A Samaritana Com Jesus
A Samaritana Com Jesus
A Samaritana Com Jesus
4,5-33)
Queria chamar a vossa atenção para o movimento do texto:
O facto de Jesus que se senta junto do poço-fonte de Jacob coloca-nos logo num cenário
de graça e dom de Deus, no meio do deserto, um poço-fonte de água é sempre sinal do
amor premuroso de Deus. O poço fonte evoca ainda o cenário de noivado, levado,
levando o leitor a entrever os cenários de Isaac (por interposto servo) e Rebeca (Gn 24),
de Jacob e Raquel (Lia) (Gn 29), de Moisés e (Séfora Ex 2), em que na realidade, a
mulher que vem ao povo-fonte é a futura esposa. E a anotação de que era por volta do
meio-dia, fornece-nos outra preciosa evocação e coloca-nos na pista do noivo do cântico
dos cânticos, a quem a noiva implora:
Avisa-me, amado da minha alma: onde apascentas, onde descansas o rebanho ao meio
dia Ct 1,7).
Jesus rompe logo duas fronteiras com o seu pedido inesperado; a fronteira social e
religiosa, que separava judeus e samaritanos e a fronteira que então separa o homem d
da mulher, pondo-se ao nível daquela mulher. Depois começa o dialoga sobre o dom de
Deus em que o pedinte transforma em pedinte a mulher, eis a maravilha de um Deus
que pede para dar! O problema é articular o Dom de Deus com o judeu que a mulher
tem a frente que está sentado diante dela a falar com ela. Ela fica fixa no dom de Jacob e
não vê o Dom de Deus, oferecido por Jesus que é o próprio Jesus.
Evangelizar é ir ao encontro de alguém. Pensar em tudo, ser incansável na busca e na
proposta. Significa sobretudo saber captar o ponto certo, os pontos estratégicos, onde
está a vida, e onde o evangelizando vai procurar a vida. O poço, na sociedade
daquele tempo, era fonte de vida, uma condição fundamental de sobrevivência. Será que
somos capazes de identificar os poços de hoje, aqueles lugares e aqueles momentos,
aquelas povoações e aquelas perguntas, ou aquelas situações e factos, onde é inevitável
encontrar os que precisam de uma palavra que os levem para além do seu horizonte
actual? Aquelas encruzilhadas em que tarde ou cedo todos passam com as suas ânforas
vazias, com suas perguntas não expressas, com seus sonhos mal interpretados com seus
anseios inibidos ou às vezes desviados, ostentando sua auto-suficiência apenas aparente,
com seu desejo profundo e inapagável de autenticidade?
Chega uma mulher qualquer. Observe-se o absoluto anonimato. A evangelização é
exactamente assim. Um serviço de provocação que se dirige a todos. A evangelização
é antes de tudo uma ajuda, um caminho oferecido a todos os homens. É uma proposta
que começa com o pedido. É uma atribuição de responsabilidade, que é principalmente
uma mensagem de estima por qualquer coisa concreta que a pessoa possa fazer.
Vejam que Jesus não pensava apenas na água terrena, mas ele se aproveitou daquela
circunstância para estabelecer um contacto importante com a samaritana, ele pediu
alguma coisa que aquela mulher tinha condições de fazer e de dar. A evangelização não
é um simpósio ideológico, mas uma experiencia de vida.
O método pedagógico utilizado por Jesus conseguiu o seu primeiro objectivo, que
era o de criar interesse e causar surpresa. Estabeleceu relações que iam para além
dos critérios de raça ou de simpatia instintiva, de religiões ou de identidade
cultural. O missionário deveria ser capaz de dizer sempre uma palavra e propor sempre
coisas novas que não podem ser entendidas segundo o esquema habitual. Alguma coisa
que mova o coração por parecer estranha, original e inédita. Vede, Jesus conseguiu
entrar e penetrar profundamente na cultura da mulher e dialogar com ela de modo
concreto. Conseguiu uma empatia movida por amor. Conseguiu ver o mundo dela com
os seus próprios olhos, da pessoa a quem queria transmitir a mensagem e mudar o seu
coração. À resposta da mulher Jesus diz: se conhecesses o dom de Deus…! Estamos no
centro da operação que conduz ao cavar-escalar o desejo e a pergunta de si. Com esta
expressão Jesus coloca o mistério no centro da atenção da mulher, que imaginava saber
tudo. Jesus tudo faz para que a mulher descubra para além das aparências e de
sentimentos imediatos, o desejo de Deus escondido no mais fundo do seu coração.
