A Música Da Índia - H.J PDF
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Koellreutter
7th August 2011 A Música da Índia H.J. Koellreutter
A Música da Índia
H.J. Koellreutter, 1999
A Índia deveria ser um lugar de peregrinação para todos aqueles que amam a música. É nesse país que
descobririam uma vasta e venerável cultura musical, que apesar de ser essencialmente diversa da nossa, revela
valores que em nosso mundo, há muito têm caído em esquecimento.
Eminentemente espiritual e, ao mesmo tempo, profundamente humana, a cultura indiana poderia tornarse um
valioso complemento e uma magnífica fonte de enriquecimento espiritual da cultura musical do Ocidente.
A música faz parte da vida do povo indiano. É entrelaçada na vida social, religiosa e cultural do país e integra a
envolvente unidade do mundo místico da Índia.
Música é “Gandharva Veda”, ciência musical. É um dos quatro “upa vedas”, isto é, “vedas” secundários. Os
outros três são “Dhanur Veda” ou a arte de manejar o arco; o “Ayur Veda” ou a medicina; e o “Artha Sastra” ou a
política.
Deus é compreendido como “Nadabrahma”, ou seja, encarnação do som. Através do “Nadopasana”, isto é,
meditação musical, o homem consegue a felicidade divina.
No século XIX, Sundaramoorthy Nayar descreve Deus como manifestandose nas sete notas e nas formas da
arte musical. Segundo ele, o supremo ser pode ser realizado por realizados meios. Mas “sangita marga”, ou o
caminho da música, é o meio mais eficiente de chegar a Ele.
Música é arte (“kala”) e ciência (“sastra”) ao mesmo tempo. É a linguagem dos deuses. Siva toca “damaru”, o
tambor; Krishna, a flauta; e Savrasvati, a “vina”, e desenvolve a inteligência e a alma. E de acordo com palavras
do antigo sânscrito, “dádivas”, sacrifícios e orações conduzem a unidade das três aspirações: “Dharma”, “Artha”
e “Kama”.
Quem uma vez teve ocasião de ouvir um daqueles admiráveis musicistas indianos, compositores e intérpretes
ao mesmo tempo, vocalistas ou instrumentistas, que, durante duas ou três horas, prendem a assistência com os
seus maravilhosos improvisos, nunca mais esquecerá esses instantes de arte sublime. A arte desses grandes
artistas representa uma grandiosa manifestação de liberdade criadora de disciplina intelectual, de um portentoso
cunho de nobreza. É claro que a apreciação de música indiana se torna impossível, quando se parte do ponto
de vista de música ocidental.
É inútil procurar, na música indiana, as características da nossa música: a variedade dos contrastes, a ênfase
dos pontos culminantes, o relevo quase espacial da temática, a dinâmica e articulação das frases e a
dramaticidade do desenvolvimento. Expressão de outro modo de viver, de uma outra maneira de pensar e sentir,
a música indiana revela um feitio fundamentalmente diferente da nossa.
Para poder penetrar na essência dessa música, é primeiro necessário habituar o ouvido do tipo de
expressividade e à estrutura da linguagem musical. É necessário habituar o ouvido ao ideal sonoro do indiano e
ao seu conceito de forma, que desconhece a simetria, o rigor geométrico e a quadratura.
Finalmente, é preciso acostumar o ouvido ao sistema intervalar, empregado pelo povo indiano, sistema de
caráter microtonal, pois a música indiana desconhece o temperamente igual, ou seja, a subdivisão da oitava em
11 intervalos iguais, que representa o fundamento da música do Ocidente.
A perfeição de todos esses elementos e da própria articulação da linguagem musical exige de nós tempo,
esforço e paciência e, principalmente, uma modificação completa do nosso comportamento diante das coisas da
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arte. Pois, ouvir música, na Índia, não significa gozar, sonhar, edificação passiva; mas sim, participação ativa,
penetração, vivência.
