Resenha - Cartas para Um Jovem Poeta
Resenha - Cartas para Um Jovem Poeta
Resenha - Cartas para Um Jovem Poeta
Para Pingo
01/05/2018
Antes de qualquer palavra sobre o livro, tenho de agradecer a indicação da leitura. O livro é
muito bom e seu processo de leitura foi trançado por reflexões que tive sobre minha relação com a
arte. Não diria que adotaria o livro como uma prescrição para prática poética, mas como o próprio
Rilke diz sobre suas cartas à Kappus: “Não me diga que sim, que elas são uma ajuda. Receba-as
com tranqüilidade, sem muitos agradecimentos, e permita-nos esperar o que está por vir.” Acredito
que muito ainda está por vir destes meus 20 anos para frente. Entretanto, como esse texto se escreve
no presente, só posso escrever do que me apontou já neste momento da vida, ficando o futuro e
outras percepções latentes neste texto por vir.
Senti que grande parte das cartas gravitam sobre a solidão. Solidão é estar profundamente
consigo e sem ninguém. Nos confins que somos tomados de temor quando nos aproximamos deles.
Porém, é neste lugar mais difícil que as a semente da poesia, para o autor, germina. Necessita de
escuridão e profundidade, como toda semente precisa. Interessante como, mesmo este sendo o lugar
do germinar poético, é o lugar do indizível, pois “nunca um homem poderá dar um resposta às
perguntas e aos sentimentos que têm vida no fundo do seu ser”. Contudo, senti falta, pois ele está
muito presente em mim, do termo “sensível” nesta elaboração de Rilke. Concordo que as coisas no
fundo são indizíveis, mas logo por isso, as interpreto como sensíveis. Penso que é no campo da
sensibilidade que a arte habita, não no dizível. Desta forma, não se diz um poema, mas se entoa, se
provoca, se chama, se incandeia um poema.
Pensando na dimensão da ancestralidade que é evocada no maracatu, reisado, afoxés etc; achei
que não encontraria algo no texto que me apontasse para isso, porém gostei muito quando Rilke
disse, sobre a criação artística:“E só por isso o seu gozo é tão indescritivelmente belo e rico, porque é
feito das recordações herdadas da geração e da gestação de milhões de seres. Em um pensamento criador
revivem milhares de noites de amor esquecidas que o preenchem com altivez e elevação. Assim, aqueles
que se juntam durante”. Essas milhares de recordações e noites de amor esquecidas, sinto, seriam a
ancestralidade que é evocada em toda profunda criação poética, mas, mais especificamente, nas que
trabalham com precisão nessa dimensão. Assim, a solidão Rilke fala, não seria meramente
individualista, mas sim reconectasse também com uma dimensão espiritual durante a criação
artística, entrelaçando-se com milhares de vidas corridas no tempo.
Ainda na perspectiva de o que nos conectamos quando estamos em solidão, entendo que nos
conectamos ao tempo das plantas.
“Ser artista significa: não calcular nem contar; amadurecer como uma árvore que não
apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades de primavera, sem o
temor de que o verão não possa vir depois. Ele vem apesar de tudo. Mas só chega para
os pacientes, para os que estão ali como se a eternidade se encontrasse diante deles, com
toda a amplidão e a serenidade, sem preocupação alguma.”
Penso no tempo das plantas como um tempo diferente do ansioso em que vivemos. Um tempo onde o
imediatismo não tem lugar perante o fluir da eternidade. Acho que todo mundo que tenta tocar algum
instrumento musical passa pelo drama de achar que nunca poderá tocar este instrumento. Existe alguns que
tem o que o povo chama de “jeito”, onde esse drama não se torna tão grande inicialmente. Entretanto, eu, que
nasci “sem jeito” para entoar, percutir ou dedilhar, tive que me defrontar com a obrigatoriedade da paciência
neste processo. Hoje o processo de aprendizagem artística é até mais fluido para mim, mas ele foi
conquistado pelo penoso caminho da seiva subir o caule das árvores.
Enfim, como já imagino que já passei muito das 20 linhas que combinamos, acho que vou acabar por
aqui. Existe muito mais a se falar sobre este livro. Podemos se ver na solar e prosar mais sobre outras
impressões que não couberam aqui, mas como é necessário findar a carta, termino com uma citação do livro
e uma pintura que eu havia feito mês passado e me pareceu ser evocada ao ler certos trechos do livro.
Muito obrigado!
Abraços
“amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva e permanece confiante durante as tempestades
de primavera, sem o temor de que o verão não possa vir depois”