O Demônio Familiar - José de Alencar
O Demônio Familiar - José de Alencar
O Demônio Familiar - José de Alencar
L C
Obras
José de Alencar
L C
OBRAS
José de Alencar
José Martiniano de Alencar Júnior (1829-1877) foi romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político bra-
sileiro. É um dos maiores representantes da corrente literária indianista. Destacou-se na carreira literária com a
publicação do romance O guarani, em forma de folhetim, no Diário do Rio de Janeiro, no qual alcançou enorme
sucesso. Este romance serviu de inspiração ao músico Carlos Gomes, que compôs a ópera heterônima. Foi escolhido
por Machado de Assis para patrono da cadeira no 23 da Academia Brasileira de Letras.
Consolidou o romance brasileiro ao escrever movido pelo sentimento de missão patriótica. O regionalismo
presente em suas obras abriu caminho para outros sertanistas preocupados em mostrar o Brasil rural. Criou uma
literatura nacionalista, na qual se evidencia uma maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. Suas obras são
especialmente bem-sucedidas, quando o autor transporta a tradição indígena para a ficção. Tão grande foi a pre-
ocupação de José de Alencar em retratar sua terra e seu povo, que muitas das páginas de seus romances relatam
mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele, com o intuito de cada
vez mais abrasileirar seus textos.
Nasceu no sítio Alagadiço Novo, perto de Fortaleza, no Ceará, no dia 1o de maio de 1829. Filho de José
Martiniano de Alencar, senador do império, e de Ana Josefina, em 1838 mudou-se com a família para o Rio de
Janeiro. Com nove anos, José de Alencar e Antônio Gonçalves Dias (futuro poeta), atravessaram o sertão em um
carro de boi e ficaram deslumbrados ao ver um grupo de índios, com penas coloridas, arcos e flechas. Chegando
em Salvador, tomaram um navio e seguiram para a capital do império.
Com dez anos, José de Alencar ingressou no Colégio de Instrução Elementar. Durante a noite, presenciava
os encontros políticos de seu pai. Em sua casa, tramou-se a maioridade de D. Pedro II, decretada em 1840. Com
14 anos, Alencar foi para São Paulo, onde terminou o secundário e ingressou na Faculdade de Direito do Largo
São Francisco. Em 1844, ao ver o sucesso do livro A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, resolveu que seria
escritor de romances. Entregou-se à leitura dos autores mais influentes da época, como Alexandre Dumas, Balzac,
Byron, entre outros.
Em 1847, com 18 anos, escreveu seu primeiro romance, Os contrabandistas (obra inacabada). Em 1848, foi
para Pernambuco, onde continuou seu curso na Faculdade de Direito de Olinda, concluindo em 1851. De volta a
São Paulo, levou o esboço de dois romances históricos – Alma de Lázaro e O ermitão da Glória –, que só seriam
publicados no fim da vida.
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Ainda em 1851, voltou para o Rio de Janeiro,
onde exerceu a advocacia. Em 1854, ingressou no Cor-
O demônio familiar
reio Mercantil, na seção “Ao Correr da Pena“, na qual A peça “O demônio familiar“ foi encenada pela pri-
comentava os acontecimentos sociais, as estreias de meira vez no Teatro do Ginásio do Rio de Janeiro, no
peças teatrais, os novos livros e as questões políticas. dia 5 de setembro de 1857, fundindo uma temática
Em 1855, assumiu as funções de gerente e redator – europeia, como a interferência do dinheiro nas rela-
chefe do Diário do Rio, no qual publicou seu primeiro ções afetivas, com uma temática brasileira, a atuação
romance, Cinco minutos (1856). No dia 1o de janeiro do escravo no interior das casas das famílias brasileiras.
de 1857, começou a publicar o romance O guarani, O objetivo de José de Alencar era produzir uma
em forma de folhetim, que alcançou enorme sucesso e peça original e de efeito moral, capaz de revelar a sin-
logo foi editado em livro. gularidade da comédia brasileira e de educar as famí-
Em 1858, abandonou o jornalismo para ser che- lias no combate a um vício, que era o de permitir a
fe da Secretaria do Ministério da Justiça, chegando a figura do escravo no interior das casas.
