É Preciso Conversar para Aprender PDF
É Preciso Conversar para Aprender PDF
É Preciso Conversar para Aprender PDF
Storelli
2
© 2018 BiosLogus
É proibida a reprodução total ou parcial desta
publicação, para qualquer finalidade, sem
autorização por escrito do autor.
1ª. Edição, 2018.
Ficha Catalográfica
ISBN:
CDD: 120
CDU: 16
3
Apresentação
Você conhece alguém que não gosta de
estudar, que não sente prazer em ir à escola e só
faz isso por obrigação? E alguém que tem
“dificuldade de aprendizagem”, se sente “burro”
ou “incapaz de aprender”?
4
Minhas reflexões a este respeito e a busca
por uma melhor compreensão sobre a
aprendizagem me levaram a escrever este texto,
que compartilho agora com você.
Este é um livro para todos aqueles que se
interessam por compreender os fenômenos
cognitivos, dentre eles a aprendizagem, ou que
buscam uma compreensão mais profunda sobre
quem somos nós, os seres humanos. Espero que
você goste!
5
pensar sobre a cognição, o aprender e o ensinar,
dentre outras implicações.
6
no viver não é possível distinguir entre
erros, ilusões e percepções, e isso é algo
constitutivo da cognição humana;
7
Tudo o que é dito é dito por alguém
"Tudo o que é dito, é dito por alguém". Este
aforismo faz referência ao fato de que toda
reflexão é uma ação humana realizada por alguém
em um momento histórico específico, seguindo
uma ‘deriva natural’1 [1].
1
Utilizarei as aspas simples para identificar termos que posteriormente
vou explicar que têm uma significação específica para a Biologia-Cultural
do Conhecer.
8
pesquisador, articulando sua produção intelectual
a partir da minha perspectiva, já que “tudo o que
é dito é dito por alguém”.
Modo de Usar
O ideal é que este livro seja lido na
sequência como está escrito, mas tendo em vista
seu relativo volume, as informações a seguir
permitirão a você definir sua própria estratégia de
leitura.
9
nas seções precedentes. Se voicê quiser pode
começar sua leitura por esta sessão e depois
voltar à Introdução e prosseguir a partir daí. Esta
á a principal sessão do livro, tendo em vista seus
objetivos.
http://www.bioslogus.com.br/e-preciso-conversar-para-aprender.html
2
Minha “inquietação” fez com que não concluísse algumas destas
formações, mas faço referência a elas porque fizeram diferença e
influenciaram na escrita deste texto e no meu conhecer.
10
compreender o ser humano como sujeito
biológico-cultural e realizar pesquisas que
integram as neurociências cognitivas, a psicologia
e a educação, além de ter interesse pela área de
tecnologias aplicadas ao ensino.
11
Agradecimentos
Várias pessoas significativas são citadas no
corpo do texto, minha gratidão à todas elas.
Agradeço a meu pai e a minha mãe por
permitirem o meu viver e por me presentearem
com minhas irmãs.
12
“viagens intelectuais” da minha vida. Só quem
assistiu às suas aulas sabe o prazer que é
possível vivenciar aprendendo Fisiologia.
Gratidão!
Celimara Gamba Lima e Laura Araújo
Tome, minhas parceiras e amigas queridas, só
vocês vão entender plenamente o significado de
muitas das reflexões que vou compartilhar aqui.
13
Sumário
I Introdução ........................................... 16
O conhecer e as percepções ................................................... 19
Não vemos que não vemos, tampouco o que os outros vêem 22
Sensações, Percepções e a Biologia do Conhecer .................... 26
Auto Referência, Autopoiese e Criação de Mundos ................ 40
Deriva Natural e Determinismo Estrutural .............................. 47
Determinismo Estrutural: uma concepção que incomoda muita
gente ...................................................................................... 50
A Biologia-Cultural e a Biologia-Cultural do Conhecer ............. 52
Teorias e Redes de Conversações ........................................... 57
Professor e pai de alunos ........................................................ 60
Educação e sofrimento ........................................................... 69
O Aprender é uma Questão Conceitual ................................... 80
O Método Científico e a Objetividade ..................................... 84
(Objetividade) e Determinismo Estrutural .............................. 86
Meu Objetivo e Estratégia Metodológica ................................ 89
Critérios de Validação das Explicações Científicas ................... 93
14
Cultura, Sentires Íntimos e Estados Psíquicos ....................... 200
Cultura e Aprendizagem Cultural .......................................... 203
Leitura .................................................................................. 205
Aprendizagem Socialmente Mediada e Ensino ..................... 206
Imitação, Emulação e Pedagogia Natural .............................. 208
Mas afinal, quem é o Ser Humano que aprende? ................. 212
Domínios Fenomenológicos projetados no Domínio do
Observador .......................................................................... 214
Domínios Fenomenológicos, Dinâmicas do Viver e Unidades 218
Unidades Simples e Compostas ............................................ 226
Um quinto parêntese para reflexão ...................................... 232
De volta ao fluxo do texto e aos Sistemas Autopoieticos
Moleculares ......................................................................... 236
Intersecção Estrutural, Unidades Conceituais e Concretas ... 243
Um sexto parêntese para reflexão........................................ 247
De volta ao fluxo do texto e ao Observar e o Observador ..... 255
Ontogenia e Acoplamento Estrutural ................................... 258
15
I
Introdução
16
Conscientemente ou não nossa grande
busca como seres humanos reflexivos tem sido
pelo conhecimento da ‘realidade’ que nos cerca,
pelo conhecimento de nós mesmos, pela
compreensão da natureza de nossa existência e
do mundo ao nosso redor, de onde viemos e para
onde vamos. Seja como humanidade, ou num
certo momento de nossa existência individual,
estas questões nos tocam e então buscamos
explicações para elas. E nossas reflexões podem
nos levar a questionar sobre nosso próprio
refletir, ou num sentido mais específico, sobre
nosso próprio ‘eu’ e como ele se manifesta e se
realiza: como conhecemos, pensamos, refletimos,
percebemos, agimos, sentimos, nos emocionamos,
aprendemos e lembramos.
17
[3]. No mesmo sentido, Paulo Freire diz que não
pode existir uma teoria que norteie a
aprendizagem e o ensino que esteja isenta de uma
concepção de homem e de mundo [4]. Antes de
iniciar minhas reflexões preciso especificar as
concepções sobre o viver, sobre o mundo, sobre o
ser humano que é o sujeito que aprende, e as
teorias e domínios lógicos que identifico em
minhas explicações e reflexões.
18
O conhecer e as percepções
Vou considerar inicialmente que conhecer,
ou ter uma cognição, implica ter percepções (ou
perceber) a respeito do mundo que nos cerca.
Conscientemente ou não a maioria de nós assume
que há uma realidade pré-existente e comum a
todos nós, passível de ser percebida e
compreendida.
3
Inicialmente vou tratar as sensações e percepções como sinônimos, mas
posteriormente farei uma distinção importante entre ambos fenômenos.
19
Figura 1. Duas pessoas observam um objeto do qual provém
estímulos que o Sistema Nervoso de cada uma delas utiliza
para construir percepções e conhecimentos a respeito de
uma realidade pré-existente e compartilhada. Nesta
perspectiva, são os estímulos que determinam nossas
percepções. Fonte: elaborado pelo autor.
20
curiosos já não encontravam uma explicação
satisfatória dentro deste paradigma.
21
através das explicações científicas que também
devem ser aprendidas.
22
ao movimento, como no caso de alguém
observando um carro se movendo em sua direção
enquanto outro alguém observa o mesmo carro se
posicionando lateralmente ao movimento. Então
vou simplificar as coisas e convido você a realizar
um experimento simples.
23
lateralmente, de forma alternada, num plano
horizontal. Como isso é possível?
24
sobre um “ponto cego” que há na retina, que é
uma região onde não há receptores nervosos
(procurte no Youtube por “A cabeça que
desaparece (ponto cego) (ilusão)”, ou visite
https://goo.gl/zyn1KG. Preste atenção à explicação
que ele dá para este fenômeno. Ou visite
www.bioslogus.com.br/ilusoes-de-optica-que-nao-
sao-ilusoes para ver outros exemplos.
25
Sensações, Percepções e a Biologia
do Conhecer
A Biologia do Conhecer é um
agrupamento teórico no qual destacam-se dois
constructos principais: a Teoria da Autopoiese e
a Deriva Natural [3]. Suas bases estão nas
atividades realizadas pelo pesquisador chileno
Humberto Maturana entre os anos de 1950 e
1960, na busca da resposta para duas questões:
26
assumiam em suas explicações que há uma
realidade objetiva, independente e externa aos
animais, mas que pode ser percebida por eles, e
que a percepção é um processo de captação de
informações a respeito desta realidade, a partir
das quais os animais podem computar
comportamentos adequados frente diferentes
situações e contextos (denominados de
comportamentos adaptativos) [5].
5
Meio interno é todo o meio extracelular no qual estão inseridas todas as
células de um organismo. Ele é formado pelo líquido intersticial (que está
entre as células) e pelo plasma (que é o líquido que circula no interior dos
vasos sanguíneos).
27
Figura 3. Alguns dos diferentes tipos de receptores nervosos
e as sensações e percepções às quais estão relacionados.
SNC é a sigla para Sistema Nervoso Central, que é uma
porção funcional do Sistema Nervoso que inclui o encéfalo e
a medula espinhal, e é responsável pelo “processamento das
informações”. A região receptora é aquela que entra em
contato com os estímulos. Fonte: elaborado pelo autor.
28
impulsos nervosos, é referida como sendo sua
função de transdução sensorial.
6
O que equivale a dizer: através das sinapses, e neste caso específico,
através das sinapses químicas.
29
outros, sendo responsáveis por diferentes funções
sensoriais, motoras e cognitivas7.
7
As funções cognitivas envolvem muitas vias e estruturas nervosas, não
permitindo uma concepção tão “localizacionista” e simplificada como
estou apresentando. Além disso, as sensações e ações são
reciprocamente dependentes, o que é discutido com mais profundidade
em [6,7].
8
O sistema somatossensorial conduz “informações” de receptores de
toda superfície corporal, articulações, músculos esqueléticos e tendões, e
está envolvido na determinação do tato, dor, temperatura e
propriocepção (percepção da posição do corpo no espaço e do seu
movimento).
9
O sistema vestibular está envolvido na determinação da posição da
cabeça no espaço e na ‘percepção’ do seu movimento angular, e contribui
para a modalidade sensorial do equilíbrio.
10
O córtex cerebral é a região mais externa do cérebro.
30
Figura 4. Figura mostrando as diferentes áreas sensoriais
primárias no córtex cerebral e as sensações e percepções
com as quais estão envolvidas. Fonte: adaptado a partir de
https://goo.gl/NHiXPk.
31
compreender de que forma os atributos dos
estímulos são “processados” ou “computados” na
via em questão, dando origem à diferentes
aspectos ou submodalidades sensoriais. Por
exemplo, a modalidade sensorial denominada tato
apresenta submodalidades que são a
discriminação da localização do estímulo, sua
intensidade e pressão, enquanto a modalidade
sensorial denominada visão apresenta as
submodalidades de cor, forma e posição. Vou
denominar esta abordagem explicativa de
Princípio da Linha Rotulada, ou das Energias
Sensoriais Específicas. Ela está representada na
Figura 5 a seguir.
32
padrões de atividade elétrica no Sistema Nervoso.
Eles acreditavam que estes atributos eram
responsáveis por determinar tanto as percepções
como os consequentes comportamentos
adaptativos frente os estímulos.
33
movimentos verticais. A conclusão foi que a
atividades dos neurônios era determinada por
características dos estímulos, e que certos
neurônios estavam envolvidos na codificação da
informação que levava a percepção de
movimentos horizontais enquanto outros, na
percepção de movimentos verticais.
11
Filogeneticamente pode ser compreendido como “em termos
evolutivos”, considerando que há uma evolução das espécies nas quais os
mamíferos (como os seres humanos) e aves (como os pombos) são
organismos mais “recentes” do que as rãs (que são anfíbios).
12
Axônios são os prolongamentos dos neurônios que fazem conexões
sinápticas com outros neurônios (ou também com células musculares e
secretoras).
34
direção ao cérebro, onde estas “informações” são
“processadas”, determinando à percepção visual.
35
cores (outra submodalidade sensorial da
percepção visual). Para isso, os pesquisadores
apresentavam aos pombos discos com diferentes
cores. Diferentes grupos de pombos eram
treinados a bicar discos com cores específicas e só
em função disso recebiam alimento. Esta era uma
forma de “saber” que os pombos eram capazes
identificar discos de cores diferentes, ou seja,
uma forma indireta de avaliar sua percepção de
cores.
36
organismo, e que estes pesquisadores supunham
serem os responsáveis por determinar as
percepções) e a atividade elétrica do Sistema
Nervoso (interna ao organismo), o que eles
encontraram foi uma correlação entre a atividade
elétrica do Sistema Nervoso (interna ao
organismo) e a percepção visual (também interna
ao organismo).
37
atividade da própria rede13 durante as interações
do organismo com seu ambiente.
13
Explicarei a seguir que as percepções pertencem a um outro domínio
fenomenológico, que não aquele no qual opera o sistema nervoso.
38
humanos, e não uma limitação do operar do seu
Sistema Nervoso [2, 12 e 13].
14
A Neuroifisiologia da Cognição: uma visão abrangente.
15
Biologia da Cognição.
39
determinada pela estimulação periférica de
receptores nervosos, mas é “fruto de uma
simulação interna do cérebro” que “emerge como
consequência de um padrão altamente distribuído
de atividade elétrica cortical” [6]16.
40
A autopoiese diz respeito às relações que
ocorrem em uma rede de componentes
moleculares operacionalmente fechada (auto
referida ou com ‘organização circular’), que
produz os componentes necessários ao operar da
própria rede como unidade discreta no espaço.
Nas palavras de Maturana e Varela:
41
vivo e tudo o que se passa com eles (seja na
solidão do seu operar como unidades autônomas,
nos fenômenos de suas interações com o
ambiente, ou na convivência com outros
organismos) surge e se concretiza neles mesmos
através de sua realização individual como
unidades autônomas, como ‘entes’ auto referidos
[15].
42
Biologicas del Conocer” 18, lançado em 1984.
Mesmo se tratando de um livro introdutório e de
divulgação científica, ele “traz os principais
conceitos da Biologia do Conhecer, elaborado com
uma argumentação que os apresenta de modo
progressivo no texto” [3].
18
A Árvore do Conhecimento: as Bases Biológicas do Conhecer.
43
mais acessível de “experienciar” as conclusões do
artigo de 1968 citado anteriormente.
44
inativo, ao que denominamos de supressão
sacádica. Veja que se isso ocorre dessa forma a
coisa se torna mais interessante ainda, pois além
de um “ponto cego morfológico” na retina
(comentado anteriormente) há vários “pontos
cegos funcionais”, que correspondem a essa
descontinuidade no funcionamento do
“processamento de informações” pelo sistema
visual. Ocorre que mesmo assim nós temos uma
experiência de continuidade na percepção visual
graças ao fenômeno da integração trasnsacádica,
que diz respeito a integração das informações
obtidas no intervalo entre as sacadas (quando os
olhos estão parados), desconsiderando o
“desligamento” que ocorre durante as supressões
sacádicas.
19
Pretendo aprofundar minhas reflexões a respeito dessa abordagem
teórica em trabalhos futuros, e suas relações com a Biologia do Conhecer,
a Biologia-Cultural e a Biologia-Cultural do Conhecer.
45
transacádica, é que você vê os seus olhos
parados. Enquanto isso, quem está observando o
movimento dos seus olhos não tem acesso ao
plano dos movimentos que estão ocorrendo com
você, logo, para esta pessoa estes movimentos não
são esperados e são “computados” como parte da
percerpção. Vou voltar a falar sobre isso, mas esta
forma de explicar admite que não são os
estímulos externos que determinam nossas
percepções, mas sim os estados de atividade
neural gerados internamente pelo próprio Sistema
Nervoso em sua clausura operacional.
46
(...) nossa experiência está indissoluvelmente
atrelada à nossa estrutura. Não vemos o “espaço”
do mundo, vivemos nosso campo visual; não
vemos as “cores” do mundo, vivemos nosso
espaço cromático. Sem dúvida nenhuma (...)
estamos num mundo. No entanto, quando
examinarmos mais de perto como chegamos a
conhecer este mundo, descobriremos sempre que
não podemos separar nossa história das ações –
biológicas e sociais – a partir das quais ele aparece
para nós. [1]
47
conservación y cambio de fenótipos
20
ontogenéticos” . No livro os autores aprofundam
as reflexões iniciadas no livro “A Árvore do
Conhecimento” no que diz respeito a uma nova
abordagem para a evolução dos seres vivos
através de uma deriva natural: um contínuo
processo de acoplamento estrutural entre
organismo e seu nicho ecológico, com variações
estruturais e manutenção da autopoiese e da
adaptação, no qual não há um propósito ou
finalidade (como a adaptação ao meio, ou a
manutenção do fitness21), mas um “vir a ser”
determinado a cada momento pela estrutura
daqueles que interagem (organismos entre si, ou
organismos e ambiente). Dentro desta
perspectiva:
20
Origem das espécies por meio da deriva natural, ou a diversificação das
linhagens através da conservação e mudança de fenótipos ontogenéticos.
21
O conceito de fitness é um refinamento da ideia de sucesso
reprodutivo, e será explicado a seguir.
48
No encontro entre as explicações da Teoria
da Autopoiese e da Deriva Natural, a Biologia do
Conhecer considera que nós, os seres humanos,
vivemos nosso viver como sistemas autopoieticos
moleculares num contínuo “vir a ser” não
propositivo, em constante mudança estrutural
(que constitui nossa ontogênese), mas mantendo
nossa autopoiese e nossa adaptação ao meio.
Além disso, tudo aquilo que acontece conosco é
determinado por nossa estrutura presente e pelos
nossos emocionares, que são predisposições para
a ação. Consequentemente, os estímulos
provenientes do mundo (os estímulos sensoriais),
ou provenientes de outros seres humanos (através
de processos comunicacionais, durante as
interações sociais), não podem ser considerados
portadores de “informações”, por não serem
capazes de determinar quaisquer fenômenos nos
organismos sobre os quais atuam. Eles agem
como perturbações (ou agentes perturbadores)
que desencadeiam ou “gatilham” fenômenos
determinados pela ‘estrutura’ sobre as quais
atuam, ou seja, eles guiam, induzem ou
desencadeiam o curso das mudanças estruturais,
sem as determinar. Isso constitui o que a Biologia
do Conhecer denomina determinismo
estrutural.
49
Determinismo Estrutural: uma
concepção que incomoda muita
gente
A palavra “determinismo” gera muito
incômodo e controvérsia, pois parece se opor aos
conceitos de “liberdade” ou “livre-arbítrio”. Vamos
então abrir mão de algumas “certezas” e
conversar a respeito para compreender a que se
refere esta concepção.
50
outra forma, conscientemente ou não assumimos
que há um determinismo estrutural.
51
que este ouve, já que esse é um fenômeno
determinado pela ‘estrutura’ deste último.
A Biologia-Cultural e a Biologia-
Cultural do Conhecer
Após se afastar de suas atividades na
Universidade do Chile, em 2000 Maturana funda
com Ximena Dávila o Instituto Matríztica (em
Santiago do Chile), como “um laboratório
transdisciplinar para o estudo do humano” [13]. Ali
aprofunda reflexões, já iniciadas no livro “A
Árvore do Conhecimento” de 1984 sobre os
fenômenos sociais, a linguagem e a cultura, e
propõe uma série de explicações que constituem a
Biologia-Cultural, que fica conhecida a partir do
livro “Habitar Humano em Seis Ensaios de
Biologia-Cultural”, de 2008 (uma coautoria entre
Maturana e Dávila).
52
básica que permite aos seres humanos serem o
que são a partir do seu conviver no linguajear22 e;
especificam uma série de Eras Psíquicas da
Humanidade, correspondentes a diferentes
emoções (emocionares) valorizadas e
compartilhadas por diferentes culturas.
22
No decorrer dos anos Maturana opta por usar verbos ao invés de
substantivos, por motivos que ficarão mais compreensíveis a seguir.
Durante o texto será comum que os seguintes termos sejam substituídos:
“amar” ao invés de “amor”, “linguajear” ao invés de “linguagem”,
“emocionar” ao invés de “emoções”, dentre outros. Daí minha escolha
por utilizar “aprender” ao invés de “aprendizagem”.
23
A Árvore do Viver.
53
a partir de uma configuração específica de
sentires. Em 2015 estes autores reafirmam que:
54
A epistemologia unitária oferece uma base
para a compreensão sobre o ser, o fazer e o
conhecer humano, como ser biológico-cultural,
considerando a indissociabilidade entre sua
dimensão biológica (como sistema autopoietico
molecular) e cultural (em seu viver no
entrelaçamento entre o emocionar e o linguajear,
que constitui o conversar). Ela integra as
explicações de Maturana desde seus estudos
neurobiológicos, “passando” pela Biologia do
Conhecer e pela Biologia-Cultural, trazendo,
ampliando e reestruturando novas concepções,
como uma deriva histórica das suas reflexões em
colaboração com Francisco Varela, Jorge
Mpodozis e Ximena Dávila. Ela será o arcabouço
teórico, ou o ‘domínio lógico’, sobre o qual farei
minhas reflexões e que constituem o fundamento
daquilo que denomino e proponho como a
Biologia-Cutlural do Conhecer.
55
Figura 6. Esquema representando os domínios lógicos que
constituem a Biologia-Cultural do Conhecer. Adaptação do
autor a partir de [3].
24
Para uma discussão aprofundada sobre a Biologia do Conhecer e as
obras de Humberto Maturana sugiro a leitura da tese “Biologia do
Conhecer: Fundamentos de uma Teoria Biointeracionista sobre a
Cognição para Ensino de Ciências da Natureza” [3].
56
Teorias e Redes de Conversações
Como seres biológico-culturais o que nos
diferencia dos demais seres vivos é o fato que
vivemos no entrelaçamento entre o linguajear e o
emocionar, que constitui o conversar [2,18].
57
emocionar e, com isso, mudamos nosso domínio
de ações. Maturana utiliza o termo emocionear
para fazer referência a mudanças no emocionar,
ou seja, ao nosso movimento de uma emoção para
outra [2] .
58
que geramos em nosso viver-conviver cotidiano (...).
E devemos fazê-lo desde um ato reflexivo que nos
permita ver e compreender o mundo que geramos
em nosso viver (...). [2]
25
Explicarei a seguir com mais detalhes a distinção entre emoções
(emocionar) e ‘sentires íntimos’.
59
mesmos ou alguém por quem temos afeto se vê
discriminado ou sofre em função das implicações
das teorias que adotamos, somos levados a refletir
sobre elas. Esta reflexão, por sua vez, nos leva a
pensar sobre como fazemos o que fazemos e sobre
os emocionares subjacentes aos nossos fazeres,
em busca da expansão de nossas ações e
compreensões. É por este motivo que apresento a
seguir algumas experiências que vivi, como forma
de contextualizar as questões reflexivas que
passei a elaborar desde então e que constituem os
objetivos deste livro.
60
de muitos dos meus professores e nas estruturas
curriculares que vivenciei) na qual o pensamento
humano funciona aprendendo sobre as coisas
mais simples e as articulando em estruturas
conceituais mais complexas, que permitem
compreender como é a ‘realidade’ e, por conta
disso, (sem refletir) eu assumia que só assim
podemos agir no mundo de forma racional e
planejada, como exige a atuação de um
profissional da saúde.
61
Então eu refleti sobre o que é realmente
preciso aprender para se tornar um bom
profissional da saúde, pois aquele aluno, que para
a paciente já atuava como um excelente
Fisioterapeuta, não conseguia aprender a minha
“valiosa” disciplina de Fisiologia e tantas outras
“tão fundamentais”, pois dariam as bases para
sua atuação profissional, segundo minha
concepção na época. Afinal de contas, é preciso
conhecer e saber explicar para saber fazer? Isso é
aprender?
62
atrás do seu sonho de cursar Medicina
Veterinária, que havia sido adiado pois,
juntamente com seus pais, ela julgou que não
seria capaz de lidar com o sofrimento dos
animais, tampouco de dar conta dos estudos, já
que não gostava muito de estudar (segundo ela,
foi por isso que decidiu fazer Biologia ao invés de
Medicina Veterinária).
63
comportam como gostaríamos”, seja quando
observamos seus comportamentos durante as
aulas, ou quando avaliamos de forma ‘objetiva’
sua aprendizagem através do resultado das
provas as quais os submetemos.
64
vivências, agora como pai de aluno, ao invés de
professor.
65
realização. Agora suas “reclamações” em relação
ao ambiente escolar dizem respeito à
“mercantilização do ensino nas universidades”, a
falta de motivação dos seus colegas (o que faz com
que as discussões em sala de aula se tornem
infrutíferas e superficiais) e a um ensinar que não
promove a reflexão.
66
preocupado se vai conseguir concluir o ensino
fundamental. Tudo isso faz ele se julgar “burro e
incompetente”, segundo suas próprias palavras.
67
argumentativos que eu utilizava consciente ou
inconscientemente para compreender e explicar o
ensinar, o aprender e o educar, e em última
análise, o próprio ser humano, e que “guiavam”
minhas ações.
68
uma geração a outra através da aprendizagem”
[2].
Educação e sofrimento
A educação contemporânea acabou por se
constituir num conjunto de práticas alheias às
necessidades humanas, a partir de uma cisão
profunda entre a vida cotidiana e a educação
escolar. Isso tem trazido sofrimento aos sujeitos
envolvidos, como tenho observado em minha
prática docente (em conversas com estudantes e
colegas professores) e como demonstram uma
série de estudos a respeito [21–24].
27
Aguiar e Almeida utilizam o termo “mal-estar na educação” como uma
analogia às concepções de Sigmund Freud apresentadas em sua famosa
obra “O Mal-Estar da Civilização” (ou “O Mal-Estar da Cultura”).
69
das categorias profissionais mais estressante,
sendo a mais investigada em estudos da
Síndrome de Burnout, que se caracteriza por alto
grau de exaustão emocional, distanciamento
afetivo (ou despersonalização) e sensação de baixa
realização profissional [26,27].
70
sociabilidade” que se afasta daquilo que os
professores em sua subjetividade julgam gerar
sentido para suas vidas e que, na minha opinião,
depende de um viver que se realiza em uma
matriz de coerências sensoriais-operacionais-
relacionais baseada em pressupostos
representacionalistas, objetivistas, darwinistas
e realistas, como explicarei a seguir.
71
mundos que vivemos-convivemos desde nossos
desejos, paixões e crenças, ou seja, desde nossos
emocionares, que são o referencial fundamental
em torno dos quais surgem e se transformam
esses mundos [2]. Dito de outra forma, o mal-
estar surge na negação do amar e da relatividade
fundamental, o que consequentemente leva a
negação de nossa própria humanidade.
72
psicanalista argentino José Cukier a cunhar o
termo didactopatogenia em referência às
doenças causadas pela didática nos ambientes
escolares [23].