Quem como evangelizador não adoptar esta atitude, não terá nada a dizer ao mundo,
muito menos pode arrogar-se o direito de falar em nome de Deus.
Jesus transmite esta inquietação salutar, abrindo à mente e o coração da mulher para a
perspectiva do mistério. É preciso lembrar-se sempre que a pergunta abre o mistério,
mas também o mistério faz nascer no coração a pergunta certa e mais profunda.
Não tens balde… essas palavras da samaritana revelam uma atitude interior complexa e
em movimento. A mulher representa aqui aqueles e aquelas que dão ouvido ao
chamamento e interpelação do Senhor, entretanto procuram defender-se banalizando o
pedido e negando um eventual sentido superior e transcendente às verdades que acabara
de ouvir. Uma vez que não acredita na grandeza do desígnio divino a seu respeito. Não
acredita naquilo que pode tocar ou está muito segura de saber fazer. É a negação do
mistério. O poço, na verdade era profundo e fundo que Jesus estava a cavar na vida
dela. O próprio Jesus profundo como ninguém, profundo de sentido e de
possibilidade de satisfação, cava fundo na vida da mulher a fim de ela também ser
profunda e funda, capaz de acolher e saborear o mistério da sua vida, fruto do
amor de Deus e consequência da comunicação deste amor à humanidade. A água
prometida e procurada é “água viva”, fresca e pura, é aquela por meio da qual a mulher
pode reconhecer a sua verdadeira identidade, sua vida e seu futuro. É deste diálogo e
encontro que nasce a pergunta: de onde vais tirar a água viva? Nasceu o interesse, a
procura, o desejo de buscar em outro lugar. Mesmo assim, ainda surge a dúvida, a
desconfiança: será que ir buscar a água de outro lado não complicará a minha vida, não
será uma escolha que me atira contra a corrente e me torna estranho aos olhos dos meus
próprios amigos e familiares (Lc. Não vim trazer a paz mas o fogo, que quero eu senão
que se acenda?). O evangelho traz, efectivamente divisão, porque as trevas não podem
com a luz. Notai como o mistério perturba, provoca, remexe. Mas Jesus não se dá por
vencido, e insiste. E lá vem Paulo: falai a propósito e despropósito. Insistir sempre, mas
com amor e testemunho de vida, com empatia e simpatia, mas também com pedagogia.
Jesus insiste. Quem bebe desta água nunca mais terá sede… a saciedade desta água
abrange o homem inteiro, é saciedade definitiva e felicidade perene. Pois cria uma
fonte dentro daquele que a bebe. É por isso que a vocação cristã existe para os outros
e é uma fonte de vida, é responsabilizar-se pelos outros. Este é o aspecto fascinante
dessa vocação, de ser apóstolo. É muito mais atraente o dom de si aos outros, que
um ideal que tem por meta simplesmente a auto-realização.
“Senhor, dá-me desta água”. O pedido tornou-se uma invocação, súplica, uma procura
da própria identidade segundo o desígnio de Deus. A mulher foi posta diante do
mistério, do mistério da sua vida e do seu futuro. A súplica indica que ela está diante do
mistério sem poder escapar dele e evitá-lo. E o mistério à semelhança do que fez
Maria, implica um compromisso, um pacto com o risco.
Na Evangelização é importante que o missionário ajude os outros a redescobrir e
decifrar o sonho de Deus sobre as suas próprias vidas. Recorrer à memória para
descobrir ou discernir o mistério da sua vida. É recordando tudo o que aconteceu na sua
vida passada que alguém pode começar a ouvir outra voz, a voz certa, a reconhecer
determinado timbre, a descobrir um chamamento que é fruto de uma sequência de
acontecimentos1.
Curiosa e significativamente, a memória Bíblica, isto é, dos feitos de Deus em favor da
Humanidade e do Povo concreto de Israel, é o modo típico de crer do homem espiritual,
que acredita recordando e recorda acreditando. Esta é a memória que Moisés
recomendou ao povo de Israel (lembre-se de todo o caminho que Javé de fez percorrer
durante quarenta anos no deserto Dt.8, 2). O que fez com que o povo acreditasse não foi
a inteligência, mas fundamentalmente porque tinha visto (Dt. 11, 3-7), porque seus pais
lhes tinham contado o que viram e viveram (Dt.32, 7) porque caminhando pelo deserto
experimentaram as seduções de Deus e tinham sido provados (Dt.8,3). Acreditavam não
pela força da razão, mas pela evidência intrínseca dos factos vividos. Portanto, o
missionário, como é óbvio, deve fazer reviver aos outros o que Deus fez já nas suas
vidas e começarem a recordar e solidificarem a sua fé, a sua convicção. Vede, o que o
Israelita piedoso fazia para que esses factos não fossem esquecidos, fazia memória
deles, isto é, celebrava-os, prestando, um culto que consistia no memorial. Uma
memória que não se voltava exclusivamente para o passado, mas se projectava em
direcção ao futuro. Renova no tempo o significado do acontecimento e a sua eficácia.
