Neuropsicologia Sem Neura
Neuropsicologia Sem Neura
Neuropsicologia Sem Neura
Organizadores:
Bruno Santos Souza
Camila Nogueira Marchetti
Esse e-book serve como ponto de partida para o início das discussões.
Materiais complementares, aprofundamentos e demais interações serão
possíveis através dos grupos fechados. Disponibilizados como BÔNUS
EXCLUSIVOS dentro da plataforma de membros.
Toda e qualquer informação aqui contida pode e deve ser replicada, distribuída e
espalhada!
Pensamos que toda e qualquer contribuição, seja ela monetária ou não, deve ser
espontânea e fazer com que aquele que contribua se sinta melhor depois do que
antes.
Apenas pedimos que sejam mantidas as referências aqui usadas e que a presente
“obra” seja creditada sendo esse o caso.
O projeto Neuropsicologia Sem Neura é um projeto on-line que permite aos seus usuários obterem
informações e discutirem sobre temas relacionados à neuropsicologia. As informações contidas no projeto são
MERAMENTE INFORMATIVAS e fornecidas em boa fé, embora tenha o máximo cuidado na disponibilização do
material e considere confiável o seu conteúdo, se isenta de qualquer responsabilidade em relação a eventuais
erros ou imprecisões dos conteúdos, ou ainda pela falta de atualização das informações.
6 | Prólogo
8 | Prefácio
9 | Introdução
10 | Regras do Jogo
12 | Desdizendo Bobagens
17 | Um Pouquinho de História
24 | Separando as Peças
30 | Sistema Nervoso
78 | Neuropsicologia e Memória(s)
92 | Neuropsicologia e Aprendizado
138 | Glossário
142 | Referências
144 | Conclusão
Em primeiro lugar vocês perceberão que a proposta desse material não é a de ser
algo exaustivo, maçante e tampouco a de cobrir a enorme gama da neuropsicologia.
O ritmo será de um bate papo, portanto, fique à vontade para seguir da forma que
preferir. Sem neuras nem encanações, percorra as páginas como bem quiser para a
frente ou para trás.
O projeto foi pensado como uma experiência ativa e dinâmica, para isso teremos
nossa comunidade em grupos fechados do whatsapp/telegram e facebook. Poderemos,
assim, escalar o conhecimento em conjunto.
Coloco-me aqui apenas como mais um curioso nessa caminhada, na qual somos
todos iguais e buscamos os mesmos objetivos! Prefiro ser amigo antes de qualquer
outro rótulo! Podem contar comigo, assim como espero contar com vocês!
Minha missão aqui é a de levar, mesmo que superficialmente, uma noção geral que
sirva de ponto de partida para a construção de um conhecimento maior,
eventualmente especializado. Esse primeiro momento, porém, servirá para a
construção de uma base generalista que sustente uma caminhada futura.
Tentarei ser o mais didático e breve. Em alguns momentos, porém, não haverá
como fugir de alguns conceitos importantes, mas não se preocupe, a própria
recorrência dos mesmos ajudará na fixação.
Lembrando, mais uma vez, que a meta ao final dessas páginas é a de demonstrar,
em linhas gerais, a forma como nosso sistema nervoso atua nos bastidores do nosso
comportamento. Não entraremos, porém, em tópicos avançados, os quais ficarão
reservados para a continuidade desse projeto.
Espero que no decorrer dessas páginas você, amigo leitor, tenha o mesmo
entusiasmo que eu tenho agora ao escrevê-las.
Nos dias atuais, aquele que atua em qualquer área onde exista alguma relação com
outro ser humano necessita, ainda que de forma superficial, possuir algum domínio em
relação à neuropsicologia, seja ele um educador físico ou um economista.
Com o fervente crescimento das neurociências, em seu amplo espectro, não dá mais
para ficar de fora daquilo que sem dúvida é o expoente das ciências na atualidade.
Muito se engana quem pensa que essa “explosão” se dá apenas no conjunto das
ciências biológicas, muito pelo contrário, todas as áreas do conhecimento, desde a
filosofia à física aplicada, passando pelas ciências sociais e históricas, bebem e
alimentam esse grande poço de conhecimento que só se alarga. Bem-vindos às
neurociências!
Sendo esse, portanto, o pano de fundo onde irá se desenrolar a nossa querida
neuropsicologia. Apesar do foco maior ser dado aos componentes neurobiológicos, em
certos pontos da caminhada, teremos que fazer, ainda que breve, uma apresentação de
alguns carinhas famosos na história das psicologias (escrevo assim, pois, entendo que
não existe A psicologia e sim várias escolas que em conjunto compõe o estudo das
psicologias) para depois amarrá-los à neuropsicologia (essa sim coloco como grande
aliada na busca de uma unificação como ciência).
Como todo bom filme ou livro não espere que ao final tudo esteja resolvido, muito
pelo contrário, ficará um gostinho de quero mais! Aquela sensação: Acabou, e agora?
Por isso convoco a todos, mais uma vez, pois a continuidade dessa brincadeira
depende de vocês. Uma comunidade dinâmica não se cria sozinha!
Até o presente momento, em que escrevo essa página, o futuro desse projeto está
em branco, possivelmente tomará o rumo que vocês decidirem. A experiência rolará ao
estilo você decide. Aliás, será que existe o livre arbítrio? Deixarei essa para os
próximos episódios!
Sempre que algo curioso pintar na minha cabeça, criarei um tópico “Curiosidade”.
Como já era de se esperar esse material será dinâmico, ou seja, sempre que sofrer
alguma alteração você poderá baixar a versão atualizada!
Aviso final e não menos importante, a verdade absoluta é uma ilusão! Ainda mais
quando lidamos com algo tão intrinsicamente complicado e em plena ebulição. Porém,
sempre que possível, deixarei as referências e indicarei as partes que são meros
devaneios da pessoa que aqui escreve.
Caso você tenha caído aqui de paraquedas e não faz ideia do que estou falando,
convido a visitar o site do projeto www.neuropsicologia.com.br e conhecer um pouco
mais do nosso trabalho.
Desdizendo Bobagens
Bobagem número 1
Brain = Cérebro
Tudo aquilo que está dentro da nossa “caixola” é o que chamamos de encéfalo, porém,
até hoje o termo cérebro é usado por muita gente ao se referir ao encéfalo, causando
bastante confusão.
Ao que tudo indica, tudo isso começou devido a uma tradução equivocada, lá num
passado distante, no qual o termo Brain, em inglês, foi traduzido, equivocadamente, como
Cérebro.
Quando na verdade, deveria ter sido traduzido como Encéfalo. Uma vez que, na língua
inglesa, o outro termo equivalente a Brain, apesar de pouco usual, é Encephalon.
Cérebro em inglês é simplesmente Cerebrum, veja só que difícil! Então, a partir de
agora, não faremos mais confusão!
Portanto, durante nossas conversas, o que está dentro da “caixola” será o encéfalo e o
cérebro será apenas uma parte do encéfalo, como veremos mais à frente.
Bobagem número 2
Usamos só 10% do nosso “cérebro”.
Se você já começou a sacar dirá agora: - Encéfalo!
Essa é outra bobagem que remonta o passado obscuro das neurociências. Mais uma
vez, ao que tudo indica, esse “erro" foi propagado por um “dogma". Escrevo dogma, pois
apesar de todo livro de Neuroanatomia, de um passado não tão distante, trazer logo em
seu início o seguinte “mantra”:
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Bobagem número 3
O “cérebro” esquerdo é o racional e o direito é o criativo.
Então, agora você dirá: - Encéfalo! Nesse caso vou dizer: - Cérebro, tá ok! Veremos já
já, que a parte dividida em hemisférios é justamente o cérebro (apesar da delimitação do
cérebro não ser unanime entre os neuroanatomistas), porém, a parte correta da frase
acaba por aí!
Não podemos traçar uma linha divisória e encarar as “operações” de forma binária e
simplória. No decorrer dessas páginas, você perceberá que nossa circuitaria trabalha em
sintonia, parecendo muito mais uma orquestra do que artistas solos. Sendo, portanto,
infantil pensarmos numa lateralização dessa forma. Cada vez mais, conclui-se que os
vários aspectos cognitivos têm parcelas processadas em conjunto em ambos os lados.
*
As células da glia, geralmente chamadas neuróglia, nevróglia, gliócitos ou simplesmente glia (em grego,
γλία : "cola"), são células não neuronais do sistema nervoso.
†
Histologia - disciplina biomédica que realiza estudos da estrutura microscópica, composição e função
dos tecidos vivos.
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Claro que existem algumas distinções que apontam CERTA lateralização, mas pensar
de forma simplória acaba sendo infrutífera.
Bobagem número 4
O “cérebro” do ser humano é dividido em 3 partes. O cérebro reptiliano,
o cérebro mamífero e o cérebro humano.
Essa teoria é bonitinha e tem um apelo excelente! Porém, não faz sentido
neuroevolutivo. Darwin deve ter se remexido no túmulo um bom tempo por conta disso!
Ela foi proposta pelo Paul Mclean em meados do século XX2-3, mas já não é considerada
em nenhum círculo “sério” das neurociências.
Grosso modo, essa teoria assume a evolução como linear e teleológica*, ou seja, com
uma razão e direção certa. Como se caminhássemos linearmente em busca de nos
tornarmos um organismo cada vez mais “aprimorado” funcionalmente.
Darwin mostrou que a evolução não “tem dessas”! Ela vai se ramificando, como galhos
de uma árvore, e evoluir não necessariamente significa aprimorar.
Existem inúmeros exemplos de órgãos que “pioraram” evolutivamente!
No jogo da evolução a regra é clara. Caso a mutação favoreça a propagação dos genes,
excelente! Temos um vencedor!
O próprio ser humano é um exemplo! Evolutivamente, nosso sistema olfatório foi
regredindo e somos “cheiradores” muito ruins. Essa regressão do sistema olfatório, em
compensação, ao que tudo indica, permitiu o desenvolvimento evolutivo do nosso
telencéfalo†, em especial do nosso córtex pré-frontal‡.
Você sabia?
*
Teleologia - É o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade.
†
As estruturas telencefálicas incluem os dois hemisférios cerebrais, que contêm o córtex cerebral.
‡
Córtex pré-frontal - A área cortical na porção mais frontal do encéfalo.
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Bobagem número 5
Meu cérebro ficou feliz por causa da serotonina!
Outra coisa que você perceberá, logo de cara, é que gosto de pensar numa abordagem
integrativa. Ao invés de pensarmos isoladamente na neurobiologia, julgo mais produtivo e
promissor encarar o conjunto da obra quanto indivíduo*.
Gosto de pensar que somos seres biopsicossociais, por consequência, vejo nossa
mente como fruto da soma de várias parcelas, entre elas: sistema nervoso, fisiologia,
sociedade (incluindo a cultura) e muito possivelmente parcelas que ainda iremos descobrir
ou talvez nunca venhamos a desvendar.
Dificilmente você lerá por aqui coisas do tipo: neurotransmissor da felicidade; ou ainda
algo do gênero: o cérebro fica feliz, o cérebro escolheu, o cérebro sorriu, etc. Salvo alguma
real necessidade, “poética” ou didática, porém, com o devido aviso prévio!
As partes não são sujeitos da ação, toda ação tem como ator o indivíduo! Os
neurotransmissores são apenas moléculas bioquímicas e dependendo de onde eles
estiverem presentes, teremos um ou outro resultado.
Lembre-se, encararemos, como sujeito das ações, o indivíduo!
Essa parte é especialmente importante devido à interface entre as neurociências e a
filosofia. Sendo que, os filósofos adoram “dar porrada” em neurocientistas com a “bendita”
falácia mereológica†.
Acho que por enquanto é isso... Podemos, então, começar a brincadeira!
*
Visando “manter o foco”, nesse momento, não entraremos em embates que permeiam a filosofia,
coisas do tipo: behaviorismo radical X cognitivistas. Deixaremos esses assuntos para nossa diversão
futura nos grupos fechados!
†
A falácia mereológica da Neurociência é o erro de se atribuir ao cérebro, ou suas partes, predicados
que só fazem sentido quando atribuídos ao indivíduo inteiro.
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Referências
1
Azevedo, F. A. C. et al. Equal Numbers of Neuronal and Non-Neuronal Cells Make the Human Brain an
Isometrically Scaled-Up Primate Brain. J. Comp. Neurol. 513:532-41. 2009
2
Maclean, P.D. The limbic system and its hippocampal formation. J. Neurosurg. 11:29-44. 1954
3
Maclean, P.D. The triune brainin evolution: role in paleocerebral functions. New York: Plenum Press.
1990
4
McAuliffe, Kathleen. If Modern Humans Are So Smart, Why Are Our Brains Shrinking? Disponível em: <
http://discovermagazine.com/2010/sep/25-modern-humans-smart-why-brain-shrinking> Acesso em: 10
mar. 2019
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Um Pouquinho de História
Agora é hora de voltar no tempo e pensar um pouco em como tudo começou. A ideia
aqui é deixar um grande panorama, de forma simplificada, de como as neurociências
evoluíram através do tempo.
*
Não entraremos, ao menos nesse momento, numa explanação profunda e filosófica. Para efeitos
práticos consideraremos consciência aqui como capacidade de perceber a relação entre uma coisa e
outra.
†
Paleoneurologia - Ramo da paleontologia consagrado à evolução do sistema nervoso segundo os dados
fornecidos polos fósseis.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 18
Grécia Antiga
Lá na Grécia antiga existiu um tal de Hipócrates (460-377 a.C.), o pai da medicina
ocidental, para ele o encéfalo além de estar envolvido na percepção nas sensações,
também era a morada da inteligência. Já para Aristóteles (384-322 a.C.) o coração seria a
fonte de origem da inteligência enquanto o encéfalo funcionaria apenas como um radiador,
para onde o sangue fluía e era “resfriado” após sair “fervendo” do coração. Talvez daí que
remonte aquela bem conhecida expressão: Não faça nada de cabeça quente!
Medicina Romana
Vamos agora para uma fase “animada” da história, lá para a época dos gladiadores.
O “carinha” mais importante nessa época foi o Galeno (130-200 d.C.), ele seguia a
mesma linha de pensamento que Hipócrates em relação ao encéfalo. Galeno, porém, teve
uma enorme vantagem “acadêmica”, foi médico dos gladiadores, imagine a “festa” de
lesões que não era àquela época!
Como era de se esperar, foi uma época “frutífera” para o início da compreensão de
como funciona aquilo que fica dentro do nosso crânio. Época memorável, na qual foi
possível questionar coisas do tipo: o que será que acontece com um gladiador, quando
uma espada é atravessada na parte lateral esquerda da “caixola”? Ou ainda: será que
aquela pisada de leão, que arrancou uma parte de trás da cabeça do coitado, tem alguma
coisa a ver com a cegueira resultante?
Galeno também adorava dissecar encéfalos de animais e tinha uma predileção pelas
ovelhas. Com base em suas observações ele concluiu que o cérebro deve receber
sensações e o cerebelo* deve comandar os músculos.
*
O cerebelo é a parte do encéfalo responsável pela manutenção do equilíbrio, pelo controle do tônus
muscular, dos movimentos voluntários e aprendizagem motora.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 19
Galeno acreditava que as sensações deveriam ser “escritas” no cérebro, uma vez que
por ser mais mole, obviamente, facilitaria a “escrita”. É engraçado ver que por mais absurdo
que tenha sido o raciocínio, ele não ficou tão longe do que futuramente foi se descobrindo
em relação às sensações e controle motor.
Numa dessas ocasiões, Galeno percebeu que o interior do encéfalo é oco e preenchido
por um líquido, atualmente chamamos essas “câmaras” de ventrículos*, então para ele
fazia todo sentido que essa fosse a origem dos movimentos. Galeno propôs que as
sensações eram quem “comandavam” a dinâmica dos “fluídos vitais”. Esses por sua vez,
fluíam dos ventrículos para os nervos e vice e versa. Naquela época ainda se imaginavam
que os nervos fossem “canos ocos”, tais como os vasos sanguíneos.
