Livro 2 - Ação Missionária
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Livro 2 - Ação Missionária
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ÍNDICE
1. A GRANDE COMISSÃO
Essa é a sem dúvida o grande ápice de todo o ministério de Jesus aqui na terra. Depois de três anos
aproximadamente, com uma equipe de trabalho estabelecida por doze homens devidamente treinados e
experimentados, apesar das suas limitações e pré-conceitos, Jesus encerra a sua tarefa comissionando
esses homens para continuarem a sua obra não só no lugar onde eles estavam, mas até os confins da
terra.
Tal responsabilidade pareceu ser muito difícil devido ao fato de que aqueles homens não contavam ainda
com a simpatia do povo e muito menos eram bem vistos pelas autoridades da época. Nos últimos três
anos eles haviam criado muita agitação e levantavam inúmeras suspeitas de traição e rebeldia contra a o
Império Romano.
Depois da captura e morte de Jesus todos os doze ficaram escondidos sendo necessário o evento do
Pentecostes para “levá-los para fora” e de fato começarem a obedecer as ordens expressas de Jesus
reveladas no livro de Atos dos Apóstolos cap. 1 verso 8.
O Pentecostes não marcou só o nascimento do cristianismo na época do Novo Testamento, mas mudou
os rumos da história da humanidade perpetuando a mensagem de Jesus Cristo, através dos discípulos,
permitindo que o evangelho chegasse a todos os cantos do mundo conhecido.
Esse testemunho levou o evangelho além das mais distantes fronteiras tanto geográficas quanto culturais.
A mensagem de Cristo chegou até Paulo de Tarso, um dos mais sinceros perseguidores da igreja. Esse
homem encarnou tal mensagem de maneira que nunca mediu os mais extremos esforços para continuar
fiel às suas novas convicções.
Com Paulo de Tarso o evangelho chegou às extremidades do mundo da sua época. É nesse ponto que
queremos focalizar as nossas atenções. A obra missionária da Igreja Primitiva começa a ser de fato
realidade quando Barnabé e Paulo saem na sua primeira Viagem Missionária e a partir daí igrejas
começam a nascer em diferentes cidades e povoados.
O período em que a igreja cristã viveu seu maior crescimento foi o do primeiro século de nossa era. Ali
começou o movimento de missões. Os oito primeiros capítulos do livro de Atos dos Apóstolos explicam a
razão desse crescimento. Os discípulos deveriam estar revestidos de poder, v. 4, antes de sair para
alcançar as nações com o Evangelho. Em Atos 1: 8 encontramos a base e a amplitude do plano de Deus
para que a igreja executasse missões. Focalizaremos a igreja primitiva e a obra missionária.
a) Visão mundial, At. 1 - O desafio de Jesus é global, v. 8, e não existe maior importância entre missões
mundiais, nacionais ou evangelismo local. Todos são vitais e um não pode excluir o outro. Tudo faz parte
da grande comissão, Mt. 28: 18-20. A partir de então, tornou-se claro para os discípulos que o movimento
da igreja não deveria ser apenas em Jerusalém, mas também fora de seus limites.
b) Poder, At. 2 - A incumbência que Jesus havia dado aos discípulos de levar o evangelho ao mundo
inteiro parecia uma tarefa difícil. E, de fato, teria sido, se o derramar do Espírito Santo não tivesse
acontecido, At. 2: 1-3. Em poucos dias, aquele grupo de cento e vinte pessoas tornou-se uma multidão de
salvos, At. 2: 41; 4: 4 e 5: 14.
c) Envolvimento total, At. 5 e 6 - A igreja de Jerusalém era uma família, de modo que as necessidades de
cada irmão eram supridas e havia cooperação de todos os membros para ajudar os apóstolos, At. 6: 1-3.
Instituíram o diaconato, escolhendo para tal função homens que deveriam possuir três requisitos básicos:
bom testemunho (aspecto social), ser cheios do Espírito Santo (aspecto espiritual) e de sabedoria
(aspecto intelectual). Para os apóstolos ficaram reservadas a prática da oração e da pregação da Palavra,
At. 6: 4. Toda a igreja era, então, completamente envolvida com a obra de Deus.
