A Teoria Do Discurso de Laclau e Mouffe PDF

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Capítulo 6:

A Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe1

O capitulo anterior concluiu apontando para uma tensão inerente entre as lógicas de
necessidade e contingência na concepção marxista de ideologia e sociedade. Neste capítulo, eu
continuo essa leitura desconstrutiva do Marxismo examinando a concepção de discurso de Ernesto
Laclau e Chantal Mouffe, que é amplamente aceita tanto por simpatizantes quanto por céticos como
sendo um exemplo da proposta pós-marxista de teoria do discurso. Eles dialogaram criticamente
com as tradições estruturalista, pós-estruturalista marxista de pensamento, de modo a ampliar
dramaticamente o alcance da teoria do discurso para abranger todas as práticas e relações sociais.
Portanto, eles não restringem a abrangência da análise do discurso apenas a fenômenos linguísticos,
mas os considera como “mundos‟ de objetos e práticas relacionados que formam as identidades dos
atores sociais. Sua concepção de sociedade resultante esforça-se por superar o determinismo e o
reducionismo do Marxismo, e desenvolve um programa de pesquisa alternativo. Eu começo por
delinear os contornos principais da abordagem de Laclau e Mouffe, que é construída a partir doss
conceitos relacionados de discurso e articulação.

Discurso

No seu sentido mais geral, o conceito de discurso na teoria de Laclau e Mouffe captura a ideia
de que todos os objetos e ações são significativos, e que seus significados são conferidos por
sistemas particulares de diferenças significativas. Considere, por exemplo, uma floresta que esteja
no caminho de uma de construção de autoestrada. Ela pode simplesmente representar um obstáculo
inconveniente impedindo a rápida implementação de um novo sistema de estradas, ou ela pode ser
vista como um sítio de interesse especial por cientistas e naturalistas, ou como um símbolo
ameaçado da herança natural da nação. Resumindo, o sentindo de “ser” da floresta – o que ela
literalmente é pra nós – depende dos sistemas particulares de diferença ou discursos que constituem
sua identidade. Em discursos de modernização econômica, árvores podem ser entendidas como um
recurso descartável para o crescimento econômico contínuo, ou, neste exemplo, como obstáculos
temporários para a construção rápida da autoestrada. Em discursos ambientalistas, pelo contrário,

1
Tradução feita por Érika Elizabeth V.Frazão e Vitor A.Barcellos do capítulo 6 do livro Discourse, de David Howarth.
Buckingham: Open University Press, 2000.
1
uma floresta pode representar um ecossistema viável ou um objeto de intrínseco valor e beleza.
Cada uma dessas estruturas discursivas é uma construção social e política, que estabelece um
sistema de relações entre diferentes objetos e práticas, ao mesmo tempo fornecendo “posições de
sujeito” com os quais agentes sociais podem se identificar. No nosso exemplo, esses sujeitos podem
ser “desenvolvimentistas”, “naturalistas”, “ambientalistas” ou “eco-guerreiros”. Em termos sociais e
políticos mais amplos, „projetos hegemônicos‟ tentarão entrelaçar diferentes fios de discurso num
esforço de dominar ou estruturar um campo de significado, assim fixando, de um modo particular,
identidades de objetos e práticas.
Para explicar essa teoria do discurso, especialmente a ideia de uma estrutura discursiva, nós
precisamos começar com o conceito de prática articulatória. Laclau e Mouffe (1985: 113)
caracterizam a prática de articulação como „a construção de pontos nodais que parcialmente fixam
sentido‟. Essa fixação de sentido é sempre parcial devido ao que eles chamam de “a abertura do
social”, que por sua vez é uma consequência do “constante transbordamento de todo discurso pela
infinitude do campo da discursividade” (Laclau e Mouffe 1985: 113). Para desvendar essas densas
formulações, nós precisamos, em primeiro lugar, considerar o que eles significam por discurso.
Apoiando-se nos escritos arqueológicos de Foucault, eles argumentam que formações discursivas
consistem em elementos relacionados que podem “em certos contextos de exterioridade... serem
significados como uma totalidade” (Laclau e Mouffe 1985: 106). Eles, portanto, criam uma
analogia entre sistemas linguísticos e sociais, pois em ambos os sistemas todas as identidades são
relacionais e todas as relações tem um caráter necessário (vê Benveniste 1971; Saussure 1974).
Contudo, Laclau e Mouffe divergem do modelo linguístico em dois aspectos importantes.
Primeiro, sistemas de relações sociais não são puramente fenômenos linguísticos, assim como “uma
estrutura discursiva é uma prática articulatória que constitui e organiza relações sociais”, e não
“uma entidade meramente “cognitiva” ou “contemplativa” ( Laclau e Mouffe 1985: 96). Por
exemplo, as ideias, políticas e ações do Thatcherismo podem ser vistas como discurso. Ele não só
se constituiu como um conjunto de ideias („liberdade‟, „monetarismo‟, „lei e ordem‟), como também
inculcou um certo conjunto de práticas („liderança forte‟, „empreendedorismo‟), e envolveu
tentativas de transformar instituições e organizações, como o Partido Conservador Britânico e o
Estado Britânico. Segundo, e mais importante, Laclau e Mouffe desafiam o “fechamento” do
modelo linguístico, que reduz todos os elementos a momentos internos de um sistema. Isto implica
que toda ação social simplesmente repete um sistema de significados e práticas já existente; neste
caso não há possibilidade de construir novos „pontos nodais‟ que „parcialmente fixam sentido‟, o
que é a característica principal de uma prática articulatória.

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Em vez disso, valendo-se de concepções pós-estruturalistas de linguagem, Laclau e Mouffe
diferenciam entre „elementos contingentes‟ em um campo discursivo e „momentos necessários‟
articulados em um discurso particular. Enquanto discursos particulares são fixações parciais de
significado social, campos discursivos são caracterizados por um „excesso de significado‟ que
nunca pode ser totalmente esgotado por qualquer discurso específico. Isso é dizer que, embora
discursos se esforçam para impor ordem e necessidade em um campo de significação, a
contingência última de significação impede essa possibilidade de se efetivar. Além disso, como
discursos são entidades relacionais cujas identidades dependem de suas diferenciações em relação a
outros discursos, eles mesmos são dependentes e vulneráveis àqueles significados que são
necessariamente excluídos em qualquer articulação discursiva. Isso é o que Laclau e Mouffe
chamam de „exterior discursivo‟ e significa que os momentos necessários de um discurso são
também penetrados pela contingência.
Ampliando essa lógica, Laclau e Mouffe afirmam que a própria sociedade nunca pode ser
„fechada‟, já que é precisamente um „objeto impossível‟ de análise. Ao contrário, qualquer
sociedade é „transbordada‟ por um excesso de significado, que constitui „o social‟. Retornando ao
meu exemplo anterior do Thatcherismo, o argumento deles não se aproxima da afirmação
vergonhosa da Senhora Thatcher de que „não existe sociedade‟. Antes, eles apontam para o fato de
que, não importa o quão bem sucedido o discurso de um projeto político particular possa ser em
dominar um campo discursivo, ele nunca pode, por principio, articular completamente todos os
elementos, pois sempre haverá forças contra o qual ele se define. De fato, como podemos ver, um
discurso sempre requer um „exterior discursivo‟ para constituí-lo.
Um aspecto final da concepção de discurso de Laclau e Mouffe é a desconstrução que eles
fazem da distinção entre práticas discursivas e não-discursivas. Criticando a retenção ambígua de
Foucault desta dicotomia, Laclau e Mouffe (1985: 107) argumentam que todos os objetos são
constituídos como objetos de discurso, e que não há diferença ontológica entre „os aspectos
linguísticos e comportamentais de uma prática social‟. Por exemplo, tal como teóricos dos atos de
linguagem (speech-act) como Austin (1975) argumentaram, dizer algo como „eu aceito‟ em uma
cerimônia de casamento é uma ação tanto quanto trocar as alianças de casamento. Ambas as ações
só podem ser entendidas como parte de uma prática de mais amplo sentido de „estar casando‟.
Laclau e Mouffe adicionam duas importantes observações a este respeito. Primeiro, eles não
contestam o fato de que objetos possuem uma „existência real‟ fora do discurso. O que eles negam é
que os objetos tenham um significado „extra-discursivo‟, e é o significado que possui um papel
central na abordagem deles. Segundo, eles afirmam o caráter material, mais do que mental, do

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discurso. Eles, portanto, borram a nítida separação entre um mundo objetivo, de um lado, e a
linguagem ou o pensamento, de outro, na qual o último é simplesmente uma representação ou
expressão do primeiro. Discursos não são confinados a uma esfera „interior‟ de fenômenos mentais,
mas são aqueles enquadramentos de sentido publicamente disponíveis e essencialmente incompletos
que permitem que a vida social seja conduzida.