Homem x Máquina
No decorrer da história é interessante perceber que sempre existe alguma comparação
entre o “funcionamento” do ser humano e a “máquina” predominante à época.
Vejamos o contexto da França no século XVII, época em que o auge da tecnologia eram
as máquinas hidráulicas. Nesse período as ideias de Galeno “caíram como uma luva”.
Àquela época, seria óbvio que nós humanos fossemos “seres hidráulicos”, uma vez que,
as máquinas funcionavam dessa forma.
É nessa época que aparece mais um “cara” famoso no pedaço, René Descartes (1596-
1650). Para ele essa teoria é bacana para explicar a relação entre o encéfalo e o
comportamento de outros animais, mas para o ser humano seria incompleta.
*
O sistema ventricular é composto por cavidades que se comunicam entre si e é contínuo chegando até
o canal central da medula espinhal.
†
Lembrando que não entraremos, ao menos nesse momento, nas discussões sobre “mente” que
acabarão enveredando pela Filosofia da Mente, mas fica o convite para a discussão nos grupos.
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Em 1751, surge uma outra figura, Benjamin Franklin (1706-1790), que começa a trazer
muitas novidades em relação aos fenômenos elétricos. Portanto, é de se esperar, que
nosso modelo “Homem Máquina” receba seu devido upgrade.
Pouco tempo depois, Luigi Galvani (1737-1798) e Emil du Bois-Reymond (1818-1896)
demonstram que quando estimulamos eletricamente os nervos os músculos se
movimentam. Demonstram também que o encéfalo gera eletricidade.
Passamos então, a pensar em um “novo” modelo “Homem Máquina”. Dessa vez os
nervos seriam, portanto, fios condutores.
Em um salto para a época atual, não só é esperada como tentadora, uma comparação
direta entre o modelo “Homem Máquina” e nossos computadores.
Deixo, portanto, a seguinte questão para reflexão. Historicamente, os modelos “Homem
Máquina” sempre se mostraram equivocados. Será que estamos no caminho certo dessa
vez? Será “fértil” ainda insistir nessa abordagem?
Em 1874, o neurologista alemão Karl Wernicke (1848-1905) sacou que lesões numa
região diferente do mesmo hemisfério também prejudicavam a fala normal. Apesar de
também ser no hemisfério esquerdo, era uma região bastante distinta daquela encontrada
por Broca, em uma região mais posterior.
O problema na fala observado por Wernicke também era bastante diferente daquele
relatado por Broca. Wernicke percebeu que apesar da fala continuar fluente, não
apresentando alteração na “emissão” das palavras, ela passava a não apresentar muita
lógica e coerência e a compreensão do que era ouvido também ficava prejudicada.
Foram definidas, então, duas regiões distintas que seriam responsáveis pela fala,
ambas no lado esquerdo do cérebro*.
Ainda dentro do repertório histórico de lesões, temos o icônico e famoso caso do
Phineas Gage, onde “simplesmente” um bastão de ferro atravessou sua cabeça! O Dr.
John Harlow relatou as consequências desse acidente no artigo intitulado “Passagem de
um bastão de ferro através da cabeça”5.
Atualmente, as lesões ainda são potenciais fontes de estudos das neurociências, porém
com a evolução tecnológica surgiu a possibilidade de também estudar o encéfalo saudável,
através de técnicas de imageamento, dentre as quais, a imagem por ressonância
magnética funcional (IRMf) é provavelmente a mais conhecida (Figura 2.5). Existem,
também, técnicas eletrofisiológicas envolvendo o registro de sinais elétricos gerados pelo
cérebro, o eletroencefalograma (EEG) é o mais famoso e usual deles.
*
Os termos área de Broca e área de Wernicke são comumente utilizados, mas seus limites não são
claramente definidos e parecem ser bastante variáveis de uma pessoa para outra.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 22
Figura 2.6 - Estimulação magnética transcraniana – (Fonte: ID 141478273 © Diego Vito Cervo | Dreamstime.com)
Referências
1
Alt K.W.; Jeunesse C.; Buitrago-Téllez C.H.; Wächter R.; Boës E.; Pichler S.L. Evidence for stone age
cranial surgery. Nature 387:360. 1997
2
Finger S. Origins of Neuroscience. New York: Oxford University Press. 1994
3
René Descartes(https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Descartes_diagram.png), Descartes
diagram“, marked as public domain, more details on Wikimedia Commons:
https://commons.wikimedia.org/wiki/Template:PD-old.)
4
Dronkers, N. F.; Plaisant, O.; Iba-Zizen, M. T.; Cabanis, E. A. Paul Broca’s historic cases: high resolution
MR imaging of the brains of Leborgne and Lelong. Brain, 130(5):1432–1441. 2007
5
Harlow J.M. Passage of an iron rod through the head. Boston Medical and Surgical Journal 39:389–393.
1848
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Separando as Peças
Neurônios e Glia
Agora é hora de começar a entender as principais peças do nosso sistema nervoso, os
neurônios e a glia. Apesar de serem categorias amplas - possuindo muitos tipos de células
diferentes em estrutura, química e função - faremos uma primeira macro distinção entre
neurônios e glia.
Existem, em média, 86 bilhões de neurônios e 85 bilhões de células gliais no encéfalo
humano adulto, os neurônios são responsáveis pelo “poder de processamento” do sistema
nervoso. São eles que “sentem” o ambiente, comunicam a outros neurônios e que
comandam as respostas, mas não podemos menosprezar a glia!
As células gliais são fundamentais para o que os neurônios possam fazer seu trabalho.
São elas que garantem isolamento, sustentação, nutrição e eventualmente “reparação” dos
neurônios.
O termo glia vem lá dos gregos, da palavra grega para “cola”, portanto, é de se imaginar
que a principal função da glia seja a de manter tudo em seu devido lugar. Por exemplo:
imaginando nosso encéfalo como um enorme panetone os neurônios seriam as frutas
cristalizadas e a glia seria a massa que preenche todos os espaços, fazendo com que as
frutas se mantenham em seus lugares apropriados.
Entendendo os Neurônios
Em primeiro lugar, vale a pena dar uma passada rápida na história de como surge o
neurônio, essa célula extremamente especializada e bastante diferente de qualquer outra
do nosso corpo.
Uns 4 bilhões de anos atrás, surgem os primeiros seres unicelulares. Nesses
organismos uma capacidade de irritabilidade* geral e uniforme propicia uma onda de
excitação que se espalha de forma homogênea em todas as direções, quando são
estimulados química ou fisicamente1.
*
Irritabilidade – Capacidade de responder a estímulos internos ou externos. Tais como, luz, pressão e
temperatura.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 25
Entendendo a Glia
A glia é fundamental para a atividade dos neurônios, apesar de ser considerada
“subordinada”, sem a glia o sistema nervoso simplesmente não funcionaria.
*
Condutibilidade – propriedade que permite a transmissão de um impulso elétrico.
†
Contratilidade – propriedade de “encurtamento” da célula em resposta a um estímulo.
‡
Cnidários ou celenterados (filo Cnidaria) são organismos pluricelulares que vivem em ambientes
aquáticos, sendo a grande maioria marinha.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 26
Agora é a vez dos oligodendrócitos e das células de Schwann (Figura 3.1), elas
formam as camadas de isolamentos dos axônios*, a bainha de mielina†.
Para Lembrar:
*
Axônio é uma parte do neurônio responsável pela condução dos impulsos elétricos que partem do
corpo celular
†
A bainha de mielina consiste em muitas voltas de membrana fornecidas por células gliais.
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Figura 3.3 – Substância branca e substância cinzenta - (Fonte: Joshua Abbas/bilderriese © 123RF.COM - Editada)
Dica:
*
Núcleos da base - Conjunto de núcleos profundos do cérebro com diferentes estruturas e atividades.
Emitem e recebem projeções entre si e com o córtex cerebral, tálamo e tronco cerebral – Estudaremos
mais à frente.
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Figura 3.4 – Substância Negra - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
*
Estudaremos o mesencéfalo mais à frente, em suma, é uma das estruturas do tronco encefálico.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 29
Referências
1
Furnes, H.; de Wit M.; Staudigel, H.; Rosing, M.; Muehlenbachs, K. A vestige of earth’s oldest ophiolite.
Science. 315(5819):1704-1707. 2007
2
Brusca R.C.; Brusca G.J. Invertebrados. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2007
3
Eroglu, C.; Barres, B.A. Regulation of synaptic connectivity by glia. Nature 468:223–231. 2010
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 30
Sistema Nervoso
O núcleo celular aparece com vários nomes nas diversas fontes: corpo celular, soma e
pericário, você pode escolher o que achar melhor ou mais bonito, sem problemas, eu
prefiro usar corpo celular, pois, acho mais fácil. Os “tubinhos” que saem do corpo celular
são chamados de neuritos, sendo eles os axônios e os dendritos (Figura 4.2).
Começaremos pelo axônio, ele é altamente especializado nos processos de
transferência de informações, podendo “percorrer” enormes distâncias do sistema nervoso.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 31
Figura 4.3 - Existem muitas sinapses em seus dendritos, porém um único axônio que se ramifica e faz sinapse
com outros neurônios - (Fonte: oleksiy © 123RF.COM)
*
Íons - é uma espécie química eletricamente carregada, que resulta de um átomo ou molécula que
perdeu ou ganhou elétrons.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 33
Via de regra, o interior da maioria dos neurônios tem potencial negativo. A entrada de
íons positivos - os famosos cátions -, em especial o sódio e o cálcio, reduz a diferença de
potencial, ou seja, despolariza. Já a entrada de íons negativos – ânions –, especialmente
o cloro, ou ainda a saída de cátions como o potássio produz um efeito contrário, aumenta
a diferença de potencial negativa, ou seja, hiperpolariza o neurônio.
*
Peptídeos – sequências de aminoácidos mais curtas do que aquelas que constituem as proteínas
†
Endorfina – peptídeos opioides endógenos com efeitos semelhantes àqueles da morfina.
‡
Vasopressina – Pequeno hormônio que promove a retenção de água e diminui a produção de urina
pelos rins; também denominada hormônio antidiurético (ADH)
§
Ocitocina – Pequeno hormônio que estimula as contrações uterinas e a ejeção de leite das glândulas
mamárias.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 35
Aprendendo a se orientar
Agora vamos afastar um pouco o zoom e começar a olhar de uma forma mais macro.
Agora aqui vale a pena respirar e dar uma pausa, pegar um café, para quem é de café
e aprender direitinho essa parada!
Aprender a “andar” e se orientar no nosso sistema nervoso será muito importante para
os próximos passos.
Quem já manja pode pular, quem tá mais ou menos vale a pena dar uma revisada e
para quem nunca viu, boa sorte!
Para facilitar nossas vidas, vou usar como exemplo um amigo muito conhecido nos
laboratórios, o rato!
A orientação, rumo ao “nariz” do rato é chamada de anterior ou rostral. Já a direção
rumo ao rabo do rato é posterior ou caudal.
A direção que aponta para cima é chamada de dorsal e a direção que aponta para
baixo de ventral. Assim, a medula espinhal do rato percorre da região anterior à posterior.
O lado superior da medula espinhal é o lado dorsal, o lado inferior é o lado ventral (Figura
4.3).
Com poucas exceções, as estruturas do sistema nervoso são pares, uma do lado direito,
e a outra, do esquerdo. A linha imaginária que divide ao meio o sistema nervoso é chamada
de linha medial. As estruturas que estão mais próximas à linha média são mediais, as
estruturas afastadas da linha média são laterais. Por exemplo, o focinho situa-se
medialmente em relação aos olhos, os olhos são mediais em relação às orelhas, e assim
por diante (Figura 4.3).
A partir de agora quando você ler algo do tipo córtex pré-frontal dorsolateral já fica mais
fácil sacar em que pedaço do encéfalo deve estar esse “cara”.
Figura 4.6 – Principais divisões do encéfalo. (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 39
Figura 4.8 – Nervos Cranianos (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 40
Entendendo o Encéfalo
Daremos início ao detalhamento do encéfalo. Então, como diria o Jack, vamos,
literalmente, por partes.
Vimos que o encéfalo se divide em cérebro, tronco encefálico e cerebelo. Nesse
primeiro momento iremos nos concentrar nas 5 grandes divisões do cérebro.
Talvez você já tenha escutado falar dos tais dos lobos cerebrais, eles são as 5 grandes
regiões em que dividimos o cérebro.
Para entendermos melhor como se dá essa divisão, vale a pena falarmos um pouco
sobre os sulcos e giros. Você já deve ter percebido que o cérebro é todo “enrugado”, essa
foi uma “solução” que a evolução arrumou para conseguir “enfiar” mais neurônios num
volume que é razoavelmente limitado.
Esse “enrugamento” é fruto da grande expansão da área da superfície do córtex*, a fina
camada de células sob a superfície do cérebro durante o desenvolvimento fetal humano.
Como consequência desse “enrugamento” temos os giros (essas partes que parecem
gomos de linguiça) e os sulcos (que são os “cortes” entre os gomos). Existem sulcos que
são bem conhecidos e servem para delimitar certas “porções”. Entre eles o mais importante
e que a partir de agora não deve ser esquecido, é o sulco central (Figura 4.9).
Figura 4.9 – Exemplos de sulcos e giros - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
*
Córtex - A palavra córtex vem do latim para "casca", geralmente, usado para se referir à camada mais
externa do cérebro dos vertebrados, apesar de existirem outros “tipos” de córtex, o uso do termo córtex
acabou se tornando sinônimo do que chamamos de neocórtex ou mais recentemente de isocórtex.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 41
Figura 4.10 – Fissura Longitudinal - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Agora é a hora de dar nome aos “bois”, em geral, cada lobo recebe o nome de acordo
com o osso craniano que está mais próximo (Figura 4.11).
A parte anterior do cérebro está abaixo do osso frontal do crânio, portanto, é chamada
de lobo frontal.
O sulco central marca a borda posterior do lobo frontal, e para trás deste sulco localiza-
se o lobo parietal, sob o osso parietal.
Caudal ao parietal, na parte posterior do cérebro, sob o osso occipital, encontra-se o
lobo occipital.
Figura 4.11 – Lobos Encefálicos - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 42
Logo abaixo do osso temporal, temos a porção que chamamos de lobo temporal.
“Escondido” por baixo das “dobras” externas fica uma região chamada de ínsula ou lobo
insular, apesar de muitos autores não trazerem ela de forma separada, a maioria a trata
como um lobo individual, para “espiar” a ínsula é preciso “abrir” a fissura lateral (Figura 4.11).
Evidências clínicas e experimentais indicam que o córtex é o local da capacidade única
de raciocínio e de cognição do ser humano. Sem o córtex cerebral, uma pessoa seria cega,
surda, muda e incapaz de iniciar movimento voluntário.
Você perceberá que no decorrer das páginas o “cara” que mais aparece é o tal do córtex
pré-frontal e não é por menos! Em nossa espécie, o córtex pré-frontal corresponde a mais
ou menos 29% de todo o córtex!
Nós humanos somos a espécie com a maior quantidade de córtex associativo. Essa é
uma aquisição evolutiva recente e marcante nos cérebros de primatas2.
O córtex associativo é aquele que não está “ocupado”, diretamente, com as vias
sensoriais e motoras primárias. Desta forma, tirando os córtex sensoriais e motores
primários, todo o restante compõe o córtex associativo, chegando a representar cerca de
80% de toda a área cortical, principalmente nos lobos frontal e temporal3.
Sistema Límbico
Agora, “entraremos” numa parte mais profunda do encéfalo, o sistema límbico, ao qual,
usualmente, se atribui o controle das emoções e dos processos motivacionais.
Porém, ainda não existe um “mapeamento” de um sistema emocional, bem delineado,
da mesma maneira que os sistemas sensoriais e motores já foram mapeados, por exemplo.