3. A IGREJA ESPALHADA, At. 7 a 12
A perseguição foi o instrumento usado por Deus para desaglutinar à igreja de Jerusalém e alcançar
outros povos.
a) Jerusalém e Judéia - A igreja inicialmente se concentrou em Jerusalém. Entretanto, Deus estava firme
em seu propósito de levar a bênção do Evangelho às outras regiões e, por fim, a todas as nações.
Ocorreu então que, com a perseguição vinda diretamente contra a igreja de Jerusalém, os que foram
dispersos começaram a pregar em toda parte por onde passavam - At. 8:1, 4 e 5:11, 19, 20 e 13:46, 47.
Com a morte de Estevão, At. 6 e 7, as testemunhas de Jesus foram espalhadas.
b) Samaria - Felipe prega em Samaria, At. 8:4-8, e em missão transcultural prega ao etíope, um alto
oficial da rainha de Candace, que crê e pede para ser batizado naquele mesmo dia, At. 8:26, 28-36 e 39.
A história indica que aquele etíope pode ter preparado o caminho para o posterior estabelecimento de
milhares de igrejas no longínquo vale do Nilo, na África.
c) Gentio romano - Pedro prega para Cornélio, um centurião romano. Foi difícil para Pedro, ainda que
cheio do Espírito Santo, aceitar a conversão de um gentio. Mas, após uma visão, entendeu que Deus não
faz acepção de pessoas, At. 10:9, 23, 34 e 35.
d) “Até os confins da terra” - Saulo, escolhido por Deus para levar a mensagem aos gentios, At. 9:15, 16,
cumpre com êxito a sua tarefa. Em pouco mais de dez anos, e em três viagens missionárias, ele
estabelece a igreja em quatro províncias do Império Romano: Galácia, Macedônia, Acaia e Ásia, At. 13:2,
14:28, 15:40, 18:23 e 21:17.
a) Colaboração, At. 13: 1-3 - Em Antioquia, temos o verdadeiro início de missões neo-testamentária.
Naquela igreja havia profetas e mestres: Lúcio de Cirene, Simão Níger, Manaém, Saulo e Barnabé, v.1.
Nenhum deles era natural de Antioquia; todos eram estrangeiros. Numa reunião de oração, em Antioquia,
quando a igreja estava orando e jejuando, Deus separou dois deles para a obra missionária. Os três que
ficaram podem ser chamados de colaboradores. Eles representam a igreja que ficou na retaguarda. Os
dois que foram enviados representam os missionários. Notemos que eles foram enviados por Deus e pela
igreja, vv. 2 e 3.
b) Comunicação, At. 14:27, 28 - Paulo e Barnabé seguem em frente, sempre dando relatórios de seu
trabalho à igreja que ficou na retaguarda, orando e sustentando-os com suas ofertas. Por onde passaram,
deixaram a semente da Palavra e outros irmãos foram também chamados a colaborar. Assim, a obra
cresceu ao ponto de Paulo poder dizer que o evangelho fora pregado a toda a criatura debaixo do céu,
Cl. 1:23.
A MISSIOLOGIA DE PAULO
Dentre algumas dicotomias que a igreja evangélica brasileira enfrenta atualmente, uma delas é a
polarização entre teologia e missões. Este reducionismo evangélico foi detectado pelo Dr. Augustus
Nicodemus Lopes (Paulo, Plantador de Igrejas,1997, p. 5), ao dizer que a separação entre teologia e
missões tem penetrado nas igrejas e organizações missionárias no período moderno, e tem produzido
efeitos perniciosos até o dia de hoje. Isto é verdade. E a causa dessa divergência teológica, com sua
conseqüência danosa para a igreja, foi acertadamente observado pelo Dr. Michael Green (Evangelização
na Igreja Primitiva, 1989, p. 7) quando disse: A maior parte dos evangelistas não se interessa muito por
teologia; e a maioria dos teólogos não se interessa muito por evangelização.
Alguns teólogos, como o renomado Dr. Nicodemus, e missiólogos, como o igualmente ilustre Dr. Timóteo
Carriker, são concordes quanto à importância da teologia e missões na vida da igreja. No entanto, será
que a ênfase que eles dão às motivações missionárias de Paulo está correta? É o que procuraremos
mostrar a seguir.
