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A Administração no Brasil: Refletindo Sobre Cursos, Currículos e Formação do

Administrador

Aline Louise Kerch

RESUMO

O objetivo deste artigo é falar sobre o Ensino Superior de Administração no Brasil. Nesse
sentido, vale destacar que o estudo descrito aqui é parte integrante da pesquisa que foi
desenvolvida para a elaboração de uma dissertação de mestrado acadêmico, a qual versou sobre a
formação dos estudantes de Administração e o desenvolvimento dos seus “talentos artísticos
profissionais” durante a realização de atividades da prática profissional. Com o intuito de
estimular reflexões, este ensaio-teórico contemplou alguns aspectos relativos à historicidade do
curso bem como algumas características acerca dos atuais currículos que são oferecidos pelas
Instituições de Ensino brasileiras. A partir disso, pode-se observar que, apesar do curso de
Administração possuir um currículo mínimo definido em lei, a formação dos Administradores,
ainda hoje, tem sido alvo de severas críticas por parte de diversos autores. Por fim, dentre outras
considerações, a autora concluiu que, junto às novas demandas que emergem da sociedade,
surgem importantes reflexões sobre atual papel do sistema educacional no desenvolvimento dos
futuros profissionais da Administração: de indivíduos capazes de responder às problemáticas que
lhes são impostas e que despontam de um contexto organizacional permanentemente instável.

Palavras-chave: Educação Superior em Administração no Brasil; Currículos dos Cursos de


Administração; Formação de Administradores.

1 INTRODUÇÃO

Contrastando com o grande número de cursos de Administração espalhados pelo país e


com a crescente procura de estudantes por tal graduação, observa-se uma diminuta quantidade de
estudos descritivos e investigações analíticas sobre a trajetória do ensino de Administração no
Brasil. Mesmo sendo considerado como a “locomotiva da educação superior brasileira” – muito
em razão do “fetiche da profissionalização no mundo dos negócios” e, por que não, do baixo
custo voltado à operacionalização de cursos de Administração (SARAIVA, 2007, p. 1) – fato é
que poucos foram os autores que se dedicaram a escrever sobre a história da Administração no
Brasil ou que contribuíram, efetivamente, para a construção de uma memória nacional dessa área
de conhecimento.
Apesar do descaso que muitos pesquisadores demonstram em relação ao arrolamento dos
aspectos da historicidade dos cursos brasileiros de Administração, as narrativas de outros
estudiosos, interessados por esse tema, torna possível delinear o longo caminho que foi
percorrido desde o seu surgimento até os dias de hoje.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 OS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO

No Brasil, a história dos cursos superiores de Administração emerge logo no início do