Maturana e Dávila comentam que as
enfermidades “de corpo e alma” ocorrem ao
actuar-com-efuerzo28, num fluir de conversações
nas quais nos sentimos forçados a fazer o que não
queremos fazer, e onde a oposição entre desejos e
deveres nos leva a atuar sem respeito por nós
mesmos [2], ou dito de outra forma, a atuar na
negação do amar, de forma violenta e não
compassiva.
28
Minha tradução: atuar-com-esforço; em oposição a um atuar-sem-
esforço que é característico de situações onde há o amar.
73
humanos (juntamente com o amar), quando
compreendido como uma atividade que se vive no
presente sem a preocupação em buscar um
objetivo, pelo simples prazer de estar ali, de forma
espontânea, com o outro no conviver [18]. O
brincar concebido desta forma é negligenciado até
mesmo nas escolas de ensino fundamental, que
valorizam atividades voltadas à objetivos e
propósitos, adjetivadas como “pedagógicas” e
“formativas” (ou dito de outra forma, nas palavras
do meu filho mais novo: “a escola consegue
estragar até o que é legal”).
74
de burnout e quadros depressivos que, por sua
vez, se relacionam a maior probabilidade de
ideação suicida e tentativa de suicídio [27].
75
respeito dos nossos critérios para distinguir
aquilo que consideramos “saudável” (ou saúde) e
aquilo que consideramos “patológico” (ou doença).
No senso comum, influenciados por uma visão
medicalista29, associamos o termo “normal”
aquilo que é saudável, mas a normalidade é um
conceito estatístico, que diz respeito aquilo é mais
frequente na população.
29
É dessa forma que Carl Ratner, que propõe a Psicologia Macrocultural,
se refere à tendência de buscar à explicação para as variações
comportamentais observadas como se fossem patologias à serem
tratadas.
76
dos fenômenos psicológicos” [35] como, por
exemplo, na busca do bem-estar30. No mesmo
sentido, podemos considerar que a escola é uma
instituição doente, dentro da qual os alunos que
seguem o status quo serão considerados “bons
alunos”, enquanto que aqueles considerados
“mau alunos” estão buscando manter sua saúde
mental às custas de não se ajustarem às
imposições institucionais.
77
realmente sociais (por negarem o amar),
compreendi que é no estudo dos vínculos entre
professores e estudantes, que se dá
primariamente através dos processos de
aprendizagem e ensino que se realizam no
ambiente escolar, que posso encontrar uma
explicação para as origens desse sofrimento e que
ele talvez se deva justamente a uma concepção
inadequada sobre o aprender e o ensinar.
78
(1) aprender é um processo cujo objetivo é
favorecer a adaptação do sujeito ao meio;
31
A “indispensável competição e o respeito pela igualdade de
oportunidades” é uma das tensões a serem superadas pelas políticas na
área da educação, segundo o “Relatório Delors” publicado pela UNESCO
em 2010 [36].
79
Pretendo refletir sobre estas implicações, a
respeito de quais tipos de redes de conversações
temos compartilhado e mantido nos ambientes
escolares, e que tipo de aprender elas propiciam e
valorizam.
80
que distinguimos como aprender e ensinar,
lembrando que os substantivos ocultam verbos.
81
percepção visual mostraram não serem
suficientes para explicar as percepções e o
conhecer.
82
respostas. Elas incluem a reflexão sobre sistemas
de valores que podemos denominar de visões de
mundo ou filosofias [38], ou ainda, os paradigmas
subjacentes as teorias científicas [39] e
constituem reflexões sobre os fundamentos a
partir dos quais as concepções das ciências se
baseiam [37] e que nem sempre estão
explicitados. Elas remetem à reflexão sobre as
emoções subjacentes às redes de conversações
das quais participamos e aos domínios lógicos
que criamos e mantemos em nosso viver
cultural, e tem implicações sobre as questões que
elegemos como passíveis de respostas, a melhor
estratégia para lidar com essas questões, as
respostas aceitas como válidas, bem como a
respeito da concepção do ser humano que é o
sujeito dos fenômenos em estudo.
83
O Método Científico e a
Objetividade
A suposição de que o método científico,
baseado na observação e na experimentação, pode
dar respostas a todas as questões, na grande
maioria das vezes considera uma objetividade na
qual é possível ter acesso a um conhecimento que
independe das características do observador:
assume-se o observador e o observar como
condições iniciais imutáveis e constitutivas da
explicação, dando origem a um caminho
explicativo de ontologias transcendentes, no
qual há uma realidade (transcendente), passível
de ser descrita e explicada como se tivesse uma
existência em si [40].
84
(3) que é esse mundo real que determina
aquilo que ocorre ao sujeito em suas interações
com esse mundo.
85
todo “acesso” a ela é uma construção sujeita ao
determinismo estrutural e que não podemos fazer
referência ao “em si” (ou essência) do que quer
que seja, mas apenas ao fazer que dá origem ao
que surge no ato de distinção do observador.
(Objetividade) e Determinismo
Estrutural
É apenas no contexto da objetividade e do
realismo que podemos afirmar que:
Diferentemente, a Biologia-Cultural do
Conhecer afirma que na experiência não é
possível distinguir entre erros, ilusões e
percepções [2, 12 e 13], e propõe uma
(objetividade) – objetividade entre parênteses –
na qual se faz a pergunta pelo ser e pelo operar do
observador, cujas ações (dentre elas o conhecer, o
observar, o explicar, o aprender e o ensinar) são
86
determinadas por sua estrutura presente e pela
sua organização.
87
posso distinguir entre ilusão e percepção —,
descubro que tenho tantos domínios de realidade,
tantos universos — ou seja, tenho um multiverso
— quantos domínios de coerências operacionais
eu possa originar em minha experiência [43].
88
biológico-cultural que a aproxima das concepções
de Vigotski32.
32
Em outros estudos pretendo realizar um estudo comparativo entre as
concepções de Maturana e aquelas de Jean Piaget e Lev Vygotsky sobre os
fenômenos cognitivos, a inteligência e a aprendizagem.
89
partida a partir dos quais construirei minhas
distinções e explicações:
90
como ser biológico-cultural que atua no
mundo;
91
(9) toda ação humana se baseia em premissas
previamente aceitas a partir de um
emocionar específico e da história do
sujeito que atua;
(10) o que caracteriza o ser humano como ser
biológico-cultural é sua forma de viver no
conversar, que é o entrelaçamento entre o
linguajear e o emocionar;
92
independentes desses fazeres (como seria o caso
se optasse pela objetividade e por uma abordagem
realista), passíveis de serem aprendidos ou
apreendidos. Devo distinguir estes fazeres como
coerências sensoriais-operacionais-relacionais
que constituem matrizes biológico-culturais
destas coerências.
93
elaboradas por um observador e aceitas por uma
comunidade de observadores, a partir das
coerências sensoriais-operacionais-relacionais de
um domínio fenomenológico onde vive aquele que
explica e que é compartilhado por aqueles que
aceitam a explicação, ou dito de outra forma, a
ciência é um domínio de explicações socialmente
aceitos por uma comunidade científica, validadas
por certos procedimentos que especificam as
operações que um “observador padrão” deve
realizar para fazer surgir aquilo que se propõe
explicar [45]. Isso implica que:
94
em nosso explicar do viver cotidiano, mas prezam
por serem impecáveis em seguir certos critérios
de validação das explicações científicas [2].
Segundo esses critérios, quatro condições devem
ser satisfeitas na proposição de explicações
científicas.
95
que o observador deve fazer para ter a experiência
que vai ser tratada como o fenômeno a ser
explicado [40], ou seja, devemos descrever a partir
de qual matriz de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais ele deve operar.
33
Biologia da Linguagem.
34
Opto por “mecanísticas” ao invés de “mecanicista” considerando as
conotações pejorativas atribuídas ao primeiro termo. Da mesma forma
pensei em encontrar outro termo para me referir ao “amar”, palavra que
é utilizada com outra conotação e que muitas vezes desperta preconceito
em relação às ideias de Maturana, mas nesse caso não o fiz por não
encontrar outra que permitisse a distinção que o “amar” implica.
96
explicações mecanísticas o observador explícita
ou implicitamente assume que as propriedades de
um sistema, ou as características de um
fenômeno (que surgem ao ser explicados) são
geradas pelas relações entre os seus componentes
ou processos constituintes, e não podem ser
encontradas nas propriedades destes
componentes ou processos. Ao contrário, nas
explicações vitalísticas o observador assume que
as propriedades de um sistema, ou as
características de um fenômeno a ser explicado,
dependem das propriedades de ao menos um dos
seus componentes ou processos constituintes
[45]. Como consequência disso, as explicações
mecanísticas permitem gerar diferentes domínios
fenomenológicos não intersectantes, cada um
deles como um diferente domínio de determinismo
estrutural, onde ocorrem diferentes fenômenos,
ou seja, que originam diferentes fenomenologias,
específicas de cada um deles.
Foi partir dessa perspectiva que foram
especificados os domínios existenciais dos seres
vivos citados anteriormente, nos quais (1) o ser
vivo opera como um todo indivisível, organismo
ou unidade simples (através de suas propriedades
constitutivas) e o outro (2) no qual distinguimos o
sistema autopoietico molecular e seus
componentes, processos constituintes e as
relações entre eles (onde o sistema opera como
unidade composta, e não como um todo
indivisível).
97
O observador pode ter acesso a vários
domínios simultaneamente e pode estabelecer
relações entre eles, mas não pode explicar o que
ocorre num domínio fazendo referências causais,
lógicas ou estabelecendo relações emergentes
entre ambos, ou seja, não pode reduzir os
fenômenos de um domínio ao outro. Fazer isso
implica incorrer num erro de contabilidade
lógica [12]. Dessa forma, explicações
mecanísticas são intrinsecamente não
reducionistas [45], na medida que não explicam
os fenômenos de um domínio fazendo referência a
outro domínio, ou seja, não reduzem suas
explicações a um único domínio.
98
um destes “aspectos” diz respeito a fenômenos
que pertencem a diferentes domínios
fenomenológicos e de determinismo estrutural.
99
domínios em nosso observar e explicar, desde que
tudo isso seja levado em conta.
Contrariamente, as explicações
vitalísticas são essencialmente reducionistas,
pois realizam todas as suas explicações em um
mesmo domínio fenomenológico, no qual
distinguem e explicam os sistemas e suas
propriedades, e os fenômenos e seus processos
constituintes [45], estabelecendo entre eles
relações causais, lógicas e/ou emergentes.
100
como unidades simples através de suas
interações, entre os quais devemos buscar
estabelecer relações gerativas ou históricas.
Esse é o aspecto central da explicação que
proponho para o aprender do ser humano
biológico-cultural.
101
possamos abrir mão de nossas certezas e olhar
para nossos emocionares, nos colocando em um
estado de disposição a ouvir o que será dito. Só a
partir disso será possível compreender o que
proponho refletir e explicar.
102
II
103
Dizer que os fenômenos biológicos são
aqueles que envolvem a realização da autopoiese
de pelo menos um ser vivo [15] é o mesmo que
dizer que todo fenômeno biológico é aquele no
qual o ser vivo está sendo/fazendo o que ele é.
Isso porque existe nos seres vivos uma
indissociabilidade entre o ser e o fazer (e o
conhecer). Por dedução, todos os fenômenos
tipicamente humanos são aqueles nos quais o ser
humano está realizando seu viver-conviver como
ser biológico-cultural, já que isso é o que nos
distingue dos demais seres vivos [2].
104
Quem é o Homo sapiens?
A evolução humana é um evento muito
recente quando comparada ao surgimento da vida
no planeta, estimado em cerca de 3,5 bilhões de
anos atrás. As principais etapas descritas a seguir
estão resumidas na Figura 07. Pertencemos ao
filo36 Vertebrata, que já está no planeta a cerca de
500 milhões de anos, dentro da classe dos
Mamíferos, que surgiu cerca de 250 milhões de
anos atrás. Nossa ordem é dos Primatas, com
cerca de 65 milhões de anos e somos
evolutivamente mais próximos dos grandes
macacos, representados pelos orangotangos (na
Ásia), e pelos gorilas e chimpanzés (na África),
sendo que compartilhamos com estes últimos
cerca de 98% de nosso material genético, além de
muitas características morfológicas e
comportamentais (FOUTS, 1998). Pertencemos à
família Hominidae (com cerca de 7 milhões de
anos), composta por primatas bípedes, com
cabeças semelhantes às dos chimpanzés e corpo
similar ao humano.
36
Filos são formados por conjuntos de classes, estes por conjuntos de
ordens, estas por conjuntos de famílias, estas por conjuntos de gêneros e
estes por conjuntos de espécies. De forma esquemática: filo > classe >
ordem > família > gênero > espécie.
105
(com cerca de 2,5 milhões de anos), entre os quais
encontramos uma série de espécies de homens
arcaicos (Homo habilis, Homo rudolfensis, Homo
ergaster, Homo neandertalis e Homo erectus,
dentre outros) que deram origem a nossa espécie,
que é sapiens [46–48].
106
erectus e que entre eles há uma série de “formas
de transição”.
107
sequenciamento do genoma humano, no início
dos anos 2000, a Teoria Multi-Regional também
“foi reforçada” através subsídios explicativos
provenientes desses dados. Atualmente, a
tendência é considerar que ambos modelos
contêm explicações válidas e que podem ser
conciliadas, e que todos os seres humanos na
Terra podem traçar sua ascendência até a grande
população de Homo sapiens que saiu da África 80
mil anos atrás. Mas os Homo sapiens não eram os
únicos Homo na Terra e quando eles conheceram
outros Homo, tiveram filhos com eles.
108
apenas em estudos sobre evolução, mas em toda
biologia e também em outras “ciências”.
As ideias de Darwin
Em sua Teoria da Evolução Charles
Darwin reconheceu que as condições ambientais
desempenham um importante papel na geração
de variações hereditárias (ou seja, passíveis de
serem “transmitidas” através das gerações), assim
como na sua “seleção”.
38
Dizer que algo é útil pressupõe que sirva para alguma coisa, ou seja, que
tem uma finalidade. Fiz este destaque na concepção de Darwin para a
seleção natural, pois ele remete a um argumento a favor de sua influência
como concepção teleonômica ou teleológica, conforme será explicado a
seguir.
109
correspondem a bagagem genética que é passível
de herança e que está por trás das modificações
ou variações fenotípicas observadas) foram
reconhecidas apenas como decorrências de
mutações aleatórias na estrutura dos genes [51].
Nesta perspectiva, de forma geral, a expressão de
genótipos (conjunto de genes), cuja variabilidade
é determinada por mutações aleatórias, produz
fenótipos (na forma de características
morfológicas, metabólicas, fisiológicas, ou
comportamentos) com diferentes graus de
“vantagem adaptativa” frente às condições
ambientais. Aqueles indivíduos com fenótipos
mais adaptativos, em termos de garantia de
sobrevivência e consequente sucesso
reprodutivo, têm uma maior chance de
transmitir aos seus descendentes este genótipo
que passa então a aparecer com maior frequência
na população.
110
meio da Seleção Natural – preservação das raças
mais aptas na luta pela vida”39, de 1859. A
sobrevivência e sucesso reprodutivo dos
indivíduos mais aptos favorece o processo
evolutivo, já que seus genes (responsáveis por sua
aptidão, sucesso e competência) serão
“transmitidos” através das gerações favorecendo
consequentemente a sobrevivência em
ecossistemas nos quais é necessário competir pelo
alimento e lutar contra predadores, assim como
competir para efetivar a reprodução. Para os
animais essas são as pressões seletivas mais
relevantes já que, como seres heterotróficos, não
produzem seu próprio alimento e a maioria se
reproduz de forma sexuada.
39
Minha tradução para: “The origin os species by means of natural
selection – preservation of favoured races in the struggle for life”.
111
ser humano transfere de forma intencional aos
seus descendentes [52]40.
40
Um dos objetivos atuais da Etologia Cognitiva é refletir se é possível
compreender a evolução cultural em termos Darwinista ou neo-
Darwinistas; e se a cultura pode moldar a evolução genética, além de ser
modulada por ela.
41
A Descendência do Homem e sua Seleção em Relação ao Sexo.
112
muitas características que a relacionam e
aproximam do amar, na perspectiva da Biologia-
Cultural do Conhecer.
113
operamos em nosso explicar. Quero refletir a
respeito de como isso implica em nosso viver-
conviver.
114
direcionada42, ao conceber que o ambiente
preexiste ao organismo e realiza essa seleção, isso
faz supor que a finalidade da característica é
adaptá-lo ao meio ou, como propõe Dawkins,
garantir o sucesso reprodutivo (ao este autor se
refere como manutenção do fitness).
115
No estudo da fisiologia dizemos que
atribuir uma finalidade a uma função é um “uso
fraco” do termo função. Mas a concepção finalista
baseada nas ideias de Darwin aparece de forma
marcante nas ciências biológicas de forma geral.
43
Em relação às abordagens que apontam para uma finalidade podemos
falar em abordagem teleonômica e abordagem teleológica. A diferença
entre ambas não será abordada aqui.
116
moleculares, mas pertence ao domínio do
observador em seu viver cultural, onde
distinguimos e especificamos finalidades,
objetivos e propósitos.
As dimensões biológica e cultural são
entrelaçadas em nosso viver biológico-cultural e
têm influências recíprocas entre si, mas não
podemos utilizar elementos de um domínio (no
caso, o domínio cultural, que é onde como
observadores especificamos as finalidades) para
explicar outro domínio (do viver biológico em seu
fluir espontâneo), o que seria um erro de
contabilidade lógica e um reducionismo.
117
uma finalidade, objetivo ou propósito de nos
adaptar a determinada condição, seja ambiental,
ou cultural (no caso dos seres humanos).
Se a finalidade da aprendizagem é
adaptativa justifica-se a competição saudável (e
os vestibulares e processos seletivos são prova
disso) e que o processo é intrinsecamente
doloroso, já que deve haver uma adaptação, que
requer mudança estrutural e de comportamentos
para que nos tornemos mais aptos ou, caso
contrário, sejamos eliminados (e disso resultam
118
sofrimentos que em última análise dizem respeito
ao medo de não mais existir, de ser negado e que
remetem ao medo da morte).
44
O que eu disse até aqui não implica que considero que só devemos
fazer aquilo que queremos e que certas “dores” e “sofrimentos” não
fazem parte de nosso viver. A questão que coloco diz respeito a reflexão
sobre a quem pertence nosso querer e se realmente é nosso. Não nego o
amadurecimento que certas dores e limitações podem trazer, mas vamos
continuar a viver dessa forma se refletimos a respeito do que estou
explicitando aqui, ou seja, se trazendo isso à “consciência” vamos optar
por manter essa matriz de coerências em nosso viver.
119
Voltando ao fluxo do texto e às
ideias de Darwin
As ideias de Darwin sobre a evolução
surgem no contexto político-econômico da Europa
do século XIX, marcado pelo desenvolvimento do
capitalismo industrial concorrencial e do
liberalismo econômico consolidados pela
Revolução Industrial. Segundo vários autores, a
influência mais conhecida sobre as concepções de
Darwin provém das ideias de Thomas Malthus ao
concluir que enquanto a população cresce em
progressão geométrica a disponibilidade de
recursos alimentares cresce em progressão
aritmética; foi a partir disso que Darwin construiu
sua concepção de “luta pela sobrevivência” e foi a
partir desta matriz de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais que refletiu a respeito
das suas observações sobre os seres vivos,
concluindo que apenas através dessa luta os
“melhor adaptados” ao ambiente (graças à
variações vantajosas) se perpetuariam em
detrimento dos menos adaptados. Isso justificaria
o aumento na frequência de variações vantajosas
observadas na população presente, um raciocínio
a partir do qual poderíamos inferir sobre as
pressões seletivas passadas que mantiveram tais
variações como características presentes da
população [50,57].
120
viver num presente cambiante contínuo”,
enquanto o passado (assim como o futuro) são
criações do observador em seu observar e
pertencem a outro domínio fenomenológico que
não aquele onde vivemos como sistemas
autopoieticos moleculares [2,13].
45
Que de forma simplificada diz respeito ao fato de que para favorecer
uma economia com o máximo de benefícios para todos, é necessário que
cada individuo lute por suas próprias vantagens, o que abre espaço para a
“competição saudável”.
121
relacionais que permeia nosso viver biológico-
cultural.
122
Do Darwinismo à Síntese Expandida
Para as Ciências Biológicas a influência do
Darwinismo se estendeu por todo século XIX e
XX, com algumas alterações nas suas concepções
iniciais: as heranças foram consideradas (1) como
sendo “particuladas” (ou seja, transmitidas em
“partículas” que são os genes), (2) não-
Lamarkianas (ou seja, não adquiridas) e (3) cegas
a respeito do mecanismo de seleção. Isso deu
origem ao Neo-Darwinismo e a partir dos anos de
1930 a uma Moderna Síntese, na qual a
concepção de seleção natural foi fundida aos
conhecimentos da genética Mendeliana e da
Biologia Molecular [51].
46
A Formação do Húmus através da Ação das Minhocas.
123
para sobreviver num ambiente que elas próprias
modificaram [59] e faz exposições que permitem
afirmar que ele concebia que organismo e meio se
influenciam mutuamente, constituindo o que a
partir da Biologia-Cultural do Conhecer
distinguimos como uma unidade operacional-
relacional organismo-nicho, dentro da qual ocorre
um acoplamento estrutural entre o organismo e
o nicho que surge com ele (e não como um meio
pré-existente e seletor), de fora indissociável.
124
Vários pesquisadores têm questionado as
concepções mais aceitas sobre a evolução (mesmo
aquelas provenientes da Moderna Síntese)
propondo uma Síntese Extendida (extended
evolutionary synthesis) na qual consideram que os
organismos se “constroem” durante o
desenvolvimento, que não são simplesmente
programados geneticamente para que se
desenvolvam, e que seu viver não ocorre
simplesmente por ajustes a um ambiente pré-
determinado, mas numa co-construção e
coevolução com este ambiente que altera a
estrutura do ecossistema como um todo [59]47.
Essas novas concepções se aproximam muito da
Teoria da Deriva Natural de Maturana e
Mpodozis, proposta em 1992, que permite
responder a muitos questionamentos feitos não
apenas em estudos de Evolução, mas também
naqueles da Etologia Cognitiva (dentre outros),
mas a proposta de Maturana e Mpodozis
“curiosamente” tem sido uma teoria esquecida e
raramente citada em estudos a respeito.
47
Há duas abordagens teóricas atuais que tratam das relações entre
biologia, cultura e evolução: a Hipótese da Construção de Nicho e a
Hipótese da Co-Evolução Genes-Cultura.
125
reprodutiva de distintos modos de vida (fenótipos
ontogênicos), em uma deriva ontogenética e
filogenética;
A Evolução da Inteligência
Apesar dos vários questionamentos acerca
das concepções de Darwin, muitas reflexões
científicas ainda são feitas com base na matriz de
coerências sensoriais-operacionais-relacionais
que elas implicam. Por exemplo, sabemos que
além de uma constituição biológica os seres
humanos, como seres sociais, vivem e “evoluem”
dentro de um grupo social e de uma cultura. A
48
Diz respeito àquelas variações que são adquidirdas durante o
desenvolvimento e que podem ser transmitidas através das gerações.
126
partir de uma abordagem “darwinista”, quais são
as pressões seletivas que o viver biológico e
sociocultural dos seres humanos impõe e que
poderiam justificar sua evolução?
Dentro do grupo de hominídeos aos quais
pertencemos as principais diferenças não dizem
respeito a nossa constituição orgânica (não
podemos esquecer que compartilhamos 98% da
nossa bagagem genética com os chimpanzés), mas
a certas habilidades que constituem o que
podemos denominar de inteligências e que nos
diferenciam em muito de nossos parentes Homo
mais próximos (como o Homo erectus, por
exemplo).
49
Mesmo considerando que a matriz de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais a partir da qual Piaget e Maturana elaboram suas
explicações é bem distinta, pretendo em trabalhos futuros mostrar que a
assimilação e a acomodação são processos “homólogos” ao acoplamento
estrutural proposto pela Biologia-Cultural do Conhecer, o que foge aos
objetivos deste livro.
127
oito tipos de inteligências nos seres humanos e
propõe a Teoria das Inteligências Múltiplas [19].
50
Utilizarei a expressão “pressupostos darwinistas” para fazer referência a
matriz de conerências sensoriais-operacionais-relacionais a partir das
quais são feitas suas afirmações, como apresentei anteriormente.
128
(considerados “inteligentes”) ou características do
encéfalo humano 51 (inferidas a partir de dados
provenientes de estudos com fósseis e estudos
comparativos, que são consideradas subjacentes
ou determinantes da inteligência), com
características ambientais que elegem como
possíveis pressões seletivas. Partem do
pressuposto que o encéfalo, e especificamente o
cérebro, são a sede da inteligência e dos
fenômenos cognitivos e assumem “pressupostos
darwinistas”.
51
O encéfalo é a porção do sistema nervoso contida no interior do crânio;
ele é formado pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico. É considerado o
“processador central” das informações no sistema nervoso.
52
Considero aqui que “inteligência” e “capacidade cognitiva” são
equivalentes e que ambas permitem realizar “tarefas complexas”. A
concepção de cognição da Biologia-Cultural do Conhecer não sustenta
essa afirmação, pois dada a indissociabilidade entre o ser, o fazer e o
conhecer, todo ser vivo é igualmente inteligente (já que está vivo).
129
o cérebro humano é grande em relação ao nosso
tamanho corporal e consome mais energia que os
das demais espécies (cerca de 25% do consumo
energético total em repouso, ou do metabolismo
basal) [64].
130
qual ao invés de utilizar o volume do neocórtex
utilizam o volume do córtex como um todo.
131
por Oakley em seu livro “Man the toolmaker”54 que
considera que a estrutura do homem moderno é o
resultado da seleção natural decorrente de um
modo de vida baseado no uso de ferramentas [67].
Dito de outra forma, essa hipótese considera que
o desenvolvimento tecnológico (principalmente o
uso de ferramentas) tem como objetivo superar
desafios ambientais e é o “motor” da encefalização
humana. Por este motivo esta hipótese é
denominada Hipótese Tecnológica.
54
Que pode ser traduzido como: “Homem, o fazedor de ferramentas”.
132
coeficiente de encefalização do Homo sapiens,
nossas tecnologias tem “evoluído” de forma
espetacular desde nossa origem [66].
55
Animais que se alimentam de folhas.
56
Animais que se alimentam de frutas.
133
dificuldade é maior, já que os frutos estão
disponíveis apenas em alguns locais e épocas do
ano. Consequentemente, os frugívoros necessitam
de comportamentos mais sofisticados para
obtenção de alimentos do que os folívoros.
134
sofisticados, e isso se dá às custas de intestinos
curtos. Já os folívoros têm intestinos grandes às
custas de cérebros pequenos e precisam explorar
áreas menores para encontrar seu alimento que é
abundante.
135
os membros de um grupo); entre volume do lobo
frontal e tamanho do grupo; e entre capacidade de
julgamento moral e tamanho do complexo
basolateral (formado pelo lobo frontal e amígdala,
e que está envolvido na formação de memórias
com conteúdo emocional, principalmente
daquelas relacionadas ao medo) [71].