A música da Índia é modal. Modal era a música da Grécia antiga e da Idade Média. É música plana, lisa, bem
diferente em seu aspecto sonoro daquilo que estamos habituados a ouvir. Pois ele carece de “sensível”, de
tônica e dominante, no sentido da nossa harmonia funcional, e de toda aquela perspectiva sonora que
caracteriza a música tradicional de nossa cultura e atribui e ela um caráter de lógica e causalidade.
Já antes de 500 A.C, os indianos conheceram a escala heptatônica, isto é, de sete sons, cuja forma fundamental
denominaram de “Suddha”: SA(dó), RI (ré), BA (mi), PA (sol), DHA (lá), NI (si). A altura desses sons, no entanto,
não é absoluta, mas sim, relativa à do primeiro e quinto som, isto é, dependendo da altura do “graha” (som
inicial) e do “amsa” ou “vadi” (som central). E é por isso que tanto o “graha” quanto o “amsa” acompanharam
qualquer execução musical, a modo de um bordão ininterrupto, sendo eles reproduzidos no mesmo instrumento
ou em outro.
Resulta dessa concepção a classificação dos instrumentos indianos em quatro espécies:
1) Instrumentos melódicos, destinados a reproduzir a linha melódica, como vina, sitar e nagaswara. Exemplo:
Ravi Shankar, sitar.
2) Instrumentos de bordão, que reproduzem exclusivamente os sons “graha” e “amsa” ou a oitava do primeiro,
como sejam, tambura, ektar, dotar ou nosburg;
3) Instrumentos cujo objetivo é reforçar a linha melódica, como sarangi, esraj e outros;
4) Os instrumentos de percussão, geralmente afinados, que determinamos ritmo: mridanga, tabla, nagara,
damaru e outros.
Os “samans”, cantos do antigo Samaveda, deixam transparecer uma escala, cujo aspecto é aproximadamente o
seguinte: as duas notas postas entre parênteses são usadas alternadamente.
Os intervalos das escalas caracterizamse pelo número de “shruts”, microtons, tons menores do que um
semitom, que se colocam entre um som ou outro da escala, sendo que, entre dois sons sucessivos podem surgir
quatro, três ou dois “shruts”.
O Natya Sastra, o mais antigo tratado indiano da teoria musical, cuja autoria é atribuída a Bharata, o místico
criador da arte dramática, da dança e da música, descreve duas escalas fundamentais, denominadas “Sa
grama” e “Magrama”; isto é, escalas que se iniciam nas notas SA e MA, respectivamente, e cujo aspecto
intervalar, segundo o número de “shrutis”, é o seguinte: “Sagrama”: 4SA, 3RI, 2GA, 4MA, 7PA, 3DHA, 2NI. “Ma
grama”: 4SA, 3RI, 2GA, 4MA, 3PA, 4DHA, 2NI. O “Magrama” distinguese do “Sagrama” pela redução de
número de “Shrutis” entre as notas MA e PA e pela adição de um “Shruti” ao intervalo PADHA.
Por alteração ascendente e descendente dos sons, a escala fundamental (diatônica) pode ser ampliada a
formas escalares de 12, 22 e, em certos casos, até 30 sons. Dessas formas, a cromática de 12 sons parece a
mais importante. Ela dividese em dois tetratordes, isto é, grupos de quatro sons sucessivos, sendo que as notas
RI (ré) e GA (mi), no tetratorde inferior, e DHA (lá) e NI (si), no tetracorde superior, são as únicas que podem ser
alteradas. As notas MA não é levada em consideração, no processo de alteração, pois só permite alteração
ascendente de 2 “shruts” e representa o somlimite entre os dois tetracordes.