Quando o homem se recorda de Deus, e faz este memorial, deixa que o seu ser e a
sua acção sejam determinados por Deus. Faz com que os seus actos sejam
determinados pela vontade de Deus; nisto o verdadeiro Cristão devia pedir sempre
a Deus para que se lembre dele e não se lembre dos seus pecados, e é próprio, por
exemplo, de um Israelita que ao fazer memória isto tenha influência sobre toda a
sua pessoa e o rumo de sua vida. Por isso, do ponto de vista histórico, ele caminha de
costa viradas para aonde vai e vê assim o seu futuro a dilatar-se, isto é, a crescer para
trás.
A memória da fidelidade de Deus cria a fidelidade do homem, torna-a possível e a
sustenta com eficácia, e no momento e na medida em que a fidelidade divina é
reconhecida e celebrada, com estupor e contemplação, o coração humano começa a se
tornar participe da própria fidelidade divina. Assim que para o cristão a Bíblia devia ser
muito familiar, e se tornasse para ela uma boa memória, um espelho no qual visse
reflectida a sua vicissitude existencial, ou o panorama de fundo diante do qual toda a
sua vida se desenrola. Heschel diz que: “ a Bíblia não é a visão que o homem tem de
Deus, mas a visão que Deus tem do homem. A Bíblia não é teologia do homem (feita
pelo homem), mas a antropologia de Deus, que se ocupa dos homens e daquilo que ele
lhes pede, mais do que da natureza de Deus.
Na missionação é esta lógica que deve ser seguida. Despertar nos outros a fidelidade do
projecto de Deus. O que ele fez ontem com os nossos antepassados é a mesma coisa que
quer fazer connosco. Nós somos herdeiros das mesmas promessas de Abraão. A
diferença é só do tempo, mas a qualidade das promessas é a mesma e é o mesmo Deus.
1
- Amedeo Cencini- a história pessoal, morada do mistério, 3ªed, S. Paulo: paulinas, 2003, p.23. o cristão
começa a interrogar por uma presença, por um convite, por um alógica dos factos que parece invadir e
abraçar sempre mais claramente toda a existência, dando-lhe singularidade e projectando-a sobre
panorama impensado.
A abertura confiante ao dom de Deus, a abertura dialógica aos outros, consequência
desta abertura a Deus exige uma maturidade humana do evangelizador. Como viver a
experiencia comunitária, fruto da aceitação de um Deus que é comunidade em si
mesmo, quando a pessoa está fechada na própria subjectividade, incapaz de uma
abertura fecunda aos outros? Na Evangelização, trata-se de sair-de si-próprio para se
encontrar com o outro, respeitado como outro, a fim de ajudá-lo a se encontrar com
Jesus Cristo Salvador-libertador. Pois assumir com realismo a condição humana é de
fundamental importância para o aprofundamento no encontro com Deus salvador-
redentor.
Note-se e desde já que, a humildade constitui o alicerce necessário do trabalho
evangelizador, devido a realidade de que o evangelizador é apenas o colaborador no
trabalho de semear o Reino de Deus. Quem semeia de facto é Jesus Cristo. (Mt. 13,4-
9.18-239). E faz a semente germinar, crescer e frutificar é o Espírito de Deus, a graça, o
amor de Deus actuando no ser Humano. Na evangelização cada um se recebe de Deus
através da palavra que o mediador lhe dirige e cria nova identidade a partir dos valores
do Evangelho.
Vejam como Jesus foi capaz de mobilizar, suscitar os sentimentos humanos com
profundidade e simplicidade. Ele é alguém capaz de mobilizar e cativar o coração
humano. Por isso, a actividade evangelizadora compromete a pessoa inteira do
evangelizador, mas trata-se de um agir fundamentado na vivencia de uma relação
pessoal e adulta com Deus da revelação Bíblica.
