Como, Onde e Quando Nasceu A Língua Portuguesa
Como, Onde e Quando Nasceu A Língua Portuguesa
Como, Onde e Quando Nasceu A Língua Portuguesa
No texto “Como as línguas nascem e morrem”, você viu que as línguas pertencem a
famílias, sendo que o Português faz parte da família das línguas românicas, que por sua
vez descendem do Latim, que por sua vez descende do Indoeuropeu. Ótimo, já temos
uma árvore genealógica!
Para saber como, onde e quando nasceu a Língua Portuguesa, precisaremos em primeiro
lugar entender o que é a Europa Latina.
Índice:
Pra começo de conversa, você sabia que existe a América Latina, mas sabia também que
existe uma Europa Latina? Pois é, além de América Latina também existe uma Europa
Latina. É isso mesmo, só que ao contrário. É porque existiu uma Europa Latina que
temos hoje uma América Latina, onde se falam o Português, o Espanhol e o Francês,
trazidos pelos colonizadores.
Este mapa mostra como se deu a formação do Império Romano, e aqui nos interessam
apenas os territórios da Europa.
Para entender como o Império Romano foi sendo construído, leia esse mapa assim:
Vermelho: 133 a. C.
Laranja: 44 a.C.
Amarelo: 14 d. C.
Verde: 117 d.C.
Vejamos agora como a invasão romana da Península Ibérica teve como um de seus
resultados a formação da Língua Portuguesa.
2. Como foi que os romanos invadiram a Península Ibérica? (197 a.C. – 400 d.C.)
Os romanos invadiram a Península Ibérica entre 197 antes de Cristo e 400 depois de
Cristo. Quem diria, dois mil anos mais tarde, nós aqui no Brasil estamos falando uma
língua latina! Quando os romanos conquistaram a Península Ibérica eles atiraram (lanças
e flechas) no que viam (os coitados dos ibéricos) e acertaram no que não viam (os povos
da América Latina).
Será que os romanos tinham isso em mente? Claro que não, Zezinho, eles nem sabiam
que existiam terras do outro lado do “mar oceano”, muito além do mundo mediterrâneo
onde eles passearam suas hostes e suas frotas de comércio.
Mas enfim, o que levou os romanos a invadirem a Península Ibérica foi uma razão tão
simples quanto antiga: a ambição humana.
Uma resposta mais precisa nos fará viajar para Cartago, cidade localizada no norte da
África, atualmente Túnis. Já ouviu falar nas Guerras Púnicas? Pois é, os romanos
precisaram de três delas para acabar com o poderio dos cartagineses, povo descendente
dos fenícios, que tinham instalado sua matriz em Cartago, e que concorriam com os
Romanos nas rotas comerciais do Mediterrâneo. Então por que essas guerras foram
chamadas “púnicas”? Porque fenício em grego é phóinikos, palavras que os romanos
adaptaram para púnico. Você já sabe que o Latim Vulgar importou muitas palavras do
Grego; phóinikos foi mais uma delas.
O fato é que os cartagineses / púnicos tinham dominado a bacia mediterrânea, comprando
e vendendo produtos em sua rede de filiais ali instaladas, além de fabricarem eles
mesmos tecidos e outras mercadorias.
Eles tinham conquistado uma parte da Península Ibérica, de onde extraíam prata.
Derrotados pelos romanos em sua cidade-matriz, estes foram atrás de suas possessões, e
foi assim que a Península Ibérica entrou na dança. Quem diria que o interesse pela prata e
pela rede comercial criada pelos cartagineses daria nascimento, bem mais tarde, ao
Português, hein? Roma, a primeira potência globalizada do Ocidente, à medida que
estirava seus músculos pelo mundo então conhecido, implantava o Latim. Sem saber,
plantava também uma rede lingüística muito importante, a Rede Línguas Românicas SA.
A invasão romana começou no séc. II a.C – curiosamente, antes mesmo que eles
tomassem a Gália Cisalpina, sua vizinha, o que só ocorreria no séc. I a.C.