Por esse processo de alteração obtémse 12 formas diferentes do tetracorde inferior, que, combinadas cada
uma com um dos seis tetracordes superiores, geram as 72 escalas completas (“melas”), que constituem o
fundamento das “ragas”. A notação dos sete sons principais de SA a NI servese das letras “Nagari” do
sânscrito, postas na linha intermediária de um sistema de três pautas. Sons, alterados descendentemente, na
linha inferior. Um ponto colocado em cima da linha significa transporte na oitava superior. Colocado embaixo da
linha, transporte na oitava inferior.
O “raga” é o modo da música indiana, isto é, uma série de sons, derivada do modo e organizada de acordo
como valor especifico dos intervalos, a fim de servir de fundamento, de elemento unificador da composição e da
melodia em particular (redundância).
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A palavra “raga” significa, originalmente, cor ou estímulo, e referese à cor e à ordem, que caracterizam a
melodia (timbre). O “raga” distinguese da escala por uma ordem, por assim dizer arbitrária, de sons e
intervalos, ascendentes e descendentes; pela omissão de determinadas notas da escala; por fórmulas
hexatonais (de seis sons) ou pentatonais (de cinco sons); pela deslocação do “amsa” ou “vadi”; e,
principalmente, pelo “dhvani”, isto é, conteúdo emocional. O “raga” simboliza ira, alegria, amor e outros
sentimentos humanos, assim como as estações do ano e as horas do dia.
Todas as características do “raga” concentramse na “murchhana” ou “that”, nomes dados à base do “raga”
expressa em notas, respectivamente, no sul e no norte da Índia. A escalabase de um tipo de “ragas” individuais:
disco Raga do Norte.
Nos séculos que seguiram a “Samgadeva”, uma das autoridades máximas da música clássica indiana (1210
1247), a música do norte, em conseqüência das constantes invasões de exércitos árabes maometanos,
começou a desenvolver estilo bem diferente da música do sul. Em linhas gerais, podese constatar que a música
do sul possui caráter mais intelectual do que emocional. Assim, também os “ragas” passaram a ser, no sul, cada
vez mais, valores puramente musicais, perdendo o seu significado emocional (Raga do Sul).
Destarte, sob o ponto de vista técnico, os “ragas” do norte e do sul definemse da mesma maneira. Em estilo e
atmosfera, no entanto, diferem uns dos outros, fundamentalmente.
Quatro fontes, muito provavelmente, deram origem às “ragas”: cantos regionais, criações poéticas, cantos
religiosos e composições de músicos profissionais. Ainda Rabindranath Tagore criou novos “ragas”, derivando
os de antigos cantos populares da Bengala. E o “Portuguese Tappa” compreende um grande número de “ragas”,
extraídos da essência melódica de antigas canções portuguesas.
Assim como o “raga” constitui o conceito fundamental da música indiana em relação à atmosfera e ao ambiente
da linha melódica, o “tala” representa o mesmo, pelo que toca o caráter do ritmo.
A música clássica indiana revela um conceito de tempo um tanto diverso do nosso. E não se deve esquecer que
o elemento temporal é essencial na música, a qual, antes de tudo, é realização do tempo.
Enquanto que, na música do Ocidente, se percebe, através do compasso e da distribuição de tempos fortes e
fracos, a pulsação de uma unidade métrica, periódica e sempre presente na música da Índia, freqüentemente,
essa pulsação métrica parece omitirse, no aspecto sonoro, o qual, dessa maneira, fica isento da quadradura
racional e aparenta uma flutuação mais contínua dos elementos temporísticos da composição, ou seja, metro e
ritmo.
E enquanto que, na música ocidental, se define o início da composição e se anuncia o fim do percurso musical, a
música da Índia parece ser uma música sem início e sem fim, que surge e desaparece por acaso, como se ela
nascesse de uma visão de sonho. Não é um mundo intencional que ela reflete, mas um mundo que se identifica
com a natureza, sem excluir a vida interior do homem. O conceito de tempo que nela se faz sentir é um conceito
psíquico, estreitamente ligado, porém, à prosódia e à matéria da linguagem e da poesia em particular.