consultor com o título de conselheiro, ao mesmo tem-
po em que lecionava Direito Mercantil. Em 1860, com Tema
a morte do pai, candidatou-se a deputado pelo Ceará,
pelo Partido Conservador, sendo reeleito em quatro le- Quanto ao aspecto temático, “O demônio familiar“
gislaturas. Em visita a sua terra natal, encantou-se com apresenta uma ideia curiosa: aparentemente, a peça
a lenda de “Iracema“ e a transformou em livro. é avançada para a época. Em 1857 (ano de estreia
Em 1865, sob um pseudônimo, publicou Cartas da peça), trinta anos antes da abolição da escravidão,
de Erasmo, dirigidas ao imperador, no qual pintava a o tema do abolicionismo soaria aos ouvidos da pla-
situação do país. Defendia um governo forte e propu- teia como algo avançado e contrário aos interesses da
nha uma abolição gradativa da escravatura. Embora elite dominante. Entretanto, a apologia da liberdade
D. Pedro II não simpatizasse com Alencar, não se opôs é apenas aparente, pois a liberdade na peça é vista
a sua escolha para o Ministério da Justiça do Império. como um instrumento de punição. A liberdade traria
Em 1870, foi eleito senador pelo Ceará, porém, com os para o escravo consequências severas, porque ele teria
conflitos com o ministro da Marinha, não foi o escolhi- de aprender com a vida o que não conseguiu assimi-
lar como escravo, como o respeito e a educação. Em
do. Voltou para a Câmara, onde permaneceu até 1877,
outras palavras, a escravidão é um mal não porque o
rompido com o Partido Conservador.
branco subjuga o negro, mas porque a maldade vem
Mesmo no auge da carreira política, José de
do negro. Este paga com tramas e desejos mesquinhos
Alencar não abandonou a literatura. Em 1864, casou-
o bem que lhes queria seus senhores. Em suma, não se
-se com Georgina, com quem teve quatro filhos, entre
trata de livrar o negro da crueldade do branco, mas de
eles, Mário Alencar, que seguiria a carreira de letras do
preservar o branco das maldades do negro.
pai. Viu suas obras atacadas por jornalistas e críticos,
Como a “classe” branca era econômica e poli-
que faziam campanha sistemática contra o romancista.
ticamente a dominadora, podia falar e escrever o que
Triste e desiludido, publicou sob o pseudônimo de Sê-
quisesse, como a mensagem interpretada acima. José
nio. Porém, a maioria o louvava. Durante toda sua vida, de Alencar emprega recursos convencionais para se
procurou trazer para os livros as tradições, a história, fazer entender pelo público, objetivando a educação
a vida rural e urbana do Brasil. Ficou famoso a ponto moral das famílias brasileiras. As principais lições são: a
de ser aclamado por Machado de Assis como “o chefe escravidão é um mal, porque expõe a família à falta de
da literatura nacional“. José de Alencar faleceu aos 48 escrúpulo dos negros; a família é mais importante que
anos, vítima da tuberculose no Rio de Janeiro, em 12 a sociedade, pois é ela que fornece as bases para que
de dezembro de 1877. o indivíduo possa evitar os prazeres excessivos da vida
social; na família, a mulher, por desconhecer os perigos
do mundo, deve sempre agir em nome do verdadeiro
amor; e o dinheiro interfere, de forma negativa, nas
relações afetivas.
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Forma des de Pedro, que fazem com que o herói não se sinta
amado por Henriqueta. Porém, José de Alencar conduz
as confusões da narrativa até o nível das contradições,
que fazem com que a peça atinja um nível superior, ao
expor ao espectador diferentes perspectivas a respeito
dos conceitos em jogo.
Assim, o amor romântico aparece em duas for-
mas distintas: de um lado, o amor contido e confor-
mado de Henriqueta, que se submete às vontades do
destino; e de outro, o amor decidido e ativo de Car-
No que tange ao aspecto formal, a peça não apresenta lotinha, que luta por seu amor, não se rendendo às
novidades, pois emprega recursos típicos da tradição circunstâncias que conduziam à inevitável separação.
teatral para a solução dos problemas de enredo. O A peça vai ainda além: há, de um lado, o amor or-
recurso inesperado surge na forma de uma carta de namental defendido por Azevedo; e de outro, o amor
alforria ao moleque Pedro, funcionando como um ins- que é pura sinceridade proposto por Alfredo. Os dois
rapazes personificam ainda duas posições contrárias a
trumento de punição para a personagem.
respeito da arte brasileira: o afrancesado Azevedo vê
A técnica que liga um ato ao outro da peça é
nela apenas imitação de modelos europeus, enquanto
conhecida como “técnica do gancho”, porque cria um
Alfredo – nesse sentido, porta-voz do autor – destaca
pequeno suspense no final do ato para prender a aten-
seus traços de originalidade e nacionalismo.