O sul da Península foi rapidamente submetido, mas o norte e o centro permaneceram por
muito tempo na mão dos antigos donos do negócio. O norte foi particularmente
resistente, graças à chefia de Viriato, chefe dos Lusitanos. Em 139 a.C. eles foram
atraiçoados e eliminados pelos romanos. Um ano antes tinha sido fundada a cidade de
Felicitas Julia Olisipo, atual Lisboa.
Da entrada pelo sul resultou a Hispânia Ulterior, formada pela Bética e pela Lusitânia, e
habitada pelos Verrones e pelos Lusitani: dessa direção resultaram o Galego e o
Português. O texto de Júlio César que você leu trata de um episódio ocorrido na Hispânia
Ulterior, em que a Pax Romana esteve ameaçada.
Por que “ulterior” e “citerior”? É fácil: olhando o novo território desde Roma, a primeira
Hispânia era mais distante, mais para lá (“ulterior”), e a segunda era mais próxima, mais
para cá (“citerior”).
É isso aí: quanto mais desenvolvida uma cultura, tanto mais conservadora sua língua. Ao
contrário, quanto menos desenvolvida uma cultura, tanto mais inovadora sua língua.
Uma cultura menos desenvolvida não cultiva esse sentimento, e a comunidade está mais
aberta às tendências próprias de mudança lingüística, tanto quanto às influências de
outras culturas. Conserva-se menos o estágio lingüístico herdado dos antepassados, logo
alterado pelas mudanças gramaticais. É isso que se entende por “inovadorismo
lingüístico”.
As línguas são, entretanto, mais complexas do que um quadro esquemático como o que
acabo de desenhar poderia representar. Assim, o conservador Português passou à frente
do Castelhano inovador quando perdeu o –n- e o –l- intervocálicos, conservados por este.
É o que se verifica, comparando aas palavras latinas como palu, germanu com as
castelhanas palo, hermano, em que se conservaram essas consoantes, e as portuguesas
pau, irmão, em que elas foram omitidas, surgindo como inovações os ditongos oral au e
nasal ão, sendo este uma novidade em termos de Latim.
Olhando essas e outras palavras, qual dessas línguas mudou mais? Casos como estes são
muito freqüentes, você poderia procurar outros consultando a bibliografia. Eles mostram
que a oposição “conservadorismo / inovadorismo” não pode ser tomada como uma
verdade absoluta.
Agora que ficou clara a importância do Latim Vulgar, seria o caso de de ler algum texto
escrito nessa língua.
Pois é, meu caro, desta vez não vai dar! O Latim Vulgar era só falado, e falado por quem
não dominava a escrita – sendo que naqueles tempos, ainda por cima, poucos indivíduos
dominavam a escrita. Para piorar as coisas, os japoneses ainda não tinham inventado o
gravador eletrônico portátil. O jeito então é comparar as línguas românicas entre si, pois
sendo descendentes do Latim Vulgar, guardaram traços dele. É como diziam os antigos:
“quem sai aos seus não degenera”. Lembre-se de que no texto “Como as línguas nascem
e morrem?” se mostra que o Indoeuropeu, também uma língua de gente analfabeta
(“ágrafos” é mais elegante), teve de ser reconstituída a partir da comparação de suas
línguas-filhas. No caso do Latim Vulgar, a coisa se repetiu, e o método histórico-
comparativo* atacou de novo!
Esse é o caso do de uma famosa listinha preparada pelo gramático Probo, que deve ter
vivido no séc. III d.C. Para evitar que seus alunos usassem formas vulgares, fez uma lista
de palavras separadas pelo advérbio non. A palavra da esquerda era culta, e deveria ser
utilizada, a da direita era latino-vulgar, e deveria ser evitada. Não sei se o método de
Probo deu certo, mas o bom da história é que ele nos deixou uma relação de palavras
latino-vulgares que não poderíamos ter obtido de outra forma.