O termo límbico, foi inicialmente proposto por Broca, aquele mesmo do começo do livro,
pois o termo límbico significa “o que está envolta”, da palavra em latim limbus, e até então
simplesmente considerava a região neuroanatomica de suas “peças” e suas posições.
Uma vez que, em suas observações ele percebeu que todos os mamíferos possuem, nas
porções mais mediais do encéfalo, certas áreas corticais que são bastante distintas do
córtex circundante e que formam um anel, ou borda, ao redor do tronco encefálico, Broca
decidiu nomear de lobo límbico (Figura 4.13).
Figura 4.13 – Lobo límbico de Broca - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
*
Lembrando, mais uma vez, que quando faço uso do termo “mente” não considero, de forma alguma, o
modelo dualista, onde a “mente” é algo “metafísico”. O termo aqui basicamente serve como
“categorização” daquilo que não podemos “observar” de forma direta.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 44
Sendo o lobo límbico, portanto, formado em especial pelo giro cingulado, o córtex
temporal medial e o hipocampo (Figura 4.13).
Broca, em momento algum, relacionou essas estruturas às emoções. Essa relação, na
verdade, foi feita posteriormente, por outros autores. Inicialmente elas foram associadas,
primordialmente, ao olfato.
Posteriormente, começaram a surgir evidências que apontavam o envolvimento de
algumas estruturas límbicas nas emoções, portanto, o termo continuou sendo usado. O
neurologista norte-americano James Papez (1883-1958) propôs que houvesse, um
“sistema da emoção”, que ligaria o córtex ao hipotálamo*. O chamado de circuito de Papez.
Ele acreditava, como ainda hoje a maioria acredita, que o córtex estivesse intimamente
ligado à experiencia emocional.
Figura 4.14 – Principais partes do Circuito de Papez - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
*
O hipotálamo é uma região do encéfalo dos mamíferos (tamanho aproximado ao de uma amêndoa),
tendo como função regular processos metabólicos e outras atividades autônomas. O hipotálamo
controla a temperatura corporal, a fome e sede; mas também está envolvido no controle das emoções e
atividade sexual.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 45
Você sabia?
Cerebelo
O cerebelo, é assim chamado devido ao termo em latim para “pequeno cérebro”, é
um centro importante do controle do movimento, é a parte do encéfalo responsável pela
manutenção do equilíbrio, pelo controle do tônus muscular, dos movimentos voluntários e
aprendizagem motora.
Ele está intimamente conectado à medula espinhal e à ponte*. A medula envia
informações sobre a posição do corpo no espaço. A ponte repassa as informações vindas
do córtex cerebral, indicando as intenções dos movimentos.
O cerebelo confronta esses dois conjuntos de “dados” e “responde” de forma a atingir
as metas pretendidas dos movimentos.
Dependemos do cerebelo para andar, correr, pular, andar de bicicleta e as inúmeras
atividades cotidianas.
Ele é formado por 2 hemisférios - os hemisférios cerebelares, e por uma parte central,
chamada de Verme ou Vermis (Figura 4.15)
*
Falaremos sobre a ponte daqui a pouco, no próximo tópico.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 46
Figura 4.15 – Estruturas do Cerebelo - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Tronco Encefálico
Figura 4.16 – Tronco Encefálico - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Cada neurônio pode “modular” muitos outros espalhados pelo encéfalo, já que,
como já vimos, cada axônio pode formar mais de 100 mil sinapses com outros neurônios.
O Sistema Noradrenérgico
A Noradrenalina é utilizada por neurônios do locus ceruleus, que na expressão em
latim significa “lugar azul”, o locus ceruleus fica localizado na ponte e as células dessa
região conferem uma coloração bem azulada.
Cada locus ceruleus humano tem, em média, cerca de 12 mil neurônios. Sendo que
temos um par deles, um de cada lado. Os axônios que partem do locus ceruleus se
espalham por praticamente todo o encéfalo. Desde o córtex cerebral, até a medula espinhal
(Figura 4.17). Além do córtex cerebelar!4
Tendo em vista possuir conexões muito espalhadas, o locus ceruleus pode influenciar
praticamente todas as partes do encéfalo.
novos, inesperados ou não dolorosos que ocorrem no ambiente. Já quando o animal não
está vigilante, essa atividade se mostra reduzida5.
O locus ceruleus parece participar na modulação do estado geral de alerta do encéfalo
durante estímulos exteriores “interessantes”. Tendo em vista o caráter “modulatório”, uma
vez que a noradrenalina pode tornar os neurônios do córtex cerebral mais “sensíveis” aos
estímulos sensoriais, o locus ceruleus pode atuar aumentando a capacidade encefálica em
responder a esses estímulos, acelerando o processamento da informação e tornando
esses estímulos e suas respostas mais eficientes.
O Sistema Serotoninérgicos
Os neurônios contendo serotonina estão, em sua maioria, agrupados nos núcleos
serotoninérgicos da Rafe, derivado do termo grego que significa “linha tracejada” os
núcleos da rafe encontram-se na linha medial do tronco encefálico distribuídos em ambos
os lados, num total de nove núcleos.
Esses núcleos se projetam para diferentes regiões do sistema nervoso (Figura 4.13).
Onde os mais caudais, no bulbo, se projetam para a medula espinhal e modulam sinais
relativos à dor. Aqueles mais rostrais, localizados na ponte e mesencéfalo, se projetam de
forma difusa para o restante do encéfalo.
De forma semelhante ao que acontece com os neurônios do locus ceruleus, os núcleos
da rafe disparam mais durante a vigília, enquanto se mantém o estado de alerta. Sendo
menos ativos durante o sono.
O locus ceruleus e os núcleos da rafe, em conjunto, são “rotulados” no chamado
sistema ativador reticular ascendente, ou sistema SARA, sendo o principal sistema
envolvido em processos de alerta e vigília.
Os neurônios da rafe ao que tudo indica estão envolvidos no controle dos ciclos de
sono-vigília e nos diferentes estágios do sono.
Os neurônios serotoninérgicos da rafe também têm sido implicados no controle do
humor e de certos tipos de comportamento emocional.6
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 51
O Sistema Dopaminérgico
Apesar dos neurônios dopaminérgicos estarem espalhados por todo o encéfalo, existem
dois grupos de células dopaminérgicas bastante importantes e estudados, a Substância
Negra e a Área Tegmentar Ventral (ATV), uma vez que possuem características de
sistemas modulatórios e constituem vias dopaminérgicas importantes.
A primeira delas origina-se da substância negra, no mesencéfalo (Figura 4.19). Essas
células projetam axônios ao núcleo caudado e ao putâmen (Figura 4.20), onde, facilitam o
início de movimentos voluntários. Embora ainda não se compreendam completamente
como ocorre esse processo.
Figura 4.19 – Substância Negra - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 52
Figura 4.20 – Núcleo Caudado e Putâmen - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Figura 4.22 – Núcleo Accumbens - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Não Concluindo!
No decorrer dessas páginas tentei deixar, ao menos minimamente, uma breve noção
sobre os principais “elementos”, de forma a permitir uma melhor compreensão global da
neuroanatomia e neurofisiologia por trás do que se seguirá nos próximos capítulos!
Obviamente, foi apenas uma “pincelada” do “conjunto da obra”, podemos continuar e
aprofundar o bate-papo tanto na plataforma de membros quanto nos grupos fechados!
Por hora é isso aí!
Bora continuar a aventura!
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 54
Referências
1
Nicoll, R.; Malenka, R.; Kauer, J. Functional comparison of neurotransmitter receptor subtypes in the
mammalian nervous system. Physiological Reviews 70:513–565. 1990
2
Kaas, JH. The evolution of neocortex. Brain, Behavior and Evolution 46:187–196. 1995
3
Kaas, JH. The evolution of brains from early mammals to humans. Wiley Interdisciplinary
Reviews. Cognitive Science 4:33–45. 2013
4
Foote, S.L.; Bloom, F.E.; Aston-Jones G. Nucleus locus ceruleus: new evidence of anatomical and
physiological specificity. Physiological Reviews 63:844–914. 1983
5
Aston-Jones, G.; Bloom, FE. Norepinephrine-containing locus coeruleus neurons in behaving rats
exhibit pronounced responses to non-noxious environmental stimuli. Journal of Neuroscience 1:887–
900. 1981
6
Julius, D. Serotonin receptor knockouts: a moody subject. Proceedings of the National Academy of
Sciences USA 95:15153–15154. 1998
7
Berridge, K.C.; Robinson, T.E.; What is the role of dopamine in reward: hedonic impact, reward
learning, or incentive salience? Brain Research Review 28:308–367. 1998
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 55
Neuropsicologia,
Cognição e Inteligência
Cognição
Para as neurociências em geral, incluindo a neuropsicologia, a palavra “cognição” não
se resume apenas ao pensamento e sim envolve todo o conjunto de processos “mentais”
realizados pela enquanto nós estamos em atividade como, por exemplo, a percepção, a
atenção, a associação, a memória, o raciocínio, o planejamento, a linguagem, a
imaginação e assim por diante. As funções cognitivas são, portanto, resultantes da
atividade constante de regiões e circuitos cognitivos complexos.
Não podemos nos iludir, porém, na busca de um “fatiamento cirúrgico” entre essas
funções, pois, os processos e estruturas do sistema cognitivo são interdependentes. Por
exemplo, enquanto você lê este livro, está aprendendo, mas vários outros processos
também estão em andamento. A percepção visual na “captura” das palavras, a atenção
para não se perder entre as linhas. Você deve dominar também habilidades linguísticas,
além de possuir um “repertório” relevante na memória de longo prazo. Os elementos de
resolução de problema são “ativados” quando alguma bobagem que eu escrevo aqui
entra em conflito com alguma outra bobagem que você já leu em algum outro lugar.
E o que dizer em relação ao estado emocional, o qual, para complicar mais um pouco,
“corre em paralelo” modulando tudo isso. Se você estiver com fome, ou brigado com
alguém um pouco antes de se sentar para ler essas páginas, existem grandes chances de
seu aproveitamento ser péssimo. Por fim, quando você resolve contar tudo que aprendeu
aqui, para seu amiguinho favorito, toda essa informação deve ser recuperada e
conscientemente avaliada para montar a sua explanação.
Resumo da ópera! Cada processo depende de outros processos e estruturas, portanto,
cada vez mais, pensar no conjunto da obra se torna mais produtivo.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 56
Inteligência e Psicometria
Pessoal, essa é uma das partes que pensei bastante antes de incluir no presente
material, pelo fato de ser notavelmente polêmico. Porém não poderia deixar de lado,
mesmo que brevemente, uma noção de como a neuropsicologia encara esse assunto.
Inegavelmente, percebemos diferenças entre pessoas, tanto facilidades quanto
dificuldades. Um Einstein não passaria despercebido!
Você sabia?
Mas como identificar o que faz com que essas pessoas sejam diferentes?
Atualmente é o uso da análise fatorial* que permite uma classificação geral das
capacidades cognitivas. Buscando correlacionar causas e consequências, cognição e
comportamento. Nos estudos psicométricos da inteligência, analisa-se a correlações entre
*
A principal função das diferentes técnicas de análise fatorial é reduzir uma grande quantidade de
variáveis observadas a um número reduzido de fatores.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 57
um conjunto de testes cognitivos que requerem uma mesma capacidade cognitiva, ou seja,
têm uma causa comum. Espera-se, portanto, que pessoas com essa capacidade
desenvolvida apresentem bons desempenhos em todos eles. Ao passo que, pessoas com
menor desenvolvimento apresentarão um desempenho pior.
Então agrupando-se os testes por categorias, com base nas capacidades esperadas
como causa e usando um pouco de “engenharia reversa” começou a busca por definir
quantas e quais seriam essas capacidades cognitivas.
Um dos primeiros a “esquadrinhar” a inteligência foi Charles Spearman2 (1863-1945),
um psicólogo inglês, que buscava uma forma de quantificar a inteligência. Entre os anos
de 1904 e 1927 lançou a hipótese da existência de um fator de inteligência geral, ou seja,
uma habilidade única e geral responsável pelo desempenho em habilidades diversas,
denominando então de “fator G”. Ele também cunhou o termo “fatores S”, para os fatores
de “inteligência” que não eram compartilhados entre diversas habilidades, ou seja, eram
específicos para certas habilidades. Sendo que o peso maior ficaria sempre no fator G.
Na sequência surge Raymond B. Cattell (1905-1998), aluno de Spearman, entre os
anos de 1941 e 1971 propôs que o fator geral de inteligência (fator G), seria por sua vez
dividido em dois subcomponentes, a inteligência fluida (fator Gf), que seria responsável
pelo raciocínio geral e a inteligência cristalizada (fator Gc), que seria o resultado da
aprendizagem cristalizada, ou seja, o conhecimento geral. Numa analogia, com a devida
liberdade poética, seria algo como o poder de processamento e o poder de
armazenamento e integração.
Algum tempo depois, Jonh Horn (1928-2006), discípulo de Cattell, e na sequência John
Bissel Carroll (1916-2003) ampliaram e consolidaram os subfatores, criando o que ficou
conhecido como Teoria dos Três Estratos, com a ideia de camadas dispostas em três
níveis, o primeiro composto por 65 fatores, o segundo composto por domínios mais amplos
do conhecimento e, por fim, o terceiro estrato, correspondente a um fator geral.
Como era de se esperar acabou se tornando por demais confuso e pouco prático.
Atualmente ocorreu a “fusão” de todas essas ideias na chamada Teoria Cattell-Horn-
Carroll de Inteligência, ou simplesmente CHC3
O modelo é bastante abrangente e integra várias esferas, portanto, não se apegue a
querer gravar essa infinidade de siglas. Apenas tenha uma noção geral, deixarei um
diagrama e suas legendas, uma versão adaptada de Schneider e McGrew (2012)4. Os
fatores englobam desde áreas amplas do funcionamento cognitivo, processamento
cognitivo e a domínios de conhecimento (Figura 5.2).
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 58
Figura 5.2 – (Fonte: Figura Composta com base em Schneider e McGrew. 2012)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 59
Agora iremos explorar um pouco dos principais subfatores dos 3 grandes grupos
Memória*
Memória de curto prazo (Gsm) – É a capacidade de “manipular” a memória
imediata, por depender da atenção para codificar, manter e transformar a informação está
intimamente ligada às funções executivas, sendo assim, não é puramente uma tarefa de
memória.
Memória de longo prazo (Glm) – É a habilidade de reter e recuperar informações,
o processo de “revisitar” as informações periodicamente é crucial também no
fortalecimento desses registros.
Velocidade Geral
Velocidade de processamento (Gs) – É a habilidade de realizar tarefas cognitivas
simples e repetitivas de forma rápida e fluente. Quanto mais rápido for o processamento,
mais recursos de processamento sobrarão para outros processos.
Velocidade psicomotora (Gps) – É a velocidade e a fluidez com que os
movimentos físicos do corpo podem ser realizados, envolvendo as partes do corpo: braços,
pernas, dedos, articulação vocal, etc.
Rapidez de decisão (Gt) – É a velocidade de reagir, tomar decisões ou realizar
julgamentos em tarefas que envolvem processamentos mais complexos, apresentadas
uma de cada vez. Enquanto Gs refere-se à eficiência em se trabalhar rapidamente
executando tarefas cognitivas simples, Gt implica reação rápida a um problema envolvendo
processamento e decisão.
*
O assunto memória será amplamente explorado no capítulo dedicado ao tema.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 61
cognitivas, mostra-se relativamente influenciada com mais facilidade por fatores como
experiência, educação e oportunidades culturais.6
Conhecimento de domínios específicos (Gkn) – Envolve a profundidade, a amplitude
e o domínio de um tipo de conhecimento especializado, que não se espera que todos
daquela sociedade possuam. Costuma ser adquirido devido a demandas específicas seja
ela uma profissão, hobby ou ainda outros interesses, como religião ou esportes. Muitas
vezes, o aprendizado de um domínio específico mostra-se influenciado por variáveis
situacionais e individuais, ligadas a fatores de personalidade, tais como abertura a
experiências e engajamento intelectual.