A primazia da política
A „open texturedness / texturização aberta‟ de qualquer discurso e a consequente contingência
de toda identidade social deixam Laclau e Mouffe com um potencial paradoxo. Se toda identidade é
relacional e diferencial, e nenhum discurso pode a princípio ser fechado, como é possível qualquer
identidade ou sociedade? Sua teoria do discurso nos condena a um jogo totalmente livre de
significação? Laclau e Mouffe enfrentam esse paradoxo afirmando a primazia da política na sua
ontologia do social. Sistemas de relações sociais, os quais são entendidos como conjuntos
articulados de discursos, são sempre construções políticas que envolvem a construção de
antagonismos e o exercício de poder. Ademais, pelo fato de sistemas sociais possuirem um caráter
político fundamental, eles se tornam vulneráveis àquelas forças que estão excluídas no processo de
constituição política. É ao redor deste conjunto de processos que Laclau e Mouffe procuram erguer
uma teoria política do discurso. Ao fazê-lo, eles introduzem três conceitos centrais – antagonismo
social, subjetividade política e hegemonia – cada um dos quais precisa ser examinado mais
detalhadamente.

Antagonismos
Laclau e Mouffe se opõem às concepções tradicionais de conflito social nas quais
antagonismos são entendidos como conflito entre agentes sociais com identidades e interesses
totalmente constituídos. Nessas abordagens, a tarefa do analista político é descrever as causas, as
condições e a resolução do conflito (ver Gurr 1970; Duverger 1972; Marx 1977c). O clássico estudo
de Eric Wolf (1971) da rebelião camponesa é uma boa ilustração dessa perspectiva. Em sua análise
comparativa de seis „guerras camponesas‟, ele argumenta que a penetração das relações capitalistas
em comunidades camponesas „tradicionais‟ forneceu as condições necessárias de deslocamento para
tais eventos. Ele, então, argumenta que foram as alianças entre dois grupos de atores sociais –
„intelectuais “sem raízes”‟ alienados, de um lado, e „camponeses médios e camponeses pobres, mas
“livres” de outro – que gerou os próprios levantes camponeses.

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Em contraposição, Laclau e Mouffe argumentam que os antagonismos sociais ocorrem porque
agentes sociais são incapazes de constituírem (attain) suas identidades (e, por conseguinte seus
interesses), e porque eles constroem um „inimigo‟ que é considerado responsável por essa „falha‟.
Por isso, uma reinterpretação de Wolf a partir de Laclau e Mouffe (1985:125) sugeriria que os
camponeses, expulsos de suas terras pelos fazendeiros capitalistas e forçados a virarem
trabalhadores nas cidades, são literalmente impedidos de „serem camponeses‟ e, deste modo
experimentam um bloqueio de identidade. Esse „bloqueio‟ ou „falha‟ de identidade é, além disso,
uma experiência mútua, tanto para a força antagozinante, quanto para a força que está sendo
antagonizada. Portanto, a tarefa do analista do discurso é descrever os modos pelos quais as
identidades dos agentes são bloqueadas, e traçar os diferentes significados pelos quais esses
obstáculos são construídos em termos antagônicos pelos agentes sociais. No caso dos camponeses
expulsos de suas terras, uma investigação deste tipo examinaria as diferentes maneiras através das
quais camponeses construíram os proprietários de terra ou o Estado como o „inimigo‟, assim como
os diferentes recursos simbólicos que eles utilizaram para se opor a tais inimigos.
Entendido deste modo, a construção e experiência dos antagonismos sociais é central para a
teoria do discurso de Laclau e Mouffe. A própria existência de antagonismos confirma a visão deles
de que não há leis necessárias da história, nem agentes políticos universais motivados por interesses
e identidades pré-constituídos. Ao invés disso, antagonismos introduziriam experiências sociais –
como „falha‟, „negatividade‟ ou „falta‟ – que não podem ser explicados por nenhuma lógica positiva
ou essencialista de sociedade. Eles também revelam a contingência e precariedade de toda
identidade e objetividade social, uma vez que qualquer identidade é sempre ameaçada por algo que
lhe é externo. O papel dos antagonismos é, assim, constitutivo da objetividade social, pois
formações sociais dependem da construção de relações antagônicas entre agentes sociais de „dentro‟
e de „fora‟ de uma formação social (Laclau 1990:17-18). A partir dessa ótica, antagonismos revelam
os limites ou fronteiras políticas de uma formação social, porque eles mostram os pontos onde a
identidade não pode mais ser estabilizada em um sistema de diferenças significativo, sendo
contestada por forças que se situam no limite daquela ordem.
Considere a emergência do Movimento de Consciência Negra na África do Sul durante o final
dos anos 1960 e inicio dos anos 1970 (Howarth 1997). Nos seus estágios de formação, seus líderes
construíram uma série de relações antagônicas com diferentes grupos dentro da sociedade sul-
africana. Isto incluía liberais brancos, o Partido Nacional e seu projeto de apartheid, assim como
outras organizações anti-apartheid - o exilado Congresso Nacional Africano e seus aliados como o
Congresso Natal Indiano e o Movimento Inkatha liderado por Mangosuthu Buthelezi. O discurso

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deles enfatizava que o principal bloqueio para a sua identidade era o „racismo branco‟, o qual
sistematicamente negava e impedia a construção e a afirmação de uma identidade negra. O projeto
político deles esforçou-se por juntar todos aqueles que eram opositores ao apartheid e que se
identificavam como „negros‟, mais do que como „não-brancos‟ ou „não-raciais‟, através da
instituição de uma fronteira política dividindo a sociedade sul-africana em dois campos antagônicos
organizados em torno da divisão negro/ „anti-negro‟ (ver Biko 1978).
A fim de explicar teoricamente a construção de relações antagônicas, Laclau e Mouffe
esforçam-se para mostrar como um discurso é ameaçado por um antagonismo. Eles precisam, então,
encontrar um lugar para uma identidade puramente negativa que não pode ser representada
positivamente em uma dada formação discursiva, pois, se ela pudesse ser representada, seria
simplesmente outro momento dentro de um discurso existente. Além disso, como essa identidade
externa deve ser uma ameaça discursiva, ela precisa ser partilhada negativamente por aqueles
interpelados pelo discurso. Para dar conta dessa operação política, Laclau e Mouffe introduzem a
lógica de equivalência, que consiste na dissolução das identidades articulares de sujeitos dentro de
um discurso pela criação de uma identidade puramente negativa que é vista como uma ameaça a
eles. Em outras palavras, na lógica de equivalência, se os termos a, b e c, são tornados equivalentes
(a = b = c) em relação à característica d, então d deve negar totalmente a, b e c (d = - (a, b, c)),
assim subvertendo os termos originais do sistema. Isso significa que a identidade daqueles
interpelados por um discurso seria sempre dividida entre um grupo particular de diferenças
conferidas por um sistema discursivo existente (a, b, c) e a ameaça mais universal colocada pelo
exterior discursivo (d). Por exemplo, no discurso do Movimento de Consciência Negra, diferentes
setores dos oprimidos pelo sistema de apartheid na África do Sul foram tornados equivalentes uns
dos outros pela referencia a um racismo branco comum que era visto como algo que negava e
bloqueava a afirmação da identidade negra. Foi somente esta negação compartilhada que permitiu
ao movimento construir uma unidade discursiva entre diferentes grupos étnicos, raciais e sociais
que tinham emergido e se criado sob o sistema de apartheid.
Nesse sentido, Laclau e Mouffe (1985: 127-34) introduzem a lógica da diferença para
explicar a expansão de uma ordem discursiva através da quebra de cadeias de equivalência
existentes e da incorporação dos elementos „desarticulados‟ naquela formação expandida.
Enquanto um projeto que emprega principalmente a lógica da equivalência procura dividir o espaço
social condensando significados em torno de dois pólos antagônicos, um projeto que emprega
principalmente a lógica da diferença tenta deslocar e enfraquecer antagonismos, esforçando-se ao
mesmo tempo por relegar a divisão para as margens da sociedade (ver, por exemplo, Torfing,