O Latim Vulgar trazido para a Ibéria era mais arcaico que aquele levado para a Gália, e
este, por sua vez, era mais arcaico que aquele levado à Dácia, atual Romênia, conquistada
no ano 107 d.C.: olhe de novo o resumo sobre as duas Românias para entender bem isto.
A formação da Língua Portuguesa é uma história que pode ser contada em pelo menos
cinco capítulos:
(1) Latinização da Península Ibérica e contactos lingüísticos com os povos pré e pós-
romanos, de que resultou a formação do Romance Ibérico.
(2) Transformações do Romance Ibérico do noroeste da Península Ibérica no
Português Arcaico.
(3) O Português Arcaico sofreu mudanças, o que permite dividi-lo em duas fases:
primeira fase, a do Galego-Português, vai de 1100 a 1350; a segunda fase, a do
Português propriamente dito, vai de 1350 a 1540.
(4) Português Moderno, com duas fases: primeira fase, séculos XVI a XVIII (1540 a
1750); segunda fase, século XIX.
(5) Português Contemporâneo: séculos XX a XXI.
Vamos nos limitar neste texto aos três primeiros capítulos. Para facilitar as coisas, veja no
seguinte esquema como o Latim Culto morreu, e como o Latim Vulgar foi se
multiplicando na Europa Latina:
4. 1 O período do Romance (600-1000).
Os cidadãos romanos tinham consciência das variedades de Latim que estavam usando,
tal como hoje, quando distinguimos o Português Culto do Português Popular. Naquele
tempo, as variedades do Latim eram reconhecidas e designadas pelas expressões latine
loqui, isto é, falar Latim Culto, e romanice loqui, isto é, falar o Latim Vulgar dialetado
que se espalharia pela Europa.
O período Romance não é conhecido em detalhes. Tudo o que se sabe é que o Romance
variava geograficamente, e já não podia mais ser considerado como Latim, dadas as
profundas alterações operadas na gramática da língua de Roma, nem era ainda algumas
das línguas românicas que hoje conhecemos. A própria duração do Romance variou no
tempo: na França, ele parece ter sido extinto em 800, quando surge o primeiro documento
em Francês, os Juramentos de Estrasburgo, de 838. Na Ibéria o “prazo de validade” do
Romance foi mais extenso, e ele deve ter sobrevivido até 1100. Você sabe, os bons ares
do lugar, o azeite, o queijo e o vinho...
As muitas diferenças na formação sociohistórica das línguas românicas podem ser melhor
entendidas quando se reconhecem dois grandes domínios do Romance da Alta Idade
Média, o Romance Ocidental e o Romance Oriental.
Vamos agora comparar duas línguas originárias das “duas Românias”: o Português e o
Italiano. Será verdade que as diferenças entre elas se limitou à formação do plural,
conforme sugerido acima? Não mesmo! Observe o próximo Quadro e tire você mesmo
suas conclusões.
Qual dessas línguas se mostra mais próxima do Latim Vulgar? Em que elas se
aproximam, e em que elas se afastam de sua língua-mãe? Consulte uma gramática das
duas línguas, organize alguns quadros comparativos e localize outros pontos de contacto
e de afastamento. Assim são as línguas, muito complexas mesmo quando aparentadas.
A Ibéria não era nenhum deserto humano quando os Romanos chegaram. Eles
encontraram aqui os Vascos ou Iberos, aquele povo não Indoeuropeu, e ainda os Celtas,
os Ambroilírios, os Fenícios ou Cartagineses (a quem derrotaram) e os Gregos. Leia no
quadro a seguir uma síntese da história desses povos.
Gasconha,cujo nome,
aliás, resultou de dos
Vasconia,terra
Vascos. Sua importância é
tanta, que eles acabaram por dar seu nome patronímico ao território, a Ibéria.
Nenhum desses povos conseguiu preservar sua língua diante do avanço romano,
com exceção dos Bascos. O Latim Vulgar receberia deles contribuições lexicais, tendo
preservado sua morfologia e sua sintaxe. É por isso que o Galego, o Português e o
Castelhano mantêm até hoje uma gramática neolatina.