136
que havíamos imaginado, envolvendo guerras,
intrigas, mentira e política, mas também
cooperação, cuidado recíproco e altruísmo, em
diferentes modelos de estruturas sociais. Isso
permitiu uma série de estudos a respeito da
cognição social que são utilizados para extrapolar
conclusões a respeito destes fenômenos em seres
humanos.
137
encéfalo entre o córtex e o tálamo (mantendo as
conexões que estão abaixo desse nível, entre
tálamo, hipotálamo, tronco encefálico e medula
espinal) produzem um quadro de “raiva
simulada” (ou “sham rave”) no qual os animais
respondem a estímulos quaisquer com uma
expressão emocional57 de raiva. Estas estruturas
estão representadas na Figura 8 a seguir.
57
Os neurocientistas diferenciam a experiência emocional (subjetiva), da
expressão emocional, que diz respeito à manifestações emocionais
observáveis, em sua maioria devidas à ativação de uma porção do sistema
nervoso autonômico denominada sistema nervoso simpático (levando à
taquicardia, paquipnéia, dilatação pupilar, sudorese e piloereção, por
exemplo). A expressão emocional se aproxima àquilo que Maturana
denomina emocionear.
138
A partir desses estudos foi possível concluir
que o hipotálamo está envolvido na expressão
emocional (cujos componentes observáveis
correspondem às funções autonômicas) e que o
córtex tem um efeito de supressão dessas funções
através de suas conexões com o tálamo e o
hipotálamo [73]; e ainda, que a expressão
emocional primária (que não depende de
estimulação) corresponde a um comportamento
similar à raiva ou à agressividade.
139
outro”, o que remete a uma necessidade de
“competição social para sobrevivência do mais
apto”. Nesta perspectiva, vários estudos mostram
uma série de competências sofisticadas exibidas
por primatas não-humanos na esfera das relações
sociais:
58
Situações nas quais os custos de um indivíduo A para prestar um serviço
X a um indivíduo B, são menores que os benefícios Y recebidos de B, e
vice-versa [66].
140
influência dos pressupostos darwinistas), vários
autores consideram que ele pode favorecer a
aquisição de “informações” e habilidades,
contribuindo dessa forma com o desenvolvimento
da inteligência. Nesta perspectiva sugerem que há
uma coevolução entre a cultura (vista como
produto do grupo social) e a cognição [74].
141
comportamentos. Esta perspectiva apresenta
similaridades à concepção de unidade
operacional-relacional organismo-nicho,
também proposta pela Biologia-Cultural do
Conhecer.
59
Alguns autores questionam essa afirmação, defendendo que muitos
desses comportamentos referidos como imitados a partir do
comportamento de adultos (como mostrar a língua) são na verdade
estereotipados e espontâneos em recém-nascidos.
142
Jean Piaget desenvolvem uma noção de
causalidade social antes da causalidade física
[79]. Por exemplo: ao observar num jogo de bilhar
que uma bola que bate em outra faz com esta se
desloque, uma criança pode explicar que a
segunda bola foi embora porque não gostou da
primeira. As crianças também têm uma tendência
ao animismo, atribuindo características
antropomórficas (como consciência e propósitos)
aos objetos inanimados [66] o que pode ser
observado em seu brincar.
60
O termo “animismo” é reservado à atribuição de características
humanas à objetos inanimados, enquanto que o antropomorfismo é um
termo mais amplo, utilizado para atribuição destas caratcerísticas a seres
vivos e não vivos.
143
fenômenos não são uma “distorção” da realidade
realizada pela criança (vista como ser humano
ainda imaturo), ou pelo adulto ao antropomorfizar
(e aí dizemos que está atuando a partir do senso
comum, como uma forma de explicação “inferior”
às explicações científicas).
144
Essa concepção é diferente daquela
proposta por antropólogos e psicólogos (como por
exemplo, Jean Piaget) que consideram que o
brincar é uma preparação para a vida adulta,
como se tivesse uma finalidade. Logo, a tendência
ao animismo infantil e ao desenvolvimento
precoce da causalidade social é na verdade uma
observação das crianças vivendo seu viver em
uma matriz de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais, assim como durante seu
brincar, ou seja, são manifestações da
relatividade fundamental.
145
Linguagem e desenvolvimento da
Inteligência
Em seu livro “Grooming, Gossip and the
Evolution of Language” 61 Dunbar propõe uma
abordagem interessante para o surgimento da
‘linguagem’ que se aproxima em muitos aspectos
das concepções da Biologia-Cultural do Conhecer
[81].
61
Minha tradução: “Catação, fofoca e a evolução da linguagem”.
146
que é um valor estimado do número máximo de
indivíduos nos grupos de nossos ancestrais
hominídeos, Dunbar chegou à conclusão que esse
tempo seria incompatível com o tempo necessário
para que estes animais pudessem realizar suas
demais atividades, ocupando cerca de 50% da sua
vigília. Então ele propõe que as vocalizações que
passaram a acompanhar o grooming
gradativamente substituíram essa atividade, se
tornando a principal forma de manutenção dos
vínculos sociais e da coesão grupal.
147
aproximação e contato. Fazendo uma relação com
a Biologia-Cultural do Conhecer, esse emocionar
corresponde ao amar.
Linguagem e Conversar
Muito antes da aquisição da ‘linguagem’ os
bebês já desenvolvem um padrão de “interação
dialogada” respondendo às vocalizações da mãe
com outras vocalizações, de forma alternada,
como em uma ‘conversa’ [82]. Sendo assim, é
como se os bebês já tivessem uma predisposição
inata para o ‘conversar’.
148
nacionalidades diferentes, como japoneses e
americanos, são capazes de discriminar com a
mesma “eficiência” sons como o “la” e o “ra” (que
aparecem com frequência no inglês, mas não do
japonês). Por volta dos 10 meses de vida
entretanto, os bebês americanos se tornam
melhores nessa discriminação, enquanto que o
desempenho dos bebês japoneses para isso piora
muito, mostrando que já nessa idade eles
começam a discriminar preferencialmente os sons
de sua língua natal, ou com os quais têm contato
frequente.
149
são capazes de realizar suas “estatísticas” e
identificar com facilidade os fonemas em questão
[84]. Mais interessante ainda é um estudo de
2013 que mostra que essa influência já se inicia
na vida intrauterina, principalmente durante as
‘conversas’ que as mães têm com seus bebês
quando ainda estão dentro das suas “barrigas”
[85].
150
indivíduos que se comunicam, a partir de uma
perspectiva compartilhada ou de alguma
63
estrutura mental comum . Segundo Uri Hasson,
há dois fatores que permitem que nos
comuniquemos:
63
Como explicarei a seguir, para a Biologia-Cultural do Conhecer este
alinhamento depende de um mesmo emocionar.
151
compartilhamento de memórias, ou dito de outra
forma, que a comunicação diz respeito a
transmissão de informações, seguindo três
etapas:
(1) a codificação das memórias dos
falantes e sua recuperação durante a fala (para
que sejam então “comunicadas”);
152
frontal medial e o giro angular ) eram ativadas
segundo um mesmo padrão espaço-temporal em
todos os grupos estudados, o que permite concluir
que quando nos comunicamos ou lembramos de
algo as mesmas áreas cerebrais são ativadas
segundo um mesmo padrão espaço-temporal,
reforçando a explicação de que há um
sincronismo neural [90].
153
seres humanos (“cross fostering”) mostram que
eles têm certa capacidade de manipulação de
símbolos que não são observadas em seu
ambiente natural [91]64, mas isso não é suficiente
para considerar que eles apresentam uma
linguagem como a linguagem humana, apesar de
ainda haver muita controvérsia a respeito.
154
“conhecimentos” e procuram transmití-los para
seus alunos. Nessa perspectiva, refletindo a
respeito da “linguagem científica” que é aquela
mais valorizada nos ambientes escolares, essa
mediação ideológica leva a considerar que o
conhecimento científico é “superior” ao senso
comum e que os professores, detentores deste
conhecimento, são os protagonistas nas relações
de ensino e aprendizagem. Aí há um emocionar de
“subordinação” que permeiam todas as relações
entre professores e instituição, professores e
estudantes, e entre os próprios estudantes (numa
polarização entre “bons” e “maus” alunos),
negando a relatividade fundamental, a
(objetividade) e o amar, e favorecendo com isso
uma sensação de mal-estar.
65
Essa é uma forma utilizada para estudar o substrato cerebral (biológico)
de vários fenômenos cognitivos.
155
aqueles de Patrícia Kuhl e Uri Hasson citados
anteriormente). Direferentemente, há estudos que
enfatizam o aspecto social da linguagem, como
aqueles realizados por Lev Vigotski e seus
colaboradores, ou as explicações da Biologia-
Cultural do Conhecer para a linguagem e suas
relações com os fenômenos sociais.
156
produtivas que garantissem a sobrevivência [71],
uma visão que é claramente influenciada pelos
pressupostos darwinistas (“a linguagem surgiu
para realizar algo e é adaptativa por conta disso”).
Para F. B. Skynner a linguagem (assim
como como os gestos, sinais e rituais) pertence ao
grupo dos comportamentos verbais que são
aqueles mediados por outra pessoa e através dos
quais o homem transforma o outro e é
transformado pelas consequências das suas ações
[41]. O interessante dessa abordagem é que ela
enfatiza a linguagem como um encadeamento de
coordenações de ações (ou coordenações de
coordenações de ações) nas quais os sujeitos que
interagem se alternam como ouvintes reforçadores
e falantes, dentro de um paradigma expandido de
condicionamento operante, que é um tipo de
condicionamento no qual a frequência de um
comportamento aumenta em função dos
estímulos reforçadores que se seguem a ele.
Diferentemente das demais abordagens, esta não
enfatiza o caráter simbólico da linguagem.
66
Aquilo que muitas traduções sobre os trabalhos de Vigotski denominam
“linguagem” poderia ser melhor traduzido como “fala” – como por
exemplo no livro “Pensamento e Linguagem”, de 1934 [93].
157
seu método inverso esse autor defende a ideia de
que para analisar um processo devemos partir do
fenômeno mais complexo para o mais simples, e
critica a análise empírica do psiquismo a partir de
estudos de psicologia animal e a concepção de
que os fenômenos psíquicos são fenômenos de
raiz biológica, considerando que estes são
determinados por aspectos socioculturais. A
partir dessas considerações, quaisquer paralelos
que possam ser traçados entre a Psicologia Sócio
Histórica de Vygostky e a Biologia-Cultural do
Conhecer devem ser realizados com muito
cuidado, pois apesar de algumas afirmações
parecerem apontar no mesmo sentido, como no
que diz respeito ao papel da linguagem na
mediação dos fenômenos psicológicos, ao
minimizar sua dimensão biológica e suas relações
indissociáveis com a dimensão cultural há aí uma
concepção que é distina67.
67
Esse é um aspecto que vou aprofundar em etapas posteriores de minha
pesquisa, e diz respeito à comparação entre a Biologia-Cultural do
Conhecer e as abordagens de Vygostky, Luria, Leontiev, James Wertsch e
Baktin. Daí a brevidade e superficialidade dos meus comentários acerca
das concepções de Vygotsky.
158
fato de que em todas as línguas há substantivos,
verbos e frases, e movimento de categorias
gramaticais (como inversões de sujeito em frases
nas quais pode aparecer na ordem direta ou
inversa). Fazendo relação dessa abordagem com a
Biologia-Cultural do conhecer podemos dizer que
esta gramática universal é uma matriz de
coerências sensoriais-operacionais-relacionais
amplamanente utilizada por diferentes culturas
humanas, a partir da qual distinguimos entes
(aos quais nos referimos através de substantivos),
ações e processos (aos quais nos referimos
através dos verbos), e suas características (as
quais nos referimos através do uso de adjetivos e
advérbios), por exemplo.
159
(3) o aumento do diâmetro do nervo frênico
que inerva o músculo diafragma, e é responsável
pelo controle voluntário da respiração e
consequentemente pela fala (isso foi inferido a
partir de estudos com fósseis nos quais foi
observado um aumento no orifício por onde passa
esse nervo), e;
160
apenas num momento posterior em função das
mudanças estruturais citadas anterioemente.
68
Também conhecida como área 44 de Brodman.
161
que pareciam ser da mesma espécie,
acompanhadas por pegadas de centenas de
animais69.
69
Fonte: Atlas virtual da Pré-História, http://www.avph.com.br, acesso em
22.11.2017
70
Eles não afirmam isso de forma literal, mas as datas às quais se referem
me permitem fazer tal afirmação.
162
Para Maturana e Varela nossos ancestrais
viviam em pequenos grupos, ou famílias extensas,
em constante movimento pela savana, eram
coletores e caçadores ocasionais e tinham postura
bípede; fêmeas e machos se vinculavam através
de uma sexualidade permanente e não mais
sazonal, havia compartilhamento de alimentos e
cooperação na criação dos filhos, e também
compartilhavam um domínio linguístico,
constituído por um conjunto de condutas
linguísticas (ou cominicativas). A participação
recorrente neste domínio linguístico gerador de
sua socialização deve ter sido determinante para
ampliação deste domínio até que “as próprias
condutas linguísticas passaram a ser objeto da
coordenação comportamental linguística, da
mesma forma que as ações no meio são objetos
das coordenações comportamentais” [12]. É nesse
momento que surge a linguagem, ou mais
especificamente, o linguajear, e é a partir daí que
o ser humano se constitui como tal.
163
consensuais entre os indivíduos que interagem.
Assim como as palavras oralizadas ou escritas, os
gestos, as imagens, os emoticons e os emojis71 são
exemplos de condutas linguísticas. A seguir vou
explicar mais sobre comunicação e linguagem.
71
em https://www.significados.com.br/emoji/ há uma definição sobre os
termos emoji e emoticon, assim como suas direfrenças.
164
comunicativas ou condutas linguísticas, nas
quais os comportamentos daqueles que se
comunicam se tornam reciprocamente
coordenados, ou seja, suas condutas se tornam
mutuamente “desencadeadas” (o que é válido para
indivíduos humanos ou não, independentemente
da presença do Sistema Nervoso). Insisto que isso
não quer dizer que a comunicação determina as
condutas dos participantes, mas que as
desencadeia e acopla, já que toda conduta é
determinada pela estrutura daquele que interage
(determinismo estrutural) a partir de um dado
emocionear, no momento da interação. O
conjunto de condutas comunicativas de um
indivíduo, compartilhadas pelos grupos sociais
dos quais ele participa, constitui seu domínio
linguístico.
165
comportamentos verbais, como expliquei
anteriormente.
72
A Hipótese do Cérebro Relativístico proposta por Miguel Nicolelis
também fala de um padrão na atividade elétrica de certas regiões
cerebrais frente a manipulação de objetos, citando como exemplo o
controle de uma bola pelos pés de um jogador de futebol, como se a bola
passasse a fazer parte do corpo do jogador, sendo “mapeada” por seu
cérebro através desse padrão. Considero que este padrão corresponde a
um acoplamento estrutural entre o corpo e os objetos que adquirimos
destreza ao manusear, assim como o sincronismo neural mostra um
acoplamento estrutural comunicativo ou social. Pretendo me aprofundar
na pesquisa desse fenômeno em trabalhos futuros.
166
Para manter a contabilidade lógica não
podemos explicar a comunicação (que pertence ao
domínio de interações) buscando relações causais
a partir do operar do Sistema Nervoso (que
pertence ao domínio no qual os seres vivos
existem e operam como unidades autopoieticas
moleculares). Logo, o que podemos concluir é que
o sincronismo neural não é a causa da
comunicação, mas é a comunicação em si
ocorrendo na perspectiva do Sistema Nervoso em
seu operar, ou dito de outra forma, se ocorre
comunicação no domínio de interações do
organismo é sinal que está ocorrendo sincronismo
neural no domínio do seu operar como ser vivo (e
vice-versa); e ainda, se dois indivíduos interagem
e não observamos sincronismo neural, isso
implica que aquela comunicação é “aparente” já
que não existe acoplamento estrutural
(comunicacional) entre eles. Se observamos o
acoplamento estrutural é porque está ocorrendo
um processo comunicativo e este acoplamento (e
o correspondente sincronismo neural) persistirá
enquanto este processo se mantiver, mas isso não
implica que a causa da comunicação pode ser
explicada através da compreensão da operação do
Sistema Nervoso, pois comunicação implica
coordenação de condutas e, para os seres
humanos, pertence ao domínio cultural, mais
especificamente, ocorre dentro de um domínio
linguístico que não é biológico.
167
“pensando” e “sentindo” as mesmas coisas, mas
que seu Sistema Nervoso está num estado de
ativação espaço-temporal tal que, se em outra
ocasião o mesmo estado for alcançado,
“remeterá”73 a mesma “experiência” vivenciada por
cada indivíduo durante a comunicação. Isso
porque o que ocorre a um organismo é
determinado por sua história e pelo emocionar no
momento de sua ocorrência e não há informação
sendo transmitida e codificada pelo Sistema
Nervoso durante a comunicação. Como cada
indivíduo tem uma estrutura particular e
específica, devida a uma ontogênese específica (ou
seja, a uma história de interações e mudanças
estruturais específicas) apenas compartilhando
um mesmo emocionar é possível que se acoplem e
que a comunicação se realize. Isso implica que
aquilo que distinguimos como sendo o
“significado” que atribuímos a cada conduta
comunicativa é também determinado por esta
estrutura individual, e que dada a relatividade
fundamental e a (objetividade), é específico de
cada indivíduo. A seguir vou explicar mais a este
respeito, pois é aí que está a importância do
conversar para o (aprender).
73
Não será agente causal, pois na ocasião que o mesmo padrão de
ativação for alcançado novamente, a ação decorrente dependerá da
história e das mudanças estruturais vividas até ali e do emocionear (ou
seja, a pré-disposição para ação) presente nesse momento.
168
Condutas Ontogênicas e Domínios
Linguísticos
No livro “A Árvore do Conhecimento”
Maturana e Varela propõe que a linguagem é o
que permitiu o surgimento dos seres humanos a
partir da linhagem de primatas bípedes a qual
pertencemos. Em obras publicadas
posteriormente, Maturana enfatiza o caráter da
linguagem como ação e dá preferência uso do
termo linguajear. Para entender a explicação da
Biologia-Cultural do Conhecer para a linguagem
(linguajear) devemos compreender como
Maturana e Varela explicam condutas
ontogênicas e domínios linguísticos. Para isso
vou rever algumas concepções já apresentadas
anteriormente.
169
Figura 12. Relações entre condutas ontogênicas, condutas
comunicativas e condutas linguísticas. Fonte: adaptado a
partir de [1].
170
gestos, sons, sons articulados como palavras, o
acender e o apagar de uma lâmpada, sinais de
fumaça, expressões faciais e outros sinais e
símbolos de diferentes naturezas. Nessa
concepção o primordial não é o “elemento”
utilizado tampouco o “significado” que um
observador pode atribuir a ele, mas sim a
coordenação de ações decorrentes da utilização
desses “elementos” (que são condutas
linguísticas). Tudo isso você também já sabe.
171
e não o acoplamento estrutural dos participantes.
É essa qualidade das condutas comunicativas
ontogênicas de poderem aparecer como
semânticas a um observador, que trata cada
elemento comportamental como se fosse uma
palavra, que permite relacionar tais condutas à
linguagem humana. Vamos ressaltar essa
condição ao designar tal classe de condutas como
um domínio linguístico entre os organismos
participantes [12].
172
humano ele permite constituir uma dinâmica
recursiva74 deste acoplamento de modo que em
nosso viver-conviver como seres humanos só
temos o mundo que criamos com outros em nosso
viver social.
74
Uma dinâmica recursiva é aquela na qual uma dinâmica cíclica surge de
forma integrada à uma dinâmica linear.
75
Aqui a autora faz uma crítica direta à abordagem comportamentalista
(ou behaviorista).
173
com o outro como legitimo outro no conviver foi
possível que o linguajear surgisse como tal. Esse
emocionear é o amar e ele é o fundamento
biológico de todo fenômeno social humano. Sem o
amar não há socialização e sem socialização não
há humanidade [12].
174
consequentemente, não coordenamos
efetivamente nossas ações. Apenas o amar
permite que um acoplamento efetivo ocorra e que
sejam co-construídos domínios linguísticos
compartilhados.
175
partir de um domínio linguístico compartilhado,
que surge quando me coloco na aceitação do
outro como legítimo, ou seja, a partir do amar.
Voltarei a essa reflexão já que ele será a base para
uma explicação sobre o (aprender) típico do ser
humano biológico-cultural.
76
É importante destacar que há diferentes graus de mal-estar e
sofrimento, desde aquele que leva o sujeito a “estar ausente”, “não
participativo” ou “em negação” (o sujeito simplesmente ignora e “não
está nem aí”), até aquele que leva à dor e no seu extremo ao
adoecimento psíquico e corporal.
176
Como mostram as pesquisas citadas
anteriormente sobre aquisição de linguagem em
crianças e bebês, apenas o contato entre
humanos permite que recém-nascidos distingam
os sons típicos de sua língua, contato este que
precisa ser realizado “olho-no-olho” e não através
de interações com vídeos ou áudios gravados.
177
com que atue também como ferramenta de mídia
social, o que dá mote para o início de novas
conversas sobre coisas do dia-a-dia.
178
“contato real” online do que uma criança, dada
sua capacidade de abstração. Voltarei a essa
reflexão mais adiante, mas desde já está claro que
considero que a questão fundamental é o quanto
operamos no amar durante nossas interações
como professores e estudantes, seja em ambientes
online ou em aulas presenciais.
179
de coerências sensoriais-operacionais-relacionais
de nosso viver numa relação social a partir do
domínio semântico que compartilhamos, o que
implica que nossa fala e o significado que
atribuímos as coisas são uma janela para o
“mental” e para a “consciência”, que surgem
(assim como o observador) a partir do linguajear.
180
O experimento mais utilizado para
“mostrar” tal capacidade é anestesiar um animal e
fazer uma marca em sua testa; então, após
despertar esse animal é colocado diante de um
espelho: caso leve a mão à marca é sinal que
percebe que a imagem no espelho é um reflexo de
sua própria imagem, caso contrário, se tocar a
marca no reflexo do espelho, é sinal de que não é
capaz de fazer esta distinção.
181
(4) então a história é interrompida e
pergunta-se ao participante aonde Sally irá
procurar o objeto.
182
mentais a outro indivíduo e isso que implica que é
capaz de se colocar na perspectiva do outro.
Sendo assim, no caso em questão vai perceber
que Sally não teve acesso a perspectiva que ele
teve ao ver Anne trocando o objeto de lugar e
então vai responder que Sally vai procurar o
objeto em X.
183
Anne permitem concluir (já que apontam que ela
só surge ao redor dos 6 anos de idade).
184
satisfação (ou seja, de que gostou de brócolis); em
seguida ele estende a mão em direção ao bebê
como quem pede algo a ele. Bebês com 15 meses
dão ao experimentador uma porção de
salgadinho, o que permite concluir que dão a
pessoa aquilo do que eles mesmos gostam
imaginando que o experimentador também goste
daquilo, ou seja, são “egocêntricos” e não
conseguem se colocar na perspectiva de um
outro, diferente de si mesmo. Bebês com 18
meses entretanto, dão ao experimentador uma
porção de brócolis e a partir daí podemos concluir
que eles são capazes de discriminar o seu próprio
gostar e o gostar de outra pessoa, ou seja, que são
capazes de distinguir que “o que outras pessoas
pensam e sentem não é exatamente aquilo que nós
pensamos e sentimos” [102], e sendo assim, já
apresentam uma ToM. Essa explicação faz muito
mais sentido, partindo de uma concepção na qual
o linguajear e o compartilhamento de domínios
linguísticos e semânticos comuns dependem de
uma ToM, além do amar.
185
que nos tornemos seres humanos biológico-
culturais.
186
muito bons em “aprender regras” dos ambientes
nos quais se desenvolvem durante essa infância
prolongada. Para essa pesquisadora os bebês não
aprendem sobre as coisas do mundo, mas
“buscam as coerências desse mundo” através de
testes de hipóteses, ou seja, atuam no mundo
como cientistas utilizando uma “lógica” similar
àquela da Estatística Bayseana [102]. Esse
argumento é o mesmo utilizado por Patrícia Kuhl
em seus estudos sobre aquisição da língua natal.
187
esfuerzo, pois ainda não atuam no domínio
linguístico a partir do qual eu, por exemplo, faço
este tipo de explicação.
188
seres humanos, o mesmo ocorre com os pais e
principalmente com as mães em relação aos seus
bebês, através de uma série de comportamentos
maternais. Vários estudos mostram que estes
comportamentos, que envolvem cuidados com a
prole, correlacionam com a ativação de estruturas
cerebrais como a amígdala, cujo padrão de
ativação está aumentado durante a gravidez e o
período pós-natal graças a uma série de
alterações hormonais típicas dessa fase,
favorecendo estes comportamentos de cuidado em
relação aos bebês.
189
“competências”, como exemplifiquei anteriormente
em relação ao período crítico para distinção de
fonemas da língua natal que ocorre entre seis e
oito meses de vida.
Sendo assim, é durante a infância
prolongada que os bebês se constituem como
seres humanos biológico-culturais. Como disse
anteriormente, para a Biologia-Cultural do
Conhecer é ao viver no linguajear em seu
entrelaçamento com o emocionear que surge o
conversar. E é nosso viver no linguajear e no
conversar que nos constitui e diferencia como
seres humanos em relação aos demais seres
vivos.
Emocionear e Cultura
Para a grande maioria dos pesquisadores a
cultura tem sido considerada o aspecto mais
distintivo e característico da “natureza humana”.
190
humanidade, a busca por um alto conceito de
valor, pela elevação e pelo desenvolvimento do
Homem, visto como um ser que desenvolve uma
consciência gradual das leis gerais que
determinam a essência humana. Isso implica uma
educação deste Homem de acordo com a sua
“verdadeira forma humana”, segundo seu
“verdadeiro ser”, e é nesse contexto que os gregos
afirmam que “educar é criar o Homem” [104].
191
Para as ciências humanas a cultura é algo
que nos especifica para além do determinismo
biológico, entretanto, vários estudos sobre
evolução têm considerado que a cultura é
influenciada e também influencia a evolução
biológica [74,106–109].
192
(4) um comportamento para o qual não há
uma base genética identificável [111].
193
constituem e definem uma maneira de
convivência humana [112]. Essa segunda
concepção é específica para a cultura humana, já
que só os seres humanos existem no linguajear e
em redes de conversações. Ou seja, a questão
acerca de haver ou não uma cultura em outros
animais não-humanos depende da nossa
explicação para este “conceito”.
194
com sua distinção. Nenhum emocionar ou ação
específica caracteriza uma cultura, mas sim os
vários emocionares que coordenam diferentes
ações nas distintas redes de conversações que as
constituem [112].
195
Um quarto parêntese para reflexão
Todas as atividades tipicamente humanas
ocorrem como conversações, em redes de
conversações nas quais há um entrelaçamento
entre o emocionar e o linguajear. Sendo assim,
caçar, pescar, trabalhar, construir casas, cuidar
dos filhos, legislar e “filosofar” são diferentes
classes de conversações [112], assim como
explicar, ensinar e aprender.
