Estudo - Cisto Linfoepitelial

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Relato de Caso / Case Report

Cisto linfoepitelial oral em borda lateral de língua : relato


de caso
Oral lymphoepithelial cyst in lateral surface of the
tongue: case report
Raniel Fernandes Peixoto1, Cyntia Helena Pereira de Carvalho2, Cassiano Francisco Weege Nonaka2, Éricka Janine Dantas da
Silveira3

1
Bolsista de iniciação científica (PIBIC/CNPq) – Base de Pesquisa em Patologia Oral – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN
2
Doutorando – Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
3
Professora Doutora – Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

DESCRITORES: RESUMO
Cisto linfoepitelial; Boca; Histopatologia. O cisto linfoepitelial oral é uma lesão rara, que se apresenta sob a forma de massa submucosa, assin-
tomática, de pequenas dimensões, com coloração, que varia do róseo ao amarelado. A maioria dos
casos é observada em áreas da cavidade oral que apresentam agregados linfoides, como o assoalho
da boca e as superfícies lateral e ventral da língua. Histologicamente, os cistos linfoepiteliais orais
exibem uma cavidade cística, revestida de epitélio estratificado pavimentoso paraceratinizado, com
lúmen cístico preenchido por células epiteliais descamadas e interface epitélio-conjuntivo plana. Ti-
picamente, a cápsula fibrosa exibe um denso infiltrado linfocítico, com formação de centros germina-
tivos. O tratamento preconizado para essas lesões é a excisão cirúrgica conservadora, não havendo
relatos de recidiva ou transformação neoplásica. O presente trabalho tem por objetivo relatar um
caso clínico de cisto linfoepitelial oral, diagnosticado na borda lateral da língua de um paciente de
41 anos de idade, do sexo masculino bem como discutir aspectos relacionados aos achados clínico-
-patológicos e ao tratamento dessa lesão.

Keywords: Abstract
Lymphoepithelial cyst, Mouth, Histopatho- The oral lymphoepithelial cyst is a rare lesion, which manifests as a pinkish to yellowish, small, asymp-
logy tomatic, submucosal mass. Most cases occur in regions of the oral cavity presenting lymphoid aggrega- 275
tes, such as the floor of the mouth and the lateral and ventral surfaces of the tongue. Histologically, the
lymphoepithelial cysts exhibit a cystic cavity lined by a parakeratinized stratified squamous epithelium.
The luminal space is filled with sloughed epithelial cells and the epithelial lining is devoid of rete ridges.
Characteristically, the fibrous capsule shows a dense lymphoid tissue, with germinal centers. Conservative
surgical excision is the treatment of choice for these lesions, with no reports of recurrence or neoplastic
transformation. The aim of this study is to report a case of lymphoepithelial cyst, which was diagnosed
in the tongue’s lateral surface of a 41-year-old man, and to discuss aspects regarding clinicopathological
features and therapeutic management of this lesion.

Endereço para correspondência


Éricka Janine Dantas da Silveira - Departamento de Odontologia
Av. Senador Salgado Filho, 1787 – Lagoa Nova
Natal – RN/Brasil
CEP: 59056-000
Fone/ Fax: +55 84 3215-4138
e-mail: ericka_janine@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO assoalho da boca1,2,4,5 e as superfícies lateral e ventral da lín-


1,2
O cisto linfoepitelial oral é uma lesão rara , com pato- gua4,6,8,9, são afetadas com maior frequência. Estudos têm
genia ainda pouco esclarecida2, provavelmente decorrente demonstrado predileção pelo sexo masculino4,9,10, com uma
de obstrução na cripta de uma tonsila oral, com subsequente ampla distribuição em relação à faixa etária4,5.
acúmulo de células epiteliais descamadas e/ou material puru- Histologicamente, os cistos linfoepiteliais orais apresen-
lento3. tam uma cavidade cística revestida de epitélio estratificado
Clinicamente, os cistos linfoepiteliais orais se apresen- pavimentoso paraceratinizado7. O lúmen cístico se apresenta
tam como uma massa submucosa, móvel, de coloração, que preenchido por células epiteliais descamadas, e a interface
varia do róseo ao amarelado4,5, assintomáticos e de pequenas epitélio-conjuntivo é usualmente plana4,6,7,10. A cápsula fibrosa
dimensões, geralmente com diâmetro inferior a 1 cm4-7, sendo exibe, de forma característica, um denso infiltrado linfocítico,
a maioria dos casos diagnosticada durante exames de rotina com ocasional formação de centros germinativos4,6,7.
da cavidade oral5,8. O tratamento preconizado para essas lesões é a excisão
Áreas que apresentam agregados linfoides, como o cirúrgica conservadora6,10. Até o momento, não há relatos na
literatura de recidiva ou transformação neoplásica1,4,6,7,10.

Odontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (3) 275-277, jul./set., 2010


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Cisto linfoepitelial oral em borda lateral de língua : relato do caso
Peixoto RF, et al.

Relatos de cisto linfoepitelial oral são escassos na li- Perifericamente, constatava-se uma delgada cápsula de
teratura atual. Dessa forma, o presente trabalho tem como tecido conjuntivo fibroso, permeada por infiltrado linfocítico
objetivo relatar um caso clínico dessa lesão incomum que foi que circunscrevia parcialmente o revestimento epitelial e não
diagnosticada na borda lateral da língua de um paciente de 41 revelava formação de centros germinativos (Figura 3). Frente
anos de idade, do sexo masculino bem como discutir aspectos
relacionados aos achados clínico-patológicos e ao tratamento
dos cistos linfoepiteliais orais.

RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 41 anos, melanoderma,
compareceu ao Serviço de Estomatologia do Departamento
de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), queixando-se da existência de uma “afta na lín-
gua”, identificada há aproximadamente um ano, em virtude de
discreta sintomatologia dolorosa no local, especialmente du-
rante a alimentação. Ao exame intraoral, foi constatada uma
lesão séssil, de formato arredondado, consistência fibrosa e
coloração amarelada, localizada na porção posterior da bor-
da lateral direita da língua (Figura 1), com aproximadamente
Figura 3. Fotomicrografia destacando o infiltrado linfocítico na cápsula de tecido
conjuntivo fibroso, sem formação de centros germinativos (Hematoxilina e eosina,
200×).

aos achados microscópicos, o caso foi diagnosticado como cis-


to linfoepitelial oral. O paciente vem sido mantido sob proser-
vação e, atualmente, dois meses após a excisão cirúrgica, não
há indícios clínicos de recidiva da lesão (Figura 4).

Figura 1. Lesão séssil, de formato arredondado e coloração amarelada, localizada na


porção posterior da borda lateral direita da língua.
276
5mm de diâmetro. O paciente negou história de trauma local,
flutuação no tamanho da lesão ou drenagem de secreção. Sob
a hipótese diagnóstica clínica de cisto linfoepitelial oral, foi
realizada biópsia excisional. O espécime cirúrgico obtido foi
fixado em formol a 10% e, em sequência, encaminhado para
exame histopatológico. Figura 4. Aspecto clínico da região, dois meses após a excisão cirúrgica.
A análise microscópica revelou a presença de uma lesão
cística, bem delimitada em relação aos tecidos circunvizinhos,
revestida de epitélio pavimentoso estratificado não ceratini- DISCUSSÃO
zado, de poucas camadas, com interface plana com o tecido O cisto linfoepitelial oral é uma lesão rara1,2,8,9, tendo sido
conjuntivo (Figura 2). descrita pela primeira vez, em assoalho de boca, por Gold11. Es-
tudos retrospectivos revelam que os cistos linfoepiteliais orais
constituem entre 0,09%5 e 0,18%4 do total de lesões diagnosti-
cadas em Serviços de Patologia Oral.
A patogênese dos cistos linfoepiteliais orais permane-
ce pouco esclarecida2. De acordo com Knapp3, essas lesões
teriam origem a partir da obstrução na cripta de uma tonsila
oral, permitindo o acúmulo de células epiteliais descamadas e/
ou material purulento. A contiguidade entre o epitélio cístico
e o epitélio de revestimento da cavidade oral1,4,10,12 corrobora a
teoria de Knapp3. No presente caso, apesar de não terem sido
realizados cortes seriados, não foi observada comunicação en-
tre o epitélio cístico e o epitélio de revestimento da cavidade
oral. Tem sido sugerido, também, que os cistos linfoepiteliais
orais se originem durante a embriogênese, em decorrência do
Figura 2. Fotomicrografia revelando lesão cística revestida por epitélio pavimentoso
estratificado não ceratinizado, de poucas camadas, exibindo interface plana com o aprisionamento de epitélio de revestimento ou do parênqui-
tecido conjuntivo (Hematoxilina e eosina, 100×). ma glandular salivar em meio a agregados linfoides4,6,7. Cita-se,
ainda, uma possível origem a partir de ductos excretores de
O lúmen cístico revelava escassas células inflamatórias, glândulas salivares menores, com o infiltrado linfocítico, repre-
além de numerosas células epiteliais descamadas (Figura 2). sentando, apenas, uma resposta imunológica secundária4,6.
Os cistos linfoepiteliais orais revelam uma ampla distri-

Odontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (3) 275-277, abr./jun., 2010


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Peixoto RF, et al.

buição em relação à faixa etária4,5. Casos têm sido diagnosti- A excisão cirúrgica conservadora é o tratamento de es-
cados em indivíduos desde os 4 aos 81 anos de idade1,4, com colha para os cistos linfoepiteliais orais6,10. De acordo com Ne-
uma média de idade que varia entre 32 e 39,8 anos4,5,10. Embo- ville et al.7, lesões características o bastante para serem diag-
ra Giunta e Cataldo5 tenham constatado maior acometimento nosticadas clinicamente não necessitariam de biópsia. Tais
de pacientes do sexo feminino (57,1%), alguns estudos retros- casos seriam apenas preservados6.
pectivos têm demonstrado uma predileção dos cistos linfoe- No presente caso, optou-se pela realização de biópsia
piteliais orais pelo sexo masculino4,9,10. Em relação ao caso ora excisional em virtude da discreta sintomatologia dolorosa,
apresentado, o perfil do paciente é coerente com o descrito reportada pelo paciente, especialmente durante a alimenta-
na literatura. ção. Até o momento, não há relatos na literatura de recidiva
Clinicamente, o cisto linfoepitelial oral se apresenta ou transformação neoplásica1,4,6,7,10. Embora não seja esperada
como uma pequena massa submucosa, assintomática, com recidiva ou transformação neoplásica, em decorrência do perí-
coloração que varia desde o normal da mucosa ao amarelado odo de proservação relativamente curto, o presente caso vem
ou amarelo-esbranquiçado4,5,9. De acordo com Flaitz e Davis6, sendo acompanhado no Serviço de Estomatologia do Depar-
dependendo do tamanho do lúmen cístico e de seu conteúdo, tamento de Odontologia da UFRN.
a consistência das lesões à palpação pode variar de amolecida CONSIDERAÇÕES FINAIS
a firme. Os cistos linfoepiteliais orais são geralmente obser- Os cistos linfoepiteliais orais são lesões raras, que se
vados em áreas da cavidade oral que apresentam agregados apresentam sob a forma de massas submucosas, assintomá-
linfoides, como o assoalho de boca1,2,4,5 e as superfícies lateral ticas e de pequenas dimensões. Em virtude dessas caracterís-
e ventral da língua4,6,8,9. Sítios afetados com menor frequência ticas, a maioria dos casos é diagnosticada durante exames de
incluem o palato mole, o pilar palatino anterior, a região retro- rotina da cavidade oral. Em comparação com outros relatos na
molar e o vestíbulo bucal4,5,10. Em virtude da ausência de sinto- literatura, o presente caso se destaca pela identificação da le-
matologia e do pequeno tamanho, geralmente com diâmetro são pelo próprio paciente, em virtude da discreta sintomatolo-
inferior a 1 cm4-7,9, a maioria dos casos é diagnosticada durante gia dolorosa no local. A despeito dessas características pouco
exames de rotina da cavidade oral4,5,8. usuais, o caso ora apresentado contribui para o conhecimento
Exceto pela discreta sintomatologia dolorosa, as carac- dos cirurgiões-dentistas sobre esta lesão incomum e enalte-
terísticas clínicas observadas no caso ora apresentado corro- ce a importância de um exame clínico minucioso da cavidade
boram as descritas na literatura. A presença de sintomatologia oral.
dolorosa em casos de cisto linfoepitelial oral tem sido associa-
da a traumatismos secundários4,6,7. No entanto, Flaitz1 relatou REFERÊNCIAS
um caso de cisto linfoepitelial oral localizado em assoalho de
1. Flaitz CM. Oral lymphoepithelial cyst in a young child. Pedia-
boca, cuja sintomatologia dolorosa periódica foi associada à
tr Dent. 2000 Sep-Oct;22(5):422-3.
obstrução parcial do ducto de Wharton. No caso ora apresen-
2. Kumara GR, Gillgrass TJ, Bridgman JB. A lymphoepithelial
tado, o paciente negou história de trauma local, e, ao exame
cyst (branchial cyst) in the floor of the mouth. N Z Dent J. 1995