Palavras oriundas do Celta: sufixo –essu > -és (em Algés, Arbués), briga e dunum
“fortaleza”, palavras que entraram na composição dos topônimos Conímbriga >
Coimbra, Lugdunum > Lião, Vinodunum > Verdun, carrus > carro, carruca >
charrua, por importação francesa, substituindo-se a palavra latina aratrum,
manteiga, bragas “roupa branca” (e, por etimologia popular barriguilha, formado
a partir de braguilha), sagum > saio / saia, camisa, cogula “veste sacerdotal”,
brio, caminho, légua, caballus> cavalo, que suplantou o latim equus, preservado
no português como o feminino égua, gato, bico, cabana, cerveja, trado, lança,
cumba “vale”, no topônimo Santa Comba Dão (em que deve ter havido uma
reinterpretação de comba como colomba, donde o “santa”), cambiare > cambiar,
que em alguns casos suplantou a palavra latina correspondente mutare, basium >
beijo e basiare > beijar.
Lendo essas listas, você pode se perguntar o seguinte: que sons se repetem nas palavras
bascas? Que domínios do vocabulário foram enriquecidos pelas palavras herdadas dos
povos pré-romanos? Dá para conversar bem, mesmo não usando essas palavras?
A Península Ibérica não virou um paraíso na terra só porque os romanos tinham chegado
e tomado conta do pedaço.
Estavam os descendentes dos romanos muito felizes com suas novas propriedades
hispânicas, quando o lugar entrou na mira dos germanos. Logo os germanos, que tanta
confusão já tinham armado no coração mesmo do Império, e que acabariam por dar-lhe
fim, em 497 d.C! Mas não apenas os germanos fizeram estrepulias no lugar! Mal
começada a Era Moderna, lá vieram os Árabes acabar com a graça dos descendentes dos
invasores germânicos. Vejamos isto.
4.4.1 Os germanos
Desses grupos, vieram para a Ibéria a partir de 409 d.C. os Visigodos, os Suevos, os
Alanos e os Vândalos. Os Alanos tomam a Lusitânia, mas são logo repelidos. Os
Vândalos tomam a Bética – cujo nome mudam para Vandaluzia, atualmente Andaluzia -
mas logo passaram à África, devastando as províncias romanas da Mauritânia e
Tingitânia. Os Suevos criaram em 429 um importante reino na Gallaecia, com capital em
Braga, tendo sido conquistados pelos Visigodos. Esse reino teve fim em 585.
No mapa a seguir você pode fazer uma idéia da importância dos Germanos nesta altura
da história européia:
A grande importância lingüística da invasão germânica está em que seu domínio libertou
as potencialidades diferençadoras da península em relação a Roma, não mais considerada
como metrópole. Formou-se um sentimento nacional, e entre os sécs. VI e IX o Latim
Vulgar Hispânico, matizado pelos germanismos, começou a dialetar-se nos diversos
Romances de que surgiriam a partir do séc . X as línguas românicas ibéricas.
Como os germanos tinham entrado em contacto com os romanos desde o séc. I, suas
contribuições léxicas devem ser consideradas segundo o grupo germânico de que
procedem e segundo o local em que se deu o contacto. Há, em conseqüência, (1) palavras
vindas do germânico ocidental (como os Francos) ou do germânico oriental (como os
Godos) que penetraram no Latim Vulgar independentemente da invasão da Península
Ibérica; (2) palavras germânicas regionais, introduzidas durante o período Romance
(germanismos francos na Gália, atual França, longobardos na Itália, burgúndios,
ostrogodos e visigotos em outras áreas; (3) franquismos e galo-romanismos difundidos
mais tarde, com a expansão do Império Carolíngio e da cultura provençal e francesa,
durante a Idade Média.