196
constituem fazeres que lhes são típicos e
característicos, necessariamente diferentes dos
fazeres humanos, apesar de podemos utilizar a
mesma denominação e realizar uma serie de
analogias. Afinal de contas explicamos nosso viver
com elementos deste viver e é a partir disso,
assim como observamos no animismo e no
antropomorfismo, que ao fazer referência ao
comportamento de outros animais os tratamos
como homólogos aos nossos comportamentos.
197
comparado a uma situação onde estão em seu
meio-nicho natural, e;
198
valoriza a guerra, a competição, a luta, as
hierarquias, a autoridade, o poder, a procriação, o
crescimento, a apropriação dos recursos naturais,
a justificação racional do controle e da dominação
dos outros por meio da apropriação da verdade, a
desconfiança na autonomia do outro e a
disposição de tratar desacordos como disputas ou
lutas.
199
constituindo uma matriz de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais radicalmente diferente,
que particularmente considero que a Biologia-
Cultural do Conhecer permite resgatar.
As coerências sensoriais-operacionais-
relacionais em uma cultural correspondem aos
diferentes emocionares que um observador
identifica como característicos de cada uma delas,
e que um auto observador, ao reflexionar sobre
200
eles, identifica como sentires íntimos, estados
psíquicos, ou ainda, como experiências79.
79
Construo essa afirmação a partir do que é dito em [13], p.29 e 30, e [2],
p. 497, 515 e 517.
201
os organismos modificam seu ambiente natural,
que então passa a influenciar o seu próprio
desenvolvimento e através da seleção natural, sua
própria evolução e a de outras espécies, em
diferentes níveis; essa perspectiva é denominada
de Teoria da Construção de Nicho [108]. Ela
também considera que os seres humanos
modificam seu ambiente natural como nenhum
outro animal, principalmente através de suas
práticas culturais [109].
202
outra. Mais especificamente, estes mecanismos
são denominados Aprendizagem Cultural.
203
Franz Bertrano, a intencionalidade é o que
caracteriza os fenômenos que constituem aquilo
que denominamos de “mental”, “atos de
consciência” ou “fenômenos psíquicos”, em
contraposição aos fenômenos naturais.
204
mantemos através das diferentes culturas nas
quais vivemos-convivemos e da qual nem sempre
temos ciência.
Leitura
A leitura é uma forma de Aprendizagem
Cultural a partir de registros realizados em
diferentes épocas. Em termos “evolutivos” após o
surgimento do linguajear e da fala surge a
linguagem escrita e simultaneamente a
capacidade de leitura, que são fenômenos
exclusivamente humanos e que aparecem em um
momento recente de nossa deriva natural.
205
reorganizados durante o processo de
aprendizagem da leitura dando origem a novos
circuitos neurofuncionais 80.
80
Optei por utilizar o termo neurofuncional como referência ao fato de
que não são apenas circuitos nervosos (ou seja, substratos morfológicos)
que se constituem, mas são circuitos que permitem, através da ativação
de diferentes elementos em momentos diferentes, o estabelecimento de
um padrão espaço-temporal de ativação.
81
O que pode parecer contra intuitivo, a não ser que se considere a
concepção para aprendizagem socialmente mediada apresentada.
206
formação de memórias de longo-prazo durante a
aprendizagem associativa. Ou seja, os circuitos
para a aprendizagem socialmente mediada e para
a “aprendizagem não social” são os mesmos e
dizem respeito àqueles envolvidos na busca de
relações preditivas entre eventos, envolvendo
principalmente o córtex pré-frontal medial e o
núcleo estriado ventral [117]. Esta capacidade de
predição é uma forma de realizar “estatísticas” e
previsões sobre o mundo e está de acordo com
aquilo que propõem as explicações de Alisson
Gopnik e Patrícia Kuhl em relação ao
comportamento dos bebês humanos, como
comentei anteriormente.
207
entre os olhos e a boca, os asiáticos davam
atenção preferencial aos olhos. Devido a esse “viés
perceptual” os caucasianos eram mais eficientes
em identificar emoções como “medo” e “desgosto”,
que são emoções que causam contrações nos
lábios que são bem características, pois
prestavam mais atenção à boca do que os
asiáticos (que dedicam mais tempo observando os
olhos). Isso permite explicar porque em certas
situações, ao observar outros indivíduos que
estão diante de estímulos que geram medo ou
desgosto, os asiáticos tendem a ser menos efetivos
em aprender o que aquela interação social pode
ensinar, como por exemplo, a se afastar dos
estímulos em questão, identificados como
aversivos pelos sujeitos que estão sendo
observados [118].
208
envolvem uma série de neurônios espelho82
[119–121], mas há também hipóteses que tratam
a imitação como uma forma complexa de
aprendizagem associativa, evolvendo os mesmos
circuitos desta modalidade de aprendizagem
[113]. Dada sua complexidade e as diferentes
hipóteses explicativas existente, optei por não me
aprofundar no estudo desta forma de
83
aprendizagem neste livro .
82
Neurônios espelho foram inicialmente descritos como aqueles que
geram impulsos elétricos quando um macaco realizava ações ou quando
observava as mesmas ações em outro macaco ou em um ser humano.
Mais informações podem ser obtidas em https://goo.gl/Kw1Kvf .
83
Para mais informações a respeito sugiro a leitura de [119,119,120].
84
Essa equiparação entre emulação e under-imitation é uma escolha
minha, pois há autores que diferenciam ambos fenômenos.
209
Para os pesquisadores da Psicologia
evolutiva a pedagogia natural é considerada uma
adaptação que diz respeito a transmissão de
conhecimentos culturais através da
“comunicação” e é um fenômeno típico dos seres
humanos. Aqui convém destacar que a concepção
destes pesquisadores da pedagogia natural para a
“comunicação” não é a mesma da Biologia-
cultural do Conhecer, pois se assim fosse todos os
animais sociais apresentariam uma pedagogia
natural (já que a comunicação é um fenômeno de
todos os seres vivos e não exclusivamente
humana, como é o caso da linguagem). Neste
sentido este fenômeno pode ser compreendido
como uma transmissão de informações
intencional (e nesse caso seria algo tipicamente
humano).
210
que em muitos casos consumiria tempo e não
seria aplicável a eventos com os quais temos
apenas uma ou poucas oportunidades de contato.
A pedagogia natural é uma estratégia de
aprendizagem útil em situações nas quais há
“opacidade” em relação às finalidades, relevância
e mesmo em relação aos mecanismos subjacentes
ao fenômeno que se pretende aprender. Nela,
outro ser humano demonstra ou explica o que se
propõe a ensinar, organizando suas ações de
forma intencional, tendo em vista este objetivo.
Além disso, deve haver uma predisposição do
outro a aprender, na forma de uma expectativa
em relação à relevância social desse
“conhecimento” e a possibilidade de fazer
generalizações a partir dele [123]. Dito de outra
forma, a pedagogia natural é uma forma de
ensino que ocorre quando há opacidade das
metas e quando há um acoplamento comunicativo
entre observador (que aprende) e observado (que
ensina).
211
ciência explica certos fenômenos, e como eles
podem ser “repensados” a partir das concepções
da Biologia-Cultural do Conhecer. Toda vez que eu
apresentar explicações que pressupõem uma
finalidade adaptativa, um objetivo, ou que
procuram as causas de fenômenos culturais em
fenômenos de origem biológica isso implica que não
compartilho com esta expicação. Pretendo mostrar
que constituem uma matriz diferente de coerências
sensoriais-operacionais-relacionais. Aquela que
proponho a partir da Biologia-Cultural do Conhecer
e que gradativamente apresento, considera: a
indissociabilidade entre o ser, o fazer e o conhecer;
o determinismo estrutural; a contabilidade lógica; a
relatividade fundamental e; a (objetividade).
212
É a inter-relação e a influência recíproca
entre ambos domínios que nos constitui como
seres biológico-culturais: no domínio de nosso
operar autopoietico está a origem de nosso ser
biológico, enquanto que no domínio de interações
surgem diferentes aspectos de nosso viver
cultural. É aí que atuamos como observadores,
explicamos nosso próprio viver, aprendemos e
vivemos como seres socioculturais e geramos
outros tantos domínios a partir do reflexionar que
o linguajear permite. Neste sentido, vivemos nosso
viver transitando como observadores em vários
domínios que geramos em nosso observar,
explicar e reflexionar.
213
Domínios Fenomenológicos
projetados no Domínio do
Observador
Imagine que um domínio fenomenológico é
como uma folha de papel transparente onde há
desenhos feitos com diferentes tipos de materiais.
Agora imagine várias dessas folhas, cada uma
delas desenhada por uma criança entre seus 2 a
8 anos de idade pelo simples prazer de desenhar.
À medida que estes desenhos vão sendo
elaborados eles são empilhados, se sobrepondo.
214
sobreposição dos vários desenhos. Quando um
observador olha para este desenho complexo
todas as camadas de desenhos realizadas durante
vários anos estão projetadas num mesmo “plano”,
que constitui um domínio do observador. Dito
de outra forma, em seu observar o observador
“cria” um novo domínio fenomenológico onde
projeta, num mesmo plano ou domínio, distintos
domínios fenomenológicos correspondentes a
distintos domínios de determinismo estrutural. Se
este observador não for informado a respeito ou
se não “aprimorar” sua observação, não
distinguirá que o desenho é formado pela
sobreposição de várias folhas de papel
transparente, representando distintos domínios
fenomenológicos projetados no domínio do seu
observar.
215
materiais utilizados e diferentes “lógicas” em cada
uma das regiões do desenho complexo. Pode
haver regiões onde a sobreposição é tamanha que
não é possível observar nada, mas mesmo assim,
se o observador conseguir refinar suas reflexões,
pode inferir o que está observando no desenho
complexo.
216
o “sentido” que pode ser atribuído a ele é um
exercício de imaginação do observador, pois só
poderia ser explicado a partir do conhecimento
exato da história e de todo contexto complexo que
envolveu a criação de cada desenho, considerando
ainda que foram feitos sem uma finalidade,
seguindo “lógicas” distintas.
217
pertencentes a diferentes domínios
fenomenológicos.
Domínios Fenomenológicos,
Dinâmicas do Viver e Unidades
Quando no final da década de 1950
Maturana trabalhou no MIT (Massachutts Institute
of Technology) e teve contato com estudos de
inteligência artificial e modelagem robótica dos
seres vivos, ele chegou à conclusão que ao
modelar os fenômenos biológicos os
pesquisadores modelavam aquilo que lhes era
aparente a partir de sua perspectiva como
observadores e não aquilo que os seres vivos
218
fazem e os constituem como tais, e que dá origem
aos fenômenos biológicos. Foi então que
diferenciou (1) as distinções realizadas pelos
observadores em seu domínio do observador (2)
daquilo que os seres vivos fazem em seu operar.
Isto se tornou uma marca distintiva de sua
abordagem sobre os fenômenos cognitivos e que
aparece desde 1969 em seu artigo “The
Neurophysiology of Cognition” [3].
219
sua Dinâmica Interna como sistemas
autopoieticos moleculares, mas como uma
consequência espontânea desse operar [15]. Isso é
muito importante e distintivo das explicações da
Biologia-Cultural do Conhecer, pois as demais
explicações para as condutas humanas e os
fenômenos cognitivos mistura fenômenos que
pertencem à dinâmicas distintas.
220
daí que Maturana refletiu sobre suas observações
no MIT. O grande diferencial das suas concepções
foi especificar um domínio no qual surge o
observador e o observar.
Considerando a (objetividade) e a
relatividade fundamental, são as operações de
distinção do observador que permitem distinguir
entre uma ou outra dinâmica, dimensão ou
domínio existencial. Da mesma forma, são as
operações de distinção que permitem agrupar as
“coisas” que observamos no mundo em classes ou
categorias, como por exemplo, a classe de seres
que distinguimos como seres vivos. Segundo
Maturana:
85
Maturana utiliza a expressão “trazer a mão” como sinônimo de “trazer a
existência”, “dar origem a”, considerando que é operar do observador e
as operações de distinção que ele realiza que faz surgir as coisas que
surgem em seu observar.
221
As propriedades constitutivas do
observador especificam as distintas operações que
ele pode realizar durante suas distinções e essas
propriedades, que especificam seu atuar no
domínio de interações, são determinadas por
fenômenos e processos que ocorrem no domínio
de seu operar como sistema autopoietico
molecular.
222
estruturalmente determinado86, cujo operar
resulta naquilo que se pretende explicar. Sendo
assim, é no observar do observador e no seu ato
de explicar que surgem os distintos domínios
fenomenológicos que ele distingue, cada um deles
correspondente a um distinto domínio de
determinismo estrutural, como você também já
sabe. Isso porque o conhecer e o fazer dos seres
humanos é indissociável, assim como o seu
próprio ser. Além de distinguir entes e unidades,
um observador também pode distinguir
fenômenos ou processos [45].
86
Aqui estou novamente fazendo referência aos Critérios de Validação
das Explicações Científicas apresentados anteriormente. Neste sentido, a
diferença entre as explicações “científicas” e as de “senso comum” é que
as primeiras explicitam a matriz de coerências sensoriais-operacionais-
relacionais a partir da qual são elaboradas.
223
simples surgem na distinção do observador como
totalidades em que este não faz separação de
componentes. As unidades compostas surgem na
distinção do observador como totalidades que ele
logo decompõe em componentes (...). [13]
224
Todas as unidades distinguidas
especificam diferentes domínios com seus
respectivos fenômenos, os quais pertencem
exclusivamente a um destes domínios, ou seja,
não há fenômeno que pertença simultaneamente
a mais de um domínio. Como você já sabe, ao
atuar como observadores projetamos todos os
domínios e fenômenos que distinguimos em um
mesmo plano ou domínio do observador, mas em
nossas explicações devemos ter ciência e
especificar a qual domínio pertence cada
fenômeno. Isso porque não podemos fazer
relações causais, lógicas ou emergentes entre
distintos domínios e seus respectivos fenômenos,
já que eles são interdependentes e não
intersectantes, assim como exemplifiquei
anteriormente na analogia entre os domínios
fenomenológicos e desenhos feitos em folhas
transparentes.
225
relações causais, lógicas ou emergentes a partir
de fenômenos que ocorrem em nosso operar como
unidades autpoieticas moleculares (onde atuamos
como unidades compostas).
226
fechada de processos cíclicos e recursivos87 temos
um sistema dinâmico fechado [13]. Quando
dizemos que o Sistema Nervoso opera em
clausura operacional estamos dizendo que o
Sistema Nervoso é uma unidade composta, ou
mais especificamente, que é um sistema dinâmico
fechado88.
87
Um processo recursivo é aquele que envolve uma dinâmica cíclica
acoplada a uma dinâmica linear, e será explicado com mais detalhes a
seguir.
88
Podemos dizer que sistemas dinâmicos fechados, ou que a clausura
operacional a eles atribuída, constituem uma forma de organização, assim
como a autopoiese.
227
entes com a mesma organização pertencem a uma
mesma categoria ou classe [43,45].
228
podemos esquecer que “os substantivos ocultam
verbos”), e
89
Mitose, meiose e bipartição bacteriana são distintos processos de
divisão celular.
229
Buscando uma relação com as concepções que
apresento aqui, é o “contraste” que surge entre a
unidade e seu entorno que permite que tenhamos
“ciência” a seu respeito e isso se deve a operação
de distinção que permite especificar (constrastar)
“unidade” e “entorno”. Isso fala a favor de minha
opção por assumir que a distinção é o ato
cognitivo básico.
230
composta na qual passa a ser distinguido como
um componente. Este “jogo de mudança de
perspectivas” ou esta “navegação entre domínios
fenomenológicos” é um dos aspectos
fundamentais da Biologia-Cultural do Conhecer,
mas também um dos que traz maior dificuldade.
Também devemos estar atentos para manter
sempre uma contabilidade lógica, sem confundir
as propriedades dos componentes da unidade
composta e as propriedades que esta unidade
“assume” quando age em suas interações como
uma unidade simples.
231
explicar “o que é” uma unidade ou ente devemos
tratar esta unidade como uma unidade composta
e buscar compreender sua organização, sua
estrutura e seus componentes. Quando nosso
objetivo é compreender como uma unidade atua
no mundo e interage, então devemos “mudar
nossa perspectiva”, ou seja, mudar o domínio
fenomenológico e de correspondente
determinismo estrutural que vamos utilizar em
nossa explicação, e aí distinguir as propriedades
da unidade simples que interage.
232
“mudanças na perspectiva” da operação de
distinção. Isso permite a distinção:
233
(procarionte ou eucarionte, por exemplo) e sua
organização (autopoietica molecular), que é o que
fazemos no estudo da Citologia. Nesse momento,
deixo de distinguir as propriedades constitutivas
da célula como unidade simples (que pertencem a
outro domínio fenomenológico) e passo a
especificar através dos componentes, da estrutura
e da organização que caracterizam essa célula,
um novo domínio fenomenológico, onde ocorrem
outros fenômenos, distintos do domínio onde a
célula é distinguida como unidade simples.
234
consequentemente, diferentes domínios
fenomenológicos.
235
fenomenológicos para explicar cada um deles. Por
exemplo, ao distinguir dentro do domínio de
interações o fenômeno que denomino “observar”
surge um “observador” e um novo domínio
fenomenológico de processos (domínio do
observador), com sua correspondente matriz de
coerências sensoriais-operacionais-relacionais, a
partir da qual explico todos os fenômenos que
ocorrem no observar do observador.90
90
Faço toda essa reflexão principalmente baseado naquilo que está
explicado em [45].
236
originou na Terra, permitindo que a partir daí se
considerasse que os seres vivos passaram a
existir como tais. Essa pergunta, para a qual na
ocasião ele afirmava não ter uma resposta, fez
com que refletisse a respeito de quem são os seres
vivos.
237
é a vida, ele e Francisco Varela utilizaram a
concepção segundo a qual o que caracteriza toda
classe de entes que nós distinguimos como
observadores e classificamos como seres vivos é a
sua organização. A partir daí buscaram
determinar o que um observador deveria
distinguir de forma que ao fazer essa distinção o
resultado seria um ser vivo (visto como sistema
vivo) e para isso deveriam descrever a organização
que os caracteriza como tais [128]. Então sua
pergunta passou a ser: qual organização
caracteriza os seres vivos?
238
Eles denominaram a organização que
caracteriza os seres vivos de organização
autopoietica e, como consequência disso, os
seres vivos foram explicados como sendo
sistemas autopoieticos moleculares. Esse é o
conceito central da Teoria da Autopoiese de
Maturana e Varela que constitui, juntamente com
a explicação da evolução através da Deriva
Natural, a Biologia do Conhecer, como expliquei
no início deste livro.
239
Essa é a dinâmica que caracteriza os seres vivos
como sistemas autopoieticos moleculares. [15].
91
Este autor propõem ainda uma outra explicação mais detalhada, e
discute a respeito do que implica ou não esta definição. Não será
apresentada neste trabalho por fugir ao escopo dos meus objetivos, mas
vale a pena consultar para quem pretende se aprofundar a respeito.
240
mudanças compatíveis com sua estrutura e
manutenção da organização, o que implica, como
você já sabe, que nesses sistemas há um
determinismo estrutural: tudo o que ocorre com
eles é “determinado” pela sua estrutura [45].
241
operacionais-relacionais a partir das quais surge
no ato de distinção do observador,
242
computador para que nos forneça o extrato de
nossa conta corrente. [12]
243
Essas relações são definidas por certas
propriedades desses componentes (quando
distinguidos como unidades simples) e é
necessário considerar estas propriedades para
que, a partir de suas interações, seja possível
“induzir” ou “inferir” as relações definidoras da
organização em questão [15]. Mesmo em um
sistema que é “identificado” conceitualmente,
embora sua estrutura não seja observável, é
possível induzir sua fenomenologia ao reconhecer
sua organização [15].
244
que é principalmente observada no cérebro. Este
sistema possui extrema redundância em relação
as possibilidades de “caminhos” que podem ser
“seguidos” para conectar estruturas entre si, pois
diferentes neurônios com propriedades similares
são capazes de estabelecer um grande número de
conexões com outros neurônios, tanto localmente
como a distância, formando circuitos neurais que
lembram verdadeiras redes de transmissão.
245
fenomenológico diferente, diremos que haverá
uma intersecção estrutural entre esses
domínios, que é uma intersecção que se deve às
propriedades dos elementos que constituem sua
estrutura.
246
e o “funcionamento” da unidade material no
espaço físico.
247
outros são distinguidos como unidades abstratas.
No primeiro caso temos as células, o coração, os
ossos e as diferentes moléculas. Não podemos
esquecer que aquilo que denominamos de
molécula de água, fêmur, coração e célula surgem
como unidades concretas a partir do ato de
distinção do observador e só apresentam uma
existência efetiva para aqueles que compartilham
do domínio linguístico onde todos estes entes
surgem como tais. Eles são unidades concretas,
pois podemos interagir com eles através de suas
propriedades constitutivas no domínio físico,
como expliquei anteriormente, enquato só
podemos interagir com as unidades conceituais
ou abstratas dentro do nosso domínio de
descrições. O que ocorre é que quando um aluno
aprende sobre as células ou o coração, mas não
interage com estes entes concretos no plano físico
de forma que possa interatuar com suas
propriedades constitutivas, vou considerar que
neste momento estes entes “se tornam” entes
abstratos, pois o aluno só interage com eles no
domínio de descrições.
248
ensinar em sala de aula sobre as células, vistas
como unidades (simples) fundamentais dos seres
vivos, listamos suas propriedades e o aluno
precisa fazer uma “abstração” para poder interagir
com estas propriedades apenas através do
domínio de descrições, já que não está
efetivamente interagindo com as células no plano
físico.
249
Enquanto o aprender prático implica numa
“vivência direta”, o aprender conceitual é
exclusivo dos seres linguajeantes como nós e
ocorre na dependência do quanto aquele que
aprende têm “fluência” no campo das descrições e
apropriação de um domínio linguístico. Considero
que a quase totalidade do que aprendemos nos
ambientes escolares diz respeito à apropriação de
distintos domínios linguísticos para que o
estudante seja capaz de linguajear utilizando
estes domínios, o que requer uma “capacidade” de
abstração. Isso é um nível de “produção de
conhecimento” pelo estudante diferente da
“produção de conhecimento” que ocorre nos
ambientes de pesquisa, no qual há interações não
apenas no domínio de descrições, mas também no
plano físico, possibilitando a criação de novos
domínios linguísticos a partir do trabalho
experimental. Dito de outra forma, enquanto o
aprender conceitual leva à apropriação de um
domínio linguístico já existente, o aprender
prático favorece, além disso, a criação de novos
domínios linguísticos. A seguir voltarei a refletir a
este respeito, pois é neste ponto que reside a
importância do conversar para (aprender).
250
um destes domínios e em cada um deles participa
através de diferentes propriedades. Logo, há
intersecção estrutural entre os domínios
linguísticos que dizem respeito à diferentes
disciplinas ou campos do conhecimento, mas
devemos lembrar que por se tratar de diferentes
domínios de determinismo estrutural, a célula
que a biologia celular estuda é diferente da célula
que a biologia molecular ou a histologia estudam.
Não devemos esquecer disso e das suas
implicações no momento de fazer reflexões e
propor explicações interdisciplinares, que podem
levar à erros de contabilidade lógica.
251
domínio de interações e do observador, incorrendo
em um erro de contabilidade lógica.
252
limitação cognitiva, falta de inteligência ou falta
de motivação (isso pode ser o caso). Muitas vezes
isso deve-se ao fato de não que especificamos as
matrizes de coerências sensoriais-operacionais-
relacionais a partir da qual cada um desses entes
e fenômenos foi distinguido e consequentemente
não utilizamos “estratégias” para que nós e os
nossos alunos possamos operar dentro de uma
mesma matriz e a partir disso, possamos realizar
as mesmas operações de distinção e distinguir a
mesma célula da mucosa intestinal, a mesma
glicose que ora está no alimento e ora aparece no
sangue.
253
misturamos domínios fenomenológicos e não
explicitamos de que forma estes entes abstratos
surgem e se relacionam com estes entes materiais
que distinguimos em nosso explicar. Além disso,
buscamos estabelecer relações causais, lógicas ou
emergentes entre os domínios aos quais
“pertencem” os entes concretos e os entes
abstratos, incorrendo desta forma em erros de
contabilidade lógica.
254
autopoieticos moleculares. É isso que permite que
nossa dimensão biológica se entrelace com nossa
dimensão cultural e nos constitui como seres
biológico-culturais.
Tendo em vista essas reflexões, cabe agora
a pergunta: como podemos manter nossa
contabilidade lógica e transitar entre distintos
domínios fenomenológicos, estabelecendo relações
entre eles sem elaborar explicações reducionistas?
Como podemos explicar os diferentes aspectos do
nosso viver, que se concretizam em nosso ser
biológico, mas que dizem respeito a fenômenos
que pertencem a distintos domínios
fenomenológicos culturais? Para isso precisamos
compreender de que forma os distintos domínios
fenomenológicos que geramos a partir de nossas
operações de distinção se relacionam entre si
através do observar do observador.
255
[2]. Logo, o observador não é um ente
transcendente e, assim como tudo aquilo que
distinguimos em nosso viver, surge quando
distingue seu observar a partir de seu próprio
observar.
256
distingue seu próprio operar; logo todo ato de
reflexão ocorre no operar do observador [13].
257
explicação se dirige, logo “(...), há tantos explicares
diferentes quantos modos de escutar e aceitar
reformulações da experiência” [40].
94
O gameta feminino “maduro” é o óvulo, mas quando uma mulher ovula
ela libera dos seus ovários uma célula que ainda não concluiu o processo
que permite torná-la um óvulo. Esta célula “imatura” é um ovócito.
258
moleculares, inicialmente como esta célula única.
Através de sucessivas divisões celulares origina-se
um embrião e posteriormente um feto, que com
seu desenvolvimento (ontogênese) dá origem ao
bebê que já fomos, à criança e depois ao adulto e
ao idoso, enquanto nossa autopoiese se mantiver.
259
Assim como Maturana e Varela, não vou
refletir acerca de qual organização caracteriza os
metacelulares, mas apenas considerar que são
sistemas autopoieticos moleculares e que
constituem unidades autopoieticas de segunda
ordem. No prefácio da 5ª. edição do livro “De
Máquinas e Seres Vivos” Varela afirma que
discorda de Maturana a respeito dessa
constituição das diferentes ordens de sistemas
autopoieticos [15].
260
relacionais organismo-nicho. Isso faz referência
ao fato que essas unidades dinâmicas existem
simultaneamente em dois domínios
fenomenológicos distintos (seu domínio
“operacional” e seu domínio “relacional”) e que
estão em acoplamento estrutural com seu nicho
(ou seja, são unidades organismo-nicho).
261
que interagem, resultante das compensações de
cada sistema frente as perturbações recíprocas.
262
III
O que é a Cognição?
263
Como comentado anteriormente, para a
Biologia-Cultural do Conhecer aprender implica
que ocorreu um acoplamento estrutural. Sendo
assim, podemos especificar que todo aprender
ocorre a partir das interações que um organismo
realiza e, no caso dos seres humanos, esse
acoplamento pode ocorrer em diferentes domínios
de interações que surgem não só a partir de suas
interações com o ambiente, mas também em
interações sociais dentro de distintos domínio
linguístico, nas diferentes redes de conversações
nas quais ocorre nosso viver-conviver com outros
seres humanos.
