Erisipela PDF
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ARTIGO REVISÃO
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ERISIPELA
RESUMO
A erisipela é uma infecção dermo-hipodérmica aguda, não necrosante, geralmente
causada pelo estreptococo β–hemolítico do grupo A. Em mais de 80% dos casos situa-se
nos membros inferiores e são factores predisponentes a existência de solução de
continuidade na pele, o linfedema crónico e a obesidade. O seu diagnóstico é
essencialmente clínico e baseia-se na presença de placa inflamatória associada a febre,
linfangite, adenopatia e leucocitose. Os exames bacteriológicos têm baixa sensibilidade
ou positividade tardia. Nos casos atípicos é importante o diagnóstico diferencial com a
fasceíte necrosante e a trombose venosa profunda. A penicilina continua a ser o
antibiótico de referência, embora actualmente diversos fármacos, com propriedades
farmacodinâmicas mais favoráveis, possam ser utilizados. A recidiva constitui a
complicação mais frequente, sendo fundamental o correcto tratamento dos factores de
risco.
SUMMARY
ERYSIPELAS
Erysipelas is an acute dermo-hypodermal infection (non necrotizing) of bacterial origin,
mainly group A β- haemolytic streptococcus. The lower limbs are affected in more than
80% of the cases and the identified risk factors are disruption of cutaneous barrier,
lymphoedema and obesity. Diagnosis is clinical and based upon the association of an
acute inflammatory plaque with fever, lymphangiitis, adenopathy and leukocytosis.
Bacteriology is usually not helpful because of low sensitivity or delayed positivity. In
the atypical forms erysipelas must be distinguished from necrotizing fasciitis and acute
vein thrombosis. Penicillin remains the gold standard treatment, although new drugs,
given their pharmacodynamic profile, may be used. Recurrence is the main complication,
being crucial the correct treatment of the risk factors.
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Agentes %
QUADRO CLÍNICO
Fig.1 - Erisipela do membro inferior [notar o aspecto
Classicamente, o quadro clínico de erisipela carac-
purpúrico do terço superior da perna e a existência de porta
teriza-se por um início súbito, com febre (38,5-40ºC) e de entrada (úlcera traumática)no dorso de pé].
arrepios seguido, em 12-24 horas, pelo aparecimento
de placa eritematosa (vermelha viva), edematosa, quen- 2). Podem ocorrer uma discreta púrpura petéquial, mas
te e dolorosa, de limites bem definidos e geralmente sem necrose, e, mais raramente, pústulas. A existência
localizada a um membro inferior (Figura 1). A lesão de adenopatia dolorosa e linfangite ipsilaterais, em-
cutânea é, habitualmente, única e estende-se de forma bora inconstantes, favorecem o diagnóstico 2,5,6 .
centrífuga atingindo, em média, 10 a 15 cm no seu maior Recentemente foi descrita uma variante clínica de
eixo. Podem observar-se vesículas e bolhas, geralmen- erisipela dos membros inferiores – erisipela
te flácidas, de conteúdo translúcido e, por vezes, com hemorrágica – caracterizada pela presença de intenso
dimensões significativas (erisipela bolhosa) (Figura eritema, aspecto equimótico acentuado e bolhas em
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hemoglobina, natremia, creatininemia e glicemia) para QUADRO V – Erisipela versus Trombose venosa profunda
facilitar o diagnóstico de FN, com um valor máximo de TROMBOSE VENOSA
13. Um valor ≥ 6 seria suspeito de FN e ≥ 8 fortemente ERISIPELA
PROFUNDA
preditor. Outros autores apresentam esquemas mais
TEMPERATURA quente normal ou fria
simplificados, incluindo apenas a leucocitose e a
COR eritema normal ou cianótica
hiponatremia. Porém, estes esquemas de pontuação,
SUPERFÍCIE “pele de laranja” lisa
exclusivamente laboratoriais, não entram em linha de
ADENOPATIA frequente ausente
conta com outros dados de natureza clínica, sempre
LINFANGITE frequente ausente
indispensáveis na decisão diagnóstica 14-16.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de uma erisipela é geralmente fácil e
Fig. 4 – Trombose venosa profunda do membro inferior esquerdo.
essencialmente clínico. Os parâmetros clínicos e ana-
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tes devem ser efectuados após a fase aguda, utilizan- oterapia empírica deverá incluir sempre um fármaco com
do alergéneos padronizados e os medicamentos sus- actividade anti-estreptocócica, isolado ou em associ-
peitos. ação, de acordo com a situação e contexto clínicos
específicos de cada doente. Em ambiente nosocomial
TERAPÊUTICA e forte suspeita de infecção por Staphyloccocus
O tratamento da erisipela é exclusivamente médico aureus meticilino-resistente a vancomicina e, mais re-
e consiste, no essencial, na instituição de antibiotera- centemente, o linezolide 27 são as opções indicadas.
pia empírica tendo em conta a epidemiologia desta in- Perante uma evolução favorável (apirexia) a antibiote-
fecção 18. Adicionalmente, devem ser instituídas me- rapia pode ser alterada para a via oral e a duração total
didas de carácter geral (repouso com elevação do mem- do tratamento deve ser de 10-20 dias.