Substantivos comuns: elmo, orgulho, aleive, laverca, sabão, burgo, guerra (que
suplantou Latim bellum), brasa, trégua, luva, espora, albergue, fralda, coifa,
feudo, embaixada, rico, branco, bruno, guisa “maneira”, donde guisado
“disposto, arranjado”, parra, ufano, íngreme, aio, aleive (donde aleivosia,
“calúnia”), ganso, bramar, guardar, roubar, gastar, britar, agasalhar, gabar-se,
guarir e guarecer “curar”, sufixo –engo (avoengo, realengo, solarengo,
abadengo), sufixo –ardo (bastardo).
4.4.2 – Os árabes
Por volta de 710, a monarquia visigótica entrou em séria crise, registrando-se lutas entre
católicos e arianos, nortistas bascos e sulistas visigodos. O Conde Julião, visigodo, abre
as portas de Ceuta aos árabes e pede uma expedição que tome a Península Ibérica.
Os árabes ficaram 552 anos em Portugal, de onde foram definitivamente expulsos com a
tomada de Algarves e sua inclusão em Portugal, no ano de 1263, após um acordo com
Castela.
Eles ficaram mais tempo na Espanha, 781 anos, tendo sido expulsos após a captura de
Granada, em 1492.
Os árabes trouxeram para a Ibéria sua desenvolvida cultura, que incluía desde a
Agricultura até a Filosofia, passando por uma extraordinária Arquitetura preservada até
hoje. Tendo traduzido para o árabe os clássicos gregos, salvaram para o Ocidente textos
como os de Aristóteles, destruídos na Europa pela intolerância cristã. O maior esplendor
de sua cultura ocorreu na região chamada “Al Andalus”, palavra adaptada de Vandaluzia,
no sul da península. A cultura aqui desenvolvida foi superior à africana, caracterizando-se
por uma grande tolerância religiosa e politica. A Lex Visigothorum foi mantida, os
costumes, usos e os juízes hispânicos foram conservados. O desenvolvimento literário foi
muito intenso, a ponto de pensarem alguns historiadores da literatura que a poesia lírica
medieval da Península Ibérica seja de origem árabe. Estudos lingüísticos foram
cultivados, para as explicações do Alcorão. Desenvolveu-se a História e a Geografia, em
que se sobressaíram Ben Haiane, Benelabar, Benalcatibe, Ben Saíde, a Filosofia, a
Medicina, a Botânica, a Agricultura e a Arquitetura, além da Música.
Detalhar tudo o que ocorreu no período escapa às limitações deste texto. Basta que se
diga que a chegada árabe dividiu a sociedade hispano-romana em três segmentos sociais:
As carjas mesclavam palavras moçárabes, árabes e hebraicas, e mostram que nos sécs. XI
e XII tinha existido uma lírica tradicional, a que viriam a assemelhar-se as cantigas
d’amigo galego-portuguesas, que só surgiriam no século seguinte. Entretanto, este ponto
segue inconcluso, não se podendo afirmar que a poética árabe peninsular deu surgimento
a um movimento artístico que poderia ter sido criado pelos Gallaeci, anteriores aos
árabes.
As carjas foram descobertas em 1948 por S. M. Stern, a que se seguiu em 1952 o trabalho
de Emilio García Gómez, que publicou as muaxahas completas, aí incluídas as carjas.
Carjas hebraicas
en, Vem, meu senhor, vem,
) es tanto ben(i) D’este az-zameni. O querido é um grande bem Deste momento.
’Ibn ad-Dalleni Valse mie w o qorachón de míb,Vem,
Ya Rabb!
flho de
Se Ibn
se me
ad-Dalleni
tornarad?Vai-se
Tan mal
de mim
me du
meu
wóled
coração
li-l-habib,
Ai senhor! Acaso me voltará? Tanto me dói pelo
ed: Kuwand sanarad? (que) está doente: quando sarará?
É evidente a proximidade destas carjas com as canções d’amigo, em que uma mulher fala
pela boca do poeta, confessando seu amor à sua mãe e às suas amigas, ou mesmo
formulando seu desejo com a clareza das composições acima.
