A Teoria Do Fingimento Poético
A Teoria Do Fingimento Poético
A Teoria Do Fingimento Poético
“O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto
mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é. Para que eu, pois, possa transmitir a
outrem o que sinto, tenho que traduzir os meus sentimentos na linguagem dele, isto é, que dizer
tais coisas como sendo as que eu sinto, que ele lendo-as sinta exatamente o que eu senti.”
Bernardo Soares
Observa Pessoa que (…) “a base de toda a arte é, não a insinceridade, mas sim uma sinceridade
traduzida”. Assim, o poeta “finge” emoções só imaginadas, “sentidas no intelecto”, artisticamente
sinceras, e “finge”, também, outras vezes, emoções que humanamente sentiu. No segundo caso
há ainda fingimento porque as emoções passam a ser forma, são filtradas, transpostas em função
da expressão poética – e dizer por palavras implica um processo de intelectualização. “A arte é a
intelectualização da sensação (sentimento)”
1
Poema Autopsicografia
1ª estrofe
A arte ( o poema ou qualquer outra expressão artística) nasce da realidade (a dor sentida /
os sentimentos do indivíduo) ;
A intelectualização é expressa de forma tão artística que parece mais autêntica do que a
realidade (“tão completamente que”)
O leitor não sente a dor fingida, pois essa pertence ao poeta/criador artístico
Ao ler o texto, o leitor não sente, pois, as duas dores ( a sentida e a fingida/recriada) do
poeta
O leitor apenas sente o que o objeto artístico lhe desperta: uma outra dor (a dor que ele
constrói na leitura, enquanto ato intelectual)
2
Poema Isto
"Fingir" não é o mesmo que "mentir" é a tese defendida. Aqui, o sujeito poético vai mais longe já
que, negando o "uso do coração", apresenta-nos a obra poética como uma espécie de síntese
onde as emoções surgem filtradas pela imaginação criadora. A comparação presente na 2ª estrofe
(vv.6-9) evidencia o facto de a realidade que envolve o sujeito poético ser apenas a "ponte" para
"outra coisa": a obra poética, expressão máxima do Belo.
Divisão do poema:
1ª parte - duas primeiras quintilhas - negação de que finge ou mente; justificação de que o que
faz é a racionalização dos sentimentos na busca de algo mais belo mas inacessível;
Sentido da 1ª estrofe: reconhecimento do que dizem e negação de que finge ou mente "sinto com
a imaginação/ Não uso o coração" - expressão da intelectualização do sentimento.
Comparação da 2ª estrofe: "Tudo o que sonho ou passo/ O que me falha ou finda" (primeiro
termo da comparação) "(...) um terraço/ Sobre outra coisa ainda" (segundo termo), ou seja, o
mundo real ("terraço") é reflexo de ("Sobre outra coisa ainda") um mundo ideal ("essa coisa é
que é linda" - conceito oculto ou platónico, mundo que fascina o sujeito poético).
Situação a que chega o sujeito poético - "livre de meu enleio" (desligado do tema) , há um ato de
fingimento de pura elaboração estética e o leitor que sinta o que ele comunica apesar de não
sentir ("Sentir? Sinta quem lê!").
Na 3ª estrofe, introduzida pela expressão "Por isso" de valor conclusivo/ explicativo, o sujeito
poético recusa a poesia como expressão imediata do sentir ( sentimento) . Este, no sentido
convencional do termo, é remetido para o leitor.