JASPERS, Karl. Introdução Ao Pensamento Filosófico PDF

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K ARL J ASPERS

INTRODUÇÃO AO
PENSAMENTO FILOSÓFICO

CULTRIX
KARL JASPERS
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Tradução de:
LEONIDAS HEGENBERG
e
OCTANNY SILVEIRA DA MOTA

Título do original:
KLEINE SCHULE DES PHILOSOPHISCHEN DENKENS
© R. Piper & Co. Verlag, München 1965 3.ª edição
MCMLXXVI
Direitos de tradução para a língua portuguesa adquiridos com exclusividade pela
EDITORA CULTRIX LTDA.
Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo, que se reserva a propriedade
literária desta tradução.
Impressono Brasil
Printed in Brazil
ÍNDICE

Prefácio.....................
.......................
.......................
.......................
..........11

I. O UNIVERSO E A VIDA ..................................................................... 15


1. Dois acontecimentos: 1919 e 1945 ...................................................... 15
2. Universo e matéria .............................................................................. 16
3. A Terrano universo vazio ................................................................... 18
4. A situação espiritual criada pelas ciências da natureza . ...................... 20
5. Tesesa propósito do conhecimentomundo do .................................... 23

II. A HISTÓRIA E O PRESENTE 25


1. Aspecto atual da História ..................................................................... 25
2. O milagredaHistória no plano cósmico ............................................. 26
3. A História não é prolongamento da natureza ...................................... 27
4. A ciência histórica e seus limites ......................................................... 28
5. A situação presente e seus problemas .................................................. 29
6. Consciência eautodestruição ............................................................... 29
7. Históriae responsabilidade .............
...................................................... 32
8. Transcendendo a História .................................................................... 33

III. O CONHECIMENTO FUNDAMENTAL ........................................ 35


1. Retrospectoe problemas novos ........................................................... 35
2. Ponto de partida: adicotom ia sujeito-objeto ....................................... 36
3. A operação filosófica fundamental. O mundo e sua
manifestação ..........
.................................................................................. 38
4. Os modos do abrangente ...................................................................... 38
5. Modificação da atitude interior, por força do conhecimento
fundamental .........................
.................................................................
... 41
6. Vã procura de uma rea lidade para a lémda dicotomi a
sujeito-objeto ........................................................................................... 42
7. Os múltiplos caminhos do pensamento filosófico ................................ 44
IV. O HOMEM ......................
......................
......................
....................... 54
1. O problema do homem ........................................................................45
2. O mutismo da natureza e a linguagem humana ................................... 46
3. Não nos compreendemos, nem a partir do mundo e da
História, nem a partir de nós mesmos ...................................................... 46
4. Traçosdanatureza do homem ............................................................. 47
5. A consci ência, que o hom emtem, de se r diferente decada
uma desuas manifestações ...................................................................... 48
6. A luta por uma imagem do homem ...................................................... 48
7. O homem não sebasta ......................................................................... 50
8. Ultrapassar-se: progresso do mundo ..................................................... 50
9. Ultrapassar-se: a Transcendência ......................................................... 52
10. Coragem e esperança ........................................................................ 53
11. Dignidade do homem ........................................................................53

V. O DEBATE POLÍTICO ...................................................................... 55


1. Exemplo de debatepolítico ......................
........................................... 55
2. Observação a propósito dediscussões desse gênero ........................... 62
3. O papel dareflexão filosófica no debate político ................................ 64

VI. A POSIÇÃO DO HOMEM NA POLÍTICA ..................................... 66


1. Os dois pólos dapolítica ......................................................................66
2. Comportamento do homem na política ................................................ 67
3. Grandeza do homem na política .......................................................... 67
4. O caminho: liberdadepolítica ..............................................................69
5. Historicidade daliberdade política ......................................................70
6. Liberdade implica em corrupção? ....................................................... 71
7. Autodestruição da liberdade ................................................................ 72
8. Objeções à liberdade ............................................................................ 72
9. A alternativa ......................................................................................... 73
10. A decisão ............
................................................................................ 47

VII. CONHECIMENTO E JUÍZO DE VALOR ..................................... 75


1. O ato filosófico defazer a distinção .................................................... 75
2. O diálogo .....................
.......................
.......................
.......................
.... 75
3. A tesede Max Weber ........................................................................... 77
4. Ciênciasnaturais e ciênciashumanas ......... ......................................... 78
5. Em que sentido existe liberdade? ........................................................ 79
6. Juízos opostos acercade ummesmo significado ................................. 80
7. Elaboração dos “pontosde vista últimos” ........................................... 80
8. Poderes e alternativas .......................................................................... 81
9. Resumo .........................
.......................................................................83
10. Imparcialidade, veracidade, liberdade ............................................... 83

VIII. PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA .................................................... 85


1. Aspectos da psicologia e da sociologia. Marx e Freud ........................ 85
2. Discussão comummarxista ................................................................ 86
3. Discussão comumpsicanalista ............................................................ 88
4. Análise das discussões anteriores ......................................................... 90
5. Ciênciasuniversais e filosofia ............................................................. 91
6. Conseqüências do totalitarismo científico ........................................... 92
7. O filósofo vincu
lado a suas srcens ............. ......................................... 93

IX OPINIÃO PÚBLICA .......................................................................... 95


1. Exemplos .........................................
..................................................... 95
2. Desejo deverdade, desejo de poder ..................................................... 95
3. O âmbitodapolítica ............................................................................. 97
4. Conceito de opinião pública, a partir da idéia de liberdade
política .......................
........................
...................................................... 98
5. O mundo dos escritore s ........................................................................ 99
6. Idéia e realidade .................................................................................. 101
7. O segredo ..........................................................................................
... 101
8. A censura ................................................................................. ........... 102
9. O risco dapublicidade ........................................................................ 103

X. OS ENIGMAS .....................
.......................
......................
.................
106

1. Exemplo: o Sinai .................................................................................. 106


2. Outrosexemplos ................................................................................. 108
3. Os enigmas têm origem na experiência de liberdade .......................... 110
4. Noção deenigma ........................ ......................................................... 112
5. Transformação da corporeidade da Transcendência em
linguagem deenigmas ............................................................................. 113
6. Evolução da religião bíblica ............................................................... 11 4
7. Idéia deum dese nvolvimento dosnigm e as emseus
conflitos .......................
........................
........................
............................ 115

XI. A AMOR .....................


............................................ .......................... 117
1. Lembrança do apóstolo Paulo ...............................................................117
2. O amor sexual ...................................................................................... 11
8
3. O antagonismo original ........................................................................ 119
4. O esquema sexualidade — erotismo — casamento .............................. 119
5. O amor metafísico ................................................................................120
6. O paradoxo do amor metafísico no m undo .......................................... 121
7. O amor metafísico podeparticipar daordem do mundo? .................... 122
8. Os elementos do amor entram em choque ............................................ 123
9. O amor no mais largo sentido da palavra ............................................. 124
10. Amor e consciência ............................................................................ 126

XII. A MORTE .....................


............................................ ....................... 127
1. Só ohomem tem consciência da morte ............................................... 127
2. Por que a morte? .................................................................................. 127
3. Medo de morrer e medo da morte ........................................................ 128
4. Maneiras deconceber a morte ............................................................. 128
5. Sedede imortalidade ............................................................................129
6. Tempo cíclico e tempo linear ...............................................................130
7. Temporalidade, intemporalidade, eternidade ...................................... 131
8. Lembrança da reviravolta filosóficaa respeito
da consciência do ser ............................................................................... 132
9. A experiência existencial daeternidade ............................................... 133
10. Sentido ads afirmações especulativas e existenciais ......................... 133

11. A sinceridade ..........


............................................................................ 134
12. Os enigmas face à morte .................................................................... 135
XIII. A FILOSOFIA NO MUNDO ......................................................... 138
1. Atitude da filosofia frente ao mundo ................................................... 138
2. Atitudedo mundo frente à filosofia .....................................................138
3. A filosofia deseja a verdade ................................................................. 140
4. A sinceridade é a aventurado homem ................................................. 140
5. A aristocracia filosófica e a massa .......................................................142
6. A independência do homem filósofo ................................................... 143
7. A consciência humana de impotência .................................................. 144
8. A situação de noss o tem po.
Estápróximo o fim? ................................. 145
9. Qual o papel atual da filosofia? ........................................................... 147
PREFÁCIO

Quando a Rádio Baviera me dirigiu convite para pronunciar, através da televisão, uma
série de conferências semanais a propósito de filosofia, fui tomado de surpresa. Que
audácia por parte da rádio e qu
e desafio para o con
ferencista! Não hesitei. A filosofia se
destina ao homem e a todos diz respeito. Como título para as exposições propus
“Introd
ução ao Pensamento Filosófico”.

Iniciação — isso não significava que eu fosse falar acerca dè trivialidades filosóficas,
nem que fosse fornecer informações simples, a fim de preparar o ouvinte para atividade
no campo filosófico. Não existem aquelas trivialidades ou estas informações simples.
Tão logo se filosofa, entra-se em contacto com os grandes temas da filosofia. E se isso
não aconteceé porqueda filosofia se está longe. A palavrainiciação alude apenas à
brevidade do texto: a atenção girará em torno de idéias verdadeiramente filosóficas.

Pensamento — não se tratava de ensinar algo que, depois, estaria conhecido. Não se
tratava de transmitir conhecimentos elementares. Tratava-se, antes, de percorrer certa
trajetórias do pensamento, na esperança de produzir no ouvinte (ainda que de
experiências filosóficas, até então, apenas inconscientes) o sobressalto que nos dá súbita
compreensão daquilo a que a filosofia se refere.

Filosófico, enfim. Quer isso dizer que importa conduzir o pensamento empírico e
racional até seus limites extremos, até o ponto em que revela suas srcens. No caso,
método não significa aprendizado de operações de lógica formal ou de análise de
linguagem, que são úteis mas não de naturezafilosófica. O objetivo do pensar
filosófico é levar a uma forma de pensamento capaz de iluminar-nos interiormente e de
iluminar o caminho diante de nós, permitindo-nos apreender o fundamento onde
encontremos significado e orientação.

A meia hora derogr


p amação sem
anal reclamava que, de cada vez, osse
f fei
ta exposição
completa de uma questão. (dentre
Escolhi muitos outros possíveis)
treze temas:

Pontos de Partida

I. O Universo e a Vida
II. A História e o Presente
III. O Conhecimento Fundam ental
IV. O Homem

Em Torno da Política
V. O Debate Político
VI. A Posição do Homem na Política
VII. ConhecimentoEmpírico eJ uízo de Valor
VIII. Psicologia e Sociologia
IX. Opinião Pública

Âncora
s naEternidade

X. Os Enigmas .
XI. O Amor
XII. A Morte
Conclusão

XIII. A Filosofia no Mundo


Nas exposições, parto de experiências sensíveis, de realidades da natureza ou da vida
de tradições, caminhando, em cada caso, até as fronteiras que marcam o surgimento
questões aquea ciência não responde
. Aí, diante do se
r, vemo-nos presa
do espanto;e
indagamos de nós próprios acerca do sentido e missão de nossa existência.

As conferênci
as não mantêm entre siliame tal que es ponhacadauma delas com
o
seqüência da anterior. Cada qual, à sua maneira, começa do começo. Todos se dirigem
para um centro comum que não poderíamos considerar exatamente como tema. Essa
orientação geral lhes confere unidade.

A filosofia é universa l. Nada existe que a ela não diga respeito. Quem se dedica à
filosofia interessa-se por tudo. Mas não há homem que possa tudo conhecer. Que
distingue a vã pretensão de tudo saber do propósito filosófico de apreender o todo? O
saber é infinito e difuso; dele se valendo, procura a filosofia aquele centro a que
fazíamos referência. O simples saber é uma acumulação, a filosofia é uma unidade. O
saber é racional e igualmenteacessível a qualquer inteligência. A filosofia é o modo de
pensamento que termina por constituir a essência mesma de um ser humano.

Em toronoreal,
para desse modo
seja de pen
o real osam ento
que for,é tentam
que
esta s conf
erênci
essas as prete
exposiçõesndem girar.Abertas
descobrir o caminho que lev
do real ao fundo das coisas, buscam, a partir desse fundo, lançar luz sobre as realidade
Tal a razão por que o problema reside em dar o salto em direção desta outra maneira de
pensar.

Conquanto de objetivo elevado, devem ser simples as conferências. Do oceano de


conhecimentos, utilizaremos tão-somente pequenas gotas. E não inalaremos senão uma
poucas porções do ar da imensa atmosfera filosófica.

Essas metáforas pretendem significar o seguinte: para que a seiva do conhecimento se


transforme em alimento espiritual, importa que esteja presente não apenas a
inteligência,
conhecimento.mas, em fazer-se
E, para sua plenitude, o homem
revigorante. que,das
o ar puro pensando, apresa aquele
regiões filosóficas há de
constituir-se na realidade que se vive e se respira.
A idéia pode suscitar no ouvinte o desejo de assim proce der. O simples desejo,
entreta
nto, nad
a significa. A cada indivíduo ca
be dar o pas
so que levado simples ouvir
à participação direta. Ao longo da s presentes conferências, enfrenta
remos,
repetidamente, problemas que se colocam no limite do lógico e do empírico.
Começaremos por acolher as respostas dadas. Nenhuma será a última. Cada qual
conduzirá a novas indagações, até que a indagação final tenha o silêncio como respost
— e não por ser uma indagação vazia. Surge o silêncio que não é o abrigo do nada, mas
onde a própria essência do homem encontra meios de falar-lhe através de seu eu ma
íntimo, através de suas necessidades, da razão, do amor.

KARL JASPERS

Basiléia, outubro de 1964.


I.
O UNIVERSO E A VI DA

1. Somos testem
unhas de mu tempo em qu
e o conheci
mento do uni
versoe da vida
conseguiu surpreendente progresso; somos testemunhas também de acontecimentos qu
impedem o hom em de ignorar as conqui
stas lcançada
a s. Lembrarei dois desses
acontecimentos.

Em 1919, imediatamente após a Pri meira Guerra u Mndial, em meio às cha gas
produzidas pelas hostilidades, manifestou-se um evento que dizia respeito ao homem
como homem. Quando de um eclipse do sol, ocorrido no hemisfério sul, uma expedição
organizada pelos inglese
s cons
eguiu realizar obs
ervações tecnicamente difíceis. As
medidas feitas comprovaram o acerto de afirmações até então aparentemente
fantásticas, devidoparcial
inferir a exatidão a um desábio
umaalemão, Einstein;
teoria que a partirentre
sustentava, do mesmo evento não
outros pontos, se pôde
ser
universo um espaço de três dimensões, mas espaço curvo, sem limites, embora finito.
Os especialistas conheciam a teoria da relatividade; as pessoas instruídas dela haviam
por vezes, ouvido falar e a consideravamjeucomo um
d’esprit. E, de um momento para
outro, não mais se tratava de especulação, mas de algo experimentalmente provado
Espanto ni sólito apoderou-se de todos. A natureza do universo ,écomefeito, problema
que nos interessa na liberdade gloriosa de nossa vontade de conhecer. Sentiu-se que
evidências longamente admitidas perdiam significado. A humanidade orgulhava-se da
ciência e daí retirava uma alegria geral, despida de egoísmo.

Em 1945, bombas tombaram sobre Hiroxima eDe


Nagasaqui.
há muito se haviam
comentado
qual as idéias
pareceriam de Einstein:
ridículas todas asaenergias
matéria que
dos aátomos
técnicaencerrava uma energia
pudera produzir. diante
Desconhecia
se, entretanto, a maneira de libertar a energia do átomo. Em conseqüência, aquelas
idéias eram aparentemente vazias de interesse prático. Dizia-se: “estamos sentados
sobre umvulcão quejamais entrará ematividade”. Ainda no decurso da Segun da
Guerra Mundial, um célebre físico alemão concluía, por meio de cálculos, ser
impossível a fabricação de bombas atômicas; nesse mesmo instante, europeus
emigrados para Estados
os nUidos daAmérica estavamfabricando asmesmas bombas.
Repentinamente, caindo sobre Hiroxima, a bomba atômica tornou-se uma realidade. De
início os cientistas alemães recusaram-se a acreditar nas informações. Em seguida,
todos os capazes de compreender viram-se tomados de horror. O orgulho pelo poderio
científico deu lugar ao temor diante do que surgia.

2. Após es
ses dois aconte
cimentos, as nova
s concepçõe
s a resp
eito do uni
verso e da
matéria impuseram-se irresistivelmente.

O universo revela-se a nossos olhos, graças a telescópios cada vez mais poderosos e
apresenta-se-nos da
orma
f seguinte: a Via Láctea está povoadade bilhões de sóis; há
milhares de outras vias lácteas, as nebulosas; e sabemos que a mais próxima de nós
que pode
mos divisar com avista de
sarm
ada, a Nebulosa daAndrôme
da, não pa
ssa de
uma dentre os milhares de nebulosas invisíveis a olho nu.

Sob este ponto, entretanto, tudo se mantém conforme as idéias que tínhamos acerca
mundo: a diferença, embora enorme, é apenas quantitativa. O que há, porém, de
inusitado e fora de proporção a qualquer precedente, é o fato de esse universo sensíve
corresponder tão-somente ao primeiro plano do universo real, que só pode ser pensado
Mas nã o representado. Que só é ace
ssível atravé
s de óf rmulas matemáticas e, ainda
assim, de caráter provisório. De início, Einstein concebeu o universo como um espaço
curvo, finito mas ilimitado, de dimensões suscetíveis Posteriormente,
de cálculo. esse
universo tornou-se um mundo em perpétua expansão, um mundo cuja srcem no tempo
era impossível determinar. Essas hipóteses matemáticas enchem-se de sentido quand
possível corroborá-las pela observação e pelas medidas, mas tornam-se indiferentes
quando impossível comprová-las por meio de novas observações. Todo aquele que
promove o avanço de uma ciência vê-se a braços com dificuldades intransponíveis. Não
há como fazer prova científica e definitiva de qualquer dessas matemáticas e abstrata
concepções do universo como um todo. O caminho que leva ao conhecimento do
universo perde-se, por assim dizer, no infinito.

Como a do universo, também a visão que tínhamos da matéria modificou-se por força
de descobertas rref
i utáveis. A descobe
rta daradioatividade, no último decênio do sécu
lo
XIX, e a análise do átomo já represe ntaram, para osespecialistas, uma revolução
intelectual. Os átomos cuja existência se comprova com evidência maior que a
conseguida anteriormente — continuam a existir, mas, longe de se constituírem nas
partículas elementares últimas, compõem-se de elementos ainda menores: prótons
nêutrons, elétrons etc. E impôs-se rever inteiramente a concepção que se fazia da
matéria.

Antes ed tudo, dei


xaramde existir partículas elementares últimas. Quando mprega
e mos
termos concretos, como onda e corpúsculo, termos contraditórios no plano de
representação,
contraditórios, sóestamos, em verdade,
apreensíveis no plano da pensando em termos
matemática. complementares
Em segundo e nã
lugar, continua-se
a efetuar o descobrimento de novas partículas “elementares” (mésons, etc), sem atingi
as últimas e menores partes da matéria. Há alguns anos, experiências realizadas na
Universidade de Stanford conduziram aos seguintes resultados: os prótons não são
partículas elementares, mas, diversamente, estruturas onde está presente um núcleo
alta densidade, rodeado por uma nuvem de mésons. Em conseqüência, alguns físicos
imaginam que talvez jamais se atinja o fundo íntimo da matéria, sendo sempre
descobertas novas subdivisões das partículas elementares. Em outras palavras, isso
corresponde ao colapso da idéia de que a matéria constitui o fundamento obscuro de
tudo quanto existe.
Ao contrári o, a matéria se abre para a pesquisad
a infinitum
; não
mais é concebida como substância primária. Todos os corpos são aparências e não
realidades funda
mentais. A essência damatéria permanece indefinida.

3. O universo e a matéria projetam nosso conhecimento do mundo para os infinitos; o


primeiro, para o infinitamente grande, sempre em expansão; o segundo para o
infinitamente pequeno, sempre emcontração. as
M, com sso,
i omundo nã
o se es
gota: o
universo inclui a Terra, grão de poeira perdido na imensidade, diminuta porção de
matéria sobre a qual vivemos. Esse é o nosso mundo, onde vivem plantas e animais,
onde se desenvolvem as paisagens, ocorrem fenômenos meteorológicos e existe a
abóbada celeste; e onde aparecemos também nós, os homens. Enorme — tanto que, a
ele comparado, tudo quanto se descreveu é nada — o universo, segundo sabemos, nã
passa de um deserto onde se move, vazia de sentido, a massa da matéria sem vida.

Contudo, se nosso mundo, este mundo esplêndido e cruel, está ligado à matéria, é
infinitamente mais do que ela e não pode ser compreendido a partir dela.

Desse mundo a ciência construiu uma visão radicalmente nova. Exemplifiquemos:


desde a antiguidade, acreditava-se numa grande unidade, brotada de uma hierarqui
dentro da qual um estágio decorria logicamente do anterior: matéria inerte, vida vegeta
e animal, psiquismo, consciência psicológica, pensamento. Desde que se concebeu a
idéia de evolução no tempo, essa bela unidade de conjunto permitiu que se visse a
história terrestre e universal como um panorama apaixonante, onde o homem ocupava
posição mais alta. Hoje em dia, não mais se crê nessa unidade. O que sucede não é
decorrente do que precede: dele está separado por um salto. Os níveis da hierarquia nã
se explicam um pelo outro, e nenhum deles se explica por si mesmo. Falta um princípio
unificador de todas as coisas.

Entretanto, após haver destruído essas vagas concepções de unidade, a ciência fêz
ressurgir a unidade sob novo aspecto: através do conhecimento das relações que ligam
os diversos níveis, conhecimento que, em nossos dias, tem progredido constantemente.
Aqui, falareiapenas de relações entre amatéria inerte ea vida.

No século XIX, provou-se uqe, na natureza, todavida provémda vidao—mne vivumex


ovo. A geração ad vida a partir da matéria, a transi
ção do não-vivo ao vivo, atéentão
admitidas, revelaram-se ilusão. Mas, ao mesmo tempo, descobria-se meio novo de
transpor o baismo. A partir do não-orgân ico, puderam os químicos af zer surgir, em
laboratório, sinteticamente, corpos orgânicos, até então somente produzidos pela vida
— e, dentre estes, o primeiro a ser obtido foi a uréia, em 1828. Daí brotou a química
orgânica moderna. Foram descobertos numerosos corpos orgânicos, inclusive as
complexíssimas moléculas de albumina — mas todos esses corpos sem vida.

Não obstante, são muitos os que não deixam de acreditar surja o dia em que ser
possível criar a substância viva, criar a vida mesma, a partir da matéria. Isso, porém, é
impossível. A vida não é apenas substânci a altamentecomplexa, m as tambémcorpo
vivo. Tem este uma estrutura morfológica suscetível de análise ao infinito; não é
máquina físico-químico que, se possível de ser construída, seria necessariamente finita.
E a vida não é apenas corpo vivo, mas existência, que implica uma intimidade (o ser
considerado) e uma exterioridade (o meio, o mundo) e existência sobre a qual a vida
age. Os aparelhos orgânicos, seu quimismo finalista, os. órgãos dos sentidos são
produzidos pela vida, mas ainda não são a vida mesma. Os cientistas descobrirão é
produzirão formas biológicas não sonhadas, porém serão sempre incapazes de criar a
vida.

O próprio sabe
r torna m
odestos os grande
s cientistas. Mesmo quand
o avança
do no
caminho dos conhecimentos do universo e do átomo, Einstein jamais se tornou imune
ao mistério da vida. Em 1947, refletindo acerca de seu corpo doente, escreveu:
“Espanta-me que este mecanismo incrivelmente complexo seja capaz de funcionar”.
Sentia ele “quão lamentavelmente primitiva é toda a ciência de que dispomos”. Em
1952, registrou: “Quando vejo um minúsculo insetopapel pousar
em que
no aço
f
cálculos, tenho desejo
de exclamar: “Alá é grande
, e comtodaa glória de nossaciência
não passamos de micróbios miseráveis”.

Mas ele não dá voz ao ai ms profundo de


ssa atitude. Mesmo Einstein permanece
filosoficamente prisioneiro do princípio segundo o qual tudo quanto existe mantém
correspondência com uma ordem matemática e é basicamente suscetível de ser
apreendido, de maneira total
, por meio da m
atemática. Mesmo Einstein suste
nta qu
e, em
potência a vida já reside no átomo, que “o mistério do todo está implícito no nível mais
baixo”. Por que não o atingimos? Porque a matemática deixa de ser útil quando nosso
pensamento penetra em profundezas mais obscuras. Com efeito, o estado atual da
matemática não permite “chegar pelo cálculo, ao que está implícito nas equações
fundamentais”. Para Einstein portanto, o mistério não está na realidade mesma, porém
naquilo que a matemática não permite resolver.

Nós, entretanto, er petimos comKant: seexiste a unidade da vida (que permitiria


compreender como a vida brota do inerte), essa unidade permanece inatingível, no
infinito. Realizando surpreendentes descobertas , a ciência de nossos tempos
in partibus
não faz senão adensar o mistério .
in toto

4. As pesquisas científicas, embora n


ão sendo em si mesmas filosofia, criam para a
filosofia determinada situação. Provinda de outra srcem, a filosofia toma forma na
situação científica do momento, que ela apreende e faz progredir.

Na situação de nosso tempo, a novidade está em que a pureza da pesquisa científica se


faz tão possível e necessária como a clara compreensão da própria srcem da filosofia.
Contentar-me-ei com lançar os olhos às conseqüências da inexistência de uma
transparente concepção da natureza.

Primeiro: Até agora, pura simples


e mente se aceitavaa tota
lidade do existente: era o
mundo. Hoje, estamos afastados da idéia de uma imagem do mundo universalmente
válida.O mundo se fragmentou.

Se afirmamos: o mundo é matéria, da qual procede tudo quanto.nela está implícito


(vida, intimidade, consciência e pensamento), essa afirmação, em virtude dos novos
conceitos de transição e evolução, assume os matizes de um discurso vazio pretendendo
mascarar os saltos. E coisa diferente não acontece quando se pretende explicar o mundo
a partir da vida, do espí
rito e do pe
nsamento. Aspectos do uni
verso nã
o capta
ma
totalidade do mundo; cada qual deles diz respeito a um pormenor não ao todo. Diante do
problema do mundo como totalidade a ciência se detém. Pelo conhecimento científico, o
mundo é visto como um conjunto de fragmentos e quanto mais numerosos esses
fragmentos, mais acurado aquele conhecimento.
Sem embargo, liberação de obsoletas visões do mundo conduz a ciência para uma visão
nova, supostamente científica e que sacrifica nossa liberdade muito mais do que
qualquer das precedentes.

Segundo: O mundo se desmitizou. Ciência e técnica nos libertaram da magia e tornaram


infinitamente mais fácil a vida material no seio da natureza. Recorrer a processos
mágicos é não só desarrazoado na prática, mas falta
o homem
de lealdade:
trai a própria
razão.

A desmitização od mundo gerou, entretan


to, umapervertida atitude de espírito
estimulada pela tecnologia. Quando ligamos a luz ou o rádio, quando dirigimos um
automóvel, não conhecemos com profundidade os processos que colocamos em
operação.

Aprendem
os o m
anejo do obj
eto, sabendopena
a s queos pro
cessos nã
o se desenvol
vem
por mágica, mas graças a conhecimentos científicos. Entendemos, a partir daí, que o
mesmo esquema se aplica a todas as coisas existentes e dizemos: se ainda resta mui
por compreender, tudo é, no fundo, integralmente inteligível. É certo, digamos, que a
ciência ainda não pode criar seres vivos — homens, por exemplo —, mas um dia os
criará.

Que se passou? O velho pensamento, pré-científico cedeu o passo a uma forma de


pensar despida de idéias, quaseA mágica.
liberação damagia no domínio daciência e
da técnica destruiu as realidades do mundo cotidiano devido a sua indiscriminada
aplicação.a tudo quanto existe. Nas impressões suscitadas pela paisagem ou por lugare
a que nos ligou o destino, no apreender a infinita riqueza dos fenômenos, no adquirir
consciência de uma natureza multifacetada, experimentamos algo que está longe de s
irreal e que não podemos desprezar como simples impressão subjetiva.

Vivemos na realidade como m


e um mundo de enigmas que se conflitam.
Desmitificando
tornar os efenômenos,
mais clara mais rica ao ação
conhecimento científico
desses enigmas. só consegue,
A ciência por criá-los,
não pode contraste,nem
destruí-los.

Demos um exemplo de luta no mundo desses enigmas. Tomemos, o enigma “Deus”. ele
criou o mundo. Uma das formas de apresentar o enigma consiste em dizer que Deus
um matemático e criou o mundo por pesos e medidas. Conseqüentemente (como talve
dissesse Einstein) podemos pelo pensamento, recriar o mundo. Eis, porém, um mais
profundo enigma que se opõe ao primeiro: Deus criou o mundo, em seu conjunto, de
maneira incompreensível para nós; nesse mundo pôs a matemática e fêz do homem um
matemático. A matemática não esgotamundo,
o sendo ape
nas um lem
e ento da natureza
e uma das formas de conhecimento do homem (como pensava Nicolau de Cusa).

Um segundo exemplo: as concepções do mundo com que os homens já viveram são sem
valor para a ciência, mas, como conjuntos de enigmas, essas concepções conservam
significação perm
anente. Alturas e rofunde
p zas, senti
do de sacensão e dequeda, céu e
terra, éter luminoso e abismos escuros, deuses olímpicos e abissais — sempre os vemos
diversamente, mesmo nos dias de hoje. Mas a falsa desmitificação
trouxeao homem
cegueira
de alma.

Terceiro: Os fenômenos do mundo são inteligíveis. Onde quer que a ciência penetre,
novos inteligíveis se manifestam, brotados do espanto e geradores de um novo espanto
A ciência autêntica se contenta
comapreender o possí vel, avançarumo ao infinito sem
entretanto, perder noção das próprias limitações.

Começa a infelicidade do gênero humano quando se identifica o cientificamente


conhecido ao próprio ser e se considera não-existente tudo quanto foge a essa forma de
conheci
mento. A ciência dáentão uga
l r à sup
erstição daciência, e esta, sob a m
áscara
de pseudociência, lembra um amontoado de extravagâncias onde não está presente
ciência nem filosofia nem fé.

Jamais foi tão urgente distinguir entre ciência e filosofia, jamais essa tarefa se
apresentou como tão urgentemente necessária no interesse da verdade quanto se
apresenta em nossos dias, quando a superstição da ciência parece atingir o apogeu, e a
filosofia ver-se ameaçada de destruição.

As aberrações que afastamda ciência pura e das primeiras fontes edfilosofia


comprometem nossa consciência do ser. Esta se torna função vazia de uma existência
que tem de si mesma concepção e experiência abstratas. Ela se falsifica engendrando
uma visão do mundo, que se reduz a percepção de superfície; ela se falsifica na
desmitificação, e traz a desolação como atitude fundamental diante da vida; ela se
falsifica, enfim, transformada em superstição científica e toma a forma de um comércio
com as coisas que torna invisível a natureza mesma dessas coisas. Esses desvios
fecham-nos o ca minho da filosofia. A missão da filosofia é romper essas barreiras e
trazer o homem de volta a si mesmo.

5. Recapitulando:

Estamos no mundo, mas nunca temos, como objeto, a totalidade do mundo.

Os fenômenos devem ser explorados ao infinito.

Aos olhos de osso


n conhe
cimento, o mundo nã o apa
rece com o unidade ni teiriça, ma
s
fragm
entada: rompeu-se. A ciência é orientada por di éias de unidade, válidas em
províncias particulares do mundo, mas, até o momento, não há um conceito de unidade
global do mundo que se tenha mostrado
cientificamente fecundo.

Impõe-se com
preende
r o mundo a pa
rtir dele mesmo e nã
o da m
atéria, da vi
da, ou do
espírito.
Uma
alcançada realidade
pelo incognoscível
conhecimento. precede
Para o tipo a possibilidade
de conhecimento de conhecer
de que dispomos,eo não é é
mundo
insondável.
Tudo isso põe fronteiras às cogitações científicas, mas não ao tipo de pensamento que
tem sua srcem filosófica em nossa existência. Por exemplo: a unidade da natureza
universal, do Um-Total que repousa em si mesmo é experiência possível para uma
percepção religiosa do mundo. Considerando ao mesmo tempo, todas as coisas e tudo o
que é particular ou individual, essa percepção religiosa descobre no mundo uma
linguagem cifrada. Os caracteres enigmáticos dessa linguagem nada são para a ciência
que não os pode provar nem refutar.
II.
A HI STÓRI A E O PRESENTE

1. Tal como o do universo, o conhecimento da História conseguiu, recentemente,


progresso gigantesco. Escavações descortinaram a nossos olhos mundos ignorados. Daí
nos falam textos e línguas desconhecidos. Pinturas em cavernas, esculturas e utensílio
nos esclarecem a respeito de eras que ignoraram a escrita. Esqueletos humanos, velhos
de centenas de milhares de anos, provaram que o homem já existia em épocas tão
recuadas que, face a elas, parece breve a História por nós conhecida.