Olhe aqui como se deu a ocupação (e a desocupação) da Península Ibérica pelos árabes:
Vejamos agora algumas palavras árabes que penetraram no Português
Com a chegada dos árabes, o que aconteceria aos romances ibéricos, que tinham
começado a se desenvolver em razão da colonização romana do território?
Desapareceram? Claro que não. Se a tradição latina da península tivesse desaparecido,
hoje estaríamos falando alguma variedade do árabe. Isso não aconteceu graças aos
moçárabes e ao movimento da Reconquista. Assim, parece que a história se repete: os
invasores germanos cortaram os laços da Ibéria com Roma. Os invasores árabes uniram
os hispano-romanos cristãos em movimentos guerreiros que consolidaram a cultura
romana. Vamos ver isso de perto.
Entre 711 (chegada dos árabes) e 1492 (expulsão dos últimos árabes) formaram-se os
reinos cristãos da Ibéria e surgiram as línguas românicas na península. Foi lento o
movimento da Reconquista, que ganhou um grande impulso já a partir do ano de 930.
O Português Arcaico foi falado e escrito entre os sécs. XIII e XVI, mais precisamente, até
o ano de 1540.
Se há um assunto complicado é o da datação das línguas e das fases históricas pelas quais
elas passaram. Pense um pouco. A história dos povos exige datas, afinal ela é uma
narrativa de eventos que se dispõem na linha do tempo. Até aí tudo bem. O problema é
que na história das línguas só podemos datá-las através de documentos nos quais elas
apareçam escritas. Ora, quando uma dada língua chega a ser escrita, é por que já vinha
sendo falada há muito tempo! Há quanto tempo? Impossível saber. De modo que vamos
olhar estas datas todas com um pé atrás, entendendo que elas são aproximativas.
Neste quadro de dificuldades, diversos autores têm trabalhado com a hipótese de que o
Português surgiu quando se deixou de escrever documentos no Romance do Noroeste da
Península, adotando-se a língua que decerto já vinha sendo falada há tempos. Ora, isso se
deu por volta de 1200, talvez um pouco antes, isto é, entre o séc. XII e o séc. XIII. Logo,
podemos dizer – até que se descubram documentos mais antigos – que o Português se
formou nessa data, e que portanto já existe há 800 anos. Velhinho, hein? Pois não é não.
O Francês é pouco mais de três séculos mais velho, e o Castelhano existe desde 900 e tal.
Imagine então a idade das línguas da Índia, da China e do Japão!
Se você quiser ver o quanto se tem quebrado a cabeça para datar o Português e
reconhecer suas fases históricas, leia Mattos e Silva (1994). Segundo essa autora, o
Português Arcaico passou por duas fases: a primeira fase, também conhecida como a do
Galego-Português, vai de 1100 a 1350; a segunda fase vai desta data até 1540.
Esses primeiros documentos são diplomas reais, diplomas particulares, leis locais e leis
gerais. Língua literária mesmo ocorreria, igualmente no começo desse século, com a
extraordinária floração da poesia lírica, reunida nos cancioneiros: Cancioneiro da Ajuda,
Cancioneiro da Vaticana, Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa.
Três categorias de poesia são recolhidas nesses cancioneiros: (1) as cantigas de amor, de
inspiração provençal, em que fala o homem, (2) as cantigas de amigo, mais populares, em
que fala a mulher, e (3) as cantigas d’escarnho e mal dizer, poemas satíricos,
habitualmente grosseiros.
Segundo Castro (1991: 185), esses documentos foram escritos em duas áreas territoriais:
a primeira área corresponde a Galiza e o noroeste de Portugal, até o rio Mondego, área
em que os árabes não conseguiram fixar-se; a segunda área, menos povoada porém mais
extensa, administrada pelas ordens militares, compreende o nordeste e o resto de
Portugal, ao sul do Mondego.
Levou tempo para que se tomasse consciência do Português como uma nova língua.