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1998). O discurso do „Grande Apartheid‟ ou „desenvolvimento separado‟ na África do Sul pode ser
visto como um exemplo extremo da lógica da diferença (Norval 1996). No seu apogeu, o projeto de
apartheid criou e impôs um sistema diferencial de particularidades étnicas e raciais na população
negra da África do Sul. Nesse exemplo extremo da lógica da diferença, os arquitetos do sistema de
apartheid tentaram criar um sistema de posições de sujeito diferenciais, junto com um conjunto
correspondente de unidades territoriais e instituições políticas, em um esforço de deslocar demandas
por uma África do Sul democrática e não-racial. Usando uma mistura de força e persuasão, eles
tentaram quebrar as cadeias de equivalência que movimentos de libertação nacional como o
Congresso Nacional Africano e o Congresso Pan-Africanista construíram entre diferentes grupos
étnicos e classes sociais opostas ao apartheid, e procuraram empurrar esses movimentos e seus
discursos para as margens da sociedade.

Subjetividade e agência

Laclau e Mouffe colocam grande importância nos conceitos de subjetividade e de agência no


desenvolvimento de sua concepção de discurso. Eles enfatizam o modo pelo qual os atores sociais
adquirem e vivenciam suas identidades, e enfatizam o papel da agência em desafiar e transformar
estruturas sociais. A fim de contextualizar sua abordagem, deixe-nos começar por considerar a sua
crítica à concepção de sujeito de Althusser. Como eu apontei no capítulo anterior, Althusser se opõe
àquelas perspectivas que vêem o sujeito como criador de sua própria consciência, ou como dotado
com propriedades essenciais, como interesses econômicos. Ao invés disso, ele insiste que os
indivíduos são „interpelados‟ ou „recrutados‟ como sujeitos por práticas ideológicas. Laclau e
Mouffe criticam a concepção de Althusser em dois aspectos. Primeiro, eles contestam a visão de
que as práticas ideológicas são uma região „relativamente autônoma‟ de uma formação social,
separada das práticas políticas e econômicas, argumentando que todas as práticas sociais são
discursivas. Segundo, eles se opõem à visão de Althusser de que sujeitos são constituídos por
práticas ideológicas, que são por sua vez determinadas por estruturas sociais subjacentes
observando o modo com isto reduz a autonomia dos agentes sociais a meros efeitos de estruturas
sociais pré-existentes. Em resumo, embora eles endossem a afirmação de Althusser de que as
identidades dos sujeitos são construídas discursivamente por práticas ideológicas, eles não aceitam
suas implicações deterministas e reducionistas.
Em contraste, Laclau (1990:60-1; Laclau e Zac 1984) faz uma distinção entre posições de
sujeito e subjetividade política. Colocando-se em oposição a um sujeito homogêneo com uma

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identidade essencial e um conjunto dado de interesses, a primeira categoria refere-se aos
“posicionamentos” de sujeitos dentro de uma estrutura discursiva. Como existe uma pluralidade de
posições com as quais os seres humanos podem se identificar, um ator individual pode ter diferentes
posições de sujeito (Laclau e Mouffe 1985:115). Um determinado ator social pode se ver como
„negra‟, „classe trabalhadora‟, „cristã‟ ou „mulher‟, ou uma combinação específica dessas
identidades, dependendo da disponibilidade dessas posições de sujeito, um ponto em torno do qual
essas diferentes posições de sujeito podem ser articuladas e da existência de práticas que as
sutentem.
Se o conceito de posição de sujeito explica as múltiplas formas pelas quais indivíduos são
„produzidos‟ como atores sociais, o conceito de subjetividade política capta a maneira como atores
sociais agem. A fim de superar a preferência dada por Althusser à estrutura em detrimento do
agente , sem recorrer, por exemplo, à concepção dualista da teoria da estruturação de Giddens
(1984), Laclau argumenta que as ações dos sujeitos emergem por causa da contingencia dos
discursos que conferem identidades a eles. Isso nos remete a categoria deslocamento, que refere ao
processo pelo qual a contingência das estruturas discursivas passa a ser vista (Laclau 1990:39-41).
Esse „descentramento‟ da estrutura através de processos sociais – como a extensão das relações
capitalistas para novas esferas da vida social – destrói identidades e interesses já existentes, e
literalmente induz a uma crise de identidade no sujeito. É essa „falha‟ da estrutura em conferir
identidade aos atores sociais que „compele‟ o sujeito a agir. Neste sentido, o sujeito não é
simplesmente determinado pela estrutura; nem, tampouco, constitui a estrutura. O sujeito é forçado
a tomar decisões – ou a se identificar com certos projetos políticos e os discursos que eles articulam
– quando identidades sociais estão em crise e estruturas precisam ser recriadas. É neste processo de
identificação que subjetividades políticas são criadas e formadas. Uma vez formadas e
estabilizadas, eles se tornam aquelas posições de sujeitos que transforma indivíduos em atores
sociais com certas características e atributos.

Hegemonia

Práticas hegemônicas são importantes para a teoria política do discurso de Laclau e Mouffe,
porque são uma forma exemplar de prática política, que envolve a interligação entre diferentes
identidades e forças políticas em um projeto comum, e a criação de novas ordens sociais a partir de
uma variedade de elementos dispersos. Esta concepção emerge de uma crítica detalhada ao conceito
de hegemonia de Gramsci. Em contraste com a abordagem leninista, o conceito de Gramsci de

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hegemonia não só envolve a classe trabalhadora assegurando uma aliança de classe temporária entre
diferentes forças e interesses de classe, mas a transcendência de seus interesses corporativos
restritos e a articulação de forças sociais distintas em um novo bloco histórico. Neste sentido,
Gramsci (1971:181 – 2) considera que a classe trabalhadora transforma seus próprios interesses
particulares naqueles „do povo‟ ou da „nação‟ como um todo, assim se tornando uma „vontade
coletiva‟ que representa valores e interesses universais.
Apoiando-se nestas percepções, a concepção de hegemonia de Laclau e Mouffe foi
desenvolvida em três estágios. Nos seus primeiros escritos, práticas hegemônicas são conduzidas
por „classes sociais fundamentais‟, que buscam transformar o Estado e o modo de produção de
acordo com seus interesses e valores (Laclau 1977; Mouffe 1979). Aqui eles contestam a ortodoxia
marxista em relação à afirmação de que todos os elementos e interpelações ideológicas e,
especialmente apelos ao „ povo‟ ou à „ nação‟, tenham um „pertencimento necessário de classe‟. Ao
invés disso, estes elementos são contingentes e podem ser articulados por projetos hegemônicos em
disputa, que se esforçam por dotá-lo de significados e conotações de classe particulares.
No segundo modelo, Laclau e Mouffe (1985) argumentam que as identidades de todos os
elementos „ideológicos‟ e agentes sociais são contingentes e negociáveis. De fato, é somente por
causa da contingência e da abertura de todas as relações sociais que as práticas articulatórias e a
agência política se tornam. Isto está evidente na distinção entre um campo discursivo de identidades
sobredeterminadas, de um lado, e esforços de diferentes projetos políticos para construir discursos
limitados e restritos/definidos, de outro. Laclau e Mouffe (1985:136) apontam paraduas outras
condições para que as práticas discursivas tenham lugar. Elas são a existência de forças
antagônicas, e a instabilidade dasfronteiras políticas que as dividem. Práticas hegemônicas, então,
pressupõem um campo social atravessado por antagonismos, e a presença de elementos
contingentes que podem ser articulados por projetos políticos opostos que tentam hegemonizá-los.
Neste modelo, portanto, a maior ambição de projetos hegemônicos é construir e estabilizar
sistemas de significados ou „formações hegemônicas‟ (Laclau e Mouffe 1985: 142). Em um nível
social, essas formações são organizadas em torno da articulação de pontos nodais, que sustentam e
organizam ordens sociais. Estas condensações privilegiadas de significado conferem significados
parcialmente fixos em um grupo particular de significantes. Por exemplo, a análise do Thatcherismo
de Stuart Hall (1983, 1988) e Andrew Gamble (1990) demonstra o modo como o Partido
Conservador Britânico transformou a si mesmo de um partido adepto do consenso em torno de
„Uma Nação Torysta‟ e um apoiador qualificado do estado de bem-estar social em um defensor da
economia de livre mercado e um reformista radical do consenso do pós-guerra. Eles mostram como

