,ça que a oblação
do meu ministerio seja acceita em Jeru
salem aos Santos ;
32 E que cheio aífim de gosto pas
se eu a ver-vos , se esta he a vontade de
Deos , e logre entre vós algum descan-
CAPITULO XVI.
Recommenda o Apostolo aos Romanos algu
mas pessoas , que tem servido bem a lgre~
ja. Elle as manda saudar da sua par
le. Exhorta-os a fugirem dos authores
do scisma , e do erro. Diz que esles são
huns homens interejfiiros , hypocritãs ,
enganadores. Quer que os Fieis sejas
39* Epistola de S. Paulo
simples , e prudentes. Manâa-lhes reca
dos da parte dos que ejìao corn elle. Aca
ba louvando a Deos.