Esta mulher da Samaria, encontrada e conduzida por Jesus, fez o seu percurso. Do
Judeu ao Messias. Veio para tirar água de um poço. Trazia um cântaro. Mas
depois de ser levada a descobrir o Dom de Deus que nos precede, que nos ama e
nos chama e acompanha, a mulher deixou ficar o cântaro antigo e água antiga, e,
movida já pela água nova da fé que leva dentro correu à cidade com uma noticia
feliz que expressará de forma testemunhal e diz: vinde e vede. É um convite para
um encontro pessoal com Jesus, pois se trata, não de um ver superficial e exterior,
mas um ver novo e profundo, interior, para além das aparências ver quem é, ver a
identidade. E diz mais um homem que me disse tudo o que eu fiz.
OS DISCIPULOS DE EMAÚS (LC. 24, 13-33)
A consagrada supõe-se que é alguém que já fez a sua escolha, tomou a sua decisão
definitiva para a sua vida hoje e para sempre. Entretanto esta escolha precisa de ser
posta à prova à semelhança de Abraão. Que dizer que esta escolha-resposta é gradual e a
nossa fé é proporcional à experiencia existencial ou de vida. É na verdade um contrato
de risco e com o risco. À medida que cresce e se toma consciência lúcida da própria
resposta o coração dilata com a doçura das maravilhas do Senhor e cresce também a
liberdade interior entendida não só como ausência de condicionalismos, mas como
capacidade de descobrir e apreciar progressivamente a verdade daquilo que se é e do
que se é chamado a ser. É necessário cultivar a virtude de liberdade e o princípio
pedagógico da gradualidade.
Neste texto vemos como Jesus se aproxima dos dois e se põe a caminho com eles.
Curiosamente os dois têm os olhos impedidos de o reconhecer. Assim é, porque a
imagem que tinham criado na sua mente em relação a Jesus era completamente
diferente da verdadeira realidade: um Messias poderoso. E diante do que acontecera
desanimaram. Afastam-se de Jerusalém e dos outros e da comunidade. Jerusalém era o
Centro e agora estão a ir para a periferia. Perderam o ponto de referência da sua vida.
Jesus procede a esta intervenção correctiva do mestre e, aos poucos, se lhe vai abrindo
os olhos!
Jesus faz-lhe a pergunta não para colher informações, mas para que os dois se
manifestem a si próprios e verbalizem a sua tristeza, desilusão, e esperanças frustradas e
tomem consciência do problema real da sua perturbação.
Jesus conseguiu introduzir-se no seu mundo e captou em profundidade a sua realidade e
percebeu o ideal vocacional dos discípulos.
Que palavras são estas que opondes entre vós? Que aconteceu em Jerusalém nestes
dias? As perguntas levaram os dois, por um lado a tomarem consciência da sua tristeza e
dissensões. Jesus declara-os insensato no seu modo de ver e ler os acontecimentos e
desperta-os para uma maneira nova de ler os factos. Como perguntas fá-los dizer e
dizer-se e suavemente os corrige e lhes abre o mundo novo das escrituras. Ele que surge
de fora faz perguntas decisivas, corrige as respostas, e toma sempre a iniciativa e
conduz a acção.
E o caminho ficou curto. Já estão em Emaús. Fica connosco! Dizem eles. Expressam o
seu desejo mais ardente em forma de pedido. Têm medo do escuro interior, do vazio da
alma, do sem-sentido da vida que experimentaram com aquela morte ilegível de Jesus.
Com este grito: fica connosco, começa a subir de novo os indicadores de esperança. É
esta luzinha interior acesa no caminho que eles não querem agora perder. Nenhuma
violência. Só arte e pedagogia.
Jesus repete agora o gesto da sua despedida, na última ceia. Toma a iniciativa e conduz
a acção. E ele tinha já presidido toda a caminhada. Ele entrou para ficar com eles e
connosco. Ele precede sempre e preside sempre. Em nossa casa, à nossa mesa, à nossa
vida. É dele sempre o amor primeiro e inaugural, o gesto primeiro. Tomou o pão, não
pegando simplesmente no pão, mas recebendo-o, aceitando-o de Deus. Deus dá o
homem recebe. Pronunciou a bênção, isto é, uniu-se a Deus de modo total. O partir e dar
indica uma nova maneira de viver, viver da partilha! Porque este pão é o corpo dele
partido e dado. Vida recebida e dada. Não para guardar ou desperdiçar, mas para dar,
para se dar.