Eis o panorama empírico da História: por dezenas de milhares de anos, talvez muito
mais, este
ndeu-se a Pré-História e viveu a humanidade sem domínio daescrita. A Pré-
História seguiu-se um período de aproximadamente seis mil anos de História
docum entada. As primeiras grandes civilizaçõe
s — as daMesopot âmia, Índia, Egito e
China — desenvolveram-se em pequena porção do globo que se estende, cortada po
desertos, do tAlântico ao Pacífico. Somente entre osanos 800 e 200 a.C. foi que se
produziram, quase sem ligaçõesentre si,na China, Irã, Índia, Palesti
na e Gréci a (mas
não na Mesopotâmia ou no Egito) os eventos de ordem espiritual responsáveis pela
criação da atmosfera ainda por nós respirada. Foi, então, que se colocaram as grandes
questões religiosas e filosóficas e foi então que se propuseram respostas que, ainda hoje
a nós se impõem. Há razão para dizer que essa época foi o fulcro da História do mundo
Dela parti
ramtrês ra mificaçõe
s que es desenvolveram, paralelas, na Índia, na China e
no Ocidente. Até 144 0, muito se sasemelharamos gêneros de vi da, os meios técnicos e
os métodos
somente na de trabalho
Europa tevedessas
início três civilizações.
a idade Somente
da técnica: depois, somente
racionalização entre
de tudo: nós e
ciência
empírica pura, que não se deixou perturbar por nada que lhe fosse estranho; tecnologia
metodicamente inventiva, em progresso incessante. Revolução desconhecida de toda a
História anterior, acelerou o domínio sobre a natureza e a produção de bens tornando
possível, através do navio, do avião e do rádio, a comunicação em plano mundial. Os
europeus se fizeram exploradores e descobridores; todos os demais homens foram
descobertos. ssi
Am, a idade da técnica envolveu todaa humanidade e fêz surgi
r a
História propriamente universal, que anteriormente inexistiu.

Surpresa se apossa de nós: após a lenta aparição da vida sobre a Terra, após o breve
período durante o qual o homem existe, o minuto de seis mil anos que é a História e,
agora, estes segundos de unidade da História introduzidos pela idade da técnica.
Talvez que em nenhuma época anterior o homem tenha experimentado tão urgente
necessidade de tomar consciência da singularidade de sua posição no quadro da Históri
Universal: de onde viemos? para onde vamos? e por quê? No instante que vivemos tudo
se encerra, ou é ele o começo de algo em condições radicalmente novas?

2. Vistade Sirius, nos


sa História é um milagre. O áj ocorrido eo queestá ocorrend
o em
nosso planeta, num canto remoto de uma galáxia entre bilhões de outras, num momen
fugaz — haverá ocorrido em qualquer outro ponto? Ou seremos os únicos seres
inteligentes?

Não dispomos do menor indício da presença de outros seres racionais no universo. Essa
presença, que teríamos por natural, pode ser questionada com base em boas razões
Antes de tu
do: as condi
ções físicas e químicas apresentadas pela Terra — condiç ões
indispensáveis à vida — correspondem a combinação incrivelmente complexa de
possíveis estados da matéria, oferecendo margem estreitíssima de tolerância, que a vid
não poderi
a tran
spor sob pen
a deimediatamente cessar. Ignoro se é possível calcular o
grau de probabilidade de ocorrência do conjunto dessas condições. Seria possível mais
de uma vez o acidente chamado vida? Por outro lado, ainda que a vida fosse fenômeno
repetido, levaria sempre ao surgimento de seres pensantes? Por quinhentos milhões de
anos houve vida na Terra e só entre meio e um milhão de anos atrás é que apareceu
homem ou apareceram seus ancestrais. Teriam os seres pensantes — nós homens —
surgido apenas uma vez no universo? Não o sabemos.

Trata-se de uma questão de fato que, em princípio, é possível equacionar, mas que só a
experiência poderá respond er. Livres para opinião, hes itamos entre asduas respos tas
possíveis. Até agora, a experiência a que aludimos ão n teve lugar. Visões cósm icasem
que se pintam seres pensantes presentes por toda parte e relacionando-se entre si pod
ser impressionantes, mas não passam de ficção.

Estamos sós em um universo de matéria inerte, com suas metamorfoses, movimentos


explosõese variedades. O universo nãoece n ssita de nós. Imenso com o é, o uni
verso
permaneceria o mesmo, ainda que viesse a desaparecer este grão de poeira que é a Te
e, com a Terra, os homens. O universo não existe para nós. Platão, Nicolau de Cusa.
Kant ensinaram a conte mplar o universo como l,tae não com o algo criado paraos
homens. Longede ser nosso dom ínio, é ele, talvez,o objeto denosso te
mor sagrado.

Como do universo não conhecemos senão a exterioridade e a natureza material,


balouçamos entre o espanto e a indiferença. Podemos, contudo, alterar a escala de
proporção entre o universo imenso e este planeta minúsculo, dizendo que nosso mundo
se faz grandioso em razão da substância de nossa História, na qual o conhecimento do
Cosmos (conhecimento cambiante) figura para sempre como elemento de nosso
espírito.

3. Nossa História não é uma história da natureza. Não podemos entendê-la como
continuação do evolver do universo e da Terra ao longo do tempo ou como
prolongamento da aparição de seres vivos sobreNossa
o planeta.
História é de natureza
fundamentalmente diversa. Despida de consciência ou repetição invariável ao longo dos
tempos, a história natural se estende por milhões e milhões de anos. Cotejada com ela
nossa História é de duração brevíssima. Sem que o substrato biológico seja alterado, a
História se altera de geração para geração. Compõe-se de ações, tradições e memórias
conscientes. O contacto com o universo e com a natureza nos lança a Terra estranha,
põe-nos face a alguma coisa que é alheia e indiferente a nós. Quando passamos à
História, estamos “em casa”. É como se nossos ancestrais nos chamassem e nós lhe
respondêsse
mos. A partir da natureza perm
anente do hom
em, produz em-se os
fenômenos históricos que nunca se repetem de forma idêntica.

4. A História é a ação de ossos


n antepassados,quenos tr ouxeramatéo ponto de onde
prosseguimos incansavelmente. Desde tempos imemoriais, os homens se informavam
respeito da História recorrendo à lenda e ao mito; desde a invenção da escrita, a
informação brota do registro de experiências e ações, registro que as livra do olvido. A
História, como ciência, tem propósito diferente. Desejamos saber o que efetivamente se
passou. Em conseqüência, apegamo-nos às realidades ainda presentes ou a suas fonte
documentos, relatos de testemunhas, monumentos, realizações técnicas, produçõe
artísticas e literárias. Percebemo-las através dos sentidos, mas isso há de fazer-se d
formaque patenteie o sentido intencional nelas contido. A ciência estende-se taé o
ponto em que sejamos capazes de correta-mente compreender os tangíveis registros d
passado e até o ponto em que possamos verificar a correção dos testemunhos que no
oferece.

Pela pureza de seu conteúdo, a ciência se distingue dos mitos e da história sagrada. O
documentos da história sagrada não atestam fatos, mas convicções do estilo
“acreditamos que...” Se fôssemos incréus não teríamos constatado, mesmo
testemunhando os acontecimentos, aquilo que os crentes atestam.

Como todaciência, a ciência histórica te


m seus ilmites.. A enormeexpansão do a
s ber
humano em direção ao passado e a regiões até agora desconhecidas levou-nos a
extrapolar e a afirmar que atingiríamos as srcens da História. Ora, a ciência nos ensina
a modéstia diante do mistério. Por certo, não caberia dizer hoje que jamais penetraremo
em períodos ainda virgens, dos quais só conhecemos raros indícios esmaecidos. Mas
todo começo, inclusive o de um na História, põe-nos em confronto com a
novum
obscuridade em cujo seio a srcem permanece inacessível ao espírito. Há um outro
limite
ciênciadaempírica
História:danão percebemos
História sempreo se
conjunto da História
põe frente como
ao azar. Tal um
é atodo lógico. A
característica
essencial de seu objeto.

5. Tornemos à situação históricaDos atual.


pontos de vista político, social, científico,
técnico e espiritual, vimos assistindo mutações
tão radicais
que Alfred
Weber pôde falar
do fim da História tal como a conhecemos até agora.

O que vier adiante continuará a ser História no sentido a que estávamos habituados?
Continuará a criatividade a manifestar-se no domínio espiritual ou se restringirá ao setor
da tecnol
ogia? A fé dará se
ntido àvida humana ou asuperstição virá obscure
cê-la? O
homem sofrerá modificações a ponto de não mais nos reconhecermos nele? Cessarão d
ser compreendidas as espiritualidades do Ocidente, da China Terminará
e datudo
índia?
pelo suicídio atômico?

Ou, pelo contrário, só agora se estão abrindo para o Homem as grandes oportunidades?
Caminhamos para a paz mundial? Será esta conseguida, em termos de liberdade, po
meio de alianças entre Estados soberanos ou decorrerá da dominação do mundo pel
poder do terror? Ocorrerá como ocorreu até agora, que o inesperado, o criativo, o
miraculoso conduzam a uma nova humanidade que encerre em seu bojo o passado
milenar? Nova fé passará a sustentar Nenhum
o homem?
a dessas ndagações
i pode ser
respondida.

6. Examinarei apenas uma das questões levantadas: a consciência, hoje comum, da


possibilidade da autodestruição humana.
Tudo parece apontar, em sinistra evidência,
para o desapareci
mento do ho
mem.

A transformação daexistênci a humanaem um processo ed produção consumo


e resul
ta
em uma aceleração crescente da troca de bens. Todas as coisas — habitação, vestuário
mobiliário, econom ias — assumem caráter efêmero. Vemo-nos com pelidos a vi
ver o
instante que passa. Poupar é encarado como estupidez. Referindo-se a medidas, talvez
inúteis, para combater a inflação que se insinua por todos os flancos, um economista
sentiu-se uatorizado adizer: Que se passa, afinal? Jamais o povo iveu
v ãt o bem. Não
vejo razão para interferir nesse estado de coisas”.

Na ma
mesesfera de .liberdade
liberdade política,
Continua-se os aatos
, entretan
to, concretos
procl dos
amar: A libe homens
rdadeé nosso tendem
bem mais à abolição dessa
precioso! aJ mais nos se
ntimos tão be m. Podemos viver como emlhor nos pareça
.

Esse geral estado de coisas é escondido por mistificações, que não deixam de ter
conseqüências. O colapso do sentido de duração do mundo material solapa a
circunstância humana e ameaça o próprio homem. Coloca-se em dúvida o valor da
lealdade no casamento, na amizade, na vida profissional. Em todos os setores, o mesmo
se afirma: a permanência deixa de existir, em nada mais é possível confiar.

A substância tradicional da História vai sendo destruída pela forma tecnológica de


viver, que se expande pelo mundo todo. O meio ambiente se degrada e se torna
máquina
pode . A idade da tecnologia faz surgi
subsistir. remcondições sobsaqua
is nada do passado

A fé que seaninha no coração onãmais encontraingua l gem eficaz paraxpressae r-se.


Tornam-se vazias as dimensões da alma e o mundo se faz um deserto ou um triste teatro
de prazeres.

Ouvimos dizer que “Deus está morto”. Sem embargo, as igrejas florescem. Não
duvidam de si mesmas. Tranqüilizados por elas, os homens se sentem seguros em me
a essas estruturas grandiosas que talvez não passem de enormes cenários apodrecidos.

Irritamo-nos mutuamente. A psicologia profunda surge com o refúgio que tudo


obscu rece. A superstição científica leva a recorrer, para bus
ca de salvação, às
pseudociências. E nos dizem: quando tiverem desaparecido todas as ficções e
ideologias, o homem, até agora doente e alienado (em sentido etimológico), recuperará
saúde. E a saúde é a felicidade, o fim supremo.
Parece, portanto, que se desencadearam todas as forças de corrupção. Se lhes opuserm
a vida espiritual (ainda indiscutivelmente intensa) o resultado parecerá duvidoso: as
ciências realizam prodigiosas descobertas, mas, pela massa mesma dessas descoberta
são inclinadas à especialização e nesse processo de especialização vêem-se avassalada
pelo que nã o mais dominam. A técnica conti
nua aultrapa ssar o que dela seesperava; e,
precisamente por fazê-lo, expõe o homem à destruição. A literatura nos fala de
personagens ativos e, não obstante, o espetáculo mais notável que nos oferece é o
desespero, da revolta, do niilismo. A arte se refina no múltiplo de suas possibilidades e
na perfeição de suas realizações e, contudo, exibe o máximo de poderio quando afasta
facedo hom em. Não éisso o queprecede o fim? A produti vidade de nossaépoca nã oé
a chama em que esta coisa singular no universo, a humanidade, virá a consumir-se... e j
se vem consumi ndo? Não será semmanhã
a ste
e hoje emque o ho mem detémpoder
jamais igualado? E o homem que toma consciência de tal situação não se encontrará
diante de uma porta fechada?

Essa consciência de catástrofe provocou o aparecimento de modernos mitos de fim de


mundo. Dir-se-á, por exemplo, que esse afim estava
implicado na História, cuja
priori
força criadora não era mais que luz efêmera a iluminar o caminho de uma
autodestruição que, desde o início, estava anunciada. E por que se manifesta hoje?
Klages afi
nosso rmaqueE,
planeta. nade
penúl
tima dé
outra cadado
parte, dizsécH.
uloG.
XIX, a essê
Wells nciapor
que da Terra baandonou
necessidade o
natural, matéria,
processo vital e processo de conhecimento desembocam, ao mesmo tempo, na
aniquilação.

Referir essas afirmativas corresponde a expor sentimentos, opiniões e idéias certament


inexatos seos tomarmos em termos dealgo incontes
tável. Afirmações contrári
as já
foram feitas, mas igualmente incapazes de evidenciar que o futuro será menos sombrio.

Guardemo-nos de caluniar nosso tempo. Que exemplos de liberdade e de dignidade


simples nos dão certos contemporâneos que, rejeitando falsas consolações, realizam,
sem queixas, a obra cotidiana e morrem de coração leve, recusando-se a admitir o pior
embora sem nada
irradia desses a que
homens quese
sãoapegarem e tendo por fé a própria ignorância! Que brilh
eles próprios!

Se concebermos a História como predeterminado processo de autodestruição da


humanidade, teremos esquecido que o amor, a dedicação, a grandeza do homem e o
esplendor das obras por ele criadas são algo que triunfa do processo de destruição.

7. A linha geral de orientação da História futura é imprevisível. Não há indícios de


liberdade permitindo antecipar possibilidades estimuladoras. Não esteve o homem,
permanentemente em encruzilhadas? O próprio desespero não significará estarmos
pressentindo a humanidade nova que sobreviverá ao desastre?

Quando filosofamos, não devemos jamais deixar-nos dominar por profecias pessimistas.
Como ignoro, tenho o direito de esperar na medida em que — no que me concerne e
partir da certeza que tenho quanto às srcens — faço o possível, por pensamento e
conduta, para me opor à catástrofe.
Significa isso que a contemplação da História e do presente não serve apenas para
satisfazer nosso desejo de conhecimento, para nos esclarecer a respeito da grandeza e
pequenez dos homens ou a respeito do esplendor de suas obras. O essencial é que es
contemplação nos desperte o sentido de responsabilidade.

O amor à verdade exige que admitamos o quese passou. a Ms a História é por nós
julgada: Devemos decidir o que acolher e o que repelir. A orientação virá dos ideais
que, esculpidos por nossos antepassados, façamos nossos.

Devemos aceitar a culpa de nossos ancestrais, pois que somos responsáveis por eles.
Não podemos fugir à nossa srcem.Somos livres apenas para participar da
determinação de um futuro que se desenrola a partir dos dados de nossa História.

No espelho que é a História, enxergamos para além da estreiteza do presente e


discernimos padrões. Sem História, perde alento nosso espírito. Se quisermos ignorar
nossa História, ela nos surpreenderá à nossa revelia. Os espectros do passado nos
conduzem.

Somos
destino responsáveis
integrado ao pelas tarefas
destino que reconhecemos
da humanidade. como énossas.
Nossa missão Hoje, vemos
a de encontrar noss
o elo de
união entre os homens.

Mas não éde esperar , nem de dese jar que haja uma só m aneira de os home ns se
aproximarem no sentido que emprestam à própria vida e à própria fé. Tal maneira de ve
paralisaria a revelação do eterno no decurso do tempo. O fator comum, a integrar todo
os homens, só pode ser a comunidade política asseguradora de uma paz baseada em
compromissos contínuos no que diz respe
ito a problemas da existência prática. sI so
reclama unanimidade no desejar a paz, implicando, por sua vez a necessidade de que
todos estejam de acordo quanto às condições indispensáveis para uma paz duradoura.

A filosofia deve faze


r-nos conscientes dos horizonte
s do futuro, m
ostra
ndo-nos os
limites de toda ação humana, por gloriosa que seja, e aumentando em nós, por ess
forma, o sentimento de responsabilidade diante de qualquer situação nova.

8. Sem embargo, srcem e fim permanecem obscuros. Quando a História nos atinge,
não nos permite repouso. Gostaríamos de encontrar fora da História, uma posição a
partir da qual nos fosse possível viver nela.

Há, em primeiro lugar, a reação de todo homem sobre si mesmo, sobre a própria
existênciaExistenz
( ) com seus companheiros de fado, no ambiente comum. Enquanto
existentes, os homens são, sem dúvida, inteiramente dependentes, mas, dentro da esfe
que lhes é concedida, são espontâneos e únicos.

E eis o último ponto a assinalar. Na medida em que nos encontramos a nós mesmos
apreendemos o fundo das coisas, a História deixa de ser uma prisão. É o lugar inevitáve
em que, através de nossas experiências e ações, atingimos o que é autêntico.
Se saíssemos da História, tombaríamos no nada. Fora de nossa existência na História,
não dispomos denenhumfio de Ariadne capa
z de conduzi
r-nos àautenticidade. Sem
História, vemo-nos privados de linguagem que nos permita indiretamente falar das
srcens de que brotamos e que nos sustentam.

Não podemos passar para além da História, mas, percorrendo-a, por assim dizer, vemo-
la tornar-se transparente a uma luz vinda de outras regiões. É como se, ao longo do
tempo, tivéssemos a experiência de um eterno presente no fenômeno do tempo.
III.
O CONHECI MENTO FUNDAM ENTAL

1. Em relação ao universo e à História, expandimos continuamente os limites de nosso


conhecimento. É como se nos perdêssemos no infinito das realidades cósmicas e
históricas. Face a umas e outras, adquirimos consciência do passageiro e insignificante
caráter de nossa existência.

Mas, e o universo? ele se cala. Saberá ele que existe? Em seu mutismo não divisamos o
menor sinal de um conhecimento dessa ordem. Nós, porém, sabemos que ele existe. Nós
somos estes seres extraordinários que sabem que o universo, essa imensidade, existe. E
podemos estudá-lo. Nossa consciência do nada que é o ser humano transforma-se no se
contrário.

Se nad a soub éssemos do universo,não seria como se ele não existisse? Isso parece
absurdo, mas indagamos: que seria o ser que se ignorasse a si mesmo e de ninguém
fosse conhecido? Confundi
r-se-ia coma mera possibilidade de ser conhe
cido? Algo que
esperaria, por assim dizer, a oportunidade de manifestar-se a um ser capaz de percebê
lo? Nós, esse nada no universo, não seremos o ser verdadeiro, o olho que vê o mundo?

E nossa História? Diante dela, temos consciência de nossa insignificância como


indivíduos, mas em sentido diverso. Compreendemos o que os homens foram, fizeram,
conseguiram.
face Quanto
a um infinito quemais
não enos
melhor o compreendemos,
esmaga e sim nos envolve. maisCompreender
claramente nos vemos
coloca a
imensidão a nosso alcance.
Jamais ascenderemos a seu nível e não obstante, a despeito
de nossa insignificância, a ela pertencemos e ela nos responde.

Que som os nós


, que são esse
s olhos que estão no mundo m e vêe
e conhecem e
compreendem? Seres pensantes, somos a dimensão — única, segundo sabemos — onde
aquilo que é se revela em nosso pensamento objetivo, em nossa compreensão, em noss
ação, em nossa criação, em cada forma de nossa experiência.

Mais ainda: temos não pe


a nas consci
ência, mas consci
ência de nós mesmos. Nesta
consciência não há tão-somente revelação, mas a revelação de si para si mesma.

Demos um salto: passemos da cognição intelectual dos objetos para a consciência


subjetiva do querealizamos e e
xperimentamos. A altura queatingimos comesse salto é
nada, se a considerarmos do ponto de vista do conhecimento do mundo; considerado
porém, do ponto de vista filosófico equivale à possibilidade de atingir uma nova
consciência do ser.
É o que denominamos conhecimento fundamental.

Desenvolver essa consciência é como saltar sobre a própria sombra ou caminhar com os
pés na cabeça. Tentemos,
obstante.
não

2.
queSempre que
se dirige pensamos,
a um objeto. somos um eu que se orienta para um cognoscível, um sujeit

Trata-se de uma relação única, relação que não pode ser comparada a nenhuma outra. O
eu implica um objeto. mplica-o
I tanto aims distintamente quanto m ais claramente
pensamos. Issoé estar desperto.

Esse estado de coisas é evidente a todo instante, mas raramente merece consideração
nossa parte. Quanto mais nele pensarmos, mais surpreendente nos parecerá.

Como atingirmos um objeto? Pensando-o e. dessa maneira, ganhando intimidade com


ele; manipulando os objetos manipuláveis, pensando os objetos pensáveis.

Como chega a nós o objeto? Somos afetados por ele, apreendemo-lo tal como se oferece
a nós, produzimo-lo sob a forma de uma idéia que a nós se impõe como correta.

Existe o objeto ? Pensamo-lo como objeto que existe e é possível de apreensão.


per se
Damos-lhe um nome qualquer: casa, fato, objeto. Para nós, o objeto é como se
apresenta. É por estarmos ali que o objeto é tal como aparece; por sermos, o objeto é.

E nós? Existimos verdadeiramente, enquanto sujeitos em busca de objetos que vêm a


nosso encontr
o ou se col
ocamdiantede nós? Antes queo busque
mos, é preci
so queo
objeto exista para nós; com efeito, não temos consciência de nós mesmos senão a parti
do
nemmomento emum
objeto sem queeu.
nosEmencontramos tendendo
outras palavras, não hápara objetos.
objeto Não hánem
sem sujeito, eu sem objeto
sujeito sem
objeto.

Mas, se não existe umsem o outr


o, que relação m antê
m entre ?si Se eles são
inseparáveis, qual o elo de unidade que os mantêm juntos e apesar do qual estão
suficientemente separados a ponto de o sujeito, pelo pensamento, tender ao objeto?

Denominamo-loabrangente
o , conjunto de sujeito e objeto que, em si mesmo, não é
sujeito, nem objeto.

A dicotomia sujeito-objeto consti


tui a estrutu
ra fundamental de nossa consciência. Só
ela permite que o conteúdo infinito do abrangente adquira clareza. Tudo que é traduz-s
obrigatoriamente no abrangente da dicotomia sujeito-objeto.

Quanto ao próprio abrangente, não cabe pensá-lo como objeto (coisa), porque, em tal
caso, ele se faria objeto (oposto ao sujeito). Se quisermos pensá-lo, haveremos de
renunciar à base oferecida pelos objetos que temos diante de nós quando os pensamo
E, por isso, buscamos um outro fundamento, que não seja sujeito nem objeto.

Para alcançá-lo, importa realizar o que, a meus olhos, é a operação filosófica


fundamental. Não se trata de um método de pesquisa, mas de procedimento que lev
algo a acontecer em nós. Explicitá-lo verbalmente, através de figuras de pensamento,
não proporciona mais do que alguns marcos deEstes
orientação.
não podem
ser usados
para dar-nos qualquer tipo de conhecimento, mas, através deles, tornam-se mais
perceptíveis as formas de manifestação do ser.

3. Se o ser não é sujeito nem objeto, mas o abrangente que se revela na dicotomia des
elementos, tudo que senessa
reveladicotomia é manifestação.
Para nós, aquilo que “é”
é manifestação que nos esclarece a propósito doatravés
abrangente,
da dicotomia
sujeito-objeto.
O que percebemos apresenta-se no tempo e sobno
suaespaço,
forma de
realidade sensível; o que pensamos apresenta-se sob as formas do que é suscetível de
pensado.Não “é”, portanto, em si mesmo; porém é para mim, na dicotomia sujeito-
objeto.

Não quer
mundo issoSódizer
real. que
existe umnosso mundo seja apenas aparente e oposto a outro, que seria
mundo.

O problema reside, antes, em saber se este mundo, de que temos experiência através
dicotomia sujeito-objeto, é o próprio ser, que se confundiria, então, com o mundo
cognoscível.

Eis a resposta: o mundo não é aparência, mas realidade. Realidade que é manifestação,
fenômeno. Enquanto fenomenalidade, “possibilidade de manifestar-se”
(Erscheinungshaftig-keit
), o mundo encontra apoio na realidade, no abrangente que, de
sua parte, jamais se manifesta como realidade no inundo, como objeto passível de
estudo.

4. Por mais de um modo se manifesta o abrangente da dicotomia sujeito-objetivo.


Façamos rápida referência a essa multiplicidade.

É dito, por exemplo, que as cores não são objetivas, porém fenômenos subjetivos que se
manifestam quando ondas eletromagnéticas atingem o órgão da visão. Somente as onda
seriam objetivas, mas o mundo despido de cores e privado de luz. De maneira alguma.
Assim seria se a matéria, objeto da Física, o
f sseo própri
o ser e nã
o umsimples modo de
manifestação. Para os sujeitos sensíveis, as cores são inteiramente objetivas. A Física e
a Biologia nos esclarecem a propósito de condições em que as cores se apresentam
como uma realidade. Mas de modo algum cabeexplicar as cores aarti pr de onda s
incolores. Vários indícios favore
cem essa maneira dever, como porxeme plo o seg
uinte:
a série das
amplo linear dos eletromagnéticas
ondas comprimentos de—ondas — reduzida porção
não corresponde a uma do conjunto
escala muitolinear,
cromática mais
mas a um círculo cromático fechado em si mesmo. Há uma objetividade do cromático
passível de estudonde
i pendentemente da
s condi
ções físicas desuaocorrência. A par da
objetividade das cores, há a subjetividade do ser vivo, que abrange uma e outra.
Assim ocorre comtudo q
ue é vivo. A vida, como vi
mos naprimeira conferência, não
pode ser concebida adequadamente em termos de substância viva, de corpo vivo. É
antes, um todo constituído por um mundo interior e um mundo exterior, cada qual de
forma peculiar. Para criar vida, seria necessário fazer surgir um universo completo,
compreendendo um mundo interior e um inundo exterior.

A vida cha
mamos existente Dasein
( ). Ao existente vivo cham
amos abrangente e sese
abrangente, cindido em mundo interior e mundo exterior, mantém os dois em relação
recíproca. Nós, homens, somos um modo desse existente a esse vivo
título,
e, uma das
formas da vida.

Esse modo do abrangente, o existente vivo, ignora existir. Nós, homens, não o
ignoramos porque somos um outro modo do abrangente: o pensamento que, pensando
dirige-se a objetos e se pensa a si mesmo. Esse abrangente é, não somente consciência
na diversidade de seu existente, porém é, ainda mais, consciência acertada ou falsa. O
falso e subjetivo varia infinitamente; o justo e objetivo é algo que abrange todo o
pensável e o cognoscível e não pode ser alcançado por nenhuma consciência existente
isolada. Eis por
que a denominamos
consciência
absoluta.

Ao que os sons e coreso sãpara a se


nsibilidade do xeistente pode
mos comparar a
relação que se estabelece entre o pensamento subjetivo e o pensamento objetivo. O
pensamento se completa por meio de afirmações ou categorias e concerne ao que
pensado. Dizemos que isto é causa, substância, realidadeEssas categorias
etc. são
engendradas pelo sujeito da consciência absoluta; e são, ao mesmo tempo, as categoria
objetivas onde para nós se colocam todas as coisas cognoscíveis. Essa doutrina das
categorias sob forma de doutrina das formas de afirmação de nosso pensamento é
concomitanteme
nte, m
u a doutr
ina da
s formas da s coisas mesmas quese apresentam a
nós. O abrangente da consciência absoluta mantém a coesão dos enunciados objetivos
de pensamento, sem ser ele próprio nem sujeito, nem objeto.

Além disso, não somos apenas ser vivo e consci


ência absoluta. Somos “esp
írito”,
espírito criador de imagens e formas. Nas visões criadoras de nossa imaginação
subjetiva revela-se uma objetividade intelectual. Não existe uma sem a outra.

Enfim, enquanto existência possível )( somos liberdade. Em sua liberdade, a


Existenz
existência sabe-se em relação com a transcendência pela qual se oferece a si mesma.
realidade de nossa existência é o eu em seu devir temporal. Está em nosso amor, fala e
nossa consciência; põe-nos em relação com outros e é nossa razão.

Enquanto existente ( ), ser objetivo, nós somos a diversidade dos seres individuais
Dasein
se afirmando a si próprios. Enquanto consciência absoluta, somos o único sujeito do
pensamento absoluto, sujeito presente em escala maior ou menor nas diversas
subjetividades de existentes. Enquanto espírito, somos imaginação presente nos grupos
de formas que chegam a nós por nossas criações. Enquanto existência
) somos (
Existenz
devir em relação à transcendência, no fundo das coisas.
Se digo que somos existente vivo, consciência absoluta, espírito, existência, não quero
dizer que sejamos um agregado desses modos do abrangente. Em nós, eles se
interpenetram, ajudam-se e se combatem.

A existênci
a dá sentido aos m
odos do abrange
nte eos mantém unidos, a seu
serviço.
Por outro lado, se não servem a existência, esses modos se desagregam, por assim dizer
e assumem pseudo-autonomia a serviço de particulares solicitações da vida ou do
mundo do espírito, que fascina por não conhecer limitações.

Desenvolvido por meio da filosofia, o conhecimento fundamental — que podemos


evocar mas não descrever neste contexto — cria espaço livre graças à clareza da
autoconsciência que no interior dele se constrói. Faz desaparecerem as limitações.
Tornam-se transparentes os meios pelos quais nos fazemos reais enquanto existência.

5. Tornemos ao ponto de partida. Através da operação filosófica fundamental, o


conhecimento fundamental nos dá consciência da possibilidade de nossa realidade
manifestar-se no tempo. E isso tem conseqüências para uma constituição interior.

O mundo
como
Realität
tal. real
Somos( lançados
) é manifestação da realidade
a esse reale
mundo ),( ondee nos
Welt
a Wirklichkeit
não orientamos
realidade)com
( o
auxílio do conhecimento ( ) científico universalmente válido, que, entretanto,
Erkennen
nada nos diz acerca do que esteja para além de seus limites. Só o conhecimento
(Einsicht
) filosófico nos pode liberar da prisão neste mundo.

O conhecimento filosófico deve, antes de tudo, ser capaz de surpreender-se com o


óbvio: qual a significação do fato de que, pensando nós sejamos sujeitos que se dirigem
a objetos edessadicotomi
a vejamos resi
dir a clareza? A partir dess
e espanto emrelação
ao que está presente a todo instante, ao que até agora era evidente e não levantav
dificuldade, ao que não merecia atenção mais demorada, a partir desse espanto
dizíamos, chegamos a outros problemas.

Esta vida no mundo dos fenômenos é como que um despertar após o sono, que nos
retira do obscuro de um inconsciente inimaginável? É essa clareza a única possível? Ou
a vida, na dicotomia sujeito-objeto, é comparável a um sonho? Não será a clareza, em
verdade, um obscureci
mento do ser e deimmmesmo? A resposta assas
e ndaga
i ções
não brota de conhecimento, mas, por estranho que pareça. c!e uma decisão.

Quero que o mundo real me seja indiferente. Aceitá-lo simplesmente, sem agir sobre
ele? Não ser responsável porQuero
nada? viver como se não existisse?
Foi esse o
caminho tomado por algumas escolas asiáticas de pensamento: a fórmula “o ser é a
aparência e a aparência é o ser” figura num romance tauísta, onde se afirma que a vida
humana com seu encanto perturbador, na beleza, sua inutilidade, com o bem e o ma
ilusões e desilusões,
dão expressão a umaem suma, com
disposição sua onde
íntima falta de sentido,
tudo é um jogo
se desvanece vão.fumaça
como Fórmulas tais
tocada
pelo vento.
Posso, diversamente, querer — pela realidade de minha vida, responsabilidade e
conhecimento — atingir a clareza neste mundo fenomenal, considerando-a caminho
único para alcançar possível iluminação que venha de mais além. Neste caso, o
fenômeno não é, para nós, mais do que aparência, a vida não é sonho. Não percamo
porém, de vista que todo nosso conhecimento finito corresponde sempre a um estado
servidão. A indagação qu
e se coloca é a seguinte: podem
os nós, val
endo-nos do
pensamento, encontrar, por assim dizer, um lugar exterior a nosso conhecimento e a
partir do qual esse conhecimento se tornasse inteiramente visível por transparência?
Dali, eu não divisaria conhecimento novo, não perceberia novas finalidades no mundo,
mas poderia metamorfosear minha consciência e, por essa via, metamorfosear-me
mim mesmo.