ção do espectador. O texto se configura como comédia,
portanto, traz consigo a crítica de costumes, não aos
moldes gregos, pois é romântico, mas com aspectos Contexto
da observação social em perspectiva da não realização
amorosa ou conflitos típicos da ascensão da burguesia. A peça consegue ainda registrar os novos costumes de
uma sociedade que se urbaniza com rapidez. A novi-
dade capitalista atinge as relações sociais, colocando
Escola literária em foco a chamada question d’argent (problemas fi-
nanceiros), um dos temas mais frequentes do nascente
Realismo francês. Ressalve-se que essa questão é fo-
calizada de uma perspectiva romântica, à medida que
desvia os homens de sentimentos verdadeiros. Além
disso, há uma cena em que se relata o interesse que as
vitrines coloridas despertam em Pedro – sugestão de
que aqueles novos hábitos teriam contribuição decisiva
nos desvios morais do menino.
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da escravidão, como forma de tutela sobre o negro que, jeto de casamento da moça com Azevedo, moço rico
de outra maneira, estaria submetido aos desvios mo- recém-chegado de Paris, ao qual ela se submetia para
rais fornecidos pela liberdade plena. Na transmissão auxiliar seu pai, Vasconcelos, a saldar algumas dívidas.
dessa moralidade tão peculiar, destaca-se a imagem Pedro, menino escravo da família de Eduardo,
do herói, Eduardo, moço equilibrado e honrado, cuja assume um papel essencial no enredo, em função de
nobreza de caráter contrasta com os maus princípios suas intromissões na vida amorosa dos amos. Ao mes-
defendidos por Azevedo, com manias europeizadas. mo tempo em que luta para promover a união entre
Carlotinha e Alfredo, usa artifícios para separar Hen-
riqueta e Eduardo, aproximando-o de uma viúva rica
Linguagem interessada nele.
Quando Eduardo descobre tudo, ameaça ven-
der Pedro, mas o menino implora para ficar e se com-
promete a resolver tudo. Começa, então, a desenvolver
ações no sentido contrário, inventando coisas a respei-
to de Henriqueta para fazer Azevedo desistir do casa-
mento. Enquanto isso, Eduardo também se movimenta
no sentido de romper a obrigação do casamento da
amada com Azevedo. Para tanto, salda por conta pró-
pria as dívidas de Vasconcelos.
Procurando agora deixar Henriqueta livre para
seu amo, Pedro busca separá-la de Azevedo. Para tan-
No plano da linguagem, José de Alencar se mostra
to, tenta aproximar este de Carlotinha, provocando
tensionado a mostrar as potencialidades da língua
um mal-entendido entre esta e Alfredo. Mais uma vez,
brasileira. Vai estabelecendo diferenças no nível de lin-
Eduardo descobre todas as ações do moleque e escla-
guagem, de acordo com a localização social do falante.
rece tudo aos familiares e aos envolvidos. Declara seu
Neste tocante, a linguagem será modulada tanto ao
amor a Henriqueta, ao mesmo tempo em que Azevedo
coloquialismo desregrado de Pedro quanto à retórica
se afasta. Alfredo e Carlotinha finalmente tornam pú-
mais educada de Eduardo.
blico seu amor.
Para o moleque Pedro, responsável por todos
Resumo os desencontros da peça, sobra o castigo final: Eduar-
do lhe entrega a sua carta de alforria, o que significa
Peça teatral escrita para ser encenada em quatro atos, deixá-lo, dali por diante, por sua própria conta e sem a
a ação se desenrola na cidade do no Rio de Janeiro, já proteção da família que o acolhia.
na segunda metade do século XIX. A trama gira em tor-
no da família da viúva D. Maria e seu filho mais velho,
Eduardo, que acabara de se formar médico e assume Personagens
a posição de líder familiar. Ele vai auxiliar a condução
dos destinos da irmã Carlotinha (jovem que mantém §§ Eduardo: é um jovem médico, órfão de pai,
um discreto namoro com Alfredo, amigo do irmão) e que exerce o papel de chefe de família. Res-
cuidar também do irmão caçula, Jorge. ponsável pela mãe e pelos irmãos, opõe-se ao
Eduardo possui um escravo particular: Pedro, casamento por interesse.
