Educação Inclusiva
Educação Inclusiva
Educação Inclusiva
DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1984317813032017099
Patrícia Cardoso Macedo do Amaral Araujo - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
RESUMO
Este artigo contempla uma pesquisa bibliográfica no campo da Educação, mais especificamente da
área da Educação Especial, com o objetivo compreender como vem se dando a formação docente no
Brasil a partir da perspectiva da educação inclusiva. Tendo em vista tais questões, a pesquisa
bibliográfica, contou com referencial teórico de autores como Fernando Becker, Edgar Morin e
Boaventura de Sousa Santos. Foi empregada ainda a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky e de
autores que dialogam com essa abordagem a fim de encontrar em seus conceitos aporte para as
reflexões aqui apresentadas. O estudo indicou que a formação de professores, tanto a inicial como a
continuada, deve estar apta para produzir conhecimentos voltados para a prática docente que
aprimorem respostas para atender as demandas da diversidade dos alunos presentes na escola. A
indissociabilidade da teoria e da prática é o caminho para formar professores capacitados para o
pensamento crítico e reflexivo de sua ação pedagógica e criar possibilidades para atender, da melhor
maneira, as demandas existentes no cotidiano escolar.
ABSTRACT
This article contemplates a bibliographical research in the field of Education, specifically in the area of
Special Education, with the objective of understanding how teaching formation in Brazil has been
developed from the perspective of inclusive education. Considering these questions, the
bibliographical research, counted on theoretical reference of authors like Fernando Becker, Edgar
Morin and Boaventura de Sousa Santos. It was also used the historical-cultural perspective of
Vygotsky and of authors who dialogue with this approach in order to find in their concepts
contribution to the reflections presented here. The study showed that teacher training, both initial and
continuing, should be able to produce knowledge aimed at teaching practice that improves responses
to meet the demands of the diversity of the students present in the school. The indissociability of
theory and practice is the way to train teachers who are capable of critical and reflexive thinking of
their pedagogical action and create possibilities to better meet the demands of everyday school life.
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O Brasil vive a mais de 20 anos imerso em lutas e discussões intensas sobre o melhor
lugar para a escolarização de alunos com deficiências e outras características atípicas de
aprendizagem. Atualmente, o nosso país se encontra em um processo de consolidação de leis
que garantem o direito à educação de qualidade para alunos público-alvo da Educação
Especial no ensino regular no qual as escolas - que não podem negar a matrícula desse
alunado - precisam se adaptar para atender as suas necessidades educacionais especiais
(BRASIL, 2008, 2011, 2015; entre outros).
É certo que nem sempre ter necessidades educacionais especiais significa possuir uma
deficiência (física, intelectual ou sensorial). Qualquer indivíduo está sujeito em algum
momento da sua vida demandar um apoio educacional específico em seu processo de
aprendizagem. Para tornar mais claro nosso posicionamento, baseamo-nos no seguinte
conceito:
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foco dos apontamentos desse estudo. Nesse contexto, a pesquisa está baseada nos critérios da
pesquisa qualitativa e nos fundamentos da perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1993,
1997, 2010), que muito vêm contribuindo para pesquisas na área da Educação e,
principalmente, no campo da Educação Especial, como destacado por Hostins, Silva e Alves
(2016, p. 160-161):
De acordo com Gil (2008), “A escolha do problema de pesquisa sempre implica algum
tipo de comprometimento” (GIL, 2008, p. 36) e “O problema deve ser formulado como
pergunta” (GIL, 2008, p. 38) para focar a pesquisa nos dados e informações necessários na
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busca da (s) resposta (s). Nesse sentido, algumas indagações são valiosas para se pensar a
formação docente na perspectiva da educação inclusiva e contextualiza-la a partir da
construção do conhecimento e da ausência de consciência dos professores sobre este
processo: O que é epistemologia? O que é a inclusão escolar? O que seria uma epistemologia
da inclusão? Esse exercício de reflexão é relevante dado que o discurso da inclusão escolar já
faz parte do cotidiano dos sistemas de ensino e os professores são os sujeitos que atuam com
as mais diferentes especificidades encontradas nas salas de aulas.
O autor, com base nos estudos de Jean Piaget, salienta que só podemos conhecer
aquilo sobre o qual agimos, ou seja, temos conhecimento de algo que é o resultado de nossas
ações sobre ele, não o objeto de fato. Desse modo, a consciência é um "sistema de
significações".
professores como profissionais autônomos e reflexivos críticos, acreditando que suas práticas
pedagógicas podem - e devem - ser constantemente modificadas ou aprimoradas.
Apesar das mudanças nacionais obrigatórias nos currículos dos cursos de Licenciatura,
a inclusão escolar como um direito de todos à educação parece ainda não ser realidade. Essa
visão necessita ser conhecida por todos os educadores e pela sociedade em geral, para assim
ser compreendida e assumida de forma coesa e coletiva.
Desse modo, é preciso um preparo para atuar em situações jamais pensadas durante a
formação inicial, para lidar com a diversidade, a incerteza e a complexidade. Segundo Edgar
Morin (1996), é preciso uma constante abertura a novas interações e conectar os vínculos do
que já se conhece, ampliá-los e transformá-los para melhorar a qualidade de vida.