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esse novo projeto hegemônico foi capaz de elaborar e instituir um novo grupo de pontos nodais
organizados em torno de significantes como „economia livre‟, e „estado forte‟, que, decisivamente,
foi capaz de reorganizar o estado e a sociedade britânicos, e instituir uma nova configuração
discursiva.
Um terceiro modelo de hegemonia emerge nos escritos mais recentes de Laclau (Laclau 1990:
27-31; 1996a; Butler et al. 2000). Laclau agora estende a contingência dos elementos tanto para os
sujeitos dos projetos hegemônicos quanto para as estruturas sociais, e as últimas são vistas como
entidades „indecidíveis‟, que sempre pressupõe um exterior constitutivo que tanto constitui como
ameaça sua existência. Por exemplo, o sistema de apartheid pode ser descrito como uma estrutura
„indecidível‟, não só porque ele articulava lógicas diferentes e competitivas, mas também porque
sua identidade dependia de uma série de „exteriores constitutivos‟, que tanto formavam como
deformavam suas diferentes manifestações (Norval 1996: 9-10, 105-9, 124, 139). Laclau (1990: 39-
59, 1996a: 43) também enfatiza o conceito de deslocamento para explicar a ruptura de ordens
simbólicas. Deslocamentos dão eventos que não podem ser simbolizados por uma ordem discursiva
existente e, assim, contribuem para romper aquela ordem. Laclau utiliza o conceito para introduzir
um dinamismo „extra-discursivo‟ na sua concepção de sociedade. Ele conclui que as sociedades
modernas tardias estão passando por um „tempo acelerado‟ de experiências deslocatórias. Essa
condição deslocatória crescente é explicada através da referência a processos como mercantilização,
burocratização e globalização, que podem ser vistos como manifestações contemporâneas do que a
tradição marxista chamou de „desenvolvimento desigual e combinado‟ (Laclau 1989: 72-8).
Uma importante contrapartida para o ritmo acelerado de deslocamentos é um papel maior para
as subjetividades políticas, que emergem nos espaços abertos pela fratura de estruturas e tomam
decisões que reconstituem ordens deslocadas. A este respeito, Laclau (1990: 60-4) introduz os
conceitos de mito e imaginário social para dar conta dessas novas formas de identificação. Por um
lado , mitos são novos „espaços de representação‟, que tentam „encobrir‟ deslocamentos. Por outro
lado, se mitos „encobrem‟ com sucesso deslocamentos sociais e incorporam uma gama mais ampla
de demandas sociais, eles se transformam em imaginários. Laclau (1990: 64), portanto, define um
imaginário social coletivo como „um horizonte ou „limite absoluto que estrutura um campo de
inteligibilidade‟, e ele dá exemplos como o Milênio cristão, o Iluminismo, e a concepção positivista
de progresso como exemplos destes fenômenos sociais.

Questões Filosóficas

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Como a abordagem discursiva de Laclau e Mouffe na análise política e social desafia as
fundações epistemológicas e metodológicas da ciência social predominante (mainstream), não é
surpreendente que questões filosóficas tenham estado no centro do debate sobre o trabalho deles.
Realistas críticos e positivistas tem argumentado que a abordagem de Laclau e Mouffe é idealista,
„textualista‟ e relativista (Jessop 1982; Geras 1987, 1988, 1990; Woodiwiss 1990; Doyal and Gough
1991). Por exemplo, Anthony Woodiwiss (1990: 108) tenta criar uma separação entre a negação
feita por Laclau e Mouffe quanto a existência de uma esfera extra-discursiva de objetos e a
afirmação deles de que todos os objetos são construtos discursivos contingentes. Argumentando que
esses dois pressupostos correspondem à divisão realista/idealista, respectivamente, ele afirma que a
abordagem deles „deve ser idealista‟. Contudo, Laclau e Mouffe não negam a existência de uma
realidade externa ao pensamento. O que eles contestam na verdade é a possibilidade de que esses
objetos reais tenham um significado independentemente dos discursos nos quais eles são
constituídos como objetos. Como Laclau e Mouffe (1985: 108) colocam:
O fato de que todo objeto é constituído como um objeto de discurso não tem
nenhuma relação com a idéia de que existe um mundo externo ao pensamento ou
com a oposição realismo/idealismo. Um terremoto ou queda de um tijolo é um
evento que certamente existe, no sentido de que ele ocorre aqui e agora,
independentemente da minha vontade. Mas se a especificidade deles será
construída em termos de „fenômenos naturais‟ ou „expressões da ira/vontade de
Deus‟, isso dependerá da estruturação de um campo discursivo. O que é negado
não é que tais objetos existem externamente ao pensamento, mas sim a afirmação
bem diferente de que eles se constituem como objetos externos à qualquer condição
discursiva de emergência.

Em resumo, embora Woodwis corretamente caracterize a iniciativa de Laclau e Mouffe como


desenvolvedora de uma ontologia social – mais do que uma nova metodologia ou epistemologia
das ciências sociais –, ele entende somente idealismo e realismo como opções ontológicas
possíveis. Ele, portanto, falha em considerar seriamente a o “materialismo radical‟ proposto por
Laclau e Mouffe como um construtivismo social alternativo ao idealismo e ao relativismo.
Neste nível de abstração, deve ser salientado, além disso, que a abordagem discursiva de
Laclau e Mouffe não está preocupada com a natureza de tipos específicos de objeto, prática,
instituições, ou mesmo discursos concretos. Nos termos de Heidegger, eles não estão conduzindo
uma análise ontica de tipos particulares de entidades, mas estão preocupados com os necessários
pressupostos de qualquer investigação sobre a natureza de objetos e relações sociais (Mulhall 1996:
4). Resumindo, eles estão preocupados com questões ontológicas e procuram, neste nível de
investigação, criticar outras ontologias e desenvolver sua própria alternativa. O objetivo deles é,