De acordo com o Dr. Nicodemus, a atividade missionária de Paulo era resultado direto da sua teologia.
Ele pergunta: - O que motivava o apóstolo Paulo a sair plantando igrejas, organizando comunidades ao
longo da bacia do Mediterrâneo, apesar da rejeição dos seus patrícios e das implacáveis perseguições
que sofria? (p. 7).
E responde: - O que o movia não eram arroubos de piedade, espírito proselitista, amor ao lucro,
popularidade ou qualquer outra motivação similar. Essas motivações não teriam suportado as angústias
do campo missionário por muito tempo. Paulo estava movido por suas convicções teológicas. (p. 7, grifo
do autor).
Segundo ele, a ação missionária de Paulo era resultado dessas convicções teológicas.
Um ponto que esclarece bem o que o Dr. Nicodemus entende por "convicções teológicas" de Paulo é a
exemplificação que ele faz com a teologia de missões de William Carey, missionário batista que viveu no
século XIX. Carey era um calvinista ardoroso, que tinha um coração inflamado por missões e não podia
compreender a obra missionária como outra coisa senão a extensão das suas convicções como crente no
Senhor Jesus (pp. 5,6). E prossegue:
- É interessante observar que no livreto Enquiry, onde estabelece os motivos da sua atividade
missionária, Carey segue uma seqüência similar à obra Theory of Missions, escrita pelo teólogo e
missiólogo alemão Gustav Warneck (1834-1910).
Isso mostra que Carey, mesmo sem ter tido o treinamento teológico de Warneck, esboça a sua
missiologia teologicamente. Carey nunca usa o argumento das "almas que estão se perdendo" nem se
justifica a partir de suas convicções batistas. Sua preocupação é com a promoção do Reino de Cristo (p.
6, nota 2).
O Dr. Nicodemus salienta, ainda, que toda reflexão teológica deveria desembocar em subsídios para o
esforço expansionista da Igreja de Cristo. Esses esforços, segundo ele, nada mais podem ser do que
teologia em ação. Entende que quando a nossa prática missionária não é fertilizada e controlada por uma
reflexão teológica correta, ela acaba se tornando em ativismo, desempenho estilizado ou simplesmente
uma aplicação frenética de métodos.
E quais eram, segundo o Dr. Nicodemus, as convicções teológicas que motivavam a obra missionária de
Paulo? Eram basicamente três. A primeira dessas convicções é que os últimos dias já começaram. Paulo
estava vivendo nos últimos dias, dias de cumprimento, em que os fins dos séculos haviam chegado para
ele. A segunda convicção do apóstolo Paulo era que as antigas promessas de Deus encontravam
concretização histórica na Igreja de Cristo. Era na Igreja que a restauração de Israel se consumava e a
plenitude dos gentios estava entrando. A terceira convicção de Paulo era que Deus o havia chamado
para edificar essa Igreja.
Enquanto o Dr. Nicodemus parte da teologia para a missão, o Dr. Carriker claramente inverte a ordem.
Segundo ele, as profundas convicções teológicas de Paulo brotaram de intenso envolvimento missionário
e pastoral. Segue-se, de acordo com o Dr. Carriker, que a teologia consiste primariamente de reflexão
acerca da missão, não sendo esta mera aplicação conseqüente daquela, mas missão está no âmago da
teologia. (Missão Integral, p. 7). E ainda:
Como Martin Kahler reconheceu em 1908, missão, de fato, é a mãe da teologia (Bosch 1980:24) e não
uma subdivisão menor e dispensável da teologia prática. De modo inverso, Pedro Savage observa que "a
teologia é, em essência, missiológica" (1984:56). Isto é, a missiologia é fundamental à teologia porque é o
lugar onde a fé e a estratégia se encontram no caminho para o mundo num dado momento específico.
Entendendo a missiologia na sua devida relação teológica, se torna patente a necessidade de seu
enraizamento sólido na Bíblia. (pp. 7,8)
Em sua exposição de Romanos, o Dr. Carriker observa que esta carta se caracteriza por uma extensa
elaboração teológica e é a teologia que melhor indica o contexto ou os contextos da carta, inclusive o
apelo feito pelo apóstolo para que os cristãos romanos apóiem a sua missão espanhola. Mas, segundo
ele, não é uma teologia abstrata e desconectada da situação missionária de Paulo. É uma teologia de
missão.