O indiano desconhece os três conceitos de ontem, hoje e amanhã. Ele conhece apenas dois: “aj” e “kal”. “Aj”
significa hoje; e “kal”, tanto ontem, quanto amanhã. Na linguagem cotidiana, o indiano distingue passado e futuro
apenas pelas formas correspondentes do verbo.
Não existe, para ele, um tempo que passa e se torna passiva. Tempo, para ele, é presença que atua. Não há
ontem nem amanhã. Ambos integram o “mar” do tempo, indistinto e contínuo. E dele emerge, fugitivo como um
constante, o “aj”, o hoje.
Destarte, também a música não se baseia na relação antecedenteconseqüente, como ocorre na música
ocidental, mas sim, numa concepção para a qual todos os acontecimentos musicais representam uma presença
eterna.
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As relações dos elementos temporais, metro e ritmo, são os mesmos que caracterizam a estrutura da linguagem
e os modos de versificar, gênero de comunicação que dominava na Índia até o século 19, em todos os terrenos
da vida intelectual.
No sânscrito, assim como nos vernáculos, todas as sílabas estão classificadas segundo sua duração, sendo a
unidade de tempo o “matra” ou a terceira parte de uma pulsação.
Também na música da Índia, a unidade de tempo é o “matra”, e o tempo é contado pelo “akshara” ou sílaba.
Seis valores notas ou “angas”, de diferente duração e diferente número de “aksharas”, constituem a base da
parte rítmica da composição musical:
Rítmica Indiana
“Angas”
Anadruta....................1 Akshara.........1/4 Matra
Druta..........................2 – Akshara.........1/2 Matra
Laghu.........................4 – Akshara.........1 Matra
Guru...........................8 – Akshara..........2 Matra
Pluta...........................12 – Akshara........3 Matra
Kakapada...................16 – Akshara.........4 Matra
Igualando o “laghu” a uma semínima, obtémse a seguinte ordem rítmica:
Anadruta = semicolcheia
Druta = colcheia
Laghu = semínima
Guru = mínima
Pluta = mínima pontuada
O fato de o indiano desconhecer o compasso, no sentido da nossa música, e considerar, no sentido da nossa
música, e considerar a seguinte série, por exemplo, série que, no Ocidente, poderia ser dividida em quatro
compassos quaternários – um todo atribui ao ritmo, freqüentemente, um aspecto de irregularidades, pois para o
indiano – dos quatro períodos apenas três (“Trital”) – resulta o seguinte esquema: vocalistas e tamboristas
conservam o esquema fixo na memória, variandoo, simultaneamente, o mais possível, por meio de subdivisões
das unidades de tempo. No primeiro tempo acentuado, porém, de cada período, devem unirse um ao outro,
ponto de grande importância na estrutura rítmica da composição, por isso, denominado “sam”, isto é, “junto”.
No norte da Índia encontramse um grande número de “talas”, isoladas ou independentes, como os que se
seguem: Chautala, Dadara Tala e Dhamar, enquanto que, no sul, onde as manifestações artísticas tendem mais
para o intelectual do que para o emocional, os musicistas elaboram um sistema de 35 “talas”, chamados
clássicos, que consta de sete formas fundamentais, que possibilitam, cada uma, cinco variantes.
Eis sete “talas” principais e seus “angas” característicos:
“Talas”.
Dharuva.........laghu, drutas, laghu, laghu. (mínima, colcheia e 2 mínimas).
Madhya..........laghu, drutas, laghu. (mínima, colcheia e mínima)
Rupaka...........drutas, laghu. (colcheia e mínima).
Jhampa........... laghu, andruta, druta. (mínima, semicolcheia e mínima).
Triputa.............laghu, druta, druta. (mínima e 2 colcheias).
Ata...................laghu, druta, druta. (mínima e 2 colcheias).