clinico, não foram detectados indícios de trauma na região.
Mar;91(403):14-5.
Além disso, o pequeno tamanho da lesão e a sua localização
em borda lateral de língua não permitiram relacionar a sinto-
3. Knapp MJ. Pathology of oral tonsils. Oral Surg Oral Med Oral 277
Pathol. 1970 Feb;29(2):295-304.
matologia dolorosa evidenciada no presente caso com uma 4. Buchner A, Hansen LS. Lymphoepithelial cysts of the oral ca-
obstrução de ducto de glândula salivar maior. Dessa forma,
vity. A clinicopathologic study of thirty-eight cases. Oral Surg
frente aos achados existentes na literatura4,6,7, a hipótese mais
Oral Med Oral Pathol. 1980 Nov;50(5):441-9.
plausível para a discreta sintomatologia dolorosa, no caso ora
5. Giunta J, Cataldo E. Lymphoepithelial cysts of the oral muco-
reportado, seria a existência de um traumatismo secundário
sa. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1973 Jan;35(1):77-84.
no local, de baixa intensidade, imperceptível ao paciente, pos-
6. Flaitz CM, Davis SE. Oral and maxillofacial pathology case
sivelmente durante a alimentação.
of the month. Oral lymphoepithelial cyst. Tex Dent J. 2004
Ao exame histológico, os cistos linfoepiteliais orais reve- Jul;121(7):624, 630-1.
lam uma cavidade cística revestida de epitélio pavimentoso
7. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral
estratificado, com padrão de maturação que pode variar do
e Maxilofacial. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. Capítulo 1,
não ceratinizado ao ortoceratinizado2,10. Em geral, evidencia-se Defeitos do desenvolvimento da região bucal e maxilofacial;
predomínio do padrão paraceratinizado6,7,9. Em raras ocasiões,
p. 37-39.
pode ser evidenciado revestimento epitelial pseudoestratifica- 8. Sakoda S, Kodama Y, Shiba R. Lymphoepithelial cyst of oral
do, com células caliciformes4,5. A cavidade luminal demonstra cavity. Report of a case and review of the literature. Int J Oral
quantidade variável de células epiteliais descamadas e células
Surg. 1983 Apr;12(2):127-31.
inflamatórias, e a interface epitélio-conjuntivo se apresenta
9. Acevedo A, Nelson JF. Lymphoepithelial cysts of the oral ca-
plana4,5,9,10. Em comparação com os achados relatados na lite- vity. Report of nine cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1971
ratura, o presente caso se destaca pelo padrão de maturação
May;31(5):632-6.
não ceratinizado do revestimento epitelial, identificado com
10. Bhaskar SN. Lymphoepithelial cysts of the oral cavity. Re-
menor frequência em cistos linfoepiteliais orais. port of twenty-four cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1966
De forma característica, a cápsula de tecido conjuntivo Jan;21(1):120-8.
fibroso exibe um intenso infiltrado linfocítico, que não se es- 11. Gold C. Branchial cleft cyst located in the floor of the mou-
tende aos tecidos circunvizinhos5,10. Este infiltrado linfocítico
th. Report of a case. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1962
pode circunscrever, completa ou parcialmente, o revestimento Sep;15(9):1118-20.
epitelial4,5. Estudos retrospectivos sugerem que a circunscrição 12. Young WG, Claman SM. A lymphoepithelial cyst of the oral
completa do revestimento epitelial constitua o padrão mais
cavity. Report of a case. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1967
comum4,5. Centros germinativos são observados na maioria Jan;23(1):62-70.
dos casos, em maior ou menor extensão4,5,9,10,12. Contrariamen-
te, no caso ora reportado, evidenciou-se circunscrição parcial
do revestimento epitelial pelo infiltrado linfocítico. Além disso, Recebido para publicação: 22/12/09
não foi identificada formação de centros germinativos. Aceito para publicação: 27/04/10

Odontol. Clín.-Cient., Recife, 9 (3) 275-277, jul./set., 2010


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