Quais eram, portanto, segundo o Dr. Carriker, as convicções que levaram um "fariseu dos fariseus" a se
tornar apóstolo dos gentios? De acordo com ele, devemos qualificar que Paulo não desenvolveu seu
ministério de fundamentos exclusivamente dogmáticos. Nem podemos afirmar que Paulo era um
"teólogo" no sentido que muitos o fazem hoje em dia, como se fosse um pensador sistemático. Em vez de
considerá-lo como um teólogo sistemático, devemos encará-lo como um teólogo pastoral, que
desenvolveu sua perspectiva não de reflexão acadêmica divorciada das situações concretas e problemas
eclesiásticos em que se envolvia. Paulo seria uma sorte de teólogo peregrino (ou missionário!) que, na
estrada da experiência da vida e do ministério, procurava teologizar a partir da sua realidade. Assim,
Paulo seria mais bem descrito como um teólogo de práxis que, partindo da sua experiência, refletia nela a
base das escrituras hebraicas e do seu encontro com Jesus crucificado e ressurreto.
Mesmo numa análise ligeira dos conceitos de nossos teólogos (Nicodemus e Carriker), é possível
observar que ambos enfatizam, de maneira positiva, a importância do valor conjunto da teologia e
missões no ministério de Paulo e da igreja, e também o prejuízo que a igreja experimenta quando divorcia
uma da outra. Nenhum dos dois desmerece a teologia ou a missão. A despeito de tanto um quanto o
outro procurar rever os conceitos de "teologia" e "missões" à luz de suas convicções teológicas. Mas isto
também é positivo, pois como o Dr. Nicodemus bem observa, quando a nossa prática missionária não é
conduzida por uma reflexão teológica correta, ela acaba se tornando em mero ativismo. Por outro lado, o
Dr. Carriker salienta, com muita propriedade, que não podemos afirmar que Paulo era um "teólogo" no
sentido que muitos o fazem hoje em dia, como se fosse um pensador sistemático.
Entretanto, a questão fundamental é se a teologia de Paulo era motivada por sua missiologia e vice-
versa. A tese que defendemos é pelo "sim". Paulo foi um grande missionário porque era um grande
teólogo, e que, por sua vez, era um grande teólogo porque foi um grande missionário. Infelizmente esta
tese não é defendida pelo Dr. Nicodemus e muito menos pelo Dr. Carriker. Um teólogo geralmente não
admite que a teologia (principalmente a sua própria) é fruto de uma missiologia bem definida e um
missiólogo, por sua vez, não costuma afirmar que a missão por ele defendida é o resultado de uma
teologia bíblica coerente.
Mas em Paulo a missão é teológica e a teologia é missiológica. Ele não apenas não separava uma da
outra, mas também subordinava uma à outra.
Ademais, a motivação missionária de Paulo não era determinada somente por convicções teológicas e
escatológicas, como sugere o Dr. Nicodemus (1997, pp. 5-21), ou apocalípticas, como pretende o Dr.
Carriker (1998, pp. 124-148), mas que, além disso, o apóstolo possuía o coração inflamado de paixão e
amor pelos perdidos (5).
Como resultado do amor de Cristo, Paulo amava os perdidos (Cf. 2 Co 5.14; Rm 1.5; 9.3; Ef 3.1; Fp 3.7; 1
Ts 1.5; 2 Tm 2.10). O amor tornava Paulo afetuoso e caloroso em sua evangelização (PACKER,
Evangelização e Soberania de Deus, 1990, p. 38). Escrevendo aos tessalonicenses o apóstolo dizia que
"... tornamos-nos dóceis entre vós...". E ainda, "assim, querendo-vos muito, estávamos prontos a
oferecer-vos não somente o evangelho de Deus, mas, igualmente, a nossa própria vida, por isso que vos
tornastes muito amados de nós" (1 Ts 2.7,8). O amor também fazia Paulo ter sensibilidade, sendo capaz
de adaptar-se às circunstâncias em sua evangelização; embora se recusasse terminantemente a alterar
sua mensagem para agradar as pessoas (cf. 2 Co 2.17; Gl 1.10; 1 Ts 2.4), ele se esforçava ao máximo,
em sua apresentação da mesma, para evitar escândalo e não dificultar desnecessariamente o caminho
para aceitação e resposta positivas (cf. 1 Co 9.16-27; 10.33).
