Crianças Pandemia
Crianças Pandemia
Crianças Pandemia
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No Brasil, de acordo com o Decreto 6949, de 25 de agosto de 2009, que ratifica a Convenção Internacio-
nal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos
de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com as diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas”. Assim, a definição no ordenamento jurídico brasileiro contempla também condições
comumente descritas a partir de diagnósticos psiquiátricos, e que ainda não são culturalmente compreen-
didas como deficiências – como é o caso de pessoas autistas ou pessoas que convivem com “sequelas de
transtornos mentais” (Mello & Nuernberg, 2012; Sassaki, 2012).
ou periferias de grandes centros urbanos, locais
marcados pelas precárias condições de habitabilidade,
sem acesso a saneamento básico ou água potável.
Além disso, enfrentam barreiras culturais e linguísticas
que dificultam a comunicação entre esse grupo e os
profissionais da saúde e da assistência social.
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Vide nota anterior.
ainda mais frequente e intensa, dado o contexto de
desigualdade e opressão a que estão sistematicamente
submetidas. Compreender essa questão é essencial
para atender adequadamente às necessidades de cada
uma das crianças. Assim, evita-se o risco de considerar
como patológicas reações que são adaptativas ou
decorrentes de problemas sociais que precisam ser enfrentados
coletivamente. Por outro lado, evita-se também negligenciar problemas
de saúde mental que venham a surgir ou se intensificar durante ou
após a vigência da pandemia (ex., na chamada “segunda onda”).
Interação familiar
O distanciamento social é uma medida de prevenção
para conter a transmissão da COVID-19 que tem
intensificado o convívio familiar, considerando que, muitas vezes, o
cuidado das crianças era compartilhado com a rede de apoio (avós
ou outros familiares, creches, escolas, serviços de saúde, entre outros).
Mesmo que seja importante que essas crianças sigam mantendo
contato com as pessoas com quem conviviam, sendo a tecnologia
um recurso para manter tais relações, a possibilidade de os familiares
ou cuidadores passarem mais tempo com as crianças tem viabilizado
maior interação entre eles, o que permite que se conheçam melhor
e reforcem um vínculo que é fundamental para o desenvolvimento
infantil. Há registros de experiências positivas também em relação ao
comportamento e ao desenvolvimento das crianças com demandas
específicas de saúde. Algumas apresentam satisfação em estar em
casa com as famílias desde os primeiros tempos, outras se mostram
tranquilas com a cidade esvaziada e mais silenciosa. Ficam, também,
menos cansadas sem o excesso de atividades, estimulações de
especialistas e saídas diárias no trânsito.
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Educação a distância é uma modalidade de ensino que envolve a construção do conhecimento produzido
na interação entre pares por meio da utilização de ambientes virtuais, vinculada a uma instituição escolar.
Homeschooling se refere à educação domiciliar apoiada na mediação de familiares, cuidadores ou profes-
sores, mas sem a vinculação com uma escola.
tensão pode se intensificar. Soma-se a isso o pouco ou
nenhum espaço para ficar sozinho ou realizar atividades
que gosta com tranquilidade. Então, é importante que
as famílias entendam que é possível perder a paciência
e sentir ansiedade e raiva em alguns momentos, afinal,
vive-se um período de excepcionalidade. Por isso,
manter o diálogo e a acolhida com as crianças poderá ajudá-las a
compreender que há momentos difíceis que envolvem sofrimento, mas
que é possível enfrentá-los para que se resolvam. Uma estratégia para
enfrentar o período de distanciamento social durante a pandemia é
organizar a rotina familiar.
Rotina familiar
Planejar o dia e mantê-lo o mais próximo possível da rotina habitual pode
ser um fator protetivo contra o surgimento de sintomas relacionados à
ansiedade e ao estresse. Ter um horário para acordar, fazer as refeições
e dormir, assim como para realizar as diversas atividades, contribui
para a organização do dia e também pode ser um aliado na promoção
de bem-estar. As tarefas domésticas podem ser divididas inclusive com
as crianças, respeitando o que conseguem fazer com segurança. Ter
um tempo dedicado ao descanso também é fundamental, assim como
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Sociedade Brasileira de Pediatria (2020). Manual de Orientação #MenosTelas #MaisSaúde. https://www.
sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf
à distribuição mais ou menos efetiva de conteúdos
acadêmicos. Destaca-se como mais importante a
possibilidade de as crianças manterem contato umas
com as outras e com os professores. Possivelmente, o
maior aprendizado que terão será como desenvolver
recursos para enfrentar situações de crise, o que é
fundamental para seu desenvolvimento, ainda que esse ganho não
concorra com a experiência escolar presencial.
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http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/arquivos/anexos/3215a7cc0290409c2e269c-
01985666f97fa3f3fb.PDF
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https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/Cartilha--Crian--as-Coronavirus.pdf
Alguns materiais de referência são as cartilhas
desenvolvidas pelo Movimento Down7, as pranchas
de comunicação para crianças não-verbais8 ou ainda
o material desenvolvido pela Universidade Federal
Fluminense voltado para a comunidade surda9.
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Marques, E. S., de Moraes, C. L., Hasselmann, M. H., Deslandes, S. F., & Reichenheim, M. E. (2020). A
violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: Panorama,
motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, 36(4), e00074420. https://doi.
org/10.1590/0102-311X00074420
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Organização das Nações Unidas (2018). Disability and development report. https://social.un.org/publica-
tions/UN-Flagship-Report-Disability-Final.pdf
higiene, etc.), bem como abuso e violência dentro de
casa. Este grupo tem 1,5 vezes mais chance de ser vítima
de abuso sexual e 4 a 10 vezes maior probabilidade de
ter vivenciado maus tratos quando criança.
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Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a América Latina é a região que recebeu
o maior número de imigrantes desde que a crise na Venezuela começou. De 2015 para cá, 4,5 milhões de
venezuelanos deixaram o país, e cerca de 178 mil vivem hoje no Brasil, com uma estimativa de que 20%
a 30% sejam crianças e adolescentes. Várias outras nacionalidades solicitaram refúgio ao Brasil durante
esse período, dentre elas os haitianos e os sírios.
Acesso e acolhimento de demandas agudas
No caso de crianças com demandas agudas ou
necessidades específicas de cuidado, oferecer canais
de comunicação acessíveis (telefone, aplicativos de
mensagem, redes sociais ou outros), com os técnicos
de referência, é um modo de permitir contato para acolhida.
Brasil, Decreto nº 6.949 (2009, 25 agosto). Dispõe sobre a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em
30 de março de 2007. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.
htm
Brasil, Presidência da República (2014). Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência:
Protocolo facultativo à convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência – decreto legislativo
nº186, de 09 de julho de 2008; decreto nº6949, de 25 de agosto de 2009. Brasília: Secretaria
de Direitos Humanos; Secretaria Nacional de Promoção dos direitos da Pessoa com Deficiência.
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criança. https://www.unicef.org/brazil/relatorios/30-anos-da-convencao-sobre-os-direitos-da-
crianca
Fundo das Nações Unidas para a Infância (2020). Migrantes e refugiados recebem itens de higiene
para se proteger do coronavírus. https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/
migrantes-e-refugiados-recebem-itens-de-higiene-para-se-proteger-do-coronavirus
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Marques, E. S., de Moraes, C. L., Hasselmann, M. H., Deslandes, S. F., & Reichenheim, M. E. (2020).
A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19:
Panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, 36(4), e00074420.
https://doi.org/10.1590/0102-311X00074420
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