Afinal Jesus entrou para ficar connosco. Não para ficar retido. O modo divino de ficar é
dar-se. E dando-se a nós em dádiva pessoal, dando por nós a vida toda não pode ficar
nem estar mais ali. Desaparece naturalmente como objecto da nossa vista, mas fica mais
presente do que nunca na nossa vida, pois se dar reclama a realidade do dom, dar-se
reclama a presença do doador, presença não apenas real, mas íntima e de amor. Por isso
neste gesto único de precedência e presidência e auto-destituição por auto-doação a nós
e por nós foram abertos os olhos dos dois que o reconheceram e o viram partir-se, dar-se
e ficar. Não o viram chegar. Portanto, fica claro que não é retendo e amealhando que
assegura a vida, mas é dando a vida que se fica com a vida, segundo a lógica do
Evangelho. Aquele que procurar ganhar a sua vida, perdê-la-á e aquele que a perder
conserválá-á. Afinal não era mesmo o medo da noite exterior que os preocupava. Pois a
prova está visível. Eis que se levantam agora e partem a caminho de Jerusalém. Eis que
inicia o movimento contrário de comunhão, falam os dois um com o outro, sentem o
coração a arder, as escrituras estão abertas, os onze e os outros com eles estão
definitivamente reunidos e unidos em assembleia, reunião definitiva que é obra de Deus
e não dos homens.
Vemos que a vida, na verdade é um dom e também um empréstimo. Com o dom o
recebedor recebe, alem do presente também o amor do doador. Um dom é como um
vaso cheio de perfume de afecto que se quebra logo que o recebedor o comece a
considerar seu.
Deus deu-me por amor, para que eu me receba por amor. Deu-me o mundo por amor
para que eu o receba por amor. Receber não é um gesto fácil. É um gesto difícil tecido
de inteligência e de coragem implica que eu compreenda que não tenho em mim o meu
fundamento, que não tenho nenhum direito sobre mim nem sobre o mundo que eu não
sou meu e o mundo não é meu, que eu não sou dono de mim nem dono dos outros nem
do mundo, que não posso dar-lhe o sentido que eu quiser. Não sou dono mas dom. E a
resposta ao dom tem três dimensões. A aceitação feliz e o reconhecimento, no sentido
de conhecimento novo. O dom remete para o outro que oferece e reconhecer o mundo
como mistério e adoração (mistério vem do verbo grego myo- cerrar os lábios) e
adoração do latim Ad os oris (levar à boca) o que implica calar-me e levar à flor dos
lábios, isto é, beijar, com amor este homem e este mundo que Deus me oferece como
dons ou presentes.
8/01/2012 noite.
Quando se entra na comunidade, em regra, cada uma tem já um esquema pessoal e a sua
pré-compreensão em relação à realidade que encontra. E como consequência, cria-se um
choque com a realidade encontrada, pois não encaixa no esquema pré-fabricado. A
Bíblia vem em nosso auxílio para percebermos bem esta realidade, no texto de Lc 24
13-35. Os discípulos de Emaús habituados que estavam com o sucesso do Mestre estão
agora a braços com uma dificuldade grande e quase sem saída. Estão desanimados! Ora
bem, como conseguir animar os desanimados e decepcionados consigo mesmos e com a
realidade? O melhor modo no-lo ensina Jesus. O texto apresenta-nos a delicadeza de
Jesus que se faz companheiro de caminho para entrar no coração dos dois discípulos
desanimados até aquecê-lo e coloca-los novamente em pé, e ansiosos para anunciar à
comunidade inteira a sua pessoal experiencia de Cristo ressuscitado.
O curioso é que os dois discípulos escutaram as palavras e viram os sinais realizados
por Jesus, mas agora viviam um momento de crise, de confusão, de desânimo. Não
compreenderam os últimos acontecimentos de Jerusalém, desapontados voltam á
situação anterior (Jo 21,1-3). É preciso saber interpretar, ler alguns indícios, alguns
sinais e perguntas (só tu és tão estrangeiro para não saber? Senhor se tu estivesses aqui
meu irmão não teria morrido…). É importante, á semelhança de Jesus viajar com a
pessoa, oferecer-se como companheiro de caminho, uma vez que não é possível
encontrar e dar respostas, senão não reconhecidas e compreendidas as perguntas de
fundo e do fundo do coração. Ninguém pode dar respostas boas se não conseguir
formular bem a pergunta. E para entender as perguntas actuais, é bom conhecer, pelo
menos, um pouco a história pessoal, com desejos e expectativas suscitadas pelos
acontecimentos passados.