Segundo Packer, Paulo procurava salvar os homens e, visto que procurava salvá-los, não se contentava
apenas em informá-los sobre a verdade; mas empenhava-se em se pôr ao lado deles, começando a
pensar juntamente com eles, a partir de onde se encontravam, falando-lhes em termos que podiam
compreender e, acima de tudo, evitando tudo quanto pudesse fazê-los adquirir preconceitos contra o
evangelho ou pôr pedras de tropeço em seu caminho. Em seu zelo por manter a verdade, nunca perdeu
de vista as necessidades e reivindicações das pessoas. Seu alvo e objetivo, em todas as suas atividades
no evangelho, até mesmo no calor da polêmica evocada por pontos de vista contrários, nunca deixou de
ser conquistar almas, convertendo aqueles que considerava seus próximos à fé no Senhor Jesus Cristo.
As estratégias missionárias de Paulo eram o resultado direto e natural de suas motivações. Dentre os
vários meios utilizados por Paulo para divulgar o evangelho, destaquemos os mais utilizados pelo
apóstolo; a saber, a escolha de centros estratégicos e as sinagogas.
Paulo percorria as estradas romanas anunciando o evangelho e fazendo discípulos nas principais cidades
das províncias imperiais, verdadeiros centros estratégicos. Ele concentrava suas atividades nesses
locais, tornando o que outrora eram campos missionários em bases de sua missão. Tessalônica, por
exemplo, tornou-se a base missionária para a província da Macedônia; Corinto a base para a província da
Acaia; Éfeso a sua base para a Ásia proconsular. A igreja de Roma também seria uma possível base para
a evangelização na Espanha (cf. Rm 15.24).
Quando voltamos nossos olhos para o livro de Atos (7), percebemos que os missionários daquela época,
de modo geral, e Paulo, em especial, concentravam seus esforços geralmente naqueles centros
estratégicos do ponto de vista cultural, econômico, religioso, político e geográfico até. Embora no caso
deste último a estratégia de trabalho de Paulo não era tanto geográfica quanto humana ou cultural, no
sentido de etnias (8).
O Dr. Timóteo Carriker faz uma importante observação acerca dos centros estratégicos de Paulo. Diz ele:
Paulo procurava atingir primeiro os centros provinciais que não eram evangelizados na sua missão. Isto
era uma estratégia do "quadro geral" e não dos detalhes, isto é, não de todo e qualquer lugar. Ele não
tentava evangelizar o mundo gentílico totalmente, mas contava com a obra evangelizadora das
comunidades que ele estabeleceu para continuar a missão. Ele mesmo se apressava para a tarefa
urgente de pregar o evangelho para aqueles que não o ouviam (Romanos 10.14). Sua perspectiva era de
"preencher" ou "completar" os principais lugares que faltavam no mundo gentílico e prosseguir em frente
[veja peplérókenai) em Romanos 15.19] (Missão Integral, 1992, pp. 235,6).
As sinagogas judaicas também faziam parte das estratégias missionárias de Paulo. Roland Allen (9)
reconheceu quatro características da pregação de Paulo nas sinagogas. Em primeiro lugar, é possível ver
em Paulo a simpatia e a conciliação com as sensibilidades dos ouvintes: a apresentação é clara, ele está
disposto a aceitar o que há de bom na posição deles, simpatiza com suas dificuldades, mostrando que ele
os aborda com sabedoria e tato. Em segundo lugar, ele tem coragem de reconhecer abertamente as
dificuldades, de proclamar verdades não muito fáceis de engolir, e de recusar-se inapelavelmente a fazer
coisas difíceis parecerem fáceis. Em terceiro lugar, vem o respeito por seus ouvintes, suas capacidades
intelectuais e suas necessidades espirituais. Em quarto lugar, há uma confiança inabalável na verdade e
no poder do evangelho. Não estaremos longe da verdade ao supormos que estas eram características
típicas da pregação na sinagoga, nos primeiros tempos da missão, em que as oportunidades ainda
estavam abertas. Os missionários cristãos aceitavam com gratidão esta oportunidade de falar a Israel,
nas três primeiras décadas decisivas antes que a porta das sinagogas lhes fossem fechadas (GREEN,
Evangelização, 1989, p. 240).
