Meios de Prova 1

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1.

Implicação dos princípios constitucionais

Princípio da Imparcialidade do Juiz - Não há jurisdição sem imparcialidade. O juiz deve ser
imparcial, neutro entre as partes.

Princípio do Contraditório - É a possibilidade de contrariar argumentos, provas. Existem


provas que são colhidas sem o contraditório, são as chamadas Provas Cautelares. Exemplo de
prova cautelar: perícias. As provas cautelares têm o contraditório diferido, ou seja, adiado, o
contraditório é postergado para o processo.

Princípio da Ampla Defesa - Contém duas regras básicas:

a) Possibilidade de produzir provas;

b) Possibilidade de recursos.

Obs: não existe fase de defesa no Inquérito Policial, pois é peça administrativa.
Princípio da Verdade Real - Conecta-se à regra da liberdade de provas: todos os meios
probatórios em princípio são válidos para comprovar a verdade real. Esta regra é absoluta?  Esta
regra não é absoluta, existem exceções:

Prova ilícita - são as provas adquiridas por meios ilícitos. Ex: prova mediante tortura.

Prova Ilegítima - são as provas colhidas com violação de normas processuais. Ex: busca
domiciliar sem ordem do juiz.

Art. 475 do CPP - diz respeito às provas nos Julgamentos pelo Tribunal do Júri. Devem- se
juntar as provas ao processo com três dias de antecedência ao Júri.

Princípio da Presunção de Inocência - Este princípio está conceituado na Convenção


Americana sobre direitos humanos. Consiste em que todo acusado é presumido inocente até que
se comprove a sua culpabilidade. Duas regras: Cabe a quem acusa o ônus de provar a
culpabilidade e Regra de tratamento no sentido do acusado não poder ser tratado como
condenado. O acusado pode ser preso durante o processo? Seria esta prisão
inconstitucional? Sim, pode o acusado ser preso durante o processo, desde que o juiz
fundamente a necessidade da sua prisão cautelar. Não fere nenhum princípio constitucional.

Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos - Antes do advento da
CF/88, não havia, no país, regras claras impeditivas de produção da prova obtida por meio
ilícito, a única regra nesse sentido era o art. 233 do CPP “As cartas particulares, interceptadas
ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo”. No entanto, após a Carta
Magna de 1988, tais condutas não são mais possíveis, em face do disposto no art. V LVI.
Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por
interferência mecânica de telefone, microgravadores dissimulados, uma interceptação
telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo
íntimo, uma confissão obtida por meios condenáveis, como o famoso "pau de arara", o "lie
detector" e, enfim, toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição,
seja em desrespeito ao direito material ou processual, não será admitida em juízo. Trata-se de
uma demonstração de respeito não só à dignidade humana, como, também, à seriedade da
Justiça e ao ordenamento jurídico. 0 n.' 2 do art. 5 do Pacto de São José da Costa Rica ao qual o
Brasil depositou sua Carta de Adesão, dispõe que "ninguém deve ser submetido a torturas, nem
a penas ou tratos cruéis, desumanos e degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser
tratada com o respeito devido à dignidade da pessoa humana". Ainda que não tivéssemos no
texto constitucional tais garantias, elas seriam válidas, à dicção do § 2º, do art. 5º da CF.

Princípio das fundamentações das decisões - Fundamenta-se na garantia que tem o


jurisdicionado em saber quais os motivos do convencimento do juiz, ou seja, quais os motivos
que levaram o juiz a decidir desta ou daquela maneira. Este princípio, aliado ao princípio da
publicidade, proporcionará, ao jurisdicionado o amplo exercício de princípios como o
contraditório e ampla defesa.

2. Objetivo das provas no processo penal - Provar é demonstrar a verdade ou uma afirmação
de um fato. E, o objetivo do processo penal é restituir o fato considerado criminoso, e não
apontar o culpado, ou seja, a busca do processo penal deve ser a busca da verdade real. Essa
busca deve pautar-se nos princípios constitucionais norteadores do processo penal. Pois, se a
finalidade das provas é formar a convicção do juiz a respeito da verdade de uma situação ou fato
e, em um Estado Democrático de Direito, não é crível que tal convicção seja formada com
provas obtidas por meios ilícitos.

3. Prova (Conceito de prova) - A palavra "prova" é originária do latim "probatio", que por sua
vez emana do verbo "probare", com o significado de examinar, persuadir, demonstrar. Assim,
prova é todo elemento que pode levar o conhecimento de um fato a alguém. O direito processual
regula os meios de prova, que são instrumentos que trazem os elementos de prova aos autos. No
processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é
prática, qual seja convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre
impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado.

3.1. Elemento - O elemento da prova são as afirmações e os fatos comprovados que se


encontram no mundo real e leva-se para o processo, v.g., exame de corpo de delito.

3.2 Meio de prova - Forma pela qual se procedimentaliza a prova no processo, ou seja, tudo
quanto possa comprovar o fato ou a afirmação. São admitidas todos as provas obtidas por meio
licito e, não somente aquelas insertas no CPP, v.g., filmagens, interceptações telefônicas, etc.
3.3. Instrumento de prova - É a forma pela qual o meio de prova será instrumentalizado no
processo, v.g., laudo pericial, ata da prova. O elemento da prova é introduzido no processo
penal pelo meio de prova e efetivado  pelo instrumento de prova. Exemplificativamente, temos
que:

a) O corpo de delito é o elemento de prova;

b) a prova pericial é o meio de prova. E o laudo pericial é o instrumento da prova.

Precisam de prova:

Os costumes;

Regulamentos e Portarias;

Direito Estrangeiro.

Não necessitam de prova:

Fatos notórios (ver exceções no item 5);


Presunções absolutas.

4. Ônus da prova no processo penal (vide nota 2) - É a responsabilidade de provar. O ônus da


prova cabe sempre a quem alega (Art. 156 do CPP). No processo penal o juiz pode determinar a
produção de provas “ex officio”. É o Princípio da Inquisitividade. Para esclarecer o ut supra,
utilizar-me-ei de uma das construções mais aceitas, a de Chiovenda, para o qual os fatos
jurídicos são divididos em:

Fatos constitutivos - (que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem
por parte de um indivíduo: ato lícito, testamento etc.);

Fatos extintivos - (que extinguem a vontade concreta da lei ou expectativa de um bem) e

Fatos impeditivos - (os que impedem que se formem os fatos constitutivos) (8). São fatos
extintivos o pagamento e remissão da dívida e fatos impeditivos o dolo, a violência, a ilicitude,
etc.

Com relação aos fatos constitutivos do seu direito, o autor tem de prová-los e o réu, por
sua vez, tem de provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito alegado
pelo autor. Tendo o autor de provar aquilo que constitui seu direito, poderíamos dizer que a
prova não é somente um direito, mas um ônus. É como se diz: o ônus da prova cabe a quem
alega. Esse adágio é conseqüência do princípio dispositivo, pelo qual o Juiz está impedido, para
manter sua imparcialidade, de ex officio, participar da produção da prova. No entanto, em nosso
ordenamento jurídico esse princípio é mitigado, pois, o juiz pode determinar a produção de
prova, não pedida pelas partes, desde que relevante para a reconstituição do fato.
Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas
dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, esse o disposto no art. 24 do CPP. Por
sua vez a Constituição Federal, em seu art. 129, preceitua “São funções institucionais no
Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei “.
Conclui-se, desse modo, que o Ministério Público é uma instituição pública à qual compete,
com exclusividade, buscar a satisfação do poder de punir do Estado sempre que ocorrer crime
cuja gravidade transcenda aos interesses do ofendido. No entanto, não tem o dever de postular
sempre a condenação, orientando sua atuação de modo a buscar sempre a solução mais justa
para o processo. Trata-se de parte imparcial. Assim ônus da prova, na ação penal pública, recai
sobre o MP, devendo Ele provar os fatos constitutivos do direito do autor (autoria e
materialidade). Por sua vez, cabe ao Réu a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos do direito que autor invocar, as chamadas exceções substanciais. Todavia, em
algumas ocasiões, a lei atribui ao Réu a responsabilidade de provar o erro das alegações do
Autor, no que se chama de inversão do ônus da prova. Nesta hipótese, caberá ao Réu de uma
ação provar que não é verdadeiro o fato constitutivo de um direito invocado pelo Autor.

5. Prova pericial – exame de corpo de delito – procedimento – perito - É uma prova de


natureza técnica. Sempre que um crime deixar vestígio (e faça perceber mudança no estado das
coisas e/ou pessoas), será passível de prova pericial. A prova técnica se distingue da prova do
senso comum. Por exemplo, são questões do senso comum àquelas situações que,
hodiernamente, encontram-se tão agregados ao nosso cotidiano, que prescindir  de maiores
digressões, por exemplo, não preciso fazer prova de que o ar, em sua fórmula,  tenha oxigênio.
Isso já faz parte do senso comum. Então eu não tenho que provar o movimento rotatório da
terra. Neste tipo de situação, observa-se, com o avanço da ciência e tecnologia, certos fatos
tornam-se notórios. Entretanto, observa-se que estas provas já foram, outrora, comprovadas
através de provas técnicas. Diferentemente do que ocorre no processo civil, no processo penal
os fatos notórios também dependem de prova se corresponderem a elementares do tipo penal.
Não é porque a morte de alguém seja fato notório que poderá ser dispensado o exame de corpo
de delito. São dispensados de prova os fatos notórios circunstanciais, observando-se que basta a
notoriedade relativa, que é aquela que abrange o local do processo e o tribunal que julgará em
segundo grau. No mesmo sentido, a falta de controvérsia sobre um fato não dispensa a prova. A
confissão, por exemplo, que elimina a controvérsia sobre a autoria não dispensa a necessidade
de outras provas sobre ela e que, aliás, deverão corroborá-la.

Finalmente, independem de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência
ou de veracidade. Se  a lei dá como verdadeiro determinado fato, está a parte dispensada de
prová-lo, em sendo a presunção absoluta. Em sendo a presunção relativa, a parte em favor de
quem milita a presunção não precisa prová-lo, incumbindo à parte contrária o ônus de produzir,
se for o caso, a prova contrária. Destarte, infere-se que a prova pericial é aquela que não é feita
pela percepção do senso comum ou que qualquer pessoa possa produzi-la, mas fruto de um
conhecimento científico que será aplicado para a produção de uma determinada conclusão,
também científica. Qualquer meio científico é válido para se fazer perícia.

Laudo Pericial - é o documento elaborado pelos peritos. E quem determina a perícia? A


autoridade policial, se na fase de investigação, ou o juiz, se na fase de processo ou as partes.
Quesitos - na fase policial é formulado pela autoridade policial, no juízo é formulado pelo juiz e
pelas partes. (Art. 176)

Perito - só pode ser perito quem tem curso superior. O perito é um auxiliar do juiz. Há peritos
oficiais, que são os peritos concursados e peritos não oficiais, que são os peritos não
concursados. Os peritos não concursados prestam compromisso todas às vezes que nomeados.
Mas a falta de compromisso é uma mera irregularidade.

Número de peritos - sempre participarão da perícia dois peritos. Os peritos não oficiais são
nomeados pela autoridade policial ou pelo juiz, dependendo da fase do processo.

Assistente técnico - só existe no processo civil, não existe no processo penal.

Perícia particular - é perfeitamente possível, trata-se de um parecer.


Indício de prova – é uma prova indireta, refere-se a informações colhidas nas proximidades do
local onde se deu a prática do ato delituoso.

Prova – neste caso consegue-se perceber, com o meio de prova, o resultado direito do crime.

Exame de corpo de delito direto – feito pelos peritos, no corpo da vítima, é elemento de prova
central.

Exame de corpo de delito indireto – é feito com elementos circunstanciais e periféricos, por
exemplo, reconstituição + prova testemunhal (por meios não de ilação, mas técnicos).
O exame de corpo de delito direto pode ser requerido pelo delegado, de ofício, no inquérito
policial. Já o exame indireto, por basear-se em prova testemunhal e reconstituição, deve ser
requerido pelo juiz. O laudo pericial é sempre assinado por dois peritos. Não sendo uníssona a
decisão dos peritos, chama-se um terceiro perito para solucionar a questão. Também é possível
pedir a intimação do perito em audiência para que se esclareça eventuais pontos obscuros no
laudo pericial. O perito pode ser oficial ou ah doc. Aplicam-se aos peritos todas as causas de
impedimento e suspeição aplicadas aos juízes. Tendo o processo laudo provisório e laudo
definitivo, não pode o juiz julgar antes da juntada deste.

O exame complementar pode ser substituído por prova testemunhal.


O exame de corpo de delito, que pode ser feito tanto na fase pré-processual como na fase
processual, é o meio de prova que se destina a produção de provas, quando houver deixado
vestígios. O exame de corpo de delito é, em regra, realizado na fase pré-processual (inquérito),
por haver risco de perecimento da prova. Normalmente, são provas defensivas.
Desta forma, quando a infração deixar vestígios, é indispensável o exame de corpo de delito
direito ou indireto, não podendo supri-la a confissão do acusado (CPP 158). Assim, no caso de
haver o crime deixado vestígio, a queixa ou denúncia não será recebida se não for instruída com
o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito (CPP 525).

A ausência do exame de corpo de delito, nos crimes que deixam vestígios, é causa de
nulidade do processo (CPP art. 564, “b”). Entretanto, há uma exceção, não sendo possível a
realização do exame de corpo de delito, por haverem desaparecidos os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Essa hipótese denomina-se, então, corpo de delito
indireto. É comum usar-se a expressão "exame de corpo de delito indireto" para a hipótese do
art.167, CPP. Contudo, a prova testemunhal supre o exame (perícia) exatamente quando este
não pode ser realizado. Logo não há "exame indireto". Há, sim, prova não-pericial do corpo de
delito. A mesma expressão, “exame de corpo de delito indireto, tem sido utilizada, ainda para
casos em que, não sendo possível a constatação direta dos vestígios pelos peritos, estes,
louvando-se em documentos ou outros dados, atestam a sua existência. É o que acontece, por
exemplo, quando, desaparecida a vítima de lesão corporal e não tendo sido examinada pelos
peritos, estes atestam a ocorrência de lesões pelo que consta em fichas médicas do hospital que
a atendeu. Na verdade, essa prova não é um exame ou perícia, mas um misto deles, de prova
documental e testemunhal. Tem sido aceito, dentro da amplitude do art. 167 e da liberdade de
apreciação da prova no juízo penal. Para que a substituição do exame pela prova testemunhal
possa ocorrer validamente, porém, é preciso que o desaparecimento dos vestígios seja
decorrente de causas não-imputáveis aos órgãos de persecução penal”.

O exemplo clássico do corpo de delito indireto é o do homicídio com o corpo jogado ao mar,
não sendo possível o exame necroscópico. Se, porém, os vestígios desapareceram em virtude de
inércia, inclusive a burocrática, dos órgãos policiais ou judiciais, a menor segurança da prova
testemunhal não pode ser carreada ao acusado. Assim, se a vítima de um furto com
arrombamento, cansada de esperar a visita dos peritos, manda consertar a janela arrombada e,
por ocasião do exame, não se constatam mais vestígios, a prova testemunhal não pode suprir a
falta da perícia. O art.167 do Código de Processo Penal, como uma exceção à garantia do
acusado quanto à constatação dos vestígios por exame pericial, deve ser interpretado
estritamente, impondo que se aplique, exclusivamente, à hipótese de desaparecimento natural,
ou por ação do próprio acusado, e não por inércia dos órgãos de persecução penal que atuam
contra o eventual réu.

É preciso repetir: a falta de exame de corpo de delito, observada a ressalva do art.167, acarreta
nulidade do processo e, conseqüentemente, de eventual sentença condenatória (absolutória não,
porque a exigência do exame existe em favor do réu), ensejando, inclusive, habeas corpus. A
existência ou falta de outras perícias fica adstrita ao convencimento do juiz, porque participa do
exame de mérito da causa. A diferença da prova obtida no inquérito e no processo é a presença
do contraditório neste, que se realiza através da formulação de quesitos pelas partes.
No processo penal não existe a figura do assistente técnico, desta forma, se uma das partes
sentir-se prejudicada ou for constatado algum tipo de irregularidade no laudo, far-se-á novo
laudo, com outro perito (com maior conhecimento técnico). A perícia feita no Inquérito Policial
não se repete em juízo, pois o contraditório é diferido, ou seja, é postergado para dentro do
processo, porque é um prova de natureza cautelar.

Há técnicas que são conclusivas e técnicas que são indiciárias, exemplo deste último é o
luminol, uma técnica que possibilita ver se existe sangue em determinado lugar, mesmo após a
eliminação dos indícios (limpeza do local), no entanto, esse produto reage também com suco de
laranja e limão, devendo ser, no caso concreto, observada essa peculiaridade. Também, após a
utilização do luminol, não é possível fazer exame de DNA no sangue encontrado.
No processo penal há a possibilidade de um perito oficial, que são funcionários públicos com
capacidade técnica, podem ser matemáticos, físicos, biólogos. Todas as estas pessoas estão
agregadas ao instituto de criminalística. Esses peritos, através de análises científicas, fazem
exames periciais que irão ajudar na reconstrução do fato dentro do processo. Exemplo disto é o
exame de DNA, que pode ser feito através de um pequeno pedaço de osso (atualmente só Minas
e São Paulo fazem exame de DNA de célula óssea), ou da saliva deixada em uma “gimba” de
cigarro.

Outra perícia muito comum no processo penal é a de balística. Existem vários tipos de perícia
para se determinar o calibre, o rumo de uma bala ou a “impressão digital” a arma. Neste caso
pode-se identificar se a bala saiu mesmo daquela arma (é como se fosse a impressão digital da
arma), pois, cada vez que se atira com dada arma, a bala sai com uma ruptura diferente, então, o
laboratório faz disparos com a arma e faz comparações pelo microscópio que provarão, da
análise da ruptura deixada pela bala, se a bala saiu da mesma arma. Tem também a
conhecidíssima impressão digital. Hodiernamente há técnicas que permitem coletar impressão
digital do corpo de outra pessoa, assim se alguém “encosta” em outrem deixa sua impressão
digital e, poderá vir a ser identificada.

6. Prova testemunhal

Testemunha - é a pessoa desinteressada que presta depoimento sobre os fatos pertinentes e


relevantes do processo. E considerada elemento de prova. Poderão, entretanto, recusar-se a
testemunhar o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, ainda que desquitado, o pai e o
irmão, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo,
obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstancias (CPP 206). O valor da prova
testemunhal tem sido muito questionado no correr dos tempos, mas, com o cuidado que deve
merecer qualquer prova, pode-se dizer que é na prova testemunhal que se assenta a decisão
criminal na maioria dos casos. A testemunha tem o dever de testemunhar é:

O não comparecimento configura crime de desobediência;

Não dizer a verdade é falso testemunho;

Se não comparecer ao depoimento, pode ser conduzida coercitivamente;

Obs: a vítima e o acusado não têm a obrigação de dizer a verdade.

Proibidos de depor - No processo penal, distingue-se com precisão a testemunha, que presta
compromisso e depõe sob pena de falso testemunho, das demais pessoas ouvidas, como o
ofendido, parentes do acusado (art. 206), parentes do ofendido, menores, que não prestam
compromisso e são considerados "declarantes". Assim, a testemunha presta depoimento; os
demais fazem declarações. São declarantes:

1º. O ofendido;

2º. O ascendente, o descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão
e o pai, a mãe e o filho adotivo do acusado (art. 206);

3º. As mesmas pessoas em relação ao ofendido (esta conclusão é de criação jurisprudencial,


porque o art. 206 refere-se, apenas, às pessoas vinculadas ao acusado);

4º. Os doentes e deficientes mentais e os menores de 14 anos;

5º. As pessoas que, contraditadas pelas partes, forem reconhecidas como suspeitas ou indignas
de fé. Essas pessoas, apesar de não prestarem compromisso e serem consideradas declarantes,
estão sujeitas ao ônus de comparecer, tanto que poderão ser conduzidas coercitivamente, para
cumprir o dever de colaborar com a Justiça. Há pessoas, por outro lado, que estão proibidas de
depor. São as que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo.
Estas, todavia, poderão depor se forem desobrigadas pelo titular do segredo. Tem-se entendido
que tal liberação não se aplica ao advogado, o qual, em virtude das disposições do Estatuto da
Advocacia, está sempre proibido de depor. Desta forma há que observar o disposto no Código
Civil, no Código de Processo Civil e no Estatuto da OAB (Lei nº 8.906, de 4-7-1994),
sequencialmente, transcriptu:

Art. 229. “Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I – a cujo respeito, por estado ou
profissão, deva guardar segredo; II – a que não possa responder sem desonra própria, de seu
cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; III – que o exponha, ou às pessoas
referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial
imediato”.

Art. 406. “A testemunha não é obrigada a depor de fatos: I – que lhe acarretem grave dano, bem
como ao seu cônjuge e aos parentes consangüíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em
segundo grau; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”.

Art. 34. VII. Constituir infração disciplinar: violar, sem justa causa, do sigilo profissional.

Contradita - Os manuais de direito processual penal dizem não ter validade os testemunhos de
pessoas inidôneas. Assim, antes de iniciado o depoimento, a testemunha poderá ser
contraditada, argüindo a parte circunstâncias que possam induzir à suspeição de seu
depoimento. Contraditar é demonstrar, como parte no processo, que o depoente não tem
idoneidade para prestar aquele testemunho (é forma de realização do contraditório e da ampla
defesa).

Casos específicos (art. 221 CPP)

1º. Servidor público – é obrigado a testemunhar nos termos do art. 218 do CPP, entretanto, a
expedição do mandado de ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que
servirem com a indicação de dia e hora marcados (CPP 221, §3º).

2º. Militar – é o superior quem recebe a intimação e não o militar.


3º. Presidente e outros – O presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e
deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os
secretários de Estados, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às
Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos
Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal
Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. O
Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação e depoimento por
escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão
transmitidas por ofício.

Valor do depoimento - E o depoimento do policial que efetuou o flagrante? Pode ser


considerado válido para fins de prova, no processo penal? Existem três correntes:

1º. Para esta corrente o depoimento do policial não é válido, pois, ele tem interesse na
manutenção de seu ato.

2º. Adeptos desta corrente consideram que o depoimento do policial tem fé pública e, portanto,
o depoimento é considerado válido.