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assim, afirmar a existência de significado de todos os tipos de objetos e práticas; para mostrar que
todo significado social é contingente, contextual e relacional; e argumentar que qualquer sistema de
significado depende de um exterior constitutivo que parcialmente o constitui. Como Laclau (1990)
coloca: „o caráter primeiro e constitutivo do discursivo é... a condição de qualquer prática‟. Por
exemplo, a reivindicação central deles de que „a sociedade é um objeto impossível de análise‟
procura excluir concepções essencialistas, objetivistas, e topográficas das relações sociais (quer
postas a frente por positivistas, materialistas ou realistas), e ao mesmo tempo desenvolver uma
concepção relacional de sociedade, em que conceitos como antagonismo e deslocamento são
centrais.
Numerosos críticos acusaram a teoria do discurso de relativismo. Norman Geras (1990: 90)
argumenta que a teoria do discurso carece de „fundamento‟ e assim „desliza para uma
escuridão/melancolia obscura e relativista, no qual discursos e paradigmas opostos são deixados
sem nenhum ponto referencial comum, como sopros, golpes de negociação inúteis. Ele mantém que
„uma realidade pré-discursiva e uma objetividade extra-teórica formam a base insubstituível de toda
investigação racional, assim como a condição da comunicação significativa através e entre pontos
de vista divergentes. Assim, a teoria de Laclau e Mouffe desafia „os fatos mais elementares da
existência‟, e ele questiona retoricamente se não existem „realidades da natureza, externas ou
humanas, que não s meramente “dadas fora” de todo discurso... mas são as condições materiais de
todos eles‟.
Este criticismo deve ser desagregado porque contém um conjunto de problemas relacionados.
Para começar, dois aspectos importantes devem ser separados. Por um lado, a teoria do discurso
analisa a emergência, construção e lógica de discurso ou „ideologias‟ reais, e neste nível de análise é
certamente fora de contestação que discursos parcialmente constituem os „mundos sociais‟ dos
atores sociais que habitam a sociedade, e que os proponentes destes discursos procuram recrutar e
assegurar a adesão de atores sociais para os seus sistemas de prática diferenciais (ver MacIntyre
1978: 6). A menos que alguém aceite que se aceite a visão de que discursos podem ser somente
avaliados em bases epistemológicas – como é o caso com a teoria Marxista clássica de ideologia –,
então a existência de fato de uma pluralidade de discursos traz a necessidade de algum fundamento
último redundante. Nós somos simplesmente confrontados com uma variedade de discursos que
precisam de esclarecimento, explicação e avaliação.
Por outro lado, teóricos do discurso estão preocupados em produzir considerações sobre
discursos reais. Claramente, as afirmações verdadeiras nessas considerações tem que ser avaliadas e
a partir desta ótica que o problema da verdade e da falsidade é pertinente. Se o significado dos

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objetos e dos fatos sobre eles, depende um conjunto específico de suposições de fundo sobre a
natureza do mundo social – o postulado da teoria do discurso – como é possível fazer julgamentos
dentro e entre enquadramentos divergentes? Para colocar em termos mais simples:, são todos os
julgamentos referentes a enquadramentos diferente, e são todos os enquadramentos, assim,
igualmente válidos? (ver Rorty 1992b: 166-7). Por baixo da linha de questionamento de Geras estão
postulados epistemológicos clássicos sobre o relacionamento entre nossa linguagem e o mundo,
especialmente a suposição de que o conhecimento se apoia sobre algum tipo de correspondência
entre declarações e fatos. Isto também assume que todos os discursos são hermeticamente
autenticados/certificados/validados, e assim necessariamente incomensuráveis.
Laclau e Mouffe questionam essas pressuposições. Primeiro, eles não acabam com a verdade
e falsidade dentro de paradigmas. Na verdade, condizente com as filosofias do último Wittgenstein
(1953), de Heidegger (1962), e de Stanley Cavell (1969), eles argumentam que nós temos que
compartilhar alguns critérios sobre o significado dos objetos e práticas antes de podermos fazer
reivindicações de conhecimento sobre isso. Não compartilhar tais critérios seria enfraquecer nossa
capacidade de nos referirmos a objetos e práticas diferentes em nossos mundos sociais. Além disso,
como Foucault (1981) insiste, isso não significa que não podemos julgar se algumas crenças são
verdadeiras ou falsas em relação a uma dada „ordem do discurso‟. Isto simplesmente significa que
esses julgamentos dependem de padrões acordados sobre uma forma particular de vida ou
paradigma em que nos achamos.
Vamos nos voltar para os julgamentos entre formas diferentes e talvez competitivas de vida.
Primeiro, é importante salientar que Laclau e Mouffe não negam a possibilidade de compreender
outras formas de vida, ou discursos opostos dentro da mesma forma de vida. Contudo, para entender
e avaliar outras formas discursivas, nós precisamos entender a lógica e os critérios de referência
subjacentes a eles. Como formas discursivas são entidades intrinsecamente relacionais, que sempre
se referem a outros discursos e ordens discursivas, isto é, por princípio, possível e viável. Em outras
palavras, é precisamente porque discursos nunca podem ser hermeticamente isolados uns dos outros
– as identidades deles são baseadas em relacionamentos com outros discursos – que existe sempre a
possibilidade de troca e comunicação entre eles.
Ainda assim, Laclau e Mouffe de fato afirmam que, se vamos avaliar formas discursivas
diferentes, é impossível exigir um ponto de vista completamente objetivo. Isso porque qualquer
julgamento ou avaliação pressupõem que alguém está localizado dentro de um sistema particular de
significados e valores. Deve ser salientado que isso não exclui a possibilidade de que algumas
considerações possam ser melhores do que outras, ou de que alguém possa e deva revisar sua

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posição à luz de outras perspectivas. Ao contrário, a abordagem de Laclau e Mouffe pretende
oferecer considerações superiores dos fenômenos sociais e políticos, atacando as suposições
teóricas e inconsistências de perspectivas divergentes, e apresentando argumento e evidências, que
seriam mais persuasivas que outras considerações e interpretações. Para concluir, entretanto, deve
ser notado que este argumento não nega a consequência paradoxal de que bases comuns entre
paradigmas podem não ser construídos. Deste ponto de vista, „incomensurabilidade‟ entre ordens
discursivas diferentes é uma possibilidade inerente que somente pode ser „resolvida‟ através de atos
de persuasão ou conversão (ver Kuhn 1970: 144-59).

Questões substantivas

Junto com numerosos desafios filosóficos à abordagem de Laclau e Mouffe, também houve
criticas substantivas importantes. Existem pelo menos seis questões que são algumas vezes
mutuamente contraditórias, que precisam ser consideradas neste sentido: que a concepção de
sociedade de Laclau e Mouffe reduz a realidade social à linguagem e „ao texto‟; que esse
reducionismo textual leva a uma completa fragmentação ou „descentramento‟ das estruturas sociais;
que a teoria do discurso é consequentemente incapaz de analisar instituições sociais e políticas; que
a abordagem leva a um completo voluntarismo ou subjetivismo; que as ênfases pós-estruturalistas
desta abordagem resultam na redução total do sujeito/agente a estruturas discursivas; e que a crítica
do conceito de ideologia por Laclau e Mouffe enfraquece o avanço crítico da teoria do discurso.
Estas críticas podem ser abordadas em três grupos: as três primeiras se dirigemà concepção de
sociedade de Laclau e Mouffe; outras duas objeções centram na concepção deles de subjetividade e
agencia; e a última objeção levanta problemas de normatividade e crítica. Vamos considerar cada
grupo de uma vez.