Cogitando desses problemas, não fazemos senão reconhecer a realidade


)
Wirklichkeit (
que transportamos conosco durante todo o tempo, mas em que não havíamos pensa
porque nos encontrávamos prisioneiros dasRealitäten
realidades
) manifestas.
(

6. Sabedores de que o existente


Dasein) é( dotado da capacidade de manifestação,
rompemos, por nossa consciência de ser, a prisão em que nos contém a dicotomia
sujeito-objeto. Contudo, apesar do conhecimento, permanecemos na prisão. Terminou a
servidão, porém não o cativeiro. Surgiu para nós uma luz a cujos raios tudo sofre
transformações, sem que se revele qualquer realidade neva. Ora, é isso exatamente q
nosso entendimento sensível gostaria de poder apreender. Gostaríamos não somente d
que nossa visão atravessasse a dicotomia sujeito-objeto,
mas que.ultrapassando-a,
ganhasseapoiopara além
dela.Para tanto,
aventaram-se dois
caminhos impossíveis de
transpor.

O primeiro conduz para fora deste mundo. Experiências de mística união com o ser
dificilmente admitem contestação. Tais experiências não podem, entretanto, ser
comunicadas poraqueles que retornam
ao mundo com
um. A interpretação possí
vel de
dar a essas experiências é variada e expõe-se a controvérsia. Para descrevê-las, os que a
fizeram recorrem a um fluxo de imagens só por eles compreendidas. No inconsciente ou
“superconsciente”
qualquer distinção da união
entre
eu incomunicável,
e o outro
eu
objetos
se adesvanecem;
; deixa de existir e
dicotomia fica abolida A
sujeito-objeto.
nosso ver, trata-se de um estado de exceção do qual quem o viveu retorna trazendo al
consigo, algo que semelha conhecimento. Da experiência, quem a faz sai aniquilado,
como se tivesse tido acesso à iniciação suprema. Contudo, ao passear pela linguagem da
consciência, que a todos nos une, a experiência que parecia ser tudo se converte em
nada. A ela não podem
os recorr
er.

Aquele quenão se viu exposto à verda


deira expe
riência mística sabe apenas que, se a
tivesse, dela não decorreriam conseqüências práticas neste mundo — nem para si, nem
para os outros.

O segundo caminho aconselha que se tome por objeto um outro mundo, supostamente
concreto, situado no mais além. Em visões, ele se apresenta fisicamente diante de
nossos ol
hos e essas visões es
magam quemé por el as tom
ado. Assum em a forma de
estruturas raci
onais. Aos insanos mentais essas visõessupra-sens
íveis aprese
ntam-se
como experiências concretas e srcinais. O comum dos homens, após vê-las descritas,
só pode, dando livre curso à imaginação,
reproduzi-las emsua “consciência normal”.

Aquele quenão a preende a fluida ilnguage


m dos enigmas, aquele quenão seexpõe os
a
golpes do destino está, por seu conhecimento supra-sensível, livre de sua liberdade,
livre da
s situações-limite eescapa aos probl
emas de Jó. Dispõede alguma coisa.

O preço,porém
, é o de pe
rder a verdade
. Ilusão, decepçã
o, entrega
. Não seremos salvos
pela mística, nem pelas visões. Só pela dicotomia sujeito-objeto, pela clareza da
realização, chegaremos ao ponto em que nela, através dela, alcançaremos a apreensã
do abrangente. Não nos apoiaremos nem no sujeito, nem no objeto, mas viveremos n
abrangente.

7. As exposi
ções nateriores m
ostraramque o pensamento filosófico não éde gênero
único.

Quando falamos do universo e da História, buscamos atingir o limite. Os limites têm,


por si mesmos, poder de atração tal que o próprio conhecimento parece não existir
senão para que
Na medida façamos
em que a experiência
o investigador, dos limites.
inspirado Esse instinto
por esse é um dos métodos da
e conduzido filosofia.
por ele,
penetra cada vez mais fundo no que é concretamente cognoscível, a filosofia se faz
ciência.

No presente capítulo, recorremos a método inteiramente diverso: em vez de partirmos


de objetos, partimos do presente e procuramos determinar a maneira como estamos n
mundo. O abrangente só existe na medida em que aparece na dicotomia sujeito-objeto e
se torna consciente de si mesmo, por assim dizer, como seu próprio objeto. Reconhecê-
lo nenhuma importância tem para o conhecimento científico ligado a objetos. Nenhum
conhecimento daí decorre, mas se esclarece nossa consciência do ser. É impossível o
salto do intelecto até ele. ele se vale do intelecto para o transcender, sem perdê-lo.

É um tipo diverso de experiência de pensamento. Faz-se presente algo que não pode ser
apreendido em si pelo pensamento objetivo. Passamos a dispor de um espaço onde nã
mais se produz o conheci
mento de u
qalquer coisa. Atingimos hori
zontes de
ondenão
divisamos objetos novos e desconhecidos no mundo.

É um pensamento que, de algumoutro uga


l r, podeiluminar nosso m
undo. Visto de
sse
ponto privilegiado, nosso ser-no-mundo adquire profundidade nova.
IV.
O HOMEM

1. Nas duas primeiras conferências, examinamos o conhecimento da natureza e o da


História para descobrir-lhes os limites. Na terceira conferência, nossa preocupação se
dirigiu para a na
tureza do cognosce
nte eda consciência em si. Aprend
emos quetudo
quanto para nós existe aparece na dicotomia sujeito-objeto. O abrangente, que aflora n
manifestação da dicotomia, nã
o é nem sujeito, nemobjeto. A sua capta ção
denominamos conhecimento fundamental, distinguindo-o do conhecimento da natureza
e do conhecimento da História.

Tudo de que falamos — natureza, História, abrangente — reúne-se no homem. Antes de


tudo, sendo seres vivos, compostos de matéria, pertencemos à natureza, como espéc
animal que somos. Sendo seres racionais, atuantes e criadores, pertencemos à História
que criamos ao mesmo tempo em que a ela nos vemos expostos. E, enfim, somos o
abrangente que compreende, por assim dizer, a natureza e a História. Tendo-nos
tornado, por força da natureza e da História, aquilo que hoje somos, é como se
houvéssemos provindo de um lugar estranho, ao mesmo tempo, à natureza e à História
só ali tivéssemos nossa srcem e nossa meta.

Nada háque secompare à natureza do homem. O homem que somos rece


pa aprópria
evidência e é, entretanto, a mais enigmática dentre as coisas. De múltiplas maneiras fo
essa idéia expressa. Por exemplo: o homem se confunde com todas as coisas, a alma
tudo, di
sseAristótel
es; o hom
emnãoé anjo, nem
besta, afirmou
um pensador
medieval.

mas, situado a igual distância de unia e de outra participa de ambas essas naturezas;
centro da criação, ele é distinto não apenas dos animais, porém também dos anjos; só
ele é feito à imagem de Deus; o homem, dizia Schelling, tem, profundamente escondida
em si, uma “cumplicidade com a criação”,
que assistiu-lhe
pois as srcens.

2. Sejade onde
for que tenhamos
vindo,estamos aqui.
Encontramo-nos no mundo, em
meio a outros homens.

A natureza éuda.
m Embora pareçastar
e expressando
lgo aatravés de
suas fo
rmas, suas
paisagens,
seu silênciosuas
— atempestades tumultuosas,
natureza não responde. suas erupçõesreagem
Os animais vulcânicas, sua brisaque
de maneira ligeira
tem
sentido, mas não falam. Só o homem fala. Só entre os homens existe essa alternância de
discurso e resposta continuamente compreendidos. Só o homem, pelo pensamento, tem
consciência de si.
O homem está sozinho no mundo imenso e mudo. Foi preciso que o homem surgisse
para emprestar linguagem ao mutismo das coisas. O silêncio da natureza ora lhe parece
estranho, inquietante, impiedosamente indiferente ora lhe parece favorável,
despertando-lhe confiança e apoiando-o. O homem acha-se sozinho em meio a uma
natureza de que
, não obstanteparte.
é ome
S nte com usse compa
nheiros de de
stino ele se
transforma em homem, em si mesmo e deixa de estar solitário. E, então, a seus olhos, a
natureza se
torna o pano defundo deuma obscuri
dadequefala sempalavras. e Vmo-nos
a nós mesmos como luz que ilumina as coisas, que se dispõem com referência a nosso
pensamento e sàrelações que com
elas estabel
ecemos.

3. É a partir do mundo que nos compreendemos como esse existente vivo e corpora
sem o qualnão somos.Esta mos ligados a esse existente, movemo-nos com ele e
reconhecemossua corporalidade
comonossaaté o pontoda identificação.
Mas, se nos
entregarmos à idéia de que, no plano da natureza, somos feitos de matéria e de vid
perde remos consciência de nós Com
mesmos.
efeito, a identificação de cada um de nós
com sua corporalidade não basta para lazer com que ele seja ele mesmo.

Não nos compreendemos a partir da História, a não ser através da realidade da tradição
sema qua l não terí
amos chegado a nósesm
mos. Mas, se nos rendermos
o proacesso de
conhecimento histórico, no qual hoje nos encontramos, perderemos a consciência de
nossa própria responsabilidade srcinal. E é por meio desta, e não pela contemplação da
História que somos nós mesmos.

Será então, que nos compreenderemos a partir de nós mesmos, na liberdade de noss
ação interior e exterior? Nesse ponto, atingimos a profundidade, tocamos a srcem de
nossa consci
ência de nós mesmos. Mas não comp
reende
mos a existênci
a de nossa
liberdade. Com efeito, nós não nos criamos: nem enquanto esse existente sob cuja forma
nascemos, nem enquanto essa liberdade na qual, compreendendo-nos nela, oferecemo
nos a nó
s mesmos.

4. Se não nos compreendemos a partir de nossa srcem, podemos, ao menos, saber o


que somos?

O homem foi definido como ser vivo dotado de palavra ezoon pensamento
logon (
); como ser vivo que. agindo dá à sociedade a forma de cidade regida por leis
echon
(zoon politikon
); como ser que produz utensílios
hom ( ); que trabalha com esses
o faber
utensílios(homo laborans
); que assegura sua subsistência por meio de planificação
comunitária ( o oeconom
hom ).
icus

Cada uma dessas definições leva em conta uma característica, mas o essencial não está
presente: o homem não pode ser concebido como um ser imutável, encarnando
reiterada
menteaquelas formas deser. Longe di
sso,a essênci
a do hom
em é mutação: o
homem não pode permanecer como é. Seu ser social está em evolução constante.
Contrariamente aos animais, ele não é um ser que se repete de geração para geraçã
Ultrapassa o estad
o em queé dado a simesmo. O homem nasce m e condi
ções nov
as.
Embora preso a linhas prescritas, cada novo nascimento corresponde a um começo
novo. Para Nietzsche, o homem é “o animal que jamais se define”. Os animais se
repetem e não avançam O homem ao contrário e por natureza, não pode ser o que já
Está sujeito a perder-se em anormalidades, degenerações, perversões, a alienar-se de s
mesmo. Isso, porémnão se faz segu
ndo um
a direçãonvari
i ável, conhecida ou admitida,
que se constituiria na única forma verdadeira de ser homem.

5. Mas quem é esse homem, que se reconhece ligado à nação, à raça, ao sexo, à próp
geração, ao meio cultural, à situação econômica e social e que, não obstante, de tudo s
pode afastar, colocando-se, por assim dizer, fora e acima de todas essas estruturas em
que historicamente se encontra imerso?

Tudo que sabemos do homem, tudo que cada um dos homens sabe de si mesmo não
correspondeo ahom em. Aquilo a queo hom emestáligado, aqui
lo com que o hom emse
debate não identifica o homem. Sua srcem propõe-lhe um problema que se transforma
emalavanca da qual se vale para ten
tar u
f gir àquilo emqueestá enterrado. A
partir daí,
ouve ele a exigência que não lhe deixa repouso. Sua consciência de ser se realiza com
base em algo que ele jamais compreende, mas de que acredita participar uma vez qu
seja ele mesmo.

Nem o homem
, nem qua
lquer do
s home
ns sabeo que éem realidade, quando se
reconhece
que amparado
o homem por siesse
tem de fundamento
mesmo sobre ao qual
diz respeito nada pode.
fenômenos, Todocondições
a suas conheciment
ou
potencialidades. O homem não se identifica a qualquer desses aspectos, porém os
incorpora ao longo da jornada que o leva a si mesmo.

6. Abrigamos emnós al
gumas m
i agens do hom
em e ouvimos falar deoutras que a
História reteve.

Mas, como não podem


os fixar numamage
i m o que o home
m realmente ,éo que pode
ser ou o que deve ser, somos também responsáveis pelas imagens que nos orientam.

Os homens não vivem sem dispor de imagens de si mesmos. Pela confrontação de


imagens, ch
egamos a nós me smos. Ohomemsempre esteve odeado
r demagens:
i so
heróis da mitologia, os deuses gregos — que, de natureza semelhante à dos homens
destes só se diferenciavam por serem imortais — os sábios, os profetas, os santos, as
personagens literárias. Como se colocam essas imagens em torno do homem de nosso
dias? Os deuses do*teatro, do estádio ou da tela, os políticos, os escritores, os sábios
continuam a constituir-se em imagens orientadoras ou deixaram de sê-lo?

Somos nós próprios a aposta na luta que, em nós se trava, entre imagens do homem
Sentimos atração ou repulsão por imagens que reconhecemos nos indivíduos. Fazem-se
elas, a nossos olhos, modelos positivos ou negativos. E de nós próprios indagamos: que
faria ou que diria tal homem na situação presente?

Quando caímos, tendemos a justificar a própria baixeza pela contemplação da baixeza.


Para nos reencontrarmos, tentamos encontrar homens que possamos respeitar. Tornamo
nos nós mesmos naqueles que amamos. Perdemo-nos naqueles a que nos julgamos
superiores.
Postos em confronto com os mais elevados exemplares da humanidade, dizemos em
autodefesa: “não quero ser assim, quero ser como todos”; “é humano participar da
baixeza humana, em vez de, por orgulho, procurar ser melhor — essa é a humanidade
verdadeira”; “as personalidades são ídolos de tempos idos — deixaram de existir”;
“quero ser de meu tempo, corresponder ao que ele exige”. Em contraste com essa
manifestações, põe-se a reverência pela nobreza humana, que vemos continuadament
realçada
. Essareverên
cia nos leeva a
cima denós m
esmos. Impõe-se areverência pela
nobreza humana para que possa haver respeito pelos indivíduos; efetivamente, o
respeito pelo indivíduo é o respeito pela nobre potencialidade que ele encerra por se
home m. A mesma reverênci
a está naorigemdo respei
to próprio que consi
ste em não
tolerar fazer, pensar ou sentir nada capaz de levar-me ao desprezo de mim mesmo. Há,
entretanto, o recife perturbador diante do qual todo amor e reverência naufragam: é o
fato de encontrarmos no homem alguma coisa que, em literatura
Tempestade, de(na
Shakespeare), assumiu a figura de Caliban e, na realidade, graças à loucura servil de um
povo, encarnou-se em Hitler.

A reverên
cia não eleva o homem ao nível da divindade. O homem humilíssimo e o
grandehomemsão a parentados conosco
. Mas é perversãoansf
tr ormar afórmula: “todos
são homens como nós” — fórmula que, sem abolir a indefinível hierarquia, nos eleva a
todos — em algo
semelhantes que nos nivela por baixo e dizer “todos não passam de homens e são
a nós”.

7. Afirmamos que o homem não podia ser compreendido a parti


r da na
tureza, nem
a
partir da História, nem a partir de si mesmo.

Exilado em seu existente, o homem quer ultrapassar-se. Não se satisfaz com ser, numa
quietude fechada em si mesma, o perpétuo retorno do existente. Não mais se
reconhecer
ia autenti
came
nte como home
m, se se contentasse com ser om home
que
hoje é.

Para transcender-se, não basta ao homem a sensação ou o gozo de imagens mitológica


nem o sonho, nem o uso de palavras sublimes, como se nelas a realidade estivess
inclusa. Só na ação sobre si mesmo e sobre o mundo, em suas realizações é que e
adquire consci
ência de ser ele próprio, é queele domina a vida e se ultrapa
ssa. Isso
ocorre de duas maneiras: por ilimitado progresso no mundo e pelo infinito que se faz
presente a ele em sua relação com o transcendente.

8. O progresso no domínio da natureza começa com a humanidade, com a invenção d


instrumento e a arte de fazer
Algo
fogo.
se carescenta
à necessidade vital: a corage
m de
querer conhecer, a audácia do marinheiro, a vontade inquebrantável de aventura, a
aspiração jamais satisfeita que transforma as metas alcançadas em novos pontos d
partida.

A mitologia grega via em Prometeu o titã desafiador dos eu


d ses. Esquilo nos d
iz que
Zeus desejava aniquilar os homens, dos quais Prometeu se fêz defensor. Para ajudá-los
se defenderem, Prometeu lhes fêz dádiva do fogo e lhes ensinou a dominarem artes mil,
de modo que pudessem produzir aquilo de que tinham necessidade para viver: ensinou-
lhes a técnica de construir casas e embarcações; o uso do ferro, da prata e do ouro;
maneira de domar o touro que puxará a charrua e de domar o cavalo, que os transporta
a pontos longínquos. Ensinou-lhes os números, as ciências, a arte de escrever. Dando-
lhes a oportunidade de criá-la através da ação refletida, Prometeu, em verdade, deu vid
aos homens. No pensamento de Zeus, a ordem do mundo não comportava essa
indepe
ndênci
a. Ao titã Prometeu e asi mesmo o home
m deve o que é. “Nadaé mais
poderoso do que o homem”, diz Sófocles.

Entretanto, nas potencialidades do homem reside também o que lhe é fatal. Dante
descreve a última aventura de Ulisses. Com seus companheiros, ele transpõe as
fronteiras que as Colunas de Hércules assinalavam para os homens. Por quê? “Para que
nada permaneça oculto a meus olhos”. E aos companheiros ele diz: “Não recuseis ao
que vos resta de vida o prazer de verificar se teremos êxito no alcançar terras
desabitadas. Não tendes vida para viver como os animais, porém para perseguir a glória
e a ciência”. O mar os engole após uma tempestade que se desencadeia ao largo d
montanha do purgatório. Do fato ninguém tinha conhecimento antes que Ulisses o
referissea Dante no Inferno.

A visão de Dante nos eva


l a refletir sobre os iasd que correm. Em nosso te mpo, a
navegação em mares austrais é fato corriqueiro. Em 1957, o primeiro satélite artificial
da Terra, o sputnikrusso, foi lançado ao espaço. O entusiasmo se manifestou,
especialmente quando, pouco depois, um satélite artificial tripulado trouxe o
cosmonauta de volta àTerra, são sa
e lvo. Ali estavaele, emcarnee osso ereferia coisas
que jamais o homem havia visto. Cabia supor que o homem fosse tomar posse do
cosmos, que não mais se encontrasse ligado à Terra, que não passaria de sua pátria
srcem. Há dezenas de milhares de anos, o homem se arriscou sobre a água em sua mai
primitiva embarcação. E veio a circunavegar o globo. Hoje ele se lança ao espaço com
sua primeira embarcação e, um dia, dominará o espaço como domina a Terra.

Palavras desse tipo são ilusórias. Embora, com toda probabilidade, o homem deva ir
mais longe do que já foi. barreiras físicas últimas permanecem. O homem não penetrou
no cosmos,porém,simplesmente,
em nossosistem a solar. Jamais pode
rá adentrar o
uni
se vencontra
erso eaí assenta
na r pé. Adistânci
constelação deaCentauro)
entre o noss—o sol e o maisridícula
distância próxi
mona
dos óis
s (que
escala do universo — é
de quatro anos-luz. Condições biológicas da vida humana impedem a transposição de ta
distância. Isso nã
o é um a desgraça
, é uma limitação.

A vontadede conhece r — ao mesmo tem po corajosa e temerária — do Ulisses de


Dante corresponderam, na aurora dos tempos modernos, as viagens dos descobridores
exploradores. A conquista do globo inaugurou uma fase nova e grandiosa na história do
homem. Sem embargo, hoje, sputnik com oalterou-se o sentido dessa vontade de
conhece
r. As perigosas escaladas dos alpinistas têmpara eles mais sentido que sa
perigosas explorações dos cosmonautas (como o comprovam as decepcionantes
exposições que estes publicam). Nas viagens ao espaço, tudo quanto importa é a
perfeição tecnológica, que suscita prestígio vão, comparável
mecanizado. recordsnumaesporte

Em nosso tempo, tornou-se realidade, sob forma nova, a visão de Dante (ruína
precipitada pela temeridade de quem pode e quer conhecer). Com efeito, o avanço
técnico atingiu ponto em que não se exclui a possibilidade de que a humanidade se
destr
ua a simesma.

9. Também num outro sentido quer o homem ultrapassar-se: não avançando pelo
mundo, mas projetando-se para além do mundo; não na insaciável e sempre renovad
inquietude de sua existência temporal, mas na quietude da eternidade, no tempo qu
abole o tempo.

Quietude, sob forma de duração no tempo, não é concedida ao homem. Significaria o


fim dos tempos. O instante de repouso no mundo não pode pôr-se como realização.
Tudo continua. No instante perfeito, quando este é concedido ao homem, brilha a luz do
repouso eterno.

Aquele instante
testem
unhaa calma escondi
da em nós,que nã
o se proj
etano tem
po.

Essa calma é o conteúdo da transcendência e nosso destino é sermos nela recebido


com os companheiros que tivemos. A imutabilidade de Deus é um
a imagem dessa
quietude. É nessa direção que o homem tende a se ultrapassar, não mais avançando n
mundo
inefável.mas caminhando para a transcendência, inacessível a nosso conhecimento e

Enquanto não experimentou a sensação de ver-se soterrado e não optou por “passa
além”, em direção à transcendência, o homem não é verdadeiramente ele próprio. Não
passa do animal racional a que está acorrentado. Para contraditar essa imagem que
diminui, o homem foi chamado “o ser que contempla Deus”. Somente em relação com a
transcendência é que o homem toma consciência de ser livre, na forma de vida superior
exemplificada por homens de todas as raças e todos os tempos.

10. Quando começa a refletir, o homem toma consciência de que não dispõe de certeza,
nem de apoio.É preciso que
nós, homens, tenhamos coragem,
quando nospomos a
refletir sem vendas nos olhos. Devemos avançar olhos
no escuro,
abertos,
de
proibindo-
nos de renunciar
ao pensamento.

A coragem enge
ndra a sperança.
e Sem
espe
rança, não háda.
vi Enquan
to há vi
da, há
sempre um mínimo de esperança, que brota da coragem.

A esperança semostra lusóri


i a qua
ndo o exi
stente na
ufraga. Só amparado na corage
m
pode o homem caminhar de fronte erguida para o seu fim.

A espe rança só tem


sentido emrelação oa existente. Que ocor
re, po
rém, se aesperança
desaparece no mpo?
te Aquela disposição éuma confiança de
spida de objeto, conf
iança
sem
tudo”certeza, não concedida a todos e não concedida a todo momento: “estar maduro
(Shakespeare).

Essa confiança pode faltar-nos. Não resisto à realidade nua. Se a confiança me é dada
não me devo sentir seguro de mim mesmo. Se desejo conservar minha integridade d
homem ligado aos homens e se deles espero compaixão para uma falha eventual, nã
posso esquecer os demais.

11. Vimos quenão há resposta ati


s sfatória para a nda
i gação a propósi
to do queo
homemé.As potencialidade
s do homem enqua nto homem perm
anecemocultas emsua
liberdade. Não cessarão de manifestar-se pelas conseqüências dessa liberdade. Enquanto
existirem, os homens serão seres empenhados na conquista de si mesmos.

Quem se interroga a respeito do homem gostaria de ver dele esboçar-se imagem


verdadeira eválida, mas isso nã
o é possível. A dignidade do hom
em reside no fato de
ele ser indefinível. O homem é como é, porque reconhece essa dignidade em si mesmo e
nos outros home ns. Kant o disse de maneira maravilhosamente simples: nenhum
homempode ser, para outr
o, apena
s meio; cada hom emé umfim em mesmo.
si
V.
O DEBATE POL ÍTI CO

“Política é destino” — esse dito de Napoleão tornou-se mais aterrorizador desde o


surgimento do totalitarismo na era da tecnologia.

Mesmo quando se pretendeu a política, a filosofia sempre teve significado político.


Filosofando, o homem chega a si mesmo. E encontra razão para moldar e julgar
politicamente sua associação com os outros homens.

Será este, à guisa de prólogo, o primeiro de uma série de capítulos relativos à política.
Qual a essência de um debate político?

1. Num debate busca-se esclarecimento acerca do objetivo, colhem-se fatos. Tem-se a


experiência da opinião contrária. Busca-se convencer. Para tornar sensível o efeito da
presença ou ausência da filosofia em tais debates, darei como exemplo uma conversa
fictícia entre dois alemães que denominarei A e B.

A. Nosso obj
etivo último é o de resta
urar asfrontei
ras alemães de1937, manobrand
o
astuciosamente junto às Grandes Potências.

B. Para mini, a primeira meta a perseguir é o restabelecimento da liberdade política,


aindamuito res
trita no interior daRepública Federal Alemã.
Isso é tudo queodep mos
fazer.É a condição necessária para que, solidários Estados
com livres
os do Ocidente,
trabalhemosem prolda autodeterminação dos povos doNessa mundo.linha e por meio
dela, terminaremos por conseguir que se restaure tambem a liberdade de nossos
compatriotas Este,
do hoje vivendo sob opressão.

A. Você estáperseguindo miragens.Acredita num


a solidariedade quimérica.Quando da
questão de Suez, os norte-americanos se juntaram aos russos para fazer com que trê
Estadoslivres — França
, Inglate
rra eIsrael — se curvassem.

B. Você poderia citar outrosigualmente


fatos desanimadores. Mas, aquilo com que você
sonha é uma quimera me nor?A resta
uraçã
o das natigas frontei
ras daAlemanha não
pode ser obtida por meio de uma política por nós isoladamente Mas, se
praticada.
o
crescente poderio da China levasse, por exemplo, a Rússia a se aliar com o Ocidente, o
Estados a
s télites, inclusive aAlemanha Oriental, ver-se-iamquase queautomaticamente
libertados e a fronteira passaria a correr ao longo da linha Oder-Neise.

O único problema é o seguinte: Qual das quimeras preferir? Qual delas oferece melhor
oportunidade? Dito de outra maneira: qual delas propicia melhor expectativa de
sobrevi
vência? Subente
nde-se que só se ode
p pe nsar na sobrevi
vência da Alemanha
dentro do mundo livre. Repito, portanto: o que podemos fazer agora é concretizar a
liberdade política no interior das fronteiras da Alemanha Ocidental.

E você, que acha que devemos fazer?

A. Devemos repetirinfatigavelmente
nossaexigência de reunificação da Alemanha.
Não estaremos senão defendendo
um direitolíquido.A História mostra
que pode tornar-
se realidade o que é aparentemente absurdo. Readquirimos tal importância que já não
somos indiferentes ao mundo.

B. Mas, do ponto de vista político, o que somos nós realmente, mesmo no interior de
nossas fronteiras?
Na medida em que a massa participa da prosperidade econômica,
desinteressa-se
oligarquia da
quepolítica,
de partidos se nomeiade amaneira inquietante.
si mesmaDeixamo-nos
e que nãogovernar
se digna por uma
a interessar-se pela
população, a não ser às vésperas deColocareleições.
o voto na urna é o único ato
político praticado pelo povo e praticado sem maior reflexão. No fundo, isso equivale a
decidir, por aclamação, que a mesma oligarquia de partidos continue no poder. Nenhum
dos partidos tem um ideário político. Nenhum deles trabalha em favor da liberdade
política interna ou em favor da liberdade de pensamento. Nenhum deles procura ajudar
o povo a educar-se politicamente.

Contudo, a situação é bem diversa da que vigorava sob a República de Weimar. Em


nossos dias, o jogo parece provisoriamente isento de riscos. Em verdade, os Estados
Unidos da A
mérica protege
m o Estado contra ata
ques exte
rnos,e o governo o pro
tege
contra golpes
soberania. internos.
Nem internaDisso resulta
e nem a restrição, contratualmente
externamente, o governo temassentada, de nossa
responsabilidade
verdadeira, que pudesse ser exposta à prova do real. Nada lhe pode acontecer. É a
conseqüência da Constituição Provisória, que deu lugar a uma estabilidade inerte.

A. Estamos se
guros, portanto.
Isso não bom
é ?

B. Aparente
mente, sim. Mas esse e
stado de coi
sas éapenas e nsaio para o papelque
desempenharemos na próxima catástrofe Ver-
mundial.
se-á,entã
o, se sabemos o queé
liberdade política; se recobramos a dignidade perdida em 1933; se sabemos adotar as
decisões indispensáveis para preservação da honra e da liberdade — ou se nos comporta
remos como em 1933, ano da vergonha e da estupidez As condiçõe
política.
s, contud
o,
serão inteiramente diversas.
A. Vocêantevê perigos?
B. Sim.A certeza, por exe
mplo, de jauda nuclear por parte
dos Estados Uni
dos da
América, na hi
pótese de uma agress
ão russa, deixou de ser abs
oluta
Hoje,
. os Estados
Unidos já desejam que algum tempo se passe entre o ataque russo e a resposta atômic
Face ao risco de destruição pelo desencadeamento de uma guerra nuclear, os Estado
Unidos da América, aparentem
ente
, pensarão, antes de tudo eacima de tudo,em si
mesmos.

A. Nada podemos fazer, quanto a sso.


i E, aliás, esse
s probl
emas estão ultrapa
ssados,
pois vivemos um período tranqüilo.

B. Não falemos de tranqüilidade. O lato de acreditarmos em tranqüilidade sob o


pretexto de que atravessamos um instante calmo e de que Berlim não está ameaçada
um grande êxito de Kruche
v: ele impeliu o Ocidentepara a via das lutas e rivalidades
internas a fim de enfraquecê-lo e ter tempo de respirar.

Contudo, a longo prazo, a política alemã deveria ser capaz de realizar a grande
mudança, que tornaria segura e indissolúvel a aliança com os Estados Unidos da
América. Talvez que
, apesar detudo, se
ja possível conseg
uir esse resultado.

A. E como?

B. Somente por meio de uma solidariedade completa. Coloquemos


segundo plano
em a
soberania alemã e reconheçamos a superioridade norte-americana.
Antes, porém
,
devemos alcançar uma forma de organização política interna que seja verdadeiramente
livre e democrática.
Em outras palavras, devemos transformar-nos em um Estado onde o
povo participe do pensamento e da ação política e saiba que a liberdade política é um
jogo, sempre em
e toda parte.

Contraporíamos aos Estados Unidos daAmérica argumentos razoávei s e convincentes,


mas, em caso de divergência, cederíamos.Assim, com o correr dosos,anos Estados
Unidos da América che gariam a perfeita solidariedade conosco, teamri por sua s as
nossas fronte
iras eo dito de Kennedy — “sou be rlinense” — cobra
ria todo seu sentido.
Os Estados Unidos poderiam contar conosco e nós poderíamos Claro contar com eles.
está que tudo isso não passa de possibilidade, mas é a única possibilidade de subsisti
que para nós se abre.

A. Que loucura.
O quevocê que
r é ver a A
lemanha Ocidentaltransf
orma
da em satélite
dos Estados Unidos da América.

B. Houvesubmissão quando, pela Aliança das Sete Províncias, a Frísia se ligou, à


Holanda, se não formalmente pelo menosHouve de fato?
submissão quando, no
interesseda liberdadepolítica, nos un
imos aos mesmos Estados Unidos daAmérica ea
outras nações, numa comunidade de destinos para fazer frente a um mundo que talve
não tarde em se tornar o mais poderoso, que jamais conheceu a liberdade e que preten
aniquilá-la? Essa “submissão” seria, em verdade, aliança de companheiros que se
sentem tanto mais seguros em sua união quanto mais crescem em razão e em liberdade
A. De tudo quediz, só um
a coisa transpa
rece:
você não tem os sentimentos do alemão,
falta-lhe a autoconfiança do racional.
Numa palavra: você não é alemão.

B. Você põe me dúvida minha devoção à lem A anha? Tereide de monstrar quem de nós
é mais alemão?Terei demonstrar qual de nós responde melhor aos preceitos de nossos
ancestrai
s? qualde nós melhor perc ebeo desti no daAlemanhae comele se preocupa e
mais gostaria de participarsuade metamorfose espiritual
e política?Não queroir por
esse caminho.