Tiveram importância nesse ofício duas instituições, que agiram como centros irradiadores
de cultura na Idade Média: os mosteiros, onde se levavam a cabo traduções de obras
latinas, francesas e espanholas (Mosteiros de Santa Cruz e Alcobaça) e a Corte, para a
qual convergiam os interesses nacionais. Escreviam ali fidalgos e trovadores,
aprimorando a língua literária.
Constituída essa consciência lingüística, passamos ao século XVI, quando o debate hoje
rotulado como “a questão da língua”, além da publicação das primeiras gramáticas e
dicionários, focalizaram a importância do Português, sua expansão e sua oposição ao
castelhano.
Gramáticos portugueses dos séculos XVI e XVII proclamam as virtudes da língua pátria,
capaz de veicular quaisquer tipos de sentimentos e arrazoados. Eles se opunham àqueles
que julgavam as línguas românicas veículos toscos, insuficientes para as altas criações do
espírito. E aqui entra Camões, com seus célebres versos
Paralelamente a isso, diversos autores portugueses “castelhanizam”, não por uma suposta
inferioridade da Língua Portuguesa, mas por ser a castelhana culturalmente mais
importante e de maior penetração. Esse sentimento da Língua Portuguesa como
culturalmente menos importante levou Fernão de Oliveira a pregar sua propagação, pois
são os homens que fazem a língua, e a valorizar a clareza de sua pronúncia, argumento
que se tornou tópico. João de Barros, por sua vez, aconselha o policiamento da língua
pelo uso, conceito que tomou de empréstimo a Cícero.
Na fase final do século XVIII a Arcádia Lusitana propõe o Francês como exemplo,
movendo a cultura portuguesa de uma sujeição para outra. O fluxo gaulês se avoluma,
provocando o renascimento da questão da língua. A Academia Real das Ciências arvora-
se em defensora da pureza do idioma (donde o glossário de francesismos do Cardeal
Saraiva), propondo uma volta aos clássicos de quatrocentos e quinhentos.
Finalmente, o Romantismo vem encontrar os gramáticos atentos ao gênio da língua e ao
papel do povo em sua elaboração. Já agora a questão da língua é entregue à ciência,
personificada em Francisco Adolfo Coelho, fundador da Linguística Portuguesa. A
história da língua passa a incorporar a língua não escrita. E nisto estamos.
Depois, leia algumas narrativas, como a Demanda do Santo Graal e esta amostra da
Crônica Geral de Espanha, edição crítica do texto português por Luís Felipe Lindley
Cintra. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1954, vol. II, pág. 126. O interesse
em ler este texto está em que você leu Júlio César diretamente no Latim. Olhe o que
aconteceu com esse texto durante a fase medieval de nossa língua.
A Crônica Geral de Espanha foi escrita no século XIV. Luís Felipe Lindley Cintra editou
a obra em 4 volumes. O trecho selecionado pela Linha do Tempo levará você de volta ao
livro de Júlio César, De Bello Hispaniensis, pois escolhemos da Crônica parte do Cap.
80, intitulado Como Julyo Cesar foi aas Spanhas contra os filhos de Pompeo que
andavam aló. Achou esquisito esse aló? Pois é, naqueles tempos as expressões locativas
eram mais completas que hoje. Havia aqui, ali, e acó, aló. Que tal você sair por aí usando
essas formas? Procure entender nos livros sobre Português Arcaico acima indicados
(naqueles tempos se diria “suso indicados”) as palavras que causarem estranheza. Você
está tendo um primeiro encontro com os arcaísmos.
“Depois que Julyo Cesar venceo a grã batalha de Tasalia, onde se perdeo
Pompeo, e os feytos que fez no Egipto e nas terras que sojugou e meteu sob o seu
poderio, e tornouse para Roma muy honrrado, como aquel a que todo o mundo em
aquel tempo era so (= sob) seu senhorio e todos lhe obedeeciam.
14. Glossário
Texto: Diz aí, como era mesmo esse Latim Vulgar? (Link3)