3º. Estes consideram que para retirar a idoneidade do depoimento policial deve haver uma justa
causa, devidamente demonstrada, que seja capaz de retirar o valor probatório de seu
depoimento. A confissão feita perante a autoridade policial, deve ser examinada com reserva e
não pode, por si só, fundamentar condenação. Aliás, a prova exclusivamente policial, não pode
fundamentar decreto condenatório.

E a criança? Como dito alhures, os menores de 14 anos são considerados tão-somente


declarantes, pelo motivo óbvio, da dificuldade que tem a criança de separar a realidade da
fantasia, podendo vir a criar devaneios sobre dada situação.

Prova testemunhal por carta precatória (ou de ordem ou rogatória) - Em casos especiais,
por exemplo, impossibilidade de locomoção, tem-se admitido o interrogatório por precatória.
Também as pessoas residentes fora da comarca serão inquiridas por precatória (CPP 222),
devendo as partes ser intimadas da sua expedição.

A Súmula 155 do Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que a exigência que
gera nulidade é a da intimação da expedição da precatória e não da data da audiência no juízo
deprecado, e a falta daquela intimação provoca nulidade relativa, ou seja, que não se decreta se
não houver prejuízo. Ao determinar a expedição da precatória, o juiz deverá marcar prazo para
seu cumprimento. Esse prazo, evidentemente, não vincula o juiz deprecado, o qual tem a sua
própria pauta, mas tem por finalidade permitir o prosseguimento do processo sem que se
aguarde o seu retorno. Retornando, mesmo posteriormente, será juntada aos autos, ainda que em
segundo grau de jurisdição.

Não há, pois, previsão legal para suspensão do processo para que se aguarde o retorno da
precatória após o prazo marcado, mas, excepcionalmente, o juiz poderá fazê-lo se se demonstrar
que a prova deprecada é fundamental ou decisiva, ou na hipótese de toda a prova oral ser
realizada por precatória. No procedimento, o ofendido e as testemunhas da acusação são
ouvidos primeiro, em audiência separada das testemunhas de defesa. Essa ordem integra o
direito de defesa e não pode ser invertida, ou seja, enquanto não encerradas as testemunhas de
acusação não serão ouvidas as de defesa. Em duas situações a ordem não será considerada: no
caso de precatória não cumprida e devolvida no prazo, e no caso de audiência antecipada da
testemunha que, por enfermidade ou velhice, ou porque terá de ausentar-se, inspirar receio de
que ao tempo da instrução criminal já não exista ou não seja encontrada. Não se deve confundir
com o critério do Código de Processo Civil, que prevê 3 testemunhas para cada ponto de fato, e
10 no total. No processo penal admitem-se 8 para cada crime e não para cada ponto de fato, o
que levaria a um número, eventualmente, muito maior. Além das testemunhas numerárias,
podem ser ouvidas testemunhas, a critério do juiz, e, também, as referidas (art. 209, § 1º.), que
são as pessoas que as testemunhas indicam como sabedoras dos fatos. Desta forma temos, no
processo penal, a seguinte situação, quanto a número de testemunhas a serem ouvidas, incluídas
aí a vitima e os informantes:

1º. Instrução do processo: oito (art.398);

2º. Pleno do tribunal do júri: cinco (art. 417, §2º).

3º. Lei 9.099/95: três (art. 532)

Dentro de sua discricionariedade pode o juiz recusar provas que sejam inúteis ou insignificantes
para o deslinde da quaestio. A professora Flaviane pondera que dentro do número máximo
previsto em lei, não pode o juiz dispensar dada testemunha, pois, tal fato configuraria
cerceamento de defesa. Entretanto, há autores que consideram que a prova testemunhal como
qualquer outra, passa pelo exame de pertinência e relevância do juiz. Isto quer dizer que,
regularmente arroladas, há presunção da necessidade e interesse em sua audiência, entretanto,
ficando demonstrada a impertinência da indicação e a desnecessidade da prova na formação da
convicção do juiz pode ele (juiz), mandar excluí-las do rol, sem que isso constitua cerceamento
de defesa. Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz poderá deferir o pedido de
substituição, exceto quando o pedido tiver por fim frustrar a identificação do rol de testemunhas
ou quando o réu ou seu defensor, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer
alegações escritas e arrolar testemunhas (CPP 395, 397 e 41 in fine). Não sendo encontradas as
testemunhas de defesa, se o acusado, dentro do prazo de três dias, não indicar outras em
substituição, prosseguir-se-á nos demais termos do processo (CPP 405). As partes poderão
desistir do depoimento de qualquer das testemunhas arroladas, ou deixar de arrolá-las, se
considerarem suficientes as provas que possam ser ou tenham sido produzidas, ressalvados os
casos em que o juiz julgar necessário ouvi-la (CPP 405 e 209).

Estudo Dirigido – Questões:

1. Quais são os fatos que não precisam ser objeto de prova?

Os fatos axiomáticos ou intuitivos, isto é, aqueles que são evidentes. Por exemplo, se as
ossadas da vítima são encontradas, não há necessidade de elaborar-se laudo de exame
necroscópico para provar a sua morte, pois esta é evidente;

Os fatos notórios, que são aqueles caídos sob o conhecimento geral. Por exemplo, é fato
notório que o Natal é comemorado no dia 25 de dezembro, ou que os serviços públicos de saúde
e educação são prestados de modo precário, ou, ainda, que a criminalidade aumenta a cada dia.
Aplica-se, no caso, o princípio do notorium non eget probatione, ou seja, o notório não necessita
de prova;
Os fatos sobre os quais versam presunções legais absolutas (jure et de jure), como a
inimputabilidade do menor de 18 anos, e aqueles sobre os quais versam presunções relativas
(juris tantum), como a inexperiência da menor de 18 anos e maior de 14, no crime de sedução.
Quando absoluta a presunção, não se admite prova em contrário; quando relativa, inverte-se o
ônus da prova;

Os fatos inúteis para o processo, aos quais se aplica o princípio frustra probatur quod
probantum non relevat, quer dizer, são inúteis os fatos que não influenciam na solução da causa,
na apuração da verdade real.

2. No processo penal, o fato incontroverso precisa ser provado?

Sim, em face do princípio da verdade real, que obriga o juiz a procurar a verdade dos fatos,
independentemente da verdade formal produzida nos autos do processo. Assim, mesmo os fatos
admitidos pela parte contrária não dispensam dilação probatória. Pelo mesmo motivo, no
processo penal, a confissão não constitui prova absoluta, devendo vir reforçada por outros
elementos probatórios.

3. Qual é o requisito primordial para que uma prova possa ser aceita?
A Constituição Federal consagrou o princípio de que “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI). Assim, o requisito básico para uma prova ser
produzida é que ela seja lícita e legítima. Prova ilícita é aquela produzida com violação de
norma de direito material, como, para exemplificar, a confissão obtida mediante a prática de
tortura, a interceptação de comunicação telefônica, a apreensão de documentos realizada em
diligência de busca domiciliar sem mandado judicial etc. Prova ilegítima é aquela produzida
com violação a regra de direito processual, como, por exemplo, a exibição de documento em
Plenário do Júri, sem prévia comunicação à parte contrária no prazo e na forma do art. 475 do
CPP.

4. Que são provas ilícitas por derivação?

São aquelas lícitas em si mesmas, que, porém, são consideradas ilícitas, uma vez que foram
produzidas a partir de uma prova ilícita ou ilegítima. Por exemplo: torturado, o indiciado aponta
a existência de uma testemunha presencial, que é regularmente ouvida. Esse depoimento, apesar
de lícito em si mesmo, é considerado ilícito por derivação. É o chamado princípio “dos frutos da
árvore envenenada” (fruits of poisonous tree).

5. O princípio da liberdade dos meios de prova é absoluto?

Não, pois mesmo em face do princípio da verdade real o processo penal exige certa formalidade
para a prova de determinados fatos. Assim, de acordo com o disposto no art. 155 do CPP, “no
juízo penal, somente quanto ao estado das pessoas, serão observadas as restrições à prova
estabelecidas na lei civil”. Por exemplo, no caso do matrimônio, do nascimento e do óbito, serão
feitas as mesmas exigências formais existentes na legislação civil, e, portanto, tais fatos só
poderão ser provados mediante certidões dos respectivos cartórios de registro civil das pessoas
naturais.

6. Que é ônus da prova e a quem incumbe?

Ônus da prova (onus probandi) é a obrigação que tem a parte de demonstrar no processo a real
ocorrência de um fato alegado em seu interesse, o qual se apresenta como relevante para o
julgamento da pretensão deduzida pelo autor da ação penal. É, portanto, o encargo de
demonstrar ao juiz a veracidade de algum fato ou  circunstância. Incumbe a prova àquele que
fez a alegação (quem alega deve provar).

7. Quais são os sistemas de apreciação da prova?

Sistema da certeza moral do juiz, também chamado de princípio da íntima convicção do juiz:
de acordo com este sistema, o juiz não precisa fundamentar sua decisão, uma vez que se baseia
exclusivamente na sua consciência, livre de qualquer regra ou imposição legal. Tal sistema
vigora entre nós somente nas votações do Júri, que são imotivadas e sigilosas. No mais, não
pode ser admitido, por violar o princípio constitucional de que todas as decisões do Poder
Judiciário devem ser fundamentadas (CF, art. 93, IX); b)

Sistema da certeza moral do legislador, também chamado de princípio da verdade legal ou


formal: parte do pressuposto de que o juiz não tem qualquer liberdade para apreciar a prova. É o
extremo oposto do anterior. A lei já estabelece um rígido sistema de pesos para cada prova, de
modo que só cabe ao juiz aplicá-lo. Por exemplo: certos fatos só podem ser provados por
perícia, não se admitindo seja esta suprida por depoimentos de testemunhas. É o caso do
disposto no art. 158 do CPP, aplicável às infrações penais não transeuntes, enquanto não
desaparecidos os vestígios;

Sistema da livre convicção do juiz, também chamado de sistema da verdade real ou do livre
convencimento: o juiz não está preso a qualquer regra predeterminada de avaliação da prova,
tendo ampla discricionariedade. No entanto, é obrigado a fundamentar em que baseou seu
convencimento. Tal sistema foi adotado como regra em nossa legislação. Desse modo, dispõe o
art. 157 do CPP que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova”.

8. É admissível a apreensão de cartas não abertas, dirigidas ao acusado, com a


conseqüente violação da correspondência?

Não, em face do disposto no art. 5º, XII, da Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas...”. Logo, está revogado o dispositivo
que permite a apreensão de correspondência (CPP, art. 240, § 1º, f), não se admitindo a busca e
apreensão.

9. Quando é permitida a violabilidade do domicílio?

Consoante o disposto no art. 5º, XI, da Constituição Federal, quando não houver consentimento
do morador, a inviolabilidade do domicílio pode ser quebrada:

a) Durante o dia, somente mediante mandado judicial ou em caso de flagrante delito,


desastre ou para prestar socorro;

b) Durante a noite (das 18 às 6 h), somente nos casos de flagrante, desastre ou socorro.

10. Quantos peritos são necessários para a elaboração do laudo pericial?

Com a nova redação do art. 159, caput, do CPP, dada pela Lei n. 8.862, de 28 de março de
1994, é obrigatória a subscrição do laudo pericial por, no mínimo, dois peritos, sejam oficiais,
sejam não oficiais. Ficou, portanto, superada a interpretação que a jurisprudência vinha dando à
Súmula 361 do STF, segundo a qual só havia necessidade de dois peritos se estes não fossem
oficiais.
11. Qual é o conceito de corpo de delito? Qual a distinção entre corpo de delito e exame de
corpo de delito?

É o conjunto de vestígios materiais, isto é, dos elementos sensíveis deixados pela infração penal.
O corpo de delito representa a própria materialidade do crime. Corpo de delito são os vestígios
do crime, ou seja, o resíduo concreto da prática delitual; Exame de corpo de delito é a análise
feita pelos experts, tendo por objeto o corpo de delito. Trata-se de um auto no qual os peritos
descrevem suas observações, com a finalidade de comprovar a existência do delito.

12. Qual é a natureza jurídica do interrogatório do acusado e quais são as suas


características?

Trata-se de meio de prova, uma vez que se encontra disciplinado no Título VII, do Livro I, do
CPP, que trata “Da Prova”. No entanto, há uma corrente sustentando que se trata de meio de
defesa, pois é o momento em que o acusado exerce sua autodefesa, modalidade de exercício da
ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Para outra corrente, trata-se de meio de prova e também de meio
de defesa. Quanto às suas características, o interrogatório é um ato processual personalíssimo
(só o réu pode ser interrogado), privativo do juiz (as partes não podem reperguntar), oral (salvo
no caso do surdo-mudo) e passível de ser realizado a qualquer momento, mesmo após a
prolação da sentença de primeiro grau. Trata-se de ato processual que jamais preclui.

13. É possível a realização de interrogatório por precatória?

Sim, de acordo com o Provimento CXCI/84 do Conselho Superior da Magistratura de São


Paulo, é possível a realização de interrogatório por precatória porque, no processo penal, não
vige o princípio da identidade física do juiz.

14. E no caso de interrogatório de réu menor?

O réu menor, obrigatoriamente, será interrogado na presença de um curador (CPP, art. 194). A
Súmula 352 do STF, no entanto, dispõe que “Não é nulo o processo penal por falta de nomeação
de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo”. Nesse caso, o dativo faz as
vezes de curador.

15. Como são classificadas as testemunhas?

As testemunhas classificam-se em: a) numerárias: são as testemunhas arroladas pelas partes de


acordo com o número máximo previsto em lei. Devem prestar compromisso para depor, e não
podem ser recusadas pelo juiz, exceto nas proibições legais; b) extranumerárias: são aquelas
ouvidas por iniciativa do juiz, sem que tenham sido arroladas pelas partes. Podem ou não prestar
compromisso, conforme determine o juiz; c) informantes: são aquelas ouvidas por determinação
do juiz, sem a exigência de que prestem compromisso; d) referidas: são as testemunhas
indicadas (ou referidas) por outras em seus depoimentos (CPP, art. 209, § 1º); e) próprias: são as
que depõem sobre o objeto principal do litígio, ou seja, sobre o thema probandum; f)
impróprias: são as que confirmam a autenticidade de um ato processual realizado. Depõem,
portanto, sobre a regularidade de atos que presenciaram, e não sobre fatos de relevância para o
julgamento. São, por exemplo, as testemunhas instrumentárias do interrogatório extrajudicial
(CPP, art. 6º, V, parte final), do auto de prisão em flagrante (CPP, art. 304, §§ 2º e 3º); g)
testemunhas de antecedentes: depõem sobre a vida pregressa do acusado (CPP, art. 59) etc.
16. O exercício da defesa técnica, no processo penal, deve ser considerado um ônus ou uma
obrigação?

Considera-se ônus a prerrogativa da parte cujo descumprimento não gera qualquer nulidade,
mas tão-somente desvantagem processual para quem deixou de praticar um ato capaz de gerar-
lhe algum benefício. Por exemplo: acusação e defesa não têm a obrigação de arrolar
testemunhas, na medida em que tal omissão não acarreta qualquer eiva para o processo.
No entanto, a parte perde importante oportunidade para lastrear a sua tese. Dever ou obrigação,
ao contrário, é uma imposição legal cuja inobservância anula a ação penal. No processo penal, é
obrigatória a nomeação de defensor (CF, art. 5º, LV, e CPP, art. 261), sob pena de nulidade
(CPP, art. 564, III, c). Desse modo, trata-se de obrigação e não de mero ônus processual.

17. No processo penal, o que incumbe, respectivamente, à acusação e à defesa provar?

À acusação: a existência do fato, a autoria, o nexo causal e a tipicidade (dolo ou culpa). Não se
deve presumir o dolo, pois cabe ao Ministério Público provar a prática do fato típico e ilícito. À
defesa: os fatos extintivos do processo (prescrição, decadência e outras causas extintivas da
punibilidade), as alegações que fizer, como, por exemplo, o álibi, e as causas legais e supra
legais de exclusão da ilicitude e da culpabilidade, uma vez que todo fato típico a princípio
também será ilícito (caráter indiciário da ilicitude) e todo agente imputável se presume capaz.

18. Cabe ao juiz o ônus da prova?

O juiz tem o ônus de buscar a verdade real, aclarando pontos obscuros do processo antes de
proferir a sua decisão. Para tanto, a lei lhe confere o poder de determinar, de ofício, diligências
para dirimir dúvida sobre ponto relevante (CPP, art. 156, 2ª parte). Sua atividade, no entanto,
deve ser supletiva, tendo cautela para não quebrar a sua imparcialidade e transformar-se em
acusador ou advogado de defesa.

19. Em que consiste o “álibi”?

Trata-se de alegação da defesa no sentido de que o acusado encontrava-se em outro local no


momento da prática do crime.

20. Como se classifica a prova?

Quanto ao objeto, em direta ou indireta; quanto ao sujeito, em pessoal ou real; e, quanto à


forma, em testemunhal, documental e material.

21. Quais os princípios gerais que regem as provas no processo penal?

Princípio da auto-responsabilidade das partes (cada parte suporta o ônus de ter de provar o
alegado, sob pena de ficar em desvantagem); da audiência contraditória (a parte tem direito à
ciência e oportunidade de contestação de tudo o que a outra produzir em termos de prova); da
comunhão da prova (a prova produzida por uma das partes pode ser aproveitada pela outra);
da oralidade (predominância da palavra falada); da concentração das provas (a prova deve
ser produzida, em regra, na audiência); da publicidade e do livre convencimento motivado
(persuasão racional).

22. Quais os resultados possíveis a que o juiz pode chegar na avaliação das provas?
Certeza (caso de absolvição ou de condenação); dúvida (absolvição — CPP, art. 386, VI); e
ignorância (quando a prova é tão mal produzida que nem sequer desperta no julgador o juízo de
probabilidade; absolvição — CPP, art. 386, VI).

23. Em que consiste o sistema tarifado de apreciação da prova?

É o mesmo que o da prova legal ou certeza moral do legislador (cf. resp, à questão n. 7, item b).

24. Em que consiste a chamada “confissão qualificada?”.

Confissão qualificada é aquela em que o acusado confirma o fato a ele imputado, mas a ele opõe
um fato impeditivo ou modificativo. Por exemplo, matei a vítima, mas em legítima defesa.

25. Qual o conceito e o valor probatório da delação?

A delação ou chamamento de co-réu é a atribuição da prática do crime a terceiro, feita por um


acusado, em seu interrogatório. Pressupõe que o delator também confesse a sua participação.
Tem valor de prova testemunhal e, na parte referente à imputação, admite reperguntas por parte
do delatado (Súmula n. 65 das Mesas de Processo Penal da USP).

26. Em que consiste a acareação?

Ato processual de natureza probatória pelo qual duas ou mais pessoas são colocadas em
confronto, frente a frente, para que elucidem pontos controvertidos de seus depoimentos. Em
última análise, colocá-las cara a cara para verificar quem falou a verdade e quem errou ou
mentiu (Camargo Aranha, Da prova no processo penal, Saraiva, 1994, p. 105).

27. Quais as características do depoimento do ofendido?

Não é computado entre o número legal de testemunhas, não tem a obrigação de dizer a verdade,
não presta compromisso nem pode responder por crime de falso testemunho.

28. Qual a diferença entre indício e presunção?

Indício é toda circunstância conhecida e provada a partir da qual, mediante o emprego de


raciocínio lógico, chega-se à conclusão da existência do fato principal. Presunção é o ato de
tomar um fato como verdadeiro, sem a necessidade de prová-lo ou sem o conhecimento de
qualquer circunstância.
Bibliografia

Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. Ed. Saraiva. 2005

Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Ed. RT. 2004.

Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Ed.Del Rey. 2006.

Tourinho, Fernado da Costa Filho. Manual de Processo Pena. Ed. Saraiva. 2004

Jesus, Damasio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 2005.

Aulas da Professora Flaviane Barros Magalhãs Pellegrini, Processo Penal II, Universidade de Itaúna.
DIREITO PROCESSUAL PENAL

Teoria Geral da Provas (Prof. Fernando Capez).


1. DA PROVA

1.1. Conceito - Prova é todo elemento trazido ao processo, pelo juiz, pelas partes ou por
terceiros (exemplo: peritos), destinado a comprovar a realidade de um fato, a existência de algo
ou a veracidade de uma afirmação. Sua finalidade é fornecer subsídios para a formação da
convicção do julgador.

1.2. Objeto de Prova - São objetos de prova os fatos principais e secundários capazes de
influenciar a responsabilidade criminal do réu, a aplicação da pena e a medida de segurança. Alguns
fatos, entretanto, não podem ser objetos de prova. São eles:

 O direito não pode ser objeto de prova, pois o juiz o conhece (iura novit curia); salvo se for
direito consuetudinário, estrangeiro, estadual ou municipal.

 Os fatos axiomáticos, evidentes.

 Os fatos notórios. O fato axiomático é diferente do fato notório, que é aquele de


conhecimento geral, que faz parte da história e refere-se a fatos políticos, sociais ou
fenômenos da natureza.

 Os fatos irrelevantes, ou seja, aqueles incapazes de influenciar a responsabilidade criminal


do réu no caso concreto.

 Os fatos sobre os quais incide presunção absoluta (iuris et de iure). Exemplo:


incapacidade do menor de 18 anos de entender o caráter criminoso do fato; não se admite
prova em contrário.

Atenção: no Processo Penal, os fatos incontroversos também são objeto de prova; não se aplica
a regra que incide no Processo Civil.

1.3. Classificação das Provas

 Prova Direta: refere-se diretamente ao tema probandu. Exemplo: testemunha presencial,


exame de corpo de delito.

 Prova Indireta: refere-se indiretamente ao tema probandu. Exemplo: álibi apresentado pelo
acusado.

 Prova Pessoal: a prova emana de uma pessoa. Exemplo: interrogatório, testemunha.

 Prova Documental: a prova é produzida por meio de documentos.

 Prova Material: refere-se a objetos. Exemplo: instrumentos do crime, arma do crime.

 Prova Plena: é a prova que conduz a um juízo de certeza.

 Prova Não Plena: é a prova que conduz a um juízo de probabilidade. Para a decisão de
pronúncia aceita-se a prova não plena, mas para a condenação é necessária a prova plena.
1.4. Meios de Prova - Meios de prova são os métodos por meio dos quais a prova pode ser
levada ao processo. Os meios de prova podem ser:

 nominados: são os documentos, acareações, reconhecimento de pessoas e objetos,


interceptação telefônica, interrogatório. São todos os meios de prova previstos na
legislação;

 inominados: são aqueles meios de prova que não estão previstos expressamente na
legislação. Exemplo: juntar fita de vídeo, contendo imagens de um programa de TV
em que o acusado aparece, a fim de mostrá-las aos jurados.