um moleque nada interessado no trabalho doméstico §§ Carlotinha: é irmã de Eduardo, e procura aju-
e que não perdia nenhuma oportunidade de passear dar a amiga Henriqueta, pois sabe que ela e
pela cidade que se urbanizava. O grande amor de Edu- Eduardo se amam. Porém, Henriqueta foi pro-
ardo é Henriqueta, amiga de Carlotinha, que também metida pelo pai em casamento a Azevedo, em
ama o rapaz. No entanto, a união é impedida pelo pro- troca do perdão de dívidas da família.
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§§ Azevedo: homem rico e pedante, valoriza so- Análise
mente o que é estrangeiro. Deseja casar-se ape-
nas para desfilar com uma mulher bonita nos
Nota-se que José de Alencar, na obra em questão, mos-
salões e, assim, angariar prestígio.
trou alguns comportamentos cariocas do século XIX: o
§§ Alfredo: amigo de Eduardo, é jovem modesto, rico influenciado pela cultura europeia e vivendo em
sincero e de bons princípios; está apaixonado função dela (Azevedo); o falso rico (sr. Vasconcelos); o
por Carlotinha e por ela é correspondido. casamento por interesse financeiro ou social (Vascon-
§§ Pedro: é o escravo da família, que tudo faz celos e Azevedo); a moça virginal e sonhadora (Carlo-
para realizar seu desejo: tomar-se cocheiro, a tinha); o serviçal negro e fofoqueiro (Pedro); a viúva e
fim de ascender socialmente, revelando, assim, mãe exemplar (dona Maria); o verdadeiro amor (Edu-
a postura política do autor. ardo e Henriqueta); e o jovem humilde e nacionalista
(Alfredo).
A trama é leve, a linguagem é objetiva, mes-
Espaço clando termos da língua francesa e da língua portu-
guesa. O objetivo da comédia é provocar riso no pú-
O registro espacial do drama de José de Alencar re- blico e, de forma graciosa, mostrar os comportamentos
produz a preocupação central da peça, que é a de ridículos de uma sociedade. Diferente da crença de que
destacar a vida familiar no Rio de Janeiro na segunda os demônios são causadores do mal, Pedro, o serviçal,
metade do século XIX. Praticamente, todos os atos se age de maneira pensada, desejando o bem para ele
passam na “casa de Eduardo”. e para os demais; quando percebe que causou algum
mal, ele volta e repara.
§§ Cenário: ambientado na casa de Eduardo O personagem está mais para anjo do que para
§§ Ato 1o: gabinete de estudo (cena primeira a XV). diabo. É ele quem dá o tom de humor à narrativa, atra-
§§ Ato 2o: jardim (cena primeira a IX) vés de uma série de confusões. Nota-se, também, que
§§ Ato 3o: sala interior (cena primeira a XVIII) era totalmente improvável o criado Pedro ser tratado
§§ Ato 4o: sala de visitas (cena primeira a XVII) como membro da família de dona Maria, visto que era
§§ Vida urbana: passeio público, Rio de Janeiro escravo. As mulheres da época, superficiais e artificiais,
Os espaços externos aparecem apenas indireta- eram bonecas enfeitadas a fim de laçarem um marido
mente, é possível perceber referências à Rua do Catete, o mais rapidamente possível e domesticá-los Sem dú-
aos hábitos urbanos, como o teatro, as lojas da moda, vida alguma, a peça “O demônio familiar“ é uma obra
e outros recantos mundanos da cidade. considerada abolicionista, vendo sobretudo a questão
pelo lado do senhor (o escravo Pedro introduz na casa
de Eduardo a mentira, a fofoca e a intriga), então, cabe
Tempo à família alforriá-lo (punição) pelo mau comportamen-
to do negro escravo.
Os três primeiros atos da peça ocorrem em um único
dia. O quarto ato ocorre um mês após os acontecimen-
tos do final do terceiro ato.
Foco narrativo
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Aprofunde seus conhecimentos
1. Leia atentamente o trecho retirado da peça 2. Leia a seguinte passagem de “O demônio fa
teatral “O demônio familiar“, de José de miliar“.
Alencar.