Eka...................laghu, laghu, druta, druta. (2 mínimas e 2 colcheias).
O “laghu”, no entanto, variam com o número de seus “jati”, isto é, valores de tempo, que podem passar a ser 3,
4, 5, 7 e 9, recebendo então o nome de “Trisra laghu”, “Chaturasta laghu”, “Khanda laghu”, “Sankirna laghu”,
“Misra laghu”, e possibilitando, assim, as variantes dos sete “talas” principais.
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O “avarta”, isto é, o tala completo, é composto de um determinado de número de “vibhagas” ou valores de
tempo, dos quais um é acentuado e leva, no norte, o nome de “sam” e no sul, o de “muktay”.
O valor do tempo antes do “sam” é chamado de “khali”, pois estes, habitualmente, está sendo indicado pelo
musicista por um gesto ondulado da mão. Exemplo: solfejo.
Os indianos elaboraram todo um sistema de gestos manuais e digitais, com o objetivo de indicar os valores de
tempo e de organizar e articular a parte rítmica da composição.
Desse modo, o “anadruta” é contado por uma palma de mão (ghata), o “druta” por uma palma e por mais um
gesto ondulado da mão (visarjitam), e o “laghu” por uma palma e a contagem dos valores restantes nos dedos
da mão.
Esse sistema rítmico causa uma sensação de continuidade que, na música ocidental, só se observa nas formas
da música medieval e do canto gregoriano em particular. É quando a métrica organiza o tempo, mas não o
articula. O metro é ordem, mas não é medida. Não é, para o indiano, um conceito de quantidade, mas um fato
de qualidade, a própria essência da música. Exemplo: ver esfera de acrílico transparente em Acronon.
Pois, refletindo um estado de alma como o faz também o tempo, linguagem – ele é, em primeiro lugar, um
tempo relativo à disposição psíquica do homem – isento da medida racional do relógio ou do metrônomo.
A música clássica da Índia é música improvisada. Por isso, a rigor, é música sem história. A ela faltam os
documentos de processo da obra musical, escrita e assentada no papel; pois, a cultura, possuidora de uma real
sabedoria, não se preocupa com a conservação de suas manifestações. A música da Índia é criação pura e
permanente. Todo musicista é compositor e, ao mesmo tempo, seu próprio intérprete. Assim ocorre também no
caso da planimetria.
Sua arte consiste na elaboração do material melódico, contido no “raga” escolhido, revelando sempre um novo
conteúdo sem ultrapassar os limites, a ele imposto pelas normas da teoria musical, profundamente enraizada no
pensamento hindu e na fé religiosa.
Essa extraordinária arte combinatória manifestase através da forma de um tema com variações ou de uma
forma rigorosa, antigamente ligada à poesia, que lembra a do nosso rondó. Esta última tem sua origem numa
antiga forma de “lied”, lenta e solene, denominada “Dhrupad”. É composta de duas a quatro partes, cujos nomes
são os seguintes: Asthai, Antara, Sanchari e Abhog.
O “Asthai” apresenta o tema principal, que volta, inteira ou parcialmente, durante a composição toda à maneira
de um “ritornello”. A ele juntase o “Antara”, expondo uma segunda idéia, diferente da primeira e, geralmente,
compreendendo notas do tetracorde superior. O “Sanchari” apresenta frases das partes anteriores, modificadas
ou não, sendo que o “Abhog” constitui uma espécie de “coda”, análaga ao “Asthai”.
“Khyal”, “Thumri” e “Tappa”, três outras formas da música indiana, distinguemse pouco do estilo do “Dhrupa”. A
diferença consiste, principalmente, numa maior liberdade de ornar a melodia e no caráter dos próprios
ornamentos, que se evitam, na medida do possível, no estilo grave do “Dhrupad”.
“Kirtan”, “Bhajana” e “Hori” representam formas de cantos religiosos e de invocação, cantos de amor místicos e
cantos de “Holi”, festa da primavera, respectivamente.