264
Agora vou fazer o mesmo em relação a
cognição e os fenômenos cognitivos, dentre os
quais identifico o aprender.
A Cognição e os Fenômenos
Cognitivos
A busca pela compreensão dos
mecanismos do conhecer tem motivado a
curiosidade humana muito antes de ser pauta
das discussões científicas. Em termos filosóficos
esta busca tem sido pelo “em si” das coisas, do
nosso próprio ser e de uma realidade
transcendente (interesse também compartilhado
pela teologia), e em termos neurocientíficos pode
ser expressa por meio de perguntas pelos
mecanismos através dos quais nossos órgãos
sensoriais são os mediadores de nosso acesso a
essa realidade (num processo de desconstrução e
reconstrução das informações do meio), ou pela
forma como emerge (a partir do funcionamento do
Sistema Nervoso) a noção de eu, a consciências,
os comportamentos e os distintos processos
mentais que caracterizam o ser humano.
265
“processos cognitivos”, “processos mentais”,
“mente” ou “cognição”, e fazem referência ao
processamento das informações sensoriais que
chegam ao Sistema Nervoso a partir do ambiente
externo ou interno, ou ainda, a todos os processos
cerebrais envolvidos na determinação de
comportamentos adaptativos e que favoreçam a
sobrevivência, tanto em animais como em
humanos [129].
266
As Neurociências integram conhecimentos
de várias ciências biológicas (como a anatomia,
embriologia, farmacologia, genética e fisiologia) de
forma aplicada ao estudo das funções do Sistema
Nervoso. Dentre os objetos de estudo das
Neurociências estão os processos cognitivos. As
Ciências Cognitivas, por sua vez, também partem
de uma abordagem multidisciplinar, mas seu foco
de estudo desde sua origem são os processos
cognitivos. A conjunção de esforços entre as
Neurociências e as Ciências Cognitivas constitui
um novo campo de estudo denominado
Neurociências Cognitivas.
95
Conhecer.
96
Essa é a tradução do neologismo espanhol Ennación.
267
será mais fácil identificar o contexto histórico a
partir do qual surge a Biologia do Conhecer e a
Biologia-Cultural, que dão as bases para a
Biologia-Cultural do Conhecer.
Epistemologias e Cibernética
Entre os anos de 1940 e 1956 a proposta
da nova ciência da cognição, cujo objetivo era a
compreensão do “conhecer”, assumiu a forma de
distintas epistemologias, como a Epistemologia
Genética de Jean Piaget, a Epistemologia
Evolutiva de Konrad Lorenz e a Epistemologia
Experimental de Warren McCulloch. Ao mesmo
tempo, os esforços de cientistas como McCulloch,
John von Neumann, Norbert Wiener e Alan Turing
deram origem a uma nova Ciência da Mente que
foi posteriormente denominada Cibernética.
268
Essa é a lógica que permite compreender “a forma
como a inteligência atua quando quer deduzir com
objetividade, clareza e método, de forma exaustiva,
examinando todas as possibilidades possíveis”
[79].
269
compostas (sistemas), estrutura e relações de
organização (organização).
270
sejam compreendidas. Essa abordagem deu as
bases para um novo paradigma denominado
Cognitivismo, que é o tema da próxima seção.
Cognitivismo e Representações
Simbólicas
Esse paradigma também é conhecido como
Ciência Cognitiva Clássica. É uma decorrência
dos conhecimentos desenvolvidos pela Cibernética
e tem início em 1956 a partir de uma série de
encontros que definiram novos rumos para o
estudo dos processos cognitivos. Seus
precursores são Herbert Simon, Noam Chomsky e
Marvin Minsky. A hipótese cognitivista é que a
mente opera de forma lógica, ou como um
computador, e que a cognição pode ser
compreendida como a computação de
representações simbólicas [130].
271
sem parêntese". Com a ênfase no realismo o
aspecto subjetivo das experiências foi por muito
tempo relegado a um segundo plano por não ser
passível de quantificação, sendo considerado um
objeto de estudo não adequado às ciências.
Apenas com o desenvolvimento da Psicologia
como ciência, e especialmente com a “abordagem
fenomenológica”, esses processos tiveram sua
importância reconhecida e passaram a ser pauta
de estudos científicos. Voltarei a conversar sobre
isso a seguir.
272
semântica [130]. O foco do Cognitivismo é sobre a
capacidade representativa da cognição, também
conhecida como intencionalidade. Aqui este
conceito tem uma significação ligeiramente
distinta daquela apresentada anteriormente
(proposta por pesquisadores como Michael
tomaselo), que considera que intencionalidade é a
capacidade de compartilhar intenções tendo em
vista um objetivo comum.
273
humanos em relação aos demais animais são
justamente a capacidade de (1) atribuir
intencionalidade aos outros e de (2) interagir
culturalmente com os outros, o que considera
serem processos intimamente relacionados [116].
274
Em um computador conseguimos
identificar que o aspecto semântico está
condicionado pela programação que é realizada
através de um algoritmo; a questão é conseguir
identificar de onde provém o aspecto semântico
das representações simbólicas que os
cognitivistas supõem estar registradas no cérebro.
Tal questionamento dá a base para a proposição
da perspectiva dos Fenômenos Emergentes que
será apresentada a seguir.
275
Em seu livro “Muito Além do Nosso Eu” [6]
o neurocientista Miguel Nicolelis traz uma
interessante abordagem histórica sobre as
concepções localizacionistas e as abordagens de
processamento distribuído para a explicação das
funções cerebrais. Partindo de pressupostos
claramente cognitivistas, sua discussão explora o
quanto a organização do processamento cerebral
no estudo das funções cognitivas segue padrões
hierárquicos, a partir de grupamentos neuronais
específicos, ou emerge da atividade de grandes e
distintas regiões cerebrais, com ampla
sobreposição funcional, de forma similar ao que
propõe o paradigma das Relações Emergentes
(que será discutido a seguir).
97
A técnica de eletrodo único diz respeito ao uso de um eletrodo de
registro para mediar a atividade elétrica em um neurônio por vez.
276
propriedades individuais dessa célula pudessem
definir aquilo que o cérebro realiza como um todo
(...) Posso dar meu testemunho pessoal de quão
sedutora era essa visão (...) é fácil esquecer que a
célula que você está monitorando é apenas uma
de muitas que estão respondendo ao mesmo
estímulo simultaneamente [6].
Conexionismo e Relações
Emergentes
Era comum desde a época da Cibernética
que muitos pesquisadores tentassem localizar
engramas, que são uma forma física de
armazenamento das memórias no tecido cerebral.
Entretanto, vários dados experimentais indicavam
que os cérebros não armazenam informações em
locais definidos, parecem não conter regras e nem
um processador central.
277
Desde então já era conhecido o fato que os
cérebros operam através de uma rede massiva e
distribuída de interconexões, que se altera de
forma dinâmica frente às experiências e apresenta
uma capacidade auto organizadora que não é
própria dos fenômenos lógicos.
278
que precisam ser "decodificadas", como por
exemplo, o registro da atividade elétrica cerebral a
partir do Eletroencefalograma (EEG), da atividade
elétrica de neurônios ou de grupos de neurônios,
ou ainda, de trincas de bases nitrogenadas em
nucleotídeos em um fragmento de DNA.
279
Informações Extrínsecas, por serem
simbólicas, são passiveis computação binário-
digital através de sistemas de Neurônios de
McCulloch-Pitts, já que podem ser expressas e
manipuladas através de formalismos lógico-
matemáticos. O paradigma Cognitivista lida
apenas com esse tipo de informações. As
Informações Intrínsecas, por sua vez, emergem de
sistemas auto organizados e não são passíveis de
manipulação através do paradigma Cognitivista,
pois estão relacionadas a computações
analógicas e não binário-digitais [14]. Essas
informações só podem ser manipuladas e
compreendidas a partir do Paradigma das
Relações Emergentes. É a partir desse
paradigma que o cérebro passa a ser um modelo
de referência para o estudo dos processos
cognitivos, já que dentro de um paradigma
Cibernético ou Cognitivista são os resultados
tecnológicos que dão base às suposições acerca
desses processos.
280
nos padrões dessas conexões a partir de um
estado inicial arbitrário [130], mudanças estas
decorrentes das interações da rede neural com o
seu entorno. Há várias regras de aprendizagem e
a mais explorada é a Regra de Hebb.
281
Figura 15. Esquema mostrando a Potenciação a Longo
Prazo (LTP). Um neurônio pré-sináptico A que será
estimulado faz sinapse com um neurônio pós-sináptico B
que será registrado. Antes da indução do LTP é possível
observar a amplitude do potencial pós-sináptico excitatório
(PPSE) registrado em B quando A sofre um estímulo de
intensidade X. Após a indução da LTP é possível observar
que a amplitude do PPSE registrado em B aumenta diante
do mesmo estímulo de intensidade X aplicado em A. Fonte:
adaptado a partir de https://goo.gl/s6TEhF.
282
neurônios. Esse modelo, que pode ser testado em
estudos de Inteligência Artificial (IA) através do
uso de redes neurais artificiais, propõe que:
283
simbólica é substituído pelas operações
numéricas. A dinâmica não-linear é a
matemática que descreve os sistemas complexos e
propõe que as propriedades desses sistemas
podem ser descritas em termos de atratores, que
são formas matemáticas de expressar as
propriedades emergentes de um sistema [130].
284
imitação ou retro propagação [130] . Há outros
paradigmas como o aprendizado supervisionado,
o aprendizado não-supervisionado (ou auto-
organização), aprendizado competitivo e o
reforço. As regras de aprendizagem utilizadas em
RNA determinam a forma de interação da rede
neural com o ambiente e entre os elementos da
própria rede [138].
285
dinâmica neural denominados símbolos
discretos [130]. Este domínio corresponde a um
domínios fenomenológico distinto do domínio
biológico, apesar de ambos estabelecerem uma
relação de interdependência.
286
Curiosamente na década de 1950 os
estudos de Humberto Maturana sobre as
percepções levaram à conclusão que não era
possível buscar correlações causais entre
parâmetros de estímulos luminosos (como o
comprimento da onda luminosa, que corresponde
à Informações Extrínsecas) e a percepção de cores
(correspondentes à Informações Intrínsecas).
Foram estes estudos que levaram à conclusão
sobre o determinismo estrutural e o fechamento
operacional do Sistema Nervoso [9, 11].
Entretanto, a explicação de Maturana não
compartilha o mesmo domínio lógico das
explicações de Nicolelis e Circurel, que partem de
um paradigma com forte influência cognitivista,
apesar de avançarem em suas conclusões em
direção a um paradigma de relações emergentes.
287
Informações Extrínsecas) nunca poderá ser
utilizado para prever com precisão as condutas de
um ser vivo, como a expressão de seus
sentimentos (uma Informação Intrínseca), ou seja,
não é possível que sejam obtidas relações causais
entre estes parâmetros.
Enação
Os conhecimentos da Cibernética, do
Cognitivismo e do Conexionismo, apesar dos
avanços que trouxeram para a compreensão dos
processos cognitivos, não dão conta de explicar
várias de suas dimensões. Isso porque todos eles
partem do pressuposto comum do realismo,
considerando que há uma realidade pré-existente,
externa e independente ao sujeito que conhece
[139] e que pode ser subdividida em domínios que
constituem regiões de elementos discretos com
características definidas, delimitando distintos
espaços dados de problemas [131]. Ocorre que
288
uma das mais surpreendetes característica da
nossa cognição consiste em fazer surgir as
questões relevantes a cada momento e não
apenas atuar dentro de domínios pré-definidos.
Um exemplo interessante é o Deep Blue,
um computador construído pela IBM
especificamente para jogar xadrez, ou seja, para
resolver problemas em um domínio específico (o
“mundo do xadrez”) a partir de certas regras pré-
definidas e de uma base de dados contendo mais
de 700 mil partidas entre experts. Sua capacidade
de processamento permite analisar 200 milhões
de posições por segundo através da utilização de
256 coprocessadores. Em 1996 o Blue jogou
contra Garry Kasparov (o melhor jogador de
xadrez de todos os tempos) e perdeu com uma
pontuação de 2 x 4. Só após ser atualizado em
1997 o Depp Blue venceu Kasparov com uma
pontuação apertada de 3,5 x 2,598. Isso mostra
que mesmo em um domínio específico é
necessária muita informação pré-definida para
que um computador tenha um desempenho um
pouco melhor que um ser humano. O mesmo
sucesso tem sido difícil em outros domínios, como
por exemplo, na simulação de movimentos
humanos, pois não há limites definidos para tal
domínio dadas infinitas possibilidades que só
podem ser determinadas pelo uso contínuo de
nosso “sentido comum”, que é nossa história
corporal e social [130]. Isso levou o pesquisador
Daniel Wolpert a afirmar que o motivo da
98
Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/Deep_Blue - acesso em 20.11.17
289
existência de nossos cérebros é o controle de
movimentos, dada sua complexidade [140].99
290
presente que vivemos implicando a história que lhe
deu origem” [13], vivendo em um contínuo
entrelaçamento entre nosso linguajear e nosso
emocionear [2] que constitui o conversar.
Ao definir regras e supostos a priori nos
colocamos fora desse “mundo interior”, que é
justamente de onde emerge a cognição e que só
pode ser apreendido e compreendido através da
ação, da história e da imitação, convertendo-se
em parte de uma compreensão já existente [130].
Para que essa compreensão seja possível é
necessário abrir mão de certezas e da concepção
de uma realidade externa e pré-existente ao
sujeito que conhece, ou seja, de um paradigma
realista e representacionalista clássico. Assumir a
Enação é assumir que sujeito e objeto,
conhecedor e conhecido, se determinam
mutuamente e surgem simultaneamente, o que
em termos filosóficos implica dizer que o
conhecimento é ontológico [130], ou dito de
outra forma, todo ato de conhecer faz surgir um
mundo, e há uma indissociabilidade entre o ser, o
fazer e o conhecer [12]. Esta é outra forma de
explicar a (objetividade).
100
Fonte: https://www.pensador.com/frase/Mzk/, acesso em Outubro de
2017.
101
Há várias abordagens fenomenológicas; nesse parágrafo me refiro à
Fenomenologia na perspectiva de Edmund Husser.
291
perguntas e não os objetos ou os fatos, mas os
sentidos que neles podem ser “percebidos”. Nessa
abordagem a epoché é a “atitude mental” de
“tirar os juízos do circuito”, “abrir a consciência à
experiência”, considerar que as teorias não são
verdades sobre a realidade do mundo, mas que
podem ser admitidas quando colocadas “entre
parênteses” [141]. Provavelmente é a partir dessa
perspectiva que Maturana propõe a (objetividade)
– entre parênteses – e que eu proponho o
(aprender).
292
superfície, as explicações consistem na
descoberta de como as coisas realmente são;
quando se descobre o modo de funcionamento
das coisas então elas estão explicadas [41]. Para o
realismo o objetivo das ciências é a explicação dos
mecanismos que regem o universo na busca de
uma aproximação cada vez maior de uma verdade
única, apesar das limitações de nossos sistemas
sensoriais.
293
partir desse conceito para explicar os processos
cognitivos; é aí que surge a ideia que o mundo
está predefinido e que suas características são
pré-existentes à atividade cognitiva. No mesmo
sentido, Maturana e Dávila distinguem “entes” ou
“entidades”, cujo uso pragmático pelo observador
é aquele que remete a representação em termos
interpretativos, mas que pode assumir um caráter
ontológico em termos de uma pré-existência à
atividade do sujeito que conhece se ele deixa de
assumir a relatividade fundamental [2,13], o que
consideram não ser o mais adequado ao propor
explicações sobre o conhecer. Assim, é a
abordagem representacionalista clássica, que está
por trás do Cognitivismo e do Conexionismo, que
a Enação, assim como a Biologia-Cultural do
Conhecer, propõe abandonar.
294
volta em que descobrimos, a partir de nossa
própria perspectiva perceptiva, como limitações
externas e atividade gerada internamente”, em um
processo “co-determinado”. Parafraseando Varela:
os processos cognitivos estão enlaçados à história
vivida, tal como um trilha que não existe, mas que
se cria ao andar por ela [130]. A Biologia-Cultural
do Conhecer está situada dentro do paradigma
explicativo da Enação [131].
295
IV
296
Se eu assumo a matriz de coerências
sensoriais-operacionais-relacionais que a
Biologia-Cultural do Conhecer implica, assumo
que cada um de nós, como eu e você que me lê
agora, somos geradores dos mundos em que
vivemos e nos quais, como seres humanos,
podemos conviver através do conversar. Sendo
assim, a partir de agora, depois que expus os
domínios lógicos e as respectivas matrizes de
coerências sensoriais-operacionais-relacionais a
partir das quais vou elaborar minhas reflexões,
assim como aquelas que não compartilho, passo a
assumir a autoria do que direi, como Maturana
faz na grande maioria dos seus textos.
297
Domínios Existenciais e
Fenomenológicos
Em nosso observar podemos distinguir que
há dois domínios existenciais nos quais os seres
vivos realizam seu viver:
298
equivale a experiência que se tem no momento
que ela ocorre. Isso porque a experiência é
análoga aos fenômenos que ocorrem no Domínio
Constitutivo Biológico, enquanto às descrições e
memórias são análogas aos fenômenos que
ocorrem no Domínio de Interações. Aqui cabe a
ressalva que mesmo aquilo que vivo no momento
de cada experiência já é um fenômeno do Domínio
de Iterações, pois diz respeito a uma descrição
para mim mesmo daquilo que estou vivendo e não
todo viver biológico que aquilo implica é que
quando é descrito já pertence a outro domínio.
Essa distinção é muito sutil, mas é fundamental.
Como explicarei a seguir, no momento que surge
o lingiuajear e com ele o observador, nós
“capturamos” e “compartilhamos” (conosco ou
com outros) todas as nossas experiências no
linguajear e aí elas já são algo distinto do
fenômeno do vivê-las em si como sistemas
autopoieticos moleculares. O coração não para de
“bater” no peito, isso é o fenômeno biológico em
si, em seu ocorrer momento a momento, do qual o
próprio corpo nem tem “ciência”. Quando
sentimos seu “bater”, quando o auscutamos, ou
qunado falamos a seu respeito ou explicamos que
“o coração bombeia o sangue”, aí já temos um
fenômeno distinto.
299
Destrutivas e se o organismo operar nesse
domínio ele sente mal-estar, sofre, sente dor,
perde sua autopoiese e morre.
300
pressupostos e vou considerar que o Relatório
assume tal abordagem.
301
esta cultura valoriza, o quanto eles nos afastam
do amar e se queremos mantê-los ou não em
nosso viver-conviver.
Domínio Cognitivo-Interacional
Durante suas interações com diferentes
perturbações uma unidade sofre “mudanças
compensatórias” ou “deformações” que são
determinadas por sua estrutura e descritas por
302
um observador como condutas ou
comportamentos. Consequentemente, o Domínio
de Interações de um organismo é também o seu
Domínio Comportamental, ou Domínio de
Condutas.
102
Lembre-se da analogia entre a experiência, sua memória e sua
descrição que utilizei anteriormente.
303
descrição do “agente deformante” (ou “estímulo”)
que atua como perturbação e a respectiva
deformação como a “representação” de tal agente
na estrutura do organismo. É isso que está por
trás das concepções do representacionalismo e
da ideia de que há transmissão de informações
entre o organismo e seu ambiente, ou entre os
organismos em suas interações. Desde que
tenhamos clareza de que tudo isso ocorre na
perspectiva do observador, sem buscar com isso
explicar o operar do organismo (que diz respeito
ao seu Domínio Constitutivo Biológico) não
estamos incorrendo em nenhum erro de
contabilidade lógica. Entretanto, devemos ficar
atentos ao que essa forma de explicar pode
ocultar, especificamente, as ações que fazem
surgir um mundo de entes no ato de observar do
observador, ou seja, a (objetividade), a
relatividade fundamental e a matriz de
coerências sensoriais-operacionais-relacionais
a partir da qual o observador opera.
304
Domínio Cognitivo, de Condutas, de Descrições
ou do Observador e Relacional.
103
para os animais o Domínio de Interações não equivale ao Domínio
Relacional, pois eles não descrevem suas interações já que não são seres
linguajeantes.
104
Como vou explicar com mais detalhes a seguir, e como já afirmei
anteriormente, diferencio estes domínios existenciais dos diferentes
domínios fenomenológicos que podem ser distinguidos dentro do Domínio
Cognitivo-Interacional. Estes sim se referem à distintos domínios de
determinismo estrutural.
305
viver cultural, negamos nossa natureza biológica
e, como você já sabe, é daí que surgem o mal-
estar, as dores, os sofrimentos e o adoecimento.
306
Domínio Cognitivo-Interacional) fenômenos que
pertencem à diferentes domínios de determinismo
estrutural e que, consequentemente, implicam
diferentes Matrizes.
Em algumas ocasiões utilizamos nestes
diferentes domínios de determinismo estrutural
as mesmas condutas linguísticas, como por
exemplo as mesmas “palavras”, mas não devemos
esquecer que elas não implicam necessariamente
as mesmas coordenações de ações. Como você já
sabe, as palavras ocultam verbos e o “significado”
que podemos atribuir a elas é secundário em
relação às ações que elas coordenam junto
àqueles que compartilham deste mesmo domínio
linguístico. A seguir vou explicar mais a este
respeito.
307
Diferentemente da Biologia-Cultural do Conhecer
entretanto, ele considerou que essas funções
surgem nesse domínio, mas são posteriormente
internalizadas, ao que denominou de
internalização das experiências sociais [144].
Ele considerou ainda que estas experiências
internalizadas se sobrepõe às estruturas
biológicas e passam a atuar como determinantes
das condutas. Nesse último aspecto esta
abordagem explicativa se diferencia da Biologia-
Cultural do Conhecer e se aproxima daquilo que
propõe a Psicologia Macrocultural de Carl Ratner
que apresentei anteriormente.
308
campo consensual de condutas acopladas,
reciprocamente orientadas (que se especificam
durante o processo de sua geração), constituindo
um Domínio Linguístico [15]. Como já deve estar
claro até aqui, em um Domínio Linguístico as
interações não são informativas, pois uma
unidade não determina o que ocorre a outra, dada
a relatividade fundamental e o determinismo
estrutural.
309
perturbações não-linguísticas provenientes de
outros seres vivos. Nos Domínios Linguísticos os
seres humanos se acoplam entre si através do
linguajear e do conversar. É neste domínio que
ocorre o (aprender), que é um fenômeno
tipicamente humano.
310
Constitutivo Biológico, ou seja, nossa “dimensão
animal”. Essa é a ênfase das ciências biológicas,
mas muitos estudos incorrem em erros de
contabilidade lógica ao supor relações causais,
lógicas ou emergentes entre ambos domínios. O
estudo dos fenômenos que ocorrem nos Domínios
Linguísticos permitem refletir sobre nossa
dimensão cultural e nossas características
tipicamente humanas. As ciências humanas têm
enfatizado esta abordagem, muitas vezes sem
considerar o entrelaçamento que ocorre entre
esses domínios e nossa dimensão biológica.
Apenas através de relações gerativas que
podemos estabelecer como observadores de
ambos os domínios, mantendo uma contabilidade
lógica e através de uma epoché, podemos
compreender nosso viver biológico-cultural e
assim sim propor explicações que nos aproximam
mais daquilo que somos como seres humanos.
Vou explicar mais a respeito destas relações a
seguir.
311
isso implica que nossa cultura passa a fazer parte
do meio necessário à nossa existência e
sobrevivência biológica como Homo sapiens.
105
Para seres vivos sem Sistema Nervoso isso leva a uma série de
mudanças em sistemas de natureza metabólica.
312
motores nos quais uma superfície sensorial se
conecta a uma rede de interneurônios ou
neurônios associativos, em diferentes níveis
hierárquicos do Sistema Nervoso central, com
efeitos sobre o estado dos elementos conectados
aos componentes motores, como os músculos e
as glândulas. Em decorrência disso ocorre uma
série de condutas que denominamos de condutas
reflexas, ou reflexos, com distintos graus de
complexidade.
313
as sensações dizem respeito à fenômenos do
Domínio Constitutivo Biológico, pois são
“assinaladas” neste domínio como um
“ajustamento” do estado de ativação do Sistema
Nervoso e de todos os sistemas à ele acoplados.
As condutas decorrentes das sensações são um
fenômeno do Domínio Cognitivo-Interacional, pois
para os seres humanos são passíveis de descrição
no linguajear, mas são um fenômeno distinto das
sensações, apesar de relacionados a elas.
314
Como comentei no início deste texto ao
explicar os estudos de Maturana no final da
década de 1950, não são os estímulos que
determinam as percepções. Agora afirmo que as
percepções são determinadas por um estado de
ativação do sistema nervoso (sensação) descrito
por um observador ou auto-observador utilizando
para isso elementos de um Domínio Linguístico,
ou seja, são um fenômeno biológico-cultural.
Sendo assim, não podemos explicar as percepções
simplesmente através do estudo do operar do
sistema nervoso.
315
que eles não apresentam relações de continência
ou pertença, no sentido que não há subdomínios
e macrodomínios, já que cada um deles especifica
um âmbito de determinismo estrutural distinto.
As relações que há entre eles, como destaquei
anteriormente, se devem a intersecção estrutural
que pode ocorrer. Por exemplo: o conceito de
“célula” pode ser compartilhado entre vários
domínios e isso pode dar a impressão que a
Citologia, a Biologia Celular e a Histologia se
referam a mesma “célula” (ou seja, que este
conceito tem o mesmo “significado”), o que pode
não ser o caso, dado que cada um desses
Domínios Linguísticos é corresponde a um âmbito
de determinismo estrutural distinto, como
comentei anteriormente. O que podemos fazer
como observadores é ‘transitar” entre diferentes
domínios sem estabelecer entre eles relações
causais, lógicas ou emergentes, mantendo nossa
contabilidade lógica, numa constante epoché.
Isso implica que quando alguém estuda um
comportamento, enquanto outro alguém estuda
as emoções, ambos estão distinguindo fenômenos
do mesmo Domínio Cognitivo-Interacional, mas
como observadores podem estar distinguindo
estes fenômenos a partir de diferentes Domínios
Linguísticos (por exemplo, Comportamentalismo,
Psicanálise ou Fisiologia) e, nesse caso, operam a
partir de diferentes âmbitos de determinismo
estrutural que implicam diferentes Matrizes.
Como observadores podemos optar pelo Domínio
Linguístico a partir do qual queremos explicar
316
esses fenômenos, sem esquecer que todos eles
pertencem ao Domínio Cognitivo-Interacional.
Consequentemente, incorremos em um erro de
contabilidade lógica ao buscar relações causais,
lógicas ou emergentes entre a Fisiologia e a
Psicanálise, por exemplo. Não incorremos em
erros de contabilidade lógica ao explicar as
emoções e os comportamentos a partir da
Psicanálise, ou a partir da Fisiologia, ou
relacionando-os sem perder de vista que
constituem diferentes Domínios Linguísticos.
