48leitura e Leitores
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Leitura e leitores
A tirinha acima ilustra um aspecto muito importante das atividades verbais: aquele
que diz respeito ao conhecimento (lingüístico, enciclopédico) necessário para a
interpretação dos enunciados. O personagem erra ao supor que seus ouvintes têm
familiaridade com aquilo que está dizendo, como saber quem é John Coltrane ou o que
é um estilo de longas frases tocadas em legato. Esse “erro de cálculo” pode
comprometer o ‘sucesso’ da interação: no caso da tirinha, o personagem corre o sério
risco de ser ignorado, de não chamar a atenção de seus ouvintes.
Para produzir e interpretar enunciados não basta conhecer a gramática e as palavras
de uma língua. Também é preciso mobilizar outros saberes, perceber a adequação ou
não de determinadas enunciações a diferentes contextos, fazer hipóteses e antecipações.
Como os sentidos são construídos na interação e não dados a priori, o produtor de um
texto deve antecipar que saberes o leitor deve dispor para interpretá-lo. Feitas as
hipóteses, e a partir delas, aparece todo um trabalho de constituição, de escolhas, muitas
vezes não-consciente. O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo diz
respeito àquilo que é preciso saber sobre o assunto tratado para que o texto possa ser
lido sem maiores dificuldades. Trata-se de um conhecimento que engloba também as
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
CEFIEL
Centro de Formação Continuada de Professores
Alfabetização e Linguagem
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Professores de Educação Básica
Para entender do que se trata a brincadeira com a nota de real é preciso dispor de
algumas informações, como a de que a figura que nela aparece, o craque Robinho,
encontra(va)-se na época da circulação do texto em um processo complicado de quebra
de contrato com seu clube, o Santos FC, por conta de uma proposta milionária do Real
Madri. Torcedores santistas mais fanáticos sentiram-se traídos e o ‘amor’ ao craque deu
lugar a críticas (até mesmo agressivas) como a brincadeira Robinho no real.
Assim, pode-se dizer que todo texto delineia, mostra um leitor, aquele que a
‘decifração’ do texto implica. Também a composição, como o texto se organiza,
depende de como o autor imagina (avalia) seu leitor (ou ouvinte). Vejamos os textos
abaixo:
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Texto 1:
Sem barra
Enquanto a formiga
carrega comida
para o formigueiro,
a cigarra canta,
canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Texto 2:
Perdeu-se um gatinho
a fábula da cigarra e da formiga. A voz que fala no poema recupera essa história, e os
sentidos a ela atribuídos, isto é, um tipo de saber cristalizado, aceito como a verdade (só
aqueles que trabalham duro merecem ser recompensados). Esse ponto de vista começa a ser
problematizado na segunda estrofe (A formiga é só trabalho/A cigarra é só cantiga.), em
que o só aponta tanto para a exclusividade das ações relatadas, trabalhar e cantar, como
para o estado no qual se encontram as duas personagens: separadas e sozinhas.Na última
estrofe, surge um outro ponto de vista, oposto e ‘mais importante’ que o anterior (aparece
introduzido pelo mas): o um precisa do outro.
Observe a diferença entre o tom da voz que fala no primeiro poema e no segundo: é
completamente diferente. Neste último parece tratar-se de um “coitadinho” (a imagem de
criança que emerge do texto).
Sendo assim, o primeiro texto aposta mais no seu leitor, acredita que ele pode refletir
sobre verdades estanques; estabelece com ele uma relação simétrica, de igual para igual:
não se dirige a um “pobrezinho”, mas a uma criança.
Nas atividades de leitura e produção, o professor deve discutir com os alunos como os
textos se organizam tendo em vista diferentes públicos, que leitores supõem, que recursos
podem ser mobilizados para aproximá-los de diferentes leitores. As atividades que
aparecem em seguida procuram exemplificar como esse trabalho poderia ser encaminhado.