EDUARDO: Por que, minha irmã? Todos de O texto teatral, exemplificado pelo trecho
vemos perdoar-nos mutuamente; todos so acima, apresenta se melhanças com o tex
mos culpados por havermos acreditado ou to narrativo por utilizar personagens, re
consentido no fato primeiro, que é a causa presentar ações e marcação de tempo e espa
de tudo isto. O único inocente é aquele que ço. No texto teatral:
não tem imputação, e que fez apenas uma a) as ações das personagens são descritas por
travessura de criança, levado pelo instinto um narrador, sendo este o mediador da nar-
da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autô rativa.
nomo homem; restituo-o a sociedade, porém b) as falas das personagens são diluídas no tex-
expulso-o do seio de minha família e fecho to, sendo confundidas com a voz do narra-
-lhe para sempre a porta de minha casa. (A dor.
Pedro) Toma: é tua carta de liberdade, ela c) as características das personagens são reve-
será a tua punição de hoje em diante, porque ladas por meio de suas falas e assim a ação é
as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; conduzida por elas mesmas.
porque a moral e a lei te pedirão uma conta d) as vozes das personagens são importantes
severa de tuas ações. Livre, sentirás a neces para a construção da narrativa, embora haja
sidade do trabalho honesto e apreciarás os a voz de um narrador onisciente.
nobres sentimentos que hoje não compreen e) as atitudes das personagens são conduzidas
des. (Pedro beija-lhe a mão) por um narrador intruso, embora o conflito
AZEVEDO: Mas agora, por simples curiosida esteja nos diálogos.
de, diz-me, Gamim, que interesse tinhas em
desfazer o meu casamento? 3. Um dos motores essenciais do riso na comé
PEDRO: Sr. moço Eduardo gosta de sinhá dia é o quiproquó, situação na qual equívo
Henriqueta! cos, mentiras, trocas de objetos ou de pessoas
AZEVEDO: Ah!... Bah!... acabam por gerar confusões que alimentam
EDUARDO: Sim, meu amigo. Eu amo Henri o conflito dramático. Logo nas primeiras
queta e para mim esse casamento seria uma cenas de “O demônio familiar“, de José de
desgraça; para o senhor era uma pequena Alencar, há referência a um quiproquó, ins
questão de gosto e para seu pai um compro taurado quando Pedro:
misso de honra. Hoje mesmo pretendia sol a) entregou a Azevedo uma carta de Carlotinha
ver essa obrigação. Aqui está uma ordem so destinada a Henriqueta, levando Alfredo a
bre o Souto; O Sr. Vasconcelos nada lhe deve. sentir-se enganado.
VASCONCELOS: Como? Fico então seu devedor? b) distorceu as palavras de Azevedo, induzindo
EDUARDO: Essa dívida é o dote de sua filha. Vasconcelos a se indispor com o pretendente
HENRIQUETA: Oh! Que nobre coração! de Henriqueta.
EDUARDO: Quem mo deu? c) inventou falsas pretensões de Vasconcelos e
HENRIQUETA: Sou eu que sinto orgulho em
este se irritou, indispondo-se com Azevedo.
lhe pertencer, Eduardo.
d) entregou a Azevedo uma violeta, inventan-
(O demônio familiar, José de Alencar)
do ter sido enviada, com um beijo, por Car-
lotinha.
Sobre a peça, é incorreta a alternativa: e) mentiu a Eduardo sobre Henriqueta e este
a) A atmosfera da classe burguesa do século fechou sua janela, fazendo a jovem sentir-se
XIX é apresentada em tonalidades românti- desprezada por ele.
cas.
b) Ideologicamente, subjaz a ideia de que a es-
4. Em “O demônio familiar“, de José de Alen
cravidão não é tão maléfica, e que a relação
car, o personagem que dá título à peça é:
entre patrões e escravos é cordial.
a) Eduardo.
c) O papel conferido à mulher representa a su-
b) Alfredo
balternidade e a submissão características
c) Azevedo.
do patriarcalismo burguês.
d) Vasconcelos.
d) A história dramatiza as relações familiares
e) Pedro.
em que o escravo é recompensado com a al-
forria, em paga de seus serviços domésticos.
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5. Leia atentamente o trecho retirado da peça 8. Leia atentamente o trecho retirado da peça
teatral “O demônio familiar“. teatral “O demônio familiar“.
