Sidi Askofaré PDF
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Gostaria de começar minha fala desta tarde por uma questão que, creiam, não é
uma pura retórica. Esta questão é a seguinte: o que autoriza a psicanálise a falar da
exclusão?
Esta questão se impõe pelo menos por duas razões maiores. A primeira, concreta,
leva em conta que a psicanálise, na sua realidade como na sua representação social,
não é uma prática comumente acessível àqueles que denominamos os excluídos. Esta
prática concerne um campo, o inconsciente, e o que denominamos os excluídos. É
sobre este sujeito, que demanda porque ele sofre, que ela opera num certo quadro e
em certas condições. Por outro lado, é uma prática e uma experiência que se diz, não
sem razão, longa, custosa e exigente. Poder-se-ia pensar que os “excluídos” são tanto
mais excluídos!
A segunda razão, teórica ou epistêmica, leva em conta que a categoria da exclusão
não é uma noção ou um conceito, mesmo menor, da psicanálise.
Se nos atermos a estas duas considerações, seríamos conduzidos a considerar que,
da exclusão, a psicanálise e os psicanalistas não têm nada a dizer.
Permitam-me objetar isso a partir de três observações.
A primeira concerne à prática dos psicanalistas. Conheço bem poucos – para não
dizer nenhum – para não dizer absolutamente nenhum – cujo exercício profissio-
nal se limita a seu trabalho no gabinete. Todos ou quase todos – e, notadamente,
desde a “democratização” da psicanálise que seguiu a fundação por Lacan da Escola
Freudiana de Paris e Maio de 1968 –, todos então ou quase todos trabalham também
no meio hospitalar, médico-social, médico-psicológico, nas universidades ou em or-
ganismos de pesquisas. Se eles não exercem sempre a psicanálise, longe está que, em
o Exército. Ele, portanto, tão audacioso intelectualmente, não ousou ir além. Desse
modo, deixou na sombra, por assim dizer, o que é da nação e, portanto, o que é mais
diretamente e manifestadamente político.
Evocando a Igreja e o Exército, todos terão reconhecido o texto de Freud ao qual
faço referência aqui: Psicologia das massas e análise do eu (1921/1981), texto no qual ele
realiza a passagem que mencionei, o salto da psicologia individual à psicologia das
massas.
No coração de uma como da outra, que encontramos? A identificação. As identi-
ficações aos significantes e/ou aos traços do Outro e a identificação à imagem ou ao
semelhante que encontramos no fundamento da subjetividade individual são, mutatis
mutandis, aquelas que reencontramos nos grupos sob a forma de identificações ver-
ticais e horizontais, identificações ao chefe, ao líder e identificação aos semelhantes.
A psicanálise após Freud, ela também é confrontada com o social. Que seja através
da questão dos “pequenos grupos” com Wilfried Bion, que seja pelo problema da
adaptação com a Ego-psychology ou, de modo mais radical, com Lacan e sua recon-
sideração do laço social a partir de seus fundamentos da linguagem e seu modo de
tratar o gozo.
A doutrina que ele propõe, aquela que se diz dos “quatro discursos” (LACAN,
1969-1970/1991) é, talvez, aquela que nos é mais útil para nosso propósito. Por quê?
Porque somente ela permite pôr e tomar o que faz laço social entre “parlêtre”, o que
faz coexistir os corpos, que permite determinar como e sob quais condições se está
entre e, por conseguinte, como se permanece fora ou como se sai disso. Dito de outro
modo, ela permite demonstrar que o jogo da exclusão não seja outro senão o próprio
laço social e o lugar que ele reserva à singularidade.
Definir a exclusão, a clínica que ela convoca e a ética relativa à suas práticas, exi-
gem passar pela exposição de algumas questões. Em primeiro lugar: o que faz laço
social? O que faz a sociedade, comunidade e até comunhão?
A partir da psicanálise, a resposta pende a dois pontos. Antes de tudo, a linguagem
ou mais precisamente certo uso da linguagem, aquele que leva em conta o outro, que
se endereça a outrem e que visa produzir um efeito sobre este outro: efeito de domina-
ção, de sobreposição, de submissão; efeito de persuasão, de ensinamento, de transmis-
são; efeito de sedução, de sugestão, etc. Em seguida, de identificação. Retomo então,
pois é ela, com efeito, que efetua o sujeito – e, notadamente sua instância imaginária,
Vocês sabem, sem dúvida, a qual ponto a questão do sentido é importante para
a psicanálise e numa psicanálise. O que vocês talvez não saibam tão bem é como o
sentido é problemático. Há o sentido que a psicanálise abomina: é o senso comum
para qual todo sentido é bom, é o bom senso. E há aquele que lhe é útil, o sentido “es-
condido”, recalcado, aquele que não quer inclusive sempre dizer enterrado, na medida
em que somente pode ser deslocado. É o sentido ligado à verdade. Mas mesmo este
sentido só interessa na medida em que visa o real, quer dizer, o impossível.
