SARLET Ingo O STF e o Direito A Vida

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Revista de Direito da Universidade de Brasília

University of Brasília Law Journal

V. 01, N. 02
julho – dezembro de 2014

ARTIGOS // ARTICLES
JÜRGEN HABERMAS, INEZ LOPES, FERNANDO DE
CASTRO FONTAINHA, MARCÍLIO TOSCANO FRANCA
FILHO & MARIA FRANCISCA CARNEIRO,
MARIA CANDIDA CARVALHO MONTEIRO DE ALMEIDA,
RAMÓN NEGOCIO
COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIA // CASE
NOTES AND COMMENTARIES
DEBORA DINIZ, INGO WOLFGANG SARLET
RESENHAS // BOOK REVIEWS
MATHEUS BARRA, NATHALY MANCILLA ÓRDENES
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E
O DIREITO À VIDA – COMENTÁRIOS
À DECISÃO NA ADPF Nº 54 SOBRE
A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NOS
CASOS DE ANENCEFALIA FETAL // THE
BRAZILIAN SUPREME COURT AND THE
RIGHT TO LIFE – COMMENTARIES TO
THE COURT’S DECISION ON ADPF 54,
REGARDING PREGNANCY INTERRUPTION
IN CASES OF FETAL ANENCEPHALY

Ingo Wolfgang Sarlet

Direito.UnB, julho – dezembro de 2014, v. 01, n.02 184


O Supremo Tribunal Federal e o direito à vida [...], Ingo Wolfgang Sarlet, pgs. 184 – 201

>> RESUMO // ABSTRACT


O Supremo Tribunal Brasileiro recentemente julgou o problema da
interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal. O julgado acabou
revitalizando na esfera pública aspectos relevantes da relativamen-
te antiga controvérsia em torno da descriminalização do aborto e da
dimensão mais ampla em torno do valor da vida humana no Sistema
jurídico brasileiro. O objetivo do presente ensaio é situar a decisão refe-
rida no contexto mais amplo dos atuais debates em torno do direito à
vida, com foco especialmente nas suas relações com outros direitos e
princípios fundamentais, nesse caso, com especial ênfase na dignida-
de humana. // The Brazilian Supreme Court recently ruled regarding the
constitutional status of interrupting pregnancies when the fetus in ques-
tion is anencephalic. This case brought back into the public sphere rele-
vant aspects of the relatively old controversy around the decriminaliza-
tion of abortion, as well as the broader issue of the value of human life
within the Brazilian legal system. The aim of this essay is to situate the
aforementioned decision in the broader context of the current debates
regarding the right to life, focusing especially on its relationships with
other rights and fundamental principles, in this case, special emphasis is
given to human dignity.

>> PALAVRAS-CHAVE // KEYWORDS


Aborto; Direito à Vida; Anencefalia; Supremo Tribunal Federal do Brasil;
Dignidade Humana. // Abortion; Right to Life; Anencephaly; Brazilian
Supreme Court; Human Dignity.

>> SOBRE O AUTOR // ABOUT THE AUTHOR

Professor Titular da Pontífica Universidade Católica do Rio Grande do Sul


(PUC-RS); Doutor em Direito pela Universidade de Munique, Alemanha.
// Full Professor at PUC-RS, PhD From the University of Munich.

>> sobre este artigo // About this Article


Traduzido por Joanna Noronha, a quem agradeço pelo rápido e muito
bom trabalho. // Translated by Joanna Noronha, to whom I thank for the
fast and very good job.

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O Supremo Tribunal Federal e o direito à vida [...], Ingo Wolfgang Sarlet, pgs. 184 – 201

1 – Notas introdutórias

O julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro (doravante STF),


da ADPF nº 54, que apreciou a legitimidade constitucional da possibi-
lidade da interrupção da gravidez nos casos de fetos com anencefalia,
recolocou na esfera pública aspectos relevantes da relativamente antiga
controvérsia em torno da descriminalização do aborto, bem como, numa
perspectiva mais ampla, do valor da vida humana para a ordem jurídica
brasileira, na qual, de acordo com o disposto no artigo 5º, caput, da Cons-
tituição Federal de 1988 (doravante apenas CF), o direito à vida pontifica
como um dos principais e – utilizando aqui a simbólica dicção do cons-
tituinte – invioláveis direitos fundamentais consagrados logo no pórtico
do catálogo constitucional de direitos e garantias.
Assim, dada a sua relevância e considerando a existência de relati-
vamente poucas decisões do STF que envolvem diretamente a sua prote-
ção e promoção (como direito fundamental autônomo), o direito à vida,
especialmente por suas conexões com outros direitos e princípios funda-
mentais, mas também em virtude da atualidade de algumas discussões
relevantes que dizem respeito à vida humana como bem jurídico-consti-
tucional, como é o caso justamente da própria controvérsia em torno da
descriminalização do aborto (e não apenas na hipótese de anencefalia)
merece ser objeto de continuada atenção e debate.
À vista de tais considerações, o que se pretende neste ensaio é preci-
samente situar a decisão a ser comentada no contexto mais amplo do
direito à vida, especialmente no que diz com suas relações com outros
direitos e princípios fundamentais (no caso, com ênfase na dignidade
da pessoa humana), mas também no concernente aos seus limites, ou
seja, quando está em causa a legitimidade constitucional de interven-
ções no direito à vida, sempre com foco na discussão em torno da inter-
rupção da gravidez nos casos de anencefalia e no julgamento do STF
sobre a matéria.

2 – Breves notas sobre o direito à vida como direito


humano e fundamental

2.1 – Notícia histórica

No âmbito da evolução legislativa (constitucional e supranacional)


sabe-se que o primeiro documento a consagrar um direito à vida, numa
acepção que já pode ser considerada muito próxima da moderna noção de
direitos humanos e fundamentais, foi a Declaração de Direitos da Virgí-
nia, de 1776, que, no seu art. 1º, incluía a vida no rol dos direitos inerentes
da pessoa humana. A Constituição Federal Norte-Americana de 1787, por
sua vez, não contemplava um “catálogo” de direitos e garantias, tendo sido
apenas mediante a aprovação da quinta emenda, de 1791, que o direito à
vida passou a assumir a condição de direito fundamental na ordem jurí-
dico-constitucional dos Estados Unidos da América, de resto, a primeira