1.5. Sujeitos da Prova - Os sujeitos da prova são as pessoas incumbidas de levar ao juiz os
meios de prova. São as testemunhas, com o depoimento; o réu, com o interrogatório; o perito,
com o laudo etc.

1.6. Princípios Relativos à Prova

 Princípio da Comunhão da Prova: uma vez trazida aos autos, a prova se incorpora ao
processo. Por essa razão, a prova trazida por uma das partes pode ser usada pela parte
contrária. Além disso, uma vez admitida a prova, para que a parte desista dela, deve haver
anuência da parte contrária.

 Princípio da Audiência Contraditória: à parte contrária sempre deve ser dado o direito de
impugnar a prova produzida pelo ex adverso.

 Princípio da Liberdade dos Meios de Prova: no Processo Penal são admitidos todos os
meios de prova, nominados ou inominados, em homenagem ao princípio da verdade real.
Esse princípio, contudo, não é absoluto, pois não se admitem as provas ilegais, que se
subdividem em provas ilícitas e ilegítimas.

Prova ilícita é a prova produzida com desrespeito à regra de direito material. Exemplo:
confissão mediante tortura. Prova ilegítima é a prova produzida com desrespeito à regra de
direito processual. Exemplo: exibição em plenário de documento sem dar ciência à parte
contrária com pelo menos três dias de antecedência. No Brasil adota-se a “teoria dos frutos da
árvore envenenada” trazida do direito norte-americano. Segundo essa teoria, a prova, ainda
que lícita, mas decorrente de outra prova ilícita, não pode ser aceita. Exemplo: o réu, mediante
tortura, aponta três testemunhas. Essas testemunhas são chamadas a Juízo. A oitiva dessas
testemunhas, apesar de lícita, será considerada ilícita, pois se originou de uma prova ilícita. Não
poderá ser aceita.

1.7. Ônus da Prova - O ônus da prova é o encargo que recai sobre as partes, impondo-lhes o
dever de provar algo, sob pena de suportar uma situação processual adversa. A acusação deve
fazer prova da autoria e da materialidade do delito. Deve fazer prova plena desses elementos.
Compete, ainda, à acusação fazer prova do elemento subjetivo, isto é, do dolo da ação ou do
elemento normativo, ou seja, a culpa: provar que o agente agiu com imprudência, negligência
ou imperícia. A defesa deve provar os fatos impeditivos (excludentes de ilicitude), extintivos
(causas de extinção da punibilidade) ou modificativos (desclassificação ou causas de
diminuição da pena) do direito do autor. A defesa não precisa produzir prova plena, basta o
juízo de probabilidade.
1.8. Sistemas de Apreciação da Prova - Sistema Primitivo (hoje abandonado). Utilizavam-se
dois sistemas: o sistema religioso e o sistema étnico ou pagão. O sistema religioso invocava a
divindade para apreciar as provas, qualquer que fosse o julgamento (duelos etc.). No sistema
étnico ou pagão, a apreciação das provas era feita de forma empírica, sem qualquer regra.

Sistema Moderno. São três os sistemas modernos:

 Sistema da íntima convicção ou da certeza moral do julgador. Nesse sistema, a decisão


fica a cargo do juiz, que decide observando certas regras, porém, não há necessidade de
fundamentação do julgamento. Dá ensejo a abusos.

 Sistema da prova legal ou da certeza moral do legislador. A lei fixa um regime tarifado de
provas, preestabelecendo o valor de cada prova.

 Sistema do livre convencimento motivado ou persuasão racional do juiz. Nesse sistema, o


julgador tem liberdade para decidir, formando sua convicção pela livre apreciação das
provas, porém, com a obrigação de fundamentar seu julgamento.

O Código de Processo Penal adota o sistema do livre convencimento motivado. Há uma


exceção estabelecida no Código: para o Tribunal do Júri aplica-se o sistema da íntima
convicção, uma vez que os jurados não podem fundamentar suas decisões.

Da prova testemunhal no processo penal (Enviado por Rômulo de Andrade Moreira)

A testemunha, em sentido próprio, é uma pessoa diversa dos sujeitos principais do processo
(podemos dizer, um terceiro desinteressado) que é chamado em juízo para declarar, positiva ou
negativamente, e sob juramento, a respeito de fatos que digam respeito ao julgamento do mérito
da ação penal, a partir da percepção sensorial que sobre eles obteve no passado.

Mittermaier define a testemunha como sendo "o indivíduo chamado a depor segundo sua
experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato". Para Malatesta, o fundamento
da prova testemunhal reside "na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade,
presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na
realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico".

O testemunho é um meio de prova disciplinado pelos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em
vista o sistema de apreciação de provas do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz
das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o
brocardo testis unus, testis nullus (voix d’un, voix de nul, para os franceses), onde uma só
testemunha não valia como prova. Hoje se admite até uma condenação com base em um único
testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos.
Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença
condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do
respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.

Em nossa sistemática processual a testemunha pode ser:

1) Referida: aquela que, não tendo sido arrolada pelas partes, poderá ser ouvida pelo Juiz por
ter sido citada por uma outra testemunha, dita referente (art. 209, § 1º, CPP). A inquirição da
testemunha referida pode ser determinada de ofício ou a partir de requerimento das partes. Esta
testemunha "corroborará o depoimento da referente, ou lhe será contrário, ou então o
completará, trazendo ao conhecimento do juiz novas circunstâncias e elementos de convicção
sobre fatos litigiosos”.
2) Judicial: é aquela ouvida por ordem do Juiz, independentemente de indicação ou
requerimento das partes (art. 209, caput). Esta prova testemunhal deverá ser produzida após a
colheita de toda a prova, quando, ao invés de sentenciar desde logo, o Juiz converterá o
julgamento em diligência a fim de ouvir a pessoa desejada; observa-se que o art. 156, in fine, do
CPP permite ao Juiz determinar de ofício quaisquer diligências para dirimir dúvida sobre ponto
relevante da questão.

3) Própria: depõe sobre fatos que dizem respeito diretamente ao objeto do processo, ao thema
probandum, seja porque os presenciou, seja porque deles ouviu dizer.

4) Imprópria ou instrumental: declara ou certifica fatos que não se referem diretamente ao


mérito da ação penal. Na verdade, a testemunha imprópria não presenciou nem ouviu dizer dos
fatos, mas assistiu a um ato da persecutio criminis, seja na primeira ou na sua segunda fase,
funcionando como um meio de garantia da veracidade e da legalidade de determinado ato
praticado na fase investigatória ou na fase judicial. Como diz Manzini, este testemunho é uma
"assistenza di controllo, mera guarentigia processuale è invece la così detta testimonianza ad
atti processuali". Tal testemunha diz apenas, por exemplo, que viu alguém depor sem coação ou
ameaça ou que assistiu a apresentação de um preso em flagrante, etc. É evidente que se também
presenciou ou ouviu dizer a respeito do tema será inquirida, outrossim, como testemunha
própria. No nosso Código podemos exemplificar com os arts. 6º, V, 226, IV, 245, § 7º e 304, §
2º.

5) Numerária: é a testemunha que presta compromisso ou juramento, na forma do art. 203,


primeira parte, do Código de Processo Penal (ver adiante).

6) Informante ou declarante: é a testemunha que está dispensada por lei a prestar o


compromisso. São elas os doentes e deficientes mentais e os menores de 14 anos, além de todas
aquelas elencadas no art. 206 (art. 208, CPP). Aliás, quanto a estes últimos (os parentes e os
afins do acusado), só estão obrigados a depor quando sem os seus respectivos testemunhos não
for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias
(art. 206, in fine). Se assim depõem, não precisam prestar o compromisso, porém remanesce
indeclinável o dever jurídico de dizer a verdade (ver adiante).

7) Direta: é a testemunha denominada de visu, ou seja, que sabe dos fatos porque os viu
diretamente, os presenciou sensorialmente. Manzini só considerava verdadeiramente
testemunha este tipo de declarante, pois, para ele, quem não presenciou os fatos seriam meros
informantes. A lei brasileira, no entanto, não faz tal distinção, sendo que pelo sistema do livre
convencimento é evidente que o Juiz pode valorar a prova da forma como melhor lhe aprouver,
dando, por exemplo, valor maior à palavra da testemunha que viu do que à de quem apenas
ouviu dizer.

8) Indireta: ao contrário, esta testemunha declara sobre o que ouviu dizer e não a respeito do
que viu; é, portanto, testemunha de auditu. É um meio de prova criticado por muitos sob o
argumento de que testis debet deponere de eo quod novit et praesens fuit et sic per
proprium sensum et non per sensum alterius. Apesar de ser um testemunho, digamos, mais
frágil e menos firme, o certo é que deve ser aceito como prova testemunhal, ainda mais à luz do
sistema do livre convencimento que dá uma certa liberdade ao julgador no momento de avaliar a
prova.

Para Tornaghi a exigência que deve ser feita para se admitir o testemunho indireto é que o
depoente indique "as fontes de sua ciência como, aliás, ordena o art. 203 do Código de Processo
Penal. Não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Observa o mesmo
jurista que” o testemunho indireto é, ademais, por vezes, o único possível, como no caso de
ausentes, de pessoas que, no leito de morte, fazem alguma declaração etc “, sentido próprio”:
Para Manzini, seriam cinco os requisitos da prova testemunhal em:

1) Judicialidade: só pode ser considerada testemunha a pessoa que depõe em juízo; se o faz
perante outra autoridade que não seja um Juiz de Direito "non mantiene carattere di
testimonianza".7 Tornaghi acompanha o entendimento do seu mestre ao dizer que "tecnicamente
só é prova testemunhal o depoimento prestado em juízo (...), pois "a prova testemunhal de que
a lei fala é aquela produzida perante o juiz". Tourinho, no entanto, adverte não ser possível
admitir esta característica em nosso País, pois, entre nós, o testemunho pode ser colhido também
na fase policial, perante um Delegado de Polícia, no que concordamos.

2) Oralidade: o testemunho será sempre prestado na forma oral, não sendo permitido à
testemunha fazê-lo por escrito, salvo breve consulta a apontamentos. Em nosso Direito positivo
há regra expressa neste sentido (art. 204), havendo, porém, exceções quanto ao testemunho do
surdo-mudo e mudo (arts. 192 II e III e 223 parágrafo único), na Lei n. º 4.898/65 – Abuso de
Autoridade (art. 14, § 1º.) e no art. 221, § 1º. do CPP. A regra da oralidade se justifica
plenamente, pois o testemunho tem que expressar fisicamente as impressões sensoriais do
depoente, o que só é possível se realizado oralmente. Malatesta, aliás, inclui esta característica
como o caráter fundamental do testemunho, "aquele que o especifica como uma das formas
particulares da afirmação de pessoa, diferenciando-o da outra forma particular chamada
documento”.

3) Imediação: para Manzini só seria testemunha aquele que presenciou os fatos diretamente,
percebendo-os sensorialmente, tendo -os visto, ouvido ou sentido imediatamente, pois "la
testimonianza deve esprimere percezioni sensorie ricevute immediatamente dal dichiarante
relativamente ad un fatto da provare”. Porém, o nosso Direito admite, como vimos acima, que a
testemunha também deponha sobre fatos dos quais apenas ouviu dizer (de auditu), razão pela
qual, entre nós, não se pode indicar a imediação como uma característica do testemunho, até
porque não se coaduna com o sistema do livre convencimento.

4) Objetividade: a testemunha não pode se manifestar subjetivamente sobre os fatos a respeito


dos quais depõe, emitindo opiniões pessoais sobre os mesmos "salvo quando inseparáveis da
narrativa do fato", como explicita o art. 213 do CPP. Por conseguinte, não pode o Juiz fazer-lhe
perguntas que venham a ensejar este tipo de resposta; deve também o Magistrado indeferir as
perguntas assim formuladas pelas partes: testis non est iudicare... Opiniões idiossincráticas
comprometem a credibilidade da testemunha, podendo levar à contradita ou argüição de defeito
por suspeita de parcialidade (ver adiante).

5) Retrospectividade: a testemunha depõe sempre sobre fatos pretéritos e não sobre fatos
futuros. Tornaghi, exemplificando, afirma que "se um engenheiro depõe sobre um incêndio a
que assistiu, não lhe toca pronunciar-se sobre a iminência de desmoronamento das paredes que
restam" ou "se um médico é chamado a depor sobre uma agressão, não lhe compete dizer se a
lesão produzida na vítima vai inabilitá-la para o trabalho por mais de 30 dias", pois, ainda que
possuam capacidade técnica para prever acontecimento futuro, por estarem depondo apenas
como testemunhas (e não como peritos), não poderiam fazer tais apreciações. Como diz
Manzini, "ciò appunto distingue la testimonianza dalla perizia”.

Toda pessoa física tem capacidade para ser testemunha, segundo reza o art. 202, do CPP.
Mesmo os menores, os insanos e os amorais podem ser arrolados para testemunhar, cabendo ao
Juiz, com critério, avaliar a prova colhida de acordo com a sua convicção e fundamentando
sempre a sua decisão. O que pode variar, portanto, é o critério de avaliação de cada depoimento,
não a sua admissibilidade. Para Manzini, podem testemunhar, por exemplo, os doentes mentais,
as crianças, o surdo-mudo, os cegos, os ébrios, os condenados, etc., desde que tenham
presenciado o fato e possam relatá-lo, "libero poi il giudice di valutare la credibilitá del teste e
della sua deposizione".
É bom lembrar, porém, que os menores de 14 anos e os doentes mentais, entre nós, não
prestarão compromisso e, portanto, serão testemunhas informantes ou declarantes.

É evidente que uma certa precaução se deve ter, também, com as crianças, mas nunca a ponto
de torná-las incapazes para depor, apenas não se lhes deferirá o compromisso. Vale a
advertência do Desembargador Camargo Aranha: "O testemunho infantil merece ressalvas; é
deficiente e perigoso. Por conter defeitos psicológicos e morais não pode ser recebido como um
juízo de plena certeza". Este mesmo autor aponta três fatores psicológicos que tornam
deficientes tais testemunhos: a imaturidade, a imaginação e a sugestibilidade. Nada obstante tal
consideração entendemos que não se pode desprezar absolutamente o testemunho infantil,
mesmo porque pode ser uma prova nos autos que, quando corroborada por outras, mostre-se
crível. Em recente julgado, o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo assim
decidiu: "O testemunho de criança, que deve ser cercado de todo cuidado, não pode, de per si,
ser execrado, ignorado ou tido como suspeito; na espécie, não procedem as críticas
apresentadas, que fundam-se em teses anciãs e sovadas doutrinas, insuficientes à
desqualificação da prova apresentada".

E quanto ao depoimento de policiais que participaram da investigação que originou o


processo criminal? Esta hipótese, longe de ser incomum, encontra-se presente em grande
número de feitos criminais, até porque, muitas vezes, são realmente as únicas testemunhas do
fato criminoso, mormente quando se trata de prisão em flagrante de delito clandestino. Há uma
corrente jurisprudencial que afasta por completo a admissibilidade desta prova por entender, em
suma, que estas pessoas seriam suspeitas e estariam, portanto, impedidas de depor. Corrente
majoritária, porém, caminha em sentido oposto, admitindo a prova, pois não enxergam
suspeição pelo simples fato da atuação funcional. Estamos com este segundo entendimento,
tendo em vista que, à luz do nosso sistema de apreciação de provas, cabe ao Juiz, com critério,
dar o devido valor à prova colhida. Se os depoimentos dos policiais não forem, por exemplo,
objeto de qualquer contestação por parte do réu, como os desqualificar? E, mesmo que o
sejam, como não os admitir se provada estiver a materialidade do fato e a prova testemunhal
idônea corroborá-los? A testemunha tem alguns deveres, senão vejamos:

1) Dever de comparecer, sob pena de condução coercitiva (art. 218), pagamento de multa e
das custas da diligência, sem prejuízo de responder pelo crime de desobediência (art. 219). Este
dever de comparecimento encontra quatro exceções em nosso Direito, a saber: a) a testemunha
enferma ou idosa (art. 220), b) as pessoas egrégias referidas no art. 221, além dos membros do
Ministério Público (art. 40, I da Lei nº. 8.625/93), constituindo-se prerrogativa da função e não
mero privilégio, o que afrontaria a Constituição Federal c) a testemunha que morar fora da
jurisdição do Juiz processante, que será ouvida mediante carta precatória (art. 222, caput) e d)
os agentes diplomáticos de governos estrangeiros, por força de regras previstas no Direito
Internacional (art. 1º., I, CPP c/c a Convenção de Viena, de 24 de abril de 1963).

2) Dever de prestar compromisso: o compromisso ou o juramento é uma formalidade exigida


por lei que obriga ao Juiz, antes do depoimento, exortar a testemunha a prometer dizer a
verdade do que souber e lhe for perguntado, sob palavra de honra, advertindo-a, inclusive, das
penas cominadas ao falso testemunho (art. 203, primeira parte, c/c art. 210, in fine). O
juramento, de regra, é exigido para todo indivíduo que seja arrolado para ser ouvido como
testemunha, pois "constitui uma garantia ainda mais importante, quer se o considere do ponto
de vista da sanção religiosa, da moral ou da legal, pois se sabe, por experiência, que, muitas
vezes, não sendo ligado pelo juramento, o homem falta à verdade em suas declarações; mas,
obrigando-o à fé do juramento, retrata a sua primeira versão, e não mais cala a verdade, que
um dever imperioso lhe manda revelar".18 A propósito, na Espanha o juramento é prestado
invocando o nome de Deus: "El juramento se prestará en nombre de Dios" (art. 434 da Ley de
Enjuiciamento Criminal). As exceções a esse dever, como se disse acima, estão elencadas no
art. 208, do CPP. A falta de compromisso, quando era cabível prestá-lo, gera nulidade relativa, a
teor do disposto no art. 564, IV, CPP.

3) Dever de dizer a verdade (art. 203, primeira parte): é um dever indeclinável de toda
testemunha. Aquele que falta a este dever incorre nas sanções do art. 342, do Código Penal –
Falso Testemunho. Aliás, o próprio CPP, no art. 211 e seu parágrafo, determina ao Juiz remeter
à polícia cópia do depoimento da testemunha mentirosa ou reservada, para a instauração de
inquérito policial, quando da prolação da sentença final. Caso o depoimento tenha sido prestado
em plenário de julgamento (Juízo singular, Tribunal ou Júri), a testemunha poderá ser
imediatamente apresentada à autoridade policial, seja pelo Magistrado, seja pelo órgão
colegiado, seja pelo Conselho de Sentença, após a votação dos quesitos.

O dever de falar a verdade independe do compromisso ou juramento, é dizer, ainda que não
tenha prestado tal formalidade, deve a testemunha, sob pena de cometer o mesmo delito, falar a
verdade, salvo se o fizer para não se incriminar (autodefesa), quando estaremos frente à
inexigibilidade de conduta diversa que exclui o delito. Observa-se que o atual Código Penal
aboliu a condição ou pressuposto do compromisso como elementar do tipo, não havendo como
mais distinguir, portanto, entre testemunha numerária ou informante para efeito de sujeito ativo
do crime.

4) Dever de se identificar ou de se qualificar (art. 203, primeira parte): deverá a testemunha


indicar seus dados qualificativos corretamente, a fim de que possa a autoridade certificar-se que
a pessoa ouvida é realmente a que foi arrolada. Ademais, deve também informar se possui
alguma vinculação de parentesco com as partes. Se a testemunha neste momento mentir,
atribuindo-se-lhe uma outra identidade para obter vantagem em proveito próprio ou alheio, ou
para causar dano a outrem, poderá incorrer nas penas do art. 307, do Código Penal, ressalvando-
se, mais uma vez, o direito de não se auto-incriminar (autodefesa), o que configuraria
inexigibilidade de conduta diversa. A propósito, o art. 205: "se ocorrer dúvida sobre a
identidade da testemunha, o juiz procederá à verificação pelos meios ao seu alcance, podendo,
entretanto, tomar-lhe o depoimento desde logo".

5) Dever de depor: "A testemunha não poderá eximir-se do dever de depor" (art. 206, primeira
parte). Esta regra comporta algumas exceções, a saber:

a) as pessoas enumeradas no art. 206, segunda parte, "salvo quando não for possível, por outro
modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias";

b) as pessoas referidas no art. 207, "salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar
o seu testemunho”;

c) os Deputados e Senadores (arts. 53, § 5º., c/c 27, § 1º., da Constituição Federal);

d) os agentes diplomáticos (Convenção de Viena, de 18 de abril de 1961).

A primeira exceção repousa no resguardo necessário às relações familiares. A existência do


vínculo entre o acusado e os parentes indicados deve ser aferida no momento do depoimento e
não no momento da prática do delito.

Já a segunda exceção descansa na necessidade de se proteger a inviolabilidade do segredo


revelado por alguém em confiança ou em razão de sua atividade; é a dispensa posta à disposição
de médicos, advogados, engenheiros, jornalistas, as secretárias, tutores, curadores, padres,
pastores, guias espirituais, freiras, etc. Veja-se, com Tourinho, que "só haverá a proibição, se
houver um nexo causal, isto é, é preciso que a pessoa saiba do segredo em razão do ofício etc.
Simples conhecimento decorrente de relação ocasional não gera a obrigação de guardá-lo.
Assim, um médico que, num táxi, ouve uma conversa, não estará impossibilitado de depor sobre
o que ouviu...”.

A terceira dispensa reside em prerrogativa necessária a uma atuação parlamentar segura e


independente, enquanto a quarta exceção tem origem tradicional no Direito Internacional, na
soberania nacional e no bom relacionamento entre as nações.

Observar quanto aos advogados que, além da regra genérica prevista no art. 207 (proibição
decorrente do segredo profissional), o art. 7º., XIX, do respectivo Estatuto diz ser direito do
advogado "recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva
funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando
autorizado ou solicitado pelo constituinte (...)".

6) Dever de fundamentar o seu depoimento, ou seja, dever de explicar "as razões de sua
ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade" (art. 203, in
fine). Tal obrigação é necessária para que o Juiz possa averiguar "se existe adequação entre o
que diz a testemunha e a realidade, é necessário que ela ministre os meios de contraste, que
aponte as ligações entre o sujeito, que é ela própria, e o objeto, que é o fato ”. 21 É a aplicação
da regra iudex interroget testes de causa scientiae.