Antes de passar para a composição da forma musical, propriamente dita, o musicista improvisa o “Alap”, isto é,
uma introdução – que pode durar poucos minutos ou várias horas – conscientizando, nos ouvintes e neles
mesmos, o “raga” por ele escolhido, e sua lei, isto é, suas relações melódicas e intervalares.
Não há regras para a execução do “Alap”. Geralmente é apresentado em ritmo livre e sem o acompanhamento
de tambores. É através da improvisação do “Alap” que se manifesta o grande artista. Este sabe criar, por meio
de sua introdução, uma atmosfera capaz de levar o ouvinte a identificarse com o conteúdo melódico, de tal
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forma que o mínimo desvio da ordem dada pelo “raga”, no decorrer da composição, se faz sentir quase que
fisicamente.
Há “alapas” que pertencem ao mais profundamente musical que tenho ouvido. Improvisação pura, eles nunca
voltam e constituem e vivência de um momento criador. Exemplo: “Pandal Gosh”.
Todas as formas da música clássica indiana parecem ter nascido espontaneamente, como por um imperativo da
natureza. Elas lembram a arquitetura dos templos hinduístas, amontoados monumentais, de força elementar e
vegetativa. São verdadeiras formas sem forma, vagas na expressão, formas abertas que incluem todas as
possibilidades de realização.
Não há outra arte, onde liberdade e disciplina formam síntese tão feliz, com a criação musical indiana, na qual o
rigor de uma severa disciplina mental possibilita as mais generosas divagações do espírito. Música, na Índia, é –
e está – em toda parte. Exemplo: na planimetria de Koellreutter, a liberdade é improvisação, e a disciplina é feita
pelos diagramas, gestalten.
Não há acontecimento de espécie alguma, na vida do indivíduo ou da nação, sem manifestação musical. A
música faz parte da vida indiana e acompanha o homem desde o início até o fim de sua existência.
Profundamente enraizada na vida, ela representa um aspecto da vida espiritual do povo e só pode ser
compreendida em sua totalidade através de suas relações como pensamento indiano, isto é, com religião e
filosofia.
A música constitui, para o homem, o meio de unirse ao princípio original. É dessa maneira, que o homem
alcança a redenção definitiva. O princípio original criador, no entanto, o “Brahma” é “Nada” (som) em si e é, por
isso, chamado de “Anahatanada” (som não manifestado) ou “Nadabrahma”. Diferentes, mas não independentes
do princípio original, são os “Jivas”, a chama divina, que vive em cada ser individual.
A relação entre “Brahma” e “Jiva” está sendo comparada com a de um anel de ouro e o próprio ouro. Do
princípio neutro de “Brahma” nasce o criador, o qual paulatinamente, cria o Universo, hoje existente, um numa
série sem fim.
Sendo que ambos, “Brahma”, o criador, e os “Jivas” nasceram do “Nada”, eles são considerados, em sua
essência, o próprio “Nada”, isto é, o próprio som. Somente a ignorância eterna, sem início, da Humanidade,
constitui impedimento à compreensão dessa verdade.
Esse conceito, narrado por Samgadeva, em sua obra intitulada Sangita Ratnakara, dá uma idéia da relação
estreita, que existe na Índia, entre música, religião e filosofia.
A grande unidade que caracteriza a vida espiritual indiana reflete no caráter simbólico da atividade musical. Toda
a música indiana é simbólica, pois suas partes constitutivas são símbolos, nos quais duas possibilidades
fundamentais, que – vistas racionalmente – representam coisas diversas e pertencem a mundos diferentes, se
fundem formando psiquicamente um todo (a palavra grega “synbalein” significa coincidir, fundirse).
Os “ragas” simbolizam sentimentos humanos, as quatro estações do ano e as horas do dia. Os “Purca ragas”
simbolizam o período entre meiodia e meia noite; e os “Uttara ragas” o entre meianoite e meiodia.