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consagração do direito à vida como direito fundamental (de matriz cons-


titucional) da pessoa humana na história constitucional. De acordo com
a dicção da quinta emenda, “Nenhuma pessoa (...) será desprovida de sua
vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”.
Ainda no contexto da fase inaugural do constitucionalismo moder-
no, importa anotar que as constituições da Revolução Francesa, bem
como a posterior Carta Constitucional de 1814, não faziam menção
explícita ao direito à vida, utilizando apenas o conceito de uma garan-
tia da segurança. Desde então, ressalvadas algumas exceções, o direi-
to à vida acabou não merecendo, durante muito tempo, um reconheci-
mento no plano do direito constitucional positivo da maior parte dos
Estados, o que apenas acabou com a viragem provocada pela II Gran-
de Guerra Mundial, que não apenas alterou a ordem mundial, mas
também afetou profundamente o próprio conteúdo e em parte também
o papel das constituições, além da influência gerada pela Declaração dos
Direitos Humanos da ONU (1948) e dos posteriores pactos internacio-
nais para proteção dos direitos humanos (com destaque, numa primei-
ra fase, para o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966)
sobre as constituições promulgadas na segunda metade do Século XX.
Nesse período, destaca-se a Lei Fundamental da Alemanha, de 1949, que
não apenas reconheceu o direito à vida como direito fundamental, mas
também foi a primeira a vedar completamente, em qualquer hipótese,
a pena de morte.
No âmbito da evolução constitucional brasileira, verifica-se que na
Constituição de 1824, a exemplo do paradigma da França de então, não
havia previsão de um direito à vida, mas apenas de um direito à seguran-
ça individual, o mesmo ocorrendo com a Constituição de 1891. Também
nas constituições de 1934 e de 1937 o direito à vida não foi contemplado,
muito embora a proibição da pena de morte, ainda que admitidas exce-
ções. Foi, portanto, apenas na Constituição de 1946 que o direito à vida
mereceu reconhecimento e proteção como direito individual (artigo 141,
caput), retomando-se a técnica da Constituição de 1934, no que diz com o
banimento da pena de morte salvo nos casos de guerra com nação estran-
geira e nos termos da legislação militar, o que foi mantido na Constitui-
ção de 1967 (artigo 150, caput, e § 11), com a ressalva de que o texto consti-
tucional se refere ao caso de guerra externa (e não de guerra com outro
país), embora a equivalência das situações, o que, por sua vez, foi repro-
duzido no texto resultante da alteração promovida pela Emenda Constitu-
cional n° 1, de 1969 (artigo 153, caput, e § 11).
Na Constituição Federal de 1988, o direito à vida foi expressamen-
te contemplado no elenco do artigo 5º, caput, na condição mesmo – a
teor do texto constitucional – de direito “inviolável”. Além da proteção
genérica já referida, a vida encontrou proteção constitucional adicio-
nal, mediante a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra
declarada (artigo 5°, inciso XLVII, letra “a”), guardando, portanto, sinto-
nia textual com o sistema internacional (Pacto de Direitos Civis e Polí-
ticos e Protocolo Adicional) e regional (interamericano) de proteção dos
direitos humanos.

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2.2 - Âmbito de proteção do direito à vida e sua dupla


dimensão objetiva e subjetiva

De acordo com a tradição do constitucionalismo contemporâneo – espe-


cialmente a partir do Segundo Pós-Guerra (Segunda Metade do Século XX),
o conceito de “vida”, para efeitos da proteção como direito fundamental
(mas também no plano de uma proteção na perspectiva jurídico-objeti-
va, como se verá) é aquele de existência física. Cuida-se, portanto, de crité-
rio meramente biológico, sendo considerada vida humana toda aquela
baseada no código genético humano. Em apertada síntese, é possível afir-
mar que o direito à vida consiste no direito de todos os seres humanos de
viverem, abarcando a existência corporal no sentido da existência bioló-
gica e fisiológica do ser humano1. Com isso, busca-se afastar toda e qual-
quer concepção de ordem moral, social, política, religiosa ou racial acerca
da vida humana, especialmente aquelas que pretendem uma diferencia-
ção entre uma vida digna e a vida indigna de ser vivida e, neste sentido,
reconhecida e protegida pela ordem jurídica2. A noção de vida digna (que
pode assumir uma feição positiva – legítima na perspectiva da moralida-
de e do Direito, no que diz com a proteção e promoção de uma vida que
corresponda às exigências da dignidade humana), portanto, não poderá
servir de fundamento para a imposição de uma condição de inferiorida-
de a determinados indivíduos, tal qual ocorreu, em tempos mais recentes,
sob a égide da ideologia nacional-socialista, justificando práticas eugê-
nicas, que, convém frisar, já existiam em diversos locais bem antes da
instauração do nacional-socialismo.
O que importa sublinhar, no contexto, é que a noção de uma vida
indigna deve ser tida como completamente dissociada da ordem consti-
tucional3. De qualquer sorte, sem que se possa aqui aprofundar a ques-
tão, pelo menos merece referência o fato de que no campo da proteção da
vida intrauterina e da reprodução assistida, apenas para ilustrar com os
exemplos mais emblemáticos na atualidade, mas também no que concer-
ne à discussão sobre a eutanásia, o problema ético e jurídico da euge-
nia, segue, de algum modo, tendo relevância, ainda que evidentemente
de modo muito distinto das práticas eugênicas baseadas em critérios de
pureza racial ou similares, que merecem total repúdio da ordem jurídica.
Certo é que o direito à vida opera, para além de sua condição de direito
fundamental autônomo, como “pressuposto fundante de todos os demais
direitos fundamentais”4, “verdadeiro pré-requisito da existência dos
demais direitos consagrados constitucionalmente”5, ou, como enfatiza-
do pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como base vital da
própria dignidade da pessoa humana6. Além e independentemente disso,
a relação entre o direito à vida e os outros direitos fundamentais é diver-
sificada e evidentemente não se verifica em todos os casos, o que, contu-
do, aqui não poderá ser desenvolvido, salvo no que guarde vínculo com o
tema ora versado, destacando-se a relação entre o direito à vida e a digni-
dade da pessoa humana, precisamente em função do valor da vida para a
pessoa e para a ordem jurídica, ademais do fato de que a vida é o substra-
to fisiológico (existencial no sentido biológico) da própria dignidade, mas