Deste modo podemos dizer que não é suficiente que a pessoa escolha um ideal
nobilíssimo para a sua vida, também não é suficiente uma motivação teológica (Deus
me chamou) ou ética (é justo e até obrigatório sacrificar-se pelo bem dos outros); para
se autenticar uma opção de vida. O ideal escolhido deve ser amado em si mesmo; a
motivação que leva a escolhe-lo deve ser não só teológica e ética, mas também e
sobretudo estética, ou seja, determinada pela beleza intrínseca do valor escolhido e pela
sensação-convicção de que aí está escondida também a própria verdade-beleza-bondade.
Só assim é que se é capaz de mostrar e transmitir a mensagem da beleza de uma vida
segundo o Evangelho; e o único modo de anunciar a beleza de uma escolha existencial é
evidentemente a própria experiencia/significado da experiencia. Experiencia de
serenidade de alegria de ser e continuar a se aquilo que um dia escolheu, de descoberta
de novos motivos que confirmam o ideal e a opção. Temos que ter a consciência de que
aquilo que propomos aos outros foi experimentado e provado por nós, é fonte de
plenitude e de felicidade, embora muitas vezes cercado de muitas dificuldades.
Requerer-se aquela capacidade de apreciar e partilhar a beleza de pertencer a Deus, o
que é, por sua própria natureza, algo formativo e contagioso. A comunidade deve fazer
um viagem em busca do mundo dos desejos de cada um dos seus membros, do seu
conteúdo e do seu significado, pois muitas vezes alimentamos sonhos de um eu ideal
ainda pagão.
O texto de Lucas põe em evidencia a importância d relação estabelecida entre as
pessoas. Só o calor que provém do acolhimento pode aquecer outro coração triste,
desanimado. As mediações humanas e também as do coordenador, são o modo habitual
com o qual Deus prefere intervir e operar para trazer consolação e cura (Mt 10, 7-8). O
problema fundamental é a qualidade das nossas relações, mas do que a quantidade. As
pessoas quando entram numa comunidade não procuram um saber nem uma regra
prática e comportamento, mas pedem uma “vida em profundidade”, a sua própria vida,
querem um novo nascimento. Graças a relação qualitativa que encontra se cria uma
confiança mútua e assim ela chega ao mais fundo do seu ser e sentir-se chamada com
um nome novo (Maria em Jo 20,11-18). A vida profunda no Espírito conduz à
reconciliação consigo mesmo e com os outros, libertação do ídolos, maturidade de dom
e serviço. Graças à releitura da vida à luz da palavra, o coração dos discípulos é
aquecido desde dentro. Na comunidade que o coração arda e queime depois do encontro
com o Senhor e partilhemos esta experiencia que é o ponto de partida da renovação
pessoal e comunitária.
O BOM SAMARITANO (Lc. 10, 25-37)
Os desafios Bíblicos à prática vida humana e cristã Lc.10, 25-37. Na vida há coisas que
não aumentando a nossa grandeza nem poder, não nos importa e não damos importância
nenhuma. E há um contraponto, constituído por aqueles que vivem a partir dos outros e
das suas necessidades.
Assim é o desafio que vamos encontrar no texto que comumente chamamos de Bom
Samaritano.
Estamos perante dois tipos de paradigmas: o da identidade e o paradigma de alteridade.
O primeiro pauta o seu comportamento pelo interesse. Auto-conservação, auto-
expressão, auto-realização, dos que vivem para si e a partir de si, debruçando-se sobre si
mesmo. O samaritano, ao contrário, vive para o outro e a partir do outro, não com o fito
de auto-realização, do proveito próprio, mas auto-destituindo-se para servir
incondicionalmente o outro, para dar a vida ao outro. Este é o primeiro desafio que eu
sou chamado a enfrentar quotidianamente e o primeiro desafio que a Bíblia lança à
moral.
Quem é o meu próximo? Esta é a pergunta fundamental e radical.