Leitura e escrita (Grw) – Representa a amplitude e a profundidade de conhecimento
relacionadas à linguagem escrita. Envolve habilidades de decodificação de leitura
(identificar palavras em um texto), compreensão da leitura (compreender o discurso
escrito), velocidade de leitura (rapidez com que o indivíduo consegue ler e compreender
um texto), soletrar, uso do idioma (conhecimento de regras de pontuação, emprego de
vocabulário), habilidade escrita (comunicar claramente suas ideias por meio do texto) e
velocidade de escrita (copiar e gerar textos com rapidez). Pessoas com habilidade alta
nessa área em geral não têm dificuldade em ler e escrever, de modo que a linguagem se
encontra bem desenvolvida. Em contrapartida, aquelas com dificuldade, em geral, não
conseguem compreender textos ou comunicar-se de forma clara.
Conhecimento quantitativo (Gq) – Pode ser definido como a amplitude e a
profundidade do conhecimento relacionado à matemática. Consiste nos conhecimentos
acumulados sobre matemática, tais como o conhecimento dos símbolos matemáticos (ex:
≠, ≤, +, −, ×, ÷, √), operações (ex: adição, subtração, divisão e multiplicação),
procedimentos computacionais (ex: divisões longas e frações) e outros habilidades
relacionadas com usar uma calculadora ou um software de matemática, por exemplo.
se o carro cabe naquela vaga apertada numa rua movimentada. Fazem parte da Gv, a
memória visual e as habilidades visuoespaciais.
Processamento auditivo (Ga) – É a habilidade de detectar processos que envolvem,
principalmente, informação não verbal em forma de som. Essa definição pode causar
confusão, porque não estamos acostumados a ter um vocabulário bem desenvolvido sobre
som, a menos que se esteja falando de sons da fala ou de música. Envolve o uso de
informações sensoriais capturadas pelo ouvido, às vezes muito tempo depois de um som
ter sido escutado. Está associado a habilidades do tipo codificação fonética (distinguir
fonemas), discriminação dos sons da fala (detectar e discriminar diferenças entre os sons
da fala em casos de pouca ou nenhuma distração ou distorção), resistência à distorção do
estímulo auditivo (escutar corretamente as palavras mesmo em condições de distorção ou
ruído alto de fundo), memória de curto prazo para padrões sonoros (tais como tom, padrões
de tons e vozes), reconhecer e saber manter um ritmo musical; ter habilidades musicais
relativas à melodia, harmonia, e aspectos como tempo e variações de intensidade; ter
ouvido absoluto* e saber localizar os sons no espaço.
Processamento olfativo (Go) – É a habilidade para detectar e processar informações
em relação a odores. Não se refere à sensibilidade do sistema olfativo, mas sim à cognição
processada a partir do que o nariz é capaz de “capturar”. Envolve habilidades relacionadas
a memória olfativa, memória episódica de algum odor, sensibilidade olfativa, habilidades
específicas de odor, identificação e detecção de odores, nomeação de odores e
imaginação olfativa.
Processamento tátil (Gh) – É a habilidade para detectar e processar informações nas
sensações táteis. Não se refere à sensibilidade ao toque, mas à cognição ou à
interpretação das sensações que envolvem o tato. Associa-se a visualização tátil
(identificação de objetos via apalpamento), localização tátil (onde foi tocado), memória tátil
(lembrar onde foi tocado), conhecimento de texturas (por meio da nomeação de
superfícies, texturas e tecidos ao toque). Envolve a sensibilidade tátil (habilidade de fazer
discriminações finas em sensações táteis).
Habilidade cinestésica (Gk) – É a habilidade para detectar e processar informações
sobre sensações proprioceptivas†. Pode ser avaliada por meio da capacidade de inferir
características de objetos, tais como noção de quantidade de força necessária nos
membros para mover objetos de acordo com seu tamanho, peso e distribuição de massa.
Habilidade psicomotora (Gp) – É a habilidade para executar movimentos corporais e
físicos, tais como movimento dos dedos, das mãos e das pernas com precisão,
coordenação e força. Habilidades específicas envolvidas em Gp relacionam-se à força
*
Ouvido absoluto - habilidade de identificar os tons musicais
†
Propriocepção - detectar posição dos membros e movimento via proprioceptores, órgãos sensoriais
presentes nos músculos e nos ligamentos que detectam o alongamento.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 63
estática (de exercer força muscular para mover um objeto imóvel ou pesado), coordenação
multimembros (fazer movimentos motores específicos ou discretos com os braços ou as
pernas), destreza dos dedos (fazer movimentos precisos e coordenados com os dedos),
destreza manual (realizar movimentos coordenados com a mão ou com a combinação
mão-braço), estabilidade braço-mão (usar de modo preciso e coordenado no espaço),
precisão de controle (executar movimentos de resposta ao feedback ambiental), pontaria
(habilidade de executar uma sequência de movimentos que exijam coordenação olho-mão)
e equilíbrio (manter o corpo na posição vertical).
Concluindo, podemos encarar a inteligência em um aspecto multidimensional, porém,
muitas evidências indicam haver uma relação entre todas essas capacidades e um fator
geral.
O modelo CHC vem sendo de muita importância, quando aliado às avaliações por meio
de testes psicométricos e neuropsicológicos, trazendo uma certa objetividade aos
resultados.
É importante ressaltar que as habilidades intelectuais de uma pessoa não são estáticas,
elas se desenvolvem na medida em que são estimuladas, portanto, não devemos ser
“fatalistas”.
Outro termo, bastante conhecido e utilizado, é o que convencionou-se chamar de QI
(quociente de inteligência). O quociente de inteligência é um conceito que surge
conjuntamente com os primeiros testes de inteligência e desde então tem sido utilizado
como representação da inteligência de uma pessoa. Através da pontuação que ela obtém
em testes padronizados.
Existem inúmeras críticas, porém, às correlações entre QI e desempenho cognitivo
geral do sujeito, em especial nos casos de “Super QI”8. Sendo, portanto, uma métrica mais
utilizada no sentido de identificar/presumir déficits específicos no intelecto e atrasos no
desenvolvimento cognitivo.
Assim, é prudente encarar o resultado de um teste de QI como uma estimativa do nível
atual de inteligência do indivíduo, que poderá mudar ao longo do tempo. Não sendo algo
fixo e imutável.
É importante ressaltar que o modelo de inteligência que apresentamos, apesar de ser
o mais usual, não é unanimemente aceito. Para autores como Howard Gardner, psicólogo
da universidade de Harvard, modelos assim deixam de fora habilidades igualmente
significativas e que também deveriam ser consideradas formas de inteligência.
Em seus estudos, Gardner elenca diversos tipos de inteligências: linguística, lógico
matemática, espacial, musical, cinestésica, interpessoal e intrapessoal, introduzindo a
esse campo, habilidades emocionais e sociais.9
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 64
Referências
1
Witelson, S.F.; Kigar, D.L.; Harvey, T. The exceptional brain of Albert Einstein. Lancet. 353:2149–2153.
1999
2
Spearman, C. General intelligence, objectively determined and measured. American Journal of
Psychology. 15(2), 201-293. 1904
3
McGrew, K. S. CHC theory and the human cognitive abilities project: Standing on the
shoulders of the giants of psychometric intelligence research. Intelligence. 37(1):1-10. 2009
4
Schneider, W. J.; McGrew, K. S. The Cattell-Horn-Carroll (CHC) model of intelligence. In
D. P. Flanagan; P. L. Harrison (Eds.), Contemporary intellectual assessment: Theories, tests, and
issues (3rd ed., pp. 99-144). New York: Guilford. 2012
5
Primi, R. Inteligência fluida: Definição fatorial, cognitiva e neuropsicológica. Paidéia (Ribeirão Preto),
12(23):57-75. 2002
6
Primi, R. Inteligência: Avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de medida. Avaliação
Psicológica. 2(1):67-77. 2003
7
Primi, R.; Nakano, T. Inteligência. In: Santos, F.; Andrade, V., Bueno, O. (Orgs.). Neuropsicologia hoje. 2ª
Ed. Porto Alegre: Artmed. 2015.
8
Taleb, N. N.; Goldstein D. G. The problem is beyond psychology: The real world is more random than
regression analyses. International Journal of Forecasting. 2012
9
Davis, K.; Christodoulou, J.; Seider, S.; Gardner, H. The Theory of Multiple Intelligences. Cambridge
Handbook of Intelligence. 485-503. 2011
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 65
Neuropsicologia, Atenção
e Funções Executivas
Atenção!
Será que conseguimos prestar atenção em tudo que nos rodeia? Provavelmente você
responderá, claro que não! Então será que, ao menos, prestamos atenção à grande
maioria das informações que recebemos a todo momento? Agora ficou mais difícil
responder!
Vamos a um teste rápido de atenção e memória! Responda rápido! Qual o ícone de
aplicativo que está no canto inferior direito da sua primeira tela do celular?
Agora só mais uma perguntinha rápida, dessa vez sem pegar o celular ou “colar”. Que
horas marcava no seu celular? Provavelmente essa informação estava pulando na sua
frente, seja tela de bloqueio, na barra de cima ou ainda bem no meio da tela, mas qual a
razão de simplesmente ignorarmos? Bora lá entender um pouco mais sobre essa tal
“atenção”!
Em neurociências atenção é definida como um conjunto de processos que levam a
pessoa a priorizar alguns estímulos e ignorar outros. Podendo ser estímulos externos ou
internos, quantas vezes nos pegamos “viajando na maionese” enquanto um monte de coisa
está rolando “aqui fora”!
E qual a importância da atenção? Caso você tenha prestado atenção! Já deve ser
sacado que a atenção é a “alma do negócio”, ela é a porta de entrada que permite todo o
resto acontecer, aprender, fazer associações, interpretar, filtrar as informações, tomar
decisões, guiar o próprio comportamento. Por isso, ela é tão importante do ponto de vista
neuropsicológico sendo considerada a base dos nossos processos mentais.
Por conjunto de processos, entenda que a atenção pode ser dividida em tipos e subtipos
e envolver diferentes modalidades sensoriais. A primeira grande divisão que pode ser feita
é com relação à sua origem, voluntária ou involuntária.
Atenção voluntária ou controlada – Quando intencionalmente estamos focando
nossa atenção de forma voluntária. Por exemplo, você nesse momento lendo essas linhas!
Atenção involuntária ou automática – É “disparada” por estímulos alheios à nossa
vontade e “roubam” nossa atenção, atraindo um ou vários sentidos em direção a eles. Por
exemplo, o cheiro de um café recém coado naquele momento em que você já está se
cansando de passar os olhos nessas páginas!*†
Dica:
*
bottom-up (processamento de baixo para cima) – Processamento diretamente influenciado por
estímulos do ambiente.
†
top-down (processamento de cima para baixo) – A atenção é direcionada pelo indivíduo de modo
deliberado para algum objeto ou lugar.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 67
Para Lembrar:
Figura 6.5 – Mesencéfalo em detalhe - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 70
Funções Executivas
Já parou para pensar quais funções cognitivas podem estar por trás de habilidades
como, a tomada de decisões, a flexibilidade, o controle emocional, a administração da
rotina, o planejamento e a resolução de problemas? Serão essas habilidades fruto somente
da nossa inteligência? O que poderia estar por trás, por exemplo, daquela “repassada”
matinal, ainda mentalmente, pelas tarefas que teremos que encarar no dia, categorizando
e priorizando as mais urgentes e deixando outras atividades de lado. Eu, por exemplo,
estou aqui escrevendo enquanto poderia estar no clube curtindo uma piscina!
As funções executivas são processos mentais, responsáveis pelo controle,
monitoramento e regulação das nossas ações, pensamentos e emoções. Graças a estas
funções nós conseguimos direcionar o nosso comportamento a metas; flexibilizar
estratégias e pensar de forma a alcançar objetivos; controlar os nossos impulsos e adequar
as nossas ações às regras sociais; tomar decisões baseadas nos objetivos pretendidos;
realizar planos e solucionar problemas e, tudo isso, ao mesmo tempo em que nos auto
monitoramos para verificar a eficácia das estratégias que estamos utilizando.
As funções executivas estão presentes em decisões e tarefas corriqueiras, mas também
em planejamentos de longo prazo, como decidir qual vestibular prestar ou a viagem das
próximas férias. As pessoas normalmente são capazes de projetar, executar e monitorar
seu comportamento até atingir um objetivo que tenham em mente, seja ele de curto ou de
longo prazo.
Mas você pode estar se perguntando: Qual a razão de habilidades tão distintas estarem
colocadas no mesmo “balaio”? Simples! Ao que tudo indica, elas estão, primordialmente,
relacionadas a um mesmo agrupamento de regiões cerebrais (Figura 6.7).
Apesar dessas funções também
serem comuns a outros animais,
elas atingiram o máximo do seu
desenvolvimento em nossa
espécie. Em relação aos aspectos
neuroanatômicos, as funções
executivas ficam, de forma
predominante, no nosso lobo
frontal, mais especificamente, no
córtex pré-frontal, que é uma região
especialmente desenvolvida no ser
humano.
Figura 6.7 – Córtex Pré-Frontal - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 72
Figura 6.8 – Regiões envolvidas nas Funções Executivas - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Algumas das outras habilidades que emergem destas 3 principais e são consideradas
funções executivas, são:
Referências
1
Eysenck, M.; Keane, M. Psicologia cognitiva: Um manual introdutório. Porto Alegre. Artmed. 1994
2
Prince, M. et al. No health without mental health. Lancet 370:859-877. 2007
3
Eakin, L. et al. The marital and family functioning of adults with ADHD and their spouses. J Atten Disord
8:1-10. 2004
4
Dunn, J. R. Health behavior vs the stress of low socioeconomic status and health outcomes. Jama.
303:1199-1200. 2010
5
Diamond, A.; Lee, K. Interventions shown to aid executive function development in children 4 to 12
years old. Science. 333:959-964. 2011
6
Alvarez, J. A.; Emory, E. Executive function and the frontal lobes: A meta-analytic review.
Neuropsychology Review. 16(1):17-42. 2006
7
Miranda, M.; Piza, C.; Freitas, T. Projeto pela primeira infância: temas em desenvolvimento infantil. São
Paulo. 2014
8
Arruda, M. A.; Almeida, M. Cartilha da Inclusão Escolar. Inclusão Baseada em Evidências Científicas,
Ribeirão Preto e São Pedro. 2014
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 78
Neuropsicologia e
Memória
Memória(s)
Continuando nosso bate-papo sobre as funções cognitivas o convite agora é o de
explorar o território das memórias!
Como você já deve ter percebido, nessa altura do campeonato, geralmente,
trabalhamos com conceitos amplos que abarcam “entidades” relativamente diferentes.
Com a memória não será diferente!
As memórias provêm das experiências. Por isso, é mais proveitoso falar em “memórias”
ao invés de “memória”, já que existem tantas memórias quanto experiências possíveis.
É evidente que a memória da sua festa de casamento é diferente da memória de sua
casa da infância que, por sua vez, é diferente da memória de como dirigir o seu carro.
Algumas dessas memórias podem ser adquiridas
instantaneamente como a de um cheiro ou sabor
desagradável. Não precisamos de muitas tentativas para
aprender a não repetir uma comida estragada.
Outras podem levam semanas, meses ou até anos.
Como aprender a dirigir um carro, executar com maestria
uma habilidade ou obter domínio em uma profissão.
Umas são muito visuais, talvez como a casa da sua vó quando você era criança, outras
apenas olfativas, quem sabe aquele bolo de fubá quentinho.
Algumas podem ser basicamente motoras ou musculares, como dirigir ou simplesmente
andar.
Existem as que dão prazer e as que podem ser terríveis!