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também de acordo com a premissa de que toda a vida humana é digna de


ser vivida7. Todavia, é preciso enfatizar que por mais forte que seja a cone-
xão, dignidade e vida não se confundem! Cuida-se de princípios e direitos
humanos e fundamentais autônomos, que, além disso, podem estar em
relação de tensão e mesmo de eventual conflito, por exemplo, quando se
cuida de, em nome da dignidade da pessoa humana, autorizar interrup-
ção da gravidez, o que, aliás, foi amplamente discutido na decisão do STF
na ADPF nº 54, que será objeto de comentário um pouco mais detido logo
adiante. Importante é deixar assente já nesta quadra que vida e dignida-
de são grandezas (valores, princípios, direitos) que não podem ser hierar-
quizados em abstrato, respeitando-se, ademais, a sua pelo menos parcial
autonomia no que diz com seus respectivos âmbitos de proteção8. Para
ilustrar, bastaria recordar que a dignidade da pessoa humana, de acor-
do com entendimento que aqui subscrevemos, não exige necessariamen-
te uma proteção absoluta do direito à vida9.
Compreendido – na esteira da conhecida fórmula de Robert Alexy -
como um direito fundamental em sentido amplo, também o direito à vida
abrange um complexo de posições subjetivas de cunho negativo (defensi-
vo) e positivo (prestacional)10. Nessa perspectiva, o direito à vida tem uma
dimensão negativa, quando assume a condição de direito de defesa, cujo
objeto é uma obrigação de abstenção por parte do Estado e dos particula-
res, gerando, portanto, uma obrigação de respeito e de proibição de inter-
venções no âmbito do direito à vida, muito embora o objeto do direito de
defesa inclua também situações de ameaça e riscos para a vida11. Mas o
direito à vida também apresenta uma dimensão positiva, de um direito
a prestações fáticas ou normativas, implicando a obrigação, por parte do
Estado e mesmo de particulares (a depender do caso) de medidas ativas
de proteção da vida, como se verá quando da decodificação dos deveres de
proteção estatal e dos correspondentes direitos à proteção, logo a seguir.
Assim como se verifica com os demais direitos fundamentais (mas
também dos princípios fundamentais em geral) no âmbito do que se
convencionou designar de uma dimensão objetiva, o direito à vida repre-
senta um valor, um bem jurídico também objetivamente reconhecido
e protegido, donde decorrem efeitos jurídicos autônomos, que, por sua
vez, refletem na própria esfera subjetiva, ampliando as possibilidades de
proteção e promoção dos direitos fundamentais12. Nesse contexto, assu-
me destaque a noção de um dever jurídico-constitucional de proteção do
Estado, que, também e especialmente no caso do direito à vida, projeta-
-se muito além da simples proibição direta de violação, impondo diversas
obrigações de atuação (prestação), que, por sua vez, especialmente no caso
da ordem constitucional brasileira, correspondem, na esfera subjetiva e
em diversas hipóteses (presentes certos pressupostos), a direitos subjeti-
vos a prestações13.
Em apertada síntese, importa relembrar que os deveres de prote-
ção vinculam todos os órgãos estatais, ressalvados os respectivos limi-
tes funcionais, implicando, em termos qualitativos, determinados níveis
mínimos de proteção dos direitos e bens fundamentais (o que justifica o
reconhecimento de uma proibição de proteção insuficiente), para além

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de um dever de correção e melhoria quando se tratar de medidas estatais


que estejam situadas aquém dos níveis mínimos de proteção constitucio-
nalmente exigidos. Além disso, o dever de proteção não incide apenas nos
casos de violação, mas também em situações de risco e ameaça de violação
dos direitos fundamentais, destacando-se a conexão do dever de proteção
com os deveres de precaução e prevenção. Por derradeiro, para os limi-
tados efeitos da presente abordagem, os deveres de proteção implicam
medidas de cunho organizatório e procedimental, já que é mediante orga-
nização e procedimento que se logram obter níveis adequados de prote-
ção e mesmo promoção de direitos fundamentais. Dentre as obrigações
positivas do Estado, associadas aos deveres de proteção, podem ser referi-
das, um dever de amparo financeiro (em espécie ou bens e serviços), como
é o caso de prestações para garantia da sobrevivência física14 ou mesmo,
em perspectiva ampliada, de um mínimo existencial destinado a assegu-
rar uma vida condigna, como se verifica a partir da invocação de prece-
dentes do STF15, destacando-se, contudo, o estabelecimento de normas de
cunho organizacional e processual16, como, por exemplo, a previsão da
proibição de extradição de indivíduos que, em seu país de origem, serão
ou já foram sentenciados com a pena de morte.17 Para o caso da interrup-
ção da gravidez nas hipóteses de anencefalia, por exemplo, estariam aqui
incluídas normas estabelecendo critérios e procedimentos para o diag-
nóstico da malformação, acompanhamento e informação da grávida,
inserção do procedimento na rede pública (SUS), entre outros aspectos.
Embora não se cuide de ato legislativo (mas ato normativo), assume rele-
vo a Resolução nº 1.989/2012, do Conselho Federal de Medicina, que regula-
mentou a matéria após a decisão do STF. Por derradeiro, importa mencio-
nar as proibições e sanções estatais direcionadas aos particulares, no
âmbito das quais o Estado tem a obrigação de uma prestação jurídica no
sentido de vincular, por meio da legislação, entes particulares ao respeito
ao direito à vida. Nessa seara se enquadram a tipificação no direito penal
de condutas que trazem dano ou ameaça de dano à vida, como, por exem-
plo, a própria proibição da interrupção da gravidez, da eutanásia, bem
como as normas de responsabilidade civil extracontratual18.

2.3 – O problema do início da proteção jurídico-


constitucional da vida humana: a discussão em torno da
titularidade do direito à vida

A titularidade do direito à vida, pelo menos de acordo com a perspecti-


va do direito internacional dos direitos humanos e da tendência domi-
nante no constitucionalismo ocidental, é a mais ampla possível, sendo
assegurada a qualquer pessoa natural, portanto, qualquer ser humano,
independentemente de ser nacional ou estrangeiro, visto que se trata
de direito cuja titularidade inequivocamente se rege pelo princípio da
universalidade e não pode ser reservada apenas aos brasileiros e estran-
geiros residentes no Brasil19. Sem que aqui se vá aprofundar o ponto, o
direito à vida constitui exemplo evidente de que o enunciado do artigo 5º,