1
século XIX, concomitantemente com um longo processo de definição sobre quais seriam as
fronteiras do campo do saber administrativo. Segundo Fischer (1984, p. 280), “a ideia de se
implantar o ensino de Administração pública, no Brasil, surge no Império, através de
pronunciamento de parlamentares como o Barlo de Uruguaiana e o Barlo de Bom Retiro,
registrados em 1854”. Nessa época, conteúdos relacionados à Administração começaram a ser
absorvidos por cursos de Engenharia, de Economia e de Ciências Contábeis. Tal situação,
segundo Fischer (1984, p. 38), acabou colaborando para que a área de Administração só ganhasse
identidade muitos anos depois.
Ainda no transcorrer do II Império, diversas foram as ideias que emergiram em torno da
questão do ensino das Ciências Administrativas. Dentre elas, sublinha-se a proposta, elaborada
pelo deputado Silva Ferraz (em 1854), que defendia a criação de uma Escola de Administração a
partir da Escola de Comércio – “incorporando a disciplina de Direito Administrativo e as
matérias nela contidas” – e, também, a ideia do Ministro Leôncio de Carvalho (em 1879) que
“sugeria a dicotomização do curso de bacharelado em Direito em duas seções, uma voltada à
magistratura e à advocacia e outra voltada às carreiras administrativa e política” (NICOLINI,
2007, p. 27).
Em 1857, 1865 e 1879 ocorrem reformas de ensino, as quais, por sua vez, recomendavam
alterações curriculares nos cursos de Direito, de modo a favorecer a formação de
Administradores Públicos – uma orientação que veio a ser reforçada, também, no parecer de Rui
Barbosa, datado de 1882. Nesse sentido, Coelho (2008, p. 4) sublinha que, o então deputado (e
relator da Comissão de Instrução Pública) Rui Barbosa, em seu parecer sobre o ensino superior
do país (no ano de 1882), “amplia e aprofunda a concepção de um curso superior para formar
egressos que viessem a exercer com competência as funções administrativas nas dependências do
Império”. Mais tarde, a iniciativa do deputado Rui Barbosa culminou no esboço de um curso de
Ciências Sociais e, também, na criação de um currículo para tal.
No entanto, observa-se que a proposta curricular sugerida por Rui Barbosa, para o curso
de Ciências Sociais, não incluía nenhuma disciplina das Ciências Administrativas. Apesar de ter
como seu principal escopo a formação de profissionais capazes de exercer as funções
administrativas nas dependências do Império, a maioria das disciplinas estavam voltadas às
ciências jurídicas e às ciências econômicas, perfazendo-se num total de 70% do currículo do
curso.
Assim sendo, no Brasil, a primeira vez que se fez alusão ao ensino superior em
Administração Pública (AP) foi “no bojo das discussões nacionais sobre a ampliação do ensino
comercial e a organização das faculdades de Direito”, exposto inicialmente sob a nomenclatura
de “curso de ciências sociais” e, visivelmente, delineado à luz das ciências jurídicas,
“circunscrevendo a administração do aparelho do Estado aos aspectos legais” (COELHO, 2008,
p. 4).
Por sua vez, os primeiros cursos brasileiros que intentaram oferecer o estudo das Ciências
Administrativas (e sobre os quais versam os primeiros registros que se tem notícias) datam do
ano de 1902 e foram ministrados em duas escolas particulares: a Escola Álvares Penteado, no Rio
de Janeiro, e a Academia de Comércio, em São Paulo. Alguns anos mais tarde, já em 1905, e
através do Decreto Legislativo n.º 1.339, o Governo Federal reconhece como sendo de utilidade
pública esses dois cursos e concede a essas escolas a validade do diploma por elas conferido
(NICOLINI, 2002, p. 1). Apesar da validade desses diplomas, até 1931, o ensino da
Administração não era regulamentado (só veio a ser no governo do presidente Vargas, quando
houve a criação do Ministério da Educação e a estruturação do ensino em todos os níveis).
2
Coelho (2008, p. 5) sublinha que, mesmo tendo sido proposta uma formação de bacharéis
para o serviço civil (em termos organizativos-pedagógicos), desde o II Reinado, “o entendimento
de que o ensino de administração pública se assemelhava ao do bacharelado em ciências jurídicas
perdurou no país até o início dos anos trinta”, concorrendo para o insucesso dos planos de
implantação de um curso superior voltado, exclusivamente, para a Administração (e negócios) do
Estado.
Adentrando a década de 30 e refletindo sobre a estruturação do ensino universitário,
observa-se que a Reforma Constitucional Francisco Campos previu a concepção de um curso
superior de Administração e Finanças. Porém, tal ideia do curso não se concretizou, e foi criado,
em seu lugar, o Curso Superior em Ciências Econômicas, ainda que com forte preocupação
quanto à capacitação administrativa desses novos profissionais.
Já na Segunda República, ou no período compreendido entre 1930 e 1945 (o qual pode ser
estendido até 1952), monta-se um cenário de alto teor reformista, onde o ensino de
Administração Pública se implanta e se consolida em nível de capacitação e formação de pessoal,
assumindo um caráter estratégico e instrumental (FISCHER, 1984). A mudança e o
desenvolvimento da formação social brasileira, a partir da Revolução de 30, trouxe consigo um
processo de transformação, cujo destaque está na “formação de grandes conglomerados
industriais e um Estado como agente no processo de desenvolvimento econômico e social”
(MEZZOMO KEINERT, 1996 apud NICOLINI, 2003, p. 45).
Nesse contexto, em 1931, na cidade de São Paulo, foi fundado o IDORT (Instituto de
Organização Racional do Trabalho), cujo escopo seria o de propagar os métodos mais