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 79
Não conseguimos nomear uma cor que nunca vimos, nem contar uma história que
nunca ouvimos, aquilo que não esteja em nossa memória não nos é acessível. Não fazem
parte de nós os eventos que nunca vivemos. O “baú” de nossas memórias nos transforma
em um indivíduo único, não existem duas pessoas iguais!
O termo memória pode ser tão amplo quanto se queira, extrapolando a esfera individual.
Você já deve ter escutado alguém dizer, por exemplo, temos que preservar nossas
memórias! Ao se referir a memórias comuns que caracterizam um grupo, povos, países,
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 80
civilizações, etc... esse conjunto de memórias conhecemos como História e são elas que
constituem o que chamamos de Cultura. O conjunto dessas lembranças é o que nos faz
brasileiros, por exemplo. O mesmo acontece com os outros países e as memórias de seus
habitantes.
Em termos mais amplos, por exemplo, somos membros da civilização ocidental, nosso
registro coletivo de memórias, permite elos entre os diferentes grupos e com base na
memória coletiva fazemos novas associações.
Para um brasileiro que desembarca na China, em geral, é mais fácil arrumar um amigo
“ocidental”, algum outro “latino”, por exemplo, do que com um nativo.
Amplamente falando, portanto, o termo “memória” comporta desde componentes
eletrônicos, como o Pen Drive que carregamos no bolso; conceitos “imateriais” de
armazenamento de dados, como a tal nuvem de dados; até a história de cada cidade, país,
povo ou civilização. Incluindo as memórias individuais dos animais e das pessoas.
Analisaremos o termo “memória” dentro do espectro da memória individual, seus
diferentes mecanismos de aquisição, armazenamento e evocação. Sendo uma função
complexa, que envolve diferentes processos, são divididas em categorias distintas.
A memória humana é muito parecida com a dos demais mamíferos quando pensamos
em seus mecanismos essenciais, neurobiologicamente falando. Difere, porém, em
essência e conteúdo.
Um ser humano lembra de poemas, histórias, canções, ou ainda o teorema de Pitágoras
ou a fórmula de Bhaskara; uma girafa, não!
Os seres humanos, desde muito cedo, fazem uso da linguagem para adquirir, codificar,
guardar ou evocar memórias.
Porém, fora as áreas da linguagem, usamos mais ou menos as mesmas regiões
encefálicas e mecanismos biomoleculares que todos os outros mamíferos construir e
evocar memórias.
Basicamente, os sistemas neuronais de todas as espécies de mamíferos são muito
semelhantes seja um homem ou um rato.
Os estudos em outras essas espécies de mamíferos, podem ser relacionados aos
humanos com alto grau de confiança. Grande parte do que conhecemos sobre a “memória”
vem de estudos com animais.
Uma lesão do lobo temporal altera de forma semelhante os mecanismos de memória
tanto no homem quanto no rato, por exemplo.
Alterações bioquímicas no encéfalo também geram efeitos similares sobre a memória,
seja no rato ou seja no homem.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 81
*
Amígdala – Núcleo com formato de amêndoa no interior do lobo temporal.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 82
Geralmente, essa é uma das formas de aprendizagem mais utilizada nos estudos
biológicos sobre a memória. Uma vez que se adquire em uma única vez, permanece por
muito tempo, podendo durar a vida toda e tem um valor biológico importante.
Tipos de Memórias
É ela que nos permite ter uma noção de continuidade e, ao que tudo indica, nos permite
distinguir a “realidade” externa da nossa “imaginação”, ou seja, nossa “realidade” interna.
Acredita-se que portadores de esquizofrenia, tenham grande parte de seus problemas
como resultado de um funcionamento falho da memória de trabalho.
Por exemplo, ao ler essa página “retemos” na memória, por alguns segundos, as
palavras anteriores até “alcançarmos” as próximas. Assim, então, “conseguimos criar” um
sentido para uma frase. Em seguida esquecemos as palavras e provavelmente a frase
toda, “ficamos” apenas com o “entendimento”.
É muito difícil você conseguir repetir na íntegra uma frase que acabou de ler, a não ser
que esteja ensaiando para uma peça e esteja “decorando” um texto, veja, nesse caso,
como ao “avisarmos” a memória de trabalho de nosso propósito a forma de retenção muda!
Num passado, não tão distante, costumava-se usar a memória de trabalho ao perguntar
um número de telefone a uma outra pessoa, aquele número era “retido” na memória até o
momento do telefonema. Logo na sequência, então, era esquecido. Desde a invenção do
celular, porém, essa prática caiu no “esquecimento”!
Inclusive, um dos testes mais usuais da memória de trabalho é justamente pedir para
que o sujeito “grave” uma sequência de números, prática conhecida como teste de span
de dígito. Espera-se que um ser humano normal e saudável consiga “reter” na memória de
trabalho, em média, 7 dígitos aleatórios, podendo variar de 5 a 9, e repeti-los na sequência
correta após alguns segundos.
A memória de trabalho é processada primordialmente pelo córtex pré-frontal
anterolateral e o córtex orbitofrontal. Através do córtex entorrinal, embaixo do lobo
temporal, realizam conexões com a amígdala e o hipocampo. O córtex parietal superior e
o córtex cingulado anterior também participam dessa integração da memória de trabalho1
(Figura 7.3).
Segundo algumas pesquisas, a amígdala além de modular, armazena memórias,
principalmente, quando estas possuem componentes de alerta emocional2.
O córtex pré-frontal recebe axônios de regiões encefálicas ligadas à regulação dos
estados de ânimo, dos níveis de consciência e das emoções. Os neurotransmissores
liberados por esses axônios, que vêm de estruturas muito distantes, modulam
intensamente as células do lobo frontal que se encarregam da memória de trabalho.
Isso, possivelmente, explica o fato tão comum onde um estado de ânimo negativo, seja
por falta de sono, depressão, simples tristeza ou desânimo, perturba nossa memória de
trabalho. Em algum momento todos nós já passamos pela experiência de tentar, sem
sucesso, entender algo, ou simplesmente recordar um número telefônico por tempo
suficiente para discá-lo, quando estamos distraídos, desanimados, cansados ou sem
vontade.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 85
Para Lembrar:
A memória de trabalho não deixa traços, diferente dos demais tipos de memória. Ela
depende, simplesmente, da atividade elétrica dos neurônios nas regiões envolvidas.
Esses neurônios “disparam” seus potenciais de ação, de forma coordenada entre eles,
no início, no meio ou no fim dos acontecimentos.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 86
Memórias Declarativas
São as memórias que registram fatos, eventos ou conhecimento. Como o próprio nome
sugere são chamadas declarativas, porque nós, podemos “declarar” que existem, dessa
forma, são memórias exclusivamente da espécie humana.
Entre elas, encontram-se as memórias referentes a eventos aos quais assistimos ou
participamos. Por exemplo, aquela aula bacana ou ainda sua festa de casamento. Essas
memórias denominam-se episódicas ou autobiográficas. As memórias de conhecimentos
gerais, são denominadas semânticas. Por exemplo, as capitais dos estados brasileiros,
caso ainda tenha elas em sua memória.
Quase sempre, as memórias semânticas são adquiridas por meio de memórias
episódicas. Por exemplo, para aprender matemática, você precisa ter ido às aulas de
matemática!
Geralmente, conseguimos lembrar os episódios nos quais adquirimos memórias
semânticas. As aulas de matemática que tivemos que encarar! Dificilmente, porém,
conseguimos estabelecer o limite entre o começo e o fim de um episódio. Na realidade, é
praticamente impossível para nós, “aqui do lado de fora”, determinar o início e o fim da
aquisição de cada memória declarativa. A determinação do início e do fim de cada episódio
envolve uma interação entre memória declarativa e memória de trabalho por meio de suas
respectivas regiões neuroanatomicas3.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 88
Figura 7.5 – Núcleo caudado e cerebelo - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 89
Referências
1
Izquierdo, I. Memória. 3. ed. Porto Alegre. Artmed. 2018
2
Izquierdo, I.; Furini, C. R. G; Myskiw, J. C. Fear memory. Physiological Reviews. 96:795-850. 2016.
3
Piolino, P.; Desgranges, B.; Eustache, F. Episodic autobiographical memories over the course of time:
cognitive, neuropsychological and neuroimaging findings. Neuropsychologia. 47:2314-2329. 2009.
4
Izquierdo, I.; Medina, J. H.; Vianna, M. R. M.; Izquierdo, L. A.; Barros, D. M. Separate mechanisms for
short- and long-term memory. Behavioural Brain Research. 103(1):1-11. 1999.
5
Izquierdo, I.; Barros, D.M.; Mello e Souza, T.; de Souza, M.M.; Izquierdo, L.A.; Medina, J. H.
Mechanisms for memory types differ. Nature. 393(6686):635-636. 1998.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 92
Neuropsicologia e
Aprendizagem
É chegada a hora de começarmos a juntar tudo que vimos até agora e entender como
saímos do “zero”, ou quase isso, ao nascermos e conseguimos chegar ao ponto de estar
lendo essas páginas nesse exato momento!
Em um primeiro momento abordaremos os temas e conceitos relacionados à
aprendizagem, para então fecharmos o capítulo com uma breve passagem sobre os
transtornos de aprendizagem, em especial o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
(TDAH) e transtorno do espectro autista (TEA).
Ps. Deixarei algumas cartilhas sobre Aprendizagem/Transtornos de aprendizagem
disponíveis na plataforma de membros.
As “explorações” ligadas à linguagem ficarão para o próximo capítulo, uma vez que,
este capítulo já estava se tornando muito extenso e possivelmente cansativo.
Ufa! Bora lá!
um adulto, geralmente, provocará uma afasia*, já numa criança, podem ocorrer lesões que
não deixam sequelas, pois o hemisfério do outro lado ainda pode assumir as funções
perdidas, por conta dessa plasticidade característica nas crianças.
Você sabia?
*
Afasia - Perda da capacidade de expressar ou de compreender a linguagem verbal.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 94
Nosso sistema nervoso, assim que nascemos, é muito imaturo. Essa é uma das razões
que nos torna uma das espécies que precisa de cuidados parentais por um tempo bastante
longo. Como resultado, porém, depois do pleno desenvolvimento nosso sistema nervoso
é incomparável com o de qualquer outra espécie!
A interação com o ambiente é muito importante, pois é ela que reforça conexões já
criadas e induz a formação de novas conexões neurais. Resultando na consolidação da
aprendizagem e ainda no aparecimento de novos comportamentos decorrentes dessa
interação.
Por exemplo, “aprendemos” a ver logo ao nascermos, porém não temos “acesso” às
informações sobre essa “aprendizagem”, uma vez que, não guardamos registros, em
memórias “acessíveis”, de nosso primeiro ano de vida.
Nascemos com a “circuitaria” da visão pronta, porém só enxergamos um “borrão” do
mundo que vai se tornando mais nítido com o passar do tempo. À medida que as interações
e os estímulos acontecem, novas sinapses se formam e as que já existem se fortalecem,
melhorando a nossa visão.
A maioria dos comportamentos motivados, direcionados a um objetivo, é aprendida. A
própria obtenção da comida e água, quando “bate a fome” ou a sede, segue esta regra.
Desde que nascemos, ainda recém-nascido, começamos a selecionar alguns
comportamentos que obtém sucesso nessa missão e passamos a repeti-los no futuro,
quando nos deparamos com situação semelhante. Nossas motivações nos levam a repetir
as ações que obtiveram “sucesso” numa situação passada, ou “adaptações” dessas ações,
buscando obter um resultado similar numa situação futura semelhante.
Você sabia?
Juntando as Peças
Se você chegou até aqui, já deve ter percebido, que, por mais que se façam divisões
“didáticas” todas as funções cognitivas estão “amarradas”.
Portanto, é impossível falar de aprendizagem sem falar sobre atenção, funções
executivas e memória.
Adolescentes e adultos jovens
frequentemente abusam de sua
capacidade atencional, e muitas vezes
vemos eles por aí lendo em um livro
aberto em frente a um computador
ligado, ouvindo música com fones de
ouvido e ainda tentando “encaixar”
alguma outra atividade.
Lembremos, conforme já vimos,
que duas informações que “correm”
juntas por um mesmo canal sensorial
não conseguem ser processadas
simultaneamente. Teremos que
alternar a atenção entre todas as
informações que estão competindo.
Figura 8.3 - (Fonte: © pngtree.com)
Não devemos esquecer que nossa “circuitaria” foi aperfeiçoada pela natureza durante
milhões de anos de evolução com a finalidade de detectar estímulos ambientais
importantes para a sobrevivência como indivíduo e espécie.
Dessa forma estamos, permanentemente, preparados para aprendermos quais
estímulos são significantes e como responder na próxima vez que os encontrá-los.
Possuímos uma motivação intrínseca para aprender. Porém, só estamos dispostos a
aprender algo caso, realmente, reconheçamos como significante.
A manutenção da atenção por um período prolongado exige a ativação de circuitos
neurais específicos, porém, após algum tempo, a tendência é que o foco da atenção seja
desviado por outros estímulos do ambiente ou por outros processos internos, como
pensamentos intrusivos, por exemplo.
Portanto, manter o foco atencional durante longos períodos, em estímulos constantes e
semelhantes, se torna uma tarefa árdua! Nesse caso devemos buscar “fracionar” a
exposição. Isso pode ser feito por meio de pausas para descanso e pela divisão do tempo
disponível em diferentes “estratégias” de aprendizagem, ou conteúdos distintos.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 99
Transtorno de Aprendizagem
Reservei para o final a discussão sobre os transtornos de aprendizagem, os quais,
geralmente, envolverão déficits nos processos de memória e/ou atenção.
Somos uma “máquina” poderosa e extremamente complexa que, infelizmente, às vezes
não funciona em sua melhor performance.
As dificuldades de aprendizagem podem resultar de diversos aspectos que interferem
na aquisição de novos “conhecimentos” e habilidades, ou seja, na consolidação e
reorganização de conexões neurais seja na manutenção ou produção de novos
comportamentos.
Sendo, portanto, uma gama grande de problemas, muitas vezes bastante distintos, mas
capazes de afetar a capacidade de aprender como um todo. Esses problemas, muitas
vezes, podem estar relacionados ao funcionamento atípico do sistema nervoso.
A síndrome de Down, ou o autismo, por exemplo, são condições que alteram vários
circuitos e comprometem um leque variado de funções. Nesses casos, além das
dificuldades para a aprendizagem, o indivíduo apresentará também alterações, maiores ou
menores, relacionadas ao comportamento socioemocional, com prejuízo da comunicação
e, consequentemente, da sua interação social com as demais pessoas. Podendo ainda
trazer prejuízos em atividades comuns do dia-a-dia.
A síndrome de Down produz alterações no tamanho de estruturas do sistema nervoso,
no número de neurônios e na taxa de formação de sinapses. A alteração genética tem
consequências bioquímicas, que levam à modificação da formação e do funcionamento de
sinapses no sistema nervoso3.
*
Poligênica - Herança quantitativa ou poligênica é um tipo de herança genética, na qual participam dois
ou mais pares de genes independente, resultando em um efeito acumulativo dos vários genes
envolvidos, cada um contribuindo com uma parcela para a formação da característica.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 101
sinapses, uma das causas possíveis é uma expressão muito baixa de espinhos
dendríticos*.
Estudos apontam modificação no funcionamento dos chamados “neurônios espelho†”,
que não se ativam como nas pessoas sem autismo. Essa deficiência poderia contribuir
para as dificuldades sociais e emocionais no autismo.
O problema principal parece envolver os neurônios e as conexões das regiões
secundárias e terciárias do córtex cerebral. Parecem, também, estar comprometidas as
conexões que ligam diferentes regiões do mesmo hemisfério cerebral, assim como há
alterações nos circuitos intracorticais. Daí decorrem deficiências no funcionamento
cognitivo, principalmente nas tarefas que envolvem integração da informação e a
coordenação de múltiplos sistemas neurais.
Provavelmente, ocorrem alterações moleculares que levam a um desequilíbrio nas
funções excitatórias e inibitórias das sinapses corticais que são responsáveis pela
mediação de comportamentos sociais e do processamento cognitivo.