A. Muito bem.
Mas, que fazer diante da situação internacional deApe
nossos
nas dias?
esperar pelo que vai acontecer?
É preciso que, à semelhança da Rússia, desenvolvamos
nosso poderio.
E, no plano político, devemos apegar-nos a nossa inalienável soberania
nacional.

B. Admito quevocê ten


ha razão qu
anto ao rpimeiro ponto:
não devemos esperar
passivamente pelo que vier;quanto
tantopossível,devemos
aumentar nosso
poderio.
Quanto ao segundo ponto, não estou de acordo: você coloca a política do Estado
soberano, da ambição nacionalista acima do interesse de manter, em comum, a
liberdade política.
A. É preciso quesejamos nacionalistas, pois osoutros pa
íses daEuropa ge
a m segundo o
próprio interesse e exigem a autonomia e o direito de veto.

B. Você acha que justifica seu erro, dizendo que outros cam
inham
para a própria
destruição.

De minha parte, continuo a defender o princípio de que só nos salvaremos associando-


nos, sem qualquer condição, àqueles que colocam a liberdade política acima de tudo. Só
o desejo de liberdade, com base no qual edificaremos nosso Estado e julgaremos todo
ato de política interna, permitirá que encontremos o sentido de nossa existência política
a umnível que nos ponha ao ab
rigo da catá
strofe quese prepa
ra. Isso é xatam
e enteo
contrário de uma atitude indigna de nós, a de viver o dia-a-dia, sem maior reflexão.

Se todos soubéssemos o que a liberdade política realmente é, o poder atual da oligarqui


dos partidos se veria enfrentado pelo poder do espírito e da iniciativa popular,
especialmente a dos jovens.

A. No século XIX,a grandeza alemãapoiou


se no lema “primeiro,unidade; depois,
liberdade”.
Continuaa ser esse o nosso principal objetivo: unidade do Estado alemão,
com fronteiras pelo menos iguais às de 1937.

B. Desdeaquela
liberdade.Quando época, ao
Bismarklema
feznacionalista
triunfar já
a se opunha
idéia a idéia federalista
de centralização, de não
os alemães
aproveitaram o ensejo,que se apresentava,de conquistarem também a liberdade
política.Bastou-lhes um constitucionalismo aparente, um Estado jurídico e o milagre
econômico da época. O resultado foi a ausência de responsabilidade A política.
negligência de um povo passivo e a estupidez política dos que, por acaso, ocupavam o
poder vieram
a permitir a Guerra de 1914, não desejada pela maioria.

A. Sua apreciação é injusta. Foi uma desgraçaque atingiu indistintamente todasas


nações européias.
Naquela época, a idéia da unidade nacional era encarada como básica
por todos
os alemães ,ecom boa razão, continua
sera assim.

B. Estamos numa encruzilhada:


ou os alemães, com sua força econômica e militar, se
transformam em joguete da História ou se decidem a forjar o próprio destino.

A. Se renunciarmos ao Estado nacional e nos subm etermos aos Estados Unidos da


América não tere
mos necessidade de força militar, pois, na hi
pótese, esta só existiria
para apoiar a política americana, o que nem mesmo você deseja. De qualquer modo, os
Estados Unidos daAmérica só nos defenderão seo risco, paralese, não orf dem asiado
grande.

B. É exata
mente sse
e o ponto.Você gostari
a deuma resposta equnão se podedar com
certeza, assim como não se pode garantir a fidelidade recíproca de dois esposos.

O verdadeiro problema é este: qual o risco que vale a pena correr — construir com base
em uma fidelidade ou permanecer sobe rano, sto
i é, sozinho? A segunda alterna
tiva
conduz seguramente à ruína; a primeira é uma aventura nobre, que pode ser bem
sucedida, embora não haja certeza disso. Nessa aventura, um dos participantes não pode
alcançar êxito sem o outro. Associados a todos os apíses ivres,
l vi
vemos sob a
hegemonia dos Estados Uni
dos daAmérica, aosquais sem dúvida sacrificamos noss a
soberania em matéria de política exterior, mas não sacrificamos o direito de participar
dos debates com a voz da razão e, sobretudo, não sacrificamos nossa soberania em
matéria de política interna.

Diga você isto ou aquilo, o que se vê no horizonte político é o seguinte: enquanto a


Rússia conservar o seu colossal armamento, enquanto pudermos temer, além da Rússia
e para época ainda indeterminada, uma China talvez mais poderosa, só sobreviverão os
que puderem dispor de poderio militar equivalente. No mundo livre, esse poderio só
pode surgir como conseqüência de uma associação submetida a líder único. Uma
aliança não bastaria. São indispensáveis o comando único e uma política externa
comum. O mundo livre deve alcançar no plano da liberdade, o que os totalitários
alcançam em clima de repressão e de terror. Se a liberdade for incapaz de consegui-lo
não será liberdade autêntica, e perecerá.

Desejaríamos nós expor-nos ao provável destino da índia? Em razão de sua


neutralidade, de sua pretensa soberania, de sua moralidade herdada de Gandhi, a índia
muito se arrisca a não sobreviver. Se ela for conquistada pela China, as massas hindus
uma
mundo,indústria
ao ladodesenvolvida à força de
das massas chinesas, terror inativas.
há muito serão empregadas para
Os tiranos da conquistar
China o
se tornarão
senhores do mundo.Permane
ceremos como espe
ctadores,
permitindo
que tenham lugar
esseseventos.
que ainda não são iminentes? Ou, juntando-nos ao Ocidente, contribuiremos para o
reforço dessa soma de liberdades que poderá fazer frente à aterrorizante união daquela
enormes massas?

Desejaremos continuar a comédia que consiste em viver como um bando de galinhas


que se atropelam e se bicam em soberana liberdade, como um punhado de galos
presunçosos que batem estupidamente as asas — e que, ao fim, só servem para a
degola?

A. Você e
stásonhando.
Eu apoio Realpolitik
a .

2. Teste
munhasdessaconversa ntre
e Ae B, que pudem
os observar
?

Em geral, as discussões não descem ao fundo da questão. Os interlocutores lançam, um


ao outro, rase
f s sem maior funda mento. Muda-se de assunto comfrequê ncia. As
sentenças não têmcentrode ni teresse com
um. As pessoa s se de
ixamlevar pel
a emoção.
A todo nsta
i nte, oge
f -se a uma respostadiretaao que foi proposto. ão
N se alcança
qualquer resultado. Adiscussã
o cess
a ouos interlocutores se
apartam.

Do quedecorre isso? Ecomo conse


guir deba
te provei
toso? Aesse respe
ito eugosta
ria
de deixar expressas algumas idéias.

a) Antes do m
ais, a a
f lha se deveà confusão e errôneaidentificação de duas realidades:
o juízo de fato e o juízo de valor. Num debate, os interlocutores deveriam pôr-se de
acordo a respeito dos fatos. Por outro lado, a vontade, que se propõe um objetivo, não
pode ter sua orientação justificada apenas pelo conhecimento. Entretanto, como a
vontade de um ser honesto e razoável não é cega, poderia ela ser esclarecida pelo
processo de pensamento que se desenvolve durante o debate.

Nesses termos, o debate seria bem diferente. Os adversários estariam melhor


esclarecidos arespe
ito do que
, no u
f ndo, prete
ndem. Ambos te
ntariam limitar-se às
“posições últimas”, chamando atenção para as conseqüências lógicas através da
pergunta: “É exatamente isso que você quer?”.

Dessa forma, os interlocutores, inspirados pelo desejo comum da verdade, atingiriam o


campo de batalha último, onde as forças reais que eles representassem se veriam face
face. Aí, homens autênticos — a despeito daoposição ra
dical — poderiam encontra
r-se
em comunicação englobante. Não estariam inteiramente à mercê de forças que os
lançam um contra o outro. Concordariam em ser o campo de luta onde, elevando-se
acima do conflito, pudessem reencontrar-se como homens, de maneira cavalheiresca.
Estariam de acordo num abrangente em cujo seio estão condenados a se encontrar, e
dada circunstância da História, como adversários.

Eis as condições de um debate proveitoso: ambos devem desejar saber; determinam o


fatos verificáveis e as contradições; ouvem um ao outro; nenhum dos dois recorre a
subterfúgios. E ambos devem desejar a recíproca manifestação dos propósitos últimos
que os movem.
b) Segunda razão para a falha dos debates é neles se contraporem opiniões igualmen
justificadas.

Certo é que, para poder discutir, importa supor que todas as opiniões estejam
efetivamente justificadas; dessa maneira se demonstra que cada um dos interlocutores
temo outro na conta de ssoa
pe razoáve
l. Mas, de maneira alguma cabe admitir,
a priori,
que uma opinião seja tão procedente como qualquer outra. Em que medida cada uma
delas procede, será demonstrado pelo desenvolvimento e alterações que sofra ao longo
do debate.

Quando se tem boa fé, não se pode admitir uma opinião diferente, a não ser para
acompanhar, a título de concessão, os argumentos do adversário. O bom interlocutor
ajuda intelectualmente aquele com quem se defronta. Essa atitude encontra obstáculos
no apego aos interesses materiais, no desejo de ter razão e na escravização a fórmula
vazias de sentido. Nessas condições, não mais se ouve e não mais se responde.

Coisa diversa ocorre quando o obstáculo é representado por uma fé verdadeira. Quer
esta se afirmar sem apoios. Não se trata de uma estreiteza de interesse pondo a se
serviço desejo
próprio uma intelectualidade
de verdade tendo quea se degrada em
experiência sofismas.
do choque Trata-se,deaoforças
existencial contrário, do
que não
podem m anter-
se si oladas enão podemtuar
a , ao mesmo tempo,no mesm o homem . Só
elas têm idêntica justificação no confronto incessante.

c) O debate político se ressente, enfim, de concepções demasiado estreitas ou demasiad


fantasiosas a respeito do futuro.

Não é possível determinar com exatidão o que, dentre o provável, se concretizará. O


potencial e o verossímil são imprevisíveis. Devemos pesar as possibilidades.
Desejaríamos ser capazes de discernir as linhas gerais mais simples: elas se alteram
mais vagarosamente que o passageiro
do momento.
tumulto

Essencial é saber que o futuro não está determinado: se buscamos divisá-lo é para fazê
lo propí
cio. Desejamos antecipar o que óns própri
os faremos surgir. Jamais é com
pleto
o conhecimento das realidades que especificam o futuro, de suas condições e
potencialidades. É nosso dever buscar discerni-los para assumir, com o máximo de
esclarecimento, uma outra responsabilidade — a responsabilidade pelos objetivos que
nos propomos.

Nesse ciclo de conhecimento e responsabilidades, sabemos que os eventos decisivos do


futuro e, em especial, os impulsos criadores da moral e da fé se encontram para além d
nosso horizonte. O imprevisível é um dos componentes da História, mas não podemos
incluí-lo em nossas expectativas, nem em nossos cálculos.

Diante da incerteza do futuro, o debate político ganha importância. Essa incerteza nos
obriga a fixar os olhos em realidades que podem ser hoje percebidas, e nessas realidade
os homens clarividentes enxergam os germes do futuro.
3. Concluamos indagando para que servem os debates políticos. São úteis para nossa
auto-educação política e nos preparam para a ação. Correspondem ao fórum da vida
política da nação.
Se outra coisa fossem, não passariam de palavreado vazio, só de
interesse para o psicólogo e para os técnicos em manipulação política.

Qual é, neste caso, o papel da reflexão filosófica? Esclarece o debate, esclarecendo-lhe


os princípios e objetivos, mantendo presentes ao espírito os fatos essenciais e sua
hierarquia, sondando o destino da humanidade e, em resumo, incluindo a política na
indagação:
para que vivemos nós?
VI .
A POSIÇÃO DO HOMEM NA POL ÍTI CA

1. A política é uma tensão entre dois pólos: a violência possível e a livre coexistência.

Contra a força, faz-se necessária a resistência pela força, a menos que se esteja dispost
a admitir a própria escravi
zação ou aprópria destruição. A livre coe
xistência cria uma
comunidade por meio de instituições e de leis. A política da força e a política da
parlamentação opõem-se por natureza: a combinação de urna e outra tem constituído
prática política até os dias de hoje, e, talvez por tempo indeterminado.

Distingue-se entre política interna e política externa. Saber qual delas predomina
depende da situação de uma comunidade frente a outras. Ocorre, por vezes, que as du
formas se entrelaçam. A política externaé produ
to da p
olítica deforça, para qua
a l todo
discurso é um estratagema. Contudo, graças a tratados e ao direito internacional, a
política externa tende a um ponto em que estará suficientemente transformada par
excluir a violência. Quanto à política interna, assume ela certos aspectos da política
externa quando, em meio à luta, os políticos recorrem à trapaça, à mentira, à
conspiração e à injustiça, até que estoure a guerra civil ou que um dos grupos se deix
dominar pelo outro.

É ilusão acreditar que o poder político é o poder da violência. Grandes eventos


históricosilusório
também mostramverque pode haver
a política açãocomo
apenas e poder sem recurso
edificação
sociedade
da à força.
em clima de Por outro lado, é
liberdade,
enxergando a violência como anomalia de sentido oposto ao da política.
Prova do contrário é o fato de que, nos bastidores, a força permaneceu sempre como
sanção possível. Quando a opinião pública tende a esquecê-lo, como nos calmos tempos
anteriores a 1914, a violência não tarda a irromper e a exibir sua majestade sombria.

2. A históriada política nos


amedronta;
mostraos homens como demônios. Desde os
primórdios se manifesta o instinto de dominar, tiranizar, matar, perseguir, torturar.
Ocorre, por vezes, que esse instinto se recolha ou pareça
Mas é domado.
ilusão.

Sem embargo, sejam o que forem, os homens estão obrigados a viver juntos. É uma
condição para sobreviverem.
em comunidades nas quais seDesde o princípio,
ajudam por conseqüência,
uns aos outros, os defendem
pelas quais se homens viveram
uns do
outros e das quais saem uns e outros — mas não todos — para a conquista e para
pilhagem.
Espanta ver como o homem é violento e obtuso; é surpreendente que os homens tenha
chegado a coisa diferente de simples hordas de bandidos. E, contudo, vieram a criar
ordens políticas, Estados de direito, comunidades de cidadãos. Para que isso tenha sid
possível, hão de ter agido poderosas
de outra
forças
srcem.

As sociedades humanas jamais triunfam dos ni stintos deviolência. Conseqüentemente,


são sem pre ni justas e deve
m aprimorar-se consta ntemente. A par disso, como as
situações históricas não se repetem, impõe-se que as sociedades estejam em contínu
evolução. Não podemos instalar-nos no mundo de maneira definitiva. Os homens nada
fazemperfeito. Como diz Kant com ndu
i lgência: “emmadeira torta ão n se pode esculpir
algo que seja inteiramente reto”.

Da luta entre o caos da existência e os princípios de ordem nasce a História.

3. Por essas razoes,


a políticaé o maisimportante dos instrumentosdiz
norespeito
que à
nossa coexistência no mundo.
Os homens de Estado são tidos em alta conta, em razão
do poder de que dispõem e porque atuam sobre o destino de muitos. Homens e naçõe
os aclamamou maldizem. Eles ga nhamestatura denor
e mes propor
ções.Mesmo quando
semeiampodem
políticas infelicidade e destruição
ser avaliados, não caem os
se conhecermos no nomes
olvido.dos
Os estadistas
homens ea suas idéias
que dedicam
admiração.

Quanto a nós,entendemos que o homem


de Estado é grande quando senhece
reco
responsável peia liberdade.

Essa grandeza não consiste no poder cruel de um tigre de alma humana, como Césa
nem no poder de destruição de um inseto astuto, misteriosamente afinado com as
situações de poder como Hitler. Obedecendo a César, uma grande nação teve um último
instante de grandeza, fazendo surgir ao mesmo tempo os inimigos que o matariam em
nome da liberdade. Hitler nos rebaixou — ao conjunto do povo alemão e a cada um de
nós em
que, particular
inspirado peloe,ideal
particularmente, aos que fosse
de liberdade política, o seguiram — sem
capaz de que surgisse alguém
destruí-lo.

O senso de responsabilidade, próprio dos grandes estadistas como, digamos, Sólon e


Péricles, os leva a conciliar as duas realidades, a força e a liberdade, pela razão não-
violenta. Subsistir pela violência exige a vilania e a mentira: a razão exige a franqueza e
o respeito aos compromissos. Para subsistir, é preciso que se assuma responsabilidade
pelas conseqüências de uma ação política praticada no interesse do poder nacional. A
razão implica também o sentido moral que só admite o êxito, a violência e o poder que
se colocam a serviço da missão suprapolítica do homem.

Do ponto de vista da pura afirmação política, um grande estadista só pode ser acusado
de irresponsabilidade
integri no caso
dade. Não há padrão uni de. preferir
versal A maneidesdenhar
o o ocaráte
ra com êxito e onteg
r se ipoder
ra àa sacrificar sua
responsabilidade pelas conseqüências da ação política e a maneira como o senso de
responsabilidadepassaa constituircarátercorresponde,
em cada situação, a uma
decisão histórica e não a uma média que se possa determinar.
O político de baixo nível é o que não experimenta aquela tensão. Segue a linha de
menor resistência e faz o que promete maior vantagem. O grande político é o que, em
tensão, encontra a forma de agir que lhe permite auto-afirmar-se, elevando-se a seu
povo e a si mesmo à dignidade do Humano. Ele não podeRealpolitik
abandonar-se
, ao à
oportunismo. Não admite comprometer moralmente a comunidade nacional pela prática
de atos repreensíveis, ainda que, de momento, pareçam convenientes. Por meio de se
próprio agir, educa seus concidadãos. Não se agarra ao poder a qualquer preço, quando
sua consciência política e moral lhe proíbe subscrever o que é contrário à dignidade e
aos interesses da nação.

4. O objetivo da política pode ser resumido em uma frase: com liberdade política, o
homem se torna autenticamente ele próprio, livre para ordenar os negócios internos da
nação e para afirmar-seaoface
exterior.

A questão suprap olítica àqual está subordi


nada todapolítica éa seguinte: com
o deve a
política orientar-se para merecer nosso tota l assentimento? A respostaestá na
proposição que ora repito: só a liberdade política pode nós,homens
fazer,autênticos.
de

A violên
liberdadecia deve
pessoal. se
Ar es
abolida
ta um pe
sólalimite
política, no
se col nte
i: ress
oca e coexi
pode da dom
stirinação d
com aolibe
dirrdad
eitoe edda
os
demais.

A política pre
tende subjugar a violência por me
io do de bate, do pa
cto,da buscade uma
vontade comum através de caminhos legais. Para que a tal resultado se chegue, é prec
contar com certa espécie de político. Esse político não deve aspirar à ditadura, porque
não se interessa por governar escravos. Deve pretender poder temporário, na medida e
que mereça a confiança do povo — confiança de cidadãos e não de súditos — e deve
inclinar-se pela renúncia, tão logo decaia daquela confiança. força,
Deve
sendo
odiar a
demagogo no sentidoliteralda palavra: educador do povo. Em situações concretas, deve
traduzir os verdadeiros desejos do povo, expondo fatos e razões, de sorte que o própri
povo, examinando os argumentos oferecidos, possa reconhecê-los como seus e encher-
se de entusiasmo pela decisão tomada. Após m ilênios, pal
avras efeitos desse tipo de
homemcontinuama merecerem l brança.

5. Não cabe supor que a liberdade política brote do nada. O primeiro estágio da história
foi de liberdade apolítica, viva. Longede ser vazio, o de
sejo de liberdade, pre
so aos
laços comunais, conservava a substância da tradição social. Como se teria srcinado
essa liberdade ainda inconsciente de si mesma é mistério incompreensível. Falar de
caracteres raciais ou étnicos não é uma explicação e rouba grandeza àquela liberdade.

A liberdadena polis grega apoiou-se no desejo de liberdadeacalentadopelos gregos


desde Homero e dos jônios; o primeiro momento de culminância dessa liberdade
confundiu-se com a figura singular de Sólon e à sua perfeição chegou-se na guerra
contra os rsas
pe econse qüências daí advindas. A vida livre dos camponeses suíços
consti
tuiu-se na prem
issada Confederação do écul
s o XIII que, numdocum ento baseado
em princípios admiravelmente simples, definiu, ao mesmo tempo, a liberdade interna e
a aceitação, sem reserva, de qualquer sacrifício para repulsa de agressão externa. A
liberdade norte-americana foi expressão do caráter dos “Pilgrim Fathers” e da maneira
de vida de diversascomunidades; foi na rebeldia contra Ingl
a aterra que se estruturaram
os primeiros Estados e, depois, a Federação.

Em todos os lugares, foi sempre que se desenvolveram as doutrinas através


a posteriori
das quais os fundadores e seus continuadores deixavam assentado o que desejavam
preservar.

AfirmouKant queos eventos m ais importante


s daHistória moderna of ramas lutas de
independência suíça, holandesa e inglesa. Dentro do mesmo espírito, mas com
originalidade renovada, seguiu-se a uta
l dos norte-am
ericanos. Admiramo-nos diante da
coragem, do ardor, da moderação, dadeprudência todosessesheróisda liberdadeque
encontravam em si mesmos o impulso necessário para se fazerem mais inteligentes
mais prontos ao sacrifício, superiores às massas que só escutavam a voz da violência.

Em cada uma de suas manifestações, essa liberdade genuína durou apenas um instant
para nós, os pósteros, o fato permanece como exemplo e estímulo.

6. Terrível é que a liberdade abrigue, em si mesma, o germe da corrupção.

O mundo da liberdade política estará perdido se não aparecerem, a cada geração e p


meio da educação de homens livres, os grandes estadistas. Estes, através de todos
seus atos, estão lutando pela liberdade, em meio às vicissitudes da liberdade. Conhecem
os perigos que os rodeiam. Consideram compensador o risco enfrentado, pois está em
jogo o mais precioso bem da humanidade. São dotados de coragem, sagacidade,
paciência. Deles se pode dizer o que se disse de Péricles: desde que passou a governa
Atenas, nuncamais oviramrir.

Os políticos são diferentes. Oportunistas, facciosos. forjadores de mentiras e de intrigas.


Inescrupul
osos. age
m, emnome da liberdade, contr
a a liberdade
. Envolvidos, es
capa
m
pela via de palavra falsa ou espirituosa. Ofendem, pela maneira de portar-se, o
Parlamento a que pertencem e que, sendo-lhes afim, parece não dar-se conta das ofens
e nem lhes ocorre expulsar esses conspurcadores do espírito da política. Com palavras
sentimentais, eles representam a comédia da Sãoseriedade.
coveiros da liberdade.

Carentes de vocação, esses políticos encaram suas funções como um simples emprego
vantajoso sob todos os aspectos, com bom salário, direito a aposentadoria e sem
qualquer risco. Não pensam em termos de responsabilidade. Esse o motivo por que,
incapazes de reação a qualquer perigo, submetem-se, como em 1933, a qualquer forç
que lhes ofereça aparente segurança ou proteção. Nada foi mais humilhante para os
políticos alemães e para a nação representada — e também nada foi mais merecido —
do que o desprezo que por eles mostraram Hitler e Goebbels em discursos arrasadores.

O mundo livre é, sob esse ângulo, um espetáculo de ambigüidades. Nós, povos livres,
estamos ainda longede ser politicamente livres. Aprosperi
dade, o conse
rvantismo, a
agitação pela agitação não bastam para fazer surgir a liberdade. Diminui a aristocracia
dos cidadãos esclarecidos. A divisão das responsabilidades gera a irresponsabilidade. A
democracia degenera em oligarquia de partidos. O que se tem por cultura não passa de
bolhas de sabão em salões literários.
O espírito perde densidade.

Como conseqüência, as nações não se sentem ameaçadas pelos tremendos perigos qu


sobre elas pesam. Quando muito experimentam receio, que se desvanece tão logo s
afasta o perigo imediato. Poucas percebem para que destino as está conduzindo a
liberdade — a elas próprias e ao mundo.

7. Esse estado de coisas, que parece tão solidamente fundamentado na prosperidade


pode alterar-se bruscamente quando massas e intelectuais, sem raízes mais firmes,
amadurecem para a sociedade totalitária.
Quando, por não mais compreendê-la, olha-se
a liberdade como coisa exterior,
já se tomou o caminho da escravidão, no clima de
futilidades de um mundo sem É como
fé. se, em meio à agitação política e intelectual, a
Alemanhaviesse, há dé
cadas, cavando a tumba desua iberdade
l ; é como se, após o bem
sucedido resgateAlem
da anhaOcidental, que tevelugar graças a estrangeiros, perigo
semelhante a ameaçasse agora, vindo Mas do interior.
es
se perigo não está am eaçando
todo o Ocidente?

8. possibilidade
à Diante dos
sinistros
sinaisde
mesma danossostempos,
liberdade as objeções
ganham fundamentais
sedução nova. que se fazem

Não é a liberdade política uma utopia? Não se trata de um simples estado de espírito
que se vem repetindo em alguns ocidentais, desde a época dos gregos? Não é a
liberdade rejeitada, na prática, pela maioria dos homens do Ocidente e por todo o resto
da humanidade, que a ignora?

Eu não gostaria de esquecer os homens que jamais conheceram e jamais se empenhara


por liberdade política, atingindo, entretanto, no campo do pensamento metafísico, da
poesia e da arte, profundidade que nos parece miraculosa.

Não me agradaria tam bémnega r a grande


za de certos soberanoshinada Ceda Índia ou
de civilizações mais antigas, desde a sumeriana. Mas, ainda quando nos julgamos
próximos delas, há sempre algo que, em tais civilizações, permanece estranho e
antipático a nossos hos.
ol Em nossa da I de Média encontram
os tam bém grandes
personagens como que inconscientes da própria grandeza (e, por isso mesmo, tanto mais
impressionantes), mas entre elas e nós parece colocar-se um abismo que as torna ain
mais inquietantes. Isso am
j ais acontece, quando a liberdade política é desejada,
concretizada, ou quando sua ausência é dolorosamente sentida.

Não podemos, por outro lado, afirmar que a História assinale contínuo progresso da
liberdade. No mundo ocidental, desde Israel e os gregos, des
de a polis e a república
romana, desdeas com unas eos cam ponese s livres da Idade Média e nos paí ses
modernos, herdeiros dessas tradições, tem havido poderosas erupções de liberdade, que
sempre nos surpreendem porque nos lembram ilhas num oceano de servidão, ilhas
infinitamente preciosas, mas sempre ameaçadas.
A liberdade política só floriu em círculos restritos. Em países isolados, como a Islândia
antiga, ela se tornou realidade grandiosa, embora não houvesse atingido a estatura
espiritual quetevena Grécia, naHolanda ou naInglaterra. Em todasas partes, contudo,
a liberdade não tardou a fanar. Na imensa maioria dos povos e do Estados, a realidade
se opõe à liberdade,

Os fatos parecem apoiar a mais séria das objeções: a liberdade é impossível porque
exige de
masiado do homem. A situaçã
o inevitável, poderosam
ente desafiadora, mas
também exposta aos maiores perigos, é a seguinte: para tornar-se verdadeirament
homem, o homem deve ser livre, o que ele não pode ser como partícula humana em
meio à massa de um
povo.

9. A partir destaobjeção deduz-se anecessidade de uma autoridade n


i contrastá
vel. Que
sempre existiu. Hoje em dia esse tipo de autoridade está a ponto de conceder à Rússia
à China a hegemonia no mundo.

Em verdade, se se repele a liberdade política, só resta o autoritarismo, o domínio da


minoria sobre a maioria, em nome de uma autoridade que todos devem reconhecer.

Mas a e
sse a
utoritarismo opõe-
se um
a verda
de n
i discutível: são sem
pre hom
ens que
governam homens. No mundo, jamais encontramos Deus ou a verdade absoluta. São
homens que, em nome de Deus ou da verdade absoluta, reclamam para si a autoridade.

Não há por que depositar fé nessa autoridade. Sob todas as suas formas, ela se
desacredita pela prática de atos vergonhosos, baixos, degradantes.

10. Não cabe proceder como se a liberdade se impusesse por si mesma e independess
de nós.

Teria procedência afirmar que a liberdade é inerente à natureza do homem?

Quanto a esse ponto, não há evidência de verdade. Trata-se de uma decisão que diz;
respeito ao modo de pensar do homem todo e de cada indivíduo em confronto com seu
companheiros de destino político.

Colocados diante de uma encruzilhada, devemos saber para que vivemos, em que
sentido podemos construir o futuro, na medida em que isso está a nosso alcance. São a
inteligência e a vontade que decidem. Pela reflexão filosófica, elas se identificam a nós.

Por certo que, dentro do clima da liberdade, o risco de perdição é grande e possível a
perdição total. Mas, sem liberdade, a perdição é inevitável.

A liberdadepolítica, mantendo consonâ


ncia perfeita coma inata dignidade do hom
em,
autoriza aesperança. Aoutra lterna
a tiva é,
apriori, sem horizontes. Se abandonamos a
coragem da razão, sobre a qual se baseia a esperança, desprezamo-nos a nós próprios.
E ainda que o homem se visse avassalado pela violência, sua verdade continuaria a ser
de encaminhar-se para a liberdade. Esta não é refutada pelas suas negações, assim com
o esplendor da Terra não se anulará, ainda que nosso planeta venha, um dia, a dissolver
se no cosmos.
VII.
CONHECI MENTO E J UÍZO DE VALOR

1. Todo homem que atinge consciência afirma


plena,
mos,
deseja a liberdade política.
E
mostramos,de outra parte, o que se opõe a essa afirmativa: a maneira como vive a
maioria de nossos contemporâneos; a evidência histórica de que as tentativas de
concretizar a liberdade política têm, até o momento, conduzido a fracasso; e, finalmente,
a tese segundo a qual o homem
é incapaz de liberdade política porque esta dele exige
em demasia.

Dada a diversidade de opiniões e a falta de clareza nas discussões relativas à liberdad


política, faz-se necessária distinção radical no que diz respeito à verdade mesma. A
verdade, que é válida para todos, distancia-se muito da convicção, que é a verdade de
que vivemos no momento. Esperamos, justificadamente, que, tendo atingido o
conhecimento reto, o homem admita essa retidão — e a experiência mostra que assim
ocorre. Não podemos esperar o mesmo da convicção pessoal, pois esta não é, de
maneira alguma, universalmente reconhecida — e, se esperarmos o contrário, a
experiência nos dará lição cruel. Não temos o direito de exigir que nossas convicções
pessoais sejam admitidas pelos outros.

2. Esse problema de distinção entre a correçãoe a científica


verdadeda convicção
põe-
se não somenteno campo do pensamento político, não somente com referência à
liberdade política, mas coloca-se face a todas as questões vitais.

A multiplicidade das convicções m


e choqu
e nos afetaa todo instante. Confronta
dos
com oposição e hostilidade, de temos
tomaruma decisão fundamental:
admitimos ou
não admitimos que todos partilham de uma humanidade comum? Se o adimitimos, não
há por que tratar os que pensam de maneira diferente da nossa como inimigos, com
pessoas que devem ser ignoradas ou cujo aniquilamento seria desejável.

Mas, por assi


m agir, parece qu
e temos de xeigir de nós m
esmos algo insensato. Devo,
em pensamento, afastar-me da verdade, afastar-me de minha verdade para tentar
acompanhar, em pensamento e sentimento, possibilidades alheias, buscando atingir o
homem para quem elas são realidade. Dessa maneira, fazemos uma experiência de
relação: só pensando com outro e em relação a outro nos tornamos mais certos de n
mesmos.

Nós e o outro não querem


os a mesma coisa. Mas, quando encontram
os uma vontade
contrária, devemos calar-nos os dois e recorrer à violência — na vida comum, à força
física de nossos músculos e, no debate, à violência intelectual, que é o sofisma? Nossa
humanidade comum pede algo diferente: se a verdade parece múltipla, devemos tenta
esclarecê-la. Isso re
quer energia intel
ectual e disciplina. Em vez denos ob
stinarmos a
afirmar nossaopinião, busca mos razões. mE vez deafirmar “Assim é que eu sou”,
reconhecemos ignorar o que, no fundo, somos e reconhecemo-nos suscetíveis de mudar.

Numa discussão hostil entre indivíduos inflexíveis, cada qual busca impor sua opinião
ao outro; num debate aberto entre indivíduos esclarecidos, ambos querem assegurar-se
da posse da verdade.

Esse tipo de diálogo — método civilizado de encontrar caminho comum, mesmo


quando há oposição entre os que o procuram — exige o preenchimento de certos
requisitos básicos. Quem se dedique à filosofia deve tê-los profundamente impressos em
seu próprio pensamento. Um desses requisitos liga-se ao tema de que nos ocupamos: já
o mencionei e volto a repeti-lo: importa estar convicto de que o conhecimento científico
difere radicalmente do conflito intelectual entre forças opostas. Não obstante, a pureza
do conhecimento científico e a clareza que se consiga nos conflitos de idéias se
estimulam e se favorecem mutuamente.