7) Dever de comunicar mudança de endereço (art. 224): o Juiz processante deve estar ciente
de qualquer mudança de endereço da testemunha, pois poderá haver a necessidade de reouvi-la
ou mesmo submetê-la a uma acareação ou reconhecimento de pessoa ou coisa (art. 502, CPP).

Quando a testemunha for militar deverá ser requisitada a sua presença à autoridade superior (art.
221, § 2º., CPP); se for funcionário público, deve ser comunicada ao chefe da repartição a
expedição do mandado, indicando-se o dia e a hora marcados, evitando-se, assim, que o serviço
público sofra qualquer tipo de solução de continuidade (art. 221, § 3º.).

Se a testemunha residir fora da Comarca do Juízo processante, deverá ser ouvida mediante carta
precatória. Neste caso, diz o código (art. 222) que as partes deverão ser intimadas da respectiva
expedição, não se exigindo, porém, que sejam comunicadas do dia e da hora marcados para a
audiência. A instrução criminal também não será suspensa com a expedição desta carta
precatória (art.222, § 1º.).

O Código de Processo Penal prevê a possibilidade de antecipar-se a ouvida de alguma


testemunha, sempre que houver necessidade de alguma se ausentar, ou no caso de enfermidade
ou velhice (art. 225). Esta antecipação de prova poderá ser determinada de ofício pelo Juiz ou a
requerimento das partes. Neste caso, a ouvida de uma "testemunha de defesa" antes de uma "de
acusação", invertendo-se a ordem determinada pelo Código (art. 396) e pelo princípio do
contraditório, não gerará nulidade, desde que a providência tenha sido realmente
imprescindível.

Se a testemunha for estrangeira, o seu depoimento será tomado com o auxílio de um intérprete
(art. 223), mesmo que o Juiz conheça o idioma. O intérprete deverá ser oficial; se não houver,
nomear-se-á alguém habilitado a exercer o múnus, tomando-se-lhe o compromisso.

Se se tratar de mudo, surdo ou surdo-mudo, obedece-se ao disposto no art. 192, CPP.

De regra o número de testemunhas é de oito para a acusação (independentemente do número de


acusados) e oito para a defesa (por cada réu), não se computando neste número as referidas, as
informantes, as judiciais e as que nada souberem que interesse à decisão da causa (cfr. arts. 398,
parágrafo único e 209, caput e seu § 2º.). Este é o número previsto para o procedimento-regra
dos crimes apenados com reclusão (art. 398). Porém, há exceções, como, por exemplo:
a) procedimento sumário para crimes apenados com detenção (cinco testemunhas);

b) em Plenário do Júri (cinco); no procedimento dos crimes das leis de tóxicos e de economia
popular (cinco), etc.

A testemunha poderá ser contraditada ou argüida por qualquer das partes, inclusive pela parte
que a arrolou. Veja-se a respeito o art. 214.

Tornaghi vê neste artigo duas coisas distintas: a contradita e a argüição de defeito. Para o
mestre, a testemunha será contraditada se mentir ou calar a verdade quando perguntada sobre
seus dados qualificativos ou sobre suas relações com o acusado, o ofendido ou o Ministério
Público. De outro modo, argüir-se-á defeito da testemunha que, por qualquer outra
circunstância, for suspeita de parcialidade ou não mereça fé (se for doente mental, ou
interessado na causa, ou se estiver respondendo a processo análogo, além de sentimentos como
a paixão, a solidariedade e a vaidade, a promessa de recompensa, o suborno, etc.). 22
Contraditada ou argüida a testemunha, o Juiz fará consignar a alegação, bem como a resposta do
depoente, mas só o excluirá ou não lhe deferirá compromisso nos casos dos arts. 207 e 208,
CPP.

Se o réu, pela sua atitude, estiver influindo no depoimento de uma testemunha, permite o CPP,
no art. 217, que ele seja retirado do recinto, prosseguindo a audiência na presença do seu
advogado. Este incidente deve ser obrigatoriamente registrado na respectiva ata da audiência
para futuro controle na superior instância, se for o caso.

As testemunhas deverão ser inquiridas separadamente, a fim de que uma não saiba e não ouça as
declarações da outra, evitando-se, assim, que haja qualquer influência a prejudicar a finalidade
do testemunho (art. 210).

As perguntas das partes às testemunhas devem ser dirigidas ao Juiz que as formulará
diretamente ao depoente, transcrevendo-se a resposta o mais fielmente possível (arts. 212 e
215). Este é o sistema presidencialista, ao contrário do cross examination, onde as partes se
reportam à testemunha diretamente. No Brasil, apenas no plenário do Tribunal do Júri se
permite que as partes e os jurados se dirijam diretamente às testemunhas, excetuando-se o
sistema presidencialista (art. 467). Não pode o Magistrado recusar-se a fazer as perguntas
requeridas, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já
respondida. Se o fizer, deve o fato ser anotado na ata da audiência, para posterior controle de
sua legalidade.

Após a transcrição das respostas, a testemunha deverá assinar o respectivo termo, juntamente
com o Juiz e as partes. Se não souber ou não puder assinar, alguém o fará por ela (art. 216).

Questão de fundamental importância diz respeito à proteção física das testemunhas, pois muitas
delas podem vir a sofrer graves represálias por conta de depoimento que prestaram ou que
prestariam à Justiça criminal, fato absolutamente comum em nosso país. Nos Estados Unidos,
por exemplo, desde o ano de 1971 que o Serviço Marshall passou a se encarregar também da
proteção de testemunhas. No Reino Unido há um programa de proteção semelhante, o Victim
Support , em funcionamento desde 1974, assim como na Itália, país que combateu e combate a
máfia graças à proteção eficiente que passou a dar às pessoas que se dispunham a colaborar com
o seu testemunho.

No Brasil já temos, também, uma lei específica a respeito do assunto, a Lei nº. 9.807/99,
regulamentada pelo Decreto nº. 3.518/00, que estabelece normas para a organização e a
manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, além de
instituir o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, dispondo,
ainda, sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado
efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.

Para a implementação deste Programa, os Estados, a União e o Distrito Federal poderão celebrar
convênios com entidades não-governamentais, sob a supervisão do Ministério da Justiça.

A proteção poderá se estender aos familiares da testemunha, desde que haja a anuência do
beneficiado e poderá consistir, a depender da gravidade e das circunstâncias do caso, em
segurança residencial, escolta policial, transferência de residência, ajuda financeira, social,
médica, psicológica, etc. A duração máxima do benefício será, em regra, de dois anos, podendo
ser prorrogada excepcionalmente se perdurarem os motivos que autorizaram a admissão.
Também em circunstâncias excepcionais e considerando as características e gravidade da
coação ou ameaça, poderá ser alterado o nome da testemunha protegida.

Rômulo de Andrade Moreira (Promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio


Operacional das Promotorias Criminais do Ministério Público do Estado da Bahia.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS na graduação e na
pós -graduação (Cursos de Especialização em Direito Público e em Processo).
Pós -graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha e pela UNIFACS
(Especialização em Processo, coordenado pelo Professor Calmon de Passos).
Membro da Association Internationale de Droit Penal e do Instituto Brasileiro de Direito
Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao
Movimento do Ministério Público Democrático)

Da confissão no processo penal

 A confissão é mais um meio de prova previsto no Código de Processo Penal, disciplinado


especificamente entre os arts. 197 a 200.

Outrora considerada como a regina probationum, hoje seu valor probatório é relativo, devendo
ser corroborada por outros meios de prova também admitidos e avaliada em conformidade com
o sistema do livre convencimento (art. 197).

Em poucas palavras, podemos conceituar a confissão como a admissão por parte do acusado da
veracidade da imputação que lhe foi feita pelo acusador, total ou parcialmente.

Para Carlos Duran,

"la confesión del acusado consiste en el expreso reconocimiento de haber ejecutado el hecho
delictivo de que se le acusa. Existe confesión aun cuando el reconocimiento del acusado sea
parcial, bien porque sólo admita una parte del hecho o de los hechos imputados al mismo, bien
porque se limite a considerarse como un simple cómplice de la perpetración del delito,
rechazando su consideración como autor o como cooperador necesario"

Historicamente a confissão, como se disse, já foi considerada a rainha das provas, a ponto de
serem legítimos, para consegui-la, métodos verdadeiramente desumanos, como a tortura; como
reação (e por razões eminentemente humanitárias), muitos passaram a pregar uma posição
diametralmente oposta e radicalmente concebida: o desvalor absoluto da confissão, negando-lhe
legitimidade como meio de prova, taxando-a de imoral e cruel, sob o argumento de que feria a
própria natureza humana o admitir-se a própria culpa; haveria, portanto, uma impossibilidade
moral na confissão.
Hoje valora-se relativamente tal prova: ainda que não possa ser considerada de forma
incontestável, tampouco se pode concebê-la como meio de prova imprestável. Relativizou-se,
portanto, o seu valor probatório. Esta tendência doutrinária consubstanciou-se, entre nós, no art.
197 do CPP. Pelo sistema do livre convencimento, o Juiz "deverá confrontá-la com as demais
provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".

Esta relatividade emprestada à confissão se deve ao fato de que várias circunstâncias pessoais
podem levar alguém a confessar uma infração penal sem que tenha sido seu verdadeiro autor.
Tourinho Filho, por exemplo, enumera algumas delas:

1) desejo de morrer (no caso de ser prevista a pena de morte);

2) debilidade mental;

3) vantagem pecuniária;

4) relevante valor moral ou social;

5) fanatismo religioso (autopunição);

6) ocultação de delitos mais graves (álibi);

7) desejo de proteção estatal (segurança, alimentação, etc.).

Justificando a relatividade da confissão no Juízo penal, ao contrário do que ocorre, em regra, no


cível, assevera Malatesta: "A justiça penal não atinge seus fins, golpeando um bode expiatório
qualquer; precisa do verdadeiro delinqüente, para que se torne legítima a sua ação. Sem a
certeza da culpabilidade, mesmo havendo a aquiescência do acusado, a condenação seria
sempre monstruosa, e perturbaria a consciência social mais que qualquer outro delito. Ora,
desde que nem toda confissão inspira certeza da culpabilidade, segue-se que a máxima
confessus pro judicato habetur, sempre boa no campo civil, deve ser rejeitada no do direito
penal”.

Grande parte da doutrina identifica e admite a chamada confissão implícita ou tácita, quando,
por exemplo, o acusado repara o dano causado pela infração penal ou pratica qualquer outro ato
que enseje concluir pela veracidade da imputação.

O comportamento do réu em relação à vítima e ao dano causado pelo delito indicaria que ele
teria sido o autor da infração penal, ainda que assim não o declarasse expressamente. No
entanto, a confissão implícita deve ser vista com muita cautela, admitindo-a apenas como mero
indício, pois, como adverte Mittermaier, "muitas vezes vê-se um homem inocente fazer um
sacrifício de dinheiro para tirar-se de uma posição embaraçosa, para evitar uma denúncia que,
embora não fundada, pode-lhe causar um grave prejuízo”.

Por outro lado, o silêncio do acusado não mais pode trazer qualquer conseqüência prejudicial
para ele, sendo incorreto afirmar-se, como ainda se encontra em nosso Código de Processo
Penal, que o silêncio “poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa" (art. 186, in
fine). Tal conclusão se extrai do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal que elenca dentre os
direitos individuais o de permanecer calado. Ora, se o silêncio é direito individual
constitucionalmente garantido, como imaginar que a sua utilização, em Juízo ou fora dele,
acarretará para o cidadão algum efeito a ele prejudicial? Ou é direito individual e pode ser usado
sem restrição e sem conseqüência, ou não o é.
A confissão, portanto, deve ser, de preferência, expressa e circunstanciada; deve pormenorizar
todas as circunstâncias atinentes ao fato confessado, a fim de que dúvidas não subsistam no
espírito do julgador. Como diz o autor acima referido, "as conseqüências da confissão são tão
graves que convém que ela seja feita com uma precisão extrema. Só a precisão pode fornecer
os meios de verificar o seu conteúdo, com o auxílio das outras provas; e, além disto, atesta que
o acusado, conhecendo a extensão dos perigos a que se expõe, não obstante, quer obrar e falar
seriamente".

É importante assinalar que, ao contrário do Processo Civil, não há no Processo Penal a confissão
ficta. Não existe no CPP disposição similar àquela contida no CPC, segundo a qual "não sendo
contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo
autor". (art. 285, CPC). No Juízo criminal dizer-se tal coisa representa uma verdadeira heresia,
um descompasso doutrinário que beira à teratologia jurídica.

A confissão pode ser simples (quando o sujeito confessa apenas um fato), complexa (quando
admite vários fatos) e qualificada (confessa, alegando em seu favor, porém, excludentes de
criminalidade ou de culpabilidade ou qualquer circunstância que lhe beneficie). Muitos não
admitem esta última modalidade como sendo uma verdadeira confissão, pois quando utilizada
pelo réu não o estorva, não o atrapalha, não o desajuda.

Para estes, só haveria verdadeiramente confissão quando o fato ou os fatos admitidos fossem
adversos ao confitente. Preferencialmente a confissão deve ser feita judicialmente, perante o
Juiz competente. Apesar de aceita, a confissão extrajudicial deve sempre ser ratificada em Juízo
e em todos os seus termos, sob pena de invalidade. A confissão produzida na fase inquisitorial
deve, assim, ser ratificada na instrução criminal.

Podemos, em linhas gerais e de regra, destacar as seguintes características da confissão:

1) É um ato personalíssimo, não podendo ser produzido por terceiro, ainda que portador de
uma procuração com poderes especialíssimos. Surge, de regra, na oportunidade do
interrogatório. Se for feita em outra ocasião, deve ser tomada por termo nos autos (art. 199,
CPP).

2) Produz-se oralmente, devendo ser reduzida a termo para se completar validamente.

3) Deve ser voluntária e espontânea, livre de qualquer coação ou constrangimento ilegal.


Sequer as perguntas sugestivas e capciosas devem ser empregadas para se conseguir a
confissão, mesmo porque o interrogatório se sujeita a "una serie de reglas de lealtad procesal".
A propósito, veja-se o art. 8º., 3, do Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, já incorporado em nosso ordenamento
jurídico, por força do Decreto n.º 678 de 6 de novembro de 1992: "a confissão do acusado só é
válida se feita sem coação de nenhuma natureza". Como diz Mittermaier, " a confissão deve ser
o produto da vontade livre do acusado; é preciso que ele tenha tido a intenção firme de dizer a
verdade; é preciso que nem o temor, nem o constrangimento, nem alguma inspiração estranha
pareça ditar-lhe os meios".

Ademais, é importante que o acusado, ao confessar, esteja física e mentalmente em perfeitas


condições e seja imputável.

Em respeito à pessoa do imputado e à inviolabilidade de sua consciência, Ferrajoli adverte sobre


a proibição "non solo de arrancar la confesión con violência, sino también de obtenerla
mediante manipulaciones de la psique, con drogas o con prácticas hipnóticas".
4) É divisível ou cindível, visto que o Juiz, ao julgar, pode levar em conta apenas uma parte da
confissão, desprezando uma outra: pode, por exemplo, aceitar a confissão de um homicídio e
não se convencer quanto à admissão da lesão corporal também imputada, em concurso, ao réu.
Esta característica está expressa no art. 200 do CPP. Nada obstante, encontramos julgados
nestes termos: "Indivisibilidade da confissão. Não se pode cindir o interrogatório do acusado,
aproveitando-o na parte em que o compromete e afastando-o naquela em que possa favorecê-lo
eventualmente". (JTACrim, 73/23).

5) É retratável, contanto que se justifique a negação da confissão anteriormente feita como, por
exemplo, a possibilidade do réu mostrar que, ao confessar inicialmente, incidiu em erro ou não
se encontrava em plenas condições de saúde. Veja-se a propósito a jurisprudência: "A confissão
pode ser retratada em juízo, mas para que seja aceita essa retratação é mister que, além de
verossímil, encontre algum amparo ainda que em elementos indiciários ou circunstanciais dos
autos". (RT, 393/345).

A retratabilidade da confissão, assim como a sua divisibilidade, é admitida expressamente pelo


código, no mesmo art. 200.

Sistemas de apreciação das provas no Processo Penal (por André Camargo


Tozadori).
Após colher a prova, o juiz irá apreciá-la. Se a finalidade do processo é a justa solução do litígio
penal, a da instrução é a descoberta da verdade. Sobre a situação concreta que a instrução
permite reconstruir, é que incide o julgamento. Para atingir seu objetivo de restauração de um
acontecimento pretérito a prova passa por duas operações: a primeira é o procedimento
probatório, e a segunda, a valoração dos elementos que esse procedimento obtém e fornece. O
procedimento probatório leva ao juiz fatos e acontecimentos, dados diretos ou circunstâncias,
sobre os quais recai, no momento culminante do judicium, a valoração do magistrado
(MARQUES, 2000, p. 333).

Somente o juiz é que pode valorar as provas e é certo que é um trabalho meticuloso e muito
delicado. É uma análise crítica que deve ser elaborada com o máximo de escrúpulo. Deve,
portanto, o magistrado, com cuidado, afastar da sua mente determinados pré-julgamentos,
quando estes possam conduzi-lo a erro (TOURINHO, 1999, p. 239).

A apreciação das provas, através da história, passou por diferentes fases, amoldando-se às
convicções, às conveniências, aos costumes e ao regime de cada povo. Primitivamente,
aplicava-se o sistema étnico ou pagão, em que a apreciação das provas era deixada ao sabor das
impressões do juiz, que as aferia de acordo com sua própria experiência, num sistema empírico.
Depois veio o sistema religioso, em que se invoca o julgamento divino, através das ordálias, dos
duelos judiciários e dos juízos de Deus (MIRABETE, 1995, p. 263).

Muito embora os ordálios tenham tão-somente um interesse histórico, não deixaram de ser um
sistema de apreciação das provas em que o juiz assumia, grosso modo, o papel de fiscal dos
resultados delas. Tal sistema unia a incerteza da loteria à crueldade de várias de suas provas e a
irracionalidade de todas elas (ZAMORA apud TOURINHO, 1999, p. 240). Os ordálios eram
denominados Juízos de Deus, sob a falsa crença de que a divindade intervinha nos julgamentos
e, num passe de mágica, deixava demonstrado se o réu era ou não culpado. Esse sistema
aprimorou-se na Idade Média, entre os europeus e submetia o pretenso culpado a uma prova,
para se aferir a sua responsabilidade (TOURINHO, 1999, p.240).
As principais provas eram: a) prova da água fria: jogando o indiciado à água, se submergisse,
era inocente, se viesse à tona era culpado; b) prova do ferro em brasa: o pretenso culpado,
com os pés descalços, teria de passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse,
era inocente, porém, se queimasse, sua culpa era manifesta; c) a prova judicium affae: o
indivíduo devia engolir, de uma só vez, grande quantidade de alimento, que era farinha de trigo.
Se não o fizesse era culpado; d) Prova do pão e do queijo: acusado devia engolir um pedaço de
pão e de queijo. Se não o conseguisse era condenado. Essa ordália era aplicada aos velhos,
mulheres, crianças, doentes; destinava-se especialmente aos suspeitos de furto; e) Prova da
cruz: quando alguém fosse morto em rixa, escolhiam-se sete rixadores, que eram levados à
frente de um altar. Sobre este se punham duas varinhas, uma das quais marcadas com uma cruz,
e ambas envolvidas em pano. Em seguida tirava-se uma delas: se saísse a que não tinha marca,
era sinal de que o assassino não estava entre os sete. Se, ao contrário, saísse a assinalada,
concluía-se que o homicida era um dos presentes. Repetia-se a experiência em relação a cada
um deles, até sair à vara com a cruz, que se supunha apontar o criminoso (TOURINHO, 1999,
p.240).

Este sistema constitui meio de prova decididamente formal, obrigando o juiz, embora com
convicção diretamente contrária ao resultado de tal, a aceitar esse resultado como base e motivo
decisivo de sua sentença.(MITTERMAIER, 1997, p.17). Em Roma, na época da república, o
povo era quem pronunciava as decisões reunidas nos comícios por centúrias ou por tribos, e,
portanto, não era possível uma apreciação jurídica das provas. Reunindo a autoridade
legislativa o direito de graça e o poder judiciário, o povo, tomado de compaixão, deixava-se
levar pela consideração de antigos serviços, era influenciado por mil considerações diversas, e
muitas vezes absolvia a um culpado (MITTERMAIER, 1997, p.18). Durante o Império caem
em desuso os antigos tribunais populares. Para bem compreender o sistema de prova, seguido
pelos Romanos em matéria criminal, convêm distinguir segundo as épocas: 1º. Durante a
república, teoria legal das provas; os juizes são livres em sua apreciação; vê-se, porém, que o
acusado, no caso de confessar, é logo condenado, sem que haja o dever de examinar melhor o
valor real dessa confissão. Entretanto, já aparecem certas regras, qual a de não poderem depor
os indivíduos qualificados improbi. 2º. No fim da era republicana, os jurisconsultos
estabeleceram numerosos preceitos sobre a matéria da apreciação do valor dos meios de prova;
estes preceitos concernem principalmente à prova testemunhal. Durante este período surgiu um
dos maiores oradores da História do Direito Romano: Marco Túlio Cícero, advogado, cônsul,
escritor e orador. 3º. Durante os imperadores, os jurisconsultos ainda estendem as regras, e os
juizes se habituam, a observá-las fielmente. Os escritos e as Constituições imperiais contêm a
seu turno freqüentes indicações para os magistrados a respeito do exame das provas ou da
proibição expressa da admissão destas e daquelas testemunhas (MITTERMAIER, 1997, p.19).

Primitivamente, a prova nos povos bárbaros resumia-se em mágicas, ou impressões particulares,


quando falecia ao juiz o flagrante delito. (JUNQUEIRA, 1975). A bíblia informa que, no
adultério, colocava-se a mulher sobre uma pedra em brasa, para que esta pudesse justificar a
falta com a própria resistência ao flagelo imposto e, assim, o absurdo imperava contra a razão.
Na inquisição, uma só palavra era o bastante para condenar o réu e, desse modo, o misticismo e
a ignorância, em conjunto, conspiravam contra a liberdade e a justiça. Esta fase, porém, foi com
o decorrer dos anos, suplantada pelo princípio da prova legal na época medieval. Nesse período,
a confissão foi eleita como a rainha das provas, tendo valor absoluto (JUNQUEIRA, 1975).