O autismo é caracterizado por anormalidades no comportamento envolvendo a
interação social, a linguagem e a cognição. Com atraso mental em até 70% dos casos e
convulsões em 30% deles. O diagnóstico clínico é baseado em evidências na observação
do comportamento.
*
Espinhos dendríticos - estruturas especializadas, que recebem alguns tipos de aferências sinápticas. Os
espinhos se parecem com pequenas bolsas penduradas em torno do dendrito
†
Neurônios espelho - Estão presentes no córtex pré-motor e “disparam” quando observamos ou
imitamos as ações de outras pessoas e parece ser importante para a compreensão das suas ações e
intenções. Acredita-se que esse sistema poderia mediar a compreensão das emoções sentidas pelos
outros como se fossem próprias, sendo a base para a empatia.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 102
Além disso, parece haver uma diminuição na atividade de circuitos que utilizam os
neurotransmissores noradrenalina e dopamina, importantes para a regulação da função do
córtex pré-frontal. Conforme vimos, a motivação está associada a uma via dopaminérgica.
Portanto, alterações no funcionamento desses circuitos, provavelmente, estão associadas
aos resultados que apontam alterações na motivação.
Nas crianças com TDAH, aparentemente, ocorre uma falha na liberação de dopamina,
fazendo com que a sinalização da gratificação não ocorra de forma adequada resultando
numa demora maior na sensibilização do reforço comportamental.
Elas parecem prestar atenção aos estímulos que podem levar a uma gratificação
imediata e não se prendem àqueles que apenas resultarão uma gratificação no futuro, o
que explicaria boa parte dos sintomas.
As drogas usadas no tratamento do TDAH, por exemplo a Ritalina, atuam ativando as
sinapses dopaminérgicas, possibilitando a espera das gratificações mais tardias. Sem o
devido tratamento, crianças com TDAH dificilmente conseguem esperar uma recompensa
futura, preferindo as mais imediatas, mesmo que sejam piores.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 105
Referências
1
Pietschnig, J.; Voracek, M.; Formann, A. K. Mozart effect–Shmozart effect: A meta-analysis.
Intelligence. 38(3):314–323. 2010
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Mason, L. Bridging neuroscience and education: A two-way path is possible. Cortex. 45(4):548-549.
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Contestabile, A.; Benfenati, F.; Gasparini, L. Communication breaks-Down: from neurodevelopment
defects to cognitive disabilities in Down syndrome. Progress in Neurobiology. 91:1-22. 2010
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Rapin, I.; Tuchman, R. F. Autism: definition, neurobiology, screening and diagnosis. Pediatr Clin N. Am.
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Lainhart, J. E.; Bigler, E.D.; Bocian, M.; et al. Head circumference and height in autism: a study by the
Collaborative Program of Excellence in Autism. American journal of medical genetics. Part A, 140(21):
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Bush, G.; Valera, E. M.; Seidman, L. J. Functional neuroimaging of attention-deficit/hyperactivity
disorder: A review and suggested future directions. Biological Psychiatry. 57(11):1273-1284. 2005
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 106
Neuropsicologia e
Linguagem
Linguagem
A linguagem, seguindo o conceito que utilizaremos aqui, será considerada uma
habilidade exclusivamente humana. Os outros animais, pode-se dizer que possuem um
sistema de comunicação entre eles, mas só nós, seres humanos, somos dotados das
habilidades de falar, ler e escrever.
A linguagem, por ser uma função complexa, atua em conjunto com várias outras
funções cognitivas, em especial as funções executivas. Por exemplo, se uma pessoa
apresenta déficit nas funções executivas envolvendo a capacidade de planejamento e
monitoramento do comportamento, provavelmente, terá dificuldade para organizar a
estrutura do pensamento, do discurso e, portanto, da linguagem como um todo.
O processamento da linguagem se dá principalmente no hemisfério esquerdo do
cérebro, para a maioria das pessoas. Existem, porém, pessoas que apresentam essa
função no lado oposto, o direito, estima-se que cerca de 7% da população.
Duas regiões encefálicas, já bastante conhecidas desde o século XIX, a área de Broca
e a área de Wernicke, que chegamos a citar no começo do livro. Até hoje “levam a fama”
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 107
A linguagem falada, não precisa ser ensinada, visto que as crianças a adquirem
espontaneamente quando estão em contato com a sociedade.
Existem evidências de que, ao nascer, as crianças já conseguem distinguir certos
fonemas1, em especial alguns presentes em línguas que ela nunca teve contato. Na
verdade, com a passar do tempo, ao longo do primeiro ano de vida, essa capacidade vai
se perdendo, uma vez que, esses fonemas não são comuns à língua a que estão expostas.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 108
Por exemplo, as crianças japonesas deixam de discriminar entre o som do “R” e do “L”,
por não serem sons utilizados na língua japonesa. Como já vimos, algumas conexões
formadas no período pré-natal podem ser eliminadas se não forem expostas a estímulos
depois do nascimento.
Outro aspecto importante em relação à linguagem verbal é que ela está estreitamente
relacionada com a nossa capacidade de abstração e representação simbólica, afinal de
contas, ela permite a via de mão dupla entre o “mundo interno” e o “mundo externo”. Por
isso, as crianças começam a desenvolver a capacidade de abstração, na medida em que
começam a adquirir a linguagem verbal.
Falar é fácil, mas ler já é um pouco mais difícil. A linguagem escrita, justamente por ser
uma aquisição recente na história da nossa espécie, não dispõe de um aparato
neurobiológico “preparado”. Ela precisa ser ensinada, ou seja, é necessária a adaptação
da nossa circuitaria para que a leitura seja possível, exigindo muito treino e persistência.
Por essa razão, em média, só começa a ganhar fluência por volta dos 5 anos de idade.
Tendo em vista que estruturas e circuitos desenvolvidos ao longo da evolução para
executarem outras funções precisarão “aprender” a processar a linguagem escrita. A
aprendizagem da leitura modificará permanentemente o encéfalo, fazendo com que ele
reaja de forma diferente não só aos estímulos linguísticos visuais, mas também na forma
como processa a própria linguagem falada.
Por exemplo, os alfabetizados passam a ter consciência de que as palavras são
constituídas por elementos menores, sílabas e fonemas. Já os analfabetos não possuem
essa consciência.
Ao que tudo indica, a leitura das palavras. Além de utilizar as regiões já apontadas
anteriormente para a compreensão da linguagem falada, também depende da região do
córtex visual (figura 9.2).
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 109
Figura 9.2 – Regiões envolvidas na repetição em voz alta de uma palavra escrita
(Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Os estímulos visuais chegam às áreas corticais da visão, levados pelas vias óticas e de
lá, ao que parece, pode seguir duas vias distintas até ser “decodificada” em termos da
linguagem.
Através da primeira via, ocorre um processo de “montagem” passo a passo das letras
em sons (grafo-fonológica). Sendo que dois tipos de decodificação fonológica ocorrem na
leitura. No primeiro deles, o som da está de certa forma ligado à articulação da palavra,
uma vez que ela é processada na região que integra a área de Broca que, como já vimos,
está envolvida da expressão da linguagem.
Poderíamos pensar que a ativação dessa área só ocorre na leitura em voz alta, mas ela
também se ativa quando lemos em silêncio!
No segundo tipo de decodificação fonológica ocorre algo como “enxergar o som da
palavra” em um processo similar ao da percepção auditiva, porém ativada pela informação
que chega ao córtex visual e depois segue para o córtex auditivo. Uma espécie de fusão
nos sentidos da visão e audição.
Através da segunda via, a palavra é reconhecida de forma global em um processo de
identificação direta, e por isso mesmo essa área é conhecida como “área da forma visual
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 110
da palavra”. Essa região costuma ser conhecida como VWFA*, sendo uma região que faz
parte das zonas corticais associativas da visão.
É como se a palavra fosse reconhecida como uma imagem. Essa área é apontada como
envolvida em outras habilidades associativas de síntese de vários componentes visuais e
não apenas específica para o reconhecimento de palavras.
Sendo, portanto, uma região com outras funções na percepção visual, mas que, no
hemisfério esquerdo, acabou de adaptando também ao processamento da leitura.
Algumas pesquisas mostram que dependendo do idioma que está sendo “processado”
surgem diferenças na ativação das duas vias. A área da forma visual da palavra é ativada
preferencialmente nos leitores das línguas inglesa e francesa. Enquanto para a leitura em
italiano, a região ligada ao processamento fonológico, é mais ativada do que a área da
forma visual da palavra.
Ao que tudo indica, essa variação ocorre porque o inglês e o francês são línguas em
que muitas palavras são grafadas de forma diferente de sua pronúncia, o que é conhecido
como ortografia “profunda”. Dessa forma a leitura depende de um conhecimento prévio, do
contexto e da experiência. Já o italiano, e possivelmente o português, são línguas de
ortografia “superficial”, com palavras geralmente lidas da mesma forma que se escreve2.
O processo de leitura também mobiliza os processos de atenção. Dessa forma, com a
participação da atenção, podemos decodificar uma palavra por uma via ou por outra,
invertendo a prioridade das vias de acordo com as necessidades atencionais requeridas
em cada contexto.
Aprender a ler é uma tarefa multifacetada exigindo, portanto, várias habilidades entre
elas, o conhecimento dos símbolos da escrita e a sua devida correspondência com os sons
da linguagem. Muitas pesquisas têm mostrado, no entanto, que o melhor indicador para o
aprendizado da leitura é a habilidade que a criança tenha de lidar com os fonemas.
Leitores ruins parecem não identificar adequadamente os sons constituintes das
palavras, o que os impede de fazer a conexão da representação gráfica das letras com os
sons de forma automática.
A habilidade de ler é um processo que tem início já no primeiro ano de vida, no qual a
interação social começa a moldar a percepção dos fonemas da língua nativa.
Esse processo além de importante para o desenvolvimento da linguagem falada é
fundamental para a aprendizagem da leitura. O aprendiz da leitura utiliza o sistema
fonológico para decodificar palavras novas.
*
VWFA vem da sigla em inglês “Visual Word Form Area”
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 111
Você sabia?
“Linguagem” Matemática
Você sabia?
Pesquisas apontam ao menos três regiões envolvidas nessa função. Apesar de não ser
ainda um modelo “pacífico” na literatura, o triplo código é o mais usual4 (Figura 9.4)
Segundo esse modelo, os números são processados em três circuitos diferentes:
O primeiro está relacionado à percepção das quantidades, ou seja, a magnitude não
simbólica. Localiza-se, no córtex parietal dos dois hemisférios cerebrais, ao redor do sulco
intraparietal.
O segundo é responsável pela decodificação dos algarismos, ou seja, as
representações simbólicas visuais, que correspondem aos numerais arábicos sendo
processadas no córtex inferotemporal, em especial no giro fusiforme.
O terceiro circuito nos possibilita perceber a representação verbal e auditiva dos
algarismos, ou seja, a quantidade falada, o processamento ocorre principalmente numa
região que sobrepõe parte da Área de Wernicke e do giro angular do hemisfério esquerdo,
o que indica, envolver regiões ligadas ao processamento da linguagem.
Portanto, o processamento das quantidades e dos números envolve circuitos distintos,
porém interligados de alguma forma. Assim a informação caminha por todos eles sendo
“integradas”, por fim, resultando em uma informação complexa e multifacetada. Esse
padrão de organização parece já estar estabelecido, em média, a partir dos 5 anos de
idade.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 116
Algumas crianças têm uma dificuldade inata em “lidar” com os números, mesmo que
não necessariamente tenham qualquer déficit de inteligência. Essas crianças sofrem com
a chamada discalculia do desenvolvimento, de forma similar ao que ocorre com a leitura,
a dislexia. Esse problema parece resultar de uma deficiência do senso numérico, ou seja,
da capacidade de relacionar números e suas quantidades.
Em crianças que sofrem de discalculia, a capacidade de adquirir as habilidades
matemáticas é prejudicada. Muitas vezes não conseguem lidar nem mesmo com o conceito
de número, e as situações que envolvem matemática tornam-se incômodas.
Deve-se considerar as demais habilidades em outras áreas cognitivas, evitando
dificultar, ainda mais, a vida dessas pessoas por causa dos seus problemas com a
matemática.
As dificuldades com a matemática podem, além de tudo, causar insegurança, medo e
ansiedade, que interferem no funcionamento de outras áreas cognitivas, ainda que
perfeitas e bem desenvolvidas.
Ainda não se sabe ao certo o que causa a discalculia, uma das possibilidades é uma
alteração dos circuitos do lobo parietal, devido à alteração congênita ou ainda lesão
precoce.
Existe suspeitas que componentes genéticos estejam envolvidos na causa da
discalculia, uma vez que a incidência é maior em algumas famílias.
Conforme já percebemos, apesar da dislexia e a discalculia serem problemas diferentes
e independentes, podem ocorrer ao mesmo tempo em uma mesma pessoa.
As relações entre a matemática e a “circuitaria” encefálica começaram a ser
desvendadas muito recentemente. Apesar de termos uma certa compreensão de como
“processamos” os números e a matemática básica.
O que se pode afirmar é que a memória operacional e a atenção estão envolvidas na
resolução dos problemas matemáticos e, portanto, os circuitos relacionados a elas
certamente são “recrutados”.
As habilidades matemáticas mais complexas ainda estão longe de serem
compreendidas de forma satisfatória, e possivelmente envolvem ainda outros sistemas
encefálicos.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 118
Referências
1
Dehaene-Lambertz G.; Dehaene, S.; Hertz-Pannier, L. Functional neuroimaging of speech perception in
infants. Science 298:2013–2015. 2002
2
Shaywitz, S. E.; Shaywitz, B. A. Paying attention to reading: The neurobiology of reading and dyslexia.
Dev Psychopathol. 20(4):1329–1349. 2008
3
Inoue, S.; Matsuzawa, T. Working memory of numerals in chimpanzees. Current Biology. 17(23):R1004-
R1005. 2007
4
Dehaene,S.; Molko, N.; Cohen, L.; Wilson A. J. Arithmetic and the brain. Current Opinion in
Neurobiology. 14:218–224. 2004
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 119
Neuropsicologia e
Emoções
Pano de Fundo
Por definição, a palavra “emoção” surge da combinação do termo motio, “movimento”
em latim, com o prefixo ex que significa "fora". Numa “tradução” significaria algo como
“movimento para fora”.
Ou seja, o significado etimológico da palavra “emoção” pode ser interpretado como
“movimento para fora”, uma definição que cabe muito bem no conceito de emoção como
função cognitiva.
As emoções, sem nenhuma dúvida, são um fenômeno central de nossa existência e
sabemos que elas têm grande influência na aprendizagem e na memória. Sabemos que
momentos nos quais experimentamos uma carga emocional ficamos mais vigilantes e
nossa atenção se volta para os detalhes considerados importantes, pois as emoções estão
intrinsicamente ligadas aos processos motivacionais.
Além disso, sabe-se que a amígdala interage com o hipocampo e pode influenciar o
processo de consolidação da memória. Portanto, uma pequena excitação, como já vimos,
pode ajudar no estabelecimento e conservação de uma lembrança.
Existe, porém, o outro lado da moeda, as emoções podem prejudicar a memorização e
a aprendizagem, começando já na “porta de entrada” que é a atenção. Além disso, a
ansiedade e o estresse prolongado sustentam a produção de hormônios glicocorticoides
que ao alcançarem os neurônios do hipocampo, podem chegar a, literalmente, matá-los. E
uma vez que esses neurônios são muito importantes, funcionando como uma “alça de
retroalimentação”, auto regulando a liberação desses mesmos hormônios, cria-se,
portanto, um “círculo vicioso” que se auto alimenta.