Santos (2004) defende que essa nova teoria crítica deve começar pela crítica do
conhecimento. E isso só acontece quando o sujeito toma o seu objeto do saber enquanto
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sujeito, como um igual perante seu observador. Dessa maneira, a ação do homem enquanto
ser social o faz adotar um conhecimento-emancipação no lugar de um conhecimento-
regulação (este último que regula o monoculturalismo e a ação conformista perante o saber)2.
Dado o exposto, temos esse novo paradigma sobre o conhecimento, que então, seria
uma perspectiva em que o pensamento está em aberto, aquele que está em processo, se
fazendo e se constituindo na sociedade e na história. Através da emancipação social,
construindo formulações para dar conta do presente, do aqui e agora, para além dos discursos
prontos da modernidade ou do pós-modernismo dominante. Tendo o aluno como um ser
social e não acadêmico, devemos ter em mente que existe uma grande distância entre a
“abertura escolar” e a inclusão escolar.
1 TEORIA E PRÁTICA
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Segundo Becker (1993), o centro do construtivismo (que nada está pronto ou acabado,
que o conhecimento se constitui pela interação indivíduo e meio, pelas relações sociais, etc.),
sendo este uma postura e não uma técnica ou método, reúne diversas correntes opostas a uma
educação tradicional e, majoritariamente, a prática manifestada pelos docentes. Em seus
estudos, ele constata que onde ocorre a chamada dicotomia entre teoria e prática, os
profissionais tendem a produzir uma prática tradicional de educação. A palavra tradicional por
si só não tem um emprego ruim, no entanto, o sentido legitimado de uma educação tradicional
é característico de uma educação autoritária e unidirecional.
Nos dias atuais, vemos ainda as implicações da racionalidade técnica, que se tornou
uma herança cultural impregnada na mente humana e nas instituições de ensino. Nelas, o
professor apenas aplica programas previamente elaborados e limitados por outros
especialistas (nem sempre da educação), quase sempre estranhos às práticas educativas
encontradas pelos alunos das licenciaturas, por conteúdos formais e cristalizados, currículos
que não valorizam a criatividade e a inovação do professor (MEDEIROS; CABRAL, 2006).
Para Giroux (1988, p. 23):
Deparamo-nos, então, com dois pontos que dialogam e se relacionam entre si: uma
cultura profissional marcada pela racionalidade técnica que supervaloriza o conhecimento
teórico e o pragmatismo ativista que exclui a formação teórica e a reflexão filosófica. Em
virtude do que foi mencionado, como conciliar o que temos aprendido com o que
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encontramos de fato no "chão da escola"? Como aplicar as pesquisas, estudos e teorias à uma
realidade tão distinta do que está escrito?
Seja para o professor da escola básica ou para o professor que está formando o
professor que irá atuar no ensino de base, o grande problema está em achar que a solução está
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Para a inclusão escolar ter êxito, Capellini e Mendes (2007, p. 123-124) apontam que
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Logo, como já apresentado, a Educação Especial deve atuar como sistema de suporte
que a escola comum oferece para atender às necessidades educacionais especiais de seus
alunos e contribuir para promover a sua aprendizagem. Assim, como analisa Pletsch (2011),
faz-se necessário a garantia de formação inicial e continuada, tempo de interação e
planejamento conjunto aos professores que trabalhem com os alunos com deficiências, bem
como a todos os profissionais da unidade escolar. A inclusão deve ser entendida e assumida
como responsabilidade coletiva de toda comunidade escolar.
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A autora faz uma reflexão sobre a suficiência (ou insuficiência) dessas disciplinas para
a formação profissional daqueles que irão trabalhar com os mais diversos tipos de alunado,
além das demandas próprias de uma sala de aula do ensino comum. A partir desse
questionamento e com os resultados da pesquisa realizada com estudantes de Pedagogia -
após cursarem disciplina sobre Fundamentos da Educação Inclusiva -, Fonseca-Janes (2009,
p. 75) aponta “indicativos de que devemos repensar a formação holística e específica dos
pedagogos, sejam eles nos cursos de graduação ou pós-graduação” (FONSECA-JANES,
2009, p.75).
Como Caetano (2009) e Baptista (2006), entendemos que a universidade (tanto pública
como privada) necessita provocar seus alunos e futuros professores a refletir sobre situações
educacionais que rompam as barreiras do estranhamento, da classificação e dos preconceitos.
A escola inclusiva é o espaço de todos, similarmente, os cursos superiores precisam ser
espaços de formação para o trabalho com toda a diversidade de sujeitos, assim, como lembra
Caetano (2009, p. 72), “traduzir a educação inclusiva das leis, dos planos e intenções para
nossa realidade requer produção de conhecimento e prática, tarefa essa da pesquisa científica
e, mais especificamente, para as universidades brasileiras” (CAETANO, 2009, p. 72).
