3 - Plagio

Boas práticas
Universidades brasileiras contra o plágio

Campanhas, softwares e treinamento são utilizados por grandes instituições
de ensino superior no país para coibir a cópia de trabalhos acadêmicos
Algumas das maiores universidades brasileiras a integridade científica, mas diz que é preciso
se mobilizam para coibir o plágio em trabalhos se preparar para agir diante de problemas
acadêmicos de estudantes e professores. Em concretos. Ele ainda faz um alerta: “O plágio
março, a Pontifícia Universidade Católica do pode ser fruto de má-fé, mas muitas vezes ocorre
Rio de Janeiro (PUC-Rio) lançou uma campanha por falta de preparo do aluno, que não sabe
com peças publicitárias que exibem frases como como fazer citações e referências nem compreende
“troquei seis por meia dúzia”, “aproveitei só bem o conceito de autoria.”
um pedacinho do texto” e “só usei uma vez essa Na Universidade de São Paulo (USP), por
imagem”. “São expressões frequentemente exemplo, um estudante de mestrado da área de
utilizadas pelos alunos para justificar a prática. biologia também teve a dissertação cancelada, pois
Adotamos uma linguagem simples e direta para havia utilizado dados levantados por um colega de
mostrar aos estudantes que plágio é crime”, diz laboratório sem dar os créditos. “O aluno justificou
José Ricardo Bergmann, vice-reitor da PUC-Rio. que não sabia que estava cometendo plágio”,
Ele explica que o esforço da instituição não se relata Carlos Gilberto Carlotti Junior, pró-reitor
restringirá aos cartazes. “Até o final do ano, de Pós-graduação da USP. A universidade
serão realizados seminários e debates para concede mais de 7 mil títulos de mestrado e
esclarecer dúvidas a partir de casos concretos.” doutorado por ano e, até recentemente, recorria
Para Bergmann, programas educativos a uma série de ferramentas e sites gratuitos para
devem ser o foco da estratégia para promover monitorar o plágio entre seus alunos.
8 | julho DE 2017
No início do ano, a USP reforçou também é plágio, como o software é o problema tem origem no início da
essa estratégia adquirindo o software capaz de apontar.” formação do aluno, sobretudo
Turnitin, criado em 1998 na Em 2015, a Turnitin divulgou a partir do ensino médio. Resultados
Universidade da Califórnia, Berkeley, uma pesquisa que realizou com parciais de um estudo coordenado por
nos Estados Unidos. Utilizado em 1.437 estudantes de ensino médio, Sonia Vasconcelos, professora da
cerca de 15 mil instituições de ensino graduação e pós-graduação de todos Universidade Federal
de 150 países, o programa gera os continentes. Identificou-se que do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado
um relatório que aponta o percentual metade dos trabalhos acadêmicos este ano nos Anais da Academia
de similaridade de determinado verificados pelo software tinha Brasileira de Ciências, incluiu uma
texto comparando-o com uma mais de 50% de conteúdo não original. pesquisa com 42 professores do
ampla base de dados composta por Recentemente, a Unesp fez um ensino médio de biologia, química e
62 bilhões de páginas da internet, balanço do uso do Turnitin na física de um colégio federal no
697 milhões de trabalhos produzidos instituição. Das 3 mil teses e Rio de Janeiro. Os resultados mostram
por alunos e 175 milhões de dissertações defendidas em 2014, que, para 41% dos professores, os
monografias, livros e artigos 23% continham algum trecho alunos não cometem plágio quando
científicos. Além de serviços pagos copiado sem dar crédito à fonte citam a fonte na bibliografia, mas
como o Turnitin e seu principal original. Esse percentual caiu para copiam parte do texto sem fazer uso
concorrente, o CheckForPlagiarism. 13% em 2016. “Ao saberem que os de aspas ou indicar que o trecho foi
net, existem softwares gratuitos, trabalhos são submetidos a uma retirado de outra obra. Isso sugere,
como o Plagiarism Detector e o verificação, os alunos provavelmente segundo o estudo, que boa parte dos
Duplichecker. O Turnitin e o estão pensando duas vezes professores tem dúvidas sobre o
CheckForPlagiarism.net fazem antes de copiar”, supõe Graeff. conceito de plágio. Observou-se
varreduras não só em documentos Há consenso entre especialistas ainda que 50% dos docentes
disponíveis na internet, mas também e gestores acadêmicos de que entrevistados disseram que nunca ou
em bases de dados próprias. raramente receberam orientações
Na USP, a ferramenta Turnitin sobre plágio enquanto cursavam a
é gerenciada pelo Departamento graduação. A UFRJ é pioneira na
Técnico do Sistema Integrado de criação de programas de integridade
Bibliotecas (SIBi), que oferece o científica no Brasil (ver Pesquisa
serviço aos professores credenciados FAPESP nº 233) e em 2014
na pós-graduação. “O uso do disponibilizou a utilização do Turnitin
software busca ajudar o professor e para detectar plágio em trabalhos de
complementar seus esforços para alunos. O software deixou de ser
assegurar a qualidade de um trabalho oferecido aos docentes devido a cortes
acadêmico. É papel do orientador no orçamento da instituição.
acompanhar o projeto do aluno e “Com o avanço das mídias digitais
identificar falhas”, explica Carlotti. nas últimas décadas, o aluno que acaba
de entrar na universidade infelizmente
Substituição por sinônimos está bastante habituado a consultar
O programa é eficiente, mas o Google para fazer trabalhos
não resolve sozinho o problema. escolares”, avalia Esper Cavalheiro,
Carlos Frederico de Oliveira pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa
Graeff, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo
da Universidade Estadual Paulista (Unifesp). “É preciso enfrentar esse
(Unesp), instituição que também problema desde cedo na escola, caso
utiliza o software, adverte que o contrário a prática continuará
Turnitin tem limitações. “Por causando problemas na graduação.” A
exemplo, trechos copiados de universidade criou recentemente uma
outro colega ou de livros que não Comissão de Integridade Acadêmica,
estejam disponíveis na internet não que, entre outras atividades,
podem ser detectados”, conta. desenvolve programas educativos para
Segundo ele, a intenção também combater o plágio. Um curso on-line
é usar o Turnitin para embasar para alunos de graduação e
discussões em sala de aula. pós-graduação deverá ser oferecido em
ilustração walter rego
“Muitos alunos pensam que o breve. “A ideia é que todo aluno que
plágio se limita a copiar um trecho ingressar na Unifesp, especialmente
de um texto sem dar créditos ao autor. aquele que acabou de deixar o ensino
Mas copiar um texto substituindo médio, seja obrigado a passar pelo
algumas palavras pelo sinônimo treinamento”, informa Cavalheiro.
PESQUISA FAPESP 257 | 9