sofisticados das Ciências Administrativas daquela época. Segundo Coelho (2008, p. 6), esse
instituto foi organizado por intelectuais e empresários de São Paulo e era “considerado como a
primeira instituição de treinamento em administração da América Latina”. Já em 1936, O IDORT
foi reconhecido como sendo de utilidade pública pelo governo federal e, sob o patrocínio da
Federação das Indústrias de São Paulo, deveria, dentre suas diversas atribuições, divulgar os
teóricos da Administração Científica e Clássica e seus respectivos métodos, objetivando o
aperfeiçoamento do desempenho gerencial dos profissionais e a solução de problemas ligados à
racionalização da administração das empresas em geral (NICOLINI, 2003).
Ainda no ano de 1936, Fischer (1984, p. 281) destaca a promulgação da Lei n.º 9.284, a
qual estabeleceu normas para a Administração de Pessoal e para o sistema de classificação de
cargos. Dois anos mais tarde (em 1938), o DASP (Departamento Administrativo do Serviço
Público) foi criado: desempenhando um papel central em todos os esforços da reforma
administrativa, teve a formação do servidor público como área de ênfase (ao considerar a
administração de pessoal e o sistema de mérito como “a pedra angular” da reforma
administrativa).
Na opinião de Coelho (2008, p. 6), o DASP foi constituído “para ser o ‘braço
administrativo’ do Estado Novo”, avocando ares de superministério, onde coexistiam as funções
de Departamento de Administração (relacionadas à Organização e Métodos, à gestão de pessoal,
ao controle dos materiais e à elaboração dos orçamentos) e órgão de assessoria da Presidência.
Contudo, em outubro de 1945, o presidente Vargas foi deposto e, em 9 de dezembro do mesmo
ano, o DASP foi reorganizado com cortes nas atividades de pessoal.
Segundo Wahrlich (1983 apud FISCHER, 1984, p. 281), “a influência americana foi
decisiva e direcionou ideológica e metodologicamente o ensino de administração pública no
Brasil”, sendo a essência da reforma administrativa em seus diversos estágios. Convênios
firmados com os Estados Unidos ajudaram a consolidar o ensino formal de Administração no
3
país, tanto em nível de formação de professores no exterior, “quanto no que se refere à
reprodução de currículos diretamente importados deste país, implantados sem maiores adaptações
às necessidades locais brasileiras” (RIBEIRO; SACRAMENTO, 2009, p. 194).
Em 1943, a ideia de um centro de estudos em Administração Pública concretizou-se e foi
solicitada, ao governo dos EUA, uma ajuda técnica ao DASP. Nessa ocasião, emergiu a ideia de
uma escola de Administração Pública independente das universidades e do DASP. Foi por
intermédio dos integrantes do quadro do DASP, Benedicto Silva e Cleanto de Paiva Leite, que
surgiu uma aliança entre o DASP e a Organização das Nações Unidas, com vistas à promoção de
treinamento na área de Administração Pública (FISCHER, 1984). Por sua vez, originada no
DASP, inaugura-se, em 1944, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) com “o objetivo de preparar
pessoal especializado para a administração pública e privada” (NICOLINI, 2003, p. 45).
Nicolini (2002, p. 2) descreve que “em 1946, tendo como objetivo colaborar com as
empresas privadas e órgãos do serviço público, foi criada a Faculdade de Economia e
Administração (FEA) na Universidade de São Paulo”. Contudo, o autor salienta que a FEA não
possuía o curso de graduação em Administração, mas apenas os cursos de Ciências Econômicas e
Ciências Contábeis.
Em janeiro de 1948, Roberto Campos propôs um projeto à Organização das Nações
Unidas, o qual continha a ideia da criação de uma Escola Nacional de Administração nos moldes
da Escola Nacional de Administração Francesa (ENA). Porém, somente em 15 de abril de 1952,
que veio a ser instalada a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), como resultado de
duas reuniões que foram realizadas em Lake Success (EUA) e no Rio de Janeiro e das quais
participaram técnicos brasileiros da FGV e do Governo Federal, representantes da ONU e
professores americanos (FISCHER, 1984).
Nesse sentido, Nicolini (2002, p. 2) observa que a EBAP era “destinada à formação de
profissionais especialistas para a administração pública”. Logo, a “EBAP foi se estruturando
como órgão de ensino, pesquisa e assistência técnica”, com o patrocínio financeiro da ONU (até
1959) que, inclusive, “subsidiou a vinda de professores americanos e o treinamento em nível
avançado em Administração Pública de professores recrutados pela FGV” (FISCHER, 1984, p.
282).
Com a consolidação da EBAP na então capital política do país e estando ela voltada à
formação de profissionais especialistas para a Administração Pública, a FGV, por sua vez, focou
na criação de uma Escola de Administração de Empresas dedicada, essencialmente, à formação
de profissionais especialistas para atuarem na iniciativa privada. Assim, em 1954, nascia a Escola
de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP), instituindo um bacharelado destinado a
formar profissionais especialistas nas “modernas técnicas” de gerência empresarial e no intuito de
“atender às expectativas do empresariado local” (COELHO, 2006, p. 30).
No ano de 1959, Brasil e Estados Unidos assinaram um convênio que instituía o
Programa de Ensino de Administração Pública e de Empresas (e em conformidade com o Acordo
sobre Serviços Técnicos Especiais, de 1953 – PBA-1). Segundo Fischer (1984, p. 282), o PBA-l
foi “a solução estratégica para os problemas de capacitação gerencial no Brasil”. Tal convênio
beneficiou a EBAP, a EAESP, o DASP e as Universidades Federais da Bahia e do Rio Grande do