Na Grécia antiga o povo também era quem pronunciava as decisões reunido em Júri Popular,
sendo que não era possível uma apreciação jurídica das provas. Após o povo ateniense insurgir-
se contra a ditadura dos Trinta, ocorrendo uma vitória da população que derrubou o poder,
Atenas buscava sair de uma grande crise material e ideológica e reavivar suas tradições. Neste
momento ocorreu um dos maiores julgamentos e um dos momentos de maior densidade humana
da História, o julgamento de Sócrates. Em março de 399 a.C. quando tinha 70 anos de idade ele
fora acusado de corromper a juventude e de introduzir novos deuses, não reconhecendo como
tais os deuses da cidade. A pena que lhe foi pedida: a morte. Abriu-se um processo onde foi
constituído um júri popular de 501 pessoas, perante as quais falaram Sócrates e seus acusadores.
Junto de Cícero, Sócrates fora um dos maiores oradores que a Antigüidade conheceu e sua
autodefesa, onde se julga inocente de todas as acusações perante o júri popular, se encontra na
Apologia de Sócrates escrita pelo seu discípulo Platão, que mostra com abundância de detalhes
os meios como a prova era valorada naquela época, como numa passagem de sua defesa onde
diz: Parece-me não ser justo rogar ao juiz e fazer-se absolver por meios de súplicas; é preciso
esclarecê-lo e convencê-lo. Sócrates acabou condenado, mas foi difícil obter um veredicto de
culpabilidade, pois havia sido condenado por uma margem de apenas sessenta votos (CLARET,
2000, p. 1-170). Na Inglaterra, houve tempo em que os jurados podiam ser punidos pelo juiz
quando este se convencia de que eles haviam julgado contra a própria convicção, mas nada
impedia que eles a formassem com elementos estranhos ao processo.

Sistema de Prova Legal

Por tal sistema cada prova tinha um valor preestabelecido em lei, inalterável e constante, de
sorte que ao juiz não era livre a avaliação, agindo bitolado da qual não se pode escapar ou fugir.
Daí por que também chamado de sistema tarifado, já que as provas têm uma tabela da qual não
se pode escapar ou fugir. Exemplo clássico é o encontrado no Deuteronômio: “Pela boca de
duas testemunhas, ou de três testemunhas, será morto aquele que houver de morrer; mas pela
boca de uma só testemunha não será morto” (XVII). “Uma só testemunha não poderá levantar-
se contra ninguém” (XIX) (ARANHA, 1994, p. 52).

Em tal sistema o juiz manifestava a verdade não de acordo com a convicção resultante das
provas, mas sim de conformidade com o valor legal. O juiz torna-se um órgão passivo, pois,
diante do valor tabelado das provas, cabe a ele apenas verificar o valor atribuído pela lei,
reconhecendo-a na sentença, sem que possa expressar sua convicção. Pode-se chegar ao absurdo
de negar a verdade, porque dita só por uma testemunha, ou validar uma mentira berrante,
porque fruto dos depoimentos de duas pessoas. (ARANHA, 1994, p.52-53).

Sistema da livre convicção.

Este sistema tem origem em Roma dando ao juiz total e irrestrita possibilidade de coligir e
apreciar as provas. Como disse Chiovenda: “O juiz de Roma teve por ofício procurar livremente
a verdade dos fatos, avaliando as provas; ele pronuncia a decisão que lhe sugere a consciência
(CHIOVENDA apud ARANHA, 1994, p. 53). Neste sistema o juiz é soberano e age conforme
sua convicção sobre as provas que lhe são apresentadas, não sendo obrigado a fundamentar sua
decisão. Tal sistema, dada a soberaneidade do juiz, também ficou conhecido como da íntima
convicção”.

Sistema da persuasão Racional.

Tudo indica que surgiu em Roma contra o sistema da livre convicção do juiz, todavia, ficou
conhecido nos códigos napoleônicos. O juiz age livremente na apreciação das provas, porém sua
avaliação deve ser ajustada às regras científicas (jurídicas, lógicas e experimentais)
preestabelecidas. (ARANHA, 1994, 54).

O sistema da livre convicção ou livre convencimento ou da verdade real foi adotado pelo atual
CPP brasileiro. O artigo 157 do CPP: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da
prova. Lembrando que embora seja livre ao apreciar as provas, as decisões devem sempre ser
motivadas. Assim pode-se dizer que vigora o sistema do livre convencimento motivado.
Segundo a exposição de motivos do Código de Processo Penal não há hierarquia de provas, na
livre apreciação destas, o juiz formará, honesta e lealmente, a sua convicção. A própria
confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de culpabilidade. Todas as provas
são relativas, nenhuma delas terá valor absoluto, valor decisivo, ou necessariamente maior
prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não menos
certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas a verdade
material. Assim o juiz fica restituído a sua própria consciência. Porém, livre convencimento não
quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. Não estará ele
dispensado de motivar a sentença. Como corolário do sistema de livre convicção do juiz, é
rejeitado o velho brocardo testis unus testis nullus (uma testemunha, testemunha nenhuma). O
CPP obriga ao juiz, nos termos do artigo 381, inciso III, a indicar os motivos de fato e de direito
em que se fundar a decisão. A motivação da sentença é oriunda das conquistas do liberalismo.
Até o final do século XVII, quando capeava o procedimento inquisitivo, era comum o juiz
condenar ou absolver, sem fundamentar a sua decisão, limitando-se a dizer: condeno ou
absolvo. (TOURINHO, 2000, p. 244).

Manzini apud Tourinho (2000, p.245) observa: A motivação constitui uma garantia para o
Estado, porquanto lhe interessa que a sua vontade seja acatada com exatidão e que a justiça se
administre corretamente; constitui uma garantia para o cidadão e constitui, também, garantia
para o próprio Juiz, que motivando suas decisões, se acoberta contra a suspeita de
arbitrariedade, de parcialidade ou de outra injustiça.”“.

Sentença sem motivação é um corpo sem alma. É nula. Tão essencial e fundamental é a
motivação que sua omissão, constitui nulidade, conforme o artigo 564, inciso III, alínea m, ou
até mesmo o inciso IV do mesmo dispositivo legal. Portanto, em função desse sistema:

a) O juiz tem que valorar todas as provas;

b) Não há hierarquia entre as provas;

c) Todas as provas são relativas;

d) O juiz deve fundamentar sua convicção.

Existe ainda o Tribunal do Júri, onde os jurados apenas respondem aos quesitos através de sim
ou não, sem dar as razões do seu convencimento.
Referência Bibliográfica:

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol.2. 2.ed. Campinas: Milennium, 2000.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol.3. 21.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1995.

MITTERMAIER, C.J.A. Tratado da Prova em Matéria Criminal. 2.ed. Campinas: Bookseller, 1997.
JUNQUEIRA, Roberto de Rezende. Do livre Convencimento do Juiz e de seus poderes na instrução Criminal e na aplicação das
Penas. Revista Justitia. vol.88, 1º trimestre de 1975. São Paulo, CD-Rom produzido por Publicações Eletrônicas APMP.

CLARET, Martin. Apologia de Sócrates Banquetes. São Paulo: Martin Claret, 2000.

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Sobre o autor
André Camargo Tozadori

Advogado em Piracicaba/SP. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela UNIMEP.

1 INTRODUÇÃO

A questão da admissibilidade das provas ilícitas no Processo tem gerado controvérsias no meio
jurídico desde antes de sua elevação a nível constitucional, face à importância da atividade
probatória na busca das partes em influir na formação do convencimento do julgador. Antes da
Constituição da República de 1988, construções doutrinárias e jurisprudenciais buscavam
solucionar o problema, ante a total falta de disposição legal que regulasse diretamente a matéria.
Existiam correntes que defendiam a total inadmissibilidade desse tipo de prova, aplicando ao
processo penal, por analogia, dispositivos legais como o art. 332 do CPC e o art. 295 do CPPM.
Para outras correntes, deveria haver uma ponderação de valores na hipótese concreta, já que, em
diversos casos, haveria razões que poderiam justificar a admissibilidade dessas provas, sob pena
de gerar grave injustiça.

Com o advento da atual Carta Magna, a situação parecia consolidada, face à proibição expressa
inserida no Art. 5º, LVI, vedando a admissibilidade no processo de provas obtidas por meios
ilícitos, vez que, normalmente, são colhidas com infringência à direitos fundamentais do
cidadão. Entretanto, correntes doutrinárias e alguns julgados passaram a indicar a necessidade
de se fazer uma interpretação sistemática do Art. 5º, LVI, da Constituição da República de
1988, colocando-o em consonância com outros princípios constitucionais que também incidam
no caso concreto, visando compatibilizar os direitos fundamentais em conflito.

Desta forma, teorias como a da proporcionalidade, importada do direito alemão, e que já


fundamentava decisões anteriores à Constituição da República de 1988, continuaram a servir de
argumento para a admissibilidade da prova ilícita no processo, sobretudo nos casos em que
fosse para beneficiar o réu. Para os defensores dessa teoria, que tem ganhado força na
atualidade, a rigidez poderia levar a situações potencialmente conflitivas, pendendo a proteção
de um direito em detrimento de outro direito. Assim, a admissibilidade ou não no processo
penal da prova obtida por meios ilícitos torna-se importante nos dias atuais, sobretudo em
função do choque entre garantias individuais do cidadão frente aos arbítrios de um Estado
sucateado e despreparado para combater as formas mais simples de criminalidade, sem se falar
no criminalidade violenta, que desconhece qualquer limite e coloca em risco a própria
sociedade. Nesse ponto, não se pode admitir uma solução apriorística, sob pena de esvaziar o
conteúdo de um direito fundamental em virtude da supervalorização de outro, o que geraria,
certamente, situações de flagrante injustiça.

O presente trabalho objetiva expor as posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema


provas ilícitas, entendidas como aquelas colhidas com inobservância de regras de direito
material, dos costumes, dos princípios gerais de direito e da moral, já que é nestes casos que
reside a maior controvérsia. A fim de orientar a exposição do tema, serão apresentados
conceitos gerais relativos à prova penal, de modo a delimitar seu conceito e seu objeto,
apresentar a evolução histórica dos sistemas de avaliação das provas, dando especial enfoque
para o sistema do livre convencimento motivado, e traçar os contornos dos princípios
informadores da teoria das provas e aplicáveis ao estudo das provas ilícitas. Como ponto central
do trabalho, será analisado o alcance da vedação constitucional às provas ilícitas, através da
apresentação das posições doutrinária e jurisprudencial, sob o prisma do choque de direitos
fundamentais, apresentando, como ponto de equilíbrio, o princípio da proporcionalidade.

Finalmente, será abordada a questão das provas ilícitas por derivação, que tem suscitado
pronunciamentos da doutrina e da jurisprudência, com especial atenção à teoria dos frutos da
árvore venenosa: sua adoção no sistema jurídico brasileiro e sua delimitação no direito norte
americano, de onde é originária, sem deixar de considerar seu aparecimento no direito alemão.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DAS PROVAS

Terminada a fase de produção das provas, caberá ao juiz apreciá-las, valorando-as de forma a
fundamentar sua decisão. No sistema atual de avaliação, muito embora as partes auxiliem o juiz
na valoração dessas provas, através de suas alegações, é certo que somente ao juiz incumbe
valorá-las.

Segundo Greco Filho. "Na avaliação das provas, é possível imaginar três sistemas que podem
orientar a conclusão do juiz: o sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, o sistema da
prova legal e o sistema da persuasão racional". Embora traços de um sistema apareçam em
outros, pode-se afirmar que os sistemas de avaliação representam uma evolução histórica no que
tange à liberdade do julgador na valoração das provas produzidas.

Pelo sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, o julgador pode valorar livremente as
provas produzidas, sem estar preso a nenhum critério lógico ou legal, podendo, inclusive, deixar
de valorar a prova; têm ampla liberdade para decidir, convencendo-se da verdade dos fatos
segundo critérios de valoração íntima, independente do que conste nos autos ou de uma
fundamentação de seu convencimento. Em total oposição ao anterior, o sistema da prova legal
ou sistema tarifado, buscou coibir os abusos e a insegurança gerada pelo sistema da convicção
íntima. Nesse sistema, o juiz deveria decidir somente com base nas provas existentes nos autos,
sendo que a lei impunha como determinados fatos deveriam ser provados, bem como o valor de
cada meio probatório, excluindo qualquer juízo de valor por parte do julgador com relação ao
peso daquela prova em sua decisão. Com efeito, afasta-se qualquer forma de convicção pessoal
do magistrado na valoração das provas, já que está obrigado a obedecer estritamente o sistema
de pesos e valora imposto pela lei ““.

O sistema da livre convicção, também conhecido como sistema da persuasão racional,


predominante nos dias atuais e tido como a forma mais justa e racional de valoração das provas,
situa-se entre os dois extremos acima mencionados. Esse sistema, consoante Greco Filho,
mantém a liberdade de apreciação, mas vincula o convencimento do juiz ao material probatório
constante dos autos, além de obrigar o magistrado a fundamentar sua decisão de modo que seja
possível aferir o desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento. O juiz
está livre para formar a sua convicção, não estando preso a critérios legais de prefixação de
valores das provas.
De um modo geral, nesse sistema, admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode formar seu
convencimento baseado no depoimento de uma testemunha e desprezar o depoimento de outras
duas, mas sempre estará adstrito ao que consta dos autos.

Conclui Tourinho Filho advertindo que "livre convencimento não quer dizer puro capricho de
opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz está livre de preconceitos legais na
aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não está dispensado
de motivar sua sentença". É por isso que se pode nominar o sistema de livre convencimento
fundamentado ou motivado, porquanto a posição acolhida pelo magistrado deve restar,
indubitavelmente, fundamentada, consoante o disposto ao art. 93, IX, da Constituição de 1988.
No contexto do presente trabalho, o sistema do livre convencimento ocupa, ao lado de outras
questões, ponto central na discussão da matéria, já que a inadmissibilidade das provas ilícitas é
uma forma de limitação ao livre convencimento do julgador, que não poderá fundamentar sua
decisão em prova obtida ilicitamente. Esse assunto será abordado com maiores detalhes quando
da análise do princípio do livre convencimento e o princípio da busca da verdade real.

3 CONCEITOS E DEFINIÇÕES BÁSICAS REFERENTES À PROVA

3.1 CONCEITO DE PROVA

É patente que uma das finalidades do processo é buscar uma decisão justa e baseada na verdade
dos fatos ou o mais próximo possível deles. Nesse sentido a prova representa, no entender de
Tornaghi , "o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e
até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador)". Mirabete
sintetiza bem a importância da prova: “Para que o juiz declare a existência da responsabilidade
criminal, e imponha sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certeza
de que se foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de
que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a idéia que forma em sua
mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a
instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo
para demonstrar ao juiz a veracidade ou a falsidade da imputação feita ao réu e das
circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das
penas”.

Assim, a prova constitui-se em elemento de vital importância para o processo, capaz de


reconstruir um fato ocorrido, de forma suficiente para convencer o julgador. É a prova elemento
instrumental à disposição das partes para que possam influir na formação da convicção do
julgador, bem como meio para este averiguar sobre a veracidade dos fatos alegados pela partes.

3.2 OBJETO DA PROVA

Na lição de José Frederico Marques, "objeto da prova, ou tema probandum, é a coisa, fato,
acontecimento ou circunstância que deve ser demonstrada no processo". E conclui dizendo que
"como o juiz se presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à
prova das quaestiones facti", exceção apenas para o direito estadual, municipal, consuetudinário
ou alienígena, que deverá ser provado pela parte que o alegue.
O objeto da prova abrange, além do fato criminoso, as circunstâncias objetivas e subjetivas que
possam influir na imposição da resolução do caso. Entretanto, importam apenas aquelas
questões que sejam pertinentes e relevantes à solução da causa, excluindo-se todos aquelas que
não tenham ligação com o que se está discutindo.

No processo penal, até mesmo os fatos incontroversos devem ser provados, já que o juiz não
está obrigado a aceitar como verdadeiro o que é admitido pelas partes, em homenagem ao
princípio da busca da verdade material. Embora o objeto da prova seja os fatos ligados direta ou
indiretamente à ao caso penal, alguns destes fatos não precisam ser provados. É o que ocorre
com as presunções legais, onde a lei determina uma presunção de existência ou de veracidade
de um determinado fato. Sendo a presunção absoluta, a parte a quem interessa o fato está
dispensando de prová-lo; sendo relativa, à parte a quem o fato aproveita também estará
dispensada de prová-lo, cabendo à parte contrária o ônus desconstituir a presunção, provando o
contrário. No mesmo sentido, independe de prova o direito federal, vez que se presume,
absolutamente, que o juiz o conheça.

Consoante Tourinho Filho, também não necessitam ser submetidos à prova os fatos notórios e
os evidentes. "Ambos produzem no juiz o sentimento de certeza em torno da existência do fato".
Para Tornaghi, “... no penal o que se prova não são apenas as alegações; o procedimento de
prova é realmente uma reconstituição do fato criminoso e dos que estão ligados ao crime por
laços circunstanciais, alegados ou não". Greco Filho conclui que "em resumo, conclui-se que o
objeto da prova, referida a determinado processo, são os fatos pertinentes, relevantes, e não
submetidos à presunção legal".

3.3 DIREITO A PROVA: CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Rui Portanova, citando conceito clássico de João Canuto Mendes de Almeida, segundo o qual o
princípio do contraditório é a expressão da ciência bilateral dos atos e termos do processo, com
a possibilidade de contrariá-los, aduz que atualmente o conteúdo desse princípio é tão vasto e
importante que não é possível sintetizar em um conceito toda sua extensão. Por força da
necessária imparcialidade do juiz, este deve manter-se eqüidistante da partes, dando a cada uma
delas a possibilidade de serem ouvidas e apresentarem provas, influindo na convicção do
julgador. Assim, no processo penal, toda prova admite contraprova, não sendo admitida a sua
produção sem o conhecimento e a possibilidade de manifestação da outra parte, ainda que a
prova tenha sido trazida aos autos pelo juiz.

Sobre o tema, Grinover expõe que: Salienta-se, assim, o direito à prova como aspecto de
particular importância no quadro do contraditório, uma vez que a atividade probatória
representa o momento central do processo: estritamente ligada à alegação e à indicação dos
fatos, visa ela a possibilitar a demonstração da verdade, revestindo-se de particular relevância
para o conteúdo do provimento jurisdicional. O concreto exercício da ação e da defesa fica
essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de se representar ao juiz a realidade do fato
posto como fundamento das pretensões das partes, ou seja, de estas poderem servir-se das
provas. É no contexto do contraditório, onde se impõe a necessária ciência bilateral dos atos e
termos do processo, que se insere, como decorrência lógica, o direito a ampla defesa [26]que
garante às partes, além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo, o
direito de alegar e provar o que alegam. É nesse quadro de igualdade substancial e bilateralidade
que se desenvolve o processo, sendo o direito a produção de provas à forma por excelência de
realização do contraditório e da ampla defesa. Assim, o direito a prova, como decorrência do
contraditório, da ampla defesa e do próprio direito de ação, já que de nada adiantaria garantir o
direito de buscar a tutela jurisdicional se não fosse permitido à parte influir na decisão através
da produção de provas, apresenta-se como garantia constitucional, inserta no art 5º, LV da
Constituição de1988 [29], devendo ser plenamente observado. Entretanto, embora seja uma
garantia constitucional, encontra limites, sendo vedado pelo ordenamento à produção de certas
provas, dentre elas as que forem produzidas por meios ilícitos.

4 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA TEORIA DAS PROVAS APLICÁVEIS AO


ESTUDO DAS PROVAS ILÍCITAS

4.1 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO

O ponto culminante do processo é o momento em que o julgador irá apreciar e valorar as provas
constantes dos autos, de forma a fundamentar sua decisão. O art. 157 do CPP, in verbis:"O juiz
formará sua convicção pela livre apreciação da prova", bem como o art. 131 do CPC, in
verbis:"O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos
autos, ainda que não alegadas pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formaram o convencimento", consagram no ordenamento processual brasileiro o sistema que
confere ao julgador liberdade na valoração das provas e o princípio do livre convencimento,
todavia motivado.

Pelo princípio do livre convencimento, a lei dá ao julgador liberdade para valorar as provas,
não havendo para tanto valor predeterminado ou legal; cada circunstância de fato será avaliada
no contexto das demais provas existentes, podendo receber maior ou menor peso segundo
critérios do julgador.

Opõe-se ao sistema de tarifação de provas, conforme já mencionado, exatamente pelo fato de


não haver um valor a priori para cada elemento probatório ou uma forma predeterminada de
provar determinados fatos. Insere-se na mesma linha do sistema da convicção intima, já que em
ambos a valoração da prova fica a cargo do juiz, mas o sistema do livre convencimento,
consoante Greco Filho, “... vincula o conhecimento do juiz ao material probatório constante dos
autos, obrigando, também, o magistrado a fundamentar sua decisão de modo a se poder aferir o
desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento". Não obstante a liberdade
conferida ao juiz para a valoração da prova, no processo penal, existem algumas formas de
prova legal, que limitam a liberdade do magistrado, como exame de corpo de delito para
comprovar as infrações que deixam vestígios e a submissão do juiz penal à prova civil no que
concerne ao estado das pessoas.

José Frederico Marques elenca tantas outras restrições à liberdade de apreciação do julgador,
dentre elas todas as restrições especiais à liberdade de pesquisa da verdade material/real. É
nesse contexto que se situa a questão das provas ilícitas. Admitindo-se que a vedação às provas
ilícitas impossibilita que o julgador fundamente sua decisão nesses meios de prova, também
será essa uma forma de restrição ao seu livre convencimento, posto que mesmo tendo convicção
sobre determinado fato levado ao processo por intermédio de uma prova ilícita, não poderá
considerá-lo para fundamentar sua decisão.

4.2 PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE MATERIAL


O princípio da verdade material ou substancial, segundo Avólio, "diz respeito ao poder dever
inquisitivo do juiz penal, tendo como objeto a demonstração da existência do crime e da autoria.
A prova penal, assim, é uma reconstrução histórica, devendo o juiz pesquisar além da
convergência das partes sobre os fatos, a fim de conhecer a realidade e a verdade dos fatos". No
processo penal, não só as alegações das partes devem ser provadas, mas deve haver uma
reconstrução do fato criminoso tanto quanto possível, bem como das circunstâncias que o
rodearam, alegadas ou na pelas partes; não se contrasta apenas o que foi dito pelo acusador e
pelo acusado, abrindo-se inclusive a possibilidade de o próprio juiz tomar a iniciativa na
produção da prova (CPP, art. 156, fine).