3. Ao
dom íniocom
eçoci
das êndo
cias.sé
cul
Nao éatua
l, fazi
poca, a-se
Max Weburge
er nte
se om escl
e pe are
nha cimen
va, tode
com des
sedprobl
susa a paiema nno
xão, o
sentido de assentar que o conhecimento científico se desligasse de considerações de
valor: a ciência deve limitar-se ao que lhe é acessível, ou seja, ao que pode ser
conhecido de maneira empírica e lógica e, portanto, capaz de impor-se a todos. A
verdade da ciência não esgota a verdade, mas o caráter da verdade que lhe é própr
deve ser reconhecido por todos: independentemente de credos religiosos ou maneiras de
ver, independentemente de partidos ou interesses.

Esse mesmo princípio fundamental admite formulações diversas: o conhecimento do


que é não autoriza juízo a propósito do que deveria ser. O que sei não coincide com o
que desejo. O empiricamente verificável não é o que só pode ser apreendido pela fé.
Conhecimento não é responsável participação no mundo. Contemplar não é agir,
observar não é existir.

O primeiro tipo dessas atividades só nos mobiliza enquanto inteligência que adquire
conhecimentos válidos e universais. O segundo tipo nos mobiliza inteiros, ser que se
encontra com outros na multiplicidade existencial. O primeiro só nos envolve
impessoalmente na coexistência histórica. No que diz respeito ao universalmente válido,
podemos começar desunidos, mas se o compreendemos bem, viremos infalivelmente
concordar. Quando discordamos em matéria de fé e vontade, contínuo esclarecimento
recíproco é possível, mas cabe esperar luta improfícua.

Isso nosmostra sa limitaçõe


s daciência: os fatos onãnos for
necemnormas obrigatórias.
Nenhuma ciência empírica nos ensinará o que devemos fazer; só nos ensina o que
podemos obte
r poreste ou qauele meio, se nos propom os este ou qauele fim. A ciência
não pode provar que a vida tenha sentido, mas pode levar-me a perceber a importânc
ou não-importância do que desejo, conduzindo-me, assim, a alterar propósitos. Pode
dar-me consciência de que toda ação e toda inação têm conseqüências, esclarecend
quais são. Pode mostrar-me que, se quero viver, não posso deixar de tomar partido face
ao choque de forças, evitando,encontrar-me
assim, à deriva,
condenado
à desor
deme
ao nada.

O debate em torno dos juízos de valor desencadeou processo que aos pensadores d
época pa
receu deexcepcional importânci
a. Alguns o consi
deraramameaça ao trabal
ho a
que se vinham dedicando por uma vida inteira, ataque à consciência científica; outros o
consideram renovação do próprio espírito dos pesquisadores no que dizia respeito à
atitude perante a ciência. Os primeiros se rebelaram contra Max Weber, aceitando
complacentemente as pretensões tradicionalmente nebulosas e arrogantes da ciência
nos outros, a aspiração pela ciência pura tornou-se uma flama.

Naquela ocasião, o problema permaneceu como questão a ser discutida dentro dos
limites do mundo científico de economistas e historiadores, como questão a ser
exam inadaem congr essos. mE 1914, os mais eminentes adversári
os deMax Weber
organizaram uma reunião secreta, com o duplo objetivo de promover um debate sem
restrições e de evitar o sensacionalismo. O encontro realizou-se em Berlim e
desenvolveu-se apartir de com unicações apresentadas pelos participantes. As
discussões devem ter sido muito violentas. Conta-se que, ao retirar-se, Max Weber
disse: “Eles não me compreendem”. Com a I Guerra Mundial, problemas dessegênero
passarama segundo pl ano. Max Weber faleceu me 1920, ma s a questão conti
nua ater
interesse.

Em torno dela não há hoj


e unanimidade maior do que ha via em 1914. Aparente mente, o
debate perdeu me profundidade eem paixão. Muitas das dificuldades levantadas são de
ordem lógica e admitem solução científica. Outras, que dizem respeito à substância do
ser pensa
nte, escapa
m a exame objetivo. A inclinação pe
la verda de que se coloca aci
ma
da ciência deve ser o critério, para que se possa à mesma
emprestar,
ciência,clareza
máxima.

4. Nas ciências naturais, a distinção de que nos ocupamos, não provoca dificuldade. Há
muito, já foi feita. Desde que Galileu, recusando-se a distinguir entre figuras
matemáticas nobres e não-nobres, afirmou não ser o círculoque amais
elipse,
nobre
nem a esfera mais nobre
que outras formas, o único problema que se coloca no estudo
de corpos celestes e terrestres é o de saber o que a propósito deles se pode constat
empiricamente. Saber se uma coisa é ou não é mais nobre que outra constitui problema
que escapa à ciência natural, à qual falecem razões para considerar isto mais nobre do
que aquilo.

Coisa diversa ocorre no campo das ciências humanas, em história, política, sociologia,
economia. Nestas ciências, com efeito, não nos contentamos, como nas precedentes, em
constatar o que fisicamente existe, o que é diretamente acessível aos sentidos, o que
mensurável, o que se pode interrogar através de experiências. Nas ciências humanas,
temos de compreender a significação perseguida pelos seres que agem, pensam,
prevêem e acreditam; nas ciências humanas, não nos contentamos com o conheciment
exterior das coisas, mas temos de apreender, no seu interior, o significado posto pelo
homem.
Ora, o juízo é inseparável da compreensão de um significado. O significado apreensível
pode, por exemplo, ser belo ou feio, nobre ou vil, bom ou mau. Na história do espírito,
todos os juízos dependem das potências englobantes da verdade, que não é una.

Da liberdade dependem as potências da verdade a que sou sensível, aquelas com que m
identifico e as que rejeito.

5. Basta uma frase para pôr em realce a dificuldade que existe para emprestar
fundamento às ciências humanas: elas têm por objeto a liberdade do homem e, para
ciência não há liberdade. Como é impossível fazer prova empírica da liberdade, as
ciências humanas, enquanto ciências, estão privadas do elemento que as torna d
interesse para nós e que, embora presente de maneira indireta, é elemento essencial.

Sempre que levamos em conta o homem histórico, e não apenas o homem natural,
havemo-nos com a liberdade: de outro lado, quando conhecemos cientificamente, não
podemos recorrer ao conceito de liberdade, pois ela não diz respeito a qualquer situaçã
empírica e não temos o direito
utilizá-la,
de se não pretendemos
transpor fronteiras
as da
ciência.

Em contraste com tal situação, sempre que interpretamos e compreendemos coisas qu


encerram significados, estamos a mover-nos no domínio da liberdade. Ela se manifesta
através das coisas por nós compreendidas. E tais coisas só podem ser abordadas n
campo das ciências humanas.
Que se passa no processo de compreensão?

6. O sentido inteligível de uma ação, de uma idéia, de um poema ou de uma instituição


pode ser apreciado de múltiplas
formase de formas,por vezes,
diametralmente opostas.
O método socrático de pensamento por exemplo, a despeito de uma interpretação una d
seu conteúdo racional, foi visto ora como uma destruição da essência humana pelo
pensamento conceituai, ora, ao contrário, como liberação do homem na direção de si
mesmo, graças à clareza de uma reflexão aberta ao universo, ao mesmo tempo que
ciente de suas limitações.
A compreensão de um significado sempre se liga um juízo. Não é possível si olar a
primeira atividade. Mas podemos suspender o juízo para aproximar-nos da ficção de um
significado puro, que excluiria qualquer juízo.

Esse proceder, só será possível, entretanto, se transformarmos nossos próprios juízos em


objetos de investigação. Com efeito, quando julgamos que algo é bom ou mau, nobre ou
vulgar, saudável ou pernicioso- etc, esses juízos são, em si mesmos, realidades dotada
de significado. Compreendemos como se pode chegar a determinado juízo ou a seu
contrário.

Quando compreendemos nossos próprios juízos, tornamo-nos mais livres com respeito a
eles. Sem embargo, nenhuma compreensão permite que nos apropriemos das potência
que produzem a significação inteligível e que, não obstante, estão presentes em nós.
7. Dessas potências gostaríamos de aproximar-nos tanto quanto possível, por meio da
investigação.
O método racional consiste em determinar os “pontos de vista últimos”,
impossíveis
de ultrapassar,
em estabelecer
os axiomasalémdos quais não haja como
prosseguir na discussão, por serem eles ininteligíveis em seus fundamentos.

Mas é preciso aguardar os conflitos para discernir o que realmente importa ao homem.
Só no instante concreto que faz necessária a decisão (e não no simples refletir a
propósito dessa decisão) é que se revela o que, para o homem, tem prioridade; e
percebe-se também se ele orienta sua vida segundo uma hierarquia que lhe dá estrutu
ou, pelo contrário, se se perde na confusão de intenções cambiantes que velam o sentid
da vida.

A delineação teórica dos “pon


tos de vi
sta últimos” só é poss
ível no qua
dro de um
a
construção racional. Não aceitamos — nem na esfera da ciência histórica, nem
pessoalmente — que homens e acontecimentos possam ser exaustivamente explicado
dessa maneira. Os “pontos de vista últimos” só esclarecem no contexto de objetivações
racionais, mas nunca lançam luz plena sobre o que experimentamos e fazemos.

8. Através
srcem. Em advão,
indicentretanto.
ação dos “pontos de
vista últimos”,
Se denominamos gostaríamos
potências de rem
aquilo ontar
para queà os pontos de
vista aparecem como simples fachadas, não se pode, em termos de razão, traduzi-las sob
forma de uma idéia geral. Delas não se pode obter visão de conjunto. Não há como
escolher entreelas, pois, quan
do escolho, áj estou ne las mergulhado. As potências são
parte demim. A mim eu as incorpor ei — para falar alingua gemdos enigmas — antes
do início do tempo. Embora tenha a experiência de sua realidade, não me posso referir
elas. Só posso oferecer como justificação o que torno racionalmente comunicável aos
outros e a mim mesmo, o que se revela no mundo. Nessa raciona-lidade, permaneço
preso àquelas potências. Elas se esclarecem através de tal relação e, nessa medida
adquirem realidade. Graças ao esclarecimento, podem transformar-se em mim. A
operação que torna manifestos os pontos de vista implica a aparição de sinais que, par
além de si mesmos, apontam na direção das potências.

Por meio dessas construções racionais, chegamos igualmente a se alternativas que.


foremas últimas possíveis de atender, em cada caso, pelo conhecimento, não serão
apesar disso, alternativas absolutas. Eis algumas dessas alternativas:

Primeira: Ou as alternativas finais têm validez no mundo (e não são simples decisões
relativas à situação e ao momento) ou a soma total da verdade conhecida é aceita se
alternativas.

Na primeira hipótese, o homem segue o caminho da razão, que não tem fim no tempo
na segunda, admite a universalidade de nina verdade única e conhecida em comum.

Segunda: Ou desejo tornar-me transparente ou obedeço ao instinto de ocultar-me.

Na primeira hipótese, desejo comunicação ampla, mesmo com o que me seja mais
estranho; na segunda hipótese, refugio-me em mini mesmo e recuso-me ao diálogo.
Terceira: Ou considero a liberdade política o mais elevado bem comum possível de
atingir no mundo ou me disponho a aceitar um poder totalitário.

Na primeira hipótese, vejo sentido em arriscar a vida para não sacrificar a possibilidade
de uma vida digna; na segunda hipótese, desejo apenas uma coisa: continuar vivendo e
obedecer.

Quarta: Ou desejo a verdade — e a tudo o mais prefiro a honestidade e a incessante


busca — ou a verdade me é indiferente e estou pronto a aceitar o sofisma e a
doutrinação de um pensamento não livre.

Quinta: Ou permito que se dissolva na incerteza dos enigmas a corporeidade do


transcendente — que, em verdade, jamais se pode fazer corporal — ou vivo com a
corporeidade do absoluto, de Deus ou dos deuses, e insisto, por exemplo, em afirmar
que Deus se fêz homem.

Colocando as alternativas nesses termos, já se antecipa a decisão e a resposta, pois qu


uma das hipóteses é apresentada como erro de compreensão. Correspondem elas a
alternativas
no espaço. vistas do ponto em que me encontro, sem que me seja possível localizá-lo

9. Resumamos. O desejode uma ciência pura


tem sua srcem no desejo existencial da
verdade.A ciência deve renunciar ao quenão temmeios deatingir, isto é, a formular
julgamento, seja através
dos chamados juízos de valor ou juízos de fé ou juízos de
vontade.

Tanto a inclinação pela ciência pura como pela pureza existencial dependem de uma
decisão livre.

Aqueles que seesforçampor conseguir umaciência pura aum


entamas possibilidades de
que todos os pensadores se ponham de acordo com referência ao que é suscetível de s
conhecido cientificamente.

Os que desejam viver em liberdade devem buscar amplo esclarecimento do conflito


entre forças xiste
e nciais que se opõem. Atravé
s desse conflito vêe
m abrir-se
oportunidade de se relacionarem com seus oponentes na humanidade que ambos
contêm.

A distinção entre conh


ecimento em
pírico e val
ores, ques
tão vital tanto pa
ra a ciência
como para a existência, está ligada a paixão que não é apenas paixão de investigar, ma
que brota de fé no sentido da verdade.

A paixão que liberta aciência pura o


ds juízos devalor cam
inhaa par da cren
ça em que
a significação do homem reside na verdade e essa crença opõe-se a todas as crenças q
denegam e rejeitama verdade.
Longe dese manter está
tica, essa pa
ixão pel
a verda
de faz-se movimento em idreção à
própria verdade. Com efeito, o que seja a verdade e em que múltiplos sentidos a verdad
existe é questão que jamais se resolve.

O mesmo ocorre com respeito à distinção, aparentemente simples, entre juízo de fato e
juízo de valor. Dela deriva inclinação por investigar os próprios juízos -de valor,
tornando-os etoobj deconheci mento. A distinção e gral é simples, mas sempre novo o
procedimento no caso concreto.

10. Refletindo acerca do conhecimento empírico e do juízo de valor, libertamo-nos dos


preconceitos em que nos vemos presos pelo pensamentoAnão inocência
meditado.
ignorante da unidade aparentemente natural entre conhecimento empírico e juízo de
valor é uma falha de tomada de consciência, falha, por assim dizer, auto-infligida:
podemos dela nos desvencilhar.

E nos tornamos livres pela distância a que nos situamos em relação ao mundo e a nós
mesmos. Essa distância torna-se ingrediente essencial de nossa atitude a respeito da
ciência e de nossa concepção da vida. Uma se reflete sobre a outra.

No pensamento filosófico, essa distância é também chamada consciência metodológica:


conheço o processo de meu pensamento, contemplo o caminho que percorro,
experimento a significação particular e as limitações de cada uma
de das formas
pensamento.

A ausência dedistância me impede de chegar a mim mesmo, porque sounvol


e vido pelo
fluxo das coisas, em meus pensamentos e imagens, sem ser eu próprio.

Mas, estando à distância, onde stou?


e N
a realidade que sou ue; graças ao
distanciamento, atinjo minha mesmidade real, identificando-me, pela primeira vez, com
a consciência plena: tenho consciência de participar inteiramente, mergulhado que me
vejo na realidade histórica.

Em que sentido a distância me libera? No sentido do afastamento de entraves em


minhas relações com a transcendência, no sentido de independência quanto à manei
em que experimento minha total dependência no ser dado a mim mesmo.
VIII.
PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA

1. A psicologia e a sociologia projetaram-se como ciências experimentais há apenas


cem anos.. Reclamam, hoje, um papel de primeiro plano, que lhes é reconhecido. Deram
margem a vasta bibliografia, que tem exercido sobre o pensamento contemporâneo
influência difícil de superestimar.

Ambas encerram um núcleo de e


gnuína ciência. Consta
tamfatos. R
ecorrema métodos
suscetíveis de definição e utilização de maneira crítica (coleta de material, experiências,
observação e descrição, entrevistas, questionários, estatísticas, pesquisas históricas e
biográficas, relato de casos). Efetuam análise por meio de distinções conceituais, de
esquemas de complexos de significação e de esquemas de complexos de situação.

Não falarei, aqui, dos notáveis resultados científicos alcançados pela psicologia e pela
sociologia, mas das perversões sofridas por essas ciências. Tais perversões — e não as
ciências mesmas — exercem devastador poder em nossa época.

Primeiro: Os efetivos resultados conquistados se afogam em meio à parlapatice vulgar


Isso obscureceo espírito hum
ano, enfraque
ce-lhe o pode
r de julgamento, ocul
ta a
realidade e, como um parasita, destrói as potencialidades existenciais do homem.

Segundo: Mais que quaisquer outros, dois pensadores, Marx — no campo da sociologia
— e Freud — no campo da psicologia — elaboraram, com enorme poder de observação
e construção, a par de conceitos acertados, concepções falsas o catastróficas. Esses do
homens de ódio, à semelhança de profetas, inspiraram fé. Foram seguidos por homens
que, afastados da igreja, não se haviam ainda voltado para a filosofia. Como os dois
autores citados eram pensadores de alta categoria intelectual e ofereciam resultados
palpáveis, a pseudocientífica profecia a que se entregavam os aureolava de prestígio ao
olhos dos que a superstição da ciência deslumbra.

De início e de maneira simplificada, mostrarei como psicanalistas e marxistas entram


em debateconosco.

2. Certa vez, na década de 1920, seminário que eu orientava a propósito da concepção


kantiana de liberdade foi subitamente interrompido.
Um estudante marxista afirmou: tudo isso não passa de ideologia burguesa. Devemos
toma
r o pensa
mento de aKnt como um a superestr
utura — só assi
m é possível
compreendê-lo.

Minha resposta : A concepçã


o de ilberdade em Kant está penetrada ed uma
inteligibilidade que se dirige ao homem como homem. Queira mostrar como se
relaciona ela com uma particular classe social.

O marxista: A noção deliberdadeé uma falácia comque a burguesi


a se engana a si
mesma. Não há liberdade individual. Só há liberdade para seguir a evolução necessária
da sociedade, tal como nos foi revelada.

Eu: Você nega a ibe


l rdadepessoal. E sabe, naturalmente, que mbé
ta m Kant negaa
liberdade enquanto realidade empírica e suscetível de investigação. Na existência
empírica, examinada sob o inevitável signo do causal, a liberdade, diz ele, não existe.
Eis, porém, o ponto essencial: nós, homens, somos mais que um objeto de estudo por
parte da psicologia e da sociologia. Se não quisermos desprezar-nos, teremos de presta
ouvidos ao imperativo categórico brotado de nosso íntimo. Esse imperativo pode
apresentar-se cientificamente.
determinado mais claro graçasEmbora
a elevados pensamentos
a filosofia filosóficos, mas
seja pensamento não pode ser
metodicamente
rigoroso, não é ciência.
O ponto, afinal, é o seguinte: você nega a experiência
existencial do imperativo íntimo?

Marxista: Nego-a. Ouço o imperativo da história e sua linguagem na linha do Partido e


não o imperativo das fantasias individuais. Seu pensamento é irracional. Eu me apego à
razão clara.

Eu: Quem lhe revelou o curso da história em seu todo? Cada uma das coisas
cognoscíveis é apenas um elemento no fluxo imensamente complexo dos
acontecimentos. Esse fluxo jamais é apreendido pelo homem — nãoa é compreendido
posteriori
comosabe
dúvida, você necessidade, nem
que a maior é antecipadamente
parte conhecido
das previsões feitas comoMarx
pelo próprio futuro. Sem
se revelou
falsa.

Marxista: Em minúcias. De modo geral, com sua concepção materialista da história e


com seu processo dialético, Marx revelou-nos o curso integral da história.

Eu: Uma vez que considera a realidade espiritual como uma superestrutura dos
interesses de classe, você está obrigado a enxergar, no curso da história e na doutrin
das superestruturas, uma ideologia de sua classe.

Marxista: De maneira alguma, porque no proletariado, enfim e pela primeira vez, o


homem se realiza enquanto homem. Essa realização faz com que desapareçam as
classes. Não há mais necessidade de ideologia: graças à ciência criada por Marx,
atingimos o conhecimento que a nós todos inspira.
Eu: A formade pensamento que vê o piritua
es l como supe restrutura eãon com
o de
srcem independente poderia, talvez, aplicar-se a muitos marxistas, anteriormente a
haverem empolgado o poder. Os que não lograram êxito — proletários ou burgueses
arruinados — buscaram um substitutivo: o proletário compensa a vida miserável que
levava acreditando num paraíso terrestre; o burguês arruinado compensa a sua mora
perdida numstatusde que ele, tornando-se revolucionário em imaginação, participa
com as massas.

Marxista: Rejeito sua psicologia. Trata-se de grandes processos da história, que


desembocam na verdadeira ordem Como
social.
não é capaz de ver as coisas de frente,
você se desvia para questões pessoais e incide em falha psicológica.

Eu: É exatamenteisso que lhe reprovo m


e seu julgamento dafilosofia de Kant. Você se
desvia do problema central em virtude de uma concepção sociológica das coisas,
concepção que unnca e
prmitirá quese perceba averdade conti
da na filosofia deKant.

Eis o que lhe proponho no quadro deste seminário: façamos nós dois abstração de
interpretações psicológicas e sociológicas, igualmente impróprias, e ocupemo-nos da
filosofia de Kant para indagar o quese contémnas idéias enquanto di éias.
Queremos compreender essas idéias? Cada um decidirá. É exigência que a ninguém se
pode fazer. Mas não lhe parece queeu esteja no direito de supor que todoque a le que
comparece a m u seminário sobre K ant decidiu compreender suas déi iasFalamos
? de
Kant e não de Marx.

3. Eis, agora, em versão também simplificada, outro debate, travado também na década
de 20.

Psicanalista: Nossa realidade básica é a libido sexual. Se a recalcamos, sublimando-a,


atingimos a espiritualidade; se a sublimação falha, suscita-se uma neurose.

Eu: Parece-me que uma concepção filosófica, uma visão espiritual, uma obra de arte,
um conceito científico têm significado que é válido por si mesmo. Por vezes, é possível
apontar as condições causais dos estados psicológicos de que essas criações derivam. O
últimos poe
mas de Holderlin e os últi
mos qua
dros de V
an Gogh não riam
te surgido
como surgiram, não fosse a insanidade mental. Mas isso nada diz contra a srcinalidade
do sentido dessas criações. Não vejo prova empírica da tese segundo a qual a expressão
produziu grandes obras na ordem espiritual. Mas, ainda que essa prova existisse, isso
nada provaria — contra a srcinalidade da criação. Mas, se alguém fala de repressão,
pode-se, com igual direito e com as mesmas possibilidades de bem sucedida
interpretação, alterar a pergunta: Como se reprime a libido sexual, pode-se reprimir a
força da espiritualidade existencial?
E como decidir quem está certo no que respeita aos
efeitos da repressão e às forças suscetíveis de serem reprimidas?
Psicanalista: Os efeitos da psicoterapia analítica são probantes; quando as repressõe
cessam, o paciente cura-se.
Eu: Nesse caso, o processo usado na neurose poderia ser aplicado às criações
espirituais. O resultado de elas se verem esclarecidas é deixarem de materializar-se.

Mas, em que consiste o êxito da psicanálise? No caso de sintomas físicos específicos, já


se demonstrou que o êxito poderia ser alcançado por outros métodos. No caso de
problemas psíquicos, os êxitos são de caráter fundamentalmente diverso: qual o critéri
de avaliação?

Psicana
lista: Aprova decisiva éa manifestação do doen
te que consta
ta, emsi mesmo, a
verdade da doutrina. Discutimos inutilmente. É preciso que o senhor se deixe
psicanalisar. Terá, então, as experiências que são requisitos necessários para esta
discussão.

EM: Submeti-me à psicaná


lise durantealgumtempo, quandorae mais joveme desejava
informar-me acerca das possibilidades da observação psicológica. Passado certo
período, meu amigo psicanalista me disse: sua teoria corresponde a um preconceito tão
poderoso que não consigo fazer com que seu inconsciente fale.

De qualquer
deixa modo,Evocê
psicanalisar. assinalou
que prova essao concordância?
ponto essencial:
Elaconcordância
nem sempre da pessoa quesóseé
se manifesta;
possível se o analisando chega a depositar fé na teoria. E como decidir entre a verdad
do psicanalista e a verdade da crença filosófica?

Psicanalista: Muito simples. Repito, deixe-se analisar. E descobrirá a verdade por si


mesmo.

Eu: Sim, é exatamente isso, quem tem razão é quem pode colocar o outro na posição
ser analisado, a fim de que este outro admita como evidente o que, de fato, lhe é ditad
pelo psicanalista, que já foi anteriormente doutrinado. Torna-se lógico os psicanalistas
modernos exigirem a análise preparatória para a profissão, pois reconhecem que nem
todas as pessoas preenchem as qualificações: quem não se despe do espírito crítico é
considerado inabilitado e deve permanecer à parte.

Psicana
lista: Apesar de sua
s palavras, o pr
ocedimento adota
do me parece nte
i iramente
razoável. Submetemo-nos a essas experiências de livre vontade e delas retiramos efeito
salutares. Por que falar de doutrinação — palavra que evoca o totalitarismo? O senhor
repudia como violência e compulsão o que é livre e livre permanece.

Eu: Por certo que não há violências e ameaças. Quando falo de doutrinação, quero
simplesmente assinalar que o procedimento consiste de exercícios, repetições,
transmissão de impressões e orientações que o tornam análogo às práticas monásticas
(se o pensamento crítico se cala e a fé deseja crer) leva a uma concepção do mundo e
próprio sujeito que se torna de impossível retificação.

Que isso é doutrinação e não procedimento científico prova-se pelo exemplo dos
pacientes que se afastam da psicanálise com desgosto e revolta.
Psicanalista: O senhor se afasta continuamente do plano da polemica científica. O que o.
senhor faz não é crítica, mas propaganda contra uma causa que o desagrada. Seu dese
é desacreditá-la.
É uma obsessão sua.

4. Essas discussões simplificadas estão, naturalmente, longe de proporcionar idéia da


totalidade dos temas da psicanálise e do marxismo; além disso, não esclarecem, de
maneira alguma, a respeito do que esses sistemas conseguiram realizarem setore
particulares (o marxismo, principalmente), a despeito de eu
s s dogm
as de base. As
discussões são transcritas apenas para patentear a inanidade de um debate cujo fundo
transparente: quando se trata de exatidão cientificamente comprovável, os interlocutore
se orientam para algo que todos os seres racionais podem conhecer em comum,
orientam-se para atos
f obj
etivos. Mas quando se põe e m questã
o a verdade
, que sustenta
a vida, molda-a e lhe dá conteúdo, não apenas a razão, mas também a natureza do
interlocutores se põe como fundamento de verdade.

5. Marx não é a sociologia- Freud não é a psicologia. Mas a extraordinária influência


exercida por estes dois homens mostra que diante da psicologia e da sociologia abre-s
dupla possibilidade: obter genuíno conhecimento do homem ou fazer-se filosofia
pervertida com pretensões proféticas. Por que isso?

Primeiro: Nem a psicologia nem a sociologia dispõe de fundamento científico próprio.


Quem se dedique a pesquisas em tal campo deve possuir treinamento científico
especializado, seja em filologia, história, direito, fisiologia, medicina, teologia ou
qualquer outro setor. Sem tal base, a pessoa se perderá em parolagem vazia.

Segundo: A psicologia e a sociologia são ciências universa


is: nada existe que não
aprese
nte ângulo de estudo m e que elas tenha m interesse. Mas a significação se
perverte, se as transformamos de ciências universais, em ciências totais ou, dito de out
maneira, se, em vez de examinarmos cada um dos fenômenos humanos à luz de ponto
de vista metodológicos aplicáveis ao caso particular, pretendermos tomar como objeto
daquelas ciências a totalidade do humano.

Terceiro: A psicologia, que conhece objetivamente, parece ocupar-se do mesmo de que


se ocupa a filosofia, que esclarece indagando. Há, porém, uma inversão a notar.
Tomemos, para tanto, o exemplo da psicanálise. Enquanto a filosofia busca tornar a
existência transparente a ela mesma, os métodos da psicanálise conduzem tão-somente
novo e mais profundo obscurecimento existencial. Enquanto a filosofia elucida a
situação concreta, a psicanálise se desvia para o insensato existencial, que é a
interpretação dos sonhos. Enquanto a filosofia orienta-se no sentido de permitir que o
destino se revele nas situações-limite, a psicanálise nos confunde com seu pseudo-
conhecimento de um céu e de um inferno que se encontrariam em nosso inconsciente
Enfim a inata dignidade do homem se perverte, transformada em aceitação de um E
odioso e torpe.

Quarto:As hipótes
es da psicaná
lise se metamorfoseiam em conheci
mento do ser,em
uma ontologia, em “psiquização” do inundo.
Quinto: A séria gravidade do existencial cede passo à superficialidade da atitude
psicanalítica.

Assim, psi
canálise emarxismo não passam de caricaturas d
a filosofia.

Cada um desses sistemas sustenta que o homem se perdeu porque se alienou (no sentid
etimológico)
psicanálise nae esfera
apresenta-se como formaE de
psieoterapêutica. salvação
os dois — o podem
sistemas marxismo na esfera política,
combinar-se. Em 1933a
um eminente psicanalista da época me disse: a ação de Hitler é o maior ato
psicoterapêutico
da História.

Em 1931, nas páginas de meu Dielivro


geistige Situation der (“A
ZeitSituação
Espiritual de Nosso Tempo”) deixei dito que o marxismo, a psicanálise e o racismo
(portanto, em termos mais gerais, a sociologia, a psicologia e a antropologia biológica)
são — desdeo momento e m que perdemo caráte r científico parase tornarem
concepções do mundo — os três grandes adversários espirituais do homem de nossa
época. Contra eles só podemos defender-nos recorrendo à filosofia, atividade a que tod
homem se entrega, mas que se esclarece pelo trabalho dos filósofos, que a explicitam e
sistematizam.
6. Quando a psicologia e a sociologia degeneram em ciências totalitárias, manifestam-se
estranhos fenômenos entre seus adeptos. O desejo de poder domina o desejo de verdad
O conhecimento que se tem do homem passa a ser mais importante do que o próprio
homem. Adota-se por vezes,tudeati de singular supe
rioridade, como a de quem
possuísse conhecimento absoluto, capaz de tudo penetrar e de tudo esclarecer. Dessas
alturas, olha-se para as misérias humanas. Toma-se a posição de Ser Superior, que
domina espiritualmente o mundo — o que se torna de um ridículo todo particular,
quando se é pessoalmente um pigmeu.

Há dezenas de anos, no decurso de uma viagem, fiz visita a um ilustre psiquiatra, que
não tomar
lhe era umopigmeu e que
precioso havia
tempo dasconhecido quando
consultas, “Deestudante.
respondeu-me: Como
Tenhoeu me escusasse po
modo algum.
satisfação em poder interromper, por alguns instantes, meu trabalho de domador”.
Gracejo, sem dúvida, mas expressivo. Com efeito, em psicanálise sempre está sendo
travada uma batalha, embora
a forma
sobde livrecomunicação.

Total conhecimento do homem, diz o estudioso da psicanálise abre margem para


exercício de poder discricionário sobre o homem. E proclama o direito de governar a
existência humana em função de suas descobertas. Como é possível, em determinad
medida e a partir de descobertas , enfrentar, modificar e afeiçoar
de fato fatosque
influem sobre a existência humana (desde as técnicas de trabalho até as instituições
passando pela higiene física e psíquica), imagina-se que o próprio homem possa ser
manipulado, domado e modificado graças ao conhecimento que dele se tem.

Tão logo ultrapassam as fronteiras científicas em que deveriam conter-se, psicologia e


sociologia revel
am tendê ncia dedegrada r o homem. Apresenta m a fé e a verdade como
simples fenômenos psicológicos. E como fé e verdade são inacessíveis enquanto objetos
empíricos de investigação, a psicologia e a sociologia os consideram destruídos. Tudo o
que resta é a fé falsa e difusa característica daquelas ciências.

7. Essa maneira de “pensar” é perigosa para o homem. Opera com base em uma imagem
que se faz dele e que o faz servo de uma concepção totalitária da espécie. Essa
concepção o leva a desaparecer em meio aos clichês de uma superstição científica. Se a
adotar
mos, serem
os arr
ancados de nósesm
mos.

Limitarem-se a psicologia e asociologia a eus


s domínios científicos estritos é lgo
a
dependente da filosofia e que, por outro lado, deixa a esta livre caminho.

Reconhecemo-nos dependentes de nosso eu psicofísico, da situação política e social do


mundo, das potencialidades de nossa consciência em geral e de suas categorias — e
tudo isso se transforma em objeto de nossas ciências, da psicologia, da sociologia, da
lógica. Mas, em meio a essas dependências existenciais e conceituais, buscamos ponto
de independência e nos entregamos à filosofia. E, então, contemplamos a nós mesmos e
ao mundo de que somos cativos como se os víssemos de fora.