Observador, Autoconsciência e
Relações Gerativas
Um sistema capaz de interatuar com seus
próprios estados106 e de desenvolver com outros
sistemas um Domínio Linguístico comum pode
tratar seus próprios estados linguísticos como
fontes de perturbações, interatuando num
domínio linguístico fechado. Um sistema que atua
dessa forma recorrente é um Observador [15]. O
Observador opera num domínio próprio
constituído pelo conjunto de Domínios
Linguísticos (que constitui para os seres humanos
a quase totalidade do seu Domínio Cognitivo-
Interacional) dos quais ele participa e dentro dos
quais “transita” na maioria das vezes sem ter
ciência que está operando a partir de diferentes
âmbitos de determinismo estrutural. É então que,
como observadores, projetamos distintos
106
Como podem fazer aqueles seres vivos dotados de Sistema Nervoso.
317
fenômenos pertencentes à distintos domínios
fenomenológicos em um mesmo “plano” ou
domínio do observador, como você pôde
compreender na analogia com os desenhos
sobrepostos feitos em folhas transparentes que
apresentei anteriormente.
318
experiência”, já que cada situação surge como
uma “composição espontânea” a partir da
anterior, sem designos ou propósitos, mas nun
constante vir-a-ser. Isso origina novos domínios
fenomenológicos que o observador distingue ao
falar de história e tempo, como proposições
explicativas para suas distinções. Apesar do
observador propor a noção de tempo ao distinguir
a historicidade de sua experiência, seu suceder
experiencial é irreversível e unidirecional, já que
surge em uma dinâmica epigênica, num
presente cambiante contínuo [15], dado que
está sempre em mudança devido às suas
interações e a sua plasticidade.
319
como unidade simples em seu Domínio Cognitivo-
Interacional.
107
Lembrando que opto pelo uso de verbos ao invés de substantivos para
explicitar os fazeres que constituem aquilo que estou distinguindo.
320
explicativa que o observador propõe para
relacionar dois domínios disjuntos: o Constitutivo
Biológico e o Cognitivo-Interacional. Dois
observadores operando a partir de diferentes
Matrizes e Domínios Linguisticos (por exemplo,
dois pesquisadores de diferentes culturas, ou de
diferentes “áreas de conhecimento” – como a
Física e a Biologia) podem estabelecer relações
gerativas distintas. Lembre-se: não há uma
realidade pré-existente e compartilhada, mas um
mundo que surge no ato de observar do
observador.
321
“apropriação” de um Domínio Linguístico agora
efetivamente compartilhado.
322
Os fenômenos que ocorrem no Domínio
Cognitivo-Interacional surgem na dependência
das propriedades constitutivas das unidades que
interagem e dependem da organização
autopoietica que as caracteriza em seu Domínio
Constitutivo Biológico. Ao mesmo tempo, graças
às interações que estabelecemos em nosso
Domínio Cognitivo-Interacional é que podemos
manter nossa autopoiese. Isso está por trás da
nossa natureza “biológico-cultural”: o “biológico”
faz referência ao nosso viver num Domínio
Constitutivo Biológico, como sistemas
autopoieticos moleculares, a partir do qual
“surgem” nossas propriedades constitutivas; o
“cultural” remete às redes de conversações que
geramos em nossas interações com outros seres
humanos e que dizem respeito ao nosso viver-
conviver num amplo Domínio Cognitivo-
Interacional no qual interagimos através destas
propriedades e encontramos as condições para a
manutenção da nossa autopoiese; o “hífen” que
interliga ambas palavras implica na relação
indissociável que há entre eles, pois como diria
Paulo Freire, em suas relações com seu mundo
cultural o homem é produto e produtor de sua
cultura e “se deixa marcar, enquanto marca
igualmente” [115].
323
ou de uma dinâmica generativa, relacionando
fenômenos do Domínio Constitutito Biológico e de
um dado Domínio Fenomenológico distinguido no
Domínio Cognitivo-Interacional a partir do
observar e do reflexionar do Observador. Insisto
que apesar de podermos estabelecer relações
causais, lógicas ou emergentes entre organização
e propriedades, não podemos estabelecer
diretamente estes mesmos tipos de relações entre
os fenômenos que ocorrem no Domínio
Constitutivo e no Domínio Cognitivo-Interacional.
Isso porque são domínios distintos, que originam
fenomenologias distintas e coerências sensoriais-
operacionais-relacionais distintas, a partir das
operações distinções que o observador realiza
operando em seu Domínio do Observador.
Entretanto, ao operar como observadores
podemos inferir sobre fenômenos do Domínio
Constitutivo Biológico a partir do que observamos
no Domínio Cognitivo-Interacional da unidade em
questão, criando relações gerativas entre eles.
Estas implicam relações entre a organização do
sistema, suas propriedades e suas condutas
observadas nesse domínio, considerando que toda
conduta é uma expressão das mudanças
estruturais que ocorrem nesta unidade e que a
quase totalidade dos fenômenos do Domínio
Cognitivo-Interacional são condutas linguísticas.
324
temporal ou espacial entre as propriedades do
organismo e suas condutas, entre condutas ou
entre propriedades entre si, ou seja, estamos
estabelecendo relações entre fenômenos e
características dentro do mesmo Domínio
Cognitivo-Interacional.
325
ser realizadas para que os fenômenos que
pretende explicar “surjam” em decorrência da
repetição destas operações por outros
observadores. Além disso, não podemos esquecer
que estas explicações serão consideradas como
válidas na dependência de serem aceitas por
aquele a quem elas se destinam, sejam outros
observadores ou um auto-observador. Tudo isso
depende de um emocionar comum que permita o
compartilhamento de um Domínio Linguístico e
que todos operem dentro de uma mesma Matriz.
326
É importante destacar que quando
explicamos fenômenos do Domínio Constitutivo
Biológico o estabelecimento de correlações,
relações causais, lógicas e emergentes não implica
em erros de contabilidade lógica. Isso porque
estamos lidando com fenômenos de um mesmo
domínio, apesar de, como seres humanos,
construirmos sempre nossas explicações como
inferências que fazemos a partir de nosso
interagir e observar com as unidades que
pretendemos explicar, como faemos através da
experimentação.Além disso, não devemos
esquecer que nas explicações mecanísticas
nossas explicações implicam na proposição de
sistemas estruturalmente determinados, como
expliquei anteriormente sobre os Critérios de
Validação das Explicações Científicas.
327
distinguidas por um Observador e para
compreender como “surgem” no seu observar
precisamos compreender a Matriz a partir da qual
ele opera ao propor suas explicações na forma de
sistemas estruturalmente determinados. Todas
estas propriedades dependem do operar do
Sistema Nervoso acoplado ao organismo enquanto
colabora na manutenção da sua autopoiese. É a
partir do estabelecimento de relações gerativas
entre estas propriedades e as condutas e demais
fenômenos cognitivos que podemos explicar as
relações entre fenômenos do Domínio Constitutivo
Biológico e do Domínio Cognitivo-Interacional.
328
Nessa perspectiva, as abordagens
cibernética, cognitivistas e dos fenômenos
emergentes, são explicações reducionistas quando
procuram explicar as condutas (que “pertencem”
ao Domínio Cognitivo-Interacional) estabelecendo
relações lógicas, causais ou mesmo emergentes
entre elas e algum aspecto do operar do
organismo em seu Domínio Constitutivo Biológico,
principalmente aquilo que distinguem como
fenômenos do operar do Sistema Nervoso.
329
buscar as explicações para o aprender dentro
deste domínio, sem estabelecer relações causais,
lógicas ou emergentes com o Domínio
Constitutivo Biológico. Entretanto, como
Observadores podemos estabelecer relações
gerativas entre ambos domínios, como você já
sabe.
330
linguísticas dizemos que ocorreu um
acoplamento social e caso ocorra uma
coordenação consensual de ações utilizando
elementos de um Domínio Linguístico, ou seja,
através do linguajear, assinalamos que ocorreu
um (aprender) que é um fenômeno tipicamente
humano.
331
questão que se coloca então é o que estamos
aprendendo especificamente numa dada
interação, ou seja, a que estamos especificamente
nos acoplando?
Como você também já sabe, no Domínio do
Observador ele pode descrever a mudança
estrutural decorrente de um acoplamento como a
representação da perturbação na estrutura do
organismo que aprende e é então dizemos que
aprendemos sobre alguma coisa. Vamos refletir
mais a este respeito, porque acredito que muito
daquilo que distinguimos como problemas de
aprendizagem dizem respeito a equívocos na
identificação daquilo que está sendo aprendido no
momento das interações, ou uma insatisfação de
expectativas em relação a isso.
332
Como os organismos apresentam uma
estrutura mais plástica que o ambiente, o que
implica numa maior predisposição para aprender,
atribuímos aprendizagem aos organismos e não
ao seu ambiente, mas podemos dizer que o
ambiente também aprende. O fato é que no
acoplamento estrutural entre organismos todos
aqueles que interagem sofrem modificações
estruturais recíprocas e aprendem na
dependência de sua predisposição para aprender.
Isso implica que o aprender dos organismos que
interagem não é igual e, consequentemente, eles
não exibem as mesmas condutas ou aprenderes
durante estas interações.
108
Com o advento das mídias digitais interativas e outras tecnologias de
informação e comunicação estes elementos da cultura material podem
sofrer diferentes graus de mudança estrutural, ou seja, tem se tornado
cada vez mais adaptáveis aos usuários, o que implica que têm
333
interações com elementos da cultura material há
uma assimetria no acoplamento estrutural,
considerando que nós somos passíveis de
mudanças estruturais na dependência da nossa
predisposição para aprender, ou seja, somos
capazes de aprender, mas esses elementos não
são. Isso porque os seres vivos são sistemas
dinâmicos, diferentemente dos entes ou unidades
inertes, que consequentemente não aprendem.
334
humanos, como se fosse tais entes. Essa forma de
reflexionar implica uma Matriz e um respectivo
emocionar no qual acreditamos que em cada uma
de nossas interações há seres humanos que só
aprendem e outros que só ensinam e esta
polarização nos leva a acreditar que há uma
transmissão de informações durante este tipo de
interação. Isso implica numa abordagem
alienante de nosso viver biológico-cultural que
fica explícita em interações nos ambientes
escolares, nas quais os professores têm algo a
ensinar para seus alunos sem nada aprender com
eles. Operar a partir desta Matriz leva os
professores a assumirem uma postura de
“detentores do saber” e agentes ativos nos
processos de aprendizagem e ensino que se
estabelecem, atuando como entes inertes que
consequentemente impõem o que deve ser sabido
aos seus alunos, que atuam de forma passiva sem
que sua predisposição para aprender seja levada
em consideração.
335
sofrimento, a dor e o adoecimento. Que tipo de
aprender pode estar ocorrendo nestas condições e
como podemos fazer com que ocorram aqueles
que desejamos?
As condutas que um Observador distingue
como aprenderes podem indicar acoplamentos
que já ocorreram e que levam a observação de
condutas homólogas às que ororreram
anteriormente no encontro com a mesma classe
de perturbações, ou um novo acoplamento que
ocorre no momento do encontro com novas
perturbações, levando à observação de uma nova
conduta. Esta distinção é arbitrária e operacional,
pois mesmo nos acoplamentos que já ocorreram
ocorre um certo “ajustamento”, considerando que
a estrutura do organismo está em constante
mudança e que não é a mesma que interagiu com
a mesma classe de perturbações anteriormente.
Sem dúvida que tal “ajustamento” é mais
significativo em termos de mudanças estruturais
quando o acoplamento ocorre com perturbações
que são novidades para o organismo.
336
isso não é adequado e que os alunos devem ser
sujeitos ativos na construção dos seus saberes.
Independentemente de procederem ou não de
forma coerente em relação aquilo que propõe, o
que ocorre é que nas situações escolares supomos
haver uma assimetria no acoplamento estrutural
e tratamos os professores como entes inertes, e aí
está a origam do mal estar e sofrimento nos
ambientes escolares. É a partir disso que se
consolidam interações nas quais o professor tem
uma baixa predisposição para aprender, pois
acredita e assume que seu papel é ensinar, e é
justamente isso que inicia um ciclo de interações
sem que ocorram os acoplamentos estruturais
esperados, ou seja, a observação de novas
condutas específicas em relação aos objetivos
escolares. Com isso as interações passam a seguir
um curso onde parece que professores e
estudantes não se entendem e não falam a
mesma língua, e é isso mesmo o que ocorre, por
que cada um deles apresenta condutas que dizem
respeito a acoplamentos que já aconteceram.
Então o professor está explicando e esperando
que os alunos aprendam um tema dentro do
Domínio Linguístico da Biologia, e um aluno está
mexendo no celular e se mostra contrariado
quando é repreendido. Fazendo um exercício de
imaginação, este comportamento do aluno pode
ser homólogo a um acoplamento que já ocorreu,
quando em outra situação desinteressante ele
optou por mexer no celular e isso mudou seu
emocionar em relação aquela situação e agora,
337
diante de uma nova situação desinteressante, ele
opera como já aprendeu e de uma forma que em
último caso implica manter sua autopoiese. Como
o aluno opera a partir de uma Matriz diferente do
professor, para ele não há mal nenhum em mexer
no celular quando se sente assim, o que para o
professor, que opera a partir de outra Matriz, é
algo inconcebível. Então o professor chama a
atenção do aluno e este se sente contrariado.
Posso imaginar que o comportamento do
professor é este por que em outra situação
quando ele agiu dessa forma conseguiu recuperar
a atenção do seu interlocutor, que era aquilo que
esperava na ocasião dado seu emocionar. Então
ele se comporta dessa forma já aprendida porque
espera que o aluno lhe dê atenção para poder
aprender aquilo que ele está ensinando e que
julga ser importante a partir da sua perspectiva,
ou seja, a partir da Matriz biológico-cultural a
partir da qual opera. Todos estão se comportando
segundo algo que aprenderam, mas o que ocorre é
que não se entendem e parece que estão em
mundos distintos no momento desta interação
atual. E realmente estão, pois operam a partir de
Matrizes distintas e em um emocionar onde não
há espaço para considerar o outro como legítimo,
já que assumem uma assimetria no acoplamento
estrutural que não condiz com nosso viver como
seres humanos biológico-culturais.
338
Considerando que um sistema autopoietico
molecular é um sistema homeostático109 cuja
variável que mantém constante é sua organização
autopoietica [15], para Maturana e Varela as
mudanças estruturais compensatórias que este
sistema experimenta no seu encontro com
perturbações durante suas interações podem ser
de dois tipos, segundo a forma como se realiza
sua autopoiese: (1) mudanças conservadoras,
que são compensações que não requerem
mudanças nas variáveis mantidas constantes
através dos processos homeostáticos que as
compõem; e (2) mudanças inovadoras, que
implicam mudanças nessas variáveis. Mudanças
conservadores implicam acoplamentos estruturais
que já ocorreram, enquanto nas mudanças
inovadoras temos novos acoplamentos.
109
Um sistema Homeostático mantém um equilíbrio dinâmico através de
diferentes sistemas de regulação inter-relacionados. Isso resulta num
estado denominado homeostase, no qual certas condições ou variáveis
do meio interno orgânico são mantidas estáveis.
339
condutas conservadoras e condutas
inovadoras.
340
aprendida, enquanto os estímulos punitivos
diminuem a frequência da resposta aprendida).
341
humanos (por exemplo: há certas culturas nas
quais a dor frente certas situações pode não atua
como estímulo punitivo).
110
Dada a plasticidade do Sistema Nervoso, por ser um sistema dinâmico
fechado, no qual a alteração de um componente repercute no sistema
como um todo.
342
ampliar essa reflexão convidando você a refletir
comigo a respeito do início de nossa vida
intrauterina.
111
A mitose é um processo de divisão celular a partir do qual uma célula
dá origem a duas outras com a mesma “bagagem genética”.
112
Junções comunicantes são um tipo de especialização da membrana
plasmática que certas células apresentam, e que permite uma conexão
entre os citoplasmas de células adjacentes.
343
pode conter entre 12 a 36 blastômeros), na qual
as células mais internas constituem a massa
celular interna ou embrioblasto, que dará
origem aos tecidos do embrião, e as células mais
externas constituem a massa celular externa ou
trofoblasto, que dará origem à placenta [145]. As
células do embrioblasto, graças ao seu
acoplamento estrutural, dão origem a uma nova
unidade e a um novo domínio fenomenológico,
que é onde ocorrem os fenômenos típicos dos
metacelulares, ou unidades autopoieticas de
segunda ordem. Esse é o momento onde se
constitui nosso Domínio Constitutivo Biológico e
um Domínio Cognitivo-Interacional inicial no qual
iteragimos com perturbações provevientes do
corpo de nossa mãe, pois nossa estrutura e
condições ainda não permitem a interação com
perturbações provenientes de outros organismos.
344
entre diferentes embriões humanos se
desenvolvendo, que nesta fase da vida não há
condutas aprendidas, mas apenas condutas
inatas. Insisto: são as condições iniciais
“estereotipadas” para todos os zigotos e embriões
humanos que dão a impressão de que nessa fase
eles ainda não aprendem e que exibem apenas
condutas inatas. Na fase de mórula o embrião que
se desenvolve opera num domínio fenomenológico
e a partir de uma Matriz puramente biológica, ou
em um Domínio Não-Linguístico, e ainda não
constitui e opera em Domínios Linguísticos.
113
Em outro texto pretendo refletir a respeito do fato de que talvez não
tenhamos desenvolvido ainda toda nossa humanidade e aquilo que
significa em todo seu potencial sermos seres humanos.
345
conclusões provém dos estudos dos desenhos dos
“embriões de Haeckel” [146], mas hoje sabemos
que há grandes diferenças entre os embriões
humanos e dos demais animais. Apesar dessas
diferenças considero que embriões ainda não são
plenamente humanos no sentido de não serem
ainda seres biológico-culturais.
114
Esse processo se inicia a partir da terceira semana de vida intrauterina,
com a formação da placa neural e em seguida do tubo neural.
346
da mãe. Antes dessa fase, mesmo que a mãe fale
ou interaja com o bebê, sua voz e seu toque não
atuam como perturbações, pois a estrutura do
embrião ainda “não admite” que atuem como tais,
dado o determinismo estrutural e pressupondo é
o Sistema Nervoso que possibilita que isso ocorra.
Outra alternativa é supor que sem o
desenvolvimento do sistema motor do feto essas
condutas frente perturbações extrauterinas
também ocorrem, mas não são passíveis de
observação.
347
exemplo, alguns estudos sobre vida intrauterina e
o autismo ou algumas pré-disposições para
transtornos psicológicos associadas à certas
“vivências” da mãe e do feto durante a gravidez,
[147–149].
348
corpo. Ao separar o filhote da mãe, impedimos
essa interação e tudo o que acarreta em termos
de estímulo tátil-visual e, provavelmente, de
contatos químicos de vários tipos. O experimento
mostra como essas interações são decisivas para a
transformação estrutural do Sistema Nervoso, e
suas consequências aparentemente vão muito
além do simples ato de lamber. [12]
349
“anormais” tiveram sua origem durante a vida
extrauterina, assim como podemos assumir que
se devem a uma bagagem genética se operamos
em uma Matriz que considera que esses aspectos
são os mais relevantes na determinação das
condutas. No caso do exemplo do carneiro,
apenas a observação mais detalhada e em
condições específicas de interação permitiu
distinguir certas condutas diferenciadas em
relação àquelas observadas nos seus irmãos. No
mesmo sentido, considero que estudos baseados
na Matriz que proponho a respeito de transtornos
psicológicos, estudos sobre autismo, ou em
situações de interação diferenciadas, futuramente
demonstrarão a importância da vida intrauterina
para a ontogênese como um todo, falando a favor
de minha reflexão de que toda conduta é
ontogênica (ou aprendida) e que aprendemos
desde zigotos, embriões e fetos, imersos em um
domínio fenomenológico de coerências sensoriais-
operacionais-relacionais predominantemente
115
biológico .
115
O domínio é “predominantemente biológico”, mas não desconsidero
influências socioculturais (ainda não tão relevantes), porque os tipos de
alimentos que uma mãe ingere e os emocionares que vivencia durante a
gravidez, por exemplo, são influências provenientes do meio sociocultural
no qual ela vive.
350
condutas denominadas inatas, ou condutas
reflexas, como por exemplo: o reflexo miotático
(que engloba uma série de reflexos que podem ser
eliciados em diferentes músculos do corpo, como
o reflexo patelar, o reflexo triceptal e o reflexo
biceptal) no qual quando um músculo esquelético
é estirado ele “responde” com uma contração
automática; o reflexo pupilar, no qual frente um
estímulo luminoso a pupila se contrai; o reflexo de
retirada, no qual frente um estímulo doloroso
afastamos a porção do corpo que entrou em
contato com ele, (o que pode envolver um
segmento corporal, ou vários segmentos); reflexos
autonômicos, como a “regulação” da pressão
arterial, da frequência respiratória e dos
automatismos gastrointestinais; e uma série de
outros reflexos que são testados ao nascer (no
primeiro e no quinto minuto após o nascimento) e
que fazem parte da “Escala ou Índice de Ápgar”,
que permite avaliar se o desenvolvimento do
recém-nascido é o esperado, ou dito de outra
forma a partir da perspectiva que proponho, se o
organismo do bebê aprendeu aquilo que “era
esperado” durante o sua vida intrauterina. Como
já afirmei, considero que durante a embriogênese
ocorreram várias aprendizagens (acoplamentos
estruturais) e é por isso que a estrutura presente
ao nascer permite que certas condutas se
manifestem frente determinadas perturbações,
específicas para cada reflexo, pois são
determinadas pela estrutura biológica.
351
É a partir dessa estrutura inicial do bebê
recém-nascido, que já decorre de uma história de
aprenderes intrauterinos, que o bebê começa a
interagir com outros seres humanos,
entrelaçando suas dimensões biológica e cultural,
que o constituirão como ser humano biológico-
cultural.
116
É o metabolismo necessário para manter as funções orgânicas
necessárias a vida sem que nenhum outro tipo de atividade seja realizada.
352
Como você já sabe, parece haver fases ou
“períodos críticos de sensibilidade” nas quais
principalmente as conexões entre neurônios
corticais são mais plásticas ou influenciáveis
pelas condições ambientais. Para áreas envolvidas
no processamento sensorial primário,
fundamentais para os aprenderes puramente
biológicos, mas que dão “as bases estruturais”
para todos os demais aprenderes, esse período
crítico ocorre precocemente; para áreas envolvidas
em aprenderes biológico-culturais, como as áreas
de processamento cortical mais elevado e as áreas
corticais pré-frontais, esse período ocorre mais
tardiamente e se estende pela vida adulta e talvez
por toda a vida [150]. Toda essa estrutura e
plasticidade permite que as dimensões biológica e
cultural se entrelacem de forma gradativa e cada
vez mais indissociável, com influências recíprocas
entre ambas.
353
estudamos utilizando modelos experimentais com
animais, já que eles não apresentam uma
dimensão cultural e não são seres linguajeantes,
o que implica que seu Domínio Cognitivo-
Interacional é constituído por fenômenos que
pertencem à Domínios Não-Linguísticos.
354
Animal. Nesse sentido concordo com Vigotski,
mas a partir de um argumento distinto, ao
assumir que fazer isso é incorrer em explicações
reducionistas, pois nesse caso estamos
estabelecendo relações inadequadas entre
domínios intrinsecamente distintos. Lembre-se,
como expliquei anteriormente, que considero que
não podemos comparar o pescar de um ser
humano e o pescar de um animal, por mais que
pareçam análogos ou homólogos. Entretanto
discordo de Vigostki quando justifica o uso do
método inverso para explicar fenômenos que
dizem respeito a nossa dimensão cultural, como
as funções psicológicas superiores (como a
consciência e a linguagem) pois coloca em
segundo plano ou nega a dimensão biológica117.
117
Em um trabalho futuro pretendo aprofundar as relações entre a
Biologia-Cultural do Conhecer e as explicações de Vigotski, que aqui são
apresentadas muito superficialmente.
355
que levam ao acoplamento, mas pela estrutura de
quem aprende, e tudo isso você já sabe.
356
Ao nascer já nascemos em um meio-nicho
que nos acolhe e que tem uma dimensão biológica
e uma dimensão cultural entrelaçadas. O tipo de
parto, por exemplo, nos submete às condições
pós-natais distintas, assim como os primeiros
cuidados após o nascimento, o emocionear
daqueles que nos recebem, os vínculos que se
estabelecem principalmente com a mãe e as
condições ambientais em si.
357
identificação das cores do mundo que
compartilhamos em nosso viver.
358
outros seres humanos. É abstraindo os elementos
dessas situações experienciais concretas, como
distintas coerências-sensoriais-operacionais-
relacionais, que constituimos uma Matriz
compartilhada com aqueles com os quais
convivemos e dentro da qual começamos a operar
e aprendemos a distinguir o que conotamos como
“vermelho”. Quando aprendemos a falar nossa
língua natal, a distinguir distintos “objetos”,
“pessoas”, “ações”, “divindades”, “conceitos”,
“emoções” e elementos de nosso viver, o que
fazemos é aprender a operar a partir de Matrizes
compartilhadas a partir das quais essas
distinções “surgem”.
359
sensações são a base a partir do qual o
Observador elabora e evoca suas percepções,
assim como o sincronismo neural observado por
Uri Hasson durante os atos comunicacionais. Eles
não remetem às representações do mundo que se
percebe, mas ao nosso acoplamento com este
mundo dentro de um Domínio Linguístico.
360
Terceira Reflexão sobre o Aprender
Se um ser vivo está vivo, é porque está
operando fora do seu domínio de interações
destrutivas, o que permite que mantenha sua
autopoiese. Neste caso, todas as suas ações são
efetivas no domínio do seu existir, o que implica
que em todas as suas interações este organismo
está acoplado ao seu entorno e é por isso que se
mantém vivo. Sendo assim, o aprender está
ocorrendo, ou já ocorreu, e o organismo em
questão está operando a partir das consequências
deste aprender, que dizem respeito às mudanças
em sua estrutura. Esta é uma explicação para o
aprender que é comum a todos os organismos,
mas me interessa explicar o (aprender) típico do
ser humano como ação que ocorre em seu viver
biológico-cultural, utilizando para isso elementos
deste viver.
118
A concepção de nicho ecológico que apresento aqui é distinta, apesar
de relacionada, daquela utilizada pela Ecologia.
119
Lembre-se que há uma concepção de cultura exclusivamente humana,
como rede de conversações, enquanto há outra que permite considerar
que os animais também têm uma cultura. É a esta concepção que me
refiro aqui.
361
entorno ou ambiente que torna possível nossa
existência, ou seja, é “a boa terra que nos acolhe”.
Ele inclui tudo aquilo que é fundamental para
nossa sobrevivência e para a manutenção do
nosso bem-estar, ou seja, para a manutenção da
nossa autopoiese.