Um novo vocabulário para retratação
Um dos temas discutidos na comprometa sua conclusão.
5ª Conferência Mundial sobre Em 2015, a revista JAMA
Integridade Científica, realizada Psychiatry apresentou o conceito
entre os dias 28 e 31 de maio em de “retratação e substituição”,
Amsterdã, na Holanda, foi a para ensaios clínicos que
necessidade de criar alternativas apresentam erros generalizados,
ao conceito de retratação, mas, uma vez corrigidos, ainda
que é o cancelamento de artigos são relevantes. Em ambas as
científicos após a sua publicação situações, o artigo não é
devido à descoberta de fraudes removido da revista, mas ganha
ou erros. O principal argumento uma versão corrigida.
a favor da mudança é que, Há propostas mais abrangentes.
hoje, erros cometidos de boa-fé Virginia Barbour, professora da
acabam confundidos com casos Universidade de Tecnologia de
de fraude e são estigmatizados, Queensland, na Austrália, sugeriu
merecendo, por isso, uma em um artigo publicado em março
nomenclatura à parte. no repositório bioRxiv a
Um caso ocorrido em 2012 substituição do termo “retratação”
foi lembrado no evento. por “alteração” – que seria
O matemático Richard Mann, da acompanhado por uma das
ilustração Júlia cherem rodrigues

Universidade de Leeds, no Reino três seguintes categorias: não
Unido, foi informado de que um substancial, para erros menores,
artigo publicado por ele na revista como de digitação; substancial,
PLOS Computational Biology, para o caso de haver erros em
sobre o movimento coletivo de dados ou figuras, mas que não
camarões-de-vidro, tinha falhas comprometem o trabalho como um
graves. Por um erro de codificação, todo; e completa, quando o artigo
Mann incluiu apenas um todo não é considerado confiável
centésimo de seus dados na e precisa ser cancelado, corrigido e
modelagem computacional. publicado novamente.
Durante o período em que esteve
sob investigação, ele temeu
que a retratação do paper pudesse
ser associada à má conduta
científica. “Fiquei preocupado e
envergonhado com a repercussão
pública”, disse durante a
conferência. Pena de morte contra fraudes
Diferentemente de Mann, que
teve a oportunidade de corrigir e O governo da China anunciou Um estudo publicado em
republicar o trabalho, muitos uma política radical para coibir abril na revista Science and
outros pesquisadores que fraudes em projetos financiados Engineering Ethics sustenta que
cometem erros não intencionais pela agência federal que fiscaliza 40% dos artigos em ciências
têm a carreira comprometida após e regulamenta alimentos e biomédicas publicados na
precisarem retratar um artigo. medicamentos no país, a CFDA. China entre 2010 e 2015
“É preciso mudar o termo”, disse à A partir de agora, pesquisadores apresentam evidências de má
revista Science Nicholas Steneck, que falsificarem dados de conduta. A legislação mais
diretor do programa de Ética testes clínicos de remédios severa foi aprovada por um
e Integridade na Pesquisa e tratamentos podem ser comitê de revisão da Suprema
da Universidade de Michigan, condenados a 10 anos de prisão Corte chinesa, que criou
nos Estados Unidos. ou, em casos extremos, uma nova interpretação do
Já existem experiências nesse até mesmo à pena de morte. Código Penal do país.
sentido. O Embo Journal adotou A medida reflete a preocupação A pena de morte poderá ser
o termo “retratação parcial” para do governo ante o aumento dos aplicada se a falsificação de dados
casos em que um erro menor casos de má conduta científica em um estudo clínico causar
identificado no artigo não registrado nos últimos anos. danos à saúde da população.
10 | julho DE 2017

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PESQUISA FAPESP 257 | 9

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