Sul – UFBA e UFRGS, respectivamente – e enfatizou a necessidade de formar professores para o
ensino de Administração Pública e de Empresas, visando prover o governo e a área privada de
técnicos competentes para darem impulso ao desenvolvimento econômico e social (NICOLINI,
2003).
Algum tempo depois (mais precisamente no final de 1960), egressos da EBAP em
4
conjunto com seus professores e com técnicos em Administração do DASP, organizaram a
Associação Brasileira de Técnicos em Administração (ABTA), a qual defendia a
institucionalização da profissão de Administrador no Brasil. Meses depois, a regulamentação do
ensino de graduação em Administração no país inicia-se, indiretamente, através do
reconhecimento dado pelo governo federal ao curso de formação da EBAP, através do Decreto
n.º 1108, de 30 de maio de 1962 (COELHO, 2006).
Em 1965, a Lei n.º 4.769 que regulamentou a profissão de Técnico em Administração foi
aprovada. Com a criação da categoria de Técnico em Administração, o exercício da profissão
passou a ser privativo dos bacharéis em Administração Pública ou de Empresas e de gestores
praticantes (indivíduos com, pelo menos, ensino secundário e cinco anos de atividades próprias
no campo profissional do Administrador) – ou seja, todos aqueles diplomados no Brasil, em
cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo fosse
fixado pelo Conselho Federal de Educação. Segundo Nicolini (2003, p. 46), a criação da
categoria de Técnico em Administração foi o “primeiro precedente para a regulamentação e a
posterior expansão do ensino de Administração no Brasil”.
Passados dez meses da regulamentação da profissão, o Conselho Federal de Educação
estabeleceu “o primeiro currículo mínimo do curso de graduação em Administração pelo Parecer
n.º 307 e Resolução S/N, de 8 de julho de 1966, conforme preceitos da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB)” (COELHO, 2006, p. 38). Nesse sentido, vale sublinhar que até a metade da
década de 60, no Brasil (e ao contrário do que ocorria em países latino-americanos), o
bacharelado em Administração Pública (AP) suplantava o bacharelado em Administração de
Empresas (AE) em número de cursos, matrículas e formandos. No entanto, após 1964, esse
quadro vagaroso e languido do ensino de AE inverter-se-ia inteiramente.
Um grande campo para os bacharéis em Administração de Empresas foi aberto com a
regulamentação do ensino e, posteriormente, com o “milagre econômico”. Para Covre (1991), a
expansão dos cursos de AE foi impulsionada, dentre outras causas, pela reforma universitária de
1968, pelo ingresso de empresas multinacionais, pelo aporte de capital estrangeiro nas empresas
nacionais, pela burocratização (na acepção burocrático-weberiano) das organizações brasileiras,
tudo isso num macroambiente de crescimento econômico, de concorrência interorganizacional e
de inovações tecnológicas.
Se inicialmente a criação e a evolução dos cursos de Administração na sociedade
brasileira deu-se no interior de instituições universitárias (fazendo parte de um complexo de
ensino e pesquisa), com a regulamentação do ensino e, posteriormente, com o milagre
econômico, abriu-se um grande campo para os bacharéis em Administração, cuja demanda só
começou a ser atendida formando-os em faculdades isoladas e/ou privadas – segundo Covre
(1991), uma das características do processo de expansão do Ensino Superior no Brasil.
O fato dessas novas instituições de ensino não necessitarem de vínculos com as grandes
universidades para oferecerem seus cursos, pode ser considerado um dos fatores que propiciou o
crescimento notável do número de escolas de Administração espalhadas pelo Brasil. E,
igualmente, “a divisão ou junção dos bacharelados em Administração Pública e Administração de
Empresas, tornou-se um tema instigante e polêmico no Brasil, desde a vigência do currículo
mínimo de Administração”, em 1966 (COELHO, 2006, p. 50).
Por sua vez, o período da década de 70, segundo Fischer (1984, p. 283), caracterizou-se
pelo “declínio do papel do administrador público e pelo apogeu do tecnocrata, exacerbação
máxima da racionalidade funcional e dos princípios desenvolvimentistas”. Nessa época, a
Administração das empresas estatais, no Brasil, passou a ser dirigida pelo lema da competência e
5
da racionalidade técnica, especialmente no período compreendido entre 1967 e 1978 (onde
ocorreu seu boom).
Já a EBAP (considerada por muitos autores como a espinha dorsal do ensino de
Administração Pública no Brasil), ao adotar o sistema de créditos em 1967, foi gradativamente
interpondo em sua grade curricular de AP as disciplinas de AE, no intuito de formar generalistas
em Administração (recursos humanos requeridos, naquela época, para o desenvolvimento
nacional). Mais adiante, “em 1977, essa instituição de ensino, definitivamente, transformaria seu
curso de graduação em Administração Pública em curso de graduação em Administração, tout
court, destinando-se à formação acadêmica de técnicos de Administração”, aptos a desempenhar
a profissão em qualquer organização, independente de sua natureza (COELHO, 2006, p. 52).
Assim como ocorreu na EBAP, a confluência dos campos de saber de AP e AE no ensino
superior de Administração aconteceu nas demais instituições universitárias brasileiras e,
mormente, nas faculdades isoladas de ensino privado ou público. Coelho (2006) destaca que, nas
faculdades isoladas, o ensino de AP figurou, por algum tempo, na nomenclatura dos cursos mas,
acabou por inexistir nos conteúdos das disciplinas que eram ministradas. Com efeito, para o
autor, tais acontecimentos redundaram na absorção da AP pela AE ano após ano.