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caput, da CF88, no que dispõe sobre a titularidade dos direitos fundamen-


tais, não pode ser lido de modo “literal” e restritivo20. A tutela da vida, a
correlata proibição da pena de morte, assim como a tutela da dignidade
da pessoa humana são evidentemente asseguradas, já por força do prin-
cípio da universalidade (por sua vez, ancorado na própria dignidade da
pessoa humana) aos estrangeiros que não residem no Brasil. Mas, como é
notório, o reconhecimento de que toda e qualquer pessoa é titular (sujeito
ativo) do direito à vida não afasta a discussão sobre quando se configura
tal condição. Assim, embora haja consenso acerca do fato de que o direi-
to à vida abrange a vida humana durante o lapso temporal que medeia o
início da vida humana até a morte, segue sendo problemática a definição
de quando inicia e termina a vida humana, e, atrelada a isso, a decisão
sobre quando começa e cessa a proteção jurídico-constitucional da vida
humana e qual a natureza (subjetiva e/ou objetiva) de tal proteção.
É nesse contexto que se coloca, por exemplo, a pergunta se o nascitu-
ro é titular do direito à vida, e/ou se existe uma correspondência entre a
existência de vida (por exemplo, na questão das células-tronco) e a titu-
laridade do direito à vida como direito humano e fundamental? Tal
questionamento (que arrasta uma série de outras indagações, como, por
exemplo, eventual diferenciação entre a concepção e outros estágios da
formação da vida intrauterina e mesmo extrauterina), segue objeto de
acirrada polêmica, já pelo fato (mas não apenas por isso) de que a CF,
assim como ocorre em outras ordens jurídicas, não dispõe expressamen-
te sobre o início da proteção da vida humana, notadamente se esta abar-
ca o nascituro.
Também no Brasil, doutrina e jurisprudência (aqui com destaque para
o STF) digladiam-se em torno de diferentes posições e teorias, registran-
do-se que a despeito de alta densidade constitucional da querela, ainda é
no campo do Direito Civil (que, de resto, é o foro convencional do deba-
te em torno da personalidade jurídica e dos direitos de personalidade) e
do Direito Penal (com destaque para a questão do aborto) que se percebe
ser (ainda!) mais intenso o debate. Especialmente no que diz com a juris-
prudência constitucional, convém registrar que o tema pouco foi deba-
tido, ressalvando-se as decisões do STF na ADI 3.510, que apreciou a legi-
timidade constitucional das pesquisas com células-tronco (e o correlato
problema da eliminação de embriões excedentes), bem como, por último,
na ADPF 54, julgada em abril de 2012, onde estava em causa a interrupção
da gravidez em casos de anencefalia.
Como também se verificou nos dois casos julgados pelo STF, a contro-
vérsia sobre o início da proteção da vida humana se desdobra em pelo
menos duas grandes questões. A primeira, diz respeito à própria qualida-
de da proteção, se na condição de direito subjetivo (de um direito funda-
mental), ou na perspectiva apenas objetiva, mediante a noção de deve-
res de proteção e seus corolários, ou mesmo um somatório de ambas as
possibilidades. A outra discussão se prende ao marco inicial da prote-
ção jurídica da vida (concepção ou outro momento) antes do nascimento
(com vida...), haja vista a diversidade de critérios já produzidos, cada qual
reivindicando seu reconhecimento no mundo do Direito.

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Uma rápida mirada sobre a decisão do STF na ADI 3.510, permite afir-
mar que, a depender do voto do Ministro Carlos Britto, não haveria titu-
laridade de um direito à vida antes do nascimento com vida! Com efeito,
ao que tudo indica, o STF (aqui considerando que a maioria dos Minis-
tros acompanhou o voto do Relator) partiu do pressuposto que a Consti-
tuição não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um bem jurídi-
co autônomo assegurado na condição de direito (subjetivo) fundamental,
mas apenas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porquan-
to nascida com vida, de tal sorte que a inviolabilidade da qual trata o art.
5º “caput” diz respeito exclusivamente a um indivíduo já personaliza-
do. De outra parte, ficou assentado naquela decisão que o embrião, para
merecer a proteção da ordem jurídica, deve ter a possibilidade de vir a
ser pessoa, não bastando que tenha sido fecundado de modo artificial, de
tal sorte que em não sendo implantado o embrião produzido in vitro não
será jamais pessoa, não podendo ser, por via de consequência, objeto de
proteção pelo Direito. Assim, parece que, para o STF, há que traçar uma
distinção entre embriões obtidos de modo artificial e não implantados,
destituídos de proteção jurídica, e embriões implantados e daqueles que
se desenvolvem a partir de uma concepção e fecundação convencional,
os quais, embora não sendo pessoas, já gozam de um determinado nível
de proteção pela ordem jurídica ainda que não possam ser, enquanto não
nascidos com vida, titulares de direitos.
À vista do exposto, verifica-se que a distinção entre indivíduos e pesso-
as (ou entre vida ou dignidade humana e pessoa humana, titular de um
direito à vida e um direito à proteção e promoção de sua dignidade), pare-
ce, portanto, ter sido consagrada pela nossa mais alta Corte, ressalvan-
do-se a existência de posição em parte divergente do Ministro Ricardo
Lewandowski, que, no seu voto, lembrou que a Convenção de São José da
Costa Rica, como já referido na parte inicial, refere expressamente que
a vida humana deve ser protegida desde a concepção. Por outro lado, é
possível extrair da decisão ora colacionada, que a proteção jurídico-cons-
titucional da vida intrauterina, portanto, da vida antes do nascimento,
se dá por conta da extensão do âmbito subjetivo (pessoal) de proteção da
dignidade da pessoa humana, no sentido que embora não se possa falar
de uma pessoa, na condição de sujeito de direitos fundamentais, existe
uma proteção que atinge todo o processo vital, compreendido como um
processo indivisível de formação do ser humano, que deságua no indiví-
duo-pessoa resultante do nascimento com vida.
A decisão do STF sobre a legitimidade constitucional das pesquisas
com células-tronco obtidas a partir de embriões derivados de uma fertili-
zação artificial e não implantados no ventre feminino, convém destacar,
embora tenha trazido elementos importantes para a discussão (a despei-
to de uma posição nada clara e conclusiva em matéria de titularidade de
direitos fundamentais) não se presta como paradigma (ao menos exclu-
sivo) para a discussão em torno da interrupção da gravidez, pois aqui está
em causa – na visão do próprio STF – um “ser para pessoa”, que já recebe
alguma proteção do direito positivo (tutela dos interesses do nascituro),
cuidando-se, nesses casos, sempre de uma entidade pré-natal instalada (e