Do texto lido sobressai esta visão: resulta obvio que beneficiado deste encontro entre o
samaritano e o homem meio morto foi o homem meio morto. E é interessante o que diz
Beauchamp: “explicar um texto é dizer o que ele não diz”. Torna-se necessário fazer
outro texto. Agora vamos tentar ouvir a voz não ouvida no texto, a voz do homem
meio morto. Ao aproximar-se daquele homem o samaritano sentiu-se interpelado por
um mandamento fortíssimo, que soa: “cuida de mim, salva-me!” ele entrega-se
completamente ao samaritano, deixando a sua vida toda nas suas mãos. Se quiseres
salva-me. É um pedido incondicional, mas que me obriga a tomar uma decisão
indeclinável. O que se passa é que aquele ser que jaz à minha porta se entrega
completamente a mim e entregando-se completamente a mim entrega-se a mim mesmo,
isto é, liberta-me do meu egoísmo e do meu eu espontâneo e institui-me como eu
responsável, para que eu me possa entregar livremente a ele. Sou responsável pela vida
do outro. Abel onde está o teu irmão? Porventura eu sou guarda do meu irmão? Sim, és,
és responsável pela vida do teu irmão. O seu sangue clama da terra!
O verdadeiro soberano cristão é o pobre, o necessitado. Porque tem o poder de me dar
liberdade, de me re-criar, de tornar-me e mais humano.
Vejamos, o grande beneficiado do encontro entre o homem meio morto e o
samaritano, é o samaritano e eu, pois abriu um horizonte novo, que está para o
além da necessidade e da espontaneidade: o horizonte da gratuidade e da liberdade
para o amor de alteridade, de outrem.
O legista ficou a saber muito mais do que queria e ficou a saber que o que fazer para se
próximo de alguém. Não sabemos se ficou a saber quem era o seu verdadeiro próximo,
o único que nos pode chamar próximos.
O caminho que estamos a fazer com o texto mostra que o nosso próximo é aquele que
primeiro se entrega a nós, concedendo-nos o dom da liberdade e da vida. Isto exige, de
facto mudança, conversão e transformação. A proximidade do samaritano ou a minha
será sempre resposta segunda a uma proximidade primeira que, primeiro, me chamou e
amou. A proximidade do samaritano brota da escuta e não da visão, se produz
diante do outro como apelo. Neste sentido, no discurso Bíblico, próximo é antes de
mais Deus (Dt.4,7, Sl145, 18; Is 55, 6; Lm 3,57), e é por isso que é também o nosso
redentor, isto é, o nosso familiar mais chegado, a quem compete reconstituir a nossa
liberdade. Mas próximo e também dador de vida e da liberdade é o que tem fome e
sede, o que anda nu, o que está doente ou na prisão. Portanto, é preciso saber quem é o
meu próximo e senhor para dele me receber e saber o que fazer e responder como servo,
obedientemente. Isto revela a prioridade do outro sobre mim.
Em termos bíblicos podemos dizer que há conversão quando eu faço a experiencia ética
da prioridade do outro sobre mim, que eu experimento a transcendência do outro sobre
mim. Vede que o desejável atrai, seduz, opera por sedução, mas o Outro opera por
exigência e cria interpelação. O outro entrega-se a mim e entregando-se a mim, entrega-
me a mim, libertando-me, para que eu me possa entregar livremente a ele e aos outros.
A palavra primeira de Deus para se cumprir precisa da palavra segunda, responsorial e
responsável do homem (Deus hoje em dia já não tem mãos, pés e cabeça, precisa de nós
para continuar a realizar milagres). É por isso que a narrativa bíblica é longa e lenta.
Atravessa páginas e séculos. É o testemunho da interpelação da palavra e do amor
de Deus que pacientemente pede e espera a palavra e o amor do homem. Precisa
do meu rosto e do meu tempo e da minha palavra.
O bom samaritano nos é proposto como modelo de pessoa que sabe responder ao grito
do próximo em dificuldade, o verdadeiro sentido da vida cristã e por isso mesmo o
verdadeiro critério de maturidade não é auto-realização mas sim a responsabilidade de
ser dom para alguém.
A responsabilidade, poderíamos dizer, marca o ponto extremo da evolução da raça
humana, do caminho espiritual do cristão e do consagrado (a). A escolha de doar-se a
Deus, sinal de responsabilidade, ou gesto tornado possível apenas por assumir a
responsabilidade diante de Deus, dos outros e de si mesmo. Responsável é a pessoa
capaz de escuta e só quem escuta é capaz de dar uma resposta adequada e pronta. Este
não delega a resposta que só ele pode e deve dar. Em síntese podemos dizer que
responsabilidade é:
a) Disponibilidade para a obediência (escuta-ob-audiens) em relação à vida e aos
outros, ao Outro)
b) Capacidade de resposta absolutamente pessoal e habitualmente difícil
Testemunho individual daquele laço universal que vincula entre si todos os seres no
cuidar-se recíproco
Escutar é prestar ouvido, atender, aprender. Por isso a acção de escutar se distingue da
de ouvir, porque integra o elemento de uma atenção voluntária. Por isso é um termo
próprio para a comunicação por excelência. Ela é sempre seguida de outra acção: a de
põe em prática o escutado ou ainda da, da obediência ao escutado. Consequentemente,
escutar está ligado com o fazer a vontade de Deus.