2.2 O CURRÍCULO DOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO

O currículo, partindo da sua etimologia, vem da palavra latina scurrere, que significa
carreira, caminhada, jornada; contém, portanto, a ideia de continuidade e de sequência. Esse é
apenas um significado etimológico da palavra, todavia, o currículo, quando aplicado à educação,
tem um significado mais específico e melhor adaptado. Nesse sentido, para SILVA (1999 p. 184),
o “currículo é um conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionados aos
estudantes”.
Para Fischer (2003), o currículo apresenta-se como um conjunto de matérias, modos e
meios de ensino aprendizagem, decorrentes do contexto cultural e da natureza do conhecimento
envolvido. Desse modo, assume configurações de disciplinas e de articulações disciplinares a
serem desenvolvidas, cooperativamente, por professores e alunos, visando o desenvolvimento da
competência socialmente desejável para o exercício de uma profissão.
Não obstante, ao longo de sua trajetória, os estudos da Administração acumularam
conhecimentos sobre as organizações e os currículos, os quais, por sua vez, constituíram-se
através de construções sociais. No Brasil, bem como acontece ao redor do mundo, “os currículos
e as organizações estão embebidos nos contextos culturais em que operam” (FISCHER;
WAIANDT; SILVA, 2008, p. 177).
Fischer, Waiandt e Silva (2008, p. 176) entendem o currículo através da concepção de
Bourdieu, ou seja, acreditam que o currículo é um “campo historicamente construído com
argumentos e seus jogos de compreensões mediadoras”. Sublinha-se dessa maneira que, para
Bourdieu (1983, p. 19), “o campo é o espaço onde as posições dos agentes se encontram a priori
fixadas. O campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em
torno de interesses específicos” – interesses que, por sua vez, caracterizam a área em questão.
Ao compreender o currículo como um reflexo de práticas sociais, será, outrossim,
possível percebê-lo “como uma rede (de conteúdos), estrutura, cultura de uma profissão,
construção coletiva, instituição, jogo de interesses, dentre outros”, segundo diferentes
perspectivas analíticas (FISCHER; WAIANDT; SILVA, 2006, p. 1). Logo, em um currículo do
curso de Administração, diversos serão os campos de conhecimentos e as práticas derivadas da
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articulação entre disciplinas das grandes áreas de Ciências Sociais e de Ciências Socialmente
Aplicáveis, tais como: Economia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Ciências Políticas, entre
outras.
Assim, quando se pretende falar de ensino e de currículo importa, antes de tudo, recordar
a lei que promoveu grandes alterações nas regras do setor educacional brasileiro: a nova LDB, de
1996 (juntamente com seus decretos, portarias e outras resoluções do Conselho Nacional de
Educação). No tocante a essa lei, Calbino et al. (2009, p. 4) destacam que ela “deu fim à
legislação que determinava o modelo único de universidade” pois, a partir dela, “categorizaram
as instituições de ensino superior em universidades, centros universitários, faculdades integradas,
institutos superiores ou escolas superiores”, consentindo inclusive, “sua constituição como
entidade com fins lucrativos (essas últimas sujeitas às regras das sociedades mercantis)”. Já na
opinião de Souza-Silva e Davel (2005, p. 116), a LDB de 1996 levou “à crise de identidade da
concepção moderna de universidade no Brasil”, pois foca, gradualmente, “uma dimensão mais
utilitarista e instrumental, no momento que pretere formar cientistas e prefere o treinamento mais
técnico e profissionalizante”.
Observa-se que, com a aprovação da LDB (em 1996), a União passou a atuar como órgão
regulador do ensino superior, ou seja, como um organismo de criação de normas gerais sobre os
cursos de graduação e pós-graduação e, também, como um avalista dos cursos e das instituições
de ensino superior (CALBINO et al., 2009).
Retomando os textos das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), nota-se que
“competência” e “habilidade” são termos que aparecem com uma certa frequência. Contudo,
apesar das DCNs sinalizarem conteúdos que deverão ser oferecidos pelos cursos de
Administração – no intuito de que os estudantes desenvolvam, no decorrer de sua graduação, suas
habilidades e competências profissionais – muitas instituições de ensino não usufruem da
liberdade que possuem para elaborem propostas pedagógicas originais. Em função disso,
observa-se, espalhados pelo Brasil, vários cursos com currículos muito semelhantes (ou até
mesmo idênticos), o que, muitas vezes, culmina numa formação homogênea de Administradores
(mesmo estando esses estudantes em regiões com necessidades bem diferentes).
As DCNs não detalham como as Instituições de Ensino (IEs) Superior devem estruturar os
seus cursos, justamente para que as próprias IEs possam identificar as demandas e as
características locais, no sentido de adaptarem, facilmente, seus Projetos Pedagógicos a elas.
Dessa maneira, as DCNs para o curso de graduação em Administração dão pistas ao sugerir um
perfil para o Administrador, quando delineiam que o profissional formado por essas IEs deve
estar voltado à: valorização da responsabilidade social, da ética e do aperfeiçoamento profissional
contínuo; uma visão humana, interdisciplinar e global; uma formação técnica e científica; e, uma
capacidade empreendedora e crítica (SOUZA-SILVA; DAVEL, 2005).
Mesmo que alguns autores ainda considerem a regulamentação atual dos cursos de
Administração pouco flexível (por permitir que conteúdos eletivos girem em torno de 30% do
total da carga horária do curso), é visível que a grande maioria das instituições de ensino, no
Brasil, não tem inovado muito quando o assunto é o bacharelado. Muitas delas abdicam da
liberdade que possuem em relação à estruturação dos seus cursos e optam por atenderem, apenas,
os quesitos de avaliação delineados pelo Ministério da Educação (MEC).
Quando ocorre tal situação, o curso de Administração oferecido por essas IEs torna-se
completamente despersonalizado da sua localidade e, ao seguir fielmente o que está delineado na
Resolução CNE/CES n.º 4 de 2005, “o ensino serve tão somente para a produção em massa de
bacharéis, e as escolas de Administração, como estão estruturadas, mais se parecem com uma
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fábrica do que com um laboratório” (NICOLINI, 2003, p. 48).
Para Ribeiro e Sacramento (2009, p. 200) há, ainda, aquelas IEs que seguem uma
estratégia de mercantilização do ensino de Administração onde “o currículo é concebido e
operacionalizado sob uma ótica fabril e estruturado a partir da ideologia taylorista tradicional”,
onde os alunos que ingressam nos cursos são vistos como “matéria-prima” – que por sua vez será
transformada ao longo da linha de montagem (através do currículo pleno) – e os administradores
(egressos dos cursos) são vistos enquanto produtos finais.
Versando sobre àquelas que adotam uma postura voltada à mercantilização dos seus
cursos de Administração, pode-se dizer que elas procuram estar alicerceadas numa perspectiva
tradicional e conservadora que prioriza a formação técnica e racional dos seus estudantes (a
produção de bacharéis para o mercado de trabalho). Nessas IEs, os currículos dos cursos de
Administração apresentarão os conteúdos previstos na Resolução CNE/CES n.º 4 de 2005 (a fim
de atenderem à legislação vigente), mas os oferecerão através da introdução de disciplinas
sequenciais, encadeadas e controladas pelo sistema de pré e co-requisitos.
Além dos conteúdos obrigatórios que deverão ser desenvolvidos durante o curso de
Administração, as DCNs sugerem que as IEs ofereçam aos seus estudantes oportunidades onde
eles possam aplicar, na prática, os conhecimentos que são adquiridos durante o curso e no intuito
de que, ao longo da sua formação acadêmica, os futuros profissionais possam desenvolver suas
habilidades e competências.
Logo, ao retomar os termos “competência” e “habilidade” evidenciados nos textos das
DCNs e vislumbrá-los no contexto dos cursos oferecidos por grande parte das IEs brasileiras,
nota-se que apenas o aprendizado dos conteúdos teóricos obtidos em sala de aula não são
suficientes para formar um Administrador capaz de atender às demandas que emergem da
sociedade dia após dia. Organizar conteúdos voltados, tão somente, ao ensino daquilo que
consideram privativo do papel e da profissão do Administrador (como, por exemplo, as funções
do Administrador, as técnicas mais utilizadas nas organizações, as teorias do management, entre
outras) e ministrá-los através de etapas racionalmente delineadas, certamente não é, por si só,
uma garantia que um curso irá conseguir formar profissionais competentes e habilidosos.
Diante da inerente falta de criatividade (e muitas vezes, de interesse) das IEs em
usufruírem da liberdade que lhes foi concedida através das novas DCNs (principalmente, no que
tange a adequação dos currículos dos seus cursos às características e às vocações regionais),
cresce o número de Administradores moldados para reproduzirem conhecimentos técnicos mas,
desprovidos de competências para inter-relacionar teoria e prática na vida profissional. “Grande
parte das organizações de ensino superior não alcança seu objetivo educacional mais nobre que é
a formação de um cidadão competentemente crítico e reflexivo” (SOUZA-SILVA; DAVEL,
2005, p. 119).