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viva) no interior do corpo feminino. Com efeito, se o embrião humano de


que trata o art. 5º da Lei da Biossegurança é um ente absolutamente inca-
paz de qualquer resquício de vida encefálica, a afirmação de incompati-
bilidade daquele diploma legal com a Constituição haveria então de ser
afastada, conforme o entendimento majoritário formado no STF quando
do julgamento da ADI 3.510.Também o direito ao livre planejamento fami-
liar, ancorado no artigo 226, § 7º, da CF, foi esgrimido como argumento
contrário a uma obrigação de aproveitamento de todos os embriões resul-
tantes da tentativa de engravidar por parte dos pretensos pais, o mesmo
valendo para o direito à saúde (que estaria sendo promovido mediante a
autorização das pesquisas com células-tronco) e o direito à livre expres-
são da atividade científica. Muito embora importantes aproximações, o
caso da interrupção da gravidez, quando do diagnóstico de anencefalia do
feto, é distinto, o que nem sempre foi devidamente considerado no julga-
mento do STF sobre a matéria (em geral quando da referência ao critério
da morte encefálica) e também nem sempre é suficientemente sublinha-
do pela doutrina, como a seguir se verá.
Com efeito, na decisão do STF sobre a interrupção da gravidez em
casos de anencefalia, novamente o problema da titularidade do direito à
vida não foi objeto de maior referência e desenvolvimento, especialmen-
te nas manifestações dos Ministros que formaram a maioria que consi-
derou constitucionalmente legítima a opção pela interrupção da gravi-
dez em tais circunstâncias. Com efeito, o que se percebe, aqui em apertada
síntese, é que os votos dos Ministros acabaram sendo focados, em gran-
de parte, na afirmação da inviabilidade da vida após o nascimento do
feto anencéfalo e na priorização da dignidade (e autonomia decisória) da
mulher e dos pais em levar adiante a gravidez desde logo condenada a
gerar uma vida “inviável”, sem enfrentar a problemática propriamente
dita de uma titularidade de direitos fundamentais antes do nascimento
com vida. O Ministro Gilmar Mendes, embora acompanhando a maioria
quanto ao resultado final, consignou em seu voto, que a regra predomi-
nante no direito internacional é a da proteção jurídica da vida intrauteri-
na, de tal sorte que o que está em causa são os limites da intervenção legí-
tima no âmbito de proteção do bem jurídico tutelado. Já os dois Ministros
que foram vencidos no julgamento da ADPF 54, designadamente Ricardo
Lewandowski e Cezar Peluso, fizeram expressa referência em seus votos à
proteção da vida do nascituro, tendo o Ministro Cezar Peluso agregado ser
o nascituro sujeito de direitos, afirmando a plena dignidade constitucio-
nal de sua vida, embora não tenha ainda personalidade jurídica.
Assim, à vista de ambas as decisões do STF (pesquisa com células-
-tronco e interrupção da gravidez nos casos de anencefalia), é possível
constatar, num primeiro passo, que tal como ocorre em sede doutriná-
ria e a exemplo do que se passa no direito estrangeiro e mesmo inter-
nacional, o reconhecimento da titularidade do direito à vida (assim
como de uma dimensão subjetiva da dignidade e dos direitos de perso-
nalidade em geral) antes do nascimento (com vida) segue controverso
e não será aqui, dado os propósitos e limites da abordagem, que iremos
ampliar a digressão.

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De qualquer modo, mesmo que se parta do pressuposto de que a titula-


ridade do direito à vida, na condição de um direito subjetivo, inicia apenas
com o nascimento com vida, isso não significa ausência de proteção cons-
titucional da vida antes do nascimento, visto que tal proteção ocorre pelo
menos no âmbito de uma proteção objetiva, por meio da figura dos deve-
res de proteção estatais, solução que, de resto, tem sido também bastan-
te prestigiada no âmbito da jurisprudência constitucional estrangeira
(para o que basta uma leitura das referências feitas no voto do Ministro
Gilmar Mendes na ADPF 54), com destaque para a problemática da inter-
rupção da gravidez e mesmo de outras formas de intervenção na vida (e
mesmo dignidade) humana.

3 - Limites das intervenções no direito à vida – uma


análise a partir do exemplo da interrupção da gravidez
nos casos de anencefalia e da decisão do STF sobre a
matéria

A despeito de ter sido consagrado no art. 5º, caput, onde lhe foi solene-
mente assegurada a sua inviolabilidade, não se poderá reconhecer que o
direito à vida assume a condição de um direito absoluto, no sentido de
absolutamente imune a intervenções legítimas sob o ponto de vista jurí-
dico-constitucional. Diversamente do que ocorreu na Alemanha, onde
a Lei Fundamental estabeleceu uma expressa reserva legal, a CF assegu-
rou uma proteção aparentemente mais forte ao direito à vida, o que, toda-
via, não procede, visto que bastaria apontar para a exceção, prevista na
própria CF, de que em caso de guerra declarada, nos casos regulamenta-
dos pela legislação infraconstitucional, cabível a aplicação da pena de
morte, o que não se verifica no caso da Alemanha. Da mesma forma, a
mera previsão, ainda que de modo limitado, de hipóteses legais admitin-
do a interrupção da gravidez, igualmente demonstra que a ordem jurí-
dica reconhece situações nas quais a supressão da vida de um ser huma-
no (sem prejuízo, no caso da interrupção da gravidez, da discussão sobre
a existência de uma pessoa humana e de um direito subjetivo à vida) é
tida como juridicamente tolerada, pelo menos no sentido de não impli-
car ato ilícito passível de sanção, o mesmo ocorrendo nos casos de legíti-
ma defesa, exercício regular de um direito, etc., onde a ilicitude do ato de
matar é afastada.
O exemplo do direito à vida, diversamente da generalidade dos direi-
tos fundamentais, revela também que a assim chamada garantia do
núcleo essencial poderá coincidir, a depender da concepção adotada, com
o próprio conteúdo do direito, visto que qualquer intervenção no direito
à vida implica a morte de seu titular. Por outro lado, também são classi-
ficadas como intervenções no direito à vida hipóteses de grave ameaça e
risco para a vida, que, no caso de efetivadas, levariam à morte, e, portanto,
teriam caráter irreversível21. A questão, portanto, não é a de aqui discutir
a legitimidade de intervenções restritivas, no sentido próprio do termo,
mas sim a de verificar a consistência jurídico-constitucional de medidas