Tal é a posição emprivadas


especialmente que somosdessa
nós mesmos. Nenhumaaciência
possibilidade pode atingi-la,
psicologia e estão Dessa posição e
e a sociologia.
só dela decorrem para aquelas ciências a verdadeira razão de ser e a limitada
significação.
IX.
A OPINIÃO PÚBL ICA

1. Em 1962, quando os editores do periódico Der germânico


Spiegelforam
levianamente acusados de traição, e quando a onda de prisões relembrou a época d
terrorismo policial, colocou-se de maneira concreta ante o público alemão o problema
da liberdade de imprensa.

Quando Der
o Spiegel
revelou que a repartição administrativa encarregada de velar pela
observância da Constituição violava essa mesma Constituição interceptando
conversações telefônicas, e quando o ministro responsável respondeu, colericamente,
que não podia exigir que seus funcionários andassem com a Constituição embaixo do
braço, puderam os alemães dar-se conta do que significava a intangibilidade da
Constituição.

Quando o funcionário que revelara ao jornal o irregular procedimento administrativo foi


acusado de alta traição, a opinião pública pôde perceber que a obrigação de silêncio
imposta incondicionalmente aos que prestam serviço público, poderia ser contrária ao
interesse geral.

Quando, em seus entendimentos com o patronato, os sindicatos de trabalhadores s


queixam de não ter informação acerca da misteriosa maneira de o dinheiro entrar e sai
das caixas, cabe imaginar se, não sendo os interlocutores inteiramente sinceros, é
possível uma discussão razoável.

2. Cada um desses exemplos ilustra o conflito existente(que


entretende
o poder
ao
segredo)
e a verdade
(que deseja fazer-se pública).

Esse conflito se instala em todos nós e é de soluçãoFarei,impossível.


inicialmente,
referência a nossa vida pessoal. Não somos os anjos do que a imaginação nos fala.
Segundo o entendimento tradicional, os anjos são de todo transparentes uns aos outros
vivem num estado intemporal de não-violência e de emoção satisfeita, à luz da verdade
pura. Mas, nós, seres hum
anos, também não som
os feras. Podemos viver u
j ntos, num
conflito de amor do qual a verdade brote para nosso bem.

No círculo estreito de nós mesmos, o adversário da verdade é o desejo de poder. O


desejo da verdade nos impele a revelar, o desejo de poder nos impele a ocultar. Se
abolíssemos o desejo de poder, deixaria de existir a tendência de esconder.
Se somos homens, é inerente a nós não somente esse conflito, mas também a exigênc
de que nos tornemos seres humanos autênticos, através da luta contra o adversári
interno que age contra nós.

O desejo de poder, recorrendo a disfarces, apresenta-se sob as formas da verdade e,


fazendo-lhe essa mesura, utiliza-a como instrumento para alcançar posição de domínio
A mendacidadeé seu elemento na
tivo, ondereina suprem
o.

O desejo de poder mais facilmente assume os contornos da verdade quando, por trás, se
põe o desejo de violência. Violência por su
perioridade intelectual, por conte
stação
orgulhosa, por ameaças, por enganos. Sem embargo, o desejo de poder, enquanto ta
pode ser verídico e a própria verdade é um poder.

Não queremos que


ocultação
a e a endaci
m dade pe
rmane
çam pa
ra sem
pre.

Por que desejamos a verdade e, portanto, abertura sincera? Por que não mais desejam
o mistério gerado pelo silêncio?

Primeiro: Porque averacidade con


funde-se coma dignidade humana. A falta de
sinceridade nos envergonha a nossos próprios olhos.

Segundo: Porque a verdade só pode ser atingida em conjunto e, assim, calando-nos,


somos infiéis a nós mesmos. É mau que um homem não conte com uma pessoa diante
da qual possa ser absolutamente franco,
inteiramente
sem reservas, completamente
honesto.

A semelhança do que se passa navida pessoal, tambémna com unidadeo curso das
coisas se torna falso quando o homem cala o que é importante para todos. A
mendacidade pública é re
flexo da mendacidade pessoal. Vivemos na ob
scuridade.
Deveríamos tornar-nos transparentes a nós mesmos e transparentes a todos os outro
em nosso destino e ação comuns.

3. Isso nos levaao cam


po dapolítica.

Vendo-nos à mercêde fatospolíticos eeconôm


icos sobreos quais julgamos não ter a
menor influência, sentimo-nos tentados a refugiar-nos em uma existência apolítica.
Contudo, aqueles fatos são manipulados por homens. Os homens podem refletir,
conhecer, alterar procedimentos, podem pensar e agir em conjunto. Conseqüentement
aquela fuga nos torna cúmplices de crimes políticos.

Nossa convicção — com raízes na existência humana e chegada a plena consciência —


é a seguinte: só à luz da verdade e da divulgação honesta pode o desenvolvimento dos
negócios políticos eeconômicos levar a algo de bom. A verda
de requer publicidade
máxima.
Até agora, a nsi
i nceridade, a desonestidade e a mentira têm sido meios deutilização
norma l em política. A desonestidade, en tretan
to, só pode rsevantajosa por breves
instantese a expensas do futuro . A longo lacance , ela se faz inconveniente para a
própria vida. A verda de é mais viável que a mentira. Estados cons truídos sobre a
mentira decaem por adotarem procedimentos que se alimentam da tradição de mentir.

Uma das al f has da vontade que e enga


s na a simesma é a denão querer adm itir que a
violência e a mentira são rea
lidades dominantes. Antes quenos ifrmemos e possamos
opor barreira a essas realidades, é preciso adquirir consciência de que, até o momento
não houve como a elas escapar. Essa atitude pressupõe que não cedamos quando
lentamente, silenciosamente, cotidianamente e, depois, nos momentos decisivos, de
forma explosiva, a violência e a mentira queiram abrir Nossa
caminho.
palavra de
ordem deve ser:ilimitada divulgação da verdade.

4. Num povo livre, a opinião pública é o fórum da política. O grau de informação de que
a opinião pública disponha é o critério de liberdade desse povo. Comecemos por
esboçar o ideal estado de coisas. O que determina o destino de todos, deve, por
exigência da liberdade política, passar-se em público. A reflexão deve ser pública e
prepa rada me público a decisão. A concor dância brotará ssa
de base enão de conf iança
cega. Pelo pensamento e pela informação, um povo livre participa dos atos praticados
pelos governantes com vistas à criação de instituições e elaboração de leis. Numa naçã
livre, o êxito do homem político depende do povo. Surge a partir dos pequenos grupos
profissionais, dos rguposde vizinhança, degruposde livre de bate político. Junto a esses
grupos deve o político provar que é digno de confiança, que será orientador competent
e capaz. Os políticos iniciam sua ascensão a partir desses grupos e não pelo recurso
uma burocracia partidária quea priorielege,, políticos profissionais. ele é aceito porque
a consciência política do povo se impõe. ele atua, fala e escreve aos olhos do público.
Os eleitores sabem a favor de quem e de quê eles se manifestam pelo voto. Um pov
livre sabe que é responsável pelos atos de seu governo. Pertencer a uma nação livre
torna livre o homem que, nesse caso, pode transformar-se em cidadão.

As linhas ade
estímulo cima esboçam
ação. um ideal. éDesti
A realidade nam-se a servir como cri
diferente. tério de apreciação e

A vida pública deuma nação não ésimples espelho do povo. eve D ser o fórum ed sua
auto-educação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer
complacente af cea erros e af lhas. ImpÕe-se arecíproca auto-educaçã
o de governa
ntes e
governados. m E meio a todas as”m udanças, mantém-se um
a constante: a igação
obr de
criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política.

A auto-educaçã
o política se faz pe
lo exercício consta
nte do pe
nsamento, ao conta
cto
com as realidades de todos os dias e com os grandes momentos de decisão. Soment
diante de situações concretas pode a experiência ser submetida a prova e verificada a
capacidade de julgamento.
A opinião pública é, ante
s de tudo, o órum
f de informa
ção e, em seguida, o da
confrontação intelectual. Não é, de maneira alguma, opinião que preexistisse no povo,
que se devesse constatar e considerar normativa.
A opinião pública revela interesses particulares, que ntra e m em fricção comoutros
interesses. Por isso mesmo, sua pretensão de corresponder ao interesse público só se
justifica no quadro do conjunto de todos os interesses. Nenhum interesse particular pode
aspirar a ascender ao plano bonumdo comm une, do interesse público.

Só um interesse público é absoluto: que a batalha pela verdade e pela sinceridade poss
continuar a fazer-se com normais possibilidades de êxito; a batalha pela ordem de
prioridade dos interesses e pelo bem comum, que transcende a todosa os interesses:
liberdade, res-publica.

5. O que hoje entendemos por opinião pública tem sobretudo relação com o mundo dos
oradorese escritores
, dos orna
j is e livros, derádio e televisão. A opinião pública não é o
fórum da proclamação de uma verdade única, mas o campo de batalha pela verdade.

Os escritores são uma terceira força, que se põe entre governo e povo, entre a atividad
dos políticos e o silêncio geral da população. Criam os escritores a linguagem que une
toda a população. Essa terceira força, entretanto, só é significativa se for independente.

O poder dos escritores


desconsiderados, está
em razão na força
de sua de persuasão.
impotência, Embora que
são os escritores sejam
dãofreqüentemente
vida às formas
de representa
ção e aos odos
m de pensa
mento.Tudo quantoazem
f quiçá não passe de
pregação no deserto, mas através dessa atividade se revelará talvez o que põe o mun
em movimento.

Quanto aos filósofos, Platão acreditou que, senhores de conhecimento perfeito,


deveriam ser chamados a governar. De onde seu dito famoso: os Estados só serão bem
dirigidos quando os filósofos se tornarem reis ou os reis se tornarem filósofos.

Isso nos parece xeagerada upe


s restimação das optenci
alidades do ni divíduo, emespecial
dos indivíduos que se consagram ao pensamento. Em consonância com nosso desejo d
liberdade, Kant deu expressã o diferente à verdadeoculta na frase de Platão. Os
governantes, disse ele, devem permitir que os filósofos se manifestem livremente,
devem dar-lhe ouvidos e seguir-lhes os conselhos. Para isso, cabe aos filósofos darem
publicidade a suas idéias e debates. Mas Kant não sepera que os is re se dediquem à
filosofia ou que os filósofos se laçam reis. Ainda que isso fosse possível, não seria
desejável, “pois o poder corrompe inevitavelmente o livre juízo da razão”. E acrescenta
Kant: “É preciso, por
ém, que os reis ou os povos sobe
ranos (aqueles quese governam a
si mesmos, assegurando clima de igualdade), longe de levarem a classe dos filósofos a
extinguir-se ou calar-se, dêem-lhe a palavra em público, pois o conselho dos filósofos é
indispensável à conduta dos negócios do Estado. “Os filósofos não devem ser
compelidos a calar-se.” Kant manifesta opinião favoráve l à classe dos filósofos,
considerando-os incapazes de constituírem facções, clubes, grupos fechados, e os coloc
acima de qualquer suspeita em matéria de atividades de propaganda.

As idéias de Kant comrespe


ito aos filósofos — consel
heiros em
penhados em debates
públicos, assim como a confiança que a natureza do filósofo lhe desperta parecem
corresponder como que à Magna Carta do escritor. Embora os filósofos sejam uma
classe, não consti
tuem uma instituição. A liberdadede que gozemé a essência deum
povo livre.

Os governos de povos não-livres se precavêem contra essa terceira força, contra o pode
do espírito. Quando lhes é possível, utilizam-se dos escritores para atingir fins próprios.
Fornecem à imprensa informações oficiais, sempre limitadas, sinuosas, veladas;
secretamente fornecem esclarecimentos mas só a pessoas que estejam a seu serviço
usem com tato as informações, estimulando a confiança do povo nos governantes e
dando apoio ao que os governantes reclamam Esses
do governos
povo. se escandalizam
quando os escritores manifestam a um público amplo o que os governantes consideram
opiniões pessoais. Louvam o espírito, ma
s só o sepírito servil. Louvam a imprensa e a
liberdade de imprensa, mas pretendem referir-se a uma imprensa dócil. No fundo, não
têm plena consciência do que fazem, porque lhes falta compreensão do valor do
espírito.

6. Assim, adé
i ia de que aopinião pública seja fonte da
verda
de pública só parcialmente
é verdadeira.
Sem embargo e como já afirmei, essa idéia fornece critérios segundo os
quais se pode apreciar a opinião pública, suas limitações
perversões.
Aeboa política
nos aconselha conscientemente
a, e como questão de princípio, favorecer a concretiza
ção da mesma idéia no governo, na administração, na burocracia.

Isso é o quedá consciência de si a povos sobe ranos, onde se


mantém viva longa
tradição de liberdade. Nos demais Estados, quase todos os políticos (mas não todos)
consideram normal um estado de coisas contrário ao esboçado e, conseqüentemente,
favorece
m. A lembrançadas liberdade
s antigasestimula os m
elhores, que consti
tuem as
forças políticas autênticas.

Um povo livre é sempre governado por sua aristocracia espiritual — minoria recrutada
de todos os níveis da população. Nela o povo se reconhece e através dela concretiza su
própria democracia.

Duas realidades limitam o alcance da opinião pública: o segredo e a censura.

7. Governos,partidos,funcionários,
empresários, editores, burocratas, todos tendem a
favorecer o segredo, que é dado como tendoImpe valor
le-se
em ta
lsi.
procedi
mento até
as raias
do ridículo.É considerado
pontode honra profissional.
Sua violação expõe a
castigo.

Em certas situações, o segredo é necessário. Desvalorizações de moeda, por exemplo,


exigem segredo até o último instante. Há o segredo oficial, que deve ser mantido por
tempo limitado para permitir trabalhos da administração ou êxito de negociações. Em
casos tais, algo permanece provisoriamente secreto, sem que resulte lesão a ninguém.

Tem outro sentido o segredo que se guarda face ao inimigo. Está relacionado com o
emprego da violência. Na hipótese o máximo de segredo eleva-se a princípio de
conduta,o mesmo se dando com o buste em e amentira. A comuni cação de segredos a
países estrangeiros é espionagem ou é traição.
O tratamento que o segredo recebe no interior de fronteiras nacionais é decisivo para
avaliação do caráter do Estado. Entre cidadãos que constroem, aperfeiçoam e velam po
sua liberdade comum, não há por que existir segredo. Quando o segredo existe, algo não
corre bem. Segredo momentâneo pode surgir como necessidade, mas só é tolerado a
contragosto. Nele se vê restrição à liberdade e procura-se reduzi-lo ao mínimo. O desejo
de divulgação, nascido da liberdade, torna mais difícil o segredo necessário, enquanto a
tendência ao segredo, brotado do desejo de poder, quer pôr-se como obstáculo à
notoriedade e transformar cidadãos
súditos.
em
Em verdade, as forças que se inclinam por ocultar, velar, mentir são tão poderosas que
Estado se vê compelido a dar-lhes combate incessante, para ver preservada a liberdade
Seria desejável, por exemplo, legislação que autorizasse e obrigasse, moralmente, os
funcionários a darem publicidade a fatos legais ou anticonstitucionais, em vez de
simplesmente comunicá-los a seus superiores hierárquicos, freqüentemente interessados
em evitar que esses fatos sejam conhecidos.

O desejo de reduzir tanto quanto possível as dimensões do segredo é corolário da


exigência incondicional de liberdade. Com efeito, em política, a sinceridade é condição
de liberdade.

8. Um Estado que se acomoda aos termos por nós referidos não admite a censura. S
tem sentido a punição quando o que foi publicado caracteriza violação da lei penal
(difamação etc.); contrariamente ao que hoje em dia se faz, a difamação deveria ser
punida com multas tão severas que implicassem a ruína do difamador.

Há. porém, uma objeção contra a liberdade de imprensa: ela não esclarece, confunde.
Dá rédeas livres para incitação contra o governo e contra a ordem estabelecida.
Engendra o descontentamento e a desconfiança. Permite ataque à fé e à autoridade
Abre canai s não só para a verdade , mas tam bém para amais absol uta af lta de
autoridade. Interesse
s conjugados, conspi
rando pa
ra manter a gnorânci
i a, provocamum
estado de engano geral. Daí decorre, segundo se entende, a necessidade de censura
Impõe-se preservar opovo denfluêi ncias perniciosas e comfreqüência negar-lhe, em
seu próprio interesse,
a verdadepura.

Resposta a esse argumento é a de que ele pressupõe um povo imaturo, enquanto a


liberdade de imprensa supõe um povo amadurecido. Em todas as classes sociais, as
pessoas — sejam agricultores ou operários, militares ou diretores de empresas,
motoristas ou professores — têm maior ou menor maturidade política. Todos somos
home ns e todos nos encontr
amos a cam inho da maioridade
. São homens os queazem
f a
censura do queoutros hom
ens têmo direito de di
zer publ
icamente. A quem incumbirá
apontar censores que possuam discernimento de espírito e a visão da verdade que só u
deus possui
? A censura emnadaresulta. Pode-se abusar dacensura como abusa
se da
liberdade. E qual o abuso preferível?
Por qual deles inclinar-nos?

A censura el va adistorções e à sup ressão do verdadeiro; a liberdadeengendra ap enas


distorçõe
s. A supressão tem caráter absoluto; a di
storção podeser corrigida por força da
própria liberdade. Cabe depositar a melhor esperança no desencontro de opiniões, pois
desse desencontro emerge a verdade, uma vez que o homem possui inato senso da
verdade, e, assim, a opinião pública, criticando-se, corrige-se a si mesma. Por esta via
não se garante o êxito, mas respira-se esperança; qualquer outro caminho conduz à ruín
da verdade. Tanto a censura como a liberdade de imprensa colocam a verdade em
perigo. O problema está em saber qual o caminho mais digno e próprio do homem. Esse
caminho é o da liberdade.

9. Os riscos inerentes à vida pública só espontaneamente são assumidos. Permitam-me,


pois, concluir dizendo uma palavra a esse propósito. Cada qual deve decidir por si
mesmo se deseja ou não expor-se à opinião pública.

O homem que alcançou conhecimento não deseja guardá-lo para si. O homem criador
deseja que sua obra seja vista. O homem que atua politicamente deseja ser
acompanhado. Tal é a grande ambição, que se justifica desde que não repouse sobre
ilusões quanto ao que se é capaz de fazer (caso em que se degradaria em vaidade).
permanece o fato de que a vida pública é risco.

Quando os homens se queixam de se verem entregues ao público, de tal modo que ess
público lhes perscruta não a ação objetiva, mas a própria pessoa, importa indagar até
que ponto
possível serseum
justifica
homema público
proteção da mesmo
e, ao “vida privada” de uma personalidade
tempo, recusar-se ao público? pública. É

Mais fácil é queos dete


ntores do pode
r, para beme para mal, travemsuas bata
lhas para
além do alcance dos povos. É audácia de parte dos governantes exporem-se à opinião do
país. Como é com base nessa opinião que devem tomar decisões — via de educação
política de si próprios e do povo — importa que os governantes vivam, politicamente,
em casas de vidro. Só enfrentando esse risco pode um estadista atingir a grandeza.

Risco há também para qualquer pessoa no lançar-se à vida pública através da palavra
escrita, da palavra falada e da ação. Deve, em contrapartida, admitir que sua pessoa se
examinada e interrogada. Quem tem vida pública está à mercê do público. O homem
que deu esse passo nãoisé oma
mesmo.
Como todas as causas (exceto no caso das ciências naturais e de umas poucas outra
ciências) envolvem a essência da personalidade, os olhos se fixam tanto na
personal
idade com
o nas caus
as. A personal
idade rece
be plena luz, é examinada até seus
mais íntimos pormenores e julgada, variando o julgamento em função do papel público
desempenhado — político, escritor, cientista, poeta, pensador.

Por esse motivo, perde atrativo a idéia de ser um homem público. Todos — políticos,
escritores, poetas, filósofos — desejariam que sua pessoa permanecesse inatingida. Ma
a nenhum cabe o direito de exigir que o público o acompanhe enquanto indivíduo e
deixe de notá-lo enquanto pessoa. O homem público adentrou arena onde se trava
combate pela verdade,
incompreensão, lisonja eonde motivos
calúnia à luz edepessoa vêem-se
uma opinião expostos
pública a permanente distorçã
inclemente.

O homem que ousa correr esses riscos vem a conhecei-no âmbito público mais amplo as
mesmas vicissitudes que enfrenta na vida privada. Deve acautelar-se para não se
identificar à imagem que dele próprio a opinião pública crie. Deve tolerar tal imagem,
sem a ela afeiçoar-se involuntariamente, esquecendo a própria identidade. Ê essencia
que permaneça livre, fiel a seu verdadeiro eu, firmemente apoiado em suas
potencialidades.
X.
OS ENIGMAS

1. Um dos mais perturbadores enigmas da religião bíblica é o que se refere à presença


material de Jeová tra
nsmitindo o Decá
logo aMoisés e ao povo deIsrael:

E todo o povo viu os trovões e os relâmpagos e o som da trompa e o monte fumegand


e o povo, vendo isso, retirou-se e pôs-se longe.

E disseram a Moisés: fala tu conosco e ouviremos; e não fale Deus conosco, para que
não morramos.
E disse Moisés ao povo: não temais, pois Deus veio para provar-vos e para que seu
temor esteja diante de vós, para que não pequeis.

E o povo estavaem pé, de o


l nge; Moisés, porém, se che
gou à securidão onde Deus
estava (Êx. XX, 18-21).

O povo outorgou umand


m ato a Moisés. Submeteu-se à u
s a autoridade, à revel
ação dos
Dez Mandamentos que a Moisés havia sido feita. E tal submissão não fez o povo
escravo.

Escravos sohebreus haviam sido no Egi


to. Jeová os tinhaibe
l rtado e feito sair da ca
sa
da servidão. E agora pedia a esses homens livres aquilo que lhes traria a liberdade
interior:

Não terás outros deuses diante de mim.


Não farás para ti imagens de escultura... não te prosternarás diante delas.
Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.
Honraráspai emãe.
Não matarás.
Não cometerásadultério.
Não furtarás.
Não darás
Que falso
notestemunho
encontramos Decálogo? contra o teu próximo.
O Deus único: ele é o espelho da força que empresta coesão a nossa vida. Para o homem
natural — nós todos — o politeísmo é urna segunda natureza. Os deuses entram em
conflito. É impossível conciliar as exigências que nos fazem. O homem é o ser que se
contradiz. Servindo a alguns deuses, ofende outros. Então, com surpreendente energia
afirma-se o poder do Único. ele repele o simplesmente natural. E desperta no homem
uma vontade de outra srcem. Não farás para ti imagens de escultura: a Transcendência
deixa de ser Transcendência quando aprisionada em imagens. Só lhe compreendemos
linguagem quando assume forma de enigma. Ela própria se coloca para além de todos
os enigmas.
Tal a verdade da reflexão filosófica.

Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão: o homem circunspeto não graceja
com o nome de Deus. Não faz apelo a Deus quando deseja algo para si, neste mundo
Tomar o nome de Deus em vão equivale a invocar o favor de Deus contra os outros.

Honrar pai e mãe, não matar, não cometer adultério, não dar falso testemunho: tais são
as simples, grandes e indispensáveis condições de uma vida comum vivida em
confiança.

Há qualquer coisa de estranho nos acontecimentos do Sinai: o mandamento proíbe as


imagens esculpidas e, portanto, nega a materialização de Deus. Quando, à sombra da
nuvem
, Moisés atraves
sa a montanha, os fenômenos vulcânicos constituem uma
experseguida
em iência concreta, àmel
— mas Deussehanão
nça se
da materializa.
rocl
p amação dos Dezassume
Não Mandamentos,queO épovo
forma. feita não o vê, nem
pode ouvi-lo.

Os Dez Manda mentos oram


f enca
rados comlevianda de, sob o prete xto de serem
óbvios.Não obstante é tão difícil observá-los que, por certo, homem algum o consegue
de maneira perfeita. Fossem eles obedecidos, e não viveríamos num estado de engan
(tanto em negócios públicos quanto em negócios privados) que encaramos como
inevitável, mas teríamos uma comunidade autêntica edigna de confiança. “A moral é
evidente”, diz um adágio mentiroso. Evidente, muito ao contrário, é que reduzimos a
moral ao silêncio.

Maravilha
dos de m
Dez Manda simplicidade,
entos .éde um clareza
a só vez,erevel
profundidade
ado ecapazpara todos os tempos,
de convencer o home
m o conteúdo
enquanto homem. Falam à conveni ência, através da
razão.Levantam-se por sobre a
paixão, a violência, o instinto, o capricho. Dando-lhes obediência, o homem concretiza
sua liberdade existencial.

Formulando seu imperativo categórico, Kant bemcompreendeu a exigência de que a


consciência se faz objeto: age como se, com tua ação, estivesses criando um mundo
onde o teu princípio de agir pudesse ser válido para todos e para sempre.

A consci
ência é adimensão onde ces
sa asoberania do suj
eito, não porsubm
issão a um
a
ordem exterior e incompreendida, mas por livre obediência ao próprio entendimento.

Esse poder que compele sem exercitar violência e que, obedecido, parece brotar de mim
mesmo é tão di
screto e desm
aiado queparenteme
a nte se de
svanece na real
idade.
Não obstante, o que se encerra em minha consciência é mais do que eu mesmo. E ess
“mais” fala através do enigma que, certa vez, tão profundamente marcou o homem n
acontecimento do Sinai. Quem poderia esquecer o Sinai, após a leitura da narração
bíblica? Perceber a importância do homem ancorada no fundamento das coisas,
ancorada no próprio Deus como enigma, revigora a consciência. E a mensagem
permanece mesmo após esapa
d recida a presença.

2. O Sinai é um exemplo de enigma. A ciência das religiões e dos mitos reú ne os


enigmas. Classifica-os emgêneros. Mostra
-nos a tra
nsforma ção dos euse
d s. Jeová, o
Deus daGuerra do Cânti co deDébora, não oé Deus diante do qual Jó formula queixas,
nemé o Deus a quemJesusse dirige.

Sobre o pano de fundo das comparações universais projetam-se as figuras do passado,


sempre únicas: a par das que aparecem na Bíblia, há o panteão grego e as mitologias
hindu, chinesa e escandinava.

A semelhança da
s língua
s, os enigmas nos chega
m por tradição.
Não os inventamos;
apropriamo-nos deles.

Eis alguns outros exemplos:

a) Desde o período sumeriano (quarto milênio a. C.) têm sido elaboradas cosmologias.
A ordemda vida humana éreflexo daordemdas estrelas no ciclo imutávelseu
de eterno
movimento.
As invioláveis leis celestes são válidas para a existência humana, sempre
em colapso e sempre em reconstituição.
Os eventos humanos são eventos cósmicos.

Os enigmas prolongam-se pela História. Kant pôdeainda xcl


e amar: “duas coisas
enchem o espírito de admiração e de respeito — o céu estrelado acima de mim e a lei
moral em meu interior... associo-as diretamente à consciência de meu próprio existir”.

b) É insustentável a idéia de um mundo divino, uno e integralmente


O mundo
racional.
se apóia no caos.
Do caos brotam o mundo e os deuses, que o limitam, mas não
ultrapassam.
O caos lhes deu vida, o caos os devorará.

O enigma de um Deus injusto e impiedoso, que faz o sol brilhar indiferentemente para
os bons e para os maus. torna-se, na Gnose antiga, o enigma de um criador sem merc
O mundo em que vivemos é despido de amor, caótico, irracional, de brilho enganador.
Nós, com nossas almas capazes de amor e de razão, somos centelhas de luz lançadas a
mundo por nef
asto desti
no. Aspiramos a de
ixar este undo
m pa
ra nos reuni
rmos a mu
Deus longínquo, ao Deus do amor que, entretanto, a ninguém pode socorrer neste
mundo.

c) O panteão
gregoé único naHistória,infinitoe maravilhosamente
claro.Nele,tudo
quantoexiste,tudo quanto é permitido ou ordenado, tudo que o homem pode ser se
oferece a nós através de divinos enigmas.
Zeus: o Único, rei dos deuses, ao qual todos os deuses devem submeter-se, mesmo
quando se reb elam, mas que está, por sua ve z, subm etido à Moira, ao Desti
no impessoal
a quenão seclama, nemse ora. m E segui da, Apoio, o deusdistantede tudo quanto é
vulgar, impuro, mó rbido, falso. Não se tra ta de uma força danatureza. Isento de
paixões, Apoio vive na pureza ena dignidade . Deus vigoroso,ovemj , belo,intangível,
ele brilha, destrói, repele e protege. Exige medidas e formas. Seus mandamentos dizem
Moderação,onhece-t
c e a ti mesmo, temconsc iência dequeés umhomem. Sócrates, o
filósofo,deu-lhe ouvidos. ele estálonge de ser o deu s único, sen hor daexistência. Ao
contrári
o, perma nece afastado da vida perturbada, sofrida e confusa. Age sobre sta e
vida, mas comela não secompromete. A seguir, Afrodite, de usanobre, que enobrece o
amor sexua l. E todos os ou tros de
uses, Atenas, Hera, Ártem is, os deuses olímpicos, os
deuses da na tureza, as náiades, as ninfas, as driades. Inesgotá vel coleção de nom es e
figuras! Todas as possibilidades e todos os fados do homem, todas as depravações e
todas as singularidades humanas — tudoera divinizado. Aceitand o tudo, ilmitava-se
tudo, e tudo se punha em questão.

Somente durante breve período foram esses deuses realidade. Os gregos atingiram se
apogeu enquanto homens: igualavam-se aos deuses. Enfrentavam-nos abertamente e
faziam-nos manifestarem-se não através de teólogos e sacerdotes, mas através de poet
e filósofos.
despida deViam-se no espe
realidade, lho dos
salvo eu
d se
para oss.humanistas
Pouco de
pois,que
tudovisam
de
sceuaaouma lembrança
prazer estético.

Não pode
mos transf
ormar-nos emgregos
. Mas ficarem
os em
pobreci
dos se gnorarm
i os
os deuses gregos e não os tivermos na conta de marcos significativos.

3. Talvez que hoje em dia os enigmas estejam entre as coisas que mais urgentement
dizem respeito à srcem e destino de nossa liberdade.

a) Consciente de sua liberdade, o homem sente serNos


èlegrandes
próprio.momentos,
faz opções.
Não obstante, pode falhar na tarefa de fazer-se ele mesmo e, então, não sabe
o que verdadeiramente quer, sucumbe ao arbitrário e à perplexidade. Perdido nessa
ausência de si mesmo, torna-se consciente de que pode recuperar-se pela via da
liberdade.

É, contudo, abstrata a transcendência pela qual ele se sabe oferecido a si mesmo.


Quando o homem, no gozo de sua liberdade, experimenta a Transcendência, necessita
dos enigmas para elucidá-la.

b) Vimos qua
is eram, para o mun
do, as conse
qüências da
s manifestaçõe
s da ilberdade
.
Entusiasmados pela idéia de liberdade, verificamos que essas conseqüências nos
colocam no caminho
da catástrofe.

Se parece
embora impossível tomar
aparentemente a via da liberdade,
impraticável, resta-nos
é-nos imposta a certeza
por dever de que essaa trilha
e corresponde noss
humanidade. Tal certeza a respeito de nosso destino estimula-nos a enfrentar a tarefa. O
fato de não nos sabermos capazes de realizá-la associa à tarefa uma incerteza que n
podemos evitar.
Então, os enigmas nos al
f am. Mostram
-nos que ão
n pode
mos dispensar um apoio
brotado do fundo das coisas, apoio de que jamais temos consciência e com que jamais
podemos efetivamente contar. É em tal apoio que nos fiamos, quando nos fiamos em
nós mesmos. Esperamos que ele não nos falte, na medida em que, com amor e verdade
fazemos o que está a nosso alcance para nos sentirmos dignos de nossa liberdade. N
temos a certeza de poder contar com o auxílio aguardado, mas os enigmas encorajam
nossa esperança.

c) Nossa identidade mostra-se ambígua: podemos dar-nos a nós mesmos na liberdade


mas podemos também falhar na tarefa de nos construirmos Aa nós próprios.
concretização de nossa liberdade mostrou-seaparece
equívoca:
como um ímpeto que
pode, entretanto, conduzir-nos Eàéruína.
ambígua
tambémnossaposiçãono mundo:
estamos
à vontade ou nos sentimos estranhos a ele?

Parece que não fazemos senão desempenhar papéis. E, sem embargo, no plano da
História, identificamo-nos a seses papéis. Ao mesmo tem
po, somos nã
e o somos esses
papéis.

Quando,
dizer, ememnossa
tais papéis,
casa, nos sentimos
como nós mesmos,
se, embora o mundo
srcinários se transforma,
de outras paragens, por assim
nele
encontrássemos abrigo.