José Frederico Marques, citando Jean Patarin, explicita de forma magistral a importância da
liberdade concedida ao juiz para buscar a verdade real, afirmando que: A defesa da sociedade e
o interesse da repressão exigem que se empreguem todos os meios para a descoberta do culpado
e para a aquisição de exato conhecimento de todas as circunstâncias da infração, além disso, no
Direito Penal moderno, acrescenta-se a necessidade de informação, igualmente completa e
segura, sobre a personalidade do culpado, a fim de individualizar-se a pena, ou mesmo adaptar-
se a sanção às possibilidades de reeducação do delinqüente conforme o que preconizam as
doutrinas da defesa social. Por fim, os interesses ameaçados pela persecução penal não são
menos dignos de atenção.

Assim, o processo penal e a atividade probatória devem ser pautados pela busca incessante da
verdade, aproximando-se tanto quanto possível da reconstrução do fato das circunstâncias
relevantes, possibilitando que o julgador forme seu convencimento e decida sobre o caso em
análise. A atividade processual em geral deve sempre buscar a verdade. Como ensina Portanova :
"ainda que o processo não seja a realidade, deve assentar-se nela e estar ligado a ela de maneira
indissolúvel. Fora disso deixaria de ser direito".

Há necessidade, todavia, de se evitar extremismos que possam desvirtuar o real objetivo da


liberdade concedida às partes e ao juiz na atividade probatória. A busca da verdade de qualquer
preço já foi considerada premissa indispensável para alcançar o escopo da defesa social,
tornando-a um valor mais precioso do que a liberdade individual . Grinover alerta que, “...
tomando-se esse caminho, se perderá fatalmente o sentido de qualquer limite e a verdade
absoluta tornar-se-á um mito que corresponde ao ilimitado poder do juiz". E conclui sua
exposição, afirmando que: Por isso é que o termo "verdade material" há de ser tomado em seu
sentido correto: de um lado, no sentido da verdade subtraída à influência que as partes, por seu
comportamento processual, queiram exercer sobre ela; de outro lado, no sentido de uma verdade
que, não sendo "absoluta" ou "ontológica", há de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática
e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço: uma verdade processualmente válida. É no
sentido de investigar a verdade tal como o fato aconteceu que se concede especiais poderes ao
juiz na busca da verdade, possibilitando a ele reconstruir todos os fatos relevantes para balizar a
justa e correta imposição da sanção penal, em respeito aos valores mais fundamentais da pessoa
humana, como a honra, a dignidade e a liberdade, bem como a defesa da sociedade como um
todo.

Por isso, conquanto extremamente importante para o processo, a busca da verdade real não é
absoluta, sofrendo limitações, que podem ser gerais, especiais ou constitucionais [45]. Limitações
decorrentes de princípios constitucionais de defesa da dignidade da pessoa humana impedem
que, na busca da verdade, lance-se mão de meios condenáveis e iníquos, superstições e
crendices, bem como todos os meios estranhos à ciência processual. Foi para proteger os
direitos fundamentais do ser humano que na evolução das relações entre o indivíduo e o Estado
intervencionista inseriram-se normas que garantissem esses direitos fundamentais frente à
intervenção, constitucionalizando um regime garantista do ser humano, norteador das relações
entre indivíduo e Estado. É que, como ensina Grinover, “... o rito probatório não configura um
formalismo inútil, transformando-se, ele próprio, em um escopo a ser visado, em uma exigência
ética a ser respeitada, em um instrumento de garantia para o indivíduo".

Portanto, estão excluídos do processo penal formas de obtenção de provas que não se coadunem
com a idéia de processo como instrumento de proteção dos direitos fundamentais do cidadão.
Desta forma, não são viáveis como instrumentos probatórios a serviço do juiz na busca da
verdade real os interrogatórios fatigantes, penosos e exaustivos, interceptações telefônicas e
gravações clandestinas, provas denominadas científicas que possam atingir a integridade física
ou moral do ser humano, como a hipnose, a narcoanálise, mesmo quando pedida ou aceita pelo
acusado, o emprego do lie-detector, e todas as formas de provas ilícitas.

Há, ainda, no processo penal, consoante Frederico Marques, restrições à liberdade de pesquisa
da verdade real na instrução do processo, como as questões prejudiciais cíveis, previstas nos art.
92 e 93 do CPP, que vinculam o juiz penal ao que foi decidido na esfera cível ou, ainda, a
determinação do art. 62 do CPP, que exige a juntada da certidão de óbito do acusado para que o
juiz possa declarar extinta a punibilidade, dentre tantas outras restrições impostas ao juiz penal
na busca da verdade real.

4.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA

A busca da verdade impede, ao menos em princípio, que se cogite sobre qualquer espécie de
restrição à liberdade probatória, sob pena de frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei.
Portanto, pode-se afirmar que a tendência atual é pela não taxatividade das provas, cuidando
apenas de vedar os meios de prova que atentem contra a moralidade e atinjam a dignidade da
pessoa humana. Isso leva a concluir que o rol de provas apresentadas no Código de Processo
Penal é exemplificativo, sendo possível produzir outros meios de prova que não estejam
previstos legalmente, desde que não sejam defesos ao acusado, ao Ministério Público ou ao juiz.

Tourinho Filho conclui que a não taxatividade pode ser extraída do comando contido no art. 155
[53]
do CPP, relativamente à fase instrutória, bem como dos incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, IX
do art. 6º do CPP, relativos ao inquérito policial.

Avólio vai ao mesmo sentido, afirmando que a liberdade probatória é a melhor opção nos dias
atuais, mas esta não deve ser vista de forma absoluta. "O Estado, assim, deve restringir, limitar,
proibir ou impedir a utilização de determinados meios, ou o seu uso em relação a certos fatos.
Tudo em prol da defesa dos valores sociais, dentre os quais avultam a liberdade e a intimidade"

O que se constata é que há liberdade probatória, mas esta não é absoluta, sofrendo as mesmas
restrições apontadas para a busca da verdade real. Nesse sentido vislumbram-se, dentre outras,
as constantes no próprio CPP, nos arts. 155, 158, 406, § 2º, e 475, e na Constituição Federal,
notadamente a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI).

4.4 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROVA ILÍCITA


O princípio da vedação da prova ilícita encontra-se expressamente previsto no art. 5º, LVI, da
Constituição de 1988, in verbis: "São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos". Constitucionalizando uma tendência já firmada na doutrina, a vedação às provas
ilícitas, tal como prevista pela Constitução, configura-se em uma garantia individual do cidadão
em qualquer tipo de processo, seja ele processo civil, processo administrativo ou processo
penal, processo civil, processo administrativo, processo tributário. Enfim, todo tipo de processo
em que se defrontem Estado e particular ou particular e particular. Para a doutrina, o ponto de
partida para o estudo da ilicitude da prova é o conceito amplo de prova proibida que, embora
não seja uniforme, serve bem para determinar todo e qualquer tipo de prova vedada pelo direito.

Do gênero prova proibida pode-se distinguir duas espécies: as provas ilícitas e as provas
ilegítimas. Essa distinção decorre do momento em que ocorre a ofensa ao direito, que pode se
verificar no momento da coleta da prova, violando regras de direito material, dos costumes, dos
princípios gerais de direito e da moral, ou quando a prova é introduzida no processo, infringindo
normas processuais. No primeiro caso, a prova será ilícita e, no segundo, a prova será ilegítima
[62]
. Mas no caso das provas ilícitas, a violação a um princípio material deve ser entendida em
seu sentido amplo e não se resumindo apenas a contrariedade à lei, como esclarece Adalberto Q.
T. de Camargo Aranha, afirmando que "é possível ofender costumes (exteriorizar segredo
obtido em confessionário), a boa-fé (usar gravador disfarçado), a moral (recompensar parceiro
para conseguir a prova do adultério) etc".

Celso Ribeiro Bastos ao se referir à questão das provas ilícitas e ilegítimas, classificando a
primeira como ilicitude extrínseca e a segundo como ilicitude intrínseca, afirma que "é de rigor
concluir-se que os meios ilícitos a que alude a Constituição abarcam tanto os intrínsecos como
os extrínsecos. Na verdade vê-se que a expressão escolhida pelo constituinte é suficientemente
ampla para colher quaisquer formas de ilegalidade".

Portanto, provas ilícitas, em sentido estrito, são aquelas obtidas com violação de domicílio (art.
5º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); aquelas conseguidas mediante tortura
ou maus tratos (Art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, da CF)
etc. Também aquelas colhidas com inobservância do disposto nos incisos II e III, do art. 5º, da
CF/88, como a narcoanálise ou o lie-detector, bem como aquelas colhidas com a prática de
outros ilícitos penais, como furto, apropriação indébita, violação do sigilo profissional, etc.

Por seu turno, provas ilegítimas são aquelas colhidas com inobservância das formalidades
processuais previstas na lei adjetiva, como, por exemplo, o interrogatório em que não se adverte
o interrogado do seu direito de permanecer em silêncio, sem que isso lhe traga qualquer
prejuízo, ou a juntada das transcrições originadas em interceptação telefônica autorizada
judicialmente antes do momento previsto no art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.296/96. O objeto
de análise do presente trabalho será apenas a questão atinente à espécie prova ilícita
propriamente dita, ou prova ilícita em sentido estrito, onde se instala a maior controvérsia, já
que, consoante Grinover, "para a violação do impedimento meramente processual basta a
sanção erigida através da nulidade do ato cumprido e da ineficácia da decisão que se fundar
sobre o resultado do acertamento".

5 AS PROVAS ILÍCITAS NO DIREITO BRASILEIRO

5.1 TEORIAS SOBRE AS PROVAS ILÍCITAS


Para iniciar a análise da questão das provas ilícitas no sistema jurídico brasileiro, cabe expor,
ainda que de maneira sintética, as teorias formuladas pela doutrina a respeito das provas
ilicitamente obtidas. Nesse ponto, Camargo Aranha apresenta cinco teorias, uma favorável e
quatro contrárias à admissibilidade da prova ilícita no processo.

A primeira, que admite a prova ilícita, fundamenta-se no fato de que são inadmissíveis somente
as provas ilegítimas, já que para elas existe uma sanção processual prevista na lei adjetiva. Para
seus seguidores, dentre eles, Franco Cordeiro, que criou a expressão "male captum, bene
retentum", o direito material e o direito processual são autônomos, cada qual com sua sanção
específica. Havendo violação ao direito material na obtenção da prova, esta deve ser admitida
no processo, sem prejuízo da sanção penal pela infração. Pela inadmissibilidade propugnam três
correntes. A primeira representa uma verdadeira critica à anterior, afirmando que o direito é um
todo unitário e não dividido em ramos estanques. Portanto, a violação ao direito material na
obtenção da prova afronta ao direito em seu universo, não devendo ser admitida no processo.
Não se pode admitir que um fato seja, ao mesmo tempo, condenado em um momento e
prestigiado em outro, só porque o direito é dividido em ramos autônomos.

A segunda teoria, também contrária à prova ilícita, fundamenta-se no princípio da moralidade


dos atos praticados pelo Estado. Este, em função da presunção de legalidade e moralidade dos
seus atos, reconhecida pelo mundo jurídico, não pode admitir que seus agentes utilizem meios
ilegais, ainda que seja para combater a criminalidade.

A terceira parte do princípio de que a prova ilícita lesa dispositivo constitucional, ao


desrespeitar direito fundamental do cidadão, sendo, portanto, fulminada pela
inconstitucionalidade [77], não podendo ser utilizada no processo.

Como ponto de equilíbrio entre a admissibilidade ou não da prova ilícita no processo aparece a
chamada teoria da proporcionalidade, que busca equilibrar o interesse da sociedade em
descobrir a verdade e a necessidade de se defender os direitos fundamentais do cidadão. Embora
reconheça a inconstitucionalidade da prova ilícita, busca sopesar os bens jurídicos envolvidos,
determinando uma proporção entre a infringência da norma na coleta da prova e os valores que
a sociedade busca preservar através dessa prova.

A teoria da proporcionalidade será analisada com profundidade em tópico específico, por


entendermos que é vital para a perfeita realização do princípio constitucional da vedação da
prova ilícita.

5.2 A QUESTÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ANTES DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Antes de a Constituição de 1988 tratar expressamente da matéria no art. 5º, LVI, a doutrina
dividia-se entre a admissibilidade e a inadmissibilidade da prova ilícita no processo,
fundamentada nas teorias supracitadas, podendo-se afirmar que no tocante à prova cível
aplicável ao direito de família predominava a tese da admissibilidade. Entretanto, em outros
ramos do direito já predominava a tese da inadmissibilidade, temperada pelo princípio da
proporcionalidade.

Como ensina Grinover passava-se de uma concepção em que se admitia a prova colhida
ilicitamente para uma nova concepção de processo, voltado para as garantias individuais do
cidadão, e não exclusivamente como instrumento de busca da verdade real e de punição do
infrator, a qualquer custo.

Antes da vedação constitucional, buscava-se fundamentar a inadmissibilidade das provas ilícitas


no art. 332 do CPC, excluindo do processo as provas obtidas por meios ilegais ou moralmente
ilegítimos, e no art. 295 do CPPM, que afastava as provas que atentassem contra a moral, a
saúde e a segurança individual ou coletiva, aplicando-os por analogia a todos os tipos de
processo.

A Lei processual penal referia-se ao tema apenas no art. 233, o qual determina que "as cartas
particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo",
configurando-se em uma vedação a esse tipo de prova ilícita. Quanto às demais formas de
prova, a lei silenciava. No que concerne a interceptação telefônica, não obstante o art. 57, II,
"e", da Lei 4.117, de 27/08/62 (Código de Telecomunicações) permitir que seja dado
conhecimento ao juiz do conteúdo de uma conversa telefônica, esse dispositivo foi revogado
tacitamente pelo § 9º do art. 153 da CF/67, com a redação dada pelo EC 01/69, que proibia, sem
ressalva, tais interceptações.

Na lição de Grinover, em matéria de prova ilícita, deve ser lembrado que a Convenção
Americana de Direitos humanos, que integra o nosso ordenamento, jurídico prevê, em seu art.
11, a proteção da honra e da dignidade, determinando que:

1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.

2. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de
sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação.

3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas, ilegais ou
moralmente ilegítimas ou, ainda, que atentassem contra a saúde e a segurança individual ou
coletiva. Era considerada ilícita, portanto, a prova produzida através da subtração de um
documento que se encontrava em poder do réu ou, como ensina Tourinho Filho, a prova obtida
através do lie-detector, porque conseguida ilicitamente, infringindo-se a regra do art. 146 do CP.

Também não eram admitidas as provas que atentassem contra direitos fundamentais do cidadão,
como a intimidade, o sigilo das comunicações e a dignidade da pessoa humana. Os defensores
da tese da inadmissibilidade das provas ilícitas justificavam essa vedação afirmando que o
direito a prova, conquanto constitucionalmente assegurado, não pode ser exercido de maneira
absoluta, comportando uma série de limitações, dentre elas a restrição à admissibilidade das
provas ilícitas, conforme já demonstrado.

Nesse sentido, imprescindível colher as lições de Grinover: É que os direitos do homem,


segundo a moderna doutrina constitucional, não podem ser entendidos em sentido absoluto, em
face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo que não se
permite que qualquer delas seja exercida de modo danoso à ordem pública e as liberdades
alheias. As grandes linhas evolutivas dos direitos fundamentais, após o liberalismo, acentuaram
a transformação dos direitos individuais em direitos do homem inserido na sociedade. De tal
modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo, mas no enfoque de sua inserção
na sociedade, que se justificam, no Estado social de direito, tanto os direitos como suas
limitações.

Não se justifica, portanto, ignorar direitos fundamentais do cidadão em favor do direito a


produção de provas e da busca da verdade real, já que a atuação do Estado e a própria busca da
verdade real encontram limites nos direitos e garantias do indivíduo. É que, como ensina Ada
Pelegrini Grinover"se a finalidade do processo não é aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a
verdade deve ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável. O método através do qual
se indaga deve constituir, por si só, um valor, restringindo o campo em que se exerce a atuação
do juiz e das partes".

Luis Alberto Thompson Flores Lens, ao tratar do tema, sintetiza muito bem o dilema que vive o
julgador ao decidir se admite ou não uma prova obtida por meios ilícitos no processo, afirmando
que: Neste momento surge um dilema muito grande para o magistrado: ou valorizar a verdade,
que foi demonstrada de forma inidônea – e, assim procedendo, negar o Direito, pois
fundamentar uma decisão que, a priori, deveria ser sempre justa com argumentos ou provas
ilegítimas é, no mínimo, uma contradição, a qual cerceia a liberdade de defesa garantida pela
Constituição Federal – ou, num segundo momento, não admitir uma prova, por ser ilegítima – e,
assim procedendo, negar a verdade, pela presunção de que o que não está no processo não está
no mundo jurídico, nem poderá ser apreciado. Nesse caso, negando-se a verdade, também se
estaria negando o Direito, o qual, fundamentalmente, procura defender a verdade e a justiça.

Acontece que, ao impor a pena, o Estado busca recompor a ordem violada, não podendo se valer
de meios que venham a infringir a mesma ordem legal que busca restaurar, sob pena de colocar
em risco a legitimação do próprio processo e da pena imposta ao infrator. É com esse objetivo
que diversos ordenamentos jurídicos prevêem a exclusão do processo de provas cuja coleta
tenham atentado contra a integridade física ou psíquica, a dignidade, a liberdade ou a
privacidade das pessoas, a estabilidade das relações sociais e a segurança do próprio Estado,
justificando o sacrifício do ideal de busca da verdade mais próxima possível da realidade.

As Mesas de Processo Penal, ligadas ao Departamento de Direito Processual Penal da


Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atuando sob a coordenação de Ada
Pellegrini Grinover, tomaram posição sobre a matéria nas súmulas:

nº 48 "Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de


direito material";

nº 49 "São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios


constitucionais, ainda que forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual
expressa"; e

nº 50 "Podem ser utilizadas no processo as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a


defesa".

E a jurisprudência passou a adotar essa tendência evolutiva, passando da admissibilidade para a


inadmissibilidade das provas ilícita. Abandonou-se, gradativamente, a orientação fundamentada
na tese de que o ilícito ocorrido na esfera material não pode trazer conseqüências não previstas
na esfera processual, levando, por conseqüência, à inadmissibilidade das provas ilícitas.
Afora inúmeras decisões dos tribunais pátrios, três decisões do Supremo Tribunal Federal,
anteriores a Constituição de 1988, apontavam para a consolidação da tese da inadmissibilidade
das provas ilícitas no processo, tanto civil quanto penal. Essas decisões encontram-se assim
ementadas:

"EMENTA: Prova civil. Gravação magnética, feita clandestinamente pelo marido, de


ligação telefônica da mulher. Inadmissibilidade de sua utilização no processo judicial, por
não ser meio legal nem moralmente legítimo (art. 332 do CPC)".

"Recurso extraordinário conhecido e provido".

(RE 85.439-RJ, 2ª. Turma, Rel. Min. Xavier de Albuquerque. J. 30/02/77. DJ. 02/02/77).

“EMENTA: Direito ao recato ou à intimidade. Garantia constitucional. Interceptação de


comunicação telefônica. Captação ilegítima de meio de prova. Art. 153, § 9º da
Constituição. Art. 332 do Código de Processo Civil”.

Infringente da garantia constitucional do direito da personalidade e moralmente ilegítimo é o


processo de captação de prova, mediante a interceptação de telefonema, à revelia do
comunicante, sendo, portanto, inadmissível venha a ser divulgada em audiência de processo
judicial, de que sequer é parte. Lesivo a direito individual, cabe mandado de segurança para
determinar o trancamento da prova e o desentranhamento, dos autos, da gravação respectiva.
Recurso extraordinário conhecido e provido". (RE 100-094-Pr, 1ª. Turma, Rel. Min. Rafael
Mayer. J. 28/06/84. DJ. 24/08/04.).

EMENTA: "HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PROVA ILÍCITA.


CONSTITUCIONAL. GARANTIAS DO §§ 9º E 15 DO ART. 153 DA LEI MAIOR.
(INOBSERVÂNCIA). TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL".

"1 – Os meios de prova ilícitos não podem servir de sustentação ao inquérito ou à ação penal.

2 - As provas produzidas no inquérito ora em exame – gravações clandestinas – além de


afrontarem o princípio da inviolabilidade do sigilo de comunicações (§ 9º, art. 153, CF),
cerceiam a defesa e inibem o contraditório, em ofensa, igualmente, à garantia do § 15, art. 153,
da Lei Magna.

3 – Inexistência, nos autos, de outros elementos, que, por si, justifiquem a continuidade da
investigação criminal.

4 – Trancamento do inquérito, o qual poderá ser renovado, fundando-se em novos indícios, na


linha de previsão do estatuto processual penal.

5 – Voto vencido que concedia a ordem em menor extensão.

RHC provido para determinar o trancamento do inquérito policial ““.

(RHC 63.834-1-SP, 2ª. Turma. Rel. Min. Celio Borja. J. 18/12/86. DJ. 05/06/87.).
Desta forma, a tese da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos foi sendo
solidificada, mesmo antes da vedação expressa na Constituição de 1988 que, conquanto tenha
tratado da matéria de forma aparentemente taxativa no art. 5º, LVI, vedando a admissão no
processo de provas obtidas por meios ilícitos, deixou ao encargo da doutrina e da jurisprudência
a resolução de certos pontos controvertidos que subsistem até os dias atuais.

Embora doutrina e jurisprudência orientem-se no sentido de não admitir no processo as provas


produzidas por meios ilícitos, outras questões ainda reclamam um exame mais aprofundado,
como a flexibilização da vedação constitucional, sob o enfoque do princípio da
proporcionalidade e da concordância prática na convivência dos direitos fundamentais, bem
como a questão das provas ilícitas por derivação.

5.3 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PROVAS ILÍCITAS – ART 5º, LVI.

Conforme já demonstrado, a Constituição de 1988 foi taxativa ao dispor em seu art. 5º, LVI, que
"são inadmissíveis, em processo judicial ou administrativo, as provas produzidas por meios
ilícitos".