bro afectado, punção de bolhas sem retirar o tecto de Os diferentes antibióticos e doses aconselhadas
forma a acelerar a re-epitelização, evitar a utilização de encontram-se resumidos no Quadro VIII.
anti-sépticos com potencial sensibilizante e de pen-
sos compressivos). A utilização de anti-microbianos Quadro VIII– Erisipela: antibioterapia
tópicos (ácido fusídico a 2% ou sulfadiazina argêntica AMBULATÓRIO INTERNAMENTO
Factores de co-morbilidade: imunodepressão, neutropenia, asplenia, * Após resposta favorável pode ser alterado para penicilina ou macrólido via oral
** Se suspeita de agentes mistos (p.e. diabéticos)
cirrose, insuficiência cardíaca ou renal (UM: milhões de unidades; PO: per os; IM: intra-muscular; EV: endovenosa)
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com observações clínicas recentes 11 , os doentes be- A taxa de mortalidade é de 0,5% e, na grande mai-
neficiaram com a instituição de corticoterapia oria dos casos, resulta da descompensação irreversí-
sistémica em esquema adjuvante (prednisona 0,5 mg/ vel de patologias crónicas apresentadas pelo doen-
kg/dia com redução rápida num total de oito dias). te 30.
As recidivas representam a complicação tardia
Anticoagulantes mais frequente (25%), sendo responsáveis pela ele-
Tendo em conta o baixo risco de ocorrência de vada taxa de morbilidade. Alguns estudos apontam a
TVP (4,9%), o uso sistemático de anti-coagulação persistência do intertrigo interdigital, o linfedema
profilática não está indicado no tratamento da erisi- crónico, a presença de agente que não o estreptococo
pela. Somente a existência de contexto clínico que do grupo A e a terapêutica antibiótica insuficiente
condicione um risco trombo-embólico moderado a alto como os factores responsáveis 30,31 .
justificam a sua utilização 24 .
PREVENÇÃO
COMPLICAÇÕES São escassos os trabalhos que estudam o interes-
Com a instituição de terapêutica adequada a evo- se ou a eficácia de eventuais medidas preventivas
lução de uma erisipela é geralmente favorável (80%), primárias no contexto das dermo-hipodermites agu-
observando-se apirexia nas 48-72h após início da an- das bacterianas. Tratando-se, na actualidade, de uma
tibioterapia, seguida pela melhoria progressiva dos infecção bacteriana com prognóstico imediato extre-
sinais locais (geralmente entre 4º e 6º dia) e resolu- mamente favorável, a principal preocupação na abor-
ção completa em duas semanas. Nas formas de erisi- dagem de uma erisipela reside no efectivo controlo e
pela bolhosa a evolução pode ser mais lenta, sendo tratamento dos factores que condicionam a sua ele-
necessário, em média, 20 dias para a completa re- vada taxa de recidivas (prevenção primária). Em pri-
-epitelização ser atingida 30 . meiro lugar deve assegurar-se o rigoroso cumprimen-
As complicações dividem-se em precoces, obser- to do tratamento, estimando-se que a insuficiente
vadas à data do diagnóstico ou nos primeiros dias de duração da antibioterapia é responsável pela recidi-
hospitalização, e tardias, do tipo recidiva ou seque- va em 65% dos casos 32.
las (Quadro IX). A redução de peso, o tratamento adequado das
patologias cardiovasculares que condicionam
Quadro IX- Erisipela: complicações linfedema crónico (insuficiência cardíaca congestiva,
PRECOCES TARDIAS insuficiência venosa crónica, etc.) e a identificação e
Locais tratamento adequado de soluções de continuidade
Abcesso e/ou necrose Recidiva na pele constituem as medidas a considerar, de acor-
TVP Linfedema crónico do com cada caso específico.
Gerais A correcta abordagem terapêutica do intertrigo
Bacteriemia/Septicemia
interdigital de etiologia fúngica, infecção com eleva-
Toxidermia
da prevalência na população geral, assume particular
Descompensação de doença crónica
importância uma vez que a sua erradicação permitiria
evitar cerca de 60% das erisipelas 4 . Na grande maio-
Morte
ria dos casos a etiologia é dermatofítica e o seu trata-
mento inclui: medidas de higiene (secagem dos espa-
As complicações precoces são raras e a nível lo- ços interdigitais, uso de calçado arejado e meias de
cal destacam-se o abcesso e/ou necrose (3-12%), cujo algodão), eliminação dos reservatórios de der-
reconhecimento é importante por requerer frequente- matófitos (unhas) e tratamento antifúngico tópico ou
mente tratamento cirúrgico, e a TVP que, embora rara sistémico 2,4,8.
(2-7,8%), deve ser considerada quando a resposta à Por fim, em doentes com múltiplas recidivas, pode
antibioterapia não for favorável. Entre as complica- estar indicada a instituição de antibioterapia
ções de carácter geral são de referir a toxidermia (5%), profiláctica (penicilina benzatínica 2.4 UM 3/3 sema-
a bacteriemia/septicemia (2%) e agravamento de do- nas via intramuscular ou eritromicina 250 mg 12/12h
enças associadas (0,6%): alcoolismo, diabetes, insu- via oral). Esta profilaxia deve ser prolongada, dado
ficiência renal ou cardíaca 2,30 . que o seu efeito é unicamente supressivo 33 .
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