2.3 A FORMAÇÃO DOS ADMINISTRADORES

A institucionalização e profissionalização da Administração no Brasil foi um processo


longo, nascido no começo do século XIX e seguido por um extenso processo de demarcação
sobre quais seriam as fronteiras do campo do saber administrativo. Despontou das sombras com a
criação de disciplinas de Administração, as quais eram ensinadas em cursos de Direito e de
Engenharia. Prosseguiu, durante mais de seis décadas, confundindo-se com o ensino das Ciências
Econômicas até a definição do currículo mínimo do curso em Administração e da criação da
categoria de Técnico em Administração, na década de 1960. A partir da década de 70,
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consolidou-se como curso de graduação e, a partir dessa autonomização, diversos cursos de pós-
graduação (especializações, mestrados e doutorados) foram implantados em todos os cantos do
território nacional. Sintetizando tal situação, Silva (2007, p. 2) assevera que “a evolução do
ensino superior no Brasil caracteriza-se pela sua tardia instalação, sua implantação a partir de
grandes escolas profissionais e sua origem pública, como iniciativa do Estado”.
No Brasil, os primeiros cursos de Administração despontaram de maneira muito tímida:
em 1941, a ESAN, em São Paulo; em 1946, a FEA/USP, em São Paulo (que apesar de ter sido
criada neste ano, só veio oferecer o curso de Administração em 1963); em 1951, o Instituto de
Administração da UFRGS (originado da Faculdade de Ciências Econômicas – FCE ), em Porto
Alegre/Rio Grande do Sul; em 1952, a EBAP da FGV, no Rio de Janeiro; em 1954, a EAESP da
FGV, em São Paulo; e, em 1961, a EAUFBA, em Salvador/Bahia.
Entretanto, depois da década de 60, esse cenário com poucas escolas de Administração
modificou-se no país: a difusão e o apreço pela “gerência científica” se tornaram as principais
razões para que os governos (federal, estadual e municipal) e as mais variadas organizações
demandassem Administradores, ou conforme lembra Nicolini (2000, p. 14), clamassem por
“técnicos capazes de produzir e gerir a organização burocrática”.
Desde então, muitos cursos de Administração foram sendo criados e inaugurados em
todas as regiões do Brasil. Dentre as razões que propiciaram esse crescente número de cursos que
são oferecidos, pode-se destacar uma certa facilidade em se criar e oferecer um curso de
Administração (sobretudo no que tange aspectos financeiros, visto que não é necessário um
grande dispêndio das faculdades em laboratórios sofisticados e nem qualquer outro refinamento
tecnológico) e, também, a crescente demanda de pessoas que procuram tal qualificação.
Sobre esse considerável crescimento do número de cursos de Administração, Calbino et
al. (2009, p. 3) afirmam que “de 1998 a 2004, o número de escolas de Administração mais do que
dobrou, denotando uma tendência à proliferação desses cursos no Brasil”. De acordo com os
autores, em 2004, existiam 2.048 instituições de ensino que ofereciam cursos de Administração e
“dos 4.887.771 alunos matriculados em algum curso de graduação superior até 2003, 576.305
(11,8%) cursavam escolas de Administração, de acordo com dados do MEC/INEP” (CALBINO
et al., 2009, p. 3).
A despeito disso, “depois de quase meio século da criação do primeiro curso de graduação
em Administração no Brasil, este ainda tem sido alvo, desde seu início, de críticas no que se
refere à sua eficácia” (SILVA, 2007, p. 2-3). Apesar das mudanças que ocorreram ao longo dos
anos, muitos pesquisadores sublinham que os atores envolvidos, no processo de formar
Administradores, estão insatisfeitos com o resultado alcançado pelos cursos de graduação
(FISCHER, 1980; FACHIN, 1989; MATTOS; BEZERRA, 1999; NICOLINI, 2000; SKORA;
MENDES, 2001).
Segundo Fischer (2003), como pano de fundo dos problemas de ensino em
Administração, está a identificação da área como campo do conhecimento e como matéria de
ensino, o que ocasiona uma fragmentação do conteúdo e se traduz num rol de conteúdos
agrupados nos currículos e cujos critérios que os determinam não muito são claros. Para a autora,
os currículos que são oferecidos pela grande maioria dos cursos de Administração não favorecem
nem a formação técnica e instrumental necessária para o exercício da profissão, nem uma
formação de um Administrador possuidor de visão pluralista de realidade que reconheça as
contradições existentes na sociedade brasileira.
Atualmente, no Brasil, o ensino da Administração “fica caracterizado como mais uma
transferência de tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos” (NICOLINI, 2000, p. 17). Para
9
Nicolini (2000), a grande maioria das instituições oferecem seus cursos de Administração de
maneira desvinculada do processo de construção científica. Ainda segundo o autor, grande parte
das IEs brasileiras abriram mão do seu papel como sujeitos da história administrativa, para
apenas reproduzirem o que já foi sistematizado por outras instituições, no Brasil e,
principalmente, no exterior.
Não obstante, os modelos tradicionais de currículo (aqueles baseados em conteúdos que
priorizavam a racionalidade e a técnica) começaram ser contestados a partir dos anos 70, com o
surgimento das teorias críticas, as quais revelavam preocupações com as conexões entre o saber,
a identidade do aprendiz e o poder. De acordo com Silva (2007, p. 4), a partir da década de 70,
“os estudos do currículo assumiram um enfoque nitidamente sociológico”. Anos mais tarde, a