Contudo, se, nos papéis, não nos sentimos nós mesmos, este mundo não é nosso mund
Só nos cabe esperar o pior. E, então, embora tenhamos preservado a certeza de noss
srcens, é como se, tendo abandonado a pátria distante,a este
chegássemos
mundo
estranho.

Quando nos tornamos — o mundo em sua realidade e nós em nossa srcem eterna —
estranhos e desajustados, sentimo-nos sacrificados, privados de realidade e fé, com um
liberdade que se despe de sentido.

Teríamos, talvez, caminhado da estranheza de nossas origens para a estranheza deste


mundo, sem serm os coisa alguma? A circunstânci
a de podermos dese sperar desituações
que põemdiante denós eni gmas dessa ordemjá é um a indicação:quemse pode
desesperar não é um nada; pode reencontrar-se.

Vemos nos nigm


e as a linguagem de toda
s as coi
sas, talvez am
bígua e fluida, mas
proclamando que o fim não é necessariamente o desespero.

Não dispomos, contudo, de qualquer garantia.

4. Falamos de enigmas. Que significa essa palavra? De onde a colhemos?


Da cisão sujeito-objeto resultam representações, conteúdos de pensamento, imagens —
que não se limitam a ser isso,
apenas
mas encerram
significação.
Tal significação não é a dos símbolos. Objetivamente falando, uma coisa pode ser
indicativa de outra, como o é, por exemplo, a marca de fábrica de uma mercadoria, uma
abreviação etc.A significação de que falamos existe, entretanto, sem que exista o objeto
significado. As significaçõe
s que não podem ser redu
zidas ao objeto significado são por
nós denominadas enigmas. Significam sem significar algo específico. Esse algo reside
no próprio enigma e não existe fora dele.

Vivemos nummundo deenigma, onde o queé autênti


co deveria revelar-se a nós, m
as
não se revela e permanecenaoculto
interminável variação
das significações.

Os enigmas constituem, por assim dizer, uma linguagem da Transcendência, que de lá


nos chega como linguagem de nossa própria criação. Os enigmas são objetivos; neles, o
homem percebe alguma coisa que lhe vem ao encontro. Os enigmas são subjetivos:
homem os cria em função de suas concepções, modo de pensar e poder de
entendimento. Na cisão sujeito-objeto, os enigmas são, a um tempo, objetivos e
subjetivos.

5. Para muitas religiões, os deuses estavam fisicamente presentes neste mundo. Para a f
cristã,
Um o Deus
só hom transcendente
em, Jes se os
us, voltou deentre fêz m
homem.
ortos e éo Teve
Cristomorte
uscithorrível
ress e ressurreição
ado. Os quenisso gloriosa
crêem, vêem nisso um acontecimento histórico, suscetível de localização no tempo e no
espaço.

Surpreendemo-nos: ressuscitado na carne? Não é possível, pois um cadáver não


recupe
ra vida. Mas não se atesta qu
e o fato ocorr
eu? A tumba esvaziou-se e o
Ressuscitado apareceu a discípulos e discípulas. Ocorre apenas que os testemunhos só
atestam a fé dos discípulos e não a realidade do conteúdo de tal fé.

Esse é o cerne da questão: não se pode resguardar a corporeidade da Transcendência


mundo.

As ciências contesta
m a corporei
dade da Transcendência, porque acorpor
eidade é
realidade e a realidade é objeto de ciência e não de fé.

Aquilo dequea ciênci


a nos priva — a corp
oreidade da Transcendência — fica paranós
preservado no domínio dos enigmas.

Os latos são universalmente válidos. Os enigmas têm existência histórica em um mundo


empíreo e só falam a essa mesma existência. Os fatos são investigados. Os enigmas são
penetrados pela imaginação e pela especulação.

Os fatos são incontestáveis. Os enigmas iluminam o caminho de nossa liberdade.


As realidades são indiscutív
eis: é as
sim e assim .é Os enigmas não nos propic
iam solo
firme, pois têm mais de uma face. O enigma “Deus” tomado de maneira direta, dá-nos
sentimento de segurança. Contudo, faz-se ambíguo em razão de experiências que temo
neste m undo e que não em podos descar
tar semnos negarmos a nóssm me
os. Não é
possível conciliar Deus e Auschwitz.Já o havia percebido Jó. O Antigo Testamento
atinge culminâncias de verdade ao dizer que Deus se transforma para os homens e del
se aparta quando estes reconhecem sua revelação e suas promessas — e continua a se
Deus. Mas esse Deus não é mais o Deus nteri a or. A palavra “D eus” desti
na-se a
designar algo que nós, pura e simplesmente, não chegamos a compreender. O israelita
do Antigo Testamento procur ou, semêxito, esclarecer o sen
tido dessa palavra; mas
jamais duvidou de que Deus exista.
Por isso mesmo, a nós, homens, só nos resta escutar uma linguagem de enigmas na qu
está incluído o enigma “Deus”, nela enxergando linguagem de significações múltiplas.
Quando os enigmas se tornam inaudíveis, tudo se faz escuro e desolado em torno de
nós. Quando os ouvimos, não achamos tranqüilidade.

6. O mundo bíblico e o mundo grego são premissas Nãohistóricas.


podemos negá-las.
Deixar de negá-las implica, entretanto, em alterarmos radicalmente nossa maneira de
encarar a Bíblia e a tradição. Essa alteração, que é uma viravolta, envolve os três ponto
seguintes:

Primeiro: Devemos renunciar a emprestar corporeidade a Deus e à Transcendência.


Jamais será possível identificar a Transcendência ao que quer que seja existente no
tempo o no espaço. Ela se perde numa Transcendência imanente que nãode em
t os
conceitoe na qualtudoquanto existe divino.
é

Segundo: Em vez de nos preocuparmos com a corporeidade, importa darmos ouvidos


aos enigmas da Transcendência que (não sabemos de antemão quais, quando, nem
como) nosalfam, nos perturbame nos sustenta
m. A linguag
em dos eni
gmas éconcreta,
mas não o é a Transcendência.

Terceiro: Os enigmas são múltiplos; correspondem a possibilidades de aceitação ou


rejeição,
evidencia qde proximidade
es entramemou
ue el afastamento.
conflito uns comosEstabelecimento
outros. Avariedadededos
relação
enigmascom os enigmas
ambíguos toma o lugar da base sólida de uma fé.

7. Tudo — realidades, pensamento, fantasia — pode constituir um enigma. Os enigmas


diferem entre si até o ponto de se fazerem únicos. Os enigmas da beleza e da vida
natural são inofensivos. O politeísmo, enigma da multiplicidade de poderes, desagrega.
O Deus único aproxima. A Transcendência de todos os enigmas traz a liberação.

Não há sistema racional capaz de apreender os enigmas, nem ordem dialética em


condições de lhes dominar os conflitos. A atividade filosófica, matriz dos enigmas, tem
meios de dar expressão a nossas relações existenciais para É o que
com vem
eles.
ocorrendo desde Platão.
O quefoi outror
a corpor
eidade dos deuses tornou-
se enigma. A claraluz dosenigmas
temos a possibilidade de encontrar nosso caminho, o caminho dos picos inacessíveis. O
conhecimento de uma infinidade de mitos não nos instrui a respeito deles. E as
interpretações psicológicas degradam. Só a experiência existencial desvenda o
significado dos enigmas.

Em nossos dias, caberia cogitar de uma tarefa de caráter filosófico, mas semelhante à
teologia: o desvendamento filosófico das relações de cada um de nós para com os
enigmas. Esse estudo os focalizaria em meio a seus conflitos E transformaria em
presente o quefoi passado. A teologia, entreta
nto,é dogm
ática e e
s fundaemcrenças
;a
metafísica dos enigmas seria um mundo de contornos fluidos, fundado na totalidade. A
teologia é a dogmática da Igreja; a metafísica dos enigmas leria por bas e a
responsabilidade de cada filósofo (que não se funda em autoridade alheia), dentro do
quadro de três milênios de filosofia. A teologia une os crentes numa comunidade
institucional; a metafísica dos enigmas viveria com a humanidade e com cada qual dos
indivíduos.
XI .
O AMOR

1. O hino ao amor, escrito pelo apóstolo Paulo (Cor. I, XIII), assim se inicia: “Ainda
que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade seria como o
metal que soa ou como o címbalo que tine. E ainda que eu tivesse (...) conhecimento de
todos os mistérios e de toda ciência e ainda que tivesse toda a fé (...) e não tivesse
caridade, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos
pobres e ainda que entregasse meu corpo para ser queimado, se não tivesse caridad
nada disso me aproveitaria.”

São inesquecíveis essas palavras e as subscrevemos. Ê no amor que somos realment


nós mesmos. Tudo o que em nós tem alguma significação é, em sua srcem, amor.

Sabemos, porém, o que seja o amor? Os sentidos da palavra são vários. Fala-se de amor
a Deus, ao sexo oposto, aos pais. aos filhos, aos companheiros de destino, à
humanidade, ao homem, aos greg
os, à pátria, a Kant, a Espinosa. Gostaríamos de sa
ber
e explicitar o que seja o amor. Não o conseguiremos.
Tentemos, não obstante.

Paulo conti
nua: “A caridade é paciente, écheia de bondade; não éinvejosa, nã
o trata
com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca seu
interesses, não se irrita, não suspeita mal, não folga com a injustiça (...).”

Assim deveríamos agir em nossa


s relações cotidianas comos dem ais hom ens. Mas
como a segunda parte nos decepciona
depoisdas exaltadoraspalavrasiniciais!Aqui
Paulo só nos fala do que o amornão faz, fala de uma atitudeinteriorde paz,
benevolência
e tolerância.

A s sentenças re
feridas seguem-se as seguintes palavras: (...)
“ mas folga coma verdade
(...) tudo crê e tudo espera (...).” Aqui se fala de uma emoção tumultuosa, que se dirige
para o não-objetivo. para o Transcendente. O amor do homem se expande ao infinito.

Paulo acrescen
ta: “Agora,pois, permanecema fé, a esp
erança e a ca
ridade, estas três,
mas a maior delas é a caridade.”

“A maior delas” pode


ria significar algo diverso epara além do que Paulo pretendia, ou
seja, a fé que é tão-somente uma crença torna-se permeável à dúvida; a esperanç
choca-se com escolhos e pode naufragar; só o amor sustém nossa existência. No amor
experimentamos a única certeza que nos leva à plenitude e nos satisfaz. Só o amor é
capaz de desvendar a verdade integral. Não se deixa ofuscar por qualquer objeto de fé
nem por qualquer esperança em um mais-além.

“A caridade jamais perece”, eni


gma de simplicidade grand
iosa. Surpreende os não-
cristãos, como se estivesse procurando traduzir mais do que se pode significar entre
seres hum anos. n
Etre humanos, o am
or pode se
r a ete
rnidade
. A eternidadenão éfutura,
mas atual. Antecipaçõesde fut
uro são eni
gmas brotados dapresença da eternidade
.

2. Diante do que deixei expresso, caberia a indagação: de que está você falando? De
coisas irreais ou, pelo menos, irrelevantes. O amor é o amor entre os sexos. Essa é a
força ea
r l e suprema. Aí temorigemtudo quecham amos am or. Aí está a fonte de toda
s
as concepções que, há milênios, se vêm desenvolvendo no espírito dos homens. Para
todas as teorias, o sexo é o espelho em que podemos divisar o amor. Para Platão, Eros
a força que engendra aatividade filosófica. No Antigo Testamento, o am or se x
epressa
na incontida sensualidade do Cântico dos Cânti cos. A literatura mística não passa de
uma torrente de erotismo. Comecemos, conseqüentemente, por dar atenção ao amo
sexual.

3. Psicofisicamente,
animal o homem
— que não indaga — oé homem
uma dasnão
espécies animais,
pode viver umamas, contrariamente
existência puramenteao
biológica.

O homem tem peculiar consciência de sua dignidade e é como se o sexo lhe diminuísse
tal dignidade — do que advém certo embaraço.

O homem conhece o pudor, desconhecido pelo animal. Esconde o que poria de


manifesto sua filiação à natureza.

Para subsistir, o homem reclama regras sociais; e existe, entre outros, um ordenamento
que diz respeito à se
xualidade. Jamais reinou en
tre os hom
ens estado decompleta
promiscuidade (exceto e ocasionalmente em orgias que tinham, com freqüência, caráter
ritual).

Se plenamente consciente de sua humanidade, o homem ofende seu próximo — seja


este de que sexo for — quando dele se utiliza a serviço exclusivo de sua sexualidade.

4. Na gama dos fatossexuais,podemos distinguir


a sexualidade,
o erotismo e o
casamento. Pedante embora, esse esquema é imprescindível para clareza de nosso
propósito.Conquanto falho em relação à realidade, pode proteger-nos contra certas
confusões.

A sexualidade
biologia, pelaé fisiologia
com um a todos
e pelaos res
se vivos. Sregulamentar
psicologia; uasfunções pode
m ser funções
essas es
tudada
s pe
la à higiene e à
cabe
medicina.
O erotismo é a infinita riqueza de formas que o espírito empresta à sexualidade. O ato
sexual torna-se arte. Ele e o que a ele conduz faz-se beleza.
, daOíndia,
Kamasutra
ensina as variações do prazer sexual e a , de Ovídio, mostra como levá-lo ao
Ars amandi
paroxismo.

O casamento é a ordenação das realidades sexuais e eróticas, para criação do universo


da família, no qual surgem os filhos, protegidos por esse universo. O casamento reclama
permanência.É elemento estrutural da sociedade.

Os que se amam desejam, na comunidade doméstica, modelar em conjunto o cotidiano


não aspiram a correr empós de aventuras novas, ao sabor do momento. Desejam que
sociedade os reconheça como um casal.

Daí surge a instituição legal, amparada pelo Estado. O casamento, bem precioso, é um
dos milagres da História; é a ordem predominando sobre a sexualidade bruta, é o
reconhecimento de obrigações entre os esposos e para com os filhos.

5. Temos falado de realidades: do sexo, enquanto realidade da vida; do erotismo,


enquanto realidade
realidade da do espírito
ordem política aplicado
e moral. à sexualidade;
Deixando de falar dedo casamento,
realidades para enquanto
falar do
próprio amor, damos um salto. Não está no mundo a srcem do amor. É experimentado
corno algo incompreensível que avassala o homem, mas de tal forma que o faz
autenticamente homem. Os realistas negam o amor, sob o pretexto de que não é possív
determinar-lhe a existência empírica. Não é objeto de ciência. Como toma consciência
de si com a consciência de que brota de alhures, denominamo-lo amor metafísico.
Ninguém pode saber se ele existe e se,
hic et , é real entre dois seres humanos.
nunc

Esse amor se projeta no tempo como o clarão de um relâmpago que ninguém percebe
Mas, para os que foram atingidos, revela-se o que existia desde a eternidade. É histórico
o amor enquanto fenômeno, mas sua história essencial não reside no tempo. Sua históri
é, com efeito,
poderosa sob a aforma
de uma repetição
de paixão infinita,
juvenil como de
na srcinalidade;
tranqüilidade sempre renovada,
da velhice, tão e
lembrança
expectativa a um só tempo.

Esse amor, consciente de ser uma presença da eternidade, altera a forma externa de s
realidade fundamentalmente imutável, na medida em que são percorridos os estágios da
vida.

Na juventude, diante de Eros, manifesta-se a timidez. O tesouro insubstituível não deve


ser dissipado enquanto não puder ser verdadeiramente gozado no encontro de dois ser
que se reconhecem criados um para o outro desde a eternidade, e que, por esse amo
primeiro e último, são um fato único na História. Disso ambos têm consciência sem
saber.
parece Sentindo-se como inteira
ter encontrado liberdade,
outro antes sentem-se
do início ligados de forma total e cada qua
dos tempos.

Esse amor não é uma possessão. Cria os que se amam. porém não se coloca a serviç
deles. Eles não podem desejá-lo. Nem é possível demonstrar a existência do amor
quando ele é posto em dúvida. O amor não leva um sinal inconfundível. Não pede
reconhe
cimento. Aqueles aquem ele dado
é não orecebem
por mérito.

Externamente visto, esse amor aparece necessariamente como uma prisão. Parece
roubar, aos que se amam, a liberdade no tempo, colocando-os sob escravidão absoluta e
inquestionável. Passam eles a viver uma vida privada de história, porque sempre igual
Se verdadeiramente xistem,
e essas
pessoas que se amam aparecemcomo bizarras
figuras aos olhos de tercei
ros. A atitude fundamental que adotam — e que é
monotonamente a mesma — os leva a repetir na velhice avançada o que foi dito na
primeira juventude, de maneira igualmente irreal, igualmente vã, igualmente insensata
O que pretendem significar não tem realidade psicológica e não é, portanto, digno de fé

6. De que modo esse amor metafísico se manifesta no mundo? Não podendo ser
apontado como se aponta uma realidade, só pode ser equivocamente percebido. Ei
alguns exemplos:

a) Paixão erótica e amor metafísico brotam ambos na juventude, prontos a qualquer


sacrifício e voltados para um objeto único. Mas, se, na paixão, reside a intoxicação
fortíssima danoconsciência
permanência de éeternidade,
tempo. Paixão ligação a uma encontra-se,
experiênciano amor,e vai.
— vem a aspiração de
O amor abriga
o sentido profundo do “sempre” e do “para sempre”. Só se manifesta uma vez na vida e
não se rep
ete. A paixão é ce
ga quanto ao sse
e ncial; o amor é clarividente e
m relação a
tudo.

A partir dessa
s distinções
, colocam
os perguntaspara as quais não há re
sposta
. Pode a
certeza do amor metafísico ser um erro causado pela paixão? Pode um parceiro infiel
destruir a fonte de amor que, com ele, se perdeu para quem o ama sinceramente? Ou
possível que os que se amam cheguem a um encontro verdadeiro, mesmo após a
experiência de um naufrágio erótico — entendendo que se pertencem desde a
eternidade, reconhecendo-se um ao outro, admitindo os erros cometidos, assumindo-
lhes a responsabilidade e buscando ultrapassá-los?

É possível a um dos parceiros simular amor metafísico, levando o outro a considerá-lo


real até que a infidelidade ponha fim a essa ilusão? E essa ilusão, embora esvaziada d
conteúdo, poderá manter-se na cisão que se manifesta entre a fantasia poética e
infidelidade real?

São indagações inquietantes a que não é possível dar resposta nem quando elas s
colocam em termos teóricos, nem quando brotam de dramas concretos.

b) O encontro ocasional é a condição aleatória a que a eternidade se vê sujeita no tempo


O acontecimento aleatório é qualquer e, entretanto, por ser único, faz-se inalterável.
Haverá seres de
“oportunidade” humanos que
encontrar seu permanecem na solidão
parceiro predestinado porque anão
e se recusam tiveram com
contentar-se a
menos?
Perderão eles, na confusão do mundo, a possibilidade de se fazerem transparentes aos
próprios olhos porque jamais se realizou aquele encontro?

c) O amor metafísico é capaz de romper as cadeias da existência empírica, na hipótese


de a violenta realidade do mundo opor-se à suaPara
realização?
am
antes emtais
condições, cessa o mundo de existir?

7. Essas conjecturas a propósito de ilusões e destruições levam-nos a indagar se o amo


metafísico estará condenado a desaparecer deste mundo. Ocorrerá que ele se estiole
necessariamente, reduzindo-se a mera potencialidade num mundoOu que lhe é hostil?
poderá vir a realizar-se?

Tocado por uma visão de beleza corporal, já maduro na juventude, embora apenas em
seu começo como realização no tempo, o amor metafísico se põe diante de uma
alternativa: estará destinado a resultar em quebra violenta de uma existência,
permanecendo irrealizado, não vivido, ou poderá vir a realizar-se?

Nesta última hipótese, o tempo e os ordenamentos sociais reclamarão o que lhes é


devido.
O am
mais do or pedem
que dese
mboca nocasa
a moral mento,
e a leicom
civil.a de
cisão de durar para pre,
semo que é

Começa, então, a batalha do amor em meio às realidades do mundo e a sucessão de


vitórias comuns sobre diferentes situações. Sucedem-se as idades da vida. Desaparece a
beleza corporal da juventude. Contudo, existencial-mente esculpida pela própria vida,
há, na beleza da velhice, mais quelembrançada juventu
de. Kirkegaard tinharazão oa
dizer que a mulher se torna mais bela com os anos. Dá-se apenas que só pode percebê
o homem que a ama .

8. Nosso esquema dizia: o desejo sexual, o jogo erótico, a paixão, a instituição do


casamento, a srcem eterna da união de dois seres — tudo isso se contém na palavra
“amor”.

Nesse esquema distingue-se, entretanto, o que é, em verdade, inseparável. Os element


do amor alcançam a perfeição quando reunidos; se isolados, degeneram.

Contudo, a srcem metafísica, a decisão, a promessa, o contrato jurídico, a paixão


erótica e a realização sexual devem, realmente, compor uma unidade.

Não há exemplo dessa perfeição no concreto do tempo. Não cabe imaginá-la. Na ordem
temporal, surgem as impurezas. Chocam-se os elementos do esquema. O amor
metafísico, que afastaria a contradição dos elementos, não chega a impor-se.

Por fazer parte da natureza, o homem abriga forças que se opõem àquela unidade. O
gregos ren
dem culto a Afrodite, deus
a dasexualidade, exaltadasob a for
ma dabeleza; a
Ártemis, que ncarna
e a repulsa ao sexual; a Hera, deu sa tutelar do m
atrimônio; a
Demeter, deusa-mãe, força universal de fecundidade e de destruição.
Eis, porém, como Demóstenes expõe o comportamento prático dos atenienses:
“Dispomos de hetairas para nosso entretenimento, de amantes de aluguel para satisfaç
de nossos corpos e, finalmente, de esposas, cujo dever é proporcionar-nos descendente
legítimos e dirigir os negócios domésticos”.

É a solução da
da por hom
ens que dispõem de mulheres pa
ra diferentes fins. Isso
degrada a mulher e torna o homem indigno desse nome, despoja uma e outro da própr
dignidade. Uma ordem puramente masculina é tão corruptora da natureza humana
quanto uma ordem exclusivamente feminina.

O humano deve ter precedência sobre o sexual. O homem e a mulher são, antes de tud
seres humanos e, só em seguida,
seres sexuados.

Nenhuma unidade perfeita virá a resolver os antagonismos básicos da sexualidade


humana. Em tal sentido, êxito ainda que relativo deverá ser visto como bem imerecido
Com freqüência, a situação se pinta de maneira oposta: a sexualidade se torna
funcionalmente patológica e esmaga o respeito próprio. Efêmera paixão erótica ameaça
privar o homem de sua essência mais íntima. O adultério mostra que dele nada resulta
Fechamos
vida amorosa ostorna
ouvidos
-se conaoso.apelos
fusã dao srcem
Intoxicaçã metafísica.
e banalida Efortáve
de, vida con tudol ebaixa
excessaosnível inferior: a
prudentes, dificuldades e fuga. Aautocomp reensão perde -se ou transforma-se em
arrogante mendacidade. Em vez de repousar em plenitude, o homem vê-se entre força
conflitantes, diante das quais as imagens de harmonia não são menos chocantes que
prazeres decorrentes de uma pretensa liberdade que tende à vulgaridade e ao caos.

Posto em confronto com a magnitude dessa tarefa, o homem pode ser visto como
possibilidade sublime e como fonte da própria corrupção.

O amor que se revela no decurso de toda uma vida não projeta um padrão na realidad
pois cada par de amantes é único na maneira de ser engolfado pela liberdade e pelo
destino, de ser dilacerado pelo céu e pelo inferno.
9. Voltemos a noss
o ponto de rti
pada: queé o am
or? Mesmo no amor entre os sexos, o
amor é mais que os sexos. Tem sentido infinitamente
Exemplifiquemos.
vasto.

Fala-se do amor a Deus. O amor que tem por objeto um ser humano vê esse objeto
ainda que, sob a feição de amor metafísico, transcenda
O amor
o tempo.
a Deus não
encontra seu objeto neste mundo.

O “amor intellectualis”,Dei
de Espinosa, pretende significar que a razão pura — modo
supremo de conhecimento, superior à inteligência e via de liberdade para o homem —
se confunde com o amor a Deus. Espinosa não espera, entretanto, que Deus retribua o
amor. Com efeito, Deus não é um ser humano entregue ao amor e o amor espinosiano
desinteressado.

Correspondeà atitudepor Jeremias assumida em relação a Deus. asBta-lhe que Deus


exista. O amor a Deus é seu apoio infalível. Admitia-se que os judeus morress
em
crendo, ainda que não mais distinguissem a mão de Deus e ainda que, no foro íntimo,
houvessem enunciado as mais violentas acusações a Deus. Por certo que eles confiavam
na promessa e na proteção do Deus que os guiava. Sem embargo, quando promessa e
proteção faltavam, sentiam-se garantidos pela pura certeza de que Deus existe. Deus
pode desaparecer enquanto Deus imaginável, enquanto fonte da lei, enquanto Deus de
misericórdia, enquanto Deus-amor. Tudo isso degrada a divindade. Só o homem é um tu
para o outro. Transformar Deus em um Tu constituirá, talvez, um enigma numa oração.
Espinosa, Jeremias vivemnão da dé
i ia de que Deus he
l s tem amor, porémda idéia de
que Deus existe.

O amor iluminado pela razão filosófica, liga-se a uma confiança — inexplicável, sem
objeto, intelectualmente incompreensível — no fundamento último das coisas.

Não enumerarei os muitos outros objetos a que se dá o nome de amor. Para encerrar es
exposição, coloca-se o problema de saber se o amor repousa sobre algo que
apreendemos através de penetração nas suas múltiplas formas de manifestar-se.

Esse amor que abrange todas as espécies de amor, que ilumina a vida sexual mas de
não procede e, portanto, a ela não está ligado — esse amor não admite expressão
esclarecedora.

10. Entretanto, esse amor de que falamos como se soubéssemos o que ele seja, ess
amor único e abrangentequel
é ae em que somosutenti
a camente o que somos.

Esse amor, se perfeito e puro, seria razão exclusiva e suficiente de nossa vida. Um amo
perfeito dispensaria a lei moral e a ordem pública, porque a elas daria surgimento em
cada situação concreta e implicaria observância de seus preceitos. Sem embargo, o
homem, como ser racional e sensual, é incapaz de amor perfeito e o degrada e fere e
diminui e, por essa razão, precisa estar sujeito a restrições brotadas da ciência e da
consciência, mesmo quando ama. Se houvesse alguém capaz de viver na clarividência
do amor,
Como, ser-lhe-ia
porém, somosaplicável o dito desujeitos
todos homens, Santo ao
Agostinho:
engano e“ama e faze oexpostos
à cegueira, que quiseres”.
à ação d
forças hostis ao amor, não podemos viver sem restrições. Todo amor que, por exemplo,
transgri
da os Dez M andamentos, áj não será mor,
a mas, subjugado por paixões
estranhas, estará utilizando mentirosamente o rótulo do amor.

Tal o motivo por que não podemos recorrer ao amor para justificar uma conduta, uma
atitude, um juízo. Por ignorarmos o que é o amor, não podemos empregá-lo para a
realização de operações racionais.

E, apesar disso, toda justificação racional e qualquer vida conforme à lei moral, embora
essenciais para que vejamos claro, nada serão se não se realizarem através do amor e
amor irão encontrar o apoio melhor.
O amor não reconhe
ce instância que hl e esteja acima. Julga suas própri
as manifestaçõe
s,
recorrendo à consciência moral;
julga-as impiedosamente, mas com amor.
XII.
A MORTE

1. Toda vida está posta entre dois parênteses:


nascimento e morte.
E só o ho
mem tem
consciência disso.

O nascimento é fato de que não se tem lembrança. Quem se reconhece existindo tem
impressão de que sempre existiu, de que desperta de um sono sem memória. Ouvir fal
do próprio nascimento não estimula qualquer recordação. Pessoa alguma guarda
experiência do início
seu
deexistir.

Estam
os todos desti
nados àmorte. Ignorando o ome
m nto emque lea virá, procedem
os
como se nunca devesse chegar. Em verdade, vivendo, não acreditamos realmente na
morte, embora ela constitua a maior de todas as certezas.

A consci ência puramente vital desconhe ce a morte. Épreciso quenos de mos conta da
morte,para queela se torne ma u rea lidade para nós. Apartir daí, transforma-se a morte
em uma situação-limite: aqueles que me são mais caros e eu próprio cessaremos d
existir. A resposta aessasituação-limite háde ser encontra
da na cons ciência existencial
de mim mesmo.

2. Costumamos dizer:
o que nasceu deve morrer.
A ciência biológica não se contenta
com isso. Gostaria de conhecer
o porquê.Sobreque processosvitais repousa tal
necessidade?Pensa-se em retardar o processo de envelhecimento
e chega-sea cogitar
de, controlandoos processos vitais que levam à morte (processos que um dia
conheceremos), atingir o ponto de poder manter vivo, pelo tempo que se deseje, tudo
quanto haja nascido.Ninguém, entretanto, duvida de que, mesmo prolongando
artificialmente a vida por tempo cada vez maior, a morte será, ao fim, inevitável. Como
o sexo, a morte faz parte da vida. Um e outra permanecem mistérios ligados à fonte de
nossa existência.

3. Tememos a morte.
Observe-se, porém, que a morte — o cessar de ser — e o ato de
morrer — cujo termo é a morte — provocam angústias muito diversas.

O temor da gaonia é temor de sof


rimento físico. A agonia não se confundecoma morte.
A angústia a queela dálugar pode m anifestar-se em muitascrises, vindo o pa
ciente a
recuperar-se. E poderá ele dizer: “morri várias vezes”. Não obstante, a experiência
colhida nessas ocasiões não é a experiência da morte. Todo sofrimento é experimentado
por alguém queestá vivo. A morte es
capaà experiência.
O processo natural de agonia pode desenrolar-se sem sofrimento; há mortes
instantâneas. Em tais casos, não há tempo de o fenômeno atingir a consciência. Pode
passar desp
ercebi
do por coi
ncidir com satenia oucomo sono. Amedicina temmeios de
reduzir os tormentos gerados por doenças fatais. Embora a agonia seja uma realidade
psicofísica, é possível que a biologia e a farmacologia venham, de futuro, a permitir
que, em todos os casos, a morte se desacompanhe
de sofrimento.

Inteiramentediversa é aagonia dianteda morte qua


ndo estaé concebi
da com
o estado
que sucede à desaparição da vida. Nenhum médico nos pode livrar dessa angústia; só o
pode a filosofia.

4. Todas as concepções acerca do estar morto são desprovidas


Do mais-além
de base.
não há qualquer experiência, nem se recebeu qualquer
Jamais alguém
sinal.retornou de
entre os mortos.
Daí decorre a idéia de que estar morto é não ser, de que a morte é o
nada.

O temor da morte é o temor do nada. Não obstante, parece impossível afastar a idéia de
que à morte sucede uma outra existência.
O nada posterior ao fim não é efetivamente
um nada. Vida futura me aguarda.O temor da morte é o temor que após
do ela ocorre.
Tanto um como outro desses temores — o temor diante da morte e o temor do que
depois suceda — é sem base. O nada só o é face à realidade que existe no tempo e n
espaço. E, além disso, não há uma outra existência concreta frente à qual o temor se
justificasse. Mas, quer essa afirmação deixar assentado que carece de base a consciência
de imortalidade?

5. A morte do se
r que m
e é mais caro, a pri
vação desuaprese
nça física, o sof
rimento
infindável que brota do “nunca mais” pode, tanto quanto os momentos sublimes,
transformar-se em consciência de presença.

É vão o consolo que se apóia na afirmativa de que sobreviveremos na lembrança de


outros, na descendência, em obras imperecíveis, na glória que atravessará os tempos.
Tudo chega a um fim: não apenas o que eu sou e o que os outros são, mas também a
humanidade e tudo quanto ela produz e realiza. Tudo mergulhará no esquecimento,
como se jamais tivesse existido.

Para quem não crê, nad


a significa apromessade ressu rreição. Acrença na
ressurrei
ção
sustenta que a morte é real. O fim do homem é seu cadáver e a decomposição. Del
nada resta. Se a imortalidade existe, será preciso que o homem renasça fisicamente. E
isso ocorrerá. Os mortos ressuscitarão por ato de Deus que lhes devolverá vida e corpo
No último dia, Deus fará com que os mortos abandonem suas tumbas, para serem
submetidos ao Juízo Final. Para a consciência existencial de quem nela não crê
, a
ressurreição da carne carece de significado.
Mas não de
ixa deter senti
do asedede eternidade
. Existe a
lgo emnós quenão sepode
crer suscetível de destruição. Tarefa da filosofia é lançar alguma luz sobre a natureza
desse algo.
Na srcem de tal idéia, pode-se reconhecer a seguinte distinção: a sede de sobreviver no
tempo está ligada a nossa
existência empírica;
inteiramente
diversoé o desejo de
eternidade. E só posso conceber essa eternidade nos mesmos termos em que concebo
tempo. Tentemos demonstrá-lo a pouco e pouco.