A concepção de sociedade de Laclau e Mouffe

As três primeiras objeções se sobrepõem, na medida em que dizem respeito à ligação entre
práticas discursivas e não-discursivas, e perpassam à concepção de sociedade de Laclau e Mouffe.
O criticismo de que a sociedade é „puramente discursiva‟ (Cloud 1994: 227) já foi tratado na seção
anterior, onde eu mostrei que a categoria de discurso não envolve distinção ontológica entre
elementos „linguísticos‟ e „não-linguísticos‟ da vida social, nem implica em uma distinção
acentuada entre „ideias‟ e as condições „materiais‟ delas. Em relação à sua concepção de sociedade,

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é importante ressaltar, para começar, que a abordagem de Laclau e Mouffe depende do tropo da
catacrese. Isto é, eles „criativamente empregam erroneamente‟ o conceito de discurso para que ele
possa envolver todas as dimensões da realidade social e não apenas as práticas usuais de fala,
escrita e comunicação. Esse deslocamento é, claro, característico de algumas abordagens diferentes
para análise social e política. É somente preciso pensar no modo como os teóricos de escolha
racional moldam o comportamento social e político conforme o comportamento das empresas e das
famílias nos mercados privados, ou no modo como os modelos de comunicação tem sido usados
para desenvolver abordagens sistêmicas para a sociedade e a política.
No entanto, a questão-chave que devemos discutir é o quão longe nós podemos estender a
analogia resultante de Laclau e Mouffe entre linguagem e sociedade. Novamente, neste ponto este
respeito, é útil endereçarmos esta questão aos níveis ontológicos e ônticos. Deve-se recordar,
pegando emprestado de Heidegger, que a dimensão ontológica se refere às assertivas implícitas que
são pressupostas por qualquer investigação sobre tipos específicos de fenômenos, e o nível ôntico se
refere aos próprios tipos específicos de fenômenos. No nível ontológico, a teoria discursiva da
sociedade e da política de Laclau e Mouffe é construída sobre as lógicas da contingência e da
necessidade, e é a constante interação entre estas lógicas que torna a sociedade tanto possível
quanto impossível. A analogia de Laclau e Mouffe entre relações sociais e linguagem neste nível
oferece algumas destacadas vantagens. Para começar, o modelo estruturalista de linguagem permite
que eles desenvolvam uma concepção relacional de sociedade, que evita o determinismo e
reducionismo das abordagens marxistas e positivistas. Além disso, a crítica de Derrida e Lacan ao
modelo estruturalista lhes permite mostrarem como a „complexa dialética‟ entre as lógicas de
contingência e necessidade podem atuar na estruturação de relações sociais através de or práticas
hegemônicas. Finalmente, a equivalência que eles fazem entre sociedade e linguagem lhes permite
recorrerem a uma gama completa de figuras e tropos literários para explicar diversos fenômenos e
eventos sociais (Laclau 1998). Por exemplo, eles são capazes de repensar os conceitos de
antagonismo social e de „estruturação do espaço social através da utilização da lógica de
equivalência e diferença, que são ordenadas a partir da diferença entre relações paradigmáticas e
sintagmáticas na teoria linguística.
No nível ôntico, diferentemente, a investigação deles foca na caracterização de formas
diferentes de discurso ou de tipos de formações sociais, assim como na explicação de sua
emergência, seu funcionamento e suas mudanças. Meu argumento é que as críticas existentes à
concepção de sociedade de Laclau e Mouffe falham em fazer essa distinção vital, e
consequentemente estão aquém do alcançado por estes autores? (cf. Howard 1987; Clegg 1989:

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178-86; Best e kellner 1991: 200-4; Aronowitz 992: 175-92). Mesmo assim, existem três aspectos
da concepção de Laclau e Mouffe que precisam de mais atenção. Primeiro, eles tendem a enfatizar
demais a dimensão ontológica em detrimento da ôntica, o que significa que seus conceitos e lógicas
correm o risco de parecerem pouco superficiais? e formalísticas, e precisam ser suplementadas por
um conjunto de lógicas e conceitos mais densos. Segundo, existem certos deslizes entre os dois
níveis de análise nos escritos deles. Por exemplo, não fica claro, na discussão apresentada por eles,
se as práticas hegemônicas são aplicáveis a todas as sociedades, ou se elas se restringem somente às
condições da modernidade (ver Laclau e Mouffe 1985: 138). Finalmente, existe um grau de
imprecisão conceitual a respeito das relações entre certas categorias na ontologia deles, que ainda
precisam algum refinamento. Vamos refletir mais sobre essas afirmações a seguir.
1. Pra começar, os constituintes básicos da ontologia social de Laclau e Mouffe no nível ontico
continuam muito indeterminados. Apesar de eles distinguirem entre „momentos‟ e „elementos‟ de
um discurso no nível ontológico, eles não especificam ou dão exemplos destas categorias. Em
trabalho anterior de Laclau (1977: 92-100), „elementos‟ são explicitamente entendidos como
componentes ideológicos, como „militarismo‟, „estadolatria‟, „anti-clericalismo‟, „nacionalismo‟,
„racismo anti-semita‟, „elitismo‟, e assim por diante, que produzem discursos ideológicos como
fascismo italiano ou populismo peronista. Contudo, em seus escritos posteriores, elementos são
algumas vezes utilizados com um sentido estrito para se referir a significantes como „justiça‟,
„ordem‟, „democracia‟ ou „o mundo livre‟ (Laclau 1996a: 36-46, 56-65), enquanto outras vezes eles
se referem aos componentes centrais de qualquer formação social, como as dimensões „econômica‟,
„política‟ e „ideológica‟ da sociedade (Laclau 1990: 21-6). Na formulação mais recente, as
diferentes dimensões da sociedade são intrinsecamente fundidas e só podem ser separadas para
propósitos analíticos.
Isso levanta questões sobre o caráter destas configurações particulares de elementos e as bases
para sua separação analítica. Como uma primeira resposta, Laclau e Mouffe corretamente
argumentam que eles não querem especificar o conteúdo desses elementos no nível ontológico, pois
isso predeterminaria o caráter deles no nível ontico em modos que remetem à teoria Marxista. Não
obstante, isso ainda levanta a questão sobre a especificação e individualização dos elementos no
nível ôntico. Isto é, nós precisamos de categorizações e descrições explícitas de diferentes tipos de
sociedades, assim como análises sobre diferentes tipos de formação hegemônica, quer ao nível
„típico-ideal‟, quer ao nível „empírico‟. Deste modo, a especificidade histórica de tipos diferentes de
sociedade pode ser totalmente explorada. Até agora, Laclau e Mouffe ainda não fizeram esse
trabalho esclarecedor.

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2. Uma dificuldade adicional é o modo pelo qual Laclau e Mouffe concebem a unidade entre os
discursos diferentes que constroem a sociedade. Utilizamos outra terminologia, essa questão
concerne a produção dos „efeitos de sociedade‟. Esse grupo de críticas é nitidamente explicitada na
argumentação de Zizek (1989: 154) de que a abordagem de Laclau e Mouffe enfatizam mais o
constante „deslizamento metonímico‟ do significado, conforme filosofias pós-estruturalistas
associadas a Derrida e Foucault, do que a produção de „cortes metafóricos‟ característicos da teoria
Lacaniana. Em outras palavras, a concepção de sociedade de Laclau e Mouffe privilegia
„contingência, indeterminação e aleatoriedade totais‟ e nega „os necessários efeitos limitadores das
condições materiais extra-discursivas‟ (Larrain 1994: 104, 101; ver também Schatzki 1996: 117-
18). Essa crítica está mal formulada no caso da abordagem de Laclau e Mouffe e representa uma
leitura equivocada do pós-estruturalismo em geral. Laclau e Mouffe explicitamente argumentam
contra uma completa disseminação e não-fixação do significado, e introduzem a categoria de pontos
nodais para explicar o entrelaçamento de diferentes elementos numa „cadeia significante‟.
Significantes como a „economia livre‟ e o „estado forte‟ no discurso thatcherista exercem a função
de organizar os vários elementos que constituem aquela formação discursiva. Além disso, eles
insistem que a interligação dos vários pontos nodais que formam a sociedade depende do
delineamento de fronteiras políticas entre „os de dentro‟ (insiders) e „os de fora‟ (outsiders). Por
isso, a abordagem deles enfatiza a necessidade de „fechamentos parciais‟ e „fixações parciais‟ do
significado na sociedade, o que está de acordo com a ênfase pós-estruturalista no enfraquecimento e
na desconstrução das estruturas, mais do que na sua completa dissolução.
Essa consideração é suplementada nos escritos mais recentes de Laclau (1996a) quando ele
introduz o conceito de „significante vazio‟ para explicar a unidade da sociedade. Formações sociais
são agora construídas ao redor de objetos impossíveis do discurso que atuam para entrelaçar os
diferentes elementos da formação social em uma unidade precária. Por exemplo, o mito de uma
nação em guerra cujas autonomia e autodeterminação são negadas por um poder hostil pode servir
para unificar grupos e forças discrepantes em uma sociedade, como fica evidente a nas recentes
manifestações do nacionalismo sérvio. Embora esse modelo forneça uma abrangente lógica que
unifica diferentes pontos nodais em uma formação comum, ele acaba levantando outro conjunto de
questões. Uma possível causa de confusão neste modelo concerne à relação entre pontos nodais e
significantes vazios. A relação conceitual precisa entre estas categorias ontológicas básicas não foi
totalmente articulada e requer mais especificação (Norval 2000). Além disso, ainda não estamos
certos sobre o status ôntico preciso de „significantes vazios‟. Como, por exemplo, significantes