partir da década de 90, ingressam as teorias pós-críticas no debate sobre o currículo. Assim, as
teorias pós-críticas ampliaram, e ao mesmo tempo, modificaram aquilo que as teorias críticas por
anos defenderam.
Refletindo sobre a regulamentação do ensino da Administração, no Brasil, é possível
afirmar que o mesmo passou por três momentos históricos. Foram eles: o currículo mínimo
aprovado em 1966, a alteração do currículo mínimo de 1966, em 1993, e a homologação das
Diretrizes Curriculares Nacionais, em 2003. Nesse sentido, Silva (2007) enfatiza que a primeira
regulamentação do ensino de Administração, em 1966, foi alvo de muitos protestos por parte das
de muitas IEs que acusavam a lei de ser muito rígida e engessada e, de tornar-se um dificultador
para elaboração dos currículos e dos projetos pedagógicos dos cursos. Contudo, para o autor, a
verdade é que o currículo mínimo, aprovado em 1966, fez com que as IEs não pudessem mais
desfrutar de uma liberdade que sempre detiveram e que, raramente, exercitaram (SILVA, 2007).
Já na década de 1970, o ensino privado da Administração despertou para a oportunidade
que chegou, concomitantemente, com o crescimento econômico do Brasil: o ingresso de
empresas multinacionais, o aporte de capital estrangeiro nas empresas nacionais e a
burocratização das organizações brasileiras – tudo isso dentro de um macroambiente de
crescimento econômico – causou um aumento na demanda por Administradores. Assim, fazia-se
necessário fábricas (cursos de Administração) que produzissem esses profissionais
(Administradores) nos moldes que a regulamentação exigia.
Refletindo sobre a regulamentação do currículo mínimo, observa-se que ela foi uma
consequência da regulamentação profissional (dada em 1965, através da Lei n.º 4.769). Depois da
promulgação da Lei n.º 4.769, admitia-se que todo aquele que possuísse um diploma do curso de
Administração estava apto a administrar qualquer organização, independentemente de ser esta
pública ou privada. Nicolini (2000) grifa que a adoção do currículo mínimo, por essas novas
instituições de ensino (para o autor tidas como fábricas de administradores), era, por si só, a
garantia de que a formação atendia aos padrões básicos de qualidade e uniformidade que eram
necessários à obtenção do diploma e da prática profissional.
Indo além, sublinha-se que, ainda nos dias de hoje, a literatura que norteia a formação do
Administrador é, dentro e fora das IEs, predominantemente, de cunho generalista. Esse
generalismo culmina na desconsideração “do caráter histórico da vida organizacional, do
comportamento de seus atores, dos seus contextos de desenvolvimento e da força do legado de
suas culturas” (MARTINS et al., 1997, p. 2).
Apesar dessa situação lastimável quando o assunto é a formação do Administrador
brasileira, faz-se justo reconhecer que, desde os anos 60, muitos cientistas sociais
contemporâneos têm buscado compreender as particularidades da formação social do Brasil,
entender esse processo e propor rumos para uma Administração coerente com a realidade do país.
10
Autores como Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado,
Maurício Tragtenberg, entre outros, buscaram interpretar o Brasil e basearam suas construções
teóricas em amplas perspectivas sobre os elementos fundamentais de nossa história.
No entanto, mesmo com essas correntes de pensamento que apontavam para a
necessidade de uma Administração conexa com a realidade do Brasil, o projeto de “preparar um
trabalhador capaz de fazer dar certo o país”, culminou na concentração de todas as forças para a
criação de “práticas administrativas racionais competentes” (MARTINS et al., 1997, p. 5),
deixando de lado demais questões que não se enquadravam nesse modelo. Foi dessa maneira que
o “currículo mínimo profissionalizante, aprovado em 1966, permaneceu vigente até 1993”
(SILVA, 2007, p. 5). Além disso, nota-se que, no período compreendido entre 1966 e 1993, “a
única alteração registrada no quadro da Administração” foi “absolutamente insignificante: a
denominação desta categoria profissional, que passa no dia 13 de junho de 1985 de “Técnico em
Administração para, simplesmente, Administrador”, através da Lei n.º 7.321” (NICOLINI, 2000,
p. 27).
Todavia, em 1993, um novo currículo foi fixado pelo Conselho Federal de Educação. A
reformulação do currículo mínimo (aquele criado em 1966), deu-se através do parecer n.º 433/93
e seu relator foi o Prof. Clayton Miranda Vieira. Essa nova proposta curricular foi regulamentada
pela Resolução n.º 2/93 e trouxe a concepção de um currículo que deveria ser visto como um
conjunto solidário de matérias, suficientemente nucleares, para atenderem, na sua fecundidade e
segundo uma metodologia dinâmica, aos objetivos gerais e específicos trabalhados no currículo
pleno. Nas palavras de Silva (2007, p. 5), isso implicou no desejo de se “ter no currículo mínimo
um parceiro indicativo e não uma norma limitativa e inibidora”.
Com a promulgação da LDB, todos os cursos de graduação passaram a ser conduzidos
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, conforme os princípios determinados no Parecer n.º
776/97. Por sua vez, a LDB estabeleceu o fim da vinculação entre a formação e o exercício
profissional, determinando que os diplomas seriam apenas uma prova da formação acadêmica
recebida por seus titulares.
Na opinião de Silva e Fischer (2008, p. 8), a LDB “aponta no sentido de assegurar maior