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que, para a proteção de bens fundamentais individuais ou coletivos de


terceiros, implicam a cessação da vida de alguém, o que, na hipótese da
decisão ora comentada, se revela de alta importância.
No que se verifica substancial consenso é no sentido de que embo-
ra não se trate de um direito absoluto, intervenções no direito à vida
somente poderão ser juridicamente justificadas em caráter excepcional
e mediante requisitos materiais e formais sujeitos rigorosos, passíveis
de pleno controle. Nesse contexto, a discussão sobre a descriminalização
da prática do aborto, ou seja, da interrupção voluntária da gravidez, ou
mesmo a controvérsia sobre a existência de um direito fundamental à
interrupção da gravidez, segue polarizando as opiniões na esfera doutri-
nária, legislativa e jurisprudencial. No Brasil, onde para efeitos da legis-
lação infraconstitucional (à míngua de decisão expressa do constituinte
sobre a matéria), a prática voluntária do aborto, salvo nos casos em que
se verifique risco de vida para a mãe ou que esta tenha sido vítima de
delito sexual (estupro), segue sendo crime, o problema está longe de ser
equacionado.
Muito embora o STF, independentemente de uma posição fechada
(em verdade, como já se viu, muito antes pelo contrário) sobre a titulari-
dade de um direito à vida por parte do nascituro, entenda – levando em
conta o teor das manifestações de parte dos seus integrantes e o silencia
dos demais relativamente ao ponto - que a vida intrauterina encontra-
-se, de algum modo, protegida em razão da dimensão objetiva do prin-
cípio da dignidade da pessoa humana e do próprio direito à vida, ainda
não houve uma tomada de posição conclusiva acerca da obrigatorieda-
de (resultante dessa dimensão objetiva) de determinado nível de prote-
ção, como, por exemplo, a necessidade de que tal proteção seja efetuada
mediante a criminalização de determinadas condutas, no caso, da inter-
rupção da gravidez, muito embora, especialmente no voto do Ministro
Gilmar Mendes, substancialmente referendado na sequência do julga-
mento quanto a tais aspectos, tenha proposto algumas diretrizes de
matriz organizatória e procedimental para assegurar maior segurança
nos casos de interrupção da gravidez, o que, aliás, foi objeto de considera-
ção e concretização pelo Conselho Federal de Medicina na sua Resolução
1989/12, editada logo após o julgamento da matéria pelo STF.
No âmbito do direito comparado, diferentemente da solução adota-
da pela Suprema Corte dos EUA, que reconheceu um direito da mulher
à prática do aborto nos primeiros meses de gestação22, o Tribunal Cons-
titucional Federal alemão afirmou que a proteção da dimensão objetiva
do direito à vida não requer que o Estado efetue a salvaguarda da vida
intrauterina por meio do direito penal, pois a decisão específica relativa
ao “como” proteger a vida humana (e não apenas nessa fase) estaria reser-
vada ao legislador, no âmbito de sua liberdade democrática de conforma-
ção, desde que – impende frisar – assegure alguma proteção eficaz à vida
do nascituro e não a transforme em mero objeto da decisão alheira23.
A polarização, no que toca aos casos de abortamento, entre a assim
chamada “solução dos prazos” (que assegura a possibilidade da livre
opção sobre a interrupção da gravidez dentro de determinado prazo) e a

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“solução” ou “modelo das indicações” (de acordo com o qual apenas em


determinadas hipóteses, devidamente justificadas do ponto de vista cons-
titucional, é possível chancelar a possibilidade do aborto), evidentemente
não foi como tal resolvida na decisão do STF na ADPF 54. Contudo, tendo
em conta o teor de boa parte dos votos, inclusive a referência de que não
se estaria, com a procedência da demanda, a ampliar automaticamente
as hipóteses de interrupção da gravidez para outros casos de malforma-
ção fetal ou outras justificativas, é possível concluir que também o STF,
pelo menos no âmbito de uma proteção objetiva da vida do nascituro, não
se revela receptivo à introdução – pelo menos enquanto preservada sua
atual composição – da “solução dos prazos” no Brasil.
Considerando o silêncio da CF a respeito e a atual opção legislati-
va (que permite o aborto em duas hipóteses vinculadas a determinadas
circunstâncias) e agregando-se a decisão do STF na ADPF 54, é possível
arriscar a afirmação de que também no Brasil a tese de que a proteção
do nascituro se dá no plano objetivo, por força dos deveres de proteção
do Estado, assume, ao menos por ora, caráter prevalente. Mesmo consi-
derando que, no plano do direito internacional dos direitos humanos, a
Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica) disponha que a vida humana é protegida desde a concepção – pres-
crição normativa que prevalece em relação a toda e qualquer norma legal
ou infralegal no ordenamento brasileiro -, disso não resulta necessaria-
mente que tal proteção deva se dar na forma de um direito subjetivo do
nascituro (ou mesmo de que tal solução seja a constitucionalmente mais
adequada), podendo, portanto, ser justificada no plano da dimensão obje-
tiva. De qualquer sorte, a dimensão objetiva não determina a manei-
ra específica como o Estado deve realizar essa proteção e nem implica
necessariamente que a vida tenha exatamente o mesmo grau de proteção
em todas as suas fases, o que, como já registrado e particularmente bem
pontuado por Paulo Mota Pinto, não se revela necessariamente incompa-
tível com a adoção de um modelo de indicações (justificativas)24. Aliás,
entendimento diverso – por exemplo, na ótica de uma linha de argumen-
tação que atribua caráter absoluto ao direito à vida – levaria fatalmente a
um juízo de inconstitucionalidade pelo menos da hipótese legal do estu-
pro, mas também poderia colocar em causa as demais hipóteses de exclu-
são da ilicitude, como é o caso da legítima defesa, do estado de necessida-
de, entre outras, o que por si só já revela que não se trata de um caminho
razoável a ser trilhado.
Por outro lado, ainda que se possa avançar no debate em torno das
diferenças substancias (inclusive em termos de repercussão jurídica) da
opção por uma proteção na perspectiva de um direito subjetivo à vida por
parte do nascituro ou pela via objetiva (portanto, por força de deveres de
proteção estatais) o fato é que em ambos os casos se verifica uma colisão de
direitos e bens jurídicos constitucionalmente reconhecidos e protegidos.
Mesmo uma presunção de prioridade para a dimensão subjetiva (a liber-
dade de opção da mulher e/ou dos pais) não poderá, no caso, ser resolvi-
da no sentido de uma absoluta prioridade e ausência total de proteção da
vida do nascituro. Assim, tanto num, quanto noutro caso, há que avaliar