EDUARDO (a Pedro): Toma, é a tua carta de
EDUARDO: Os antigos acreditavam que toda a
liberdade, ela será a tua punição de hoje em
casa era habitada por um demônio familiar,
diante, porque as tuas faltas recairão unica
do qual dependia o sossego e a tranquilidade
mente sobre ti; porque a moral e a lei te pe
das pessoas que nela viviam. Nós, os brasi
dirão uma conta severa de tuas ações. Livre,
leiros, realizamos infelizmente esta crença;
sentirás a necessidade do trabalho honesto
temos no nosso lar doméstico esse demônio
e apreciarás os nobres sentimentos que hoje
familiar. Quantas vezes não partilha conos não compreendes. (Pedro beija-lhe a mão.)
co as carícias de nossas mães, os folguedos Ao entregar a carta de alforria a Pedro, Edu
de nossos irmãos e uma parte das atenções ardo afirma que ela será, para o escravo ago
da família! Mas vem um dia, como hoje, em ra liberto, uma punição.
que ele, na sua ignorância ou na sua malícia, a) Por que, segundo Eduardo, a carta de alfor-
perturba a paz doméstica; e faz do amor, da ria será uma punição para Pedro?
amizade, da reputação, de todos esses obje b) No contexto da peça, qual a visão de José de
tos santos, um jogo de criança. Este demônio Alencar sobre a abolição da escravidão?
familiar de nossas casas, que todos conhece
mos, ei-lo.
a) A quem Eduardo se refere como “demônio
familiar”?
b) Qual é o principal desejo do “demônio fami-
liar”?
c) Segundo Eduardo, o que o torna um “demô-
nio familiar”?
7. ATO IV
Em casa de Eduardo. Sala de visitas.
Cena primeira
Eduardo, Henriqueta, Carlotinha, Pedro
(Carlotinha na janela; Pedro sacudindo os
tapetes.)
CARLOTINHA (baixo, a Pedro): Não passará
ainda hoje?
PEDRO: Não sei, nhanhã.
CARLOTINHA: Está doente?... Zangado comi
go?... Por quê?
PEDRO: Não se importe mais com ele! Há
tanto moço bonito! Sr. Azevedo... (Pedro vai
colocar o tapete e sai.)
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Gabarito
1. D 2. C 3. E 4. E
5.
a) Eduardo refere-se ao seu escravo Pedro.
b) O principal desejo de Pedro é tornar-se
cocheiro.
c) O que o torna um “demônio familiar” é o
fato de o escravo menosprezar todo o afe
to que lhe é dedicado pelos seus senhores
e agir sempre de acordo com interesses
inescrupulosos. Pedro não consegue ab
sorver a moral, o carinho e o afeto da
família em que se encontra, agindo so
mente em função de uma ambição mes
quinha, que é a de tornar-se cocheiro de
amos ricos.
6.
a) O artifício são as traquinagens do escra
vo Pedro, que, em nome do seu desejo de
tornar-se cocheiro, procura aproximar
seus senhores de pessoas ricas.
b) Sim. As traquinagens de Pedro o trans
formam no “demônio familiar”, capaz de
comprometer a moralidade de uma famí
lia. O objetivo maior de Alencar parece ser
uma defesa da abolição, não pelo absurdo
da exploração do trabalho do negro, mas
pelo fato de este só trazer malefícios para
a família brasileira.
7.
a) O amado de Carlotinha é o moço Alfredo.
b) Alfredo anda ausente por motivo de uma
traquinagem de Pedro. Este lhe mostrou
uma carta escrita por Carlotinha e desti
nada a Henriqueta. Como gracejo, Carlo
tinha havia escrito no envelope o nome
do destinatário – Madame Azevedo. Pedro
ocultou o primeiro nome do sobrescrito
com o dedo, mostrando a Alfredo o nome
de seu rival no amor, Azevedo, dizendo
-lhe que a carta era destinada a ele.
8.
a) Porque, uma vez livre, Pedro não contará
mais com a proteção de seu senhor, de
vendo responder pelos seus atos. Livre,
Pedro terá que aprender sozinho os valo
res que não conseguiu absorver na convi
vência com uma família honesta.
b) No contexto da peça, Alencar vê a abolição
como algo necessário para o bem-estar da
família, pois os desejos mesquinhos dos
escravos não condizem com a nobreza e a
dignidade de uma família de “bem”. Sua
visão é a de que o negro não merece ser
escravo do branco, pois não sabe e não
consegue entender os valores dignos que
lhe são transmitidos pelos seus senhores.
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