362
serem um registro histórico dele, pois a estrutura
atual depende de uma história de interações e
consequentes mudanças estruturais, ou seja, da
ontogênese. Observe que o professor Maturana
não optou por usar como analogia a referência a
uma competição de esqui, mas a um passeio
despreocupado, ou seja, se referiu a uma
atividade espontânea como o viver dos seres vivos
em seu Domínio Constitutivo Biológico, ou como
as atividades as quais denomina de brincar. E
optou por esta explicação porque se coloca em um
emocionar distinto daquele típico de nossa
Cultura Patriarcal competitiva. Ele aborda nossas
interações e nossa ontogênese como uma deriva
natural não propositiva, e utiliza a analogia de um
encontro entre o esquiador e a neve para explicar
como surge o meio-nicho que passam a
compartilhar e que permite o viver do esquiador
naquele momento. Ele não explicou que as pedras
no caminho foram as responsáveis por definir a
escolha do trajeto, ou que ele foi traçado tendo em
vista otimizar o tempo, melhorar a velocidade de
forma a ganhar uma corrida, o que implicaria
chegar primeiro que qualquer outro; tampouco fez
comentários sobre o físico do esquiador e as
características dos esquis que favoreceriam uma
vantagem competitiva. Se fizesse assim estaria
assumindo uma abordagem alienante do viver
biológico-cultural e sua proposta é justamente
refletir sobre esta abordagem e se queremos ou
não mantê-la em nosso viver. Este é o mesmo
convite que faço a você.
363
No Domínio Constitutivo Biológico nada
está pré-definido ou visa uma meta. O organismo
tem sua forma de operar e no encontro com o
ambiente ou com outro organismo, que também
tem sua forma de operar, ambos se acoplam “na
medida das suas possibilidades” presentes, ou
seja, segundo seus respectivos domínios de
determinismo estrutural e seus emocionares. São
estes emocionares que definem o que é bem-estar
e mal-estar para um ser humano, na dependência
da Matriz na qual ele opera e que depende de sua
cultura, ou seja, da rede de conversações na qual
está inserido. Caso ocorra um mal-estar, na
maioria das ocasiões o organismo muda sua
conduta e segue um “trajeto” distinto de
interação.
364
educadores e de pessoas que refletem a este
respeito (e você provavelmente está incluso aqui),
é que a grande maioria de nós vivemos desde
nossa infância imersos nestes ambientes que
deveriam propiciar o pleno desenvolvimento de
nossas potencialidades humanas, mas que têm
sido pouco efetivos neste sentido, para não fazer
uma afirmação mais contundente.
365
conviver no linguajear e em redes de conversações
com outros seres humanos. Logo, para nós é a
presença de outros seres humanos como parte de
nosso meio-nicho desde o início de nossa
existência que permite que nos tornemos
humanos. Tanto é assim que atribuímos a estes
coespecíficos relevantes diferentes papéis sociais
significativos, aos quais nos referimos ao falar
sobre “mãe”, “pai”, “avó”, “parentes” e “amigos”, e
a cada um deles podemos especificar distintos
graus de importância.
366
Sendo assim, durante as interações é como
se houvesse duas “camadas” ou dimensões de
acoplamento estrutural: (1) do organismo
acoplado ao seu meio-nicho, formando uma
unidade operacional-relacional organismo-nicho,
e (2) da unidade operacional-relacional
organismo-nicho como um todo se acoplando a
outra unidade deste tipo ou a alguma região do
seu entorno. Esta primeira dimensão do aprender
está envolvida na constituição das mémorias.
367
deixam na estrutura dos organismos são os anéis
de crescimento, que são círculos concêntricos
observados em cortes transversais do tronco de
em algumas plantas. Estes anéis estão localizados
num tecido vegetal denominado xilema
secundário, que se forma a partir do câmbio
vascular. O câmbio é um tecido envolvido no
crescimento em diâmetro do tronco e cujo
funcionamento só ocorre durante a primavera e o
verão nas plantas de regiões temperadas (onde as
estações do ano são bem definidas). É por este
motivo que a contagem dos anéis de crescimento
pode ser utilizada para a estimativa da idade das
plantas que os possuem.
368
tornam mais escuras graças a maior quantidade
de melanina presente nos melanócitos que estão
ali, enquanto aquelas que não tiverem este
contato permanecem na sua cor original, dando
origem às marcas de biquínis, por exemplo.
369
Figura 16. Esquema mostrando a somatotopia do córtex
somatosensorial. Cada uma das áreas assinaladas no córtex
recebe afarências a partir das respectivas áreas da superfície
corporal. Fonte: adaptado a partir de https://goo.gl/L7bGLj.
370
somatosensorial que sinalizam o tato nos pés
estão ativas ao mesmo tempo que certas áreas
adjacentes a elas, o que leva a conclusão que
estas últimas sinalizam no cérebro a presença da
bola em contato com os pés, como se ela fizesse
parte do corpo do jogador (!), ou seja, sinalizando
seu acoplamento ao meio-nicho e à estrutura do
jogador.
371
É importante destacar entretanto, que o
aprender envolve o organismo como um todo e
não apenas o seu Sistema Nervoso, como
propõem as abordagens neurocientíficas, já que o
próprio Sistema Nervoso está acoplado
estruturalmente ao organismo. O que ele
permitem é ampliar o Domínio Cognitivo-
Interacional de um organismo através do aumento
das possibilidades de estabelecimento de relações
senso-efetoras, utilizando para isso sinais
elétricos e químicos, o que otimiza este processo.
372
nosso ambiente natural e com nossa cultura
material, proponho a imagem de um tórus que
apresento a seguir (Figura 17A e 17B).
373
interna, e em seguida se tornam acoplamentos
conservadores na terceira camada mais externa.
374
Após o acoplamento estrutural entre
unidades operacionais-relacionais organismo-
nicho suas estruturas se modificam e seus nichos
se ampliam, incluindo novos “elementos” que se
referem e decorrem das suas interações. É isso
que caracteriza a formação das nossas memórias
como “marcas” da nossa história de interações em
nossa estrutura, e aí reside a importância do
Sistema Nervoso, tendo em vista suas
propriedades, como expliquei anteriormente.
120
Estou considerando que os elementos da cultura material atuam
coordenando ações como se fosse outro ser humano, ou seja, que
implicam na distinção de condutas linguísticas naqueles que interagem
com eles. Assim, quando lemos um livro é como se estivéssemos
conversando com quem o escreveu, e assim da mesma forma para a
interação com outros elementos da cultura material.
375
Não-Linguísticos121. Vou assumir que em cada um
destes casos estamos em um emocionar distinto e
é isso que permite tal diferenciação, pois isto
implica que estamos numa distinta predisposição
para a ação em cada um deles.
376
Não-Linguísticos. É por este motivo que a
aprendizagem animal pode ser estudada a partir
de paradigmas de condicionamento respondente
ou operante, mas que não são passíveis de
generalização para a explicação dos (aprenderes)
tipicamente humanos, apesar de haver muitas
explicações que realizam tais generalizações.
122
Esta interação indireta com outros seres humanos ocorre através de
elementos de nossa cultura material.
377
nos quais os personagens têm olhos grandes e
arredondados, e do sucesso da série Teletubies,
na qual os personagens falam de forma
infantilizada e repetitiva, o que lembra a fala
infantil e a fala no estilo parental (a respeito da
qual comentei anteriormente). O viés que estas
preferências implicam durante as interações tem
efeito sobre o tipo de acoplamento que ocorre, ou
seja, sobre o tipo de aprender que se realiza.
Assim como expliquei anteriormente em relação
ao animismo infaltil e a nossa tendência à
atroporfização, vemos e agimos no mundo a
partir de uma Matriz biológico-cultural que nos
leva a dar preferência aquilo que tem semelhança
com nossa forma de ser, de pensar e com nosso
emocionar. Dito de outra forma, operamos como
seres biológico-culturais em distintos domínios de
determinismo estrutural que são distintas
Matrizes que especificam nosso ser, fazer e
conhecer indissociáveis.
A estrutura de um sistema diz respeito aos
seus componentes e às relações que há entre eles,
o que implica que as alterações estruturais que
constituem a ontogênese pode envolver tanto
estas relações quanto estes componentes. Vou
distinguir que há aspectos morfológicos da
estrutura, que dizem respeito a aspectos
citológicos, histológicos, embriológicos e
anatômicos e que enfatizam os componentes do
sistema em questão, e que há aspectos
funcionais da estrutura, que dizem respeito a
aspectos fisiológicos, bioquímicos, imunológicos e
378
farmacológicos e que enfatizam as relações entre
estes componentes em seu operar. Em um
acoplamento estrutural os aspectos funcionais se
modificam “antes” dos aspectos morfológicos, por
serem mais plásticos, permitirem uma respostas
mais rápida no tempo e envolverem um menor
custo energético para a manutenção da
autopoiese no Domínio Constitutivo Biológico.
379
possibilitando que ocorram novos acoplamentos,
ou que a estrutura entre em seu domínio de
interações destrutivas124. Os novos acoplamentos
levam às mudanças estruturais na unidade
operacional-relacional organismo-nicho que
implicam na formação de novas memórias,
ampliam o meio-nicho e permitem uma mudança
na plasticidade, favorecendo a ocorrência futura
de acoplamentos conservadores no encontro com
a mesma perturbação, ou com perturbações da
mesma classe ou do mesmo tipo.
380
neurônios. Estas alterações ocorrem de forma
extremamente rápida, podendo chegar a cerca de
mil alterações por segundo, ou seja, 1.000 Hz,
sendo passíveis de se propagarem por longas
distâncias, sem que haja descréscimo na sua
amplitude, dando origem aos impulsos nervosos.
A passagem destes impulsos entre diferentes
neurônios ocorre através das sinapses químicas,
um processo que envolve a liberação de
substâncias denominadas neurotransmissores.
As sinapses retardam a transmissão do impulso
nervoso, mas causam um retardo sináptico que
é muito pequeno, com cerca de 0,3 a 5
milisegundos de duração (ou seja, 0,003 a 0,005
segundos). Dessa forma o tempo de resposta do
Sistema Nervoso é o que permite as condutas com
o menor tempo de latência no organismo.
381
ativação, o que implica que não é a ativação de
áreas especificas o que determina os fenômeno do
seu operar. Há um padrão de ativação espaço-
temporal que permite que esse sistema tenha um
operar extremamente dinâmico. Por este motivo o
Sistema Nervoso, além de ampliar as
possibilidades de relações senso-motoras, é o
mais plástico dos sistemas orgânicos, o que tem
reflexo sobre os acoplamentos que são
intermediados por ele.
382
da imensa variedade de condutas linguísticas e
tecnologias, da inteligência e das capacidades
meta-reflexivas que os seres humanos são
capazes de apresentar.
383
correspondem às distintas culturas humanas nas
quais vivemos como seres biológico-culturais.
125
Em outros textos pretendo aprofundar esta diferenciação entre
emocionares e sentires íntimos. Acredito que a definição que apresento
aqui para o emocionar justifica a automaticidade e a reatividade da
maioria das nossas ações, mas creio ser possível que os sentires íntimos
não se refiram apenas a este aspecto reativo, mas que remetam a uma
experiência “mais humana” e “menos animal” do que seja o sentir.
384
Nosso linguajear diz respeito à utilização de
elementos de nossos Domínios Linguísticos, que
são condutas linguísticas, para coordenar novas
condutas de forma consensual, seja com outros
seres humanos ou com nós mesmos através das
reflexões e meta-reflexões. Como o linguajear
ocorre entrelaçado com nossos emocionares,
através do conversar, isto implica que
coordenamos ações com outros seres humanos
em redes de conversações nas quais os
emocionares direcionam o curso das ações e
possibilitam àqueles que interagem constituir
Matrizes a partir das quais operam em seu viver.
Estas Matrizes se explicitam através dos
Domínios Lógicos a partir dos quais
generalizamos ações em nossos Domínios
Linguísticos e atribuímos, como Observadores,
significados ao mundo que vivemos. Por este
motivo estes Domínio Lógicos também
correspondem à Domínios Semânticos, nos
quais relacionamos significados às coordenações
de ações que as condutas linguísticas implicam.
Estes significados constituem a dimensão
simbólica do linguajear, que é secundária às
coordenações de ações que o linguajear implica,
como expliquei em outra seção deste livro. Dito de
outra forma, as Matrizes e Domínios Lógicos
(Semânticos) são como um “conjunto de critérios”
a partir dos quais atribuímos significados aos
fenômenos do nosso viver biológico-cultural, na
maioria das ocasiões sem ter ciência disso,
385
tampouco das influências dos emocionares e da
cultura que estão em sua origem. Elas são a base
do que distinguimos como relatividade
fundamental e a partir das quais operamos na
(objetividade).
386
impulsionam à ação e ao conhecer. Entretanto,
graças ao linguajear, nós seres humanos criamos
uma nova dimensão do nosso viver na qual
podemos ter ciência disso, refletir e propor
explicações para isso, e optar por viver de forma
propositiva e direcionada à objetivos e finalidades,
supondo que nosso racionalizar está isento da
influência dos emocionares que são valorizados
pelas culturas nas quais vivemos. Sem ter ciência
desta influência, entretanto, a proposição de
objetivos e finalidades pode nos levar ao mal-
estar, ao sofrimento e ao adoecimento, por nos
afastar de nossa dimensão biológica e do amar
que favoreceu, na origem de nossa família
ancestral, o linguajear e o início de nossa deriva
como seres humanos. Acredito que é isso o que
tem ocorrido em nosso viver numa cultural
patriarcal que favorece uma abordagem alientante
do viver biológico-cultural, e por isso devemos
estar atentos ao mal-estar, à dor e ao sofrimento
que podemos sentir, pois eles podem ser um
“termômetro” do quanto estamos nos afastando e
negando o amar nas redes de conversações nas
quais vivemos nosso viver biológico-cultural.
387
ambiente natural126 e neste momento se
estruturam predominantemente Aprenderes Não-
Linguísticos. A partir daí as unidades relacionais-
operacionais organismo-nicho continuam a
interagir e a aprender, se acoplando a outros
elementos do seu entorno e ampliando seu meio-
nicho e sua própria estrutura, que passa a conter
elementos deste nicho. Mesmo antes de nascer os
seres humanos aprendem, ou seja, se acoplam em
suas interações com o meio-nicho intrauterino,
que é um ambiente natural não-linguístico, e com
parte do meio extrauterino com o qual interagem
indiretamente, o que representa o início de suas
interações em Domínios Linguísticos e culturais.
126
Vou utilizar a denominação “natural” para distinguir aquilo que “não é
cultural” ou “não é um ser vivo”. Para este último caso utilizarei a
denominação “biológico”. Apesar desta distinção assumo que o natural, o
cultural e o biológico são indissociáveis em unidades relacionais-
operacionais organismo –nicho biológico-culturais como nós, os seres
humanos.
388
Linguísticos, já que o (aprender) depende do
conversar e, portanto, do linguajear. Isso implica
que condutas comunicativas homólogas entre
outras espécies de animais sociais e os seres
humanos não implicam nos mesmos aprenderes,
pois tampouco correspondem às mesmas
condutas, como já expliquei em outra seção deste
livro.
389
O exemplo a seguir pode ajudar nesta
compreensão. Imagine que um animal é colocado
em um local no qual podemos controlar as
concentrações127 de oxigênio e gás carbônico no
ar. Se aumentamos a concentração de gás
carbônico neste ambiente é possível observar que
a frequência respiratória do animal aumenta, ou
seja, que ele respira mais rapidamente. Se
avaliarmos alguns parâmetros no sangue deste
animal será possível perceber que a acidez do
sangue aumenta e que a saturação da
hemoglobina128 diminui. As variações nestes
parâmetros são condutas deste organismo que
nós estamos distinguindo e sobre as quais
linguajeamos em nosso atuar como Observadores.
O que quero explicar é que o organismo deste
animal pode realizar distinções de outra natureza,
mesmo sem linguajear sobre elas. As condutas
deste exemplo correspondem à mudanças em
aspectos funcionais da estrutura do organismo
em questão e permitem concluir que ele está
acoplado a variação na concentração de gás
carbônico no ambiente, o que implica que
demonstra um aprender em relação a esta
perturbação. Este é um exemplo de Aprender
Não-Linguístico do tipo conservador. Da mesma
forma, se reduzimos a concentração de oxigênio
na sala também vamos observar que a frequência
127
O correto é falar sobre pressão parcial de um gás em uma mistura
gasosa (como o ar), mas optei por utilizar o termo concentração em
referência a isso para favorecer a compreensão.
128
Este parâmetro é usado para avaliar o conteúdo de oxigênio que está
no sangue ligado à hemoglobina, que é um pigmento respiratório
responsável pelo tranporte sanguíneo deste gás.
390
respiratória aumenta, que a acidez do sangue
aumenta e que a saturação da hemoglobina
diminui, mas estes parâmetros não variam
imediatamente como no caso do aumento na
concetração de gás carbônico. Apesar das
condutas apresentadas serem as mesmas em
termos qualitativos, em termos quantitativos elas
são mais pronunciadas quando aumenta a
concentração de gás carbônico no ambiente do
que quando a concentração de oxigênio diminui
na mesma proporção. Ou seja, este organismo
tem algum grau de distinção entre as
perturbações “oxigênio” e “gás carbônico”, mesmo
sem ser capaz de linguajear a este respeito. Dito
de outra forma, sua estrutura admite e distingue
de alguma forma tais perturbações entre si. Se
variarmos a concentração do gás nitrogênio na
sala não haverá variação em nenhum destes
parâmetros e é por isso que dizemos que este gás
é inerte para o organismo, pois sua estrutura não
o admite como perturbação e consequentemente o
organismo não aprende sobre ela. Se
aumentarmos a temperatura do ambiente, este
organismo vai apresentar condutas que incluirão
o aumento no fluxo sanguíneo na superfície
corporal e na frequência respiratória. Ao
contrário, se reduzirmos a temperatura,
observaremos uma redução no fluxo sanguíneo na
superfície corporal. Como este organismo
apresenta condutas mais específicas e
correlacionadas às variações na temperatura (que
dizem respeito a variação no fluxo sanguíneo na
391
superfície corporal), vou concluir a partir desta
observação que ele apresenta maior “capacidade”
para distinguir variações na temperatura do que
na concetração de gases no ambiente, pois frente
estas variações suas condutas são menos
específicas. Neste caso eu elegi certos critérios
para realizar as distinções que me permitiram
construir minha explicação e eles dizem respeito
ao fato de as condutas que observo serem mais ou
menos genéricas diante das perturbações que as
desencadeiam.
392
da “capacidade” e das “condições” de distinção do
próprio Observador será possível observar outras
condutas menos genéricas o que implicaria, para
o caso do exemplo que apresentei, observar
variações em outros parâmetros além da
frequência respiratória, da acidez do sangue, da
saturação da hemoglobina e da variação do fluxo
sanguíneo na superfíeie corporal. Talvez a
observação de outras condutas possa mudar
nossa conclusão de que o organismo é “mais
capaz” de discriminar entre “oxigênio” e “gás
carbônico” do que estou descrevendo aqui,
baseado nas condutas que optei observar, o que
implicaria mudar nossa avaliação a respeito do
seu aprender em relação a estas perturbações.
129
Essa expressão latina equivale a dizer “ao seu bel-prazer” ou “à
vontade”. Não usei o termo “espontâneo” por que ele se aplica mais ao
393
uma única perturbação de cada vez e cada
interação causa mudanças estruturais que guiam
o curso das interações consecutivas, como uma
cascata de efeitos interdependentes. No exemplo
em questão, com o aumento da concetração de
gás carbônico ocorre inicialmente um aumento da
acidez no sangue e aí sim a frequência
respiratória aumenta e a saturação da
hemoglobina diminui (por intermédio de
mecanismos que são distintos), o que mostra que
há uma cascata de efeitos indiretos e inter-
relacionados causados por uma dada
perturbação.
394
Linguísticos a partir dos quais realiza suas
distinções e explicações.
395
sensorial atuando como perturbações e essa é a
base de nossa capacidade de fazer distinções.
Nossa superfície sensorial é em grande parte
constituída por elementos do Sistema Nervoso
denominados receptores nervosos, mas não
devemos esquecer que certas perturbações de
natureza física e química também podem interagir
por intermédio de vias celulares e bioquímicas,
desencadeando efeitos que não dependem da
participação deste sistema. Em outra sessão deste
livro eu disse que quando distinguimos algo o que
estamos distinguindo é uma organização, mesmo
que não tenhamos ciência dos critérios que
utilizamos para isso e qual a organização
específica que distinguimos, lembra? Logo, o que
aqui eu denomino de distinção de padrões
equivale à distinção de uma organização
específica, o que implica que estes padrões são
padrões organizacionais, ou seja, padrões que
dizem respeito à relações entre componentes em
um sistema. O oxigênio, por exemplo, é um
padrão molecular que é diferente do gás carbônico
e de alguma forma nosso organismo consegue
distinguir o padrão de relações que caracteriza e
distingue cada um deles. Uma onda sonora é uma
perturbação mecânica que corresponde a um
padrão de variação em ondas de pressão no ar,
assim como a luz é um padrão de variações nas
frequências eletromagnéticas, e em ambos os
casos nosso organismo é capaz de distingruir
estes diferentes padrões de relações. O Sistema
Nervoso possibilita que esta capacidade de
396
distinção de padrões (e organizações) seja levada a
um outro nível, ampliando e refinando as
possibilidades de distinções que somos capazes
de realizar e, no caso dos seres humanos,
possibilitando que estas distinções façam
referência à elementos dos Domínios Linguísticos,
que são entes abstratos, e que sejam
compartilhadas através do linguajear. Isso implica
que há diferentes modalidades de distinção, desde
aquelas que fazemos sem ter ciência disso (como
no exemplo sobre a capacidade de distinguir entre
“oxigênio” e “gás carbônico”) até aquelas que
utilizam o linguajear em ciclos recursivos
recorrentes, como é o caso das reflexões e meta-
reflexões (que vou explicar a seguir).
130
Como explicarei a seguir entender e compreender são fenômenos
distintos.
397
partir destas considerações, o que proponho a
seguir é uma Taxonomia do Conhecer e dos
Aprenderes do Ser Humano Biológico-Cultural.
398
expliquei anteriormente, certas perturbações de
natureza física e química, mas também biológica,
podem atuar sobre nossa superfície sensorial
“não-nervosa” por intermédio de vias celulares e
bioquímicas, desencadeando efeitos que não
dependem da estimulação direta de receptores
nervosos pela perturbação, mas que são
sinalizadas de forma indireta pelo Sistema
Nervoso. Um exemplo disso é o efeito dos raios
UV-B e UV-A sobre a pele. Nosso Sistema Nervoso
não apresenta receptores nervosos para este tipo
de radiação eletromagnética, mas seus efeitos
deletérios sobre as células da pele levam a
liberação de certas substâncias que estimulam
receptores nervosos de dor, e isso é um exemplo
da ação de uma perturbação física atuando sobre
a superfície sensorial não-nervosa e indiretamente
sobre nossas sensações, mostrando que elas são
sempre sinalizadas pelo Sistema Nervoso. Ou
ainda, uma concentração muito baixa de glicose
no sangue (hipoglicemia) tem efeito direto sobre a
bioquímica das células nervosas que não são
receptores, alterando o seu padrão de disparos e o
consequente estado de ativação da rede nervosa
que constituem. Os microorganismos são
exemplos de perturbações que atuam sobre o
Sistema Imunológico, que é um elemento
importante de nossa superfície sensorial não-
nervosa, e que libera uma série de subastâncias
que têm efeitos sobre o Sistema Nervoso. Os
emocionares também atuam como perturbações
sobre o Sistema Endócrino o qual, através da
399
liberação de hormônios, também influencia o
operar do Sistema Nervoso. Os Sistemas
Imunológico e Endócrino, por sua vez, sofrem
uma ampla influência do Sistema Nervoso, de tal
forma que todos eles podem ser tratados como um
único sistema orgânico denominado Sistema
Reativo131.
131
A este respeito pretendo aprofundar meus estudos em trabalhos
futuros.
132
Lembre-se que o emocionear diz respeito às mudanças no emocionar.
400
sinalizadas pelo Sistema Nervoso na forma de
padrões recursivos de ativação espaço-temporais
nas redes nervosas envolvidas na determinação
das sensações correspondentes mas, como
dependem do linguajear, são fenômenos de
natureza biológico-cultural que se constituem
durante o conversar e que dizem respeito à
condutas linguísticas, como explicarei a seguir.
Insisto: apesar destes padrões recursivos serem
correlatos neurais com os quais é possível que um
Observador estabeleça relações gerativas com as
percepções, como já expliquei em outra seção
deste livro não podemos compreendê-las apenas
pelo estudo da estrutura e função do Sistema
Nervoso sem incorrer em erros de contabilidade
lógica, pois são fenômenos do Domínio Cognitivo-
Interacional.
401
nova perturbação e outro ser humano significativo
durante o conversar (Figura 19).
402
alguma perturbação similar, ou se é eliciada pela
ativação do circuito recorrente que sinaliza esta
percepção sem a presença da perturbação
correspondente (ou seja, de forma temporalmente
dessincronizada com uma sensação), temos a
ocorrência de um acoplamento conservador e o
fenômeno da percepção assume as características
daquilo que denomino de memórias perceptuais,
ou percepções/memórias.
403
realmente está. O Sistema Nervoso cria um
padrão recursivo de ativação espaço-temporal de
certos circuitos nervosos que sinalizam aquilo que
compreendemos como a percepção de nosso
próprio corpo, o que em última análise se
relaciona a um aspecto da nossa consciência que
diz respeito ao fato de haver alguém sempre
presente que pensa e tem ciência de si e do
ambiente ao seu redor, segundo propõe o
neurocientista português Antonio Damasio.
Quando alguém perde uma parte do corpo, apesar
disso suas percepções/memórias referentes a ela
ainda estão lá na forma de padrões de ativação
espeço-temporais em certos circuitos nervosos, e
quando estes circuitos são ativados é daí que
provém a Percepção do Membro Fantasma, que
diz respeito a uma percepção/memória.
404
percepções/memórias visuais, e assim como
“supomos” (percebemos/lembramos) que nosso
corpo está sempre lá graças a ativação espaço-
temporal recorrente de certos circuitos nervosos,
também supomos que nossa percepção visual é
sempre contínua, o que da mesma forma se deve
a um padrão recorrente de ativação de
determinados circuitos nervosos que aqui não
estou sendo específico em determinar. É por isso
que somos “capazes” de percebere algo mesmo
quando este algo não está presente, o que no
exemplo do experimento que propus diz respeito à
percepção de que os olhos estão parados mesmo
quando estão se movendo. O que eu quero dizer é
que nosso Sistema Nervoso opera de tal forma que
gera padrões recursivos que contituem nossas
percepções/memórias que são constantemente
ativados dando origem a um pano de fundo que
percebemos como uma “realidade” que está
sempre lá, ou como “nós mesmos” e nosso próprio
corpo que está sempre presente. E como eu disse
anteriormente, fenômenos deste tipo são mais
corriqueiros do que podemos imaginar, pois
quando você anda diariamente de carro por um
determinado trajeto é como se este cenário
habitual fosse gerado pelo seu Sistema Nervoso
sem a necessidade de que as perturbações que o
constituem atuem sobre a superfície sensorial,
apesar de estarem presentes, pois você só precisa
de “pistas” para perceber este cenário de forma
completa. E tanto é assim que você demora para
perceber certas variações neste cenário, a não ser
405
que elas sejam muito gritantes, e a maioria de nos
é “incapaz” de lembrar de certos detalhes, pois na
verdade essa nossa forma de operar pressupõe
que as coisas estão ali e são como sempre foram,
pois o que temos são percepções/memórias destes
locais que já são familiares. Ou ainda, se você vé
algo escrito em vermelho com um tipo de fonte
similar àquela da marca “Coca Cola”, ou um “M”
grande e amarelo similar àquele da marca
“McDonald’s”, você terá a impressão de ler Coca
Cola ou McDonald’s independentemente do que
estiver “realmente” escrito ali, pois nosso
conhecer faz surgir um mundo de regularidades a
partir da Matriz biológico-cultural na qual
operamos em nosso viver-conviver, e a grande
maioria destas regularidades são
percepções/memórias. Logo, a tentação da
certeza é algo realmente difícil de “superar”, pois
tem sua origem na forma de operar de nosso
Sistema Nervoso que gera regularidades que
denominamos de corpo, “realidade” e em nosso
viver cultural de “certezas” ou “crenças”,
constituindo uma inércia perceptual.