Intuitivamente, sabemos, o que são as emoções e podemos facilmente elencar algumas
delas, como alegria, raiva, medo ou tristeza. Porém não é tão simples “explicá-las” ou dizer
a serventia delas. Do ponto de vista que aqui nos interessa, as emoções apontam a
presença de algo importante ou significante em um determinado momento na vida.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 120
O desenvolvimento das emoções foi essencial para a evolução, porque elas permitem
atingir objetivos úteis. Como, por exemplo, lutar ou fugir de predadores, motivados pela
emoção de medo; intimidar um competidor, através da demonstração de raiva; evitar o
consumo de alimentos estragados, mediante sensação de nojo e assim por diante2.
Da mesma forma, o desenvolvimento das emoções é extremamente útil, também, para
a sobrevivência da criança, no início da vida. Este que é o período em que as suas
necessidades são vividas como sensações corporais e expressas na forma de reações
emocionais. As reações emocionais do bebê assumem um papel fundamental na
construção de vínculos afetivos com os seus cuidadores, além de funcionar como uma
espécie de sinalizador das suas necessidades e vontades3.
Em nossa cultura, as emoções costumam ser consideradas um resíduo da evolução
animal e são tidas como um elemento perturbador para a tomada de decisões racionais.
Acredita-se que os seres humanos deveriam controlar suas emoções, afinal somos
seres racionais! Na verdade, as neurociências têm mostrado que os processos cognitivos
e emocionais estão profundamente enraizados no funcionamento basal neurofisiológico e
cada vez mais traz a biologia à tona! Evidenciando que as emoções são importantes para
“eleger” o comportamento mais adequado à sobrevivência em momentos cruciais da vida
dos indivíduos.
A ausência das emoções nos tornaria como uma legião de zumbis, aquelas que estão
na moda em filmes e séries de TV.
Todos nós experimentamos emoções e sentimentos em diversos momentos.
Entretanto, o que os define precisamente? Serão sinais sensoriais de nosso corpo, padrões
de atividade espalhados em nosso córtex, ou seria algo mais?
As emoções envolvem respostas que podem ser observadas “externamente”, como o
aumento do estado de alerta, dilatação da pupila, sudorese, lacrimejamento, alteração da
expressão facial, etc. Além disso, nós mesmo somos capazes de perceber alterações
internas, como o coração acelerado, “saindo pela boca”; “borboletas no estômago” ou
ainda o famoso “nó na garganta”.
Essas respostas fisiológicas são acompanhadas por um sentimento emocional, ligado
ao universo afetivo do organismo: euforia, desânimo, irritação, etc. Além disso, na maioria
das vezes, podemos identificar o que estamos sentindo: amor, medo, ódio, ciúme,
decepção e por aí vai.
Acredita-se que esta “consciência” emocional esteja presente apenas na nossa espécie,
enquanto os outros animais, são capazes apenas de experimentar os demais aspectos do
fenômeno emocional. Nesse sentido, as emoções dos animais são um pouco diferentes
das emoções humanas.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 122
As emoções, portanto, são importantes para os seres humanos da mesma forma que
para os outros animais. Contudo, diferentemente deles, somos capazes de tomar
consciência desses fenômenos, identificá-los e rotulá-los. Em animais, a atividade
encefálica e os efeitos de lesões no encéfalo foram observados e interpretados no contexto
de emoções, porém, não podemos determinar os “sentimentos” dos animais.
Os órgãos dos sentidos enviam as informações relevantes até o encéfalo por meio de
diversos circuitos neuronais. Se um estímulo importante, é captado, por conta de sua
“carga emocional” ele acaba mobilizando a atenção e atingindo as regiões corticais
específicas, onde é percebido, identificado e interpretado, tornando-se “consciente”.
Conforme já vimos anteriormente, a amígdala parece desempenhar um papel crucial
nesse processo. Pesquisas têm demonstrado, em diferentes espécies, que lesões da
amígdala atenuam as emoções.
É interessante termos em mente o fato de que a informação proveniente de todos os
sistemas sensoriais alimenta a amígdala, sobretudo os núcleos basolaterais (figura 10.2).
Figura 10.2 – Núcleos da amígdala - (Fonte: http://www.brainfacts.org/3d-brain - © Society for Neuroscience - Editada)
Emoção x Sentimento
Existe diferença entre emoção e sentimento?
De acordo alguns autores, a experiência mental, que começa com um estado
emocional, seria o sentimento. Mas nem todos os sentimentos parecem “emergir” de uma
emoção.
O sentimento de bem-estar, por exemplo, pode aparecer simplesmente pelo fato de nos
percebermos “de boa” com a vida que estamos levando. Por essa razão, entende-se que
nem todos os sentimentos provém de emoções, porém todas as emoções podem originar
sentimentos4.
*
Humor é um estado de duração mais prolongada do que a emoção e o sentimento e não é de caráter
reativo como os dois últimos
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 124
Classificando as Emoções
Agora que aprendemos a distinguir emoção de sentimento é importante sabermos que,
pela sua complexidade, as emoções podem ser divididas em categorias. Geralmente são
divididas em duas: primárias e secundárias.
Emoções Primárias
As emoções primárias seriam aquelas consideradas inatas, adquiridas pelo ser humano
ao longo de sua evolução e ocorrem de maneira involuntária. Ou seja, são emoções que
já vieram “programadas” em nosso DNA para serem ativadas toda vez que nos deparamos
com determinados estímulos ambientais.
As emoções primárias surgem com uma determinada função em nossa evolução, como
“soluções” encontradas pela natureza para respostas rápidas e efetivas, garantindo a
sobrevivência e bem-estar. As emoções nos permitem, avaliarmos os estímulos do
ambiente quase instantaneamente, nos preparar e motivar para as ações; expressar as
nossas intenções e, também, perceber as do outro.
As outras emoções consideradas primárias, via de regra, são5:
Não existe um consenso em relação a quantas e quais são todas as emoções primárias
e as secundárias, porém a maioria dos pesquisadores costuma considerar como emoções
primárias, as 6 listadas acima. Os mais românticos acrescentam ainda o amor dentro da
categoria de emoções primárias.
As emoções primárias são comuns a todos os seres humanos, independente da cultura
e, também, à algumas espécies de animais. E cada uma destas emoções possuem formas
de expressão comportamental típicas.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 126
Elas podem ser expressas através de mudanças em nossa expressão vocal, tom,
volume e ritmo; na gesticulação, podendo variar de acordo com a cultura em questão; na
expressão facial (Figura 10.4), sendo esse o aspecto mais estudado dessas
manifestações, pois, aparentemente, trata-se de uma manifestação universal, ou seja,
comum a seres humanos de diferentes culturas e até mesmo outros primatas6.
Não podemos esquecer que por trás desses comportamentos observáveis existem uma
série de alterações fisiológicas acontecendo no organismo2:
Emoções Secundárias
Enquanto as emoções primárias são respostas inatas, evolutivas e partilhadas por
todos, as emoções secundárias resultam da aprendizagem pessoal. Está relacionada com
a nossa história de vida, nossas experiências individuais, sociais e culturais2. De um modo
geral, com a forma como percebemos o mundo.
São emoções associadas a fatos, situações, acontecimentos, estímulos da nossa
história pessoal aos quais atribuímos algum valor afetivo, negativo ou positivo, passando
a ser ativadas sempre que as circunstâncias às quais elas foram associadas vêm à tona
novamente, seja através de um pensamento, uma memória, uma situação que esteja
sendo vivenciada ou ainda a expectativa dessa situação.
Alguns autores também consideram emoções secundárias como sendo o resultado da
junção entre duas emoções primárias. Por exemplo, decepção seria a mistura de surpresa
e tristeza; remorso, a mistura de tristeza e nojo; saudade, a mistura de alegria e tristeza;
desprezo, a mistura de nojo e raiva; vergonha, a mistura de medo e tristeza e assim por
diante7.
Teorias da Emoção
Muitos “nomes” importantes, pensaram na questão de como o encéfalo está envolvido
na expressão das emoções, alguns muito conhecidos como Darwin e Freud. Porém
algumas das primeiras teorias foram propostas por autores, talvez, não conhecido por
todos. Então vamos agora dar uma passadinha por elas.
A Teoria de James-Lange
Uma das primeiras teorias acerca da emoção foi proposta, em 1884, pelo renomado
psicólogo e filósofo norte-americano, William James (1842-1910). E de forma semelhante
pelo psicólogo dinamarquês Carl Lange (1834-1900).
Sendo, portanto, conhecida como teoria de James-Lange. Segundo essa teoria a
emoção é “percebida” como resposta das alterações fisiológicas em nosso corpo. Por
exemplo:
Você acordou sentido cócegas em sua perna e percebe que é o hamster de estimação
do seu sobrinho. Se você for aquela pessoa do exemplo, com pavor de ratos, poderá
começar a ter uma “palpitação” e uma “suadeira”. Para James-Lange, o seu sistema
sensorial envia uma “mensagem” para o seu encéfalo, que responde enviando comandos,
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 128
os quais alteram funções em músculos e demais órgãos. Sendo que essas respostas
seriam consequências diretas da entrada sensorial, ainda sem um componente emocional.
Em outras palavras, você não pula para fora da cama em resposta ao medo que sente,
você, na verdade, sente medo porque tomou consciência de seu coração disparando e de
seu pulo da cama. Isso pode parecer para você um tanto quanto estranho, como também
pareceu na época.
Até essa teoria ser proposta, a ideia comum era de que uma emoção é evocada por
uma situação, e o corpo muda em resposta à emoção: você fica com medo quando vê
certo animal, então, em seguida, seu corpo reage. Segundo a teoria de James-Lange
ocorre exatamente o contrário.
Vejamos a explicação que essa teoria propõe:
Suponha que você está com muita raiva, pois acabou de chegar ao estacionamento e
bateram no seu carro. Vamos então à seguinte experiência, tire todas as alterações
fisiológicas associadas a essa emoção. O coração em disparada se acalma, os músculos
tensos relaxam e a sua face irritada volta a ficar calma. Conforme a teoria propunha, é
difícil imaginar como manter a raiva na ausência de qualquer uma dessas respostas
fisiológicas.
Resumindo, a teoria de James-Lange diz que não é a emoção que causa as alterações
corporais, mas, sim, que as alterações corporais causam a emoção.
A Teoria de Cannon-Bard
A teoria de James-Lang, apesar de ter se tornado popular, foi rapidamente contestada.
Em 1927, o fisiologista norte-americano Walter Cannon (1871-1945) fez inúmeras
críticas à teoria de James-Lange e apresentou uma nova abordagem.
A teoria de Cannon foi modificada por Philip Bard (1898-1977), passando a ser
conhecida como teoria de Cannon-Bard da emoção. Ela propõe que a experiência
emocional pode ocorrer independentemente da expressão emocional.
Um dos argumentos de Cannon foi de que as emoções podem ser experimentadas
mesmo quando mudanças fisiológicas não podem ser sentidas. Para apoiar essa hipótese,
ele descreveu os casos de animais, após transecção* da medula espinhal.
Essa cirurgia elimina a “percepção” sensorial do organismo abaixo do nível do corte,
mas, aparentemente, as emoções permanecem. Em animais nos quais foi possível manter
o controle motor muscular da porção superior ao corte, ainda eram observados sinais de
*
Transecção - Cortes transversais
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 129
emoções. Cannon também observou em humanos que uma transecção de medula não
diminuía a emoção.
Se a experiência emocional, conforme propõe a teoria de James-Lange, ocorre quando
o encéfalo “percebe” as mudanças fisiológicas do organismo, a eliminação das sensações
deveria, portanto, eliminar as emoções, e isso não acontecia.
Uma segunda observação de Cannon, é de que não há correlação confiável entre a
experiência emocional e o estado fisiológico do organismo. Por exemplo, o medo é
acompanhado por um aumento da frequência cardíaca, uma inibição da digestão e um
aumento da sudorese. Entretanto, essas mesmas mudanças fisiológicas acompanham
outras emoções, como raiva, ou ainda sintomas de patologias, como um estado febril.
Como, então, pode o medo ser uma consequência de mudanças fisiológicas, quando
essas mesmas mudanças estão associadas a outros estados além do medo?
*
Tálamo – Parte dorsal do diencéfalo, altamente interconectada com o neocórtex.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 130
Figura 10.6 - comparação das teorias de James-Lange e de Cannon-Bard. - (Fonte: © pngtree.com - Editada)
Trabalhos posteriores demonstraram que cada uma das velhas teorias tinha seus
méritos, assim como suas falhas.
Por exemplo, ao contrário do que imaginava Cannon, medo e raiva estão associados a
respostas fisiológicas distintas, embora as duas ativem basicamente o sistema nervoso
simpático*. Embora isso não prove que essas emoções resultem de respostas fisiológicas
distintas, as respostas ao menos são diferentes.
*
O Sistema Nervoso Simpático estimula ações que permitem ao organismo responder a situações de
estresse, como a reação de lutar ou fuga. Essas ações são: a aceleração dos batimentos cardíacos,
aumento da pressão arterial, o aumento da adrenalina, a concentração de açúcar no sangue e pela
ativação do metabolismo geral do corpo e processam-se de forma automática, independentemente da
nossa vontade.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 131
Alguns estudos mostram também que, de certo modo, podemos ter consciência da
função “visceral*” de nosso corpo a chamada interocepção† consciente, que é um
componente-chave para a teoria de James-Lange. Por exemplo, foi demonstrado que as
pessoas são capazes de julgar as suas frequências cardíacas.
Estudos posteriores, mostraram que, algumas vezes, as emoções são afetadas por
lesão da medula espinhal, contrariando a teoria de Cannon-Bard. Em um estudo com
homens adultos lesionados na medula, encontrou-se uma correlação entre a perda
sensorial e as diminuições nas experiências emocionais, embora outros estudos de
indivíduos com lesão espinhal nem sempre encontrem semelhante correlação.
Trabalhos experimentais apoiam a hipótese de que algumas das estruturas no lobo
límbico de Broca e no circuito de Papez tenham um papel na emoção, conforme vimos no
capítulo sobre o sistema nervoso.
Dada a diversidade das emoções que experimentamos e as diferentes atividades
encefálicas associadas a cada uma delas, não há uma razão para pensarmos que apenas
um sistema esteja envolvido. Evidências indicam que algumas estruturas envolvidas no
processamento da emoção estão também envolvidas em outras funções; dificilmente
podemos afirmar categoricamente “uma estrutura, uma função” quando falamos de nosso
sistema nervoso.
Embora o termo sistema límbico seja ainda comumente utilizado em discussões acerca
dos mecanismos encefálicos da emoção, está se tornando cada vez mais claro que não
existe um sistema único e bem delimitado para as emoções.
As teorias iniciais da emoção e as descrições subsequentes do sistema límbico foram
construídas baseada principalmente em lesões e doenças encefálicas: se uma estrutura
do encéfalo é lesionada, resultando em alteração da expressão ou da experiência
emocional, imaginamos, portanto, que aquela estrutura seja importante para a função
emocional normal. Porém, o estudo de doenças e consequências de lesões não são ideais
para revelar a função normal do encéfalo.
Analisando sob a perspectiva de circuitos distintos para diferentes emoções, a atividade
da amígdala está mais associada ao medo que à tristeza, e a atividade do córtex pré-frontal
medial está mais associada à tristeza8
*
O Sistema Nervoso Visceral é a parte do sistema nervoso que está relacionada ao controle da vida
vegetativa, ou seja, controla funções como a respiração, circulação do sangue, controle de temperatura
e digestão.
†
Interocepção é a capacidade de reconhecer os estímulos e sensações que nosso corpo nos envia sobre
seu status fisiológico e patológico.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 132
Uma outra possibilidade sugerida para as teorias básicas das emoções são as teorias
dimensionais, baseadas na ideia de que as emoções, podem ser “desmembradas” em
“peças” menores que se combinam de formas e em quantidades diferentes (Figura 10.7).
Exemplos de possibilidades dimensionais são os pares, “prazeroso (positivo) -
desagradável (negativo)” e “emoção fraca (alerta baixo) - emoção forte (alerta alto)”.