flexibilidade e diversidade na organização de cursos e carreiras, atendendo à crescente
heterogeneidade, tanto da formação prévia, como das expectativas e dos interesses dos alunos”.
Essa nova orientação levou o Conselho Nacional de Educação, através do Parecer n.º 776/97, a
promover a necessária mudança nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, a fim de
adaptá-los a essa nova realidade social.
Logo, com a aprovação do novo currículo (em 1993), a regulamentação da LDB (em
1996) e das DCNs (em 2003), observa-se que as IEs passaram a gozar de uma maior liberdade
quanto à estruturação dos seus Projetos Pedagógicos (incluindo nestes os currículos dos cursos).
Com essa autonomia, as instituições passaram a ter a oportunidade de oferecer cursos de
Administração que consigam formar profissionais mais capazes (principalmente, no sentido de
atenderem às demandas e às necessidades que emergem da sua região).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar os diferentes pontos de vista que foram abordados nesse estudo, é possível
compreender que o perfil do profissional a ser formando (e muitas vezes explicitado nos Projetos
Pedagógicos) não é, somente, o reflexo direto das estratégias educacionais realizadas pelas IEs
mas, também, o resultado de um extenso processo de construção social, pois envolve diferentes
11
atores da sociedade “no encontro e embate cotidiano da prática educativa” (VERSIANI;
PEREIRA, 2004, p. 2).
Portanto, refletindo sobre as acusações que recaem sobre muitas IEs (que oferecem cursos
superiores) de estarem convertendo a educação em uma commodity e considerando que, em 2010,
o Brasil já contava com mais de 1.805 cursos de Administração (CFA, 2013) – sendo que mais
de 70% desses são oferecidos por instituições privadas e, também, que o curso de Administração
é o que possui o maior número de estudantes no país, 705.690 – cabe refletir sobre algumas das
possíveis causas que levam ao crescente aumento da oferta desses cursos e, também, o interesse
de cada vez mais brasileiros em possuir essa graduação.
Nesse sentido, além das IEs privadas vislumbrarem a possibilidade de ganhos
ascendentes, uma possibilidade que emergiu junto a um grande mercado que consome seus
cursos de graduação, é possível afirmar que esse mercado, no Brasil, ainda tem muito a crescer.
Apesar da oferta de cursos de Administração aumentar, consideravelmente, nas últimas décadas
conjuntamente com o número de estudantes vinculados a eles, observa-se que o Brasil está muito
longe de uma “commoditização” ou, ainda, de uma massificação desse ensino.
Segundo dados do IBGE, divulgados em reportagem veiculada no Jornal Nacional
(GLOBO, 2012), de 2001 a 2010, o percentual de brasileiros matriculados em cursos superiores
passou de 4,4% para 7,9%, e desses graduandos, 74% deles estão estudando em faculdades
particulares. Dentre os diversos fatores que propiciaram o aumento no número de matrículas nas
faculdades particulares, segundo o MEC, estão a criação de bolsas de estudo e de programas de
financiamentos além da baixa nos valores das mensalidades de alguns cursos – o que os tornam
mais acessíveis à população com menor renda (GLOBO, 2012).
Interpretando essas informações, é possível notar que a média de escolarização dos
brasileiros é, ainda, muito baixa. De acordo com o estudo desenvolvido pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a média de anos de escolaridade que um
brasileiro apresentava, em 2011, ela era de 13,8 anos e, em 2013, aumentou para 14,2 anos
(GLOBO, 2013).
Já o relatório sobre a educação brasileira, divulgado em setembro de 2012 pela
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que apenas 11%
da população brasileira, entre 25 e 64 anos de idade, concluiu algum curso de educação superior
(o recomendável segunda a OCDE é, ao menos, 31%) (VIOMUNDO, 2013).Logo, é possível
avaliar que, apesar, de ano após ano, muitas IEs serem inauguradas em todo o Brasil
(principalmente aquelas de ensino privado) além da oferta de cursos e vagas que são criados junto
com elas, poucos são os brasileiros que chegam a cursar uma graduação superior. Nesse sentido,
o país está dando apenas os primeiros passos e tem um longo caminho a percorrer...
Por hora, só é possível afirmar que a reformulação do currículo da Administração,
ocorrida na década de 1990, não foi suficiente para conseguir atender às crescentes e diferentes
demandas das organizações brasileiras por profissionais preparados para atuarem conforme as
transformações sociais presenciadas naquela época e que, ainda hoje, acontecem nos vários
segmentos da sociedade brasileira.
Com essas novas demandas que emergem da sociedade, surgem importantes reflexões
sobre o papel do sistema educacional no desenvolvimento dos futuros profissionais. Além de
conhecimento teórico, as organizações almejam profissionais com qualificações baseadas no
potencial, na inteligência e na criatividade individuais. Cada vez mais, os Administradores
precisam ser capazes de responder às problemáticas que lhes são impostas e que insurgem de um
contexto organizacional permanentemente instável. Tal situação exige do Administrador um
12
constante aprendizado no sentido de adquirir e desenvolver habilidades e competências que o
levem a solucionar problemas de maneira reflexiva e, não mais, pela simples aplicação racional
de técnicas, procedimentos e teorias.

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