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como „justiça‟, „negritude‟ e „ordem‟ agem para unificar e sedimentar um vaso leque de práticas e
discursos?
3. Alguns comentadores enfatizam as dificuldades de analisar instituições políticas e sociais a partir
de uma perspectiva da teoria do discurso (Jessop 1982; Bocock 1986: 104-17; Bertramsen et al.
1990: 65). Por exemplo, Nicos Mouzelis (1988: 115,113) argumenta que a análise de práticas
articulatórias de Laclau e Mouffe ocorre „em um vácuo institucional‟, de maneira que a sua
abordagem anti-essencialista de discurso significa que eles são „incapazes de lidar seriamente com
problemas relacionados à constituição, à persistência e à transformação de longo prazo das
formações sociais globais‟. Apesar de escritores como Mouzelis e Bob Jessop corretamente
apontarem para a escassez de análises discursivas de instituições e organizações, essa crítica precisa
ser relativizada por dois motivos. Primeiro, teóricos do discurso rejeitam fortemente abordagens que
analisam instituições como o Estado fazendo referência às leis trans-históricas e objetivas do
desenvolvimento histórico, ou que tratam instituições como sujeitos unificados e dotados de
interesses e capacidades. Segundo, em uma consideração mais positiva a teoria do discurso oferece
recursos conceituais alternativos para analisar e descrever instituições e organizações. Instituições
são entendidas como discursos „sedimentados‟ que, apesar de sua origens políticas como produtos
de práticas hegemônicas, tornaram-se relativamente permanentes e duráveis. Neste sentido, não há
distinções qualitativas entre discursos, somente diferenças nos seus graus de estabilidade.
Considere, por exemplo, o debate de longa data sobre o Estado (ou governo) nas sociedades
democráticass liberais. Muito esquematicamente, pluralistas argumentam que existe uma miríade de
grupos e interesses em disputa nas sociedades democráticas liberais, de maneira que os governos
são perpetuamente fragmentados e „abertos‟ a diferentes representações, embora o Marxismo
presuma que exista uma classe social dominante, que determina tanto o caráter quanto as políticas
do Estado na sociedade capitalista (ver Jessop 1982; Dunleavy e O‟Leary 1987). A exaustão recente
deste debate é em grande parte uma consequência dos pressupostos subjacentes às várias
perspectivas: quer a sociedade sendo tida como completamente fragmentada em interesses em
disputa e o poder visto como disperso, ou quer exista uma classe dominante, que estrutura o poder a
favor de seus interesses. O ponto de partida alternativo de Laclau e Mouffe é que não existe nem
determinismo completo nem fragmentação. Ao invés disso, a contínua interao entre as lógicas de
necessidade e da contingência implica que a construção de instituições como o estado é o produto
de lutas hegemônicas competidoras que buscam impor seus projetos na sociedade.
Nesse sentido, o Estado pode ser entendido como tendo diferentes graus de „autonomia
relativa‟ em relação aos diferentes interesses e grupos na sociedade, assim permitindo-lhe que

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facilite a reprodução das relações capitalistas, ao mesmo tempo permanecendo acessível a
representações diferentes, algumas talvez não- capitalistas (ver Miliband 1969; Poulantzas 1973).
Essa relativa autonomia depende do equilíbrio das forças políticas em um determinado período
histórico, assim como dos projetos políticos que se articulam para institucionalizar e sedimentar as
principais organizações da sociedade. Conduzir pesquisas sobre esses resultados e lógicas
organizacionais específicos, e identificar os constrangimentos que eles exercem sobre os atores e
agencias sociais: este é precisamente o tipo de „pesquisa ontica‟ que os teóricos do discurso devem
levar a frente. A investigação das práticas sociais e políticas através das quais graus de autonomia
são construídos – um desdobramento da premissa de que instituições não são determinadas por algo
externo e objetivo – coloca-nos diante de uma agenda de pesquisa alternativa.

Estrutura e agencia
O segundo grupo de críticas lida com a concepção de subjetividade e agência política de
Laclau e Mouffe. Uma linha de crítica sugere que a abordagem deles se resume a nada mais do que
„um voluntarismo absoluto‟ (Rustin 1988: 169) ou um „subjetivismo‟, que privilegia o papel do
sujeito humano acima de restrições estruturais (Dallmayr 1989: 131). Esta linha de ataque foca no
modo pelo qual Laclau e Mouffe supostamente dão prioridade à „lógica de contingência‟, de
maneira que „quase tudo é possível‟ (Osborne 1991: 210). A partir de um ponto de vista
diametralmente oposto, dúvidas foram levantadas sobre a perspectiva de agência política de Laclau
e Mouffe. Rastko Mocnik (1993: 155) e Slavoj Zizek (1990: 250-1) argumentam que a concepção
de agente de Laclau e Mouffe como uma „posição de sujeito‟ foucaultiana dentro de uma estrutura
discursiva rouba do sujeito toda agência e substância política. Assim, o sujeito é apenas
„representado‟ por estruturas discursivas pré-existentes.
A perspectiva de Laclau e Mouffe quanto à questão da estrutura e da agência tenta
decididamente achar um caminho do meio entre estas duas posições críticas. Eles rejeitam
abordagens essencialistas de subjetividade, nas quais indivíduos são vistos apenas como voltados a
maximizar os seus interesses, assim como abordagens que reduzem agência ao papel de reproduzir
estruturas pré-constituídas, insistindo que embora seres humanos sejam constituídos como sujeitos
dentro de estruturas discursivas, estas estruturas são inerentemente contingentes e maleáveis. Além
do mais, essa „indecidibilidade‟ é mostrada em situações de deslocamento ou desordem quando
estruturas não mais funcionam para conferir identidade. Nesta situação, quando sujeitos constroem
e se identificam com novos discursos, eles se tornam agentes políticos no sentido mais forte do

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termo. Nas palavras de Laclau (1990: 60-7, 1995): agentes políticos emergem quando discursos são
rompidos e novas formas de decisão – entendidas como identificações – são tomadas.
Esse raciocínio traz uma forte contribuição para o debate estrutura/agência. Contudo, uma
dificuldade diz respeito à postulação de uma subjetividade incondicional que é literalmente capaz
de „criar‟ estruturas significativas. Embora essa concepção se aplique à análise de situações
extremas ou „limites‟ como revoluções, quando uma ampla reestruturação das relações sociais pode
acontecer, nestes casos a tese de Laclau deve ser qualificada pelo fato de que a maioria dos
movimentos e agentes revolucionários são condicionados por tradições ideológicas existentes e por
infraestruturas organizacionais. Esta observação é reconhecida nos últimos escritos de Laclau
(1990: 65-7), em que ele defende que certos discursos precisam estar „disponíveis‟ e „serem
acreditáveis‟ para que movimentos e agentes políticos emerjam e construam novas ordens sociais.
Uma segundo problema concerne à questão da própria tomada de uma decisão. A este respeito
Laclau tende a considerar como equivalentes a tomada de decisão, a emergência de agentes
políticos e a criação de novas ordens sociais. Contudo, isto colapsa com??? a distinção entre tipos
diferentes de tomada de decisão. Quanto a isso, uma distinção precisa ser feita entre decisões
tomadas dentro de uma estrutura e decisões tomadas em relação a uma estrutura, e estas duas
modalidades de tomada de decisão são melhores vistas como dois polos de um espectro de formas
possíveis de tomada de decisão, no qual atos concretos podem ser situados de acordo com os graus
em que eles se desdobrem em em efeitos estruturais. Por exemplo, é evidente que consumidores
num livres-mercados ou políticos em parlamentos estão continuamente tomando decisões sem
sequer questionarem ou criarem novos contextos estruturais nos quais essas escolhas são feitas.
Contudo, em situações revolucionárias sujeitos políticos coletivos claramente tomam decisões sobre
a criação e formação de novas estruturas sociais. Com as observações pontuadas acima, estas são as
situações em que a nova teorização de estrutura e agência de Laclau se torna aplicável. O que isso
significa é que, mais do que uma teoria geral de uma agência política radical, nós precisamos
permanecer sensíveis aos contextos históricos específicos nos quais diferentes tipos de
subjetividade entram em jogo. O critério para essa análise depende dos tipos de decisão que são
tomadas, e das circunstâncias nas quais elas são tomadas.