6. Distinguimos umtempo cíclico e um tempo linear. A pergunta“por que morte?”,


a o
médico pitagórico Alemeon (VI século a.C.) respondia: Os
“ hom ens morremporqu e
lhes falta o poder de ligar o começo ao fim.” Quem conseguisse fazer tal ligação,
concluía ele, tornar-se-ia imortal. Que pretendia ele significar? O ciclo do tempo, visto
coma recorrência, é a imortalidade do que em tal ciclo se produz. E isso não ocorre
esponta neamente, ma s em razão da orç “f a” de que fal ava Alemeon. Nietzsche
acreditava uqe acrença noterno
e retorno é aaismenérgica afirmação davida. A todo
instante, estáligando o fim ao começo. Vive no ciclo do eterno retorno.ode
P ocorrer
que a distância a separar o fim (morte) do começo (novo nascimento) seja imensa, mas
reduz-se a nada se a vida é revivida de maneira infinitamente repetitiva, fazendo-se, em
tal sentido, imortal.

Como imagens desse “eterno retorno” absoluto, podem ser lembradas repetições
particulares, como a dos dias s a das estações. O tempo é absoluto. Tudo é temporal e
por isso mesmo, eterno, graças ao retorno.

Inteiramente diverso é o que sessa


pa como tempo linear. Tudo que é
temporalé levado
pelo tempo linear a um fim irremediável. O caráter transitório do que é temporal, do que
tem para nós real idadeempírica enge
ndra tr
isteza de que não nos apa
rtamos mesmo
quando tomados pela alegria de viver e que supomos perceber nas próprias coisas. Essa
tristeza só pode ser vencida por algo indestrutível e que, por ser imutável, não é
temporal, embora o pareça.

O tempo cíclico e o tempo linear dão peso a nossos instantes, mas de maneiras diversas
No tempo cíclico, faz-se aquilo que se repete infinitamente — e permanece temporal.
No tempo linear, o que é eterno se resolve no tempo — e o tempo é ultrapassado. Em
ambos os casos, tudo se perde para só uma coisa permanecer — o retorno temporal ou
realidade intemporal.

Tempo linear e tempo cíclico são enigmas incompatíveis. O tempo cíclico torna
possível a idéia do “uma vez mais” por meio do eterno retorno, embora de um tempo a
outro não se transmita memória ou conhecimento. O tempo linear envolve a grave
questão de decidir o que é eterno no fenômeno histórico singular, muito embora a
eternidade e o fenômeno temporal não admitam um conceito comum de realidade.

O passo seguinte nos conduzirá para além da temporalidade.

Na concepção
preciso recorrercíclica,
à visãoo linear
tempopara
se mantém
chegar aabsoluto. É o intransponível
uma concepção último.
que se projete paraFaz-se
além d
tempo. Essa concepção nos leva a dizer: colocamo-nos diante de nós mesmos e diante
de nós se colocam todas as coisas; essa manifestação ocorre necessariamente no temp
não podemos fugir ao tempo do mundo; não há outro mundo real e investigável nem
anterior, nem posterior ao tempo, que seja também temporal. E é como se uma nov
dimensão se abrisse diante de nosso pensamento e de nossa experiência.

7. Distinguimos entre temporalidade, ausência de tempo e eternidade.

A temporalidade é o devir real, que não temcomeço, nemfim, nem origem, nem
propósito, nem existentes.
fundamento. Dela temos experiência no presente sensível em que nos
movemos enquanto

Ausência de te
mpo equi
vale a independência diante de qu
alquer espécie de te
mpo, tal
como se dá quando atuamos no campo das ciências lógicas e matemáticas. O teorema d
Pitágoras era válido antes de ser por ele descoberto e continuará a sê-lo mesmo quando
ninguém mais dele cogite. Temporal não é, portanto, o sentido do teorema, porém tão-
somente sua descoberta e o ato de refletir acerca de sua significação. Consegue-se
experiência da ausência de tempo pensando uma significação intemporal.

A eternidade, por fim, é a un


idade que resulta do pre
sente te
mporal
doe ser intemporal,
daquilo que está no tempo e o atravessa, do temporal e intemporal. É a realidade etern
que
podesealcançar
opõe tanto à irrealidade
experiência dessaintemporal como
eternidade. Dosà pontos
realidade
de temporal. Só ea empírico,
vista lógico existência
estam
os diante deum absurdo.

Para tornar inteligível esse absurdo (experiência de eternidade feita no tempo),


recordarei a “reviravolta” filosófica da consciência do ser, a propósito da qual falei em
minha te
rceira conferência.

8. Ultrapassemos a cisão sujeito-objeto, para passar daí ao abrangente, cujo


esclarecimento leva a compreender a reviravolta mencionada.

Não mais estou ligado a um objeto em si. Pelo contrário, enquanto consciência absoluta
e de acordo com os diferentes modos do abrangente, ligo-me aos objetos pensados
enquanto existente, estou ligado ao meio; enquanto existência, estou ligado à
Transcendência. Não sou, porém, sujeito nem objeto: em cada caso, sou o abrangente.
Na medida em que nada sou além de mini mesmo, sou o abrangente da existência e
assim, abarco todos os demais modos do abrangente.

Se adquiro certeza da realidade de minha existência no que diz respeito à


Transcendência, vejo-me em duas posições aparentemente contraditórias:

Primeira: Reconhecendo-me a mim mesmo como ser empírico, torno-me claro a meus
próprios olhos, enquanto existente manifesto que se orienta num mundo que também
vai tornando de
possibilidade cada vez mais
a verdade claro. Quanto maior a clareza atingida, maior a
ser atingida.

Segunda: Essa mesma clareza me leva a tomar consciência de que estou como que num
prisão, prisão que se constitui no fato de o mundo tornar-se objetivo.
Essas duas posições se reúnem para constituir vontade de atingir orientação máxima
neste mundo e de ultrapassar essa orientação. Estando na prisão, estou, ao mesm
tempo, fora dela, ao me dar conta de que nela estou. Daí decorre o que adiante exponh

Se tomo ciência do mundo enquanto fenômeno, tomo ciência, ao mesmo tempo, do qu


é eterno e pode, na linguagem dos enigmas, estar presente.

Libero-me do absolutismo das coisas. Facea facecomas coisas, sujeito aelas enquanto
existente, tomo consciência de mim como um ser que é, por assim dizer, anterior a elas.

9. Comessareviravolta,
altera-se
também
a atitude interior a respeito da morte.

A morte éo fim, como a vida é o com eço damanifestação tem poral. A imortalidade,
entretanto,
é sinônima de uma ete
rnidadeemque pa ssado euturo
f desa parecem . Apesar
de temporal, o momento, quando existencialmente realizado, participa da eternidade do
queabrangetodos os mpos.
te Aidéia de “ete
rnidade do instante” é contradi
tória. Busca
exprimir a verdade em que a realidade do que é corporal no tempo se confunde com
idealidade intemporal
do essencial
— eternidadedo real.

A consci ência vital da existência empírica não se confunde com a consciência


existencial do nosso eu. A existência só desperta quando o xeistente é sacudido pela
idéia da morte.A existência ou se erde
p on desespero face ao nada ou serevela a si
mesma na certez a de teernidade.

A vida realnestemundo ou es deixa pe


netrar pel
a consci
ência de eternidade ou éfútil.
Não se perde quando nossa existência empírica naufraga.

Somos mortais enquanto simples existentes, e imortais quando aparecemos no temp


como o que é eterno. Somos mortais no desamor, imortais no amor. Somos mortais na
indecisão, imortais na decisão. Somos mortais enquanto natureza, imortais quando
dados a nósesm
m os emnossaiberdade.
l

10. Conjecturas
(acerca, por exemplo,
do tempo,do retorno,
da eternidade)
não são
conhecimento
específico de algo, porém linguagem que nos diz ou não nos diz alguma
coisa.

Idéias suscetíveis de lançar luz sobre aexistência (com


o, porexemplo, as relativas ao
abrangente ou àexperiência da Imortalidade) não criam a consci ência da presença
eterna; mas a justificam. A experiência tem lugar na insubstituível unicidade de cada
existência e não decorre de um conhecimento ou de uma promessa.

11. As idéias filosóficas — tanto as puramente especulativas como as esclarecedoras da


existência — podem ver sua significação degradar-se rapidamente. Por termos a
impressão de conhecer filosoficamente o que amamos, gostaríamos, por assim dizer, de
manter-lhe firmementea eternidade em nossas mãos. Mas, como certeza, a imortalidade
nos escapa. Certeza de imortalidade só é possível em articulação com a existência.
A filosofia não devecaminhar ao encontro de an
mifesto desejo deconsol
ação, de um a
tranqüilidade prematura, ne
m deve oferecer conhe
cimento. Veracidade e filosofia são
inseparáveis. Ao referirmo-nos a orte
m ea imortalidade, nadasabemos. Mas, no plano
das atitudes diante da morte, podemos distinguir as existencialmente sinceras das que
são existencialmente insinceras. Eis quatro exemplos dessa comparação :

Primeiro: Afasta-se a morte d


e nossos olhos, pre
tende-se ignorá-la. Ou, pelo contrá
rio,
nela se pensaconstantem ente
, esquece
ndo avida. Libertação ssas
de duasinsinceridade s
virá como decorrência da resposta à seguinte indagação: considerando que a morte
existe, há procedência no que faço e experimento?

Segundo: A idéia demorte podenge


e ndrar o tem
or de não viver emautenticidade. Ter
os olhos fixos num vazio exterior e interior provoca a busca de refúgio numa atividade
incessante e fuga à reflexão. Uma inquietude secreta permanece, entretanto. Dela a
força vital só nos livra em aparência; em verdade, só nos sentiremos liberados por
enérgica reflexão acerca da morte. Essa reflexão mostra que, a par do significado vita
do homem, há o peso eterno de seu amor. Tranqüilidade face à morte deriva da
consciência daquilo de que morte alguma nos pode privar.

Terceiro: Toda existência empírica está escravizada à morte. Contudo, o homem que,
em vida, adquire conhecimento da morte e reflete acerca da vida e não da morte, rom
a escravidão.

Quarto: O conhecimento da morte precipita-nos a abismo onde tudo se faz indiferença


porque ad
n a adquire ser. A experiência existencial, mostran
do quea morte não é
autêntica, afasta o desespero em face do nada. Nas depressões da existência, sentim
nos de
sencoraj
adose sentimo-nos e stimuladosnasfases deascen são. Avançando num
passar de uma outr
o desses estados de mo,
âni
chegam os a ser nó
s mesmos.

Resumamos:

Sabemos que haveremos de morrer. Da morte, como estado, nada sabemos.

É arrebatado de nossas mãos aquilo a que nos havíamos apegado como ciência ou com
conhecimento apoiado na fé.

A tarefa do hom em consiste em viver aleatória e perigosamente, segu


ndo as xigê
e ncias
mais altas que brotem de cada situação enfrentada. Ter certeza da imortalidade o
privaria de seu própri
o ser. Ignorá-l
a o levaa si mesmo e o coloca em seu cam inho.

Disse Lessing: “Por que ão


n pod
emos aguardar tranqüi
lamente a vida futura, como
aguardamos o adia
definitivamente de amanhã
respeito ... Existisse
de tal vida e melhor uma
seria religião
que não capaz de nos esclarecer
a escutássemos.”
12. Mesmo Lessing, en tretanto, considera quea ignorâ ncia é insuficiente quando é
vazia. A imortalidade fala através ed imagens e idéias vagas, imagens e idéias quenão
pretendem ser concretamente verdadeiras e corresponder a uma ciência.

Poderemos nós apreender, sob a forma de enigmas, nos mitos, aquilo que nos é
inacessível? Poderemos comunicar a nós mesmos, através do pensamento conceituai, o
que experimentamos, talvez, como uma certeza de nossa existência, mas que nos esca
desde que pretendamos capturá-lo
conhecimento?
pelo

Em seu Fédon, que emprestou coragem a homens inúmeros, Platão relata a morte d
Sócrates. E leva-o a exprimir, no dia de sua morte, idéias cuja verdade foi atestada pela
realidade dessa morte.

Por convincentes que lhe pareçam, as provas de imortalidade não satisfazem Sócrates.
Vocêsexperimentam, diz ele a seus amigos, o terrornfanti
i l de que o vent
o divida a
alma empedaços, assim que ela escapar do corpo. A criança que isso
n crê tentamos
fazer com que não tema a morte como se teme um espantalho. Essa criança — e todo
os homens continuam crianças — deve conseguir sua cura ajudada, dia após dia, por
fórmulas mágicas. E essas fórmulas mágicas são os mitos.
Depois de haver descrito, por meio de um mito, o destino das almas após a morte e de
ter mostrado que, na dependência de como agiram na vida, são lançadas ao Tártaro o
ascendem para a luz, Sócrates diz: “Neste gênero de problemas, nenhum homem sensa
procuraria provar a verdade absoluta do que eu disse... mas o que eu disse parece
corresponder a uma crença aceitável, digna de merecer nossa adesão. O risco por nós
assumido é razoável e, para tranqüilizar-se, o espírito reclama idéias desse gênero, qu
desempenham o papel de fórmulas mágicas.”

Ouvimos uma linguagem diversa da que se refere às realidades do mundo. É um jogo de


idéias traduzindo gravidade que só em tal jogo se pode manifestar. Assim acredita
Sócrates que, que
conversações no encetou
após-morte, nestecontinuará a manter,
mundo, para com
descobrir os homens
e partilhar mais sábios,
a verdade. a
É assim
que Cipião (no Sono de Cipião , de Cícero) imagina que no após-morte conviverá com
os estadistas que asseguraram liberdade à república, dando provas de inteligência
política ede espírito de sacrifício.

Ao morrer, reencontram
os nossos ortos
m queri
dos. Eles nos acolhem emseu meio. Não
nos vemos mergulhados no vazio do nada, mas na plenitude de uma vida
verdadeiramente vívida. Adentramos um sítio penetrado pelo amor, iluminado pela
verdade.

Até o último susp


iro, Sócrate
s manifesta sua cre
nça na eternidade. Tendo Gritou
perguntado comoSócrates
admitir que este deveriam
queenterrá-lo, Sócrates
lhes fala seja o meu sorri e responde:
verdadeiro eu. Crê,“Críton
antes, não quer
que eu se
aquele que, dentro em pouco, ele verá sob a forma de cadáver. Por isso pergunta como
deve enterrar-me. Contudo, prossegue, se meus amigos virem cremar ou enterrar me
corpo, não devem afligir-se como se alguma coisa horrível estivesse acontecendo a
Sócrates e nem devem dizer que é Sócrates que se incinera ou que se conduz ao túmu
Tão-somente seu corpo será sepultado, da maneira que os amigos considerem melhor e
que pareça melhor corresponder aos costumes: Sócrates mesmo terá partido há muito.
XIII.
A FIL OSOFI A NO MUNDO

1. Seja a filosofia o que for, está presente em nosso inundo e a ele necessariamente s
refere.

Certo é que ela rompe os quadros do inundo para lançar-se ao infinito. Mas retorna ao
finito para aí encontrar seu fundamento histórico sempre srcinal.

Certo é que tende aos horizontes mais remotos, a horizontes situados para além do
mundo,
mesmo aa mais
fim de ali conseguir,
profunda no eterno,
meditação a experiência
terá sentido se não sedorelacionar
presente.à Contudo,
existêncianem
do
homem, aqui e agora.

A filosofia entrevêos critérios últimos, aabóbada celestedas possibilidades e procura



luz do aparentemente impossível, a via pela qual o homem poderá enobrecer-se em su
existência empírica.

A filosofia se dirige ao indivíduo. Dá lugar à livre comunidade dos que, movidos pelo
desejo de verdade, confiam uns nos outros. Quem se dedica a filosofar gostaria de se
admitido nessa comunidade. Ela está sempre neste mundo, mas não poderia fazer-s
instituição sob pena de sacrificar a liberdade de sua verdade. O filósofo não pode saber
se integra a comunidade. Não há instância que decida admiti-lo ou recusá-lo. E o
filósofo deseja, pelo pensamento, viver de forma tal que a aceitação seja, em princípio,
possível.

2. Mas como se põe o mundo em relação comHá a filosofia?


cátedras de filosofia nas
universidades.Atualmente. representa
m uma posição em baraçosa.Por força da tradição,
a filosofia é polidamente respeitada
, mas, no uf ndo, objeto de desprezo. A opinião
corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática.
nomeada em público, mas — existirá realmente? Sua existência se prova, quando
menos, pelas medidas deadefesa que dá lugar.

A oposição setraduz emfórmulas com o: a filosofia é demasiado com


plexa; não a
compreendo; está além de meu alcance; não tenho vocação para ela; e, portanto, não m
diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais
da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho
consciencioso, num capítulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao
resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas.
A polêmica torna-seencarniçada. Um instinto vi
tal, ignorado d
e si mesmo, odeia a
filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida. Adquiriria
outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meu
juízos. Melhor é não pensar filosoficamente.

E surgem os detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de nino e
totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final e mendaz de uma teologia
falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. E a filosofia vê-se
denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros.

Muitos políticos vêem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas
e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usa
de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos.
Mais vale. portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá
desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, meno
estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia.

Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a quais


maioria
não tem
dosconsciência
dessacondição.
considerar A auto-complacência
o bem-estar burguesa,
material como os convencionalismos,
razão suficiente o de
de vida, o hábito hábito de
só apreciar
ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos
políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário — tudo isso
proclama a antifilosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que
estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia,
embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria
sua própriaaniquilação.

3. O problema crucial é o seguinte:


a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não
quer.A filosofia é, portan
to, pe
rturba
dorada paz.

E a verdade o queserá? A filosofia buscaa verdade nas múltiplas significaçõe


s do ser-
verdadeiro segundo
substância os modos
da verdade do abrangente.
única. Para Busca,não
nós, a verdade masé não possui
estática e o significado
definitiva, e
mas
movimento incessante, que penetra
infinito.no

No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao


extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o
filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros
pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo.

Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o
que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus
concidadãos, do destino comum da humanidade.

Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua pugna consigo
mesma.
4. A dignidadedo hom
em reside em perceber verdade.
a Só a verdade o liberta e só a
liberdade o prepara, sem restrições, para a verdade.

É a verdade o significado último para o homem no mundo? É a veracidade o imperativo


último? Acreditamos que im,
s pois a veraci
dade sem reservas, que não se pe
rde em
opiniões, coincide com o amor.

Nossaforça estácm agarrarmos os ios


f deAriadne que a verdadenos an l ça. Mas a
verdade só é a verdade total. É preciso que a verdade múltipla seja levada a convergi
para a uni
cidade. Jamais chega
mos a possu
ir essa verdadeintegral. Eu a nego qua
ndo
vou ao extremo da afirmação, quando erijo o que sei em absoluto. Eu a nego também
quando tento sistematizá-la em um todo, porque a verdade total não existe para o
homem e porque essa ilusão o paralisa.

Todo aquele que se dedica à filosofia quer viver para a verdade. Vá para onde for,
aconteça-lhe o que acontecer, sejam quais forem os homens que ele encontre e,
principalmente, diante do que ele próprio pensa, sente e faz — está sempre
interrogando. As coisas, as e
pssoas e ele próprio devemtornar- se claros aseus olhos.
ele nã
em o se
sua afasta da
busca deseu contacto.
verdade oAcontr
a ser felizári
o, ilusão.
na a ele se expõe. Eprefere e
s r desgraça
do

Faz-seprecisoque o que é se ponhamanifesto.

É possível certa conf


iança, ma
s não a certeza. Averdade, mesmo quando nos ab
ate,
revela — se for realmente a verdade — aquilo que nos salva. E produz-se o milagre da
filosofia: se recusarmos todos os enganos, afastarmos todos os véus, expusermos à luz
todas as insinceridades, se nos obstinarmos a avançar de olhos abertos, sujeitando
nossas críticas a outras críticas, essa crítica terminará por não ser destruidora. Muito ao
contrário, veremos, por assim dizer, revelar-se o próprio fundamento das coisas onde
vemos luz, como um restaurador vai-se apercebendo de um Rembrandt por sob a pintu
posterior que o escondia.
E se a luz não se revelar? Se, ao fim, o homem descobrir a máscara de Górgona e vir-se
transformado em pedra? Não temos o direito de olvidar que isso é suscetível de
aconte
cer. A filosofia se expõea abismos diante dos quais não deve fecha
r os olhos,
assim como não pode esperar que desapareçam por encanto.

Torna-se mais clara do que nunca a questão que, desde o início, se pôs para o homem. O
“sim” para a vida é a grande e bela aventura, porque permite a realização da da razão,
verdadee do amor. O “não” existência,
à traduzido pelo suicídio, é a realidade paia
homens diante de cujo segredo permanecemos calados. Põe-se fronteira que não temo
o direito de esquecer.

5. A filosofia sedestina ao hom


em enqua
nto home
m ou ape
nas auma elite fechadaem
si mesma? Para Platão, poucos homens são aptos para a filosofia e só adquirem tal
aptidão após longa propedêutica. Há dois tipos de vida na Terra, disse Plotino, um
próprio dos sábios e o outro da massa dos homens. Também Espinosa só espera
filosofia do homem excepcional. Kant, porém, acredita que a rota opr ele traçada pode
tornar-se um caminho real: a filosofia aí está para todos. E seria mau se fosse diferente.
Os filósofos não passam de elaboradores e guardiões de atas, onde tudo deve esta
justificado com precisão
máxima.

Contra Platão, Plotino, e qua


se iodaa tradição, acompanhamos Kanl. Trata-se de uma
decisão filosófica de” grande alcance para a atitude interior do filósofo. Corresponde a
uma recusa de se prosternar diante da realidade; foi assim até agora e assim é hoje; m
não deve permanecer assim e assim não continuará. Dar-se-ão ouvidos a exigências do
homem como homem, exigências freqüentemente ocultadas e reduzidas de importância
afastad
as e negligenciadas. A decisão cabe a cadaindivíduo.

Estaremos, talvez, transformando em virtude a trágica ausência de unia filosofia genial


em nosso tempo? Não, a experiência de nossa própria mediocridade, do homem que
embora simples homem, pode compreender os grandes homens do passado, apropriar-s
do que realizaram, aproximar-se deles, cheio de respeito, mas sem divinizá-los — essa
experiência é encorajadora. O que está a nosso alcance está ao alcance de todos ou
quase todos, bastando que verdadeiramente o queiram.

Há, naHistória, um a grande exceção. Os padres ad Igreja cristãconsiderando ue


q lhes
tocava o dever de enunciar a salvação e de praticar obras de amor, dirigiam-se a todo
os homens. E encontravam um argumento contra os filósofos gregos no fato de estes só
se dirigiremaos eleitos:Lema da Igreja oi:
f ninguémquedeseje crer está excluído.

Aquilo quese revela, a plena claridade, nos subl


imes pensamentos doseleitos está
contido na fé mais simples.

Contudo, tal solicitude pelas massas é ambivalente: deseja dominá-las e, ao mesmo


tempo e no interesse de dominá-las, tolera a mentira e a superstição e se envolve no
político. Em razão disso, esse grande exemplo histórico não nos pode servir de modelo.

Outro inimigo da filosofia independente e, portanto, da liberdade do homem é o


pensamento pretensamente democrático. Há razão em proclamar: o que não convém
todos deve, um dia, desaparecer. O que não desperta qualquer a priori, eco é,
desprovido de realidade. Mas é errôneo afirmar: sabemos qual seja essa realidade; o qu
hoje é, sempre será; o que não atua agora, jamais atuará; o homem não se modifica
Antes, cabe
ria dizer: o queainda está isolado pode
rá expand
ir-se; o quehoje não
encontra eco poderá encontrá-lo amanhã; e, principalmente, o que é real para reduzido
número de pessoas poderá tornar-se a realidade suprema de uma época e, sob tal form
perpetuar-se; o que ainda não atingiu as massas poderá penetrá-las no futuro.

Para libertar-se é inevitável que a verdade desça às massas, ao burburinho sonoro e


conf
uso dos
educação hom
ens. A altEerna
padronizada. ostiva seriahumanos
seres o dom
ínio
se sobre sa mas
tornariam sas,os déspotas.
para a censu
ra, a
matéria-prima
Na incerteza, uma só coisa permanece: crer na possibilidade de liberdade humana e,
alimentando essa crença, conservar-se ligado à Transcendência, sem a qual aquela
convicção soçobraria.

6. Continua-se a afirmar que, no mundo, a filosofia está consciente de sua impotência.


Desperta poucas respostas e não dispõe de nenhum poder de modelar o mundo; não é
de maneira alguma, umfator da Hi
stória. Assim pareceu té
a agora.

Mas a filosofia está longe de ser impotente no que diz respeito Aí.ao
elaindivíduo.
constitui, muito ao contrário, a grande força que leva o homem a encontrar o caminho
para a liberdade. Só ela possibilita a independência interior. Ganho essa independência
exatamente quando e onde reço pa co mpletam
ente de
pendente, ou a,sejquando
reconheço que — em minha liberdade, em meu amor, em minha razão — fui dado a
mini mesmo. Nenhuma dessas coisas está ob
s meu pode
r, eu nã
o as af ço surgi
r. Mas
tudo quanto eu fizer
surgirdelasderivará.

Se atinjo o ponto em que sou dado a mim mesmo, distancio-me de rodas as coisas e
inclusive, de mim. Como que de um plano de observação externo a mim — em verdade,
inatingível
atingir — contemplo
aquele plano paraomergulhar
que acontece e o que histórica.
na realidade faço. É como
De lásejorra
me afosse preciso
luz que faz
crescer minha liberdade interior. Torno-me independente na medida em que vejo as
coisas a essa luz.

Essa independência é uma quietude, sem violência e sem orgulho. Tanto menos soberba
quanto mais segura de si Evidencia-se
mesma. permanecendo
obscuridade.
em

Na independência, a ibe
l rdadenão permanece vazia. Limitar-se a si mesmo não seria
independência. A independência quer parti
cipar do mundo. Age. Ouve erespond e aos
apelos da sorte. Não foge às exigências do dia. Quando o destino parece deter as rédeas
ousa envolver-se em situações de risco, na esperança de vir a dominá-las.

Não obstante, aceita sempre critérios que não pode trair porque provêm de sua mesm
srcem. Traí-los seria aniquilar-se.

7. A independência do filósofotorna
-se falsa qua
ndo se mescla de orgu
lho. No homem
autêntico, o sentimento de independência sempre se acompanha do sentimento de
impotência, o entusiasmo de poder sempre se acompanha do desespero de não poder,
esperança sempre se acompanha de um olhar lançado ao fim. Filosofar dá-nos lucidez
total acerca das várias formas de nossa dependência, mas de maneira tal que, em vez
permanecermos esmagados por nossa impotência, encontramos, a partir de nossa
independência,
meio de recuperação.

Eis dois exemplos de como issono


ocorre
pensam
ento:

a) O quantitativo tem predominância sobro o O qualitativo.


universo, no seio do qual, a
Terra, com todos os seus habitantes, não passa de um grão de poeira, tem
predominância sobre nosso planeta.
Na hierarquia em que figuram matéria, vida, alma e
espírito, cada um dos estágios tem predominância
o seguinte.
sobre
Ao fim, é a massa
que tem preeminência.
Diante dela, o indivíduo não conta. Só conta o universo, a
matéria, a massa, o que tem peso.

Invertam
os, por
ém, a escala de valores: o que há
de mais preci
oso no uni
verso é o
homem; na hierarquia das realidades, é o espírito; entre as massas, o indivíduo como el
próprio; entre as obras da natureza, as criadas pela arte humana. Se julgamos as coisa
de maneira diversa, é por sucumbirmos à tentação do quantitativo e renunciarmos ao
senso do humano.

b) O conjunto da História que ninguém pode conhecer, que não precisamos imaginar
necessariamente como uma totalidade — avassala-nos. O indivíduo sente-se indefeso.
Tudo o que ele é, é determinado por aquele conjunto. E ele deve curvar-se.

Entretanto, o que se passa com a humanidade passa-se como resultado das forças
ínfimas de bilhões de indivíduos. Cada um é responsável pelo que faz, pela maneira
como vive. Parece-nos que a História não tenha sentido, mas ela está penetrada de
razão.E essa razão depende de nós.

Permanece, porém, o fato de que diretamente real para nós é o meio que, de imediat
nos cerca. Nosso primeiro dever é para com ele. Quando desesperamos do futuro,
porque não podemos orientar o curso dos acontecimentos, ou quando nos exaurimos e
clamores vãos, como se disso dependesse o movimento do universo, estamos
esque
cendo o que
nos toca ai
ms de perto.Afirmamo-nos narealidadedessepeque
no
mundo que nos cerca. E, através dele, participamos do conjunto.

8. Na época atual, fazemo-nos conscientes de nossa impotência divisando-lhe um


ângulo novo.
Todos sabemos que a democracia é corrupta no seu operar, embora
continue sendo a única via possível para a liberdade. Mais duvidoso é seu alcance entr
povos em que ela não tem srcem histórica
própria.

Satisfazer-se com o milagre econômico é o ópio do mundo livre. O resto do mundo


inveja esse milagre, mas não tem as condições capazes de propiciá-lo e lança ao mundo
livre a culpa suas
de desventuras.

No mundo ocidental, o econômico predomina sobre o político. E isso equivale a dizer


que o Ocidente está cavando a própria cova. Nele, a liberdade política se reduz
constan
temente. É, com freqüê
ncia, incompreendida. Assiste-se à desaparição do
sentimento de liberdade e dode espírito
sacrifício.

Em todo o mundo, manifestam-se tendências à ditadura militar e ao totalitarismo, pois


liberdade se degrada. Os povos se fazem presa dos poderosos.

Se continuar, a explosão demográfica levará necessariamente a uma conflagração que


exterminará inúmeras vidas humanas.
Os povos de côr (mais de dois terços da humanidade) voltam-se contra os brancos,
cheios de ressentimento e com determinação crescente.

A bomba atômica pe
sa sobre todos nós.orPalgumtempo, ela conti
nuará a mpe
i dir a
grande conflagração que (não sabemos quando) provocará o aniquilamento total, se os
homens continuarem a ser o que são hoje.

Até agora, quan


do Estados, povos ouvilizações
ci pereciam, outro
s lhes tom
avam o
posto.Um elemento perm
anecia — a hum
anidade. Atualmente, caberi
a perguntar se a
humanidade não está a ponto de cometer suicídio generalizado.

No ínterim, podemos gozar a vida, permanecendo, porém, ao pé do cadafalso. Ou


afastamos o perigo mortal ou deveremos estar preparados para a catástrofe.

É escandalosa a tranqüilidade do mundo ocidental, tranqüilidade baseada na presunção


de que essaagradável maneira deviver el ráduraçã
o indefinida. As conse
qüências das
ilusões voluntárias de antes e após 1914 não nos terão ensinado ao que leva ess
irresponsabilidade política e moral?

Nossa época vive entre dois abismos. Compete-nos escolher: deixar-nos tombar no
abismo da ruína do homem e do universo, com a conseqüente extinção de toda vida
terrena, ou cobrar ânimo para nos transformarmos, dando surgimento ao homem
autêntico, ante o qual se abrirão possibilidades infinitas.

9. Em tal contexto, qual o papel da filosofia?

Ensina, pelo menos, a não nos deixarmos iludir. Não permite que se descarte fato algum
e nenhuma possibilidade. Ensina a encarar de frente a catástrofe possível. Em meio à
serenidade do mundo, ela faz surgir a inquietude. Mas proíbe a atitude tola de
considerar inevitável a catástrofe. Com efeito, apesar de tudo, o futuro depende também
de nós.

Se fosse vigorosa em sua elaboração, convincente por seus argumentos e digna de fé


pela integridade de seus expositores, a filosofia poderia tornar-se instrumento de
salvação. Só ela tem o poder de alterar nossa forma de pensamento.

Mesmo diante do desastre possível e total, a filosofia continuaria a preservar a


dignidade do homem em declínio. Numa comunidade de destinos, que se apóie na
verdade, o homem encara face a face seja o que for.

Não se confunde o declínio com o nada. Em meio ao desastre, a última palavra cabe ao
homem, que ama e conserva confiança incompreensível no fundamento das coisas.
Para falar sob forma de enigma: a srcem de que brotaram o universo, a terra, a vida, o
homem e a História encerra possibilidades que nos são inacessíveis. Enfrentando de
frente o desastre, asseguramo-nos dessas possibilidades.
Fazemos uma tentativa, à qual outras hão de seguir-se, continuadamente.
Mas,
presentes,
por um instante,
nessa tentativa, o amor e a verdade atestam tratar-se de mais
que uma tentativa. Uma palavra de eternidade foi pronunciada.

Nenhum pensamento suscetível de ser concretizado, nenhum conhecimento, nada de


fisicamente tangível, nenhum dos enigmas por nós mencionados pode adentrar a
eternidade.

Mas, para ém
al de todos os eni
gmas, o pensam
ento pene
tra no
silencioplenode
insondável
razão.

FIM DO LIVRO

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