Podemos, então, imaginar um gráfico bidimensional da seguinte forma:
Figura 10.7 - representação dimensional das emoções básicas (Fonte: Gráfico Composto com base em Hamann, 2012)
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 133
Humor
O humor está ligado ao nosso estado de ânimo. É um estado de duração mais
prolongada do que a emoção e o sentimento e não tem caráter reativo e instantâneo.
Por ser mais duradouro, o humor está mais relacionado com um estado de “base”, ao
passo que as emoções e os sentimentos são estados mais superficiais e passageiros.
O humor representa o somatório de diversas experiências afetivas, de emoções e
sentimentos, em um dado momento da nossa vida e pode persistir durante dias, semanas
ou anos. Também envolve componentes somáticos e psíquicos.
Alguns exemplos de humor são: calmo, feliz, triste, ansioso, deprimido, alegre, eufórico,
tenso, hostil, apático, sério e exaltado.
Teoria da Mente
Considerada um dos domínios da cognição social, a teoria da mente é objeto de
investigação e de teorização de muitos estudiosos. O conceito de teoria da mente é fruto
de muitas controvérsias entre os teóricos, vamos, portanto, buscar a forma como mais
comumente tem sido postulado.
Denomina-se de teoria da mente, a capacidade de deduzir, a partir das circunstâncias,
o que o outro pode estar pensando, crendo, sentindo ou desejando. Ou seja, é criar uma
“teoria hipotética” sobre o que pode estar “passando pela mente” do outro. Coisa que não
é possível fazer quando não se tem a compreensão de que os outros podem ter
pensamentos, crenças, sentimentos e desejos diferentes dos nossos9.
A teoria da mente é uma capacidade muito complexa e demanda a aquisição prévia de
outras competências para se desenvolver, tais como: a empatia, a capacidade de
representação simbólica e compreensão da linguagem figurativa, a diferenciação entre o
mundo da imaginação e o mundo real, a imitação, dentre outras. Por este motivo o seu
desenvolvimento se dá no final da primeira infância, por volta dos 4 anos de idade.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 134
Vale ressaltar que, assim como a maioria das habilidades cognitivas, o funcionamento
da “teoria da mente” depende de uma série de outros processos mentais, como: a atenção,
a memória, a linguagem e as funções executivas10.
Referências
1
Darwin, C. The Expression of the Emotions in Man and Animals. 2ª Ed. New York. Cambridge University
Press. 2009
2
Damásio, A. R. O Erro de Descartes. São Paulo. CIA das Letras. 2012
3
Miranda, M.; Piza, C.; Freitas, T., et al. Projeto pela primeira infância: temas em desenvolvimento
infantil. São Paulo. 2014
4
Damásio, A. R. O sentimento de si: corpo emoção e consciência. Lisboa: Temas e debates. 2013
5
Miguel, F. Psicologia das emoções: uma proposta integrativa para compreender a expressão
emocional. Psico-USF. Vol.20. n.1:153-162. Bragança Paulista. 2015
6
Ekman, P. Facial Expression and emotion. American Psychologist Association. EUA. 1993
7
Plutchik, R. Emotions and life: Perspectives from psychology, biology and evolution. American
Psychological Association. Washington, DC. 2002
8
Hamann, S. Mapping discrete and dimensional emotions onto the brain: controversies and
consensus. Trends in Cognitive Sciences 16:458–466. 2012
9
Jou, G.; Sperb, T. Teoria da mente: diferentes abordagens. Revista Psicologia: reflexão e crítica. Vol. 12.
n.2:287-306. Porto Alegre. 1999
10
Organizadores: Fuentes, D.; Malloy-Diniz, L. F.; Camargo, C. H. P. de.; Cosenza, R. M. Neuropsicologia:
teoria e prática. 2ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 2014
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 136
Considerações Finais
*
Viés de confirmação, é a tendência de interpretar ou pesquisar por informações de maneira a
confirmar uma hipótese inicial. Reunindo as informações de forma seletiva, ou interpretando de forma
tendenciosa.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 137
Referências
1
Lindquist, K.A.; Wager, T.D.; Kober, H.; Bliss-Moreau, E.; Barrett, L.F. The brain basis of emotion: A
meta- analytic review. Behavioral and Brain Sciences. 35: 121–43. 2012
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 138
Glossário
A
Acetilcolina – Amina que funciona como um neurotransmissor em muitas sinapses nos sistemas nervosos central e
periférico, incluindo a junção neuromuscular.
Ácido gama-aminobutírico (GABA) – Aminoácido sintetizado a partir do glutamato; o principal neurotransmissor
inibitório no sistema nervoso central.
Adrenalina – Catecolamina que funciona como neurotransmissor e como hormônio, sintetizada a partir da
noradrenalina; também denominada epinefrina.
Afasia – Perda parcial ou completa da capacidade de linguagem.
Afasia de Broca – Distúrbio de linguagem no qual uma pessoa tem dificuldade em falar ou repetir palavras, mas
pode entender a linguagem; também conhecida como afasia motora ou não fluente.
Afasia de Wernicke – Distúrbio de linguagem no qual o discurso é fluente, mas a compreensão é pobre.
Amígdala – Núcleo com formato de amêndoa no interior do lobo temporal, acredita estar envolvido com a emoção e
certos tipos de aprendizado e memória.
Ânion – Íon carregado negativamente.
Área de Broca – Região do lobo frontal associada, quando lesionada, com a afasia (motora) de Broca.
Área de Wernicke – Região na superfície superior do lobo temporal associada, quando lesionada, com a afasia de
Wernicke.
Astrócito – Célula glial no encéfalo que dá suporte aos neurônios e regula os meios iônico e químico extracelulares.
Axônio – Neurito especializado na condução de impulsos nervosos, ou potenciais de ação.
B
Bulbo – Parte do rombencéfalo caudal à ponte e ao cerebelo. Também chamado de medula oblonga ou medula
oblongata.
C
Catecolaminas – Os neurotransmissores dopamina, noradrenalina e adrenalina.
Cátion – Íon carregado positivamente.
Célula de Schwann – Célula glial que fornece a mielina no sistema nervoso periférico.
Célula ependimária – Célula glial que fornece o revestimento do sistema ventricular do encéfalo.
Cerebelo – Estrutura derivada do rombencéfalo, ligada ao tronco encefálico na ponte; um importante centro do
controle do movimento.
Cérebro – A maior parte do prosencéfalo; também denominado telencéfalo.
Circuito de Papez – Circuito de estruturas anatômicas interconectando o hipotálamo e o córtex, que Papez propôs
ser um sistema para a emoção.
Colículo superior – Estrutura no teto do mesencéfalo que recebe aferentes diretos da retina e controla os
movimentos sacádicos dos olhos.
Colinérgico – Descreve neurônios ou sinapses que produzem e liberam acetilcolina.
Corpo caloso – Axônios que conectam o córtex dos dois hemisférios cerebrais.
Córtex – Qualquer conjunto de neurônios que formam uma lâmina fina, normalmente na superfície do encéfalo.
Cortisol – Hormônio esteroide liberado pela glândula suprarrenal.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 139
D
Dendrito – Neurito especializado em receber sinais de entrada sinápticos de outros neurônios.
Dislexia – Dificuldade de aprender a ler, apesar de inteligência e treino normais.
Dopa – Precursor químico da dopamina e de outras catecolaminas
Dopamina – Catecolaminas que funciona como neurotransmissor, sintetizada a partir do dopa.
E
Encéfalo – A parte do sistema nervoso central contida na caixa craniana, consistindo de cérebro, cerebelo, tronco
encefálico.
Eletrencefalograma (EEG) – Mensuração da atividade elétrica gerada pelo encéfalo.
Espinhos dendríticos – Estruturas especializadas, que recebem alguns tipos de aferências sinápticas. Os espinhos
se parecem com pequenas bolsas penduradas em torno do dendrito.
Endorfina – peptídeos opioides endógenos com efeitos semelhantes àqueles da morfina.
F
Fenda sináptica – Região separando as membranas pré e pós-sinápticas.
Fonemas – O conjunto de sons distintos utilizados em uma língua.
Falácia mereológica da Neurociência – É o erro de se atribuir ao cérebro, ou suas partes, predicados
que só fazem sentido quando atribuídos ao indivíduo inteiro.
G
GABAérgico – Descreve neurônios ou sinapses que produzem e liberam ácido gama-aminobutírico.
Gânglio – Conjunto de neurônios no sistema nervoso periférico.
Giro – Saliência sinuosa situada entre os sulcos do cérebro.
Glia – Célula de suporte no sistema nervoso.
Glutamato – Aminoácido; o principal neurotransmissor excitatório no sistema nervoso central.
H
Hipocampo – Em seres humanos, o hipocampo situa-se no lobo temporal e tem um papel especial no aprendizado
e na memória e na regulação do eixo hipotálamo-hipófise.
Hipotálamo – Parte envolvida no controle do sistema simpático/parassimpático e da glândula hipofisária.
Histologia – Estudo microscópico da estrutura dos tecidos.
Humor – Estado de duração mais prolongada do que a emoção e o sentimento e não é de caráter reativo como os
dois últimos.
I
Ínsula – Parte do córtex cerebral, também conhecida como córtex insular, situada dentro do sulco lateral, entre os
lobos temporal e parietal.
Íon – Átomo ou molécula que apresenta uma carga elétrica líquida devido a uma diferença entre o número de
elétrons e o número de prótons.
Interocepção – Capacidade de reconhecer os estímulos e sensações que nosso corpo nos envia sobre seu status
fisiológico e patológico.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 140
M
Micróglia – Célula que funciona como um fagócito no sistema nervoso para remover fragmentos deixados por
neurônios ou glia mortos.
Mielina – Envoltório membranoso que envolve axônios.
N
Neocórtex – O córtex cerebral, com seis ou mais camadas de neurônios, encontrado apenas em mamíferos.
Neurito - Fino tubo que se estende a partir do corpo celular neuronal; há dois tipos, axônios e dendritos.
Neurônio – A célula de processamento de informação no sistema nervoso; também chamado de célula nervosa.
Neurônios espelho – Estão presentes no córtex pré-motor e “disparam” quando observamos ou imitamos as ações
de outras pessoas.
Neurotransmissor – Substância química que é liberada por um elemento pré-sináptico por estimulação e que ativa
receptores pós-sinápticos.
Noradrenalina – Neurotransmissor sintetizado a partir da dopamina; também denominado norepinefrina.
Noradrenérgico – Neurônios ou sinapses que produzem e liberam noradrenalina.
Núcleos da base – Conjunto de núcleos profundos do cérebro com diferentes estruturas e atividades.
O
Ocitocina – Pequeno hormônio que estimula as contrações uterinas e a ejeção de leite das glândulas mamárias.
Ouvido absoluto – Habilidade de identificar os tons musicais.
P
Paleoneurologia – Ramo da paleontologia consagrado à evolução do sistema nervoso segundo os dados
fornecidos polos fósseis.
Peptídeos – sequências de aminoácidos mais curtas do que aquelas que constituem as proteínas.
Poligênica – Herança quantitativa ou poligênica é um tipo de herança genética, na qual participam dois ou mais
pares de genes independente.
Processamento de baixo para cima (bottom-up) – Processamento diretamente influenciado por estímulos do
ambiente.
Processamento de cima para baixo (top-down) – A atenção é direcionada pelo indivíduo de modo deliberado
para algum objeto ou lugar.
Propriocepção – A sensação da posição e do movimento do corpo, utilizando sinais sensoriais dos músculos,
articulações e pele.
S
Serotonina (5-HT) – Amina neurotransmissora, 5-hidroxitriptamina.
Serotoninérgico – Neurônios ou sinapses que produzem e liberam serotonina.
Sinapse – Região de contato onde um neurônio transfere informação para uma outra célula.
Sistema límbico – Grupo de estruturas, incluindo aquelas do lobo límbico e do circuito de Papez, que são
anatomicamente interconectadas e estão provavelmente envolvidas na emoção, no aprendizado e na memória.
Sistemas modulatórios difusos –Sistemas de neurônios do sistema nervoso central que se projetam amplamente
e de forma difusa para grandes áreas do encéfalo e utilizam neurotransmissores modulatórios, incluindo a
dopamina, a noradrenalina, a serotonina e a acetilcolina.
Sistema Nervoso Simpático – Estimula ações que permitem ao organismo responder a situações de estresse,
como a reação de lutar ou fuga.
Sistema Nervoso Visceral – Parte do sistema nervoso que está relacionada ao controle da vida vegetativa.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 141
Sistema ventricular – Os espaços preenchidos com líquido cerebrospinal dentro do encéfalo, consistindo dos
ventrículos laterais, o terceiro ventrículo, o aqueduto cerebral e o quarto ventrículo.
Substância branca – Termo genérico para designar um conjunto de axônios do sistema nervoso central.
Substância cinzenta – Termo genérico para o conjunto de corpos celulares neuronais no sistema nervoso central.
Substância negra ou nigra – Um grupo de células no mesencéfalo que utiliza dopamina como neurotransmissor.
Sulco – Depressão na superfície do cérebro correndo entre giros vizinhos.
T
Tálamo – Parte dorsal do diencéfalo, altamente interconectada com o neocórtex.
Teleologia – É o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade.
Terminal axonal – Região final de um axônio, normalmente um sítio de contato sináptico com outra célula; também
chamado de botão terminal ou terminal pré-sináptico.
Transecção – Cortes transversais.
Tronco encefálico – O mesencéfalo, a ponte e o bulbo. (Alguns anatomistas incluem o diencéfalo).
V
Vasopressina – Pequeno hormônio que promove a retenção de água e diminui a produção de urina pelos rins;
também denominada hormônio antidiurético (ADH)
Vesícula sináptica – Estrutura delimitada por membrana, contendo neurotransmissores e encontrada no local de
contato sináptico.
Viés de confirmação – Tendência de interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar uma
hipótese inicial.
NEUROPSICOLOGIA SEM NEURA 142
Referências e
Sugestões de Leitura
Referências:
Bear, Mark F. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 2017
Darwin, C. The Expression of the Emotions in Man and Animals. 2ª Ed. New York. Cambridge
University Press. 2009
Brusca R.C.; Brusca G.J. Invertebrados. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2007.
Krebs, Claudia. Neurociências ilustrada. Porto Alegre. Artmed. 2013
Eysenck, M.; Keane, M. Psicologia cognitiva: Um manual introdutório. Porto Alegre. Artmed. 1994
Izquierdo, I. Memória. 3. ed. Porto Alegre. Artmed. 2018
Organizadores: Santos, F. H. dos.; Andrade, M. V.; Bueno, O. F. A. Neuropsicologia hoje. 2ª Ed.
Porto Alegre. Artmed, 2015.
Dalgalarrondo, P. Evolução do cérebro: sistema nervoso, psicologia e psicopatologia sob a
perspectiva evolucionista. Porto Alegre. Artmed. 2011
Dalgalarrondo, P. Psicologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre. Artmed. 2000
Organizadores: Caixeta, L.; Ferreira, S. Manual de neuropsicologia: dos princípios à reabilitação.
São Paulo. Atheneu. 2012
Lent, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociências. 2ª Ed. São Paulo.
Atheneu. 2010
Kandel, Eric R. et al. Princípio de Neurociências. 5ª ed. Porto Alegre. Artmed. 2014
Cosenza, Ramon M.; Guerra, Leonor B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende.
Porto Alegre. Artmed. 2014
Organizadores: Fuentes, D.; Malloy-Diniz, L. F.; Camargo, C. H. P. de.; Cosenza, R. M.
Neuropsicologia: teoria e prática. 2ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 2014
Herculano-Houzel, S. A Vantagem Humana. São Paulo. CIA das Letras. 2017
Damásio, A. R. O Erro de Descartes. São Paulo. CIA das Letras. 2012
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Referências do glossário:
Bear, Mark F. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4ª Ed. Porto Alegre. Artmed. 2017
https://www.wikipedia.org/
Conclusão
Infelizmente chegamos ao final de nossa
primeira jornada.