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Atualmente as duas únicas universidades públicas que oferecem curso de licenciatura em Educação
Especial são a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desde 1984, e a Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), desde 2009. A formação do especialista em Educação Especial é aceita em
níveis de graduação e pós-graduação (lato sensu e stricto sensu). Nessas modalidades, várias
instituições de ensino oferecem o curso de especialização na área e muitas várias universidades
públicas e privadas oferecem linha ou núcleo de pesquisa específicos em Educação Especial, mas
apenas a Universidade Federal de São Carlos possui um Programa de Pós-Graduação em Educação
Especial.
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A formação continuada, por sua vez, precisa continuar aquilo que já foi, de alguma
maneira, visto na formação inicial. Logo, as discussões em torno dos processos de
desenvolvimento humano e da diversidade tem que ter espaço nos cursos de graduação de
forma contextualizada e levando em consideração as especificidades advindas das mais
variadas necessidades educacionais especiais e das deficiências de uma escola que há bem
pouco tempo era o lugar de poucos, e não de todos os sujeitos.
Os cursos de formação para professores especialistas têm que trabalhar para que os
futuros docentes sejam vistos como pertencentes ao ambiente escolar e precisam entender que
seus conhecimentos de forma descontextualizada e sem articulação dentro da escola não
levarão a uma educação de qualidade. Igualmente, as disciplinas presentes nos currículos
generalistas de cursos de formação de professores precisam englobar discussões sobre as mais
variadas especificidades encontradas na escola. Segundo Bueno, (1999, p. 07):
Abordamos aqui aspectos de grande valia para a formação docente. Por isso, é
importante pontuar que, independentemente do nível e tipo de formação, os cursos para
professores precisam discutir as necessidades educacionais especiais deixando claro que na
diversidade existem especificidades. É sabido que existe diversidade na escola e que demanda
um trabalho. Todavia, quando não se discute na prática os caminhos possíveis da
escolarização de alunos com deficiência, o conceito de diversidade acaba perdido em seu
próprio discurso.
Enquanto ainda estudante, o futuro professor precisa observar em sua formação que o
que ele está aprendendo é funcional para os alunos, tanto aqueles que possuem ou não
deficiências. Não estamos clamando pela tão falada “receita” de como e quando fazer. Porém,
estamos afirmando que quanto mais o indivíduo conhece conceitos, estratégias e recursos para
trabalhar com a diversidade do alunado, mais ele poderá criar (ou recriar ou até reproduzir)
possibilidades para os alunos de uma escolarização com qualidade.
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entre as discussões teóricas e a realidade prática. Eles (e todos nós) precisam entender e
acreditar que é possível realizar o trabalho educativo e a inclusão escolar de alunos com
deficiência nas salas regulares. E, para tornar isso uma prática constante, precisam ter
recebido – e receber constantemente – o embasamento teórico norteador.
Não podemos perder de vista que as concepções que o professor possui fazem parte do
tipo de conhecimento que ele construiu a partir de sua formação como aluno e como
profissional. Ou seja, o modo como os cursos de formação inicial entendem o trabalho com a
diversidade é um ponto crucial na inferência da constituição docente. E mais, tudo isso será
refletido de alguma forma no contexto da escola, na relação entre o professor e o aluno e na
construção do conhecimento e da aprendizagem.
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A formação de professores, tanto a inicial como a continuada, deve estar apta para
produzir conhecimentos voltados para a prática docente que aprimorem respostas para atender
as demandas da diversidade dos alunos presentes na escola. A indissociabilidade da teoria e
da prática é o caminho para formar professores capacitados para o pensamento crítico e
reflexivo de sua ação pedagógica e criar possibilidades para atender, da melhor maneira, as
demandas existentes no cotidiano escolar.
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dinâmica ordinária da escola. É certo que trabalhar com a individualidade que a Educação
Especial preconiza, contraria tudo que a linearidade da escola moderna foi constituída e
acredita (MOTTA, 2010). A escola é parte da sociedade que a envolve e, por isso, coexiste
com ela e não sozinha. A tão desejada escola inclusiva é possível, mas só teremos uma
sociedade inclusiva no dia que não for mais preciso falar sobre inclusão.
Com isso, não estamos defendendo uma realidade escolar utópica, só estamos
desejando que a escola – particularmente, a escola pública - seja coerente com o que se prega:
uma educação de qualidade para todos. E, a qualidade para todos não é moldar seus alunos em
uma mesma forma para que saiam todos iguais, mas sim, garantir o direito do aluno de estar
ali até o último ano de escolaridade, ainda que ele não alcance as expectativas que foram
pensadas para outros.
Por fim, a educação precisa ser pensada para os alunos, não para tipo ou tipos de
alunos, em que todos devem ser entendidos como sujeitos únicos e que, como tais, possuem
especificidades. E, quando a formação de professores e a escola deixar de lado o medo do
diferente, parando de olhar o outro pelo viés da negação e da impossibilidade, novas
configurações serão construídas. É urgente a normalização desse processo, colocar a educação
inclusiva como algo que faz parte do projeto da educação básica, independentemente, do
aluno com necessidade educacional especial existir ou não.
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Recebido em 31 de maio de 2017
Aprovado em 03 de setembro de 2017
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