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se a indicação (ou justificativa) para a interrupção da gravidez é consti-


tucionalmente legítima e se guarda sintonia, entre outros critérios, como
é o caso, com as exigências da proporcionalidade e da razoabilidade (não
compreendidos como categorias fungíveis!), resultando, ao fim e ao cabo,
numa solução que estabeleça uma efetiva “concordância prática” (Hesse)
e que seja constitucionalmente sustentável, ou adequada, se assim se
preferir. É, portanto, a consistência constitucional dos argumentos que
poderá legitimar determinada resposta como sendo correta. Precisamen-
te no caso da ADPF 54, em que pese a em geral alentada e bem fundamen-
tada argumentação dos Ministros do STF, verifica-se que a correção do
resultado – que aqui vai enfatizada – não afasta e nem deve tornar invi-
sível evidentes equívocos ou pelo menos imprecisões e inconveniências
revelados por ocasião de alguns votos dos julgadores. Da mesma forma,
tal como em outros julgados, percebe-se que alguns argumentos acaba-
ram sendo reforçados mediante recurso a figuras retóricas de cunho não
jurídico e que chegam a assumir, ainda que isso não corresponda à inten-
ção de seu autor, caráter apelativo, o que não raras vezes não contribui
para a solidez da decisão quanto à sua fundamentação.
A partir de tais premissas, já embutida a crítica ao uso nem sempre apro-
priado, mas no mínimo dispensável, de figuras argumentativas de cunho
eminentemente retórico, é o caso de tecer algumas considerações em diálo-
go com os principais argumentos esgrimidos por ocasião do julgamento.
Uma primeira observação prende-se ao fato de que embora em geral os
votos tenham, em maior ou menor medida, buscado elementos oriundos
de outras áreas do saber, especialmente a biologia e a medicina, também
é verdade que a seleção de tais conhecimentos quanto à sua correção nem
sempre foi objeto de atenção, e, pelo contrário, ensejou até mesmo algu-
ma confusão conceitual25, como se constata no recurso ao argumento da
morte cerebral como motivo para autorizar a interrupção da gravidez,
pois cuida-se, no caso, de um argumento eminentemente utilitarista, pois
a aplicação do critério da morte cerebral aos casos de anencefalia - como
dá conta a Resolução nº 1949 de 2010 do CFM – seria inviável, já que embo-
ra os nascidos com anencefalia tenham ausência de estruturas cerebrais,
eles possuem partes do cérebro funcionando. Com isso, à evidência, não
se está a afirmar que a decisão final do STF teria de ser outra, caso devida-
mente observada tal circunstância, mas que a imagem da morte cerebral
e de uma “não-vida” possivelmente simplifica a argumentação e reduz o
encargo de justificar por outros fundamentos a interrupção da gravidez.
Além disso, onde não há vida não se há de falar em direito à vida e dispen-
sável mesmo uma cuidadosa ponderação.
Outra crítica, pelo menos no nosso sentir, pode ser endereçada à
alegação de que nos casos de diagnóstico de anencefalia, não se trata-
ria propriamente de um abortamento, de uma interrupção da gravidez,
mas de uma antecipação terapêutica do parto. Mais uma vez, é possível
afirmar, que se trata de um jogo de palavras, que seduziu também o CFM
quando editou a Resolução 1989 de 2012, tendo o Ministro Gilmar Mendes,
com razão, é preciso sublinhar, destoado de tal linha de argumentação, ao
afirmar que também no caso é de aborto do que se trata, de tal sorte que

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o que deve ser examinado é mesmo se existe uma justificação constitu-


cionalmente sólida para, em caráter excepcional, admitir a interrupção
da gravidez.
Além do mais, de acordo com a pertinente referência de Jörg Neuner,
percebe-se que o STF considerou que os direitos da mulher prevalecem
sobre os do feto com anencefalia e não considerou, para efeitos de tal
posição preferencial da liberdade da mulher, outras graves malforma-
ções ou síndromes, pois o que se depreende da decisão é – ainda de acor-
do com Neuner – que as atividades cerebrais faltantes no caso de anence-
falia seriam incompatíveis com o vir a ser pessoa do feto e, portanto, com
um correlato direito à vida26. Aliás, quanto a tal aspecto, já se fez menção
a manifestações de Ministros no sentido de que não estariam antecipan-
do sua posição favorável a outras hipóteses de interrupção da gravidez.
A consideração – também veiculada por Jörg Neuner - de que o feto
com anencefalia, em percentual significativo dos casos, nasce com vida e
poderá viver pelo menos alguns instantes, além de não se tratar propria-
mente de um ser humano desprovido completamente de cérebro e de vida
cerebral, podendo mesmo apresentar reações corporais e manifestações
de dor, coloca em pauta o fato de que em não ocorrendo a interrupção da
gravidez, o bebê nascido com anencefalia será titular de direitos e obriga-
ções, podendo herdar e mesmo sendo o caso de registrar o seu nascimen-
to, adquirindo, portanto, personalidade jurídica. Por outro lado, resulta
claro que também as circunstâncias narradas por Neuner não afastam,
por si só, a legitimidade constitucional da interrupção da gravidez no caso
de anencefalia, pois, como apontado na decisão do STF, a própria legisla-
ção penal autoriza o abortamento de fetos saudáveis em determinadas
hipóteses, de tal sorte que o pondo nodal da discussão se centra, convém
enfatizar, na consistência constitucional da justificativa para o aborto.
Independentemente de qual venha a ser a posição adotada pelo STF,
que ainda não se pronunciou de modo conclusivo sobre o tema do aborto
em geral, entendemos ser difícil sustentar (ou, pelo menos, difícil de ser
introduzido a curto e mesmo médio prazo), no caso brasileiro, a existên-
cia de um direito fundamental ao aborto, no sentido da adoção de uma
“solução dos prazos”, o que, por sua vez, não significa inexoravelmente
que a prática do aborto deva ser sancionada na esfera criminal. Mesmo
para quem entende que existe um direito ao aborto, é preciso considerar
que no plano da colisão da liberdade individual da mulher com outros
direitos e/ou bens jurídico-constitucionais, notadamente a vida do nasci-
turo, tal direito não se revela absoluto. Em qualquer caso, a descrimi-
nalização da interrupção da gravidez deverá guardar sintonia com os
critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, inclusive no que diz
respeito a uma proibição de proteção insuficiente da vida humana, ainda
mais quando a capacidade de autoproteção é inexistente, de modo que a
supressão da proteção pela via do direito penal deve ser compensada de
algum modo (com alguma eficácia) por outro tipo de medidas de prote-
ção, que tenham por escopo a redução tanto dos casos de interrupção de
gravidez quanto de seus riscos colaterais, inclusive para as mulheres que
decidem pelo aborto, tal como se deu na Alemanha.