O “Shriraga” simboliza o amor e o “Vasanta” a alegria. E a mitologia hindu relata que a deusa Sarasvati, a deusa
da música e das artes, reside no “laghu”. Shiva com sua esposa Parvati no “Curu”, e a Trindade hinduísta
Brahma, Shiva e Vishnu no “Pluta”.
A interdependência de todas as manifestações da vida espiritual hindu, assim como a idéia fundamental de que
“tudo é o mesmo”, atribuem à música indiana um aspecto de monotonia, que nos causa, freqüentemente, a
sensação de um movimento circular, de um girar em torno de um mesmo ponto.
O círculo, porém, é símbolo da alma. É símbolo de polaridade, do sempre, do sempre retornar a um mesmo
ponto, no ciclo das estações do ano, das horas do dia e no ciclo da vida e da morte.
É que a música indiana é a própria alma do povo indiano, uma comunicação mítica do seu ser.
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“Para nós, indianos, a música tem, acima de tudo, um significado transcendental. Liberta o espírito da influência
dos acontecimentos da vida; ela canta da afinidade entre a alma humana e as coisas do além. O mundo durante
o dia é como o músico ocidental: uma vasta e fluente harmonia, composta de concórdia e discórdia e de
numerosos fragmentos sem conexão. O mundo da noite é o nosso mundo, o da música indiana: puro e
profundo. Ambos nos comovem, apesar de serem espiritualmente diversos. Mas isso não se pode mudar, pois
todas as coisas em seu aspecto fundamental são divididas em duas partes: dia e noite, unidade e variedade,
finito e infinito. Nós, gente da Índia, vivemos no reino da noite; nós somos dominados pelo senso do uno e do
infinito. A nossa música leva o ouvinte além dos limites das alegrias e das aflições de cada dia, à solitárias região
da renúncia, que chega às raízes do Universo; enquanto que a música do Ocidente nos ensina uma variada
dança através do fluxo e refluxo sem fim de tristezas e alegrias humana” (Rabindranath Tagore).
Com estas palavras, Rabindranath Tagore caracteriza a música de seu povo, cujo aspecto irracional é
diametralmente oposta à tradição ocidental, em suas manifestações musicais clássicas e românticas.
Desconhecendo a precipitação, a intenção, o objetivismo, a finalidade, a intervenção e determinação, o povo
indiano conservounos, com sua cultura musical, uma fonte cujos valores espirituais ainda poderão tornarse
significativos para nós numa determinada fase de nossa história.
E, de fato, desde já, surgem, na música do Ocidente, tendências estilísticas, cujas particularidades lembram as
da música indiana: composição serial, princípio da variação permanente, afastamento da quadratura rítmica,
superação do princípio dualista e improvisação aleatória.
O musicista indiano não vê a fonte de criação no sentimental ou racional, mas sim no espiritual. Para ele, a
música existe antes de sua materialização pelo som. E este surge como ponte destinada a unir origem e
presente. Não importa o rigor das regras e dos princípios de realização musical. A música resulta livre,
espontânea e aberta, e, sobretudo, profundamente humana, pois o espírito é livre e abrese a tudo.
A música indiana é vivência, experiência imediata do que o homem não pode pensar racionalmente, pois o seu
fundamento é sem fundamento, e sua realização é saber sem saber. Muito podemos aprender, com a cultura
musical indiana, a respeito da função da arte na vida humana e na sociedade, a respeito das relações entre
homem e manifestação artística, entre forma e conteúdo, e a respeito da sua função como meio educacional.
O mais importante, porém, que podemos aprender é que a arte é o próprio homem e que ela só interessa na
medida em que irradia esse homem, como ser integral, como todo, e como resultado das forças que o
condicionam.
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Postado há 7th August 2011 por Nélio Tanios Porto
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