406
que sejam expressos através do linguajear e, (4)
nossas percepções/memórias dão origem a uma
série de regularidades que implicam numa
tendência à inércia perceptual que está na origem
da tentação da certeza.
133
Ao distinguir o atencionar estou fazendo referência a uma ação
humana que leva à atenção, como forma de explicar os fazeres que o
constituem. Isso está de acordo com minha opção por dar preferência aos
verbos em detrimento dos substantivos.
407
que todas as demais perturbações/distinções se
tornem pano de fundo em relação àquela que é
eleita para ser “atencionada”.
408
então (A), seja por lembrança ou
ouvindo novamente esta música;
409
comecei a observar (G) com a atenção
focalizada nesta percepção/memória
(A), fazendo com que todas as demais
perturbações se tornassem “pano de
fundo”.
410
O que estou fazendo aqui é utilizar
elementos do meu viver para explicar este viver,
distinguindo uma série de fenômenos que durante
este viver estão entrelaçados, mas que a partir da
Matriz biológico-cultural que a Biologia-Cultural
do Conhecer implica posso distinguir como
Observador deste viver, tendo em vista minha
intenção de compartilhar minhas reflexões com
você.
411
compreender nosso “poder criador” que depende
da Matriz biológico-cultural, do emocionear e da
cultura a partir da qual somos-fazemos-
conhecemos o mundo que fazemos surgir em
nosso viver-conviver. Se há ciclos recursivos de
reflexionar sobre o próprio reflexionar temos as
ações ou fenômenos meta-reflexivos.
412
apreciamos estamos vivendo um viver espontâneo
em nossa dimensão cultural, o que implica
experienciar um viver não-propositivo num
Domínio do Observador que é impregnado de
finalidades e propósitos, e onde ocorre o
linguajear. Apenas o apreciar permite sair de um
status no qual nossas ações são guiadas pelos
nossos emocionares, e este é um outro aspecto
que nos diferencia dos demais animais.
413
mais os (aprenderes) vão se tornando
predominantes.
414
voluntário dos movimentos, mas suponho que
isso é possível134.
134
Isso é um tema interessante para um projeto de pesquisa, levando em
consideração duas observações: (1) a teste de Daniel Wolpert que
apresentei em outra sessão deste livro, que propõe que os cérebros são
estruturas cuja função primordial é o controle dos movimentos e (2) a
importância do desenvolvimento motor e suas relações com o
“desenvolvimento cognitivo”, fato que é do conhecimento de todos
aqueles que trabalham com crianças e desenvolvimento infantil.
415
A seguir seus balbucios começam a se
diferenciar em sons mais específicos, que não são
ainda as palavras de sua língua natal, mas que
começam a ser utilizados de forma recorrente
para coordenar ações de forma consensual com
outros adultos. Esta fase marca o início do
linguajear, e os bebês começam a formar suas
novas percepções durante seu conversar com
adultos significativos, e as percepções/memórias
sobre as quais constroem as noções de “eu”, “os
outros” e “o mundo”, distinguindo classes de
entes que começam a classificar mesmo sem ter
ciência disso. A partir daí as crianças são capazes
de realizar abstrações, pois utilizam condutas
linguísticas para coordenar ações que começam a
se referir a entes concretos que não estão
necessariamente presentes durante suas ações,
ou seja, a respeito dos quais não tem sensações,
mas que abstraem utilizando suas
percepções/memórias socialmente construídas.
Logo, inicialmente as condutas dos bebês e
crianças se relacionam diretamente com seu
acoplamento à entidades concretas do ambiente
natural, com os elementos de sua cultura
material e com outros seres vivos, em Aprenderes
Não-Linguísticos, o que faz com que se tornem
parte do seu meio-nicho e da sua própria
estrutura. Em seguida iniciam seu viver social
através de suas condutas linguísticas, e é neste
momento que começam a se constituir seus
Domínios Linguísticos primordiais, a partir dos
416
quais iniciam seu linguajear e constituem seus
saberes através do (aprender).
417
A cada interação com uma nova
perturbação pode ocorrer um novo aprender que
segue um ciclo de Estágios da Aprendizagem,
levando em consideração o quanto conhecemos e
o quanto temos ciência daquilo que
conhecemos , como vou explicar a seguir. Estes
135
135
Adaptei esta concepção a partir de um modelo para as Etapas da
Aprendizagem que aprendi no curso Personal & Professional Coaching da
SBCoaching.
418
quanto não sabem acerca de algo a respeito do
que gostariam (ou “deveriam”) saber, o que
também pode ocorrer em situações mais práticas
e aplicadas quando nos propomos a realizar
algum tipo de conduta ou sequência de
movimentos e percebemos que ainda não estamos
aptos a fazê-lo. Consequentemente, os processos
avaliativos e as atividades práticas não são uma
etapa final do aprender como têm sido
considerados nos currículos escolares mas, pelo
contrário, são um estágio inicial e fundamental do
aprender. É neste estágio que começamos a
perceber que as coisas não são como
imaginávamos e é quando ocorrem conflitos entre
nossos conhecimentos atuais e os novos
conhecimentos com os quais entramos em
contato. Infelizmente a maioria dos aprendizes
abandona o processo de aprender neste estágio,
seja porque percebem o trabalho que terão para
mudar sua estrutura de forma a favorecer a
ocorrência do novo aprender, ou porque não
abrem mão de suas “certezas” devido a um
emocionar que favorece isto e então optam por
manter suas percepções/memórias e
conhecimentos atuais. Lembre-se que dada a
indissociabilidade entre o ser, o fazer e o conhecer
abrir mão do que já sabemos e do que já sabemos
fazer implica abrir mão do que somos, e isso
requer certo grau de desapego e de clareza dos
emocionares que nos mantém apegados aquilo a
que desejamos nos apegar. Quando este é o caso
muitos tentam de forma consciente ou não
419
adequar o novo conhecimento a estas
percepções/memórias, mantendo seus Domínios
Lógicos e Matrizes Biológico-Culturais
inalterados, o que nem sempre é condizente com o
novo aprender possível numa dada situação. A
maioria de nós faz isso sem perceber, pois para
avançar deste estágio em direção ao próximo é
necessário sair do “piloto atuomático” que as
percepções/memórias favorecem e avançar em
direção a nossa observação, o que requer focalizar
a atenção por opção para que possamos
compreender, explicar e refletir em diferentes
níveis. Logo, ao final deste estágio a maioria de
nós mantém e reforça suas percepções/memórias
que permanecem inalteradas, principalmente
quando as distinções em questão dizem respeito à
condutas linguísticas. Apenas o emocionear pode
mudar este status e permitir o avanço em direção
ao próximo estágio do aprender.
420
atenção e através do observar estaremos aptos a
atingir este estágio do aprender, sempre tendo em
vista que tudo o que conhecemos surge em nosso
ato de distinção, a partir de uma Matriz Biológico-
Cultural. Neste estágio podemos
compreender/explicar ou avançar e refletir sobre
as Matrizes que estão por trás do deste
compreender/explicar. Independentemente das
reflexões ou metareflexões que podemos realizar
neste terceiro estágio do aprender, se dedicamos
tempo e esforço em nossas
compreensões/explicações ou práticas, podemos
avançar para o próximo estágio, ou seja, o quarto
estágio não depende necessariamente de
refletirmos sobre aquilo que aprendemos.
421
estamos observando pessoas que atingiram este
estágio do aprender. Assim como o estágio
anterior, este não depende da capacidade de
reflexão, mas requer certo grau de apreciação
para que possa ocorrer, como expliquei
anteriormente.
Conclusões
Toda dor pela qual se pede ajuda tem
origem cultural. Esta é uma fala de Humberto
Maturana e Ximena Dávila que não sai da minha
cabeça desde que a ouvi em 2009, e depois
pessoalmente da boca destes autores em 2013
durante minha visita ao Instituto Matriztico em
Santiago do Chile. Tive uma formação em
pesquisa biológica e sempre concebi que a dor era
um fenômeno de natureza neurofisiológica. Como
biólogo, o Darwinismo e suas concepções
formaram uma base as vezes invisível sobre as
quais as ciências biológicas e minhas concepções
se construíram, e esta afirmação juntamente com
outras que constituem a Biologia do Conhecer e a
Biologia-Cultural de Maturana e colaboradores
pareciam não fazer sentido ... apesar de fazerem
todo sentido. Mas sabe como é ... difícil não é
aceitar o novo, mas muitas vezes abrir mão do
velho pelo trabalhão que isso dá.
422
partir das quais surge o mundo que vivemos e
todas as nossas concepções e explicações, nas
redes de conversações nas quais estamos
inseridos. E percebi também como isso está por
trás dos conflitos, das discussões, do mal-estar,
do sofrimento e do adoecimento que pode nos
acometer e que tem cada vez mais nos acometido.
423
para mim durante o processo da escrita deste
livro.
424
relatividade fundamental e a importância do amar
e do conversar não podemos realmente assumir o
que implica sermos humanos. E não há mal
nenhum em ser assim ...
Mas quando em uma sala de aula eu
pretendo impor e condicionar, pois é assim que
temos feito desde sempre e é assim que fomos
ensinados, eu perco a chance de fazer aquele algo
a mais que foi o que me motivou e acredito que é
o que motiva todo ser humano que escolhe ser
professor, e que no fundo é o que motiva todo ser
humano em todo seu fazer sociocultural. Como
diria Marshal Rosemberg, o ser humano tem um
impulso natural de dar e receber pelo simples
prazer de fazer assim, ao que ele denomina de
compassividade. Maturana diz a mesma coisa ao
falar sobre o amar, sobre o brincar e sobre aceitar
o outro como legítimo no conviver. E esse é um
“impulso” de natureza biológica, que está na
origem daquilo que nos diferenciou dos nossos
ancestrais primatas. Eu costumo brincar com
meus filhos e dizer que se os pais não amassem
seus filhos seria fácil abandoná-los na primeira
esquina, pois eles dão um trabalhão para cuidar.
Se os seres humanos fossem primatas
competitivos nossa espécie não teria durado uma
geração, pois seria fácil abandonar à própria sorte
um bebê que dá tanto trabalho, ainda mais em
uma época e em ambiente hostil onde encontrar
alimento e a vida de forma geral não era nada
fácil quando comparada aos dias de hoje. Não
fosse o amar, ou a compassividade, não
425
estaríamos aqui, mas foi fácil se perder em
argumentos racionais para justificar a
competição, a comunicação violenta e a negação
do outro tendo em vista nossas vontades. Daí
advém todo mal-estar, sofrimento, dor e
adoecimento, na minha opinião.
426
de Domínios Linguísticos a partir dos quais
possamos linguajear nas distintas atuações
sociais que optarmos para nosso viver.
427
Referências Biliográficas
428
12. Maturana H, Varela F. A Árvore do
Conhecimento - as bases biológicas da compreensão
humana. 9a. São Paulo: Palas Athena; 2011.
13. Maturana H, Dávila X. Habitar Humano em Seis
Ensaios de Biologia-Cultural. 1a. São Paulo: Palas
Athena; 2009.
14. Nicolelis M, Circurel R. O Cérebro Relativístico.
1a. Natal, Montreux, Durham, São Paulo: Kios Press;
2015.
15. Maturana H, Varela F. De Máquinas y Seres Vivos
- Autopoiesis: la Organización de lo Vivo. 5a.
Santiago do Chile: Editorial Universitaria; 1998.
16. Bechmann G, Stehr N. Niklas Luhmann. Tempo
Soc. 2001;13:185–200.
17. WOLPERT D. A razão para os cérebros existirem.
2011 [cited 2017 Nov 22]. Disponívvel em:
https://www.ted.com/talks/daniel_wolpert_the_real_reason_for_brai
ns/up_next?language=pt-br
429
23. CUKIER J. A educação escolar: agente de
mudança psíquica positiva ou agente
didaticopatogenizante? Psicanálise Hoje Uma
Revolução Olhar. Petrópolis: Editora Vozes; 1996.
24. PELLANDA N MC. Sofrimento Escolar como
Impedimento da Construção de Conhecimento /
Subjetividade. Educ Soc. 2008;29:1069–88.
25. AGUIAR R M.R, ALMEIDA S FC. Professores sob
pressão: sofrimento e mal-estar na educação.
Psicanálise Educ E Transm [Internet]. 2006;6.
Disponívvel em:
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC00000000320
06000100063&script=sci_arttext
430
31. MORAES FT. Suicídio de doutorando da USP
levanta questões sobre saúde mental na pós. Folha
São Paulo. São Paulo; 2017 Oct 27;
32. BEISIEGEL C de R. Paulo Freire. Brasília:
Fundação Joaquim Nabuco - Ed. Massangana; 2010.
33. DÂNGELO JG, FATTINI CA. Anatomia humana
sistêmica e segmentar. 3a. São Paulo: Atheneu;
2007.
34. Hegenberg L. Doença: um estudo filosófico. Rio
de Janeiro (RJ): FIOCRUZ; 1998.
35. SANTOS S D.M, VIEIRA A O.M, TOASSA G,
LACERDA JÚNIOR F. Desafios teóricos da psicologia
macrocultural: entrevista com Carl Ratner. Psicol
Estud [Internet]. 2014;19. Disponívvel em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722014000300020
431
43. MATURANA H. Cognição, ciência e vida
cotidiana. Belo Horizonte: Ed. UFMG; 2001.
44. Palincsar AS. 12 Social constructivist
perspectives on teaching and learning. Introd
Vygotsky. 2005;285.
45. Maturana H. Biology of Language - the
Epistemology of reality. In: Miller GA, Lenneberg E,
Lenneberg EH, editors. Psychol Biol Lang Thought
Essays Honor Eric Lenneberg. New York: Academic
Press; 1978.
46. FOUTS R. O Parente mais Próximo. Rio de
Janeiro: Objetiva; 1998.
47. MARTIN FD. El Largo Viaje: arqueología de los
orígenes humanos y las primeras migraciones.
Barcelona: Ediciones Bellaterra; 2005.
48. SOUZA SM. Dispersão de Homo sapiens e
Povoamento dos Continentes. Fundam
Paleoparasitologia. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2011.
49. MEYER D. As origens do homo sapiens sapiens:
uma questão ainda não esclarecida. Cad Campo.
1991;2:124–31.
50. FUTUYMA DJ. Biologia Evolutiva. Ribeirão Preto:
SBG/Cnpq; 1992.
51. Jablonka E, Lamb MJ. Précis of Evolution in
Four Dimensions. Behav Brain Sci [Internet]. 2007
[cited 2016 Dec 28];30. Disponívvel em:
http://www.journals.cambridge.org/abstract_S0140525X07002221
432
55. BUICAN D. Darwin e o Darwinismo. Rio de
Janeiro: Jahar; 1990.
56. HODGSON GM. Darwinismo e ciências sociais:
um diálogo possível. Estud Av. 2008;22:271–80.
57. MOORE R. A Evolução. Rio de Janeiro: José
Olympio; 1970.
58. GOULD SJ. Darwin´s Middle Road. Nat Hist.
1979;88:27–31.
59. Laland K, Wray GA, Hoekstra HE. Does
evolutionary theory need a rethink? Nature.
2014;514:161.
60. JABLONKA E, LAMB MJ. Evolution in four
dimensions: Genetic, epigenetic, behavioral, and
symbolic variation in the history of life. MIT Press.
2005;
61. MATURANA-ROMESIN H, Mpodozis J. El origen de
las especies por medio de la deriva natural. Rev Chil
Hist Nat. 2000;73:261–310.
62. WISSNER-GROSS A. Uma equação para a
inteligência. 2013 [cited 2017 Nov 22]. Disponívvel
em:
https://www.ted.com/talks/alex_wissner_gross_a_new_equation_for
_intelligence/transcript?language=pt-br
433
irrespective of body size. Ann New Yourk Acad Sci.
2011;1225:191.
66. Ottoni EB. A evolução da inteligência e a
cognição social. Psicol Evolucionista. 2009;54–64.
67. OAKLEY K. Man the toolmaker. Londres: British
Museum,; 1959.
68. WYNN T. Tools and the evolution of human
intelligence. Machiavellian Intell. Oxford, UK:
Clarendon Press; 1988.
69. MILTON K. Diet and primate evolution. Sci Am.
1993;296:70–7.
70. DUMBAR RIM. Coevolution of neocortical size,
group size and language in humans. Behav Brain Sci.
1993;16:681–735.
71. Dunbar RIM. The Social Brain: Mind, Language,
and Society in Evolutionary Perspective. Annu Rev
Anthropol. 2003;32:163–81.
72. CHANCE MRA, MEAD AP. Social behaviour and
primate evolution. Symp Soc Exp Biol VII. 1953;395–
349.
73. KANDEL E, SCHWARTZ JH, SIEGEBAUM SA,
HUDSPETH AJ. Princípios de Neurociências. 5a.
Porto Alegre: AMGH Editora Ltda.; 2014.
74. VAN SCHAIK CP, PRADHAN GR. A model for tool-
use in primates: implications for coevolution of
culture and cognition. J Hum Evol. 2003;44:645–64.
75. STRUM SC, FORSTER D, HUTCHINS E.
Machiavellian intelligence II: extensions and
evaluations. Why Machiavellian Intell May Be
Machiavellian. Cambridge: Cambridge Univ. Press;
1997.
76. JOHNSON CM. Distributed primate cognition: a
review. Anim Cogn. 2001;4:167–83.
434
77. COSMIDES L, TOOBY J. Cognitive adaptations
for social exchange. Adapt Mind Evol Psychol Gener
Cult. New York: Oxford Univ. Press; 1992.
78. GOPNIK A, MELTZOFF AN, KUHL PK. The
scientist in the crib: What early learning tells us
about the mind. New York: William Morton; 2001.
79. Oliveira VLB, Bossa NA, editors. Avaliação
psicopedagógica do Adolescente. 4a. Petrópolis:
Editora Vozes; 2000.
80. Verden-Zoller G. O Brincar na Relação Materno-
Infantil. Amar E Brincar Fundam Esquecidos Hum.
3a. São Paulo: Palas Athena; 2011.
81. DUNBAR RIM. Grooming, gossip and the
evolution of language. London: Harvard Univ. Press.;
1998.
82. PAPOUSEK H, PAPOUSEK M. Learning and
cognition in the everyday life of human infants. Adv
Study Behav. 1984;14:127–63.
83. KUHL P. A genialidade lingüística dos bebês.
2010 [cited 2017 Nov 22]. Disponívvel em:
https://www.ted.com/talks/patricia_kuhl_the_linguistic_genius_of_
babies/transcript?language=pt-br
435
in language input to infants are linked to
concurrent and future speech development. Dev Sci.
2014;17:880–91.
88. HASSON U. É assim que seu cérebro se
comunica. 2016 [cited 2017 Nov 22]. Disponívvel em:
https://www.ted.com/talks/uri_hasson_this_is_your_brain_on_com
munication?language=pt-br
436
96. Hasson U, Chen J, Honey CJ. Hierarchical
process memory: memory as an integral component
of information processing. Trends Cogn Sci.
2015;19:304–13.
97. Chen J, Leong YC, Norman KA, Hasson U. Shared
experience, shared memory: a common structure
for brain activity during naturalistic recall. bioRxiv.
2016;035931.
98. Hasson U, Frith CD. Mirroring and beyond:
coupled dynamics as a generalized framework for
modelling social interactions. Philos Trans R Soc B
Biol Sci. 2016;371:20150366.
99. Simony E, Honey CJ, Chen J, Lositsky O,
Yeshurun Y, Wiesel A, et al. Dynamic reconfiguration
of the default mode network during narrative
comprehension. Nat Commun. 2016;7:12141.
100. LANE STM. A Psicologia Social é uma nova
concepção de homem para a Psicologia. Psicol Soc O
Homem Em Mov. 13a. São Paulo: Ed. Brasiliense;
1999.
101. PREMACK D, WOODRUF G. Does the chipanzes
have a Theory of Mind? Behav Brain Sci.
1978;4:515–26.
102. GOPNIK A. O que pensam os bebês? 2011 [cited
2017 Nov 22]. Disponívvel em:
https://www.ted.com/talks/alison_gopnik_what_do_babies_think?la
nguage=pt-br
437
106. Marcus W, Laland KN. Gene-Clture
Coevolutionary Theory. 1996 [cited 2017 Jan 15];
Disponívvel em:
https://www.researchgate.net/profile/Kevin_Laland/publication/49758292_G
ene-culture_coevolutionary_theory/links/00b7d529e08b96a8c0000000.pdf
438
origins of cultural cognition. Behav Brain Sci.
2005;28:675–691.
117. BEHRENS TEJ, ORR SP. Associative learning of
social value. J Soc Psychol. 1980;39:1081–7.
118. JACK RE, BLAIS C, SCHEEPERS C, SCHYNS PG,
CALDARA R. Cultural confusions show that facial
expressions are not universal. Curr Biol. 2009;19.
119. Hurley SL, Chater N, editors. Perspectives on
imitation: from neuroscience to social science.
Cambridge, Mass: MIT Press; 2005.
120. Iacoboni M. Imitation, Empathy, and Mirror
Neurons. Annu Rev Psychol. 2009;60:653–70.
121. Arbib MA. From Mirror Neurons to Complex
Imitation in the Evolution of Language and Tool
Use *. Annu Rev Anthropol. 2011;40:257–73.
122. WHITEN A, MCGUIGAN N, MARSHALL=PESCINI
S, HOPPER LM. Emulation, imitation, over-
imitation and the scope of culture for child and
chimpanzee. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci.
2009;364:2417–28.
123. Csibra G, Gergely G. Natural pedagogy as
evolutionary adaptation. Philos Trans R Soc B Biol
Sci. 2011;366:1149–57.
124. BICH L, MORENO A. Autonomía biologica y las
raízes de la cognición. El rol de la regulacion en la
emergencia de un mundo endógenamente generado.
Autopoiesis Un Concepto Vivo. Santiago do Chile:
Universitas Editorial; 2013.
125. CURVELLO FV, FERREIRA AAL. O trabalho
antropológico de Max Wertheimer e a Psicologia da
Gestalt. Psicol Em Pesqui. 2014;8:77–84.
126. RAZETO-BARRY P, RAMOS-JILIBERTO R. Qué es
autopoiesis? Autopoiesis Un Concepto Vivo. Santiago
do Chile: Universitas Editorial; 2013.
439
127. Kim S-P, Sanchez JC, Erdogmus D, Rao YN,
Wessberg J, Principe JC, et al. Divide-and-conquer
approach for brain machine interfaces: nonlinear
mixture of competitive linear models. Neural Netw.
2003;16:865–71.
128. Capra F. As conexões ocultas: ciência para uma
vida sustentável. São Paulo: Cultrix; 2002.
129. Cromwell HC, Panksepp J. Rethinking the
cognitive revolution from a neural perspective:
How overuse/misuse of the term ‘cognition’ and
the neglect of affective controls in behavioral
neuroscience could be delaying progress in
understanding the BrainMind. Neurosci Biobehav
Rev. 2011;35:2026–35.
130. Varela F. Conocer - Las Ciencias Cognitivas:
Tendencias y Perspectivas. 1a. Barcelona: Editorial
Gedisa; 1990.
131. Varela F, Thompson E, Rosch E. The Embodied
Mind. Massachusetts: MIT Press; 1993.
132. Kuhl P, Rivera-Gaxiola M. Neural Substrates of
Language Acquisition. Annu Rev Neurosci.
2008;31:511–34.
133. Ferjan Ramírez N, Ramírez RR, Clarke M, Taulu
S, Kuhl PK. Speech discrimination in 11-month-old
bilingual and monolingual infants: a
magnetoencephalography study. Dev Sci [Internet].
2016 [cited 2016 Dec 28]; Disponívvel em:
http://doi.wiley.com/10.1111/desc.12427
440
exploration of the biophysics of being. Biol Res.
2003;36:27–65.
136. Martin SJ, Morris RGM. New life in an old idea:
the synaptic plasticity and memory hypothesis
revisited. Hipoccampus. 2002;12:609–36.
137. Gallistel CR, Matzel LD. The Neuroscience of
Learning: Beyond the Hebbian Synapse. Annu Rev
Psychol. 2013;64:169–200.
138. Eberhart R, Dobbins R. Neural Networks PC
Tools - A Practical Guide. 1a. San Diego: Academic
Press; 1990.
139. Rorty R. Philosophy and the mirror of nature.
Princeton: Princeton University Press; 1979.
140. Wolpert DM, Diedrichsen J, Flanagan JR.
Principles of sensorimotor learning. Nat Rev
Neurosci [Internet]. 2011 [cited 2017 Jan 22];
Disponívvel em: http://www.nature.com/doifinder/10.1038/nrn3112
141. Ziles U. Fenomenologia e teoria do
conhecimento em Husserl. Rev Abordagem
Gestáltica. 2007;13:216–221.
142. DELORS J, AL MUFTI I, AMAGI I, CARNEIRO R,
CHUNG F, GEREMEK B, et al. Educação: um tesouro
a descobrir - Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI.
Brasília: UNESCO BRasil; 2010.
143. Maturana H. Emoções e linguagem na educação
e na politica. Belo Horizonte: Ufmg; 1998.
144. SILVA CL. Concepção Histórico-Cultural do
Cérebro na Obra de Vigotski [Tese de Doutorado].
[São Paulo]: Universidade de São Paulo; 2012.
145. SADLER TW. Langman – Embriologia Médica.
9a. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan; 2011.
146. PENNISI E. Haeckel’s Embryos: Fraud
Rediscovered. Science. 1997;277:1435.
441
147. ROTTA NT, OHLWEILER L, RIESGO RS.
Transtornos da Aprendizagem: Abordagem
Neurobiológica e Multidisciplinar. Porto Alegre:
Artmed; 2006.
148. BAILEY T. Donald W. Winnicott: a new
approach. J Child Psy. 2016;42:86–8.
149. HECHT PM, HUDSON M, CONNORS SL, TILLEY
MR, LIU X, BEVERSDORF DQ. Maternal Serotonin
Transporter Genotype Affects Risk for ASD
WithExposure to Prenatal Stress. 2016;Autism
Res:1151–60.
150. Meltzoff AN, Kuhl PK, Movellan J, Sejnowski TJ.
Foundations for a new science of learning. science.
2009;325:284–288.
151. MILNER AD, GOODALE MA. The Visual Brain in
Action. Oxf Psychol Ser. 1998;27.
442