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Por derradeiro, sem que se pretenda aqui aprofundar o debate, veri-


fica-se que nem mesmo a decisão tomada pelo STF no caso da interrup-
ção da gravidez em casos de anencefalia fetal, embora não tenha tido o
condão de resolver em definitivo o debate, visto que se trata de situação
peculiar, que não implica a descriminalização de toda e qualquer hipó-
tese de interrupção da gravidez voluntária no Brasil, agregou elementos
adicionais e relevantes, ao debate27, seja qual for a direção que venha a ser
trilhada na esfera da legislação, doutrina e jurisprudência. Além disso,
os problemas relacionados ao regime jurídico-constitucional do direito
fundamental à vida no Brasil estão, como se verifica também em outras
ordens jurídicas, em pleno processo de amadurecimento, inclusive do
ponto de vista dogmático. A prática decisória do STF revela, a despeito
dos julgamentos aqui referidos e discutidos, que muitos aspectos ainda
pendem de manifestação da nossa Corte Constitucional, inclusive a
celeuma acerca da legitimidade constitucional da eutanásia, ainda mais
quando tal tema assume lugar de destaque na agenda do Conselho Fede-
ral de Medicina e foi objeto de inserção no projeto de reforma da legis-
lação penal, ora em andamento. Mas também a relação do direito à vida
com outros direitos fundamentais, a extensão dos deveres de proteção
estatais nessa seara, assim como a própria titularidade do direito à vida
seguem aguardando manifestação do STF, de tal sorte que não deverão
faltar oportunidades para revisitar o tema.

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O Supremo Tribunal Federal e o direito à vida [...], Ingo Wolfgang Sarlet, pgs. 184 – 201

>> NOTAS

1 Cf. Michael Kloepfer, Verfassungsrecht II, München: C.H. Beck, 2010, p. 167.
2 Cf. Christian Starck, Kommentar zum Grundgesetz, vol. 1, 6ª ed., München: Verlag Franz
Vahlen, 2010, p. 255.
3 Cf. Michael Kloepfer, Verfassungsrecht II, Op. Cit., p. 167.
4 Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra
Editora, 2004, p. 223.
5 Cf. André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 543
6 Cf. BVerfGE 39, p. 42.
7 Cf. Luis Maria Díez-Picazo, Sistema de Derechos Fundamentales, 2ª ed., Madrid: Civitas, 2005,
p. 215.
8 Cf., por todos, Michael Kloepfer, “Vida e Dignidade da Pessoa Humana”, In: Ingo Wolfgang
Sarlet (Org.)., Dimensões da Dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucio-
nal, 2ª ed,, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 171 e ss.
9 Cf. Hans-Detlef Horn, “Allgemeines Freiheitsrecht, Recht auf Leben u.a.”, In: Klaus Stern;
Florian Beckerm (Coord.), Grundrechte Kommentar, Köln: Carl Heymanns Verlag, 2010, p. 181.
10 Cf. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2ª ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 159 e ss.
11 Cf., por todos, Helmuth Schulze-Fielitz, “Das Recht auf Leben und körperliche Unversehrtheit
(Art. 2 II 1 GG)”, In: Horst Dreier (Ed.), Grundgesetz Kommentar, cit., p. 210-11.
12 Sobre o tópico, v., dentre outros, a síntese de Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos
Fundamentais, 11ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 141 e ss., bem como as lições
(ainda que em parte divergentes do primeiro autor citado e por isso relevantes também como
contraponto) de Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamen-
tais, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 111 e ss.
13 Cf., em caráter ilustrativo, Ingo Wolfgang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p.
151 e ss.
14 Cf. Christian Starck, Kommentar zum Grundgesetz, cit., p. 263.
15 Cf., dentre tantas, especialmente, a decisão no Agravo Regimental no Recurso Extraordiná-
rio nº 271.286-8/RS, Rel. Min. Celso de Mello, publicada no DJU em 24.11.2000, bem como, mais
recentemente, a decisão na STA nº 175/CE, julgada em março de 2010, Rel. Min. Gilmar Mendes.
16 Cf. Christian Starck, Kommentar zum Grundgesetz, cit., p. 263-64.
17 Para o caso brasileiro, v. o art. 91 do Estatuto do Estrangeiro, lei 6.815/80 e reiterada jurispru-
dência do STF nesse sentido. Na doutrina, v., por todos, Gilmar Ferreira Mendes, “Direitos
Fundamentais de Caráter Judicial e Garantias Constitucionais do Processo”, In: Gilmar Ferreira
Mendes e Paulo Gustavo G. Branco, Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 565 e ss
18 Cf. Christian Starck, Kommentar zum Grundgesetz, cit., p. 264-65.
19 Cf., por todos, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de Direito Consti-
tucional, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 289.
20 Sobre o tema da titularidade, seguindo uma linha inclusiva, remetemos também a Ingo Wolf-
gang Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, op. cit., p. 209 e ss. Adotando entendimen-
to mais restritivo (embora sem deixar de criticar a fórmula adotada no texto constitucional) v.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, cit., p. 72 e ss.
21 Cf. Helmuth Schulze-Fielitz, cit., p,. 212-13;
22 Cf. o famoso caso Roe vs. Wade, julgado em 1973, onde se entendeu que o direito à privacida-
de abrange a liberdade da mulher de decidir sobre a continuação da gravidez nos primei-
ros três meses de gestação, ao passo que no segundo trimestre, embora ainda cabível o abor-
to por decisão da gestante, o Estado poderia regulamentar o exercício do direito objetivando a

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proteção da saúde da própria gestante. A respeito da discussão sobre o aborto nos EUA v. por
todos Ronald Dworkin, O Domínio da Vida. Trad. Jefferson L. Camargo, São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
23 No que diz com a descriminalização do aborto na Alemanha houve três importantes momen-
tos na esfera legislativa, submetidos ao crivo do Tribunal Constitucional Federal (destaque
para as decisões Aborto I e II, de 1975 e 1993, respectivamente) e que acabaram conduzindo a
uma progressiva descriminalização, muito embora a legalização generalizada e o reconheci-
mento de um direito fundamental ao abortamento não tenham sido chanceladas pelo Tribu-
nal. Especialmente a decisão conhecida como Aborto II.
24 Cf. Paulo Mota Pinto, “Breves considerações a propósito da interrupção da gravidez de fetos
com anencefalia”, p. 2 e ss. (texto disponibilizado pelo autor e aguardando publicação).
25 Cf., nesse sentido, as ponderações de José Roberto Goldim,”Bioética, Anencefalia e o Início da
Vida e do Viver”, p. 6 e ss. (texto disponibilizado pelo autor e aguardando publicação).
26 Cf. Jörg Neuner, “Da capacidade jurídica das pessoas naturais”, In: Direitos Fundamentais &
Justiça n. 21, set-dez. 2012.
27 Sobre tal discussão, v., por todos, Daniel Sarmento, “Legalização do aborto e Constituição”, In:
Daniel Sarmento e Flávia Piovesan (Coord.), Nos Limites da Vida. Aborto, Clonagem Humana e
Eutanásia sob a perspectiva dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, especial-
mente p. 23 e ss.

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