Tratando-se da exclusão, seu sentido e seu real se articulam, naquilo que ela é, sin-
toma, e naquilo que ela é ainda mais: sintoma social. Que nós a definamos assim não
deixa de trazer certas consequências. E, notadamente, a tarefa de se interrogar sobre
sua necessidade ou sua contingência, seu sentido e sua função, o modo de tratamento
a lhe reservar, o saber eventual está por se extrair e por se elaborar. Direi que a apro-
ximação da exclusão como sintoma constitui já uma bússola e abre uma perspectiva.
Ela implica, com efeito – mas sob a condição, certamente, de desembaraçar a noção
de sintoma de suas aderências médicas e psicopatológicas –, que a exclusão não é um
acidente fortuito de nosso funcionamento social, uma aberração ou uma monstruosi-
dade a erradicar a todo preço. Não esqueçamos que o puro, o homogêneo e o idêntico
engendram também a teratologia.
Enquanto sintoma, a exclusão é, de uma lado, o retorno da verdade de nosso linho
social – é sobre a qual ele é edificada e então ele não quer nada saber: seja que se in-
cluir passe pelo consentimento aos sacrifícios do gozo e às identificações alienantes –,
e, por outro lado, parte de uma função de enlaçamento – o temor da exclusão, modelo
do temor da castração, envia ao mesmo tempo para a Cidade de discurso. Dito de
outro modo, a exclusão vem funcionar como o destino prometido por qualquer um
que recuse seguir os passos do discurso capitalista, a qualquer um que está com má
disposição em dançar no ritmo da flexibilidade!
Daí se deduz uma orientação clínica.
Uma clínica da exclusão digna deste nome não saberia ser ou mesmo se aparen-
tar a um tratamento ou a um reciclamento dos “resíduos sociais”. Quero dizer com
isso que é pelo menos problemático de se fazer a priori, e para todos, uma clínica da
adaptação, da reinserção ou da integração. Que certas formas de exclusão se restituem
e que certos “excluídos” demandam isso não implica que ela seja universalizável por
direito. Existem sujeitos para qual a exclusão, longe de ser um problema, uma questão
ou o efeito de uma desvantagem, é a solução subjetiva que eles forjam para continuar
a viver apesar de todas as perspectivas e contra o impossível, o insuportável de/e na
sua existência. É preciso poder conter seu furor sanandi, suas paixões reparadoras ou
compadecedoras e aceitar que existem sujeitos que não pedem nada de outrem – e isso
não é nada que se possa lhes oferecer senão escutar, acolher, hospitalizar e acompa-
nhar. Quer dizer, no fundo, ser tratado como humanos irredutíveis à sua doença, à sua
marginalidade, à sua dependência, à sua miséria.
***
Concluo. A ilusão ou o perigo não é talvez senão uma coisa: conceber ou pensar re-
gras sem exceções, interiores sem exteriores, fraternidades e solidariedades ignorantes
de segregações que as determinam. No fundo, podemos dizer que aqueles que de-
nominamos os excluídos – mas, para dizer a verdade, não estamos todos num nível
ou noutro: todo sujeito é excluído do gozo, um exilado da relação sexual –, podemos
dizer então dos excluídos o que Lacan pode dizer outrora dos psicóticos, a saber, que
esses são mártires, quer dizer, testemunhas do inconsciente, portanto, da verdade. Os
“excluídos” seriam quanto a eles as testemunhas de nosso laço social. O tratamento
que lhes são reservados em seu seio constitui um índice precioso para apreciar a via-
bilidade e a consistência.
Não se pode então tratar de nenhum modo em iniciar uma clínica do social em
que a razão de ser e o fim último seriam a erradicação da exclusão e, através dela, de
todas aquelas formas e figuras de heterogeneidade e in fini da alteridade. A clínica do
sintoma que se chama a exclusão – em todo caso é nisso que nós trabalhamos no seio
da Equipe de Recherches Cliniques12– é exatamente a clínica que se põe em posição de
acolher os “excluídos” naquilo que eles têm de mais singular e de os acompanhar, mas
também de aprender com eles e com este saber recolhido fazer viático para que a vida
dos “inclusos” não seja indigna.
Referências
BION, W. R. (1961). Experiences in groups. Londres, Tavistock Publications.
CHOMSKY, Noam e FOUCAULT, Michel (2006). Sur la nature humaine. Bruxelles, Aden.
FREUD, S. (1921/1981). Psychologie des foules et analyse du moi. In: Essais de psychanalyse.
Paris, Payot.
LACAN, J. (1969-1970/1991) Le Séminaire, Livre XVII, L’envers de la psychanalyse. Paris, Seuil.