Na atual ordem jurídica, não obstante discordar-se quanto a forma peremptória com que a Carta
Magna vedou as provas ilícitas no processo, predomina o entendimento que, conquanto seja
necessário algum grau de flexibilização da vedação constitucional, não se admite, no direito
brasileiro, a utilização, em qualquer tipo processo, de provas obtidas ilicitamente, por mais
verdadeiro e relevante que seja seu conteúdo. Inscrita no título da Constituição que trata sobre
os direitos e garantias fundamentais, a vedação a prova ilícita constitui um dos pilares da
proteção constitucional à honra, à intimidade e à integridade física do cidadão, impondo a total
observância dos seus preceitos. O que se discute, na atualidade, é se essa vedação deve ser
interpretada de forma taxativa ou se comporta alguma sorte de flexibilização, a fim de evitar
injustiças.

5.3.1 Princípio da proporcionalidade

Como nenhum direito fundamental tem caráter absoluto, em decorrência da necessidade de


conviverem no mesmo sistema jurídico, torna-se necessário, portanto, no atual contexto, extrair
o real significado do dispositivo constitucional, já que, em determinadas hipóteses, deve haver
algum grau de abrandamento da vedação constitucional. Imagine-se a hipótese em que uma
correspondência furtada pelo réu é a única prova que pode evitar que ele seja condenado a anos
de prisão. Neste caso, também há um direito constitucionalmente protegido.

Dar ao juiz a possibilidade de analisando o caso concreto, admitir a prova, ainda que produzida
por meio ilícito, seria a melhor saída. Analisando a gravidade do caso, a índole da relação
jurídica controvertida, a dificuldade para o envolvido de demonstrar a veracidade de suas
alegações mediante procedimentos perfeitamente ortodoxos, o vulto do dano causado e demais
circunstâncias relevantes, o julgador, sopesando os bens jurídicos envolvidos, determinaria qual
deveria ser sacrificado e em que medida. Esse abrandamento da vedação constitucional às
provas ilícitas encontra suas raízes na chamada teoria da proporcionalidade, desenvolvida pelo
direito alemão e que permeia diversos dispositivos constitucionais.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, o princípio da proporcionalidade “... pode ser chamado de
princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade
entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da
administração pública, com lesão aos direitos fundamentais".

Maria Sylvia Zanella Di Pietro aduz que, embora muitas vezes fale-se separadamente de
razoabilidade e proporcionalidade, este está contido naquele "isto porque o princípio da
razoabilidade exige, entre outras coisas, proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a
administração e os fins que ela tem que alcançar".

Nascendo no âmbito do direito administrativo como forma de prevenir arbitrariedades do


Estado no uso de seu poder de polícia, a idéia de proporcionalidade foi, gradativamente, sendo
incorporada pelos demais ramos da atividade estatal, inclusive no órgão judicial, proibindo
excessos que comprometessem direitos fundamentais do cidadão.

A idéia de proporcionalidade confunde-se com o próprio ideário de Estado democrático de


direito, nascido sob a égide de uma lei fundamental, que busca manter um equilíbrio entre a
atividade dos diversos poderes que formam o Estado e os cidadãos que o compõem.
Transportado para o processo, mas especificamente para a questão das provas ilícitas, o
princípio da proporcionalidade impõe que o julgador, em caráter excepcional e em casos
extremamente graves, ao apreciar a admissibilidade de uma prova ilícita no processo, o faça
sopesando os bens jurídicos envolvidos no caso em análise, de forma a corrigir as possíveis
injustiças que possam advir da observância pura da vedação constitucional.

Celso Ribeiro Bastos, numa clara aceitação do princípio da proporcionalidade, traz algumas
regras de imposição obrigatória ao julgador a serem observadas no momento da avaliação da
admissibilidade das provas ilícitas.

A primeira, é que a prova seja indispensável para proteger um direito mais encarecido e
valorizado pela Lei Maior do que aquele afetado pela sua produção. A segunda regra é que a
prova seja produzida em favor do réu e não do Estado como titular da ação penal. Finalmente,
não deve ter havido participação direta ou indireta do réu no evento inconstitucional que
resultou na coleta da prova.

José Carlos Barbosa Moreira afirma que “... é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a
convivência (ou melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma". Expõe que
deve ser verificado se a ilicitude cometida na coleta da prova se afigurava como necessária, a
ponto de tornar escusável a transgressão cometida, ou se havia possibilidade de se obter a prova
por meios regulares e a infração gerou dano superior àquele trazido para a instrução processual.

Camargo Aranha, propondo renomear a teoria da proporcionalidade para teoria do interesse


preponderante, afirma que: Em determinadas situações, a sociedade, representada pelo Estado, é
posta diante de dois interesses relevantes, antagônicos e que a ela cabe tutelar: a defesa de um
princípio constitucional e a necessidade de perseguir e punir o criminoso. A solução deve
consultar o interesse que preponderar e que, como tal, deve ser preservado ““.
Mas adverte, dentre outros que o emprego do princípio da proporcionalidade, com o objetivo de
atenuar a vedação constitucional às provas ilícitas, tem como ponto negativo a possibilidade de
gerar abusos e insegurança, face à subjetividade na avaliação da admissibilidade da prova.

Barbosa Moreira rebate a crítica formulada ao princípio da proporcionalidade, argumentando


que “... freqüentes são as situações em que a lei confia na valoração (inclusive ética) do juiz
para possibilitar a aplicação das normas redigidas com conceitos jurídicos indeterminados,
como o de” bons costumes “, o de” mulher honesta “ou o de” interesse público “..." e adverte
que a estrita e inflexível observância da vedação constitucional poderia levar a aberrações muito
maiores do que aquelas que possam advir do subjetivismo do juiz no momento da valoração da
admissibilidade da prova ilícita.

Em posição diametralmente oposta e criticando especialmente a flexibilização proposta por


Celso Ribeiro Bastos, inclusive as regras de imposição obrigatória ao juiz por ele apresentadas,
Rogério Lauria Tucci argumenta que as exceções à inadmissibilidade das provas ilícitas devem
estar contidas no próprio texto constitucional e são, necessariamente, taxativas, como é o caso
dos incisos XI e XII do art. 5º, não comportando qualquer espécie de alargamento de seu
conteúdo pela doutrina.

E conclui o afirmando que: Assim sendo – deve ser aduzido, - não contestando, a Carta Magna
da República, qualquer temperamento à preceituação determinante da inadmissibilidade de
"provas obtidas por meios ilícitos", uma vez conseguidas ou produzidas por outros meios que
não os estabelecidos em lei, e, ainda, moralmente legítimos, por maior que seja a importância do
direito individual a ser preservado, não têm elas como ser levadas em conta pelo órgão
jurisdicional incumbido de definir a relação jurídica penal submetida à sua apreciação.

Entretanto, a tese da flexibilização da vedação constitucional às provas ilícitas tem recebido a


adesão de parte considerável da doutrinam, conforme já demonstrado, bem como dos tribunais
pátrios, sobretudo nos casos de provas ilícitas que venham a beneficiar a defesa e, em casos
mais raros, em benefício da acusação, conforme será demonstrado a seguir.

5.3.1.1 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro reo

Em que pesem todas as discussões doutrinárias a respeito da flexibilização da vedação


constitucional às provas ilícitas, uma coisa já parece estar consolidada: a aplicação do princípio
da proporcionalidade no exercício do direito de defesa abre a possibilidade de se admitir a prova
ilícita em favor do réu, sobretudo no processo penal e quando for a única forma de prova da
inocência.

É que os direitos fundamentais, como ensina Grinover, “... não podem ser entendidos em
sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de sua convivência, que
exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais".

No confronto entre a vedação constitucional às provas ilícitas, que representa uma proteção a
direitos fundamentais do cidadão, e o direito de provar a própria inocência, é claro que este deve
prevalecer, porque a liberdade e a dignidade da pessoa humana são valores insuperáveis na
sociedade moderna, bem como pelo fato de que não interessa ao Estado punir um inocente e,
como conseqüência, deixar impune o verdadeiro culpado.
Avólio argumenta que "até mesmo quando se trata de prova ilícita colhida pelo próprio acusado,
tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais da
antijuridicidade, como a legítima defesa".

A jurisprudência do Pretório Excelso tem seguido nesse sentido, como pode ser verificado no
seguinte julgado:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR


UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282-
STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE.
Súmula 279-STF. I. - gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles,
sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de
negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. II. -
Existência, nos autos, de provas outras não obtidas mediante gravação de conversa ou quebra de
sigilo bancário. III. - A questão relativa às provas ilícitas por derivação "the fruits of the
poisonous tree" não foi objeto de debate e decisão, assim não prequestionada. Incidência da
Súmula 282-STF. IV. - A apreciação do RE, no caso, não prescindiria do reexame do conjunto
fático-probatório, o que não é possível em recurso extraordinário. Súmula 279-STF. V. - Agravo
não provido" (AI 50.367-PR, 2ª. Turma. Rel. Min. Carlos Velloso. J. 01/02/05. DJ 04/03/05.).
( (sem grifo no original).

Barbosa Moreira concorda que a defesa fique isenta do veto à utilização de provas ilícitas, mas
argumentando que, em situações normais, esse benefício é uma forma de equilibrar a relação
processual, favorecendo a igualdade substancial, já que a acusação, na maioria das vezes, dispõe
de melhores recursos que o réu, mas adverte que "pode suceder, no entanto, que ela deixe de
refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada,
como tantas que enfrentam a sociedade contemporânea". Segundo o autor, esse é mais um dos
motivos para não se adotar uma solução apriorística e radical a respeito da vedação
constitucional.

5.3.1.2 Princípio da proporcionalidade e prova ilícita pro societate

A possibilidade de flexibilizar a vedação constitucional às provas obtidas por meios ilícitos


quando forem em benefício da sociedade e, como conseqüência, em desfavor do réu, é questão
que ainda merece tratamento mais aprofundado, face à necessidade de se proteger a sociedade
contra a ameaça gerada pela expansão da criminalidade organizada, que se infiltra cada vez
mais em todas as esferas do poder, criando uma verdadeira "sociedade do crime", organizada e
aparelhada para desenvolver a atividade criminosa, além de outras formas de criminalidade
violenta e habitual, como o terrorismo, e a delinqüência sexual violenta.

Predomina na doutrina a posição de que a prova ilícita somente poderia ser admitida em favor
do réu, conforme demonstrado no item anterior, e nunca como instrumento de acusação, vez que
a vedação às provas ilícitas, por tratar-se de uma garantia constitucional que visa proteger
direitos fundamentais do cidadão contra arbítrios do Estado, somente poderia ceder naqueles
casos em que estivesse em confronto com outro direito fundamental do acusado.

Na lição de Barbosa Moreira, é extremamente difícil, talvez impossível achar o verdadeiro


ponto de equilíbrio entre a necessidade de se coibir o uso de expediente antijurídico na instrução
probatória e a necessidade imposta pelo interesse público de assegurar ao processo um resultado
justo, sem desprezar qualquer elemento que contribua para o descobrimento da verdade.

E argumenta o doutrinador, explicando que o rigor adotado pela Constituição, no tocante a


vedação às provas ilícitas, deveu-se, em grande parte, à recente extinção de um regime
autoritário, no qual era freqüente o desrespeito a direitos fundamentais. Lembrando os exemplos
da Itália e da Espanha que, conquanto tenham saído de regimes autoritários, adotaram posição
mais flexível, aduz que "não escandaliza o mundo jurídico espanhol ouvir dizer ao Tribunal
Constitucional que os próprios direitos fundamentais não devem erguer obstáculo
instransponível à busca da verdade material que não se pode obter de outro modo. Nem por isso
alguém se animará a afirmar que a sociedade espanhola não seja democrática. E conclui
afirmando que” a melhor forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em
santificar o excesso oposto ““.

No mesmo sentido é a posição de Camargo Aranha, pontuando que:

Em nome de um exagerado dogmatismo, grandes crimes e poderosos e perigosos criminosos


podem ficar impunes. Não devemos esquecer que o crime organizado é, quanto à sua execução,
quase perfeito, porque planejado cientificamente, o que exige investigações mais apuradas.

Paulo Lúcio Nogueira, posicionando-se sobre o assunto, e delimitando o alcance da teoria da


proporcionalidade, afirma que: A teoria da proporcionalidade é perfeitamente defensável, pois
tendo em vista o interesse social ou público, deve este prevalecer sobre o particular ou privado,
que de modo algum merece ser resguardado pela tutela legal, quando o particular faz mau uso
do seu direito.

A regra é que todo cidadão merece o amparo ou proteção constitucional dos seus direitos
fundamentais, mas, desde que faça mau uso desses direitos, deixa também de continuar
merecendo proteção, principalmente quando se contrapõe ao interesse público.

No entanto, é de se salientar que há necessidade de autorização judicial por escrito para a


realização ou obtenção da prova ilícita, pois não pode a autoridade policial, por simples
suspeita, fazer diligências que atentem contra os direitos fundamentais individuais (...).

Mas esclarece o doutrinador que essa posição não implica em admitir a tortura como meio de
prova, porque "uma coisa é torturar alguém para obter a confissão, o que atenta contra todos os
princípios, e outra é grampear um telefone, fotografar alguém, violando sua intimidade, ou usar
um gravador disfarçadamente para obter declarações".

Gomes Filho, firmando posição contrária à admissibilidade da prova ilícita pro societate,
salienta que não há qualquer incongruência na rejeição do critério da proporcionalidade para
admitir-se a prova ilícita pro societate e a utilização desse mesmo princípio para justificar a
admissibilidade da prova ilícita pro reo, vez que a estatura dos valores confrontados em cada
caso, quais sejam: o interesse na punição dos delitos, de um lado, e, de outro, a tutela da
inocência, com o direito a produção de provas é diversa.
Por esse entendimento, no confronto entre o direito a provar a própria inocência e a vedação
constitucional às provas ilícitas, aquele deve prevalecer, o que não ocorre no confronto entre a
dita vedação e o interesse da sociedade em punir um criminoso.

O Supremo Tribunal Federal, em acórdão da lavra do Ministro Celso de Mello, já se manifestou


em decisão que, sopesando os bens jurídicos em conflito, adotou a orientação de que é possível
restringir um direito fundamental em benefício da sociedade. A decisão encontra-se assim
ementada:

"E M E N T A: HABEAS CORPUS - ESTRUTURA FORMAL DA SENTENÇA E DO


ACÓRDÃO - OBSERVANCIA - ALEGAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO CRIMINOSA DE
CARTA MISSIVA REMETIDA POR SENTENCIADO - UTILIZAÇÃO DE COPIAS
XEROGRAFICAS NÃO AUTENTICADAS - PRETENDIDA ANALISE DA PROVA -
PEDIDO INDEFERIDO. – (...) - A administração penitenciaria, com fundamento em razoes
de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre
excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n.
7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a
cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de
salvaguarda de praticas ilícitas. - O reexame da prova produzida no processo penal
condenatório não tem lugar na ação sumaríssima de hábeas corpus". (HC 70.814-SP. 1ª Turma.
Rel Min. Celso de Mello. J. 01/03/94. DJ. 24/06/94.). (sem grifo no original)

E o Superior Tribunal de Justiça também se manifestou no mesmo sentido, em decisão cuja


ementa se transcreve:

"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL”.HABEAS CORPUS". ESCUTA


TELEFÔNICA COM ORDEM JUDICIAL. RÉU CONDENADO POR FORMAÇÃO DE
QUADRILHA ARMADA, QUE SE ACHA CUMPRINDO PENA EM PENITENCIÁRIA,
NÃO TEM COMO INVOCAR DIREITOS FUNDAMENTAIS PRÓPRIOS DO HOMEM
LIVRE PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL (CORRUPÇÃO ATIVA) OU DESTRUIR
GRAVAÇÃO FEITA PELA POLÍCIA. O INCISO LVI DO ART 5. DA CONSITUIÇÃO, QUE
FALA QUE "SÃO INADMISSÍVEIS AS PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILÍCITO", NÃO
TEM CONOTAÇÃO ABSOLUTA. HÁ SEMPRE UM SUBSTRATO ÉTICO A ORIENTAR
O EXEGETA NA BUSCA DE VALORES MAIORES NA CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE.
A PROPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, QUE É DIRIGENTE E
PROGRAMÁTICA, OFERECE AO JUIZ, ATRAVES DA "ATUALIZAÇAO
CONSTITUCIONAL" ("VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG"), BASE PARA O
ENTENDIMENTO DE QUE A CLÁUSULA CONSTITUCIONAL INVOCADA É
RELATIVA. A JURISPRUDÊNCIA NORTE AMERICANA, MENCIONADA EM
PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É TRANQUILA. SEMPRE É
INVOCÁVEL O PRINCIPIO DA "RAZOABILIDADE" ("REASONABLENESS"). O
"PRINCIPIO DA ESCLUSÃO DAS PROVAS ILICITAMENTE OBTIDAS"
("EXCLUSIONARY RULE") TAMBÉM LA PEDE TEMPERAMENTO. ORDEM
DENEGADA". (HC 3.982-RJ, 6ª Turma. Rel. Min. Adhemar Maciel. J. 05/12/95. DJ.
26/02/96.).

Embora de difícil delimitação, é essencial que a doutrina e a jurisprudência fixem os parâmetros


para que seja adotado o princípio da proporcionalidade também em favor da sociedade, ou seja,
como instrumento norteador da admissibilidade da prova ilícita oferecida pela acusação,
visando corrigir situações conflitantes.

É que a vida em sociedade é infinitamente mais fértil em situações práticas do que a capacidade
legislativa do Estado, impondo o abrandamento de rigores que possam gerar injustiças e
insegurança social. Não é difícil, sem muito esforço, criar uma situação hipotética que
comprove a veracidade dessa afirmação.

Mas não se pode olvidar que a dificuldade de se definir parâmetros sólidos que permitam
verificar a real existência de situações extremas, justificadoras da flexibilização dos direitos
fundamentais, praticamente tem impedido que a questão da prova ilícita pro societate encontre
um desenvolvimento conceitual satisfatório.

Nesse sentido, o trabalho de Jesús-Maria Sílva Sánchez, embora não traga a solução definitiva
ao problema, pelo menos lança uma base conceitual que permite, ao menos, visualizar a questão
sob o enfoque de situações limite, que ensejariam a flexibilização das garantias constitucionais,
face à necessidade de se combater um mal maior.

Alude o autor sobre a existência de um "direito penal de terceira velocidade", no qual a


excepcionalidade e a gravidade da situação conflitiva justificariam a adoção de formas
diferenciadas de persecução criminal e de produção de provas. Assim, casos como a
delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência sexual violenta e reiterada e fenômenos
como a criminalidade organizada e o terrorismo, que ameaçam solapar as bases fundamentais da
sociedade, justificariam a adoção dessa forma especial de persecução criminal.

Essa nova forma de processo está ligada a uma cisão do processo penal, onde se vislumbram um
"direito penal do cidadão" e um "direito penal do inimigo", em que este "... é um indivíduo que,
mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua
vinculação a uma organização, abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não
somente de maneira incidental".

A transição do cidadão comum, sujeito a um direito penal eminentemente garantista, para o


inimigo, para o qual seriam necessárias formas especiais de persecução criminal, em que a
tônica é a flexibilização das garantias individuais, face às dificuldades adicionais de persecução
e prova, ocorreria através da reincidência, da habitualidade, da delinqüência profissional e,
finalmente, em face de sua vinculação a organizações delitivas estruturadas. Nesse passo, mais
do que o delito propriamente dito, a potencial periculosidade do agente é que justificaria a
adoção de um combate pronto e eficaz [131], salvaguardando interesses basilares da sociedade.

Mas alerta o autor que, a despeito da necessidade de existirem casos em que seja necessária a
adoção de uma forma especial de persecução criminal, focada na flexibilização das garantias
individuais, esta só deve ser adotada em situações de absoluta necessidade, subsidiariedade e
eficácia, em caráter temporário e emergencial, de modo a não contaminar o "direito penal da
normalidade", justificando, em termos de proporcionalidade, a flexibilização de algumas
garantias individuais em função da necessidade de fazer frente a um mal maior.

5.3.2 Conseqüências da prova ilícita no processo


É sabido que existem quatro momentos da prova dentro do processo: o requerimento, a
admissão ou juízo de admissibilidade feito pelo juiz, a produção da prova e, finalmente, sua
valoração, A Constituição de 1988, ao dizer que "são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos", está certamente se referindo ao momento da sua admissibilidade,
impondo ao julgador que não admita a produção ou, se já produzida anteriormente, sua
introdução do processo.

Mas a Constituição deixou de estabelecer a conseqüência para o descumprimento dessa


vedação, ou seja, que sanção deverá ser imposta se, mesmo inadmissível, houver a introdução
no processo e valoração, pelo magistrado, de um prova ilícita.

Grinover, a esse respeito, pontua que "as provas ilícitas, sendo consideradas pela Constituição
inadmissíveis, não são por esta tidas como prova. Trata-se de não-ato, de não-prova, que as
reconduz à categoria de inexistência jurídica".

Avólio, traçando considerações sobre a teoria da tipicidade do ato processual, segundo a qual
este deve corresponder perfeitamente ao modelo previsto na norma processual, conclui que, por
esse caminho, não se poderia impor qualquer pena de nulidade ao ato que admitisse uma prova
ilícita no processo, já que a sanção de nulidade, no direito brasileiro, obedece a um sistema de
expressa e taxativa previsão legal, prevista no art. 564 do CPP.

A resolução do problema vem da atipicidade constitucional, que corresponde à


desconformidade do ato com preceitos da Lei Maior. Diferentemente do que ocorre no caso de
falta de fundamentação da decisão judicial, onde o art. 93, X, da CF/88 impõe expressamente a
pena de nulidade, a inobservância de princípios garantidores de direitos fundamentais do
cidadão, como o caso da vedação às provas ilícitas, gera sempre a sanção processual,
independentemente de cominação.

Como ensina Avólio, "alcançou-se, assim, pela via constitucional, uma conseqüência que não se
poderia dessumir a partir do sistema processual vigente, que sequer ensejaria, como resulta do
tópico precedente, a cominação de nulidade absoluta para as provas consideradas
inadmissíveis".

Reconhecida a ilicitude da prova, deverá esta ser desentranhada do processo [138], não podendo o
juiz nela fundamentar sua decisão. Em grau de recurso, deverá o tribunal desconsiderar as
provas ilícitas que forem irregularmente admitidas e valoradas na sentença, julgando o processo
como se elas não existissem.

O Supremo Tribunal Federal tem sido chamado inúmeras vezes para se pronunciar sobre o
tema, tendo formado jurisprudência pacífica no sentido de determinar o desentranhamento do
processo das prova obtidas por meios ilícitos, bem como anular a sentença que nelas tenha
indevidamente sido fundamentada.