O aparece como capacidade, como energia que muda a vida e lhe dá um sabor especial,
liberdade e ternura. Ao permanecer no amor nossa vida se trnsfigura. O amor deve ser o
fundamento da nossa linguagem. A fonte donde brotam as nossas palavras. A fonte da
nossa acção. Porque só as palavras que procedem do coração cheio de amor têm eficácia
sobre as pessoas e curam, libertam, e aproximam. Só a palavra embebida no amor se
convertem em bênção para os outros
A separação que muitas vezes se nota na nossa acção é aqui posta em causa, porque nós
devemos servir a Deus no homem e servir o homem em Deus. Encontramos Deus no
mundo reconciliado em Cristo. Por isso, o cristão já não homem do eterno conflito; ao
contrário, como a realidade em Cristo é una e única, também ele que pertence a essa
realidade de Cristo, é um ser humano integral. A sua realidade não o separa de Cristo e
o seu carácter cristão não o separa do mundo. Mas está no mundo a fazer as coisas com
os sentimentos de Cristo. É esta paixão pela verdade que se pode chamar
verdadeiramente de amor e amor de doação ao outro por ser outro e não por interesse.
Amor do inimigo.
Um dia de sábado, o filho de um rabino foi rezar a uma sinagoga que não a do seu pai.
No retorno, o rabino perguntou-lhe: então, aprendeste alguma coisa nova? E o filho
respondeu: “ sim, claro!” o pai, um pouco tocado no seu orgulho de rabino, continuou:
“então, que é que lá te ensinaram? ama o teu inimigo! Disse o filho. O pai apressou-se a
replicar: “ eles pregam a mesma coisa que eu. Como podes afirmar ter aprendido
alguma coisa nova? O filho respondeu: Eles ensinaram-me a amar o inimigo que habita
em mim, enquanto eu me obstino a combatê-lo.
Um dia de sábado, o filho de um rabino foi rezar a uma sinagoga que não a do seu pai.
No retorno, o rabino perguntou-lhe: então, aprendeste alguma coisa nova? E o filho
respondeu: “ sim, claro!” o pai, um pouco tocado no seu orgulho de rabino, continuou:
“então, que é que lá te ensinaram? ama o teu inimigo! Disse o filho. O pai apressou-se a
replicar: “ eles pregam a mesma coisa que eu. Como podes afirmar ter aprendido
alguma coisa nova? O filho respondeu: Eles ensinaram-me a amar o inimigo que habita
em mim, enquanto eu me obstino a combatê-lo.
Um dia de sábado, o filho de um rabino foi rezar a uma sinagoga que não a do seu pai.
No retorno, o rabino perguntou-lhe: então, aprendeste alguma coisa nova? E o filho
respondeu: “ sim, claro!” o pai, um pouco tocado no seu orgulho de rabino, continuou:
“então, que é que lá te ensinaram? ama o teu inimigo! Disse o filho. O pai apressou-se a
replicar: “ eles pregam a mesma coisa que eu. Como podes afirmar ter aprendido
alguma coisa nova? O filho respondeu: Eles ensinaram-me a amar o inimigo que habita
em mim, enquanto eu me obstino a combatê-lo
Um dia de sábado, o filho de um rabino foi rezar a uma sinagoga que não a do seu pai.
No retorno, o rabino perguntou-lhe: então, aprendeste alguma coisa nova? E o filho
respondeu: “ sim, claro!” o pai, um pouco tocado no seu orgulho de rabino, continuou:
“então, que é que lá te ensinaram? ama o teu inimigo! Disse o filho. O pai apressou-se a
replicar: “ eles pregam a mesma coisa que eu. Como podes afirmar ter aprendido
alguma coisa nova? O filho respondeu: Eles ensinaram-me a amar o inimigo que habita
em mim, enquanto eu me obstino a combatê-lo
Quais são as dificuldades que encontra na tua vida de consagrada?
Tu és verdadeira nas suas relações com as outras?
Costuma tentar libertar-se da sua agressividade de uma forma indirecta, em vez de a
manifestar ao outro com toda a franqueza?
Que melhorias deveria introduzir nas suas relações na comunidade?
Que penso de mim mesma à luz de Rom, 7,14 ss?