Mas por que será que o apóstolo Paulo priorizava as sinagogas judaicas como parte de sua estratégia?
Antes de tudo é preciso lembrar que Paulo era essencialmente um apóstolo enviado por Cristo aos
gentios. Na época de sua conversão no caminho de Damasco, o Senhor Jesus disse que o livraria "dos
gentios, para os quais eu te envio" (At 26.17). Entre os apóstolos ficou acertado que Tiago, Pedro e João
iriam para a circuncisão (judeus) e ele, Paulo, "para os gentios" (Gl 2.9). Entre Pedro e Paulo, por
exemplo, havia uma consciência marcante da missão deles aos judeus e gentios, respectivamente (Gl
2.7,8).
Em quase toda sinagoga judaica existiam, além de judeus é claro, dois grupos distintos de gentios. O
primeiro grupo era formado pelos denominados "prosélitos", isto é, gentios convertidos ao judaísmo. Os
homens eram circuncidados, concordavam em obedecer a lei e guardar o sábado, faziam peregrinações
a Jerusalém, e daí em diante não eram mais gentios, e sim judeus. O segundo grupo de gentios que
normalmente freqüentava a sinagoga era formado pelos "tementes a Deus". Eram apreciadores da lei e
do ensinamento judaicos, mas por uma série de razões pessoais achavam por bem não se desvincular de
suas raízes gentílicas, como os prosélitos, para se tornarem judeus. Todavia, eles freqüentavam a
sinagoga regularmente, ainda que tivessem que ficar na parte que lhes era reservada, não lhes sendo
permitido a participação completa dos cerimoniais litúrgicos. Em suma, enquanto os "prosélitos" eram ex-
gentios, os "tementes a Deus" ainda eram gentios. E embora Paulo tivesse o que dizer aos três grupos
que freqüentavam a sinagoga, seu objetivo principal era converter os gentios que lá estavam, os
tementes a Deus (10).
A estratégia de um homem como Paulo era basicamente simples: ele só tinha uma vida, e estava
decidido a usá-la o máximo possível, tirando dela o melhor proveito no serviço de Jesus Cristo. Sua visão
era ao mesmo tempo pessoal, urbana, provincial e global (GREEN, Evangelização, 1989, p. 318).
III. CONCLUSÃO
A perspectiva missionária de Paulo era "preencher" ou "completar" os principais lugares que faltavam no
mundo gentílico e continuar seguindo em frente, motivado por uma teologia pastoral de vida, pela
esperança escatológica do retorno imediato de Cristo e por seu amor aos perdidos como resultado do seu
amor por Jesus, com estratégias missionárias bem definidas. Valeria a pena seguirmos o apóstolo com
essa mesma perspectiva missionária? Certamente que sim. Pois é nesse contexto de missão que o
intrépido “sede meus imitadores como eu sou de Cristo” encontraria, aqui, a sua melhor e mais completa
aplicação. Se a igreja hoje imitasse Paulo como ele imitava Cristo, missões seriam o nosso maior projeto
de vida.
Entendemos que para uma melhor compreensão da perspectiva missionária de Paulo era indispensável
uma análise do conceito "apóstolo", visto que é o título que melhor designa a missão de Paulo, e por ele
preferido. Achamos necessário também, ainda que tratado rapidamente, um apanhado de sua vida e do
contexto de sua época para situarmos e entendermos melhor a missão dele. Mesmo em termos das
viagens missionárias de Paulo em Atos dos Apóstolos, muita coisa os eruditos disseram e têm a dizer.
Nosso propósito foi dar apenas um resumo dessas viagens conforme registradas em Atos.
Como uma análise histórica, teológica e exegética dessas viagens tornaria este estudo extenso demais
para seu propósito inicial, isto é, o de tentar apresentar um panorama geral sobre a perspectiva
missionária de Paulo.