Outro ponto relevante é que o Pretório Excelso tem entendido pela validade do processo e, por
conseqüência, da sentença, ainda que no processo tenha sido admitido prova ilícita, desde que
haja outras provas suficientes para fundamentar a decisão.

6 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO


Questão de vital importância e que se encontra inserida no tratamento das provas ilícitas é a
chamada "prova ilícita por derivação", que, conforme Grinover, “... diz respeito àquelas provas
em si mesmas lícitas, mas a que se chegou por intermédio da informação obtida por prova
ilicitamente colhida".

A partir desse conceito, seriam ilícitas por derivação, como exemplifica Avólio, aquelas provas
colhidas através de uma busca e apreensão, regularmente procedida, mas que só se tornou
possível a partir de elementos fornecidos mediante tortura do suspeito ou de uma gravação
telefônica clandestina.

A questão que se coloca é se essas provas, obtidas licitamente, mas que derivaram de provas
ilícitas, podem produzir efeitos ou se devem ter a mesma sorte das provas ilícitas, sendo banidas
do processo.

Essa questão, como assevera Torquato Avólio, ainda não foi pacificada, seja no direito
brasileiro seja no direito comparado, suscitando amplas discussões, de modo a determinar os
limites dessa vedação. A questão é delicada e tendo a Constituição deixado o espaço aberto a
discussões, ficará a cargo da jurisprudência brasileira fazer uma construção jurisprudencial a
esse respeito.

6.1 DOUTRINA AMERICANA – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE VENENOSA

Nascida das decisões da Suprema Corte Norte Americana, a doutrina dos Frutos da Árvore
Envenenada ou fruits of the poisonous tree, como é conhecida na América do Norte, determina
que os vícios da planta se transmitem para todos os seus frutos. Desta forma, seriam tidas como
ilícitas todas as provas que, conquanto colhidas de forma lícita, sejam derivas de provas ilícitas.

Urge ressaltar que, no tocante à vedação às provas ilícitas, o sistema americano busca, com
ajuda das proibições de valoração da prova, identificar os limites das atividades admissíveis por
parte da investigação policial, visando, claramente, coibir atividades policiais em
desconformidade com a Constituição. Diferentemente, o sistema alemão maneja postulados de
direito material a fim de delimitar a extensão dos direitos fundamentais protegidos pela
Constituição, com o fim precípuo de conjugá-los de forma harmônica dentro do sistema
jurídico.

Mas mesmo no direito americano, a doutrina do fruits of the poisonous tree não tem caráter
absoluto, sendo possível identificar na jurisprudência norte americana alguns temperamentos,
que se configuram em exceções à dita doutrina de exclusão.

Danilo Knijnik, analisando o tema, descreve quatro exceções à aplicabilidade da doutrina em


comento. A primeira refere-se à chamada "Limitação da Fonte Independente" ("The
Independent Source Limitation"), a qual determina que "os fatos obtidos através de uma
violação constitucional não seriam, necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que
pudessem ainda ser provados por uma fonte independente". Não se trata de mera possibilidade
de se obter a prova por fonte independente, não conexa com a forma ilícita, mas elementos
fáticos que possibilitem obter a prova sem a ilicitude.
A segunda exceção, chamada de "Limitação da Descoberta Inevitável" ("The Inevitable
Discovery Limitation"), segundo a qual "a prova decorrente de uma violação constitucional
poderia ser admitida, conquanto fosse ela, inevitavelmente, descoberta por meios jurídicos".
Esclarece o autor que "não se trata, aqui, de saber se a prova obtida foi adquirida com abstração
ou não da árvore venenosa, como no caso anterior. Ao contrário, a prova a ser admitida nessa
hipótese é inconstitucional (...). A questão é avaliar se, mesmo assim, essa prova seria
hipoteticamente encontrada por meios jurídicos". Incumbe à acusação o ônus de demonstrar,
através de fatos concretos, que a prova seria, inevitavelmente, descoberta por meios legais.

A terceira exceção, denominada de "Limitação da Descontaminação" ("The Purged Taint


Limitation"), refere-se aos casos em que embora haja uma prova ilícita "poderá intervir no
processo de apropriação um acontecimento capaz de purgar o veneno, imunizando assim os
respectivos frutos obtidos". Ocorre a intervenção de um fato independente, rompendo ou
tornando secundários os vínculos da prova com a ilicitude original como, por exemplo, a
posterior confissão do acusado ou de terceiro, com observância dos direitos fundamentais.
colhida licitamente, e a primeira, obtida de forma ilícita.

A quarta e última exceção, refere-se à "Limitação de Boa-Fé" ("The Good Faith Exception"),
segundo a qual exclui-se a prova ilícita nos casos em que a autoridade policial crê,
sinceramente, que sua atuação está observando os direitos fundamentais do cidadão, como no
caso de cumprimento de um mandado que, posteriormente, é invalidado.

Cumpre ressaltar que as duas últimas exceções à contaminação da prova derivada,


especialmente a que se refere à "Limitação de Boa-Fé", são menos comuns de serem
encontradas na jurisprudência da Suprema Corte Norte Americana.

Constata-se que mesmo na jurisprudência norte-americana a doutrina dos frutos da árvore


venenosa comporta abrandamentos. Portanto, cabe determinar se a referida doutrina é
compatível com o sistema jurídico brasileiro e se aqui, como lá, são aplicáveis as mesmas
exceções à exclusão da prova ilícita por derivação.

6.2 POSIÇÃO BRASILEIRA

No Brasil, Ada Pellegrini Grinover manifesta-se no sentido de que "na posição mais sensível às
garantias da pessoa humana, e conseqüentemente mais intransigente com os princípios e normas
constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são,
assim, banidas do processo". Mas lembra que, mesmo na jurisprudência da Suprema Corte
Norte Americana, existem causas que excepcionam a vedação à prova derivada de outra prova
ilícita, mencionando as duas primeiras exceções aludidas no item anterior.

No mesmo sentido é a posição de Avólio, afirmando que "se a prova ilícita tomada por
referência comprometer a proteção de valores fundamentais, como a vida, a integridade física, a
privacidade ou a liberdade, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a
ilícita por derivação, e, portanto, inadmissível no processo". E conclui dizendo que: A questão
de fundo não difere em se tratando de provas obtidas ilicitamente e provas ilícitas por derivação.
Haverá sempre uma referência constitucional, cujo enfoque deverá ser o das liberdades
públicas. Qualquer outra concepção da matéria, atrelada ao dogma da verdade real ou
divorciado de uma visão político-constitucional do processo penal, é de se reputar superada.
Mirabete, analisando o tema, dispõe que "tratando-se de prova ilícita e, na falta de
regulamentação específica, tem-se defendido a tese de que o art. 573, 1º [154], do CPP, consagra a
regra do direito americano fruits of poisonous tree...".

Tornaghi, sobre o assunto, assume posição oposta, afirmando que devem ser levadas em
consideração as provas legalmente obtidas seguindo-se as indicações dadas pelas ilegalmente
conseguidas.

Em decisão anterior à Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já havia sinalizado


para a inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, contrariando o voto do relator,
determinando não só o desentranhamento dos autos das gravações clandestinas, como o
trancamento do inquérito policial, por inexistirem nos autos outros elementos não viciados que
justificassem a continuidade da investigação criminal.

Após a promulgação da Constituição de 1988, destacam-se duas decisões do Supremo Tribunal


Federal, de grande importância para o tratamento das provas ilícitas e daquelas que dela tenham
derivado, as quais afastaram a incidência da doutrina dos frutos da árvore venenosa, declarando
a incomunicabilidade da ilicitude da prova originária às provas dela derivadas.

A primeira decisão refere-se ao HC 69.912-0/RS, na qual votaram pela licitude da prova


decorrente da ilícita os Ministros Carlos Veloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches, Nery da
Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves; votaram contrariamente a admissibilidade da prova
derivada da ilícita os Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Francisco Rezek, Ilmar
Galvão e Marco Aurélio de Mello. Pela maioria de seis votos a cinco declarou-se a licitude da
prova derivada. A segunda decisão é referente à Ação Penal 307-3/DF, que também confirmou
a posição anterior.

Ressalte-se que a decisão no HC 69.912-0/RS foi posteriormente anulada, face à participação no


julgamento de ministro impedido. Em novo julgamento, houve empate, já que o ministro
impedido era partidário da tese da licitude da prova derivada, o que acarretou a concessão do
habeas corpus, já que o empate favorece o paciente.

Essa decisão não alterou a posição majoritária da Corte pela licitude da prova ilícita por
derivação, o que foi confirmado na Ação Penal 307-3/DF. Entretanto, com a aposentadoria do
Paulo Brossard, adepto da tese da admissibilidade, a questão ficou pendente de novo
pronunciamento do Pretório Excelso, já com a participação do Ministro Maurício Corrêa. Esse
pronunciamento veio com decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, invertendo-se a
posição anterior, passando a adotar a teoria do "fruits of poisonous tree", reconhecendo a
ilicitude das provas derivadas de provas obtidas por meios ilícitos, ainda que tenham sido
colhidas licitamente.

Mas o que de mais importante emerge da decisão no HC 69.912-0/RS e das decisões


subseqüentes versando sobre a teoria do "fruits of poisonous tree" não é o fato de a Suprema
Corte ter firmado posição que repudia as provas derivadas de provas ilícitas, mas sim os
fundamentos empregados pelos grupos de ministros. Knijnik [163], a esse respeito afirma que:
Percebendo-se, destarte, a concepção processual-formalística do Direito americano, fechado às
concessões e comparações entre os bens jurídicos envolvidos, e, de outra, a perspectiva
material, bem mais flexível, do Direito Alemão, sensível às circunstâncias do caso concreto,
verifica-se que na decisão do Supremo Tribunal Federal sob exame, em verdade, a polêmica que
se estabeleceu foi entre duas orientações jusfilosóficas diversas, uma contenda entre dois
discursos possíveis, mas dificilmente conciliáveis.

O debate travado foi entre os adeptos da concepção americana de exclusão de provas ilícitas,
ligada muito mais à determinação dos limites de atuação da autoridade policial do que
propriamente à proteção a direitos fundamentais e sua adequada convivência dentro do sistema
jurídico, e os adeptos do modelo alemão, preocupado em garantir a convivência dos direitos
fundamentais que, irremediavelmente, entram em conflito, impondo ao julgador que, sopesando
os bens jurídicos envolvidos, restrinja o mínimo possível um deles, de modo a dar a máxima
efetividade ao outro.

Essas duas posições antagônicas e, a princípio, inconciliáveis, podem ser vistas, segundo
Knijnik, em trechos dos votos dos eminentes ministros. Do voto do Min. Sepúlveda Pertence
pode-se extrair trecho que demonstra, claramente, sua inclinação para o modelo americano de
exclusão de provas, nos seguintes termos: “Não é que, nestas bandas, a persecução penal, algum
dia, tivesse sido imune à utilização de provas ilícitas. Pelo contrário. A tortura, desde tempos
imemoriais, continua sendo a prática rotineira da investigação policial da criminalidade das
classes marginalizadas, mas a evidência de sua realidade geralmente só choca as elites, quando,
nos tempos da ditadura, de certo modo se democratiza e violenta os inimigos do regime, sem
discriminação de classe (...). Nossa experiência histórica, a que já aludi, em que a escuta
telefônica era notória, mas não vinha aos autos, servia apenas para orientar a investigação, é a
palmar evidência de que, ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional, ou ela
será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida (...). De fato, vedar
que se possa trazer”ao processo a própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que
as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente,
para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular
e não reprimir a atividade ilícita de escuta e de gravação clandestina de conversas privadas".

Por outro lado, o discurso do Min. Paulo Brossard parte em direção oposta, tratando a matéria
sob a ótica alemã da ponderação de valores e da flexibilização dos direitos fundamentais. Diz o
Ministro: "Os direitos, via de regra, não são absolutos, e o seu exercício não exclui limitações e
temperamentos mediante o denominado poder de polícia (...). A Constituição revela atenção
particular em relação aos delitos relacionados com o tráfico de entorpecentes e drogas afins, a
elas se referindo mais de uma vez (...) o comércio de drogas não conhece fronteiras, e sua força
expansiva não encontra rival, tendo em vista a lucratividade que oferece".

No mesmo sentido é o discurso do Min. Sydney Sanches: "Ora, o processo criminal não é um
ente abstrato, mas, sim, instrumento para apuração do crime, dos fatos, da autoria do ilícito (...).
Cumpre, ademais, ter presente, no exercício da jurisdição, que se está a examinar um caso
concreto e não a discutir, academicamente, uma tese, uma quaestio juris (...). Não é cabível,
com a devida vênia, que o Supremo Tribunal Federal firme solução à tese dessa gravidade, no
sentido de anular o processo condenatório, mesmo existindo outras provas, inclusive a
apreensão da substância entorpecente em poder do traficante".

O precedente jurisprudencial apenas lançou o problema para a comunidade jurídica, e não


analisou qual dos discursos é o mais adequado ao Direito brasileiro. Se a teoria dos frutos da
árvore venenosa for adotada, não caberá qualquer flexibilização da vedação constitucional,
ainda que seja para combater a criminalidade mais grave. Adotando-se o discurso do Direito
alemão, será possível ponderar bens jurídicos, restringindo-se um em benefício de outro [165].

É de se ressaltar que o legislador constituinte, ao dispor que "são inadmissíveis as provas


obtidas por meios ilícitos", parece ter adotado a doutrina americana, já que utilizou um termo
indicativo de que não só as provas ilícitas, mas também aquelas obtidas por meios ilícitos são
inadmissíveis [166]. Se alguém utiliza informações fornecidas por uma prova ilícita pra conseguir
outras provas, estas serão, ao menos indiretamente, ilícitas, já que a ilicitude cometida no
processo de obtenção dessa prova satisfaz a previsão constitucional.

A posição do Supremo Tribunal Federal, conquanto tenha adotado a teoria dos frutos da árvore
venenosa, não o fez por completo, já que em suas decisões deixou de analisar a questão da
adequação desse meio de exclusão de provas ao sistema processual brasileiro, que se assemelha
ao sistema alemão [167]. Também não foi objeto de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal
e nem da maioria da doutrina a questão das exceções à exclusão das prova derivadas de provas
ilícitas, adotadas pela jurisprudência norte americana. Se o Brasil adotar a doutrina do fruits of
poisonous tree, também terá que analisar, como conseqüência lógica, as regras de exceção que
essa doutrina tem em sua origem.

7 CONCLUSÃO

O objetivo principal dos envolvidos, Estado e Réu, no processo penal é convencer o julgador a
respeito de suas afirmações, valendo-se das provas para atingir esse objetivo, concretizando os
princípios do contraditório, da ampla defesa e do próprio direito de ação, já que de nada valeria
reconhecer que as partes têm o direito de levar suas pretensões ao judiciário se a elas não fosse
dada a possibilidade de provar, através dos meios admitidos, todas as suas alegações. Quanto à
própria existência do processo penal pode-se afirmar que ele é mesmo indeclinável, pois não há
possibilidade de, nesse ramo, a situação ser aclarada por outra forma que não essa. Nesse
contexto, a ampla liberdade probatória concedida às partes em juízo, a busca incessante para
reconstruir o fato histórico da forma mais próxima possível à realidade, bem como a liberdade
concedida ao julgador para que aprecie e valore as provas apresentadas, desde que fundamente
os motivos do seu convencimento, consubstanciam-se nos pilares de um processo alinhado com
a proteção dos direitos fundamentais do cidadão. Entretanto, a busca da verdade material, a
liberdade probatória e o livre convencimento do julgador, encontram limites, dentre eles a
vedação às provas obtidas por meios ilícitos. Com efeito, a parte tem direito de provar suas
alegações, de buscar a reconstrução do fato histórico com a maior fidelidade possível, desde que
não o faça através de provas obtidas por meios ilícitos. Da mesma forma o julgador está livre de
preconceitos ou taxações na avaliação das provas produzidas e a produzir, podendo decidir
conforme seu livre convencimento, desde que motive suas decisões. Mas ainda que esteja
plenamente convencido a respeito de determinado fato, não poderá nele fundamentar sua
decisão se houver sido provado através de uma prova ilícita. Assim, pode-se glosar o processo
de convencimento em função da forma como a verdade foi provada, tornando a prova
juridicamente inservível.

Como decorrência da adoção de um Estado Democrático de Direito, exaltam-se os direitos


fundamentais do cidadão, em detrimento da busca da verdade. Não é que a verdade não tenha
valor no processo, mas o respeito aos direitos fundamentais impõe que o Estado observe
determinados limites na busca dessa verdade.Portanto, a vedação às provas ilícitas em nada
confronta os princípios acima aludidos, mas apenas busca conciliar valores dentro do
ordenamento jurídico, de forma que os bens jurídicos convivam de forma harmônica dentro do
sistema.É nesse contexto que se situa a importância da vedação às provas ilícitas, inserida no
art. 5º, LVI, da CF/88. Na esteira da idéia de convivência dos bens jurídicos dentro do sistema
avulta-se um questionamento: a vedação constitucional deve ser interpretada de forma absoluta
ou possibilita algum grau de abrandamento, possibilitando, em alguns casos, a admissão de uma
prova no processo, ainda que obtida por meios ilícitos, desde que o bem jurídico a ser colocado
sob proteção seja de maior relevância para o caso em análise?Essa possibilidade de se admitir a
prova ilícita, sopesando os bens jurídicos envolvidos, conhecida como teoria da
proporcionalidade, desenvolvida pelo direito alemão, é passível de aplicação, segundo análise
doutrinária e jurisprudencial, principalmente quando em favor do réu, vez que se estaria
protegendo também um direito fundamental, qual seja a liberdade do réu, bem como porque a
ilicitude do ato de coleta da prova estaria amparada por causa excludente de anti-juridicidade.
Mas a questão que fica pendente de definição é se a teoria da proporcionalidade poderia
fundamentar a admissão de uma prova ilícita em favor da sociedade e, conseqüentemente, em
desfavor do réu.

A doutrina é vacilante nesse sentido, já que os autores que se posicionam contra a prova ilícita
pro societate não enfrentam a questão a ponto de oferecerem referenciais precisos, deixando
sem respostas as várias situações levantadas hipoteticamente por alguns poucos doutrinadores
que se arriscam a defender a flexibilização da vedação constitucional, até mesmo quando a
prova ilícita seja contra o réu. O que se pode seguramente afirmar é que, embora a vedação
constitucional às provas ilícitas esteja a serviço da proteção de direitos fundamentais do cidadão
contra arbítrios do Estado, casos há que essa vedação, tomada de forma absoluta, levará a
situações conflitantes, protegendo-se um direito fundamental de alguém que ameaça solapar os
fundamentos basilares da sociedade constituída. Ainda que não se possa estabelecer uma
graduação entre os direitos fundamentais, é possível e até necessário que sejam relativizados
para atender à necessidade de convivência desses direitos dentro do sistema jurídico,
possibilitando a defesa da sociedade em situações extremas, sempre tendo na idéia de
proporcionalidade o vetor a orientar a flexibilização. É nessa esteira de raciocínio que se alude a
um "direito penal de terceira velocidade", no qual se poderia flexibilizar as garantia individuais
em situações extremas, mas sempre de forma temporária e emergencial, como um "direito penal
de guerra", necessário para defender a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito,
em função de ameaças como a delinqüência patrimonial profissional, a delinqüência sexual
violenta e reiterada, a criminalidade organizada e o terrorismo.

O direito existe para resolver os problemas oriundos da vida em sociedade e configura-se, em


grande parte, em uma tentativa de conciliar, no caso concreto, interesses antagônicos, sempre
tendo no ideal de justiça a sua orientação. E é através da atribuição de valores aos bens
jurídicos, de forma abstrata, que as normas jurídicas são colocadas. Por isso que a flexibilização
da vedação constitucional, em casos extremos, faz-se necessária, visando proteger o próprio
Estado de Direto. Isso não implica, certamente, em um banalização da idéia de situações
extremas, tornando permanente uma conduta que, em tese, só poderia ser admitida em situações
limite. Deve-se observar, ainda, que, mesmo nessas situações extremas, alguns direitos
fundamentais do cidadão não são passíveis de flexibilização, haja vista a desproporcionalidade
entre o bem jurídico restringido e o bem jurídico protegido. Assim, a título de exemplo, jamais
se poderia admitir a tortura como meio probatório, vez que essa é a forma mais desprezível de
desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão. No que tange às provas ilícitas por derivação,
não obstante o Supremo Tribunal Federal ter firmando entendimento pela inadmissibilidade
dessas provas que, embora colhidas licitamente, decorreram de informações obtidas de forma
ilícita, permanece a controvérsia sobre o tema, já que a Suprema Corte adotou a teoria
americana do fruits of poisonous tree, mas deixou de enfrentar questões relevantes sobre as
exceções à exclusão da prova derivada existente na jurisprudência norte americana, bem como
sobre a adequação dessa teoria ao modelo de processo penal brasileiro que, tradicionalmente,
procura resolver os conflitos entre direitos fundamentais através da ponderação de valores no
caso concreto, como ocorre no direito alemão.

Embora possa se admitir que a dicção da vedação constitucional às provas ilícitas pode levar ao
entendimento de que a prova ilícita por derivação também seria inadmissível no processo, vez
que foi obtida por meios ilícitos, ou seja, por informações colhidas ilicitamente, e que a
aceitação irrestrita da prova derivada da prova ilícita tornaria a vedação constitucional letra
morta, já que seria uma forma de burlá-la, não se pode esquecer que aqui, a exemplo do que
ocorre com as prova ilícitas propriamente ditas, casos existem em que a exclusão direta da
prova derivada pode levar a situações de injustiça, razão pela qual impõe-se a adoção da teoria
da proporcionalidade na análise do caso, admitindo, em caráter extraordinário, a prova derivada
da ilícita. Em relação às conseqüências da decretação da ilicitude da prova, os tribunais têm
entendido que a presença de uma prova ilícita no inquérito policial ou no processo não enseja
sua anulação, desde que existam outros elementos de prova suficiente para justificar a
continuidade das investigações ou do processo. Da mesma forma, existindo provas suficientes
fundamentando a sentença, esta será válida, ainda que no processo exista uma prova ilícita.

Finalmente, ainda que o processo ou o inquérito policial possam ter seguimento mesmo sendo
verificada a existência de uma prova ilícita em seu bojo, o mais adequado seria que essa prova
fosse desentranhada dos autos, já que sua permanência poderia contaminar o espírito do
julgador, sobretudo quando se tratar do tribunal do júri, composto por juizes leigos.

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