Ideologia e a questão da crítica

Será que a rejeição de Laclau e Mouffe da concepção marxista tradicional de ideologia „mina
a crítica da ideologia‟, de modo que não haveria „nenhuma relevância em se perguntar de onde as

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ideias sociais, na verdade, são oriundas‟ (Eagleton 1991: 219)? Em outras palavras, a teoria do
discurso carece de uma margem crítica (Norris 1993: 289-92)? Existe um „déficit normativo‟ na
abordagem de Laclau e Mouffe? Para começar, é importante apontar que o conceito de ideologia
não desaparece da abordagem de Laclau e Mouffe, embora (à la Foucault) ele não dependa do
fundamento epistemológico habitual. Ao invés disso, a categoria de ideologia é reservada para
descrever o desejo por fechamento total por projetos e movimentos políticos; ela consiste no „não
reconhecimento do caráter precário de qualquer positividade, da impossibilidade de qualquer sutura
final‟ (Laclau 1983: 24; ver também Laclau 1996b). Em outras palavras, um discurso „ideológico‟
falha ou recusa-se a reconhecer sua dependência em relação a um „exterior constitutivo‟, e ignora
seu próprio status contingente. Em contraste, a proposta de Laclau e Mouffe (1985: 190) de uma
democracia radical e plural – construída ao redor da extensão das demandas por liberdade e
igualdade em direção a áreas cada vez maiores da vida social, procura reconhecer e incorporar um
senso de sua própria contingencia e precariedade: „Esse momento de tensão, de abertura, que dá ao
social sua natureza essencialmente incompleta e precária, é o que todo projeto de democracia
radical deveria se propor a institucionalizar (ver Mouffe 1989, 1992, 1993, 2000).
Discussões críticas sobre o projeto de democracia radical de Laclau e Mouffe tem se centrado
em seu suposto relativismo. Se não há fundamentos últimos para defender e justificar qualquer
conjunto de valores e crenças, como eles podem pretender a defesa da democracia radical? Este tipo
de „chantagem iluminista‟, como Foucault coloca (1984a: 43), implica que, na defesa de um projeto
político, a menos que se tenha ou invoque fundamentos absolutos, não haverá quaisquer bases para
isso. Contudo, assim como a maioria dos competidores em um jogo não podem pré-determinar seu
final, mas ainda estão dispostos a jogar, então Laclau e Mouffe podem argumentar a favor de uma
democracia radical sem pretender com isso a derrubada de toda proposta de oposição. Em outras
palavras, são as propostas efetivas que eles (e outros) defendem que devem ser avaliadas, e não as
condições de possibilidade de fazer quaisquer julgamentos. A este respeito, além do mais, cabe aos
oponentes da democracia radical sugerir alternativas positivas e factíveis à democracia radical.
Uma última questão a este respeito concerne ao alegado „déficit normativo‟ na teoria da
hegemonia de Laclau e Mouffe (ver Zizek 1999: 174). Por exemplo, Simon Critchley (1998: 809)
afirma que a teoria da hegemonia de Laclau e Mouffe „é simplesmente a descrição de um estado de
coisas positivamente existente, então ela corre o risco de identificação e cumplicidade com a lógica
de sociedades capitalistas contemporâneas‟. Ele prossegue argumentando que a teoria de Laclau e
Mouffe corre o risco de „sofrer um colapso em direção a um decisionismo Schimittiano
voluntarista‟ e, portanto, precisa ser suplementada por um enquadramento ético explicitamente

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formulado. Ele se baseia nos escritos de Emmanuel Levinas e Jacques Derrida para desenvolver
uma ética de „responsabilidade infinita‟ para com o Outro (ver Critchley 1992).
Critchley está correto em levantar questionamentos sobre a divisão entre descrever e avaliar
nos escritos de Laclau e Mouffe. Em alguns momentos,, realmente parece que as várias lógicas nos
textos deles são simplesmente ferramentas analíticas com pouco ou nenhum conteúdo normativo,
que podem ser aplicadas a todos os casos. Contudo, uma análise cuidadosa dos argumentos deles
mostra que a teoria da hegemonia pressupõe certa orientação normativa, pois ela emerge de uma
crítica ao Leninismo. Enquanto a concepção de hegemonia de Lênin é pouco mais do que uma
aliança tática entre classes e grupos perseguindo um objetivo limitado – a derrubada do regime
czarista – Laclau e Mouffe invocam a ideia de uma prática democrática e o trabalho de Gramsci
para desenvolver uma teoria política consideravelmente distinta. Para eles, práticas hegemônicas
pressupõem um grau de autonomia e diferença entre os diferentes componentes de uma „aliança‟, de
modo que as identidades de vários grupos tem que ser mantidas. Assim, hegemonia requer tanto a
modificação de identidades e interesses uma vez que um novo grupo de relações é construído,
quanto a institucionalização de uma ética democrática e pluralista mais universal entre os próprios
atores sociais (Laclau 1992: ver também Zerilli 1998, e a discussão em Smith 1998: 177-202). É
igualmente verdade que a lógica da hegemonia tem se generalizado como uma ferramenta mais
universal de análise, mas suas implicações práticas e normativas são claras.
Além disso, praticantes da teoria do discurso não afirmam estar conduzindo investigações
livre de valores ou „objetivas‟. É uma suposição básica desta perspectiva que o teórico do discurso
está sempre situado em uma formação discursiva particular e dentro de uma tradição específica, na
qual ele ou ela foi constituído como sujeito, assim como qualquer outro. O que é desafiado é a
afirmação de que valores podem ser derivados ou deduzidos de pressupostos filosóficos e da
ontologia social da teoria do discurso. Neste sentido, uma perspectiva pós-fundacional não dá
origem a um certo grupo de posições políticas e éticas, ainda que exclua algumas posições –
aquelas baseadas em pressuposições essencialistas, por exemplo. A afirmação e a justificativa de
valores são, assim, o resultado de uma prática articulatória mais do que de um desdobramento
necessário.

Conclusão
Este capítulo avaliou a abordagem pós-marxista da teoria do discurso. Eu mostrei como essa
abordagem resolve algumas dos problemas apontados nas clássicas concepções de ideologia e
política do Marxismo, e eu sugeri algumas futuras trajetórias de pesquisas teóricas e empíricas neste

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domínio de análise. Uma questão que não foi examinada, mas que paira sobre qualquer tentativa de
esboçar uma abordagem factível para a análise política e social, diz respeito aos requisitos
metodológicos de tal empreendimento. Esses requisitos incluem um esclarecimento dos objetivos da
análise do discurso nas ciências sociais; o conceito de teoria empregado/mobilizado pelos analistas
do discurso; os procedimentos para conduzir a pesquisa; e as dificuldades de se aplicar as lógicas
abstratas da teoria do discurso a casos empíricos e as dificuldades de fazer inferências mais amplas
a partir dos estudos realizados